KARINA MELISSA CABRAL

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA KARINA MELISSA CABRAL O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E A JUSTICIABILIDADE DO DIREITO À QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO NO BRASIL: funções e interpretações PRESIDENTE PRUDENTE 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

KARINA MELISSA CABRAL

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E A JUSTICIABILIDADE DO

DIREITO À QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO NO

BRASIL: funções e interpretações

PRESIDENTE PRUDENTE

2014

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KARINA MELISSA CABRAL

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E A JUSTICIABILIDADE DO

DIREITO À QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO NO

BRASIL: funções e interpretações

Tese de doutorado apresentado ao Programa

de Pós-graduação em Educação da Faculdade

de Ciências e Tecnologia – UNESP, Campus

de Presidente Prudente, para a obtenção do

título de Doutor em Educação.

Linha de Pesquisa: Políticas Públicas,

Organização Escolar e Formação de

Professores.

Orientador: Prof. Dr. Cristiano Amaral

Garboggini Di Giorgi

PRESIDENTE PRUDENTE

2014

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Cabral, Karina Melissa.

C119m O Ministério Público estadual e a justiciabilidade do direito à qualidade

do ensino fundamental público no Brasil : funções e interpretações / Karina

Melissa Cabral. - Presidente Prudente : [s.n.], 2014

272 f. : il.

Orientador: Cristiano Amaral Garboggini Di Giorgi

Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de

Ciências e Tecnologia

Inclui bibliografia

1. Ministério Público. 2. Qualidade. 3. Justiciabilidade. I. Di Giorgi,

Cristiano Amaral Garboggini. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade

de Ciências e Tecnologia. III. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da

Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Campus de

Presidente Prudente.

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Dedico este trabalho à minha mãe cuja força e

equilíbrio, apesar de todos os revezes da vida,

me fizeram chegar ao final desta etapa. Hoje

realizo um sonho e devo isso a ela!

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AGRADECIMENTOS

Durante esta jornada longa e muito difícil contei com a ajuda, o apoio e carinho de

diversas pessoas, mas uma delas, em especial, acreditou em mim desde o começo e não me

deixou esmorecer. Obrigada, prof. Dr. Cristiano Amaral Garboggini Di Giorgi, por ter sido

muito mais que um orientador, por ter sido um mestre e um exemplo!

Agradeço também a todas as pessoas que estiveram presentes nesta jornada e que de

alguma forma contribuíram com o resultado deste trabalho e o fizeram de fato possível!

Agradeço à minha família pelo amor, carinho e força durante este percurso. Por

sempre acreditarem em mim e estarem ao meu lado.

Agradeço a cada professor e professora da pós-graduação em Educação da

FCT/UNESP pelas ricas contribuições feitas não só a pesquisa, mas também a mim como

profissional da educação.

Aos colegas do GPFOPE - Grupo de pesquisa formação de professores, políticas

públicas e espaço escolar pelos questionamentos e sugestões tão importantes que

possibilitaram o desenvolvimento desta tese.

Aos meus colegas do doutorado que tornaram minha trajetória mais rica e agradável.

Agradeço aos representantes do Ministério Público que gentilmente participaram da

pesquisa.

Aos diversos profissionais da FCT/UNESP sem os quais a estrutura que envolve esta

pesquisa não teria se realizado, em especial, a equipe da pós-graduação desta instituição.

E a todos aqueles que aqui não foram nominalmente lembrados, mas estão todos os

dias em meu coração. Muito obrigada!

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CABRAL, Karina Melissa. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E A

JUSTICIABILIDADE DO DIREITO À QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL

PÚBLICO NO BRASIL: funções e interpretações. Tese (Doutorado em Educação) –

Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP – Univ. Estadual Paulista de Presidente

Prudente, Presidente Prudente-SP, 2014. 272 f.

RESUMO

O presente estudo vincula-se à linha de pesquisa de “Políticas Públicas, Organização Escolar

e Formação de Professores” e teve como objeto de investigação o papel do Ministério Público

estadual na justiciabilidade da qualidade do ensino fundamental público, propondo uma

reflexão sobre a possibilidade dos representantes deste órgão exigi-la juridicamente por meio

da Ação Civil Pública. Como proposta para mensuração da qualidade apresenta-se a discussão

das dimensões qualitativas da educação (insumos, processos e resultados) com o intuito de

possibilitar uma maior viabilidade jurídica aos pedidos de exigibilidade da qualidade do

ensino fundamental. Durante a pesquisa verificou-se que na composição do MP existem

também alguns órgãos auxiliares da atividade funcional que são os Centros de Apoio

Operacional – CAO ‘s que têm como função o auxílio, a prestação de serviços, informações e

monitoramente de ações governamentais e políticas públicas que envolvam crianças e

adolescentes remetendo informações técnico-jurídicas para que os representantes do

Ministério Público possam atuar em relação aos direitos destes. A pesquisa foi realizada

através de um mapeamento das ações dos órgãos do Ministério Público Estadual nos Estados

brasileiros, enfocando os Centros de Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou

os Centros de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ) que por meio do uso do

método comparativo, aliado ao aprofundamento na pesquisa bibliográfica e documental,

analisou as informações obtidas sobre a forma de atuação destes órgãos em ações que

envolviam pedidos que tenham como fundamento as dimensões da qualidade do ensino

fundamental. O trabalho concluiu que existe um movimento positivo do Ministério Público

Estadual em relação ao direito à educação, porém verifica-se que há uma compreensão de

viabilidade jurídica em relação ao acesso e a permanência na escola, mas pouco se fala nas

dimensões da qualidade, isto porque muitas vezes estas questões esbarram no princípio

jurídico da reserva do possível que protege o Poder Executivo do cumprimento de suas

obrigações positivas, sob a alegação de impossibilidade financeira com base na Lei de

Responsabilidade Fiscal. Na configuração geral do país quanto aos CAO’s podemos dizer que

o Brasil ainda precisa de uma maior estruturação, pois estes órgãos auxiliares são de extrema

relevância para que o Ministério Público tenha ações diferenciadas quanto a alguns direitos

específicos, como a educação, porém muitos Estados ainda não possuem os CAO’s, muito

menos especificamente na área educacional. Um exemplo de ação pontual e positiva quanto à

qualidade do ensino fundamental pode ser encontrada no Estado da Paraíba que possui,

inclusive um Manual de Atuação na Educação. O referencial teórico abrange entre outros,

Regina Maria Fonseca Muniz, Evaldo Amaro Vieira, Nina Beatriz Ranieri, Romualdo Portela

de Oliveira, Gilda Cardoso de Araújo e Carlos Roberto Jamil Cury. Também foram analisados

estudos e relatórios da Organização Não Governamental Ação Educativa, mais

especificamente do Projeto Ação na Justiça, e da UNESCO.

Palavras-chave: Justiciabilidade. Ministério Público. Ensino Fundamental. Qualidade.

Dimensões.

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CABRAL, Karina Melissa. THE PROSECUTOR STATE AND TEACHING QUALITY

OF THE RIGHT TO FUNDAMENTAL JUSTICIABILITY PUBLIC IN BRAZIL:

functions and interpretations. Thesis (Doctor of Education) - Faculty of Science and

Technology - UNESP - Univ. Estadual Paulista of Presidente Prudente, Presidente Prudente-

SP, 2014. 272 f.

ABSTRACT

This study is linked to the line of research "Public Policy, School Organization and Teacher

Education" and had at investigating the role of the state prosecutor in the justiciability of the

quality of public elementary school, proposing a reflection on the possibility of

representatives of this body requires it legally through the Public Civil Action. As a proposal

for quality measurement presents the discussion of the qualitative dimensions of education

(inputs, processes and outcomes) in order to enable greater legal feasibility to requests for

claiming the quality of basic education. During the research it was found that the MP

composition there are also some subsidiary bodies of the functional activity are the

Operational Support Centers - CAO's which function to aid the provision of services,

information and monitoramente of government actions and policies public involving children

and adolescents referring technical and legal information so that prosecutors can act in

relation to these rights. The survey was conducted by mapping the actions of the organs of the

State Prosecutor in the Brazilian states, focusing on the Centers for Operational Support

Defense Education (CAODE) or the Centers for Children and Youth Operational Support

(CAOIJ) that through use of the comparative method, coupled with the deepening of

bibliographical and documentary research, analyzed the information obtained about the

modus operandi of these bodies in actions involving claims that have as basis the dimensions

of quality of basic education. The study concluded that there is a positive movement of the

State Attorney for the right to education, but it appears that there is an understanding of legal

feasibility in relation to access and remain in school, but little is said on the quality

dimensions, ie because often these issues come up against the legal principle of reserve for

possible protecting the executive branch to comply with its positive obligations on the

grounds of financial impossibility based on the Fiscal Responsibility Law. In general

configuration of the country as the CAO's can say that Brazil still needs a more organized, as

these subsidiary bodies are very important to that prosecutors have different actions on some

specific rights, such as education, but many states still lack the CAO's, much less specifically

in education. An example of timely and positive action on the quality of basic education can

be found in the state of Paraíba you own, including a Perform Manual in Education. The

theoretical framework includes among others, Regina Maria Fonseca Muniz, Evaldo Amaro

Vieira, Nina Beatriz Ranieri, Romualdo Portela de Oliveira, Gilda Cardoso de Araújo and

Carlos Roberto Jamil Cury. Were also analyzed studies and reports Non Governmental

Organization Educational Action, specifically Action Project on Justice, and UNESCO.

Keywords: Justiciability. Prosecutors. Elementary school. Quality. Dimensions..

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Mapa das Regiões do país ..................................................................................... 45

Figura 2. Pesquisa sobre justiciabilidade dos direitos humanos .......................................... 67

Figura 3. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ................................................ 68

Figura 4. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ...................... 68

Figura 5. Convenção Americana de Direitos Humanos ....................................................... 69

Figura 6. Organização do Ensino Fundamental de 9 anos .................................................. 99

Figura 7. Organização dos objetivos do Ensino Fundamental ............................................. 101

Figura 8. Panorama do Ensino Fundamental ........................................................................ 103

Figura 9. Legenda do gráfico 9............................................................................................. 157

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Participantes da pesquisa por região do país ........................................................ 45

Tabela 2. Gasto por aluno nos anos iniciais do ensino fundamental .................................... 124

Tabela 3. CAQi dos anos iniciais do ensino fundamental .................................................... 126

Tabela 4. Salário dos professores ......................................................................................... 132

Tabela 5. Plano Inicial de cargos e salários .......................................................................... 133

Tabela 6. Principais assuntos tratados nas decisões (1999-2013) ........................................ 159

Tabela 7. Ouvidorias no Brasil ............................................................................................. 161

Tabela 8. Taxas de escolarização bruta e líquida da educação básica .................................. 194

Tabela 9. Conteúdo Maximo e conteúdo mínimo de uma Lei de Responsabilidade

Educacional ........................................................................................................................... 205

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. As Promotorias de Justiça nos Estados Pesquisados ........................................... 44

Gráfico 2. Os Centros de Apoio Operacionais no Brasil ...................................................... 46

Gráfico 3. Os CAO’s em números inteiros ........................................................................... 46

Gráfico 4. Panorama geral dos CAO’s nas Regiões do Brasil ............................................. 47

Gráfico 5. CAO Infância e Juventude nas Regiões do Brasil ............................................... 48

Gráfico 6. CAO Educação nas Regiões do Brasil ................................................................ 48

Gráfico 7. CAO Direitos Humanos nas Regiões do Brasil ................................................... 49

Gráfico 8. CAO Cidadania e outros nas Regiões do Brasil .................................................. 50

Gráfico 9. Proporção de crianças, adolescentes e jovens no Brasil ...................................... 105

Gráfico 10. Taxas de analfabetismo nas regiões do Brasil .................................................. 105

Gráfico 11. Diferença entre valor por aluno em estados selecionados – 2009 ..................... 121

Gráfico 12. Pesquisa de decisões do STF (1988 a 2011) ..................................................... 156

Gráfico 13. Ingressante com a Medida Judicial.................................................................... 157

Gráfico 14. Municípios e Estados onde se originaram as ações ........................................... 158

Gráfico 15. Número de acórdãos do TJMG sobre direito à educação (1999-2013)

relacionados à educação básica ............................................................................................. 159

Gráfico 16. Regiões geográficas onde são encontradas ouvidorias públicas vinculadas ao

Poder Executivo Federal ........................................................................................................ 161

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADin – Ação Direta de Inconstitucionalidade

Art. – Artigo

Arts. – Artigos

CAQi – Custo Aluno Qualidade Individual

CAO – Centro de Apoio Operacional

CAOIJ - Centros de Apoio Operacional de Infância e Juventude

CAE - Centros de Apoio Operacional de Educação

CEAF – Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional

CAODC – Centro de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania

CAODCS – Centro de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania e Saúde

CF/88 – Constituição Federal de 1988

CIDH – Comissão Internacional de Direitos Humanos

CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

DUDH – Declaração Universal de Direitos do Homem

EC – Emenda Constitucional

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização

do Magistério

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

MP – Ministério Público

n. ou nº – Número

ONG – Organização não governamental

PAR – Plano de Ações Articuladas

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PIDESC – Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

PIDCP – Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos

PMOE – Padrões Mínimos de Oportunidades Educacionais

PMQSE – Padrões Mínimos da Qualidade do Serviço Educacional

PNAD – Pesquisas Nacionais de Amostra de Domicílios

PNBEM – Programa Nacional Biblioteca da Escola para o Ensino Médio

PNE – Plano Nacional de Educação

PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação

SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SEDH – Educação, Saúde e Desenvolvimento Social e Secretaria dos Direitos Humanos

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNESP – Universidade Estadual Paulista

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SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................................... 6

ABSTRACT .............................................................................................................................. 7

LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................... 8

LISTA DE TABELAS .............................................................................................................. 9

LISTA DE GRÁFICOS ......................................................................................................... 10

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15

1 PAPEL E CONCEPÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL SOBRE A

QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO NO BRASIL: PRINCÍPIOS,

ATRIBUIÇÕES E FORMA DE ATUAÇÃO ....................................................................... 26

1.1 Função do Ministério Público .................................................................................... 28

1.2 Composição do Ministério Público Brasileiro ........................................................... 34

1.3 Atuação do Ministério Público quanto à Educação e sua qualidade ......................... 37

1.3.1 Configuração do MP nos Estados e dos CAO’s ................................................. 38

2 DIREITO À EDUCAÇÃO ............................................................................................. 51

2.1 Conceito de educação ................................................................................................ 57

2.1.1 A educação como direito humano ...................................................................... 62

2.1.2 A educação como direito fundamental ............................................................... 71

2.2 O direito à qualidade da educação ............................................................................. 75

3 QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO: INSUMOS,

PROCESSOS E RESULTADOS ........................................................................................... 79

3.1 Concepção de função social da escola ....................................................................... 80

3.2 Qualidade na educação .............................................................................................. 86

3.2.1 Qualidade ensino fundamental público .............................................................. 98

3.3 Possibilidades de mensuração da qualidade: insumos, processos e resultado ......... 109

3.3.1 Insumos ............................................................................................................. 113

3.3.2 Resultados ......................................................................................................... 136

3.3.3 Processo ............................................................................................................ 142

4 EXIGIBILIDADE JURÍDICA DA QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL

PÚBLICO NO BRASIL ....................................................................................................... 153

4.1 Embate do direito à educação x princípio da reserva do possível ........................... 163

4.2 Panorama das políticas públicas educacionais no Brasil ......................................... 170

4.3 Centralização e descentralização ............................................................................. 182

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4.4 A ação civil pública e a exigibilidade da qualidade do ensino fundamental público ....

................................................................................................................................. 195

4.5 Posicionamento do MP quanto à qualidade da educação ........................................ 206

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 218

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 226

APÊNDICE I - ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE QUESTIONÁRIO

ESTRUTURADO ................................................................................................................. 241

APÊNDICE II – QUESTIONÁRIO ESTRUTURADO .................................................... 250

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é um desdobramento da dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual

Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - FCT/UNESP, campus de Presidente Prudente, em 2008, e

que tinha como foco analisar através da pesquisa bibliográfica e documental a possibilidade

jurídica do direito à qualidade do ensino fundamental no Brasil.

A pesquisa de 2008 constatou em nossa legislação possibilidades jurídicas de exercer

o direito à exigibilidade da qualidade da educação, nível fundamental, através de alguns

instrumentos legais, entre eles, a Ação Civil Pública foi identificada como o instrumento que

melhor representa tais direitos, mediante propositura via Ministério Público. Entretanto, a

pesquisa não se aprofundou na análise do papel deste órgão para o exercício do direito à

qualidade educacional, o que acabou provocando o interesse pela compreensão das funções e

interpretações do Ministério Público Estadual no que condiz à justiciabilidade do direito à

qualidade do ensino fundamental público no Brasil, pois são eles os representantes dos

interesses das crianças e adolescentes.

O que nos leva ao presente trabalho.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei n. 8.069/90, determina que

compete ao Ministério Público:

Art. 201. Compete ao Ministério Público:

[...]

V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses

individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os

definidos no Art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;

[...]

VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às

crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;

IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer

juízo, instância ou tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais

indisponíveis afetos à criança e ao adolescente;

X - representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas

contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da

responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível;

XI - inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas

de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais

necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas;

[...]

§ 5º Para o exercício da atribuição de que trata o inciso VIII deste artigo, poderá o

representante do Ministério Público:

a) reduzir a termo as declarações do reclamante, instaurando o competente

procedimento, sob sua presidência;

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b) entender-se diretamente com a pessoa ou autoridade reclamada, em dia, local e

horário previamente notificados ou acertados;

c) efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância

pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita

adequação. (ECA)

Portanto, o Ministério Público está legitimado a representar e zelar pela proteção dos

interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, podendo para

tanto promover medidas judiciais e extrajudiciais que assegurem o respeito aos direitos e

garantias legais afirmados às crianças e adolescentes, bem como ingressar em juízo

requerendo aplicação de penalidade por infrações cometidas contra as normas de proteção à

infância e à juventude e, podendo ainda, efetuar recomendações visando à melhoria dos

serviços públicos e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente.

A importância do Ministério Público como representante dos direitos das crianças e

adolescentes é tão forte em nossa legislação que o texto estatutário determina que em todos os

processos e procedimentos em que se aborde a defesa dos direitos e interesses destes, o

Ministério Público, mesmo quando não for parte, deverá tomar conhecimento do mesmo

podendo nele atuar se necessário:

Art. 202. Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará

obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que

cuida esta Lei, hipótese em que terá vista dos autos depois das partes, podendo

juntar documentos e requerer diligências, usando os recursos cabíveis. (ECA)

Segundo a Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público, que dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público

dos Estados e dá outras providências, e o art. 127 da Constituição Federal de 1988, define-se o

Ministério Público como sendo:

Art. 1º. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (Lei n. 8.625/93)

Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (CF/88)

Já a Constituição Federal de 1988 determina como funções institucionais do

Ministério Público:

Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

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17

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância

pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas

necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de

intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,

requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei

complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar

mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,

indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com

sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de

entidades públicas. (CF/88)

Assim, o Ministério Público é uma instituição pública autônoma que possui como

função precípua a defesa dos interesses do conjunto da sociedade brasileira, ou seja, a defesa

do interesse público e, entre eles, encontra-se o interesse das crianças e adolescentes também

na esfera educacional.

O objetivo deste trabalho é compreender as interpretações e perspectivas de atuação e

função do Ministério Público Estadual no que diz respeito à qualidade do ensino fundamental

público brasileiro e a possibilidade de exigi-lo juridicamente.

Para tanto foi realizado um levantamento sobre como o Ministério Público Estadual

está organizado ou se organizando para trabalhar as questões vinculadas ao direito à educação

no Brasil, e a partir disso verificou-se quais os Estados brasileiros que possuem uma atuação

diferenciada em seus órgãos do Ministério Público em relação ao direito à educação. Para

compreensão destes dois objetivos foi necessário investigar se há atuação que abrange o

direito à qualidade do ensino fundamental público no Brasil, e se houver, como esta ocorre,

especialmente analisando as concepções e interpretações vinculadas a ela e a partir destas

analisar as interpretações do Ministério Público Estadual quanto à exigibilidade jurídica do

direito à qualidade do ensino fundamental público com base nestes levantamentos e no

referencial teórico apresentado.

Isto porque, a Constituição Federal de 1988 diferentemente da maioria dos

instrumentos internacionais faz menção expressa à importância da qualidade da educação

tratando-a como um princípio fundamental do ensino a ser ministrado, conforme denota o seu

inciso VII, do artigo 206, ou seja, a Carta Magna garante o Direito à Educação com “padrão

de qualidade” para todos.

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18

Deste modo, a educação básica dos 04 aos 17 anos de idade é obrigatória e gratuita

(CF, art. 208, inciso I ), entretanto, atualmente apenas o ensino fundamental é considerado um

direito público subjetivo (CF, art. 208, parágrafo primeiro), uma vez que se tem até 2016 para

a implantação progressiva da universalização da educação infantil (EC 59/2009, art.6º) e

atendimento dos jovens até 17 anos de idade e, a partir desta, sua obrigatoriedade.1

Isto quer dizer que até 2016 somente a qualidade do ensino fundamental pode ser

considerada um direito que requer uma ação positiva do Estado em promovê-lo, e quando esta

ação não ocorre, o Poder Público pode ser acionado judicialmente por sua omissão ou oferta

irregular.

Oferta irregular significa uma oferta que não condiz com a normalidade, com a

regularidade, sendo contrária à lei ou à justiça; a ausência ou deficiência na qualidade deste

ensino caracteriza esta anormalidade como oferta irregular do ensino fundamental.

Para Silveira:

A CF/88 ao estabelecer os deveres do Estado com a educação declarou

expressamente que “o acesso ao ensino fundamental obrigatório e gratuito é direito

público subjetivo”, e que o “não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder

Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”

(BRASIL, CF/88, art. 208, §1º e 2º). Com esta declaração, todos os cidadãos têm o

direito de exigir do Estado o cumprimento de seu dever com relação à prestação

educacional. (SILVEIRA, 2006, p. 36; grifo nosso)

Verifica-se que o direito à educação é um direito fundamental expresso na

Constituição Federal de 1988, considerado também um direito humano e, portanto, não

poderia ser desrespeitado.

No entanto, na prática, quando se trata da exigibilidade jurídica do direito à educação

o que se percebe é que, atualmente, já há uma compreensão da sociedade, assim como

entendimento favorável da doutrina (juristas) e da jurisprudência (Tribunais) brasileira quanto

ao Direito ao acesso e à permanência no ensino. Isto pôde ser verificado, por exemplo, em

pesquisas como a realizada por Dragone Silveira (2006),

Como visto, na análise das ações das duas Promotorias de Justiça, foram poucas as

solicitações para o acesso ao ensino obrigatório, e rapidamente solucionadas pelos

Promotores de Justiça. A que mais ensejou discussões foi a que tratava de garantia

de vagas em escolas públicas próximas das residências dos alunos, direito

formalizado no ECA, art. 53. Em Rio Claro, por meio de Mandados de Segurança, o

direito líquido e certo foi restabelecido pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude. Já

em Ribeirão Preto, pelo número elevado de alunos nas escolas pretendidas pelos pais

1 Art. 6º - O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser implementado progressivamente,

até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União. (EC 59/2009)

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19

ou responsáveis, como a mais próxima de sua residência, o Promotor de Justiça

atuou extrajudicialmente para conseguir a matrícula em outras escolas, também

iniciando, motivado por esse problema, a discussão para a construção e/ou

ampliação de equipamentos escolares. (SILVEIRA, 2006, p. 12)

O que comprova, portanto, que há, mesmo que minimamente, este consenso entre a

sociedade, bem como entre os juristas, de que é possível pleitear judicialmente o direito ao

acesso e à permanência no ensino fundamental. Mas, esta compreensão não é verificada em

relação ao direito à qualidade deste nível de ensino. Isto porque, a qualidade da educação no

Brasil é um conceito polissêmico e dinâmico que possui diversos entendimentos conforme sua

evolução no tempo, sendo histórico e temporal.

Assim, compreendemos que a mensuração da qualidade da educação não fácil de ser

determinada, mas ela é possível, especialmente quando se adotam pesquisas como a tese de

livre-docência de Romualdo Portela Oliveira (2006), da Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo – FE/USP, que traz a discussão de qualidade na educação sob três

dimensões (insumos, processos e resultados), e este apartamento da qualidade educacional

pode trazer uma maior viabilidade jurídica aos pedidos de exigibilidade da qualidade do

ensino fundamental.

Esta opção teórica ocorre sem nos desfazer dos demais referenciais e documentos que

versam sobre o tema.

Hoje, a discussão sobre os fins da educação está dividida entre duas posições opostas,

a visão civil democrática e a visão produtivista. Segundo Singer (1996, p. 05), a perspectiva

civil democrática encara a educação formal como “processo de formação cidadã, tendo em

vista o exercício de direitos e obrigações típicos da democracia”, e tem como sujeito o

educando das classes menos privilegiadas, pois tem como fim proporcionar aos filhos da

classe trabalhadora instrumentos intelectuais para que estes possam se engajar “em

movimentos coletivos visando tornar a sociedade mais livre e igualitária”, não havendo

contradição “entre a formação do cidadão e a formação do profissional” e tem como

finalidade a autonomia do educando. (SINGER, 1996, p. 05)

Já a concepção produtivista “concebe a educação, sobretudo escolar como preparação

dos indivíduos para o ingresso, da melhor forma possível, na divisão social do trabalho”; para

esta visão o bem estar de todos é decorrente dos ganhos individuais para usufruto material, ou

seja, “a educação promove o aumento da produtividade, que seria o fator mais importante

para elevar o produto social e dessa maneira eliminar a pobreza”. (SINGER, 1996, p. 06)

Page 20: KARINA MELISSA CABRAL

20

Desta forma, percebe-se que as duas visões valorizam a educação e buscam, por meio

dela, a melhoria da sociedade, porém ideologicamente elas são muito diferentes.

Não podemos deixar de esclarecer de antemão que sabemos que há este antagonismo

entre a tese produtivista que defende o accountability na educação, sob o viés da concepção

produtivista (accountability esta usada nesta concepção de forma seletiva para controlar e

punir os agentes escolares, especialmente professores), e o conceito de educação na

perspectiva democrática cidadã, mas apesar desta tensão, este trabalho defende e acredita na

educação e em sua qualidade partindo dos pressupostos da educação democrática cidadã.

Porém essa posição teórica não pode nos impedir de buscar mecanismos e instrumentos para

possibilitar que a qualidade do ensino fundamental possa ser exigida, mesmo que

minimamente, e isso nos leva a trabalhar alguns mecanismos de avaliação que têm sido mais

identificados com o neoliberalismo. Parece-nos este um procedimento legítimo. Afinal a

avaliação em si mesmo nada tem de neoliberal e mesmo a accountability, que em sua essência

remete à necessidade de todos os agentes públicos prestarem contas à sociedade que os

sustenta, pode perfeitamente ser entendida em uma perspectiva democrática. Isto cria certa

tensão, mas uma tensão necessária, uma vez que a exigência judicial da qualidade passa

necessariamente por parâmetros objetivos. Cabe, portanto, ressignificar mecanismos e

instrumentos usados dentro da perspectiva produtivista numa outra perspectiva.

E é neste “palco” de antagonismos e definições complexas sob a perspectiva da nossa

legislação que verificamos a importância da compreensão dos órgãos do Ministério Público

Estadual em relação ao tema pesquisado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente não restringe as funções do Ministério

Público, muito pelo contrário, traz ainda no caso da qualidade do ensino obrigatório que é

função do MP:

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por

ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-

oferecimento ou oferta irregular:

I - do ensino obrigatório;

[...]

Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos,

consideram-se legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;

[...]

Desta forma, o Ministério Público representa e zela pelos interesses das crianças e

adolescentes junto ao Poder Judiciário, inclusive, sendo legitimados de acordo com o ECA

Page 21: KARINA MELISSA CABRAL

21

(art. 208, inciso I e art. 210, inciso I) para propor ações de responsabilidade por ofensa aos

direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta

irregular do ensino obrigatório: a falta de qualidade no ensino fundamental público.

Verifica-se assim a importância de pesquisar em quais Estados brasileiros o Ministério

Público Estadual possui órgãos que tem vinculação direta e específica para atuação na área da

educação e se estes órgãos possuem interpretações quanto à qualidade do ensino fundamental

público no Brasil e a possibilidade de sua exigibilidade jurídica; bem como, torna-se

importante destacar o papel do MP nesta problemática.

E isto se deu através de um levantamento dos Centros de Apoio Operacional de Defesa

da Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, dos Centros de Apoio Operacional da

Infância e Juventude (CAOIJ), pois são estes órgãos os auxiliares da atividade funcional do

Ministério Público e que atuam especificamente no setor pesquisado:

Art. 33. Os Centros de Apoio Operacional são órgãos auxiliares da atividade

funcional do Ministério Público, competindo-lhes, na forma da Lei Orgânica:

I - estimular a integração e o intercâmbio entre órgãos de execução que atuem na

mesma área de atividade e que tenham atribuições comuns;

II - remeter informações técnico-jurídicas, sem caráter vinculativo, aos órgãos

ligados à sua atividade;

III - estabelecer intercâmbio permanente com entidades ou órgãos públicos ou

privados que atuem em áreas afins, para obtenção de elementos técnicos

especializados necessários ao desempenho de suas funções;

IV - remeter, anualmente, ao Procurador-Geral de Justiça relatório das atividades do

Ministério Público relativas às suas áreas de atribuições;

V - exercer outras funções compatíveis com suas finalidades, vedado o exercício de

qualquer atividade de órgão de execução, bem como a expedição de atos normativos

a estes dirigidos. (Lei n. 8.625/93)

O que pretendemos responder ao final desta pesquisa, portanto, é como o Ministério

Público Estadual está organizado para trabalhar as questões vinculadas ao direito à educação

em nosso país? Quais Estados possuem uma atuação diferenciada em seus órgãos do MP em

relação ao direito à educação? Esta atuação abrange o direito à qualidade do ensino

fundamental público no Brasil? Se sim, como? Quais as interpretações do MP Estadual

quanto à exigibilidade jurídica do direito à qualidade do ensino fundamental público?

Assim como no decorrer da pesquisa de mestrado, também neste momento

acreditamos que seja importante esclarecer que a intenção deste trabalho não é apresentar

respostas prontas aos problemas de pesquisa acima descritos, porque sabemos de sua

amplitude, dificuldade e necessidade de adequação aos sujeitos envolvidos e aos aspectos

culturais, sociais, políticos e econômicos do local em que o MP, a escola e os sujeitos estão

inseridos, aspectos estes que devem ser analisados quando tratamos de qualidade da educação,

Page 22: KARINA MELISSA CABRAL

22

por isso o que pretendemos é contribuir para discussão mais ampla do tema.

No mais, não temos a pretensão de trazer um conceito estanque de “qualidade da

educação” ou “padrão de qualidade”, o que desejamos é promover a discussão sobre o

assunto, apresentar alguns caminhos para a elaboração de indicadores de qualidade passíveis

de serem exigidos judicialmente via ação civil pública pelo Ministério Público, partindo este

debate da análise das dimensões da qualidade educacional: insumos, processos e resultados. E

analisando as discussões propostas sob o viés das ações, funções e papéis do MP Estadual.

É importante pontuar aqui que durante o período de elaboração desta tese muitos

desafios acadêmicos e pessoais foram enfrentados que culminaram em uma mudança na

proposta inicial da pesquisa.

Em termos acadêmicos a proposta inicial era uma pesquisa focada na coleta de dados,

onde utilizaríamos dois instrumentos: um questionário estruturado com base nas questões de

pesquisa e nos objetivos da mesma; organizado em uma plataforma on line, por meio da

ferramenta de elaboração de questionários pela web, Survey Monkey, que foi enviado em

formato eletrônico (via e-mail) aos representantes dos Ministérios Públicos Estaduais das 27

unidades federativas (26 Estados e 01 Distrito Federal), ou seja, os Promotores de Justiça

responsáveis pelos Centros de Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou, na

inexistência destes, pelos Centros de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ),

garantindo-lhes o sigilo e o anonimato, sendo que foram identificados apenas o Estado a que

pertencem e/ou Distrito Federal, bem como o Centro de apoio Operacional; e entrevistas semi

estruturadas com os representantes do Ministério Público – Promotor de Justiça – que

possuem uma ação positiva quanto à exigibilidade do direito ao ensino fundamental público,

identificados na aplicação do questionário.

Ocorre que na primeira fase desta pesquisa, as respostas ao questionário no Survey

Monkey obtiveram pouca adesão dos membros do Ministério Público selecionados conforme

as indicações acima, o que, consequentemente, inviabilizou a segunda parte da pesquisa, pois

não foi possível identificar os nichos das ações positivas quanto à exigibilidade do direito à

qualidade do ensino fundamental público entre os membros do MP para a entrevista. Sabemos

que a extensão do questionário pode ter sido uma das causas da baixa adesão dos

representantes do MP a pesquisa, por este motivo, tentamos o contato via telefone com o

público pesquisado; entretanto nem neste outro formato de contato e com uma gama de

perguntas menores – definimos apenas as perguntas chaves de cada assunto, fechando em dez

perguntas para o contato telefônico – foi possível obter novas participações, além daquelas já

colhidas via questionário no Survey Monkey.

Page 23: KARINA MELISSA CABRAL

23

Porém, aqueles que participaram, respondendo ao questionário, representam todas

cinco regiões do país e trouxeram informações muito relevantes sobre seus Estados: Acre,

Santa Catarina, Maranhão, Goiás e Espírito Santo, e estas foram utilizadas para análise dos

problemas propostos mostrando um panorama geral das informações que precisávamos em

termos macros.

Não obstante estas dificuldades, a pesquisa não perdeu seu foco e qualidade, pois para

a realização do questionário já havia sido concretizado um mapeamento dos órgãos do

Ministério Público Estadual nos Estados brasileiros, enfocando nas ações dos Centros de

Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou dos Centros de Apoio Operacional

da Infância e Juventude (CAOIJ). Logo, foi possível por meio do uso do método comparativo

na análise do mapeamento acima descrito, aliado ao aprofundamento na pesquisa

bibliográfica e documental, bem como pela pesquisa nos Superiores Tribunais brasileiros

(Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) responder aos questionamentos

que norteiam esta tese.

Assim, sabemos que não só pelas dificuldades descritas, mas principalmente pela

riqueza do tema, ainda há mais a ser pesquisado sobre ele e que este trabalho pode ser

melhorado e aperfeiçoado em todos os seus aspectos, mas acreditamos também, pelo enorme

esforço em realizá-lo e pelo grande interesse que esta pesquisadora tem pelo assunto, que esta

pesquisa pode abrir espaço para a compreensão e o diálogo entre os representantes dos

interesses das crianças e dos adolescentes – Ministério Público Estadual– e os educadores,

contribuindo para uma argumentação e definição mais clara do que seja esta qualidade e, com

isso, trazer novas perspectivas para a viabilidade jurídica dos pedidos desta natureza.

Segundo Gadotti (1992, p. 26) não há como falar em educação sem falar de sua

natureza que é a ação, a práxis. Acreditamos, assim como o autor que falar de educação é

falar de si mesmo, portanto, não há como falar de educação afastando-se de sua história e de

suas crenças. Neste sentido, Paulo Freire talvez tenha sido o expoente que melhor

exemplificou essa concepção de educação como o ato de ser, onde o sujeito está implicado em

suas ações. E aqui nos arriscamos a afirmar que esta tese tentará em todos os momentos

aproximar-se das crenças pessoais da pesquisadora, mas observando os fatos analisados com a

neutralidade necessária a um pesquisador.

Ora, para o educador, a maneira de se educar é precisamente a interrogação sobre as

finalidades, sobre a finalidade de sua empresa, ele filosofa e também educa. A

educação dos educadores começa por um processo pelo qual o homem tem a

possibilidade de ser um homem, quer dizer, decidir sobre a escolha de seus fins.

(GADOTTI, 1992, p. 32)

Page 24: KARINA MELISSA CABRAL

24

Esta pesquisa, portanto, se subdivide em quatro capítulos. O primeiro deles traz a

análise sobre o papel e as concepções do Ministério Público Estadual quanto à qualidade do

ensino fundamental público no Brasil, considerando seus princípios, atribuições e forma de

atuação.

O segundo capítulo da tese aborda o direito à educação discutindo o conceito de

educação sob a perspectiva democrática cidadã e trabalhando as concepções de educação

como direito humano e direito fundamental.

O terceiro capítulo enfoca a questão da qualidade no ensino fundamental público,

especialmente quanto às três dimensões: insumos, processos e resultados, e para tanto, inicia

posicionando-se em relação à concepção de função social da escola, passando após a trabalhar

o conceito de qualidade na educação, sobretudo do ensino fundamental público. Este capítulo

trabalha também as possibilidades de mensuração da qualidade e as dimensões adotadas.

O quarto e último trata da exigibilidade jurídica da qualidade do ensino fundamental

público no Brasil trazendo o embate existente na doutrina jurídica entre o direito à educação e

o princípio da reserva do possível, bem como analisando o panorama das atuais políticas

públicas educacionais no Brasil, com enfoque no Plano Nacional de Educação – PNE, no

Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE e nas discussões sobre a proposta de uma Lei

de Responsabilidade Educacional.

O que nos leva a análise da exigibilidade da qualidade do ensino fundamental público

via ação civil pública e a importância do Ministério Público Estadual nestas demandas.

O referencial teórico utilizado abrange desde autores das ciências jurídicas, como

Regina Maria Fonseca Muniz, Maria Cristina de Brito Lima, Evaldo Amaro Vieira e Nina

Beatriz Ranieri, até autores da área da educação, como Romualdo Portela de Oliveira, Gilda

Cardoso de Araújo, Agostinho dos Reis Monteiro, Salomão Ximenes e Carlos Roberto Jamil

Cury, entre outros. Também foram analisados estudos e relatórios da Organização Não

Governamental Ação Educativa, mais especificamente do Projeto Ação na Justiça; da

UNESCO; do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, “Síntese de Indicadores

Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira”, da Organização Não

Governamental Todos Pela Educação, “Anuário Brasileiro da Educação Básica”, e também o

Relatório de Pesquisa “Perfil dos Gastos Educacionais nos Municípios Brasileiros” realizado

pela Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), Unicef (Fundo das

Nações Unidas para a Infância) e Fundação Itaú Social.

Page 25: KARINA MELISSA CABRAL

25

Desta forma, este trabalho pretende trazer algumas reflexões sobre o tema da

qualidade da educação, que tem permeado as falas e os documentos das novas propostas na

área educacional, vinculando a este debate a comunidade educativa e o Ministério Público,

sem nos desfazer da análise do discurso político implícito nas políticas públicas educativas,

bem como nas possíveis interpretações que o tema pode apresentar em decorrência dos

processos histórico-sociais do país e de sua população.

Page 26: KARINA MELISSA CABRAL

26

1 PAPEL E CONCEPÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL SOBRE A

QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO NO BRASIL:

PRINCÍPIOS, ATRIBUIÇÕES E FORMA DE ATUAÇÃO

“Sob a mais livre das constituições, um povo

ignorante é sempre escravo”

(Condorcet)

A Carta Magna de 1988 coloca o Ministério Público dentre “As Funções Essenciais

da Justiça”, o incluindo entre os arts. 127 a 130; sendo assim o Ministério Público “é uma

instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa

da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis”.2

No mesmo sentido, dispõe a Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público, que dispõe sobre normas gerais para a organização do

Ministério Público dos Estados e dá outras providências.

Júlio Aurélio Vianna Lopes conceitua o Ministério Público como sendo uma

instituição que tem como finalidade a fiscalização e efetividade das leis:

O Ministério Público é a instituição cuja finalidade é a fiscalização da efetividade

das leis. Cabe ao mesmo verificar se a legislação está sendo obedecida e, em caso

contrário, provocar (geralmente através do Poder Judiciário) os órgãos do Estado

dotados da incumbência de obrigar seu cumprimento. É neste sentido que o

Ministério Público promove a aplicação das leis, a fim de que suas normas estejam

presentes nas relações sociais e não apenas nos textos legais. Suas atribuições

consistem em investigar e/ou propor às autoridades competentes as medidas

adequadas para a correção das situações que infringem as disposições legislativas.

(LOPES, 2000. p. 32)

Historicamente, o Ministério Público tem a sua origem relacionada aos agentes do

poder, mais especificamente a monarquia:

Foi criado para sustentar e manter os arbítrios autocráticos das monarcas medievais.

Foi a partir da Revolução Francesa que com o liberalismo elevou o Ministério

Publico a posição de guardião da legalidade, baluarte da democracia e também

defensor dos direitos indisponíveis dos cidadãos. No entanto, no Brasil, o Ministério

Público se distanciou por completo da sua origem de “acusador do rei” para se

constituir no grande defensor dos interesses sociais, na grande maioria das vezes,

contrapondo-se aos interesses dos próprios governantes e do Estado. (MAZZILLI,

2008, p.413)

2 Art. 127, CF/88.

Page 27: KARINA MELISSA CABRAL

27

Importa destacar que o Ministério Público brasileiro não faz parte de qualquer poder,

pois segundo Ceneviva (1988 apud PIARDI, 2010, p. 27) “o Ministério Público terá estatura

de quase um poder. Terá autonomia funcional e administrativa, terá acesso direto ao Poder

Legislativo para projetos de lei de seu interesse, terá autonomia para elaboração de sua

proposta orçamentária”.

Art. 127.

§ 2º - Ao Ministério Público assegurada autonomia funcional e administrativa,

podendo, observado o disposto no Art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e

extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de

provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei

disporá sobre sua organização e funcionamento.

§ 3º - O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites

estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 4º Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária

dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo

considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores

aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites

estipulados na forma do § 3º. § 5º Se a proposta orçamentária de que trata este artigo

for encaminhada em desacordo com os limites estipulados na forma do § 3º, o Poder

Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta

orçamentária anual.

§ 6º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de

despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei

de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura

de créditos suplementares ou especiais. (CF/88)

Hoje, o Ministério Público tornou-se uma das bases da democracia, participando da

estrutura estatal e de sua organização.

O que hoje se valoriza no Ministério Público como contribuição para a democracia

no Brasil – seu novo perfil institucional – foi-lhe atribuído em grande medida antes

do pacto constitucional de 1988 [...] houve mais continuidade do que ruptura em

1988, do ponto de vista tutelar do papel institucional do Ministério Público,

especialmente no que diz respeito à fiscalização do interesse público, cada vez mais

identificado com os interesses gerais da sociedade (ARANTES 2002 apud PORTO,

2006, p. 46).

Piardi (2010, p. 11) tratando do conceito da palavra ministério, afirma que ela “deriva

do latim ministerium, minister, que significa ofício do servo, função servil ou somente ofício,

mister, cuidado, ocupação ou trabalho. O adjetivo que a acompanha pode ser analisado

subjetivamente, denotando a ideia de instituição estatal, ou objetivo, no sentido de interesse

geral ou social”.

Para compreensão da importância desta instituição para a educação é necessário que se

compreenda a real função do Ministério Público Estadual, tendo em vista que é por meio dele

Page 28: KARINA MELISSA CABRAL

28

que nos é dada (sociedade civil) a possibilidade de participação na elaboração, fiscalização e

implementação das políticas públicas educacionais.

1.1 Função do Ministério Público

O Ministério Público é uma instituição pública autônoma que possui como função

principal a defesa dos interesses do conjunto da sociedade brasileira, ou seja, a defesa da coisa

pública e, entre eles, encontra-se o interesse das crianças e adolescentes também na esfera

educacional.

Art. 1º. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (Lei n. 8.625/93)

Já a Constituição Federal de 1988 determina como funções institucionais do

Ministério Público:

Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância

pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas

necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de

intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,

requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei

complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar

mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,

indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com

sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de

entidades públicas. (CF/88, grifos nossos)

Verificamos como já citado em momento anterior, que o Ministério Público possui

como função institucional ingressar com Ação Civil Pública para proteção dos interesses

difusos, como o caso da qualidade do ensino fundamental público. Porém, o art. 25 da Lei

Page 29: KARINA MELISSA CABRAL

29

Orgânica do Ministério Público também determina algumas outras funções que se coadunam

a esta e a completam:

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei

Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

I - propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou

municipais, em face à Constituição Estadual;

II - promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do

Estado nos Municípios;

III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao

consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e

homogêneos;

b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público

ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações

indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;

V - manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e,

ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções

institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os

processos;

VI - exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem

idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência;

VII - deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio

ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e

penitenciária e outros afetos à sua área de atuação;

VIII - ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro

público condenados por tribunais e conselhos de contas;

IX - interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de

Justiça;

X - (Vetado);

XI - (Vetado).

Parágrafo único. É vedado o exercício das funções do Ministério Público a pessoas a

ele estranhas, sob pena de nulidade do ato praticado. (Lei 8.625/93)

Portanto, ambas as normativas que se referem à atuação e função do MP lhe delegam o

poder e a atribuição institucional de zelar pelos direitos difusos por meio da ação civil

pública.

A mesma legislação ainda prevê que é função do MP assegurar os direitos garantidos

na Constituição Federal quando estes forem desrespeitados pelos poderes públicos estaduais

ou municipais; pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou

indireta; pelos concessionários e permissionários de serviço público estadual ou municipal;

por entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município ou executem

serviço de relevância pública.3 E para acompanhamento das obrigações positivas do Poder

Público ou seus agentes e concessionários o MP pode requerer:

3 Art. 27, Lei 8.625/93

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30

Art. 27 [...]

Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao

Ministério Público, entre outras providências:

I - receber notícias de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza,

promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções

adequadas;

II - zelar pela celeridade e racionalização dos procedimentos administrativos;

III - dar andamento, no prazo de trinta dias, às notícias de irregularidades, petições

ou reclamações referidas no inciso I;

IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e

recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo,

requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como

resposta por escrito. (Lei 8.625/93)

O que se constata, desta forma, é que o Ministério Público tem o dever de postular e

proteger os interesses difusos e possui meios jurídicos para isso. Como já comprovado a

educação e sua qualidade se inserem de forma clara e indiscutível no rol de interesses

considerados difusos, porém, para deixar esta situação ainda mais explícita foi editado em

1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei n. 8.069/90, que traz o Ministério

Público como representante legal das crianças e adolescentes, lhe competindo:

Art. 201. Compete ao Ministério Público:

[...]

V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses

individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os

definidos no Art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;

[...]

VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às

crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;

IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer

juízo, instância ou tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais

indisponíveis afetos à criança e ao adolescente;

X - representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas

contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da

responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível;

XI - inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas

de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais

necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas;

[...]

§ 5º Para o exercício da atribuição de que trata o inciso VIII deste artigo, poderá o

representante do Ministério Público:

a) reduzir a termo as declarações do reclamante, instaurando o competente

procedimento, sob sua presidência;

b) entender-se diretamente com a pessoa ou autoridade reclamada, em dia, local e

horário previamente notificados ou acertados;

c) efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância

pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita

adequação. (ECA, Lei n. 8.069/90)

Page 31: KARINA MELISSA CABRAL

31

O Estatuto da Criança e do Adolescente não restringe as funções do Ministério

Público, muito pelo contrário, traz ainda no caso da qualidade do ensino obrigatório que é

função do MP:

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por

ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-

oferecimento ou oferta irregular:

I - do ensino obrigatório;

[...](ECA, Lei n. 8.069/90)

Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos,

consideram-se legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;

[...] (ECA, Lei n. 8.069/90)

Desta forma, o Ministério Público representa e zela pelos interesses das crianças e

adolescentes junto ao Poder Judiciário, inclusive, sendo legitimados de acordo com o ECA

(art. 208, inciso I e art. 210, inciso I) para propor ações de responsabilidade por ofensa aos

direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta

irregular do ensino obrigatório: a falta de qualidade no ensino fundamental público.

O que se verifica segundo Macedo Junior (1999, p. 107) é que por meio da Ação Civil

Pública “o Ministério Público conferiu a lei uma estrutura de enforcement eficaz e poderosa

na medida em que esta organizado em todo o território nacional e conta com um quadro

profissional bastante qualificado e especializado para os padrões nacionais”. Mas, o

Ministério Público não possui exclusividade na legitimidade de propositura deste remédio

jurídico, outras instituições como o próprio Poder Público, União, Estados e Municípios,

Autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista, além das

associações que estejam constituídas há pelo menos um ano, podem ingressar com esta ação.

Porém, Paccagnella (1999 apud FURTADO, 2009, p. 50) “a história recente demonstra que,

na atual conformação da sociedade, o Ministério Público tem papel importante na iniciativa

das Ações Civis Públicas. De fato, o número de ações civis públicas propostas por

associações civis e extremamente baixo, principalmente em comparação com o número de

ações patrocinadas pelo Ministério Público”.

Mais do que isso, a norma estatutária que regra as atividades vinculadas às crianças e

adolescentes destaca que “nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará

obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta

Page 32: KARINA MELISSA CABRAL

32

Lei, hipótese em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos e

requerer diligências, usando os recursos cabíveis”4.

Há outra especificidade na atuação do Ministério Público no que condiz aos direitos

das crianças e adolescentes, segundo o ECA, que é o monitoramente do orçamento público

como fator essencial à efetivação de políticas públicas, incluindo o direito à educação de

qualidade, sobretudo do ensino obrigatório. Isto porque, o Estatuto da Criança e do

Adolescente estabelece o princípio da prioridade absoluta:

Art. 4° - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder

público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes a

vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao esporte, ao lazer a profissionalização, a

cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende: [...]

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais publicas;

d) destinação privilegiadas de recursos públicos nas áreas relacionadas com a

proteção a infância e a juventude. (ECA, grifos nossos)

O que percebemos é que em seu parágrafo único há expressamente incluso que deve

haver a preferência na formulação e na execução das políticas sociais para este público, ou

seja, destinação privilegiada de recursos públicos, portanto não há justificativas para a não

implementação do Poder Público de políticas que promovam a educação de qualidade, entre

elas: salários e planos de carreira para professores; investimentos em prédios escolares e

material didático de qualidade; formação continuada de professores e demais servidores da

escola; atuação por meio da gestão democrática e participativa com a comunidade escolar;

entre inúmeras outras.

Neste sentido, Castro e Junior (2006, p. 07) destacam que “o gasto social público e um

elemento importante para a geração de bens e serviços sociais que se situam no rol das

responsabilidades do poder público, compondo o núcleo central dos atuais sistemas de

proteção social dos Estados Modernos”.

E Furtado (2009, p. 144) afirma a importância da atuação do Ministério Público como

órgão fiscalizador e garantidor da prevalência deste direito, uma vez que por meio das

políticas públicas educacionais é possível que tenhamos uma educação de qualidade e

consequentemente uma melhor qualidade de vida para estes jovens e adolescentes:

[...] todas as ações relacionadas com o controle democrático do orçamento voltado

para crianças e adolescentes demonstram a necessidade de uma atuação política do

4 Art. 202, ECA, Lei n. 8.069/90

Page 33: KARINA MELISSA CABRAL

33

Ministério Público no âmbito da relação Estado e Sociedade, bem como a

indispensável aproximação da instituição com os demais atores do Sistema de

Garantia de Direitos, para uma atuação que almeje a garantia de direitos.

E para que exerçam suas atribuições funcionais os membros do Ministério Público

possuem alguns princípios institucionais, como a unidade, a indivisibilidade e a

independência funcional. 5

Para Furtado (2009, p. 52) “além de ampliar as atribuições do Ministério Público para

atuação de garantia dos interesses da sociedade, a Carta Magna também conferiu liberdade e

autonomia administrativa da instituição com relação aos Três Poderes e independência

funcional, que legitima a atuação do Ministério Público nos conflitos entre sociedade e

governo”.

No que se refere à independência funcional Mazzilli (2008, p. 376-377) destaca que

este princípio se coaduna no exercício livre de suas funções e atribuições, para defesa de

[...] condições sociais, jurídicas e econômicas que impõem verdadeiro desequilíbrio

nas relações em comunidade. Pobres, índios, idosos, crianças e adolescentes, pessoas

portadoras de deficiência, incapazes em geral – todos estes, entre outros, sofrem

algum tipo de limitação fática ou jurídica. É evidente que nem por serem pobres,

incapazes ou deficientes, seus interesses deverão sempre prevalecer, pois a condição

do discrímen não é bastante para automaticamente se lhes dar razão. Contudo, o que

ocorre efetivamente é que, mesmo quando tenham razão, muralhas verdadeiramente

intransponíveis muitas vezes se erguem entre eles e seus interesses mais legítimos.

Quanto a este princípio deve-se observar que os Promotores e Procuradores possuem

total autonomia de suas funções:

Cabe insistir no fato de a CF assegurar, a Promotores e Procuradores de Justiça, no

desempenho de suas funções, total independência e autonomia. Por isso ficam

adstritos ao cumprimento das Constituições (Federal e Estaduais), às leis e às

próprias consciências. Nem os atos normativos de órgãos superiores da instituição

podem obrigá-los, quando disserem respeito ao que devam ou não fazer. [...] Nem o

Judiciário pode exigir qualquer atitude do Ministério Público, pois ele é totalmente

independente da Magistratura.

A única subordinação que existe entre os Membros do Ministério Público é de

ordem administrativa e diz respeito às atividades-meio. (PIARDI, 2010, p. 67)

Os demais princípios da unidade e da indivisibilidade que também são repetidos pela

LONMP e expressam segundo Piardi:

Unidade significa que o Ministério Público, na Constituição Federal, é considerado

um só órgão, sob a direção de uma única chefia. O princípio da indivisibilidade quer

5 Art. 1º, §1º, Lei 8.625/93; Art. 127, §1º, da CF/88.

Page 34: KARINA MELISSA CABRAL

34

dizer que os membros do Ministério Público de cada um dos ramos (Federal,

Trabalho, Militar, Distrito Federal e Territórios e Estados) podem ser substituídos

uns pelos outros, segundo a forma prevista em lei. (PIARDI, 2010, P. 68)

Para Macedo Junior as atribuições do Ministério Público da forma com que são

propostas pela Constituição Federal de 1988 e pela LONMP só poderiam ser efetivamente

cumpridas se a eles fossem garantidos os princípios em questão, uma vez que suas tarefas

obviamente possuem um cunho político e não só jurídico:

O novo perfil constitucional não apenas atribuiu ao Ministério Público tarefas de

cunho eminentemente político, como garantiu-lhe um grau considerável de

autonomia para seu exercício. O Ministério Público passou a ter autonomia

administrativa e iniciativa para encaminhar projetos de lei de seu interesse direto,

conquistou o mandato para o Procurador-Geral de Justiça e atraiu para si o poder de

decidir sobre os processos de movimentação e ascensão na carreira, uma vez que

todas as movimentações passaram a estar a cargo não mais do governador, mas do

próprio Procurador-Geral de Justiça. (MACEDO JUNIOR, 1999, p.110).

Neste sentido, “acredita-se que o Ministério Público, a partir das atribuições que a

Constituição de 1988 lhe conferiu, tem a potencialidade de atuar em conjunto com a

sociedade nessa arena de disputa política pelos direitos sociais, de forma a se constituir como

instrumento de controle social democrático” (FURTADO, 2009, p. 57), sobretudo, em relação

à qualidade da educação e a instituição de padrões mínimos necessários para que se possa

exigi-la juridicamente.

1.2 Composição do Ministério Público Brasileiro

A Contituição Federal (1988) assim disciplina a composição do Ministério Público da

União: Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público

Militar, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e os Ministérios Públicos dos

Estados (art. 128, CF/88).

Art. 128 - O Ministério Público abrange:

I - o Ministério Público da União, que compreende:

a) o Ministério Público Federal;

b) o Ministério Público do Trabalho;

c) o Ministério Público Militar;

d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

II - os Ministérios Públicos dos Estados. (CF/88)

Page 35: KARINA MELISSA CABRAL

35

Assim, os integrantes do Ministério Público Estadual são os Promotores de Justiça

(que atuam em primeiro grau de jurisdição, ou seja, nas instâncias inferiores da Justiça

Estadual) e os Procuradores de Justiça (que atuam no segundo grau de jurisdição, ou seja,

junto aos Tribunais). Estes podem ser auxiliados por servidores, assistentes e estagiários,

sendo que todos eles com ingresso na Instituição por meio de concurso público.

Segundo a Lei n. 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, os órgãos do

Ministério Público são constituídos da seguinte forma:

Art. 5º São órgãos da Administração Superior do Ministério Público:

I - a Procuradoria-Geral de Justiça;

II - o Colégio de Procuradores de Justiça;

III - o Conselho Superior do Ministério Público;

IV - a Corregedoria-Geral do Ministério Público.

Art. 6º São também órgãos de Administração do Ministério Público:

I - as Procuradorias de Justiça;

II - as Promotorias de Justiça.

Consideram-se órgãos de execução do Ministério Público o Procurador-Geral de

Justiça; o Conselho Superior do Ministério Público; os Procuradores de Justiça; os

Promotores de Justiça.

A partir da Emenda Constitucional nº 45/2009 foi constituído o Conselho Nacional do

Ministério Público, formado pelo Procurador-Geral da República; quatro membros do

Ministério Público da União; três membros do Ministério Público dos Estados; dois juízes,

indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça; dois

advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; dois

cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos

Deputados e outro pelo Senado Federal.

Verifica-se, portanto, que o Ministério Público tem a propensão de agir mais

intensamente nas funções que lhe são típicas:

[...] como promover as ações penal e civil públicas, a ação de improbidade

administrativa, a ação direta de inconstitucionalidade, defender a ordem pública, o

regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, zelar pelo

respeito aos poderes públicos, aos serviços de relevância pública e aos direitos

assegurados na Constituição, entre outras. No âmbito penal, o Ministério Público

atua (ou deveria atuar sempre) como parte, pois age em nome do Estado no

desempenho de seu poder/dever de punir quem comete crime ou contravenção. Não

há dúvida quanto a essa posição processual junto à primeira instância judicial. Já na

segunda instância a questão é discutível, pois o Ministério Público assume a posição

de fiscal da lei (custus legis), assunto do próximo item. O Ministério Público pode

atuar no processo civil tanto na condição de órgão agente (parte) como na de órgão

interveniente (fiscal da lei, custus legis). (PIARDI, 2010, p. 87)

Page 36: KARINA MELISSA CABRAL

36

Na composição do Ministério Público existem também alguns órgãos auxiliares da

atividade funcional:

Art. 33. Os Centros de Apoio Operacional são órgãos auxiliares da atividade

funcional do Ministério Público, competindo-lhes, na forma da Lei Orgânica:

I - estimular a integração e o intercâmbio entre órgãos de execução que atuem na

mesma área de atividade e que tenham atribuições comuns;

II - remeter informações técnico-jurídicas, sem caráter vinculativo, aos órgãos

ligados à sua atividade;

III - estabelecer intercâmbio permanente com entidades ou órgãos públicos ou

privados que atuem em áreas afins, para obtenção de elementos técnicos

especializados necessários ao desempenho de suas funções;

IV - remeter, anualmente, ao Procurador-Geral de Justiça relatório das atividades do

Ministério Público relativas às suas áreas de atribuições;

V - exercer outras funções compatíveis com suas finalidades, vedado o exercício de

qualquer atividade de órgão de execução, bem como a expedição de atos normativos

a estes dirigidos. (Lei n. 8.625/93)

Estes órgãos auxiliares foram analisados neste trabalho para compreender como o

Ministério Público exerce sua função social de defesa dos interesses sociais, especialmente da

educação. Por isso, analisamos quais Estados das 27 unidades federativas possuíam Centros

de Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, pelos

Centros de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ) ou, até mesmo, de Direitos

Humanos e como estes estavam vinculados ao exercício do direito à educação, mas, sobretudo

à justiciabilidade do direito à qualidade do ensino fundamental público.

Segundo a Lei n. 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público os órgãos

auxiliares, especificamente os Centros de Estudos tem como função:

Art. 35. O Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional é órgão auxiliar do

Ministério Público destinado a realizar cursos, seminários, congressos, simpósios,

pesquisas, atividades, estudos e publicações visando ao aprimoramento profissional

e cultural dos membros da instituição, de seus auxiliares e funcionários, bem como a

melhor execução de seus serviços e racionalização de seus recursos materiais.

Parágrafo único. A Lei Orgânica estabelecerá a organização, funcionamento e

demais atribuições do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional.

Desta forma, passamos a análise das formas de atuação do Ministério Público em

relação à qualidade da educação e a configuração dos Centros de Apoio Operacional.

Page 37: KARINA MELISSA CABRAL

37

1.3 Atuação do Ministério Público quanto à Educação e sua qualidade

É importante destacar que a atuação do Ministério Público em relação à qualidade da

educação, especialmente do ensino fundamental público, refere-se à atividade política do

Poder Público – Estado ou Município, bem como União – uma vez, que o foco são as políticas

públicas voltadas para a educação.

Isto porque, segundo Furtado (2009, p. 59) “a atividade política do Estado não pode

ser controlada somente por meios jurídicos, pois a atividade administrativa do Estado só é

limitada em parte pelas leis, uma vez que são criadas pelo próprio Estado. Nesse sentido, um

controle eficaz exige a associação de meios políticos e sociológicos”. E é esta a função do

Ministério Público em relação à educação. Acreditamos que nestes casos, a atuação do MP

possui natureza muito mais política do que jurídica, pois atua em parceria com a sociedade

civil organizada.

No mais, o Ministério Público nestes casos atua contra o Estado ou Poder Executivo,

pois lhe impõe a responsabilidade pela não realização do mínimo necessário para que os

adolescentes e jovens entre 06 (seis) anos e 14 (quatorze) anos de idade, no ensino

fundamental,6 possam exercer sua cidadania por meio de uma educação de qualidade.

Segundo Arantes os próprios membros do MP (1999, p. 92) “têm apontado o próprio

Estado, em especial os poderes políticos, como o principal responsável pelas mazelas da

sociedade”. Portanto, isso não é uma novidade para o MP que em muitos casos tem agido de

forma positiva e buscado jurídica e extrajudicialmente, por meio de seus instrumentos de

controle social, agir em favor de nossa educação, sobretudo, da qualidade de nossa educação.

Segundo Ignes (2010)7:

6 Art. 8º O Ensino Fundamental, com duração de 9 (nove) anos, abrange a população na faixa etária dos 6 (seis)

aos 14 (quatorze) anos de idade e se estende, também, a todos os que, na idade própria, não tiveram condições de

frequentá-lo.

§ 1º É obrigatória a matrícula no Ensino Fundamental de crianças com 6 (seis) anos completos ou a completar

até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, nos termos da Lei e das normas nacionais vigentes.

§ 2º As crianças que completarem 6 (seis) anos após essa data deverão ser matriculadas na Educação Infantil

(Pré-Escola).

§ 3º A carga horária mínima anual do Ensino Fundamental regular será de 800 (oitocentas) horas relógio,

distribuídas em, pelo menos, 200 (duzentos) dias de efetivo trabalho escolar. (Resolução MEC CNE/CEB n.

07/2010) 7 Promotora de Justiça da Comarca de Itabirito/MG, autora do artigo “Defesa do direito à educação de qualidade:

por um ministério público promocional e pró-ativo” apresentado no IX Congresso do Ministério Público do

Estado de Minas Gerais.

Page 38: KARINA MELISSA CABRAL

38

Passando ao largo dos inúmeros insucessos observado, nos decantados programas

políticos de atendimento à infância brasileira, eis a proposta da tese presente: a

defesa de que o Ministério Público, enquanto órgão promocional, pró-ativo, deve

velar pelo resguardo da qualidade dos processos educativos, não apenas garantido o

acesso aos meios, mas intentando garantir que tais meios sejam qualitativamente

sustentáveis. (IGNEZ, 2010, p. 02)

Há, porém entre eles ainda um grande receio quando se fala em padrões mínimos de

qualidade, primeiro, porque para o Judiciário e o Ministério Público, em especial, é muito

difícil atuar sobre algo que ainda está por acontecer (futuro), pois são acostumados a agir em

demandas pretéritas ou presentes; depois, porque normalmente atuam sobre situações

instauradas objetivamente na legislação e não situações que possuem tantos aspectos

subjetivos quanto à qualidade da educação; e por último, porque há ainda aqueles que

consideram, entre MP e Judiciário, a cláusula da reserva do possível como justificativa

plausível para a não implementação de políticas públicas na área educacional.

Esta última, contudo, não se sustenta, pois há no Estatuto da Criança e do Adolescente

expressa menção de que as políticas públicas voltadas para este público devem ter prioridade

e prevalecer sobre as demais, inclusive em termos de recursos públicos.

Atualmente, muitos Estados possuem Ministérios Públicos com atuação positiva em

relação à educação, a maioria deles se faz por meios dos órgãos auxiliares, os Centros de

Apoio Operacional - CAO.

1.3.1 Configuração do MP nos Estados e dos CAO’s

No levantamento realizado nas 27 unidades federativas do país (26 Estado e 01

Distrito Federal), verificou-se que o Ministério Público Estadual dispõe na maioria das

unidades federativas do país dos órgãos auxiliares denominados “Centros de Apoio

Operacionais – CAO”; desta forma buscamos os Centros de Apoio Operacional de Defesa da

Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, pelos Centros de Apoio Operacional da

Infância e Juventude (CAOIJ), Direitos Humanos (CAODH) ou ainda Cidadania (CAOC).

Observa-se que o foco de atuação e estudos é diferenciado entre estes Centros de

Apoio acima descritos, mas de uma forma ou de outra a questão educacional de crianças e

adolescentes faz parte da função dos mesmos, mesmo não sendo CAO’s específicos de

educação, como é o caso dos CAO’s que trabalhom as questões de Direitos Humanos.

Page 39: KARINA MELISSA CABRAL

39

Para realização desta pesquisa utilizamos como instrumento um questionário

estruturado com base nas questões de pesquisa e nos objetivos da mesma, assim este foi

organizado em uma plataforma on line, por meio da ferramenta de elaboração de

questionários pela web, Survey Monkey, que foi enviado em formato eletrônico (e-mail) aos

representantes dos Ministérios Públicos Estaduais das 27 unidades federativas (26 Estados e

01 Distrito Federal), ou seja, os Promotores de Justiça responsáveis pelos Centros de Apoio

Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, pelos Centros de

Apoio Operacional da Infância e Juventude, ou ainda da Cidadania ou Direitos Humanos,

garantindo-lhes o sigilo e o anonimato, sendo que serão identificados apenas o Estado a que

pertencem e/ou Distrito Federal, bem como o Centro de apoio Operacional.

Essa relação entre as questões de pesquisa e os objetivos da mesma promoveu a

formulação de cinco grandes temas, compostos também por subtemas, que serviram de base

ao questionário estruturado enviado aos representantes do Ministério Público responsáveis

diretos pelos CAO’s dos Estados (Apêndice I).

Este roteiro culminou em um questionário de cinquenta perguntas, entre elas algumas

perguntas de múltipla escolha (Apêndice II).

Antes do envio do e-mail com o questionário estruturado foi efetuado um contato

telefônico com todos os Centros de Apoio Pesquisados para apresentação da pesquisa e da

pesquisadora, bem como foi encaminhado, acompanhando o questionário estruturado, uma

carta de apresentação elaborada pelo Assessor de Políticas Públicas da Procuradoria de Justiça

do Estado de São Paulo, o Promotor de Justiça Dr. Marcelo Pedroso Goulart, os comprovantes

de matrícula da pesquisadora no doutoramento e nos quadros da Ordem dos Advogados do

Brasil – Seccional de São Paulo, bem como foi apresentado nas páginas iniciais da pesquisa,

na plataforma on line, a apresentação da pesquisa e o currículo da pesquisadora.

Com este instrumento conseguimos parcialmente mapear como o Ministério Público

Estadual está organizado para trabalhar as questões vinculadas ao direito à educação em nosso

país e quais Estados possuem uma atuação diferenciada em seus órgãos do MP em relação a

este direito.

Como já salientado no início desta tese que obtivemos pouca adesão dos membros do

Ministério Público Estadual, porém, aqueles que participaram, respondendo ao questionário,

trouxeram informações muito relevantes sobre seus Estados: Acre, Santa Catarina, Maranhão,

Goiás e Espírito Santo.

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40

Desta forma, dos CAO’s que responderam o questionário: três são Centros de Apoio

Operacional de Infância e Juventude (Santa Catarina, Maranhão e Acre) e dois são Centro de

Apoio Operacional de Defesa da Educação (Goiás e Espírito Santo).

Segundo o representante do CAOIJ de Santa Catarina a função deste órgão auxiliar

nos quadros do Ministério Público é:

Ato n. 315/2012/PGJ [...]

Art. 2º Os Centros de Apoio Operacional, sem prejuízo de idênticas atribuições e

prerrogativas do Procurador-Geral de Justiça, serão supervisionados pelo

Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos e Institucionais, a quem

incumbe:

I - estabelecer, em conjunto com os Coordenadores, as políticas de atuação dos

Centros de Apoio, assim como as prioridades, estratégias e modelos operacionais,

em consonância com o Plano Geral de Atuação do Ministério Público e com as

responsabilidades e compromissos da Instituição com a sociedade;

II - dirimir eventuais conflitos de atribuições entre os Centros de Apoio, ressalvado

o disposto no inciso IV do art. 5º deste Ato, bem como zelar pela eficiência,

harmonia e economicidade das ações desenvolvidas;

III - despachar e decidir, diretamente com os Coordenadores, as questões atinentes a

cada um dos Centros de Apoio, dando-lhes o encaminhamento adequado ou

submetendo-as, quando for o caso, à consideração do Procurador-Geral de Justiça;

IV - conhecer de eventuais reclamações dos órgãos de execução em face dos Centros

de Apoio, adotando, quando for o caso, as medidas necessárias à solução dos

problemas ou questões suscitados ou encaminhando-as aos setores competentes da

Administração Superior;

V - receber sugestões e quaisquer contribuições ou idéias que se prestem ao

aperfeiçoamento da estrutura e das atividades dos Centros de Apoio, dando-lhes o

encaminhamento necessário;

VI - colaborar com o Procurador-Geral de Justiça na definição das prioridades,

ações, projetos e programas institucionais na área de abrangência dos Centros de

Apoio, bem como auxiliá-lo na tarefa de motivação e envolvimento dos órgãos de

execução (CAOIJ Santa Catarina)

E para o representante do CAOIJ do Maranhão a função pode ser descrita como:

I - apresentar ao Procurador-Geral de Justiça sugestões para elaboração da política

institucional e de programas específicos, inclusive alterações legislativas e edições

de normas jurídicas.

II - responder pela implementação dos planos e programas de sua área,

conformidade com as diretrizes fixadas;

III - assistir ao Procurador-Geral de Justiça no desempenho de suas funções;

IV - acompanhar a política nacional, estadual e municipal referentes à sua área

de,atuação,realizando estudos e oferecendo sugestões as entidades públicas e

privadas com atribuições no setor;

V- manter permanente contato com o Poder Legislativo Federal, Estadual e

Municipal, inclusive acompanhando o trabalho das Comissões Técnicas

encarregadas do exame de projeto de lei, na área de sua atuação;

VI - representar o Ministério Público,quando cabível e por delegação do Procurador-

Geral de Justiça nos órgãos que atuem na respectiva, área;

VII - colaborar junto aos setores públicos ou privados em campanhas educativas à

sua área de atuação;

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41

VIII - manter permanente contato e intercâmbio com entidades públicas ou privadas

que direta ou indiretamente,se dediquem ao estudo ou à proteção dos bens, valores

ou interesses, relacionados com a sua área de atuação;

IX - sugerir ao Procurador-Geral de Justiça a realização de convênios;

X - zelar pelo cumprimento das obrigações do Ministério Público decorrentes dos

convênios firmados;

XI.- divulgar atividades trabalhos do Ministério Público na área de sua atuação;

XII - sugerir a edição de atos e instruções tendentes à melhoria dos serviços do

Ministério Público;

XIII - efetuar a articulação entre os órgãos de execução do Ministério Público e

entidades públicas ou privadas com atuação na sua área afins;

XIV - promover a integração e o intercâmbio entre os órgãos de execução do

Ministério Público que atuem na mesma área e/ou que tenham atribuições comuns

ou afins, objetivando melhorar o desempenho de suas funções institucionais;

XV - prestar orientação técnico-jurídica aos órgãos de execução do Ministério

Público no exercício de suas atividades institucionais;

XVI - requisitar certidões, informações e quaisquer documentos diretamente de

órgão públicos e privados inclusive conveniados;

XVII - receber representações ou qualquer outro expediente, encaminhando-os ao

órgão de execução competente;

XVIII - manter arquivos das petições iniciais das ações civis públicas.e das portarias

instauradoras de inquéritos civis, ajuizadas ou baixadas pelos órgãos de execução;

XIX - desenvolver estudos e pesquisa criando ou sugerindo a criação de grupos e

comissões de trabalho;

XX - sugerir à Escola Superior do Ministério Público a realização de cursos,

palestras e outros eventos reativos à sua área de atuação;

XXI - remeter informações técnico-jurídicas aos órgãos ligados à sua área de

atividade;

XXII - apresentar ao Procurador-Geral da Justiça relatório anual das atividades

desenvolvidas na sua área de atuação, em prazo não superior a quinze (15) do ano

subsequente;

XXIII - desenvolver medidas e mecanismos que propiciem fluxo de informações

destinados a instrumentar o Ministério Público na consecução dos planos e diretrizes

institucionais dentro de sua área de atuação;

XXIV - exercer outras funções compatíveis com suas finalidades, vedado o

exercício de qualquer atividade de Órgão de Execução do Ministério Público, bem

como a expedição de atos normativos a estes dirigidos, a teor do disposto no artigo

33, V, da Lei nº 8.625/93. (CAOIJ Maranhão)

Já a normativa do Acre determina que o CAOIJ deste Estado tem como função:

A Coordenadoria de Defesa da Infância e Juventude incumbe atuar como órgão

auxiliar da atividade funcional dos Órgãos de Execução com atuação na Infância e

Juventude do Ministério Público do Estado Acre, respeitando sempre a prerrogativa

da independência funcional e o Princípio do Promotor Natural, cumprindo-lhe o

exercício de atividades indutoras da política institucional em sua área fim, além das

seguintes atribuições:

I – divulgar o Estatuto da Criança e do Adolescente e a mobilização da sociedade

civil para a formação de uma cultura de respeito aos deveres e direitos infanto-

juvenis, bem como identificação, estudo, acompanhamento e combate de fenômenos

referentes à violação destes direitos;

II - oferecer suporte operacional e serviços de inteligência e informações

relacionados à sua área de atividade às Promotorias e Procuradorias de Justiça do

Ministério Público do Estado do Acre;

III - desenvolver projetos que permitam captação de recursos internos e externos a

fim de oferecer suporte aos Órgãos de Execução, de Gestão e Planejamento do

Ministério Público para aplicá-los em temas relacionados à Infância e Juventude;

Page 42: KARINA MELISSA CABRAL

42

IV - propor e executar políticas institucionais relacionadas às questões da Infância e

Juventude, contribuindo para a formulação da política de atuação ministerial,

atuando como indutora de novas práticas que poderão ser úteis à efetividade das

atividades-fim;

V – sugerir à Administração Superior do Ministério Público a elaboração de

convênios e termos de cooperação técnica com entidades públicas e privadas para

efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, sobretudo no que

se refere à obtenção de laudos periciais, estudos e pareceres nas diversas áreas,

destinadas a instruir procedimentos e processos relacionados à Infância e Juventude;

VI - estabelecer intercâmbio com entidades públicas e privadas que se dediquem ao

estudo ou à proteção de interesses relacionados com a infância e juventude;

VII - acompanhar a política nacional, estadual e municipal quanto aos assuntos

relativos à infância e juventude, realizando estudos e oferecendo sugestões; VIII -

manter contato permanente com o Poder Legislativo Federal, Estadual e Municipal,

a fim de acompanhar os projetos de lei de interesse da criança e do adolescente;

IX - promover campanhas de esclarecimento e sensibilização sobre os fenômenos de

violência doméstica, de exploração e abuso sexual, do bulliyng, do trabalho infantil,

navegação segura na internet e pedofilia, dentre outros fenômenos que afrontem os

direitos básicos da criança e do adolescente, apontando formas de conscientização

familiar e social, prevenção, combates e de denúncias;

X - monitoramento das ações governamentais estadual e municipais pertinentes ao

atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco;

XI - monitoramento dos orçamentos governamentais para aplicação prioritária dos

recursos públicos na área da infância e da juventude;

XII - remeter informações técnico-jurídicas, sem caráter vinculativo, aos Órgãos de

Execução ligados à atividade da Coordenadoria;

XIII – receber e responder às solicitações de apoio técnico-científico dos membros

do Ministério Público com atuação na Infância e Juventude, registrando-as e

encaminhando-as aos técnicos das áreas respectivas das entidades conveniadas;

XIV - informar os Órgãos de Execução com atuação na Infância e Juventude acerca

de inovações, mudanças de orientação jurisprudencial, teses doutrinárias, eventos

jurídicos e quaisquer outros fatos cujo conhecimento possa contribuir para o bom e

regular desempenho das atividades ministeriais;

XV - remeter, anualmente, ao Procurador-Geral de Justiça relatório das atividades

do Ministério Público relativas às suas áreas de atribuições no ano anterior;

XVI – prestar outros serviços de apoio, compatíveis com o objetivo geral da

Coordenadoria, sendo vedado o exercício de qualquer atividade de Órgão de

Execução de primeira instância, bem como a expedição de atos normativos a estes

dirigidos. (CAOIJ do Acre).

Portanto, como percebemos as atribuições dos CAOIJ sempre se referem à de auxílio,

prestação de serviços, prestação de informações e monitoramento de ações governamentais e

políticas públicas que envolvam crianças e adolescentes remetendo informações técnico-

jurídicas para que os representantes do Ministério Público possam atuar em relação aos

direitos destes.

No levantamento efetuado para mapear estes órgãos verificamos que há uma maior

incidência de Centros de Apoio Operacionais voltados para atendimento da Infância e

Juventude de forma genérica, 32% dos CAO’s são de Infância e Juventude, porém os CAO’s

voltados apenas para estudos educacionais já vem alcançando números significativos visto

que 29% atuam nesta seara. Observa-se, contudo, com atenção que 16% se referem à CAO’s

gerais, tanto cíveis como criminais e destes, 6% não possui Centro de Apoio Operacional em

Page 43: KARINA MELISSA CABRAL

43

nenhuma área de estudo, ou seja, não existem atuações específicas em relação à educação,

nem vinculadas à cidadania, direitos humanos ou infância e juventude.

Já os CAOE’s de Goiás e do Espírito Santo possuem algumas atuações específicas na

área educacional que nos auxiliam a compreender como o Ministério Público pode conceber

sua atuação na exigibilidade jurídica do direito à qualidade do ensino fundamental, uma vez

que possui um órgão auxiliar que visa monitorar e auxiliá-lo em:

XXIV - desempenhar outras atividades afins ou que lhe forem determinadas.

Atribuições:

I - acompanhar a viabilização e a implementação do estabelecido no ordenamento

jurídico correspondente à educação;

II - efetuar o acompanhamento e o controle do andamento das ações de repercussão

nacional ou local referente à política educacional;

III - apoiar as ações que visam acompanhar: a) os programas de pré-escola e ensino

fundamental;

b) a gratuidade de ensino médio;

c) o atendimento especializado para portadores de deficiência;

d) o atendimento especializado para os superdotados;

e) a oferta de ensino noturno;

f) os programas suplementares de material didático-escolar, transporte escolar,

merenda escolar e assistência a saúde, para atendimento ao educando de ensino

fundamental;

g) o direito público subjetivo de acesso obrigatório e gratuito ao ensino;

h) a freqüência escolar;

i) as autorizações para funcionamento de estabelecimentos de ensino particulares;

j) os currículos escolares;

k) a aplicação dos valores mínimos da receita em educação;

l) o ensino supletivo; m) a autonomia das entidades desportivas;

n) a proteção e o incentivo de práticas desportivas;

o) os casos da justiça desportiva;

p) os programas de pesquisa científica e autonomia tecnológica;

IV - apoiar medidas que promovam a criação e a atuação efetiva dos conselhos de

educação;

V - acompanhar a criação e atuação dos órgãos estaduais e municipais de educação;

VI - assessorar os órgãos de execução na adoção de medidas que promovam o

cumprimento das determinações legais, principalmente o estabelecido pelos arts 205

a 214 da Constituição Federal;

VII - acompanhar as ações de avaliação da aplicação efetiva dos recursos destinados

à educação;

VIII - acompanhar as políticas nacional, estadual e municipal de educação;

IX - apoiar os órgãos de execução do MP-ES na instrução de inquéritos civis ou no

desenvolvimento de medidas processuais;

X - sugerir a edição de atos e instruções que visem a melhoria das ações do MP-ES

voltadas para a educação;

XI - sugerir a realização de cursos e eventos para a divulgação da legislação

pertinente à educação;

XII - manter atualizado banco de dados relativos aos conselhos de educação;

XIII - representar o MP-ES junto a entidades públicas e privadas com atuação na

educação, por designação do Procurador-Geral de Justiça;

XIV - elaborar e manter atualizados dados estatísticos de ações e processos

referentes à área de educação;

XV - desenvolver outras atividades afins oficialmente estabelecidas. (CAOE do

Espírito Santo, grifos nossos)

Page 44: KARINA MELISSA CABRAL

44

Atuar na defesa do direito à educação latu sensu (ensinos: fundamental, médio,

superior, especial etc), abrangendo a matéria cível e a criminal, além de outras

matérias correlatas. (CAO de Goiás)

Assim, os Centros de Apoio Operacional de forma geral no Brasil podem ser

compreendidos como órgãos que auxiliam e promovem ações para maximizar o trabalho dos

representantes do MP nos Estados. Um dado relevante informado pelos pesquisados é que a

disparidade entre o número de Promotorias de Justiça gerais e de Promotorias específicas para

tratar de direitos e deveres relacionados às crianças e adolescentes na maioria dos Estados é

muito grande. Goiás, seguido de Santa Catarina são os Estados que mais possuem

Promotorias de Infância e Juventude, sendo que no Maranhão das 298 Promotorias que o

Estado possui, apenas 14 delas tem como premissa a criança e o adolescente.

Gráfico 1. As Promotorias de Justiça nos Estados Pesquisados

Na configuração geral do país quanto aos Centros de Apoio Operacional podemos

dizer que o Brasil ainda precisa de uma maior estruturação, pois estes órgãos auxiliares são de

extrema relevância para que o Ministério Público tenha ações diferenciadas quanto a alguns

direitos específicos, como a educação, porém muitos Estados ainda não possuem os CAO’s,

muito menos especificamente na área educacional.

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45

No gráfico acima percebemos que os sujeitos que participaram da pesquisa

representam as regiões brasileiras abaixo destacadas, ou seja, temos uma representatividade

de todo território brasileiro na pesquisa:

Tabela 1. Participantes da pesquisa por região do país

Região do Brasil Estado do Ministério Público -

Pesquisa

Norte MP Acre

Nordeste MP Maranhão

Centro Oeste MP Goiás

Sudeste MP Espírito Santo

Sul MP Santa Catarina

Por isso, a análise que faremos dos CAO’s de forma geral será focalizada por regiões

conforme demonstra o quadro 1 acima em corelação ao mapa (Figura 1) abaixo..

Figura 1. Mapa das regiões do país

Fonte: Disponível em: http://upl.linkatual.com/2013/07/mapa-do-brasil-regioes.jpg. Acesso em: 10 out. 2014

Page 46: KARINA MELISSA CABRAL

46

Gráfico 2. Os Centros de Apoio Operacionais no Brasil

Podemos observar mais detalhadamente no gráfico abaixo que em números gerais

existem no Brasil: 10 Centros de Apoio Operacional vinculados especificamente à Infância e

Juventude; 09 Centros de Apoio Operacional vinculados à educação, especificamente; 04

Centros de Apoio Operacional que estudam a cidadania; 03 Centros de Apoio Operacional

com vinculação aos Direitos Humanos e 03 Gerais, sendo que 02 Estados (Alagoas e Mato

Grosso) não possuem nenhum Centro de Apoio Operacional e nem nenhuma ação vinculada

ao direito à educação, cidadania, direitos humanos ou infância e juventude (Gráfico 3).

Gráfico 3. Os CAO’s em números inteiros

Page 47: KARINA MELISSA CABRAL

47

Na pesquisa realizada junto aos Estados e os CAO’s verificou-se que nem todos os

Estados possuem CAO, muito menos CAO específico para educação, como dito. O gráfico 4

abaixo demonstra esta constatação, demonstrando quais as regiões do país possuem os

Centros de Apoio Operacional e quais áreas.

Nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul encontramos CAO’s tanto de

Direitos Humanos quanto de Infância e Juventude; o mesmo acontece no Distrito Federal

onde existe o Ministério Público Distrital com a Procuradoria da Educação, que não é um

CAO, mas exerce função específica na área educacional; e no estado do Mato Grosso do Sul

encontramos tanto o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos

Constitucionais do Cidadão e dos Direitos Humanos quanto o CAO Infância e Juventude.

Gráfico 4. Panorama geral dos CAO’s nas Regiões do Brasil

Os CAOIJ’s são encontrados em maior número na região Nordeste, com cinco

unidades: Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Tocantins, e na região Sul, com duas unidades:

Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Verificamos unidades também no Nordeste (Maranhão),

Centro-oeste (Mato Grosso do Sul) e no Sudeste (Rio de Janeiro).

Page 48: KARINA MELISSA CABRAL

48

Gráfico 5. CAO Infância e Juventude nas Regiões do Brasil

Já os CAOE’s não existem na região Norte, podendo ser encontrados de forma bem

distribuída pelas outras regiões do país. No Nordeste as três unidades ficam nos estados da

Bahia, Paraíba e Sergipe; no Centro-oeste em Distrito Federal e Goiás; na região Sudeste nos

Estados Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo; e na região Sul no Paraná.

Gráfico 6. CAO Educação nas Regiões do Brasil

Page 49: KARINA MELISSA CABRAL

49

As regiões Norte, Nordeste e Sudeste não possuem CAO de Direitos Humanos, sendo

estes encontrados apenas na região Centro-oeste (Mato Grosso do Sul) e Sul (Rio Grande do

Sul e Santa Catarina) do Brasil, com respectivamente uma e duas unidades.

Gráfico 7. CAO Direitos Humanos nas Regiões do Brasil

Já o CAO Cidadania pode ser encontrado apenas na região Nordeste, sendo no Ceará o

Centro de Apoio Operacional da Cidadania (Defesa da Educação), em Pernambuco o Centro

de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania – CAODC, no Piauí o Centro de Apoio

Operacional de Defesa da Cidadania e Saúde – CAODCS e no Rio Grande do Norte o Centro

de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania. Na região Norte Rondônia possui apenas um

Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional – CEAF (Projeto Escola Cidadania) e

Roraima não possui nem CAO Infância e Juventude e nem Educação, possuindo apenas um

Núcleo - NAP nas áreas Saúde e Criminal.

Page 50: KARINA MELISSA CABRAL

50

Gráfico 8. CAO Cidadania e outros nas Regiões do Brasil

Assim, como analisado no tópico anterior, a relação do Ministério Público com a

sociedade civil tem um foco maior na questão do desempenho deste órgão como instituição

responsável por regular e movimentar as ações vinculadas à cidadania, e os direitos sociais,

entre eles a educação necessita desta articulação para que não fique apenas na dependência da

ação do Estado. Portanto, o Ministério Público é uma instituição que é indispensável para

relação estabelecida entre justiça e educação, especialmente para atuar como mecanismo de

exigibilidade do direito à educação de qualidade “a partir da sua redefinição na Constituição

Federal de 1988 e pela prerrogativa de intervir em diferentes áreas da sociedade, como a

política, e nas áreas relacionadas aos direitos sociais, como a educação” (OLIVEIRA, 2011, p.

91)

Page 51: KARINA MELISSA CABRAL

51

2 DIREITO À EDUCAÇÃO

“A educação é um elemento importante na luta

pelos direitos humanos. É o meio para ajudar os

nossos filhos e as pessoas a redescobrirem a sua

identidade e, assim, aumentar o seu autorrespeito.

Educação é o nosso passaporte para o futuro, pois o

amanhã só pertence ao povo que prepara o hoje”

(Malcom X)

O Brasil após a Constituição Federal de 1988 constitui-se um Estado Democrático de

Direito8, que é uma forma de organização política que segue o modelo democrático e que visa

à participação dos indivíduos nos bens sociais, pois tem como fim maior a democracia, que

segundo Benevides (2000, p. 115) é o “regime político da soberania popular e do respeito

integral dos direitos humanos, o que inclui o reconhecimento, proteção e promoção”.

A proteção a estes direitos sociais vem descrita no artigo 6º da CF/88 como: “São

direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,

a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na

forma desta Constituição”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010).

Portanto, a educação é um direito social que deve ser protegido pelo Estado Democrático de

Direito.

Neste sentido, segundo Basílio (2009, p.34) nesta concepção deve o “Estado intervir

na sociedade para melhor assegurar a existência social, obrigando intervenções de caráter

econômico e social tendentes a atingir a igualdade, mediante uma conciliação dos limites do

poder estatal com as exigências da sociedade e da democracia”, garantindo-lhe um mínimo

existencial:

O mínimo existencial corresponde as necessidades básicas que integram o principio

da liberdade, e por isso são fundamentos constitucionais e não se confundem com as

questões de justiça básica. Seu fundamento, por conseguinte, esta nas condições para

8 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,

nos termos desta Constituição.

Page 52: KARINA MELISSA CABRAL

52

o exercício da liberdade; sem o mínimo necessário a existência cessam as condições

iniciais para a liberdade.

[...]

Nessa linha de raciocínio, a educação fundamental inequivocamente constitui um

mínimo existencial se observarmos os requisitos necessários ao exercício da

democracia e da cidadania, que pressupõem uma atuação consciente do homem.

(BASILIO, 2009, p. 34)

Outra conceituação relevante sobre o mínimo existencial refere-se ao mínimo

necessário para a conservação de uma vida humana:

O mínimo existencial é a parte do consumo corrente de cada ser humano, seja

criança ou adulto, que é necessária para a conservação de uma vida humana digna, o

que compreende a necessidade de vida física, como a alimentação, vestuário,

moradia, assistência de saúde, etc. (mínimo existencial físico) e a necessidade

espiritual-cultural, como educação, sociabilidade, etc. (TREISH, 1999, p. 01 apud

LEIVAS, 2006, p. 135).

A educação deve ser considerada no Estado Democrático de Direito como um direito

social, constante do mínimo existencial, pois tem caráter existencial e é expressão do próprio

direito à vida e faz parte dos requisitos básicos para construção da dignidade da pessoa

humana, pois permite seu pleno desenvolvimento e sua autonomia, sendo imprescindível para

construção da cidadania:

[...] o ensino assume um papel primordial na construção de um espaço publico no

qual o voto esclarecido e a participação autônoma e criteriosa dos cidadãos comuns

na administração garantam a “boa vida” comum, impedindo que os recursos teóricos

dos demagogos e as habilidades executivas dos “competentes” sejam novas fontes

de institucionalização e planejamento do domínio. (PIOZZI, 2007, p. 722)

Assim, verifica-se que a educação de forma geral e mais especificamente a educação

escolar formal é vista como um instrumento essencial para o exercício da cidadania e como

base para a construção de uma sociedade democrática e de cidadãos capazes de agir

politicamente:

A democracia só se consolida na medida em que cada um de seus membros esteja

capacitado para participar das decisões, para opinar sobre os rumos da sociedade,

para interferir, para apresentar seus próprios pontos de vista e contrastá-los com

pontos de vista diversos (SAVIANI, 1986, p. 76)

Desta forma, quando se buscam as bases do Direito Educacional, o ponto de partida

deve estar na Constituição, naqueles princípios abrangentes, capazes de multiplicar-se em

muitos direitos, garantias e deveres, pois a educação faz parte do mínimo existencial que

integram as necessidades básicas.

Page 53: KARINA MELISSA CABRAL

53

Importa estabelecer que o Direito Educacional é composto por diversas leis esparsas e

“a regulação do sistema educacional precisa ser compreendida como um sistema de

regulações, como mostra Barroso (2004), cabendo ao Estado a função de aglutinador das

coordenações”, conforme pondera Noronha (2014, p. 39).

Assim, “[...] a actual difusão, no domínio educativo, do termo ‘regulação’ está

associada, em geral, ao objectivo de consagrar, simbolicamente, um outro estatuto à

intervenção do Estado na condução das políticas públicas” (BARROSO, 2004, p. 727). E o

autor sobre a regulação do processo educativo afirma:

[...] a regulação do sistema educativo não pode ser vista como um processo único,

automático e previsível, mas como um processo compósito que resulta mais da

regulação das regulações, do que do controlo directo da aplicação de uma regra

sobre a acção dos ‘regulados’. (BARROSO, 2004, p. 39-40).

É necessário considerar o artigo 3º da Constituição Federal de 1988: “Constituem

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,

justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos,

sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação”. A presença da educação na Constituição Federal deve ser examinada

necessariamente com base nesses objetivos expostos no artigo 3º, dos quais ela não pode estar

de nenhum modo afastada.

Os princípios básicos, contidos no artigo 3º da Constituição, devem influir na teoria e

na prática educacional derivada do Capítulo III, denominado “Da Educação, da Cultura e do

Desporto”, no Título VIII (Da Ordem Social), arts. 205 a 214, juntamente com outros

preceitos distribuídos ao longo do texto constitucional.

Entre outras determinações a Constituição Federal de 1988 aponta os titulares passivos

do direito à educação, cabendo à família, à sociedade e ao Estado promovê-la e incentivá-la.

Nos artigos 5º, caput, e 205 e seguintes encontram-se as bases formadoras para o

desenvolvimento de uma nação: o direito à vida, cabendo ao Estado protegê-lo em sua

acepção integral, incluindo aí o direito à educação; e o direito à educação expresso no art. 6º e

nos artigos 205 a 214.

Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho.

Page 54: KARINA MELISSA CABRAL

54

Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (Alterado

pela EC-000.019-1998)

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o

saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições

públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei,

planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e

títulos, aos das redes públicas; (Alterado pela EC-000.053-2006)

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade.

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar

pública, nos termos de lei federal. (Acrescentado pela EC-000.053-2006)

Assim, o artigo 205, determina como deve ser ministrada a educação, ou seja, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho, sendo esta educação responsabilidade e dever do Estado.

No mais, conforme o artigo 206, a educação deve ser oferecida tendo como base os

princípios ali fixados, entre eles a garantia do padrão mínimo de qualidade (CF, art. 206,

inciso VII.).

Segundo Cury (2007, p. 12) “a Constituição da República e a Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional conferem uma relevância à educação ao elevá-la à categoria de

princípio e de direito articulando-a com a proteção e a dignidade da pessoa humana”. No

mais, o reconhecimento da qualidade da educação como um princípio, tendo como meta o de

ser uma disposição estável e crescente, contínua e progressiva, foi tão largo e consensual que

gerou uma positivação do ordenamento jurídico brasileiro até antes da atual Constituição

Federal de 1988.

Quanto à qualidade do ensino a Constituição Federal ainda explicita que a melhoria da

qualidade do ensino é um dos objetivos maiores do Plano Nacional de Educação.

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com

o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e

definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a

manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e

modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes

esferas federativas que conduzam a: (Alterado pela EC-000.059-2009)

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - melhoria da qualidade do ensino;

IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como

proporção do produto interno bruto. (Acrescentado pela EC-000.059-2009)

Page 55: KARINA MELISSA CABRAL

55

O fundamento destes dispositivos constitucionais provém da comunidade

internacional, na qual o Brasil se insere, por intermédio da Declaração Universal de Direitos

Humanos da ONU – Organização das Nações Unidas que antecede e inspira a Constituição

Federal de 1988, somando-se às exigências da sociedade brasileira, também no campo

educacional, além de outros. E faz com que a Constituição Federal de 1988 considere a

educação como um direito social, junto com outros direitos, conforme artigo 6º: “São direitos

sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Os direitos individuais e os direitos sociais perfazem num todo, a exigir um

procedimento diferente do Estado, quanto a eles. São esclarecedoras as observações de Bastos

sobre a distinção do procedimento estatal, ante os direitos individuais ou os direitos sociais:

Ao lado dos direitos individuais, que têm por característica fundamental a imposição

de um não fazer ou abster-se do Estado, as modernas Constituições impõem aos

Poderes Públicos a prestação de diversas atividades, visando o bem-estar e o pleno

desenvolvimento da personalidade humana, sobretudo em momentos em que ela se

mostra mais carente de recursos e tem menos possibilidade de conquistá-los pelo seu

trabalho (BASTOS, 1998, p. 259)

Desta forma, a CF/88 impõe ao Poder Público a prestação da educação como um

direito que visa o bem-estar e o pleno desenvolvimento da pessoa humana. Ou seja, os direitos

individuais implicam o não fazer do Estado, enquanto os direitos sociais impõem-lhe um fazer

e uma maior positividade, como assevera Silva:

Os direitos sociais, como compreensão dos direitos fundamentais do homem, são

prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que

possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a

realizar a igualização de situações sociais desiguais (SILVA, 2001, p. 258).

Bobbio (2004, p. 89) destaca e reforça esse aspecto, afirmando que “não existe

atualmente nenhuma carta de direitos, para darmos um exemplo convincente, que não

reconheça o direito à instrução – crescente, de resto, de sociedade para sociedade – primeiro

elementar, depois secundária, e pouco a pouco até mesmo universitária”.

Assim, as políticas sociais - como as políticas públicas educacionais – apoiadas em

direitos sociais tornam obrigatórias e imediatas as medidas estatais para elevar a condição

humana dos titulares desses direitos. Tais medidas vêm em resposta às necessidades sociais e

transformam em realidade os direitos sociais, sobressaindo nas medidas os pobres e os

miseráveis (VIEIRA, 2001).

Page 56: KARINA MELISSA CABRAL

56

Constitucionalmente, portanto, a educação brasileira deve ser direito de todos e

obrigação do Estado; deve acontecer em escolas; deve seguir determinados princípios; deve

ratificar a autonomia universitária; deve conservar a liberdade de ensino; e, principalmente,

deve converter-se em direito público subjetivo, com a possibilidade de responsabilizar-se a

autoridade competente, inclusive quanto à qualidade desta educação.

Uma questão polêmica sobre o direito à educação refere-se: as normas que estão na

Constituição Federal, sob o Título VII, Da Ordem Social – entre elas o direito à educação –

são ou não de eficácia plena?

Não há o que se discutir quanto a isso, no que se refere aos direitos à educação,

primeiramente porque este se trata de um direito da personalidade, incluso no direito à vida

(art. 5º, inciso I da CF), o que significa que tem eficácia imediata; segundo, porque seguindo o

entendimento de José Afonso da Silva (2001, p. 81) “não há norma constitucional alguma

destituída de eficácia plena”.

Outra questão controversa sobre o tema refere-se à possibilidade deste direito ser

verdadeiramente um Direito subjetivo ou consistir apenas no reflexo do Direito objetivo, por

meio dos quais se concede a certas irradiações da personalidade uma proteção jurídica geral.

Entretanto, é a tese positiva sobre a existência dos direitos subjetivos que vem prevalecendo

em quase todos os ordenamentos jurídicos do mundo e a qual adotamos neste trabalho.

Isto porque, de acordo com a Constituição Federal de 1988, art. 208, parágrafo

primeiro: “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”. No mesmo

sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional postula que “O acesso ao ensino

fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos,

associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente

constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo” (art. 5º,

LDB).

Assim, Júnior (2000, p. 880) apoiado nos ensinamento de Pontes de Miranda assinala

que “se há direito público subjetivo à educação, o Estado pode e tem que entregar a prestação

educacional. Fora daí, é iludir o povo com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o

problema da educação não é fazer leis, ainda que excelentes”.

Basílio9 discute a questão do direito à educação, posto como um direito essencial ao

exercício da cidadania, afirmando que:

9 Dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo

Page 57: KARINA MELISSA CABRAL

57

Como um Direito Social, ou Direito Humano de Segunda Dimensão, o direito a

educação tem sua efetividade comprimida pela inércia dos Poderes Públicos em

promover Políticas Públicas capazes de realizá-lo mediante alegações de

discricionariedade da Administração Publica em sua atuação e de escassez de

recursos. Óbice este por vezes enfrentado pelos Direitos Sociais, mas amenizado

quando reconhecidos como direitos públicos subjetivos, cuja exigibilidade perante o

Poder Público e direcionado aos indivíduos, ao menos no tocante ao núcleo

fundamental de cada direito. (BASILIO, 2009, p. 11)

Assim, todo cidadão brasileiro tem direito de exigir do Estado o cumprimento da

prestação educacional por ser esta um direito público subjetivo. Portanto, hoje, felizmente,

tem-se um texto constitucional que assegura a educação como direito social, garantindo a

todos uma educação com padrão mínimo de qualidade, sob a responsabilidade do Poder

Público.

No entanto, nota-se que alcançar essa participação ou o acesso universal ao ensino

depende fundamentalmente da qualidade da educação disponível, pois é inegável que como os

alunos são ensinados e quanto eles aprendem são fatores que têm impacto crucial na

frequência à escola e na sobrevivência escolar, até mesmo os pais julgam a qualidade da

escola por estes resultados – mesmo que esta pesquisadora não os considere por si só como

única forma de mensuração de qualidade educacional.

A educação, portanto, cria a situação em que é necessário haver escolas de qualidade

para todos, seguindo o disposto no regime jurídico constitucional (art. 206, inciso VII e art.

208, parágrafos primeiro e segundo) e dando maior destaque ao Poder Judiciário neste setor.

2.1 Conceito de educação

Antes de iniciarmos a discussão sobre a questão do Direito Educacional é importante

que o objeto deste direito seja delineado e identificado. O que compreende o ato de educar?

Segundo a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e

bases da educação nacional:

Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida

familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,

nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações

culturais.

§ 1º. Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente,

por meio do ensino, em instituições próprias.

Page 58: KARINA MELISSA CABRAL

58

§ 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática

social.10

Rousseau afirma que “o homem não pensa naturalmente. Pensar é uma arte que se

aprende como todas as outras, e até mais dificilmente” (ROUSSEAU, 1979, p. 480), assim a

educação é o processo pelo qual o homem adquire a capacidade de pensar por meio do

desenvolvimento de habilidades cognitivas e de sua atuação no mundo como ser histórico. Ou

seja, é o instrumento que possibilita ao homem ser sujeito de sua história atuando e

modificando a realidade social.

Desta forma, a educação propicia o desenvolvimento da capacidade do sujeito

organizar seu pensamento:

O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos e a educação da

natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento e a educação dos

homens; e o ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam e a

educação das coisas. (ROUSSEAU, 1979, pp. 10-11)

Segundo Paulo Freire (2002) a educação é uma forma de libertação do indivíduo que,

por ser um ser histórico é responsável pela produção da realidade, especialmente quando esta

lhe é opressora. E esta percepção promovida pela educação é a “reflexão e ação dos homens

sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 2002, p. 35).

Desta forma, se a educação promove a integração do sujeito com o contexto histórico

cultural, ela deve ser considerada um produto de nossa história e sociedade. Para Hannah

Arendt (1992, p. 234), “a educação está entre as atividades mais elementares e essenciais da

sociedade humana, que jamais permanece da mesma forma, renovando-se continuamente

através do nascimento de novos seres humanos, que nunca se acham acabados, mas em um

permanente estado de vir a ser”.

Basílio (2009) destaca que a educação foi concebida na história da humanidade sob

diversas concepções:

A educação, como ciência humana, resguarda seu caráter histórico. No curso da

história da humanidade fora reconhecida sob diversas concepções, evoluindo de um

mecanismo essencialmente garantidor da sobrevivência da vida e do individuo a

formas de legitimação e manutenção das diversas formas de organização social.

(BASILIO, 2009, p. 20)

10

LDB, art. 1º.

Page 59: KARINA MELISSA CABRAL

59

Vivemos neste momento histórico grandes problemas educacionais que nos remetem a

inúmeros questionamentos que são discutidos neste trabalho e em vários trabalhos de

educadores brasileiros, e até mesmo, estrangeiros.

Há uma nova ordem mundial decorrente do processo de globalização imbricada com a

revolução tecnológica que trouxe diferentes perspectivas para educação em geral, para as

políticas educacionais, para a escola e para o trabalho docente (MOREIRA; KRAMER, 2007,

p. 1038). Entre outras coisas as mudanças sociais contribuíram para o aumento da população

nos bancos escolares, o que também tem refletido nas questões anteriormente citadas.

Paro quando discute a questão da qualidade da educação e o que entendemos desta

temática, afirma que:

A educação, entendida como a apropriação do saber historicamente produzido é

prática social que consiste na própria atualização cultural e histórica do homem.

Este, na produção material de sua existência, na construção de sua história, produz

conhecimentos, técnicas, valores, comportamentos, atitudes, tudo enfim que

configura o saber historicamente produzido. (PARO, 1998, p. 300)

Assim, a educação é uma prática social decorrente de nossa cultura e história, onde o

homem tem o papel de mediador entre si e o meio no qual interage. A educação que

postulamos deve buscar uma relação humana dialógica e, neste caso, a educação escolar é

extremamente relevante, pois não deve objetivar apenas a formação para o trabalho, como

pondera a corrente produtivista, mas a formação para vida:

Em primeiro lugar, é preciso ter presente que não basta formar para o trabalho, ou

para a sobrevivência, como parece entender os que veem na escola apenas um

instrumento para preparar para o mercado de trabalho ou para entrar na universidade

(que também tem como horizonte o mercado de trabalho). [...] A primeira condição

para propiciar isso é que a educação se apresente enquanto relação humana

dialógica, que garanta a condição de sujeito tanto do educador quanto do educando.

(PARO, 1998, p. 301)

Neste sentido, a globalização por ser um fenômeno complexo e multifacetado que tem

impacto na educação se apropria de outras instâncias como econômicas, sociais, políticas,

culturais, religiosas e jurídicas trazendo tais consequências para a educação e influenciando

neste sujeito histórico que é produto deste novo meio e de sua interação, muitas vezes

tecnológica, com ele.

Para Basílio (2009, p. 20) no contexto das “sociedades democráticas, a educação deve-

se voltar à capacitação do homem ao exercício de seu papel como agente de sua própria

história e como cidadão, agente da história de sua sociedade”. E quando buscamos a

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60

democracia ou uma sociedade democrática, se busca consequentemente a formação de um

cidadão que saiba pleitear seus direitos e cumprir seus deveres.

O autor ainda afirma que:

A educação visa à formação do homem em sua integralidade, capacitando-o para se

tornar sujeito da história por meio da construção de sua cultura (e não objetivando a

mera aprovação em exames e testes), o que envolve conhecimentos, informações,

valores, crenças, ciência, arte, tecnologia, filosofia, direito, costumes...

A imperatividade da educação decorre da necessidade do homem em apropriar-se da

bagagem cultural historicamente acumulada [...] (BASILIO, 2009, p. 23)

Este também é o posicionamento de Paro (2008, p. 25), pois o sujeito se torna um ser

humano mais completo “a medida que desenvolver suas potencialidades, que a sua natureza

vai acrescentando cultura, pela apropriação de conhecimentos, informações, valores, crenças,

habilidades artísticas etc.”. Mais que isso, a educação permite o desenvolvimento das

potencialidades do homem, inclusive na acepção política, uma vez que esta “só se realiza, só

pode produzir sua materialidade, a partir do contato com os demais seres humanos, ou seja, a

produção de sua existência, não se da diretamente, mas mediada pela divisão social do

trabalho” (PARO, 2008, p. 26).

Neste sentido, concordando com a definição acima posta por Bastos, pois ela destaca

que a educação é necessária para a formação ético-moral do ser humano e que esta deve se dar

em condições de dignidade:

[...] formação de um ser humano ético-moral passa pela construção de um

desenvolvimento humano que se dê em condições de dignidade, mas para que isso

aconteça é necessário instrumentalizar ações para que se possa atuar enquanto

projeto pedagógico educacional nesse sentido. Assim, não basta mera sugestão é

preciso uma política de comprometimento ao ponto de se ter uma ação com

responsabilização e ao final formação e conscientização de deveres e direitos a

serem exercidos, sempre respeitando os sujeitos envolvidos no processo. (BASTOS,

2012, p. 117)

Essa concepção política de homem influência o significado da educação, pois

identifica o tipo de sociedade e a partir dela o tipo de cidadão que se pretende formar. Neste

sentido, Paulo Freire (2002, p. 86) afirma que “a partir da situação presente, existencial,

concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo

programático da educação ou da Ação Política”.

Assim, “a educação será tão mais plena quanto mais esteja sendo um ato de

conhecimento, um ato político, um compromisso ético e uma experiência estética” (FREIRE,

2001, p. 55). Não basta à educação que vise à plenitude da cidadania apenas a alfabetização

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61

de seu povo, uma vez que “ler e escrever não são suficientes para perfilar a plenitude da

cidadania” (FREIRE, 2001, p. 45), é necessário que façamos da educação um ato político

imbricado de significações.

Para Bianchetti (2008, p. 233) é “necessária relação que existe entre educação e

política e, por esse motivo, pode-se concluir que o conteúdo do conceito ‘qualidade’ está

definido e determinado pela orientação política”, contudo não apenas uma orientação política,

mas sim uma concepção de homem e de sociedade.

Acreditamos assim como preceitua Bobbio que

Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e,

num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos esses

direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos,

absolutos ou relativos, mas sim qual o modo mais seguro para garanti-los, para

impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.

(BOBBIO, 2004, p. 25)

Desta forma, o conceito de educação que defendemos é aquele em que a educação “é

entendida como elemento constitutivo e constituinte das relações sociais mais amplas,

contribuindo, contraditoriamente, desse modo, para a transformação e a manutenção dessas

relações”. E, portanto, considera a escola como o “espaço institucional de produção e de

disseminação, de modo sistemático, do saber historicamente produzido pela humanidade”

(DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 203).

E assim compreende também Regina Alcântara de Assis relatora das Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: “A magnitude da importância da

Educação é assim reconhecida por envolver todas as dimensões do ser humano: o singulus, o

civis, o socius, ou seja, a pessoa em suas relações individuais, civis e sociais” (BRASIL, ANO

E PÁGINA).

O tema educacional é intricado, tanto que Durkhein (1967, p. 27) afirma que “não há

uma educação ideal, perfeita, apropriada a todos os homens, indistintamente, mas que é

variável de acordo com o tempo e o meio”.

E a partir desta concepção de educação – em que o processo pedagógico dialógico é

considerado um ato político, de conhecimento e de compromisso ético, e que possibilita ao

educador e ao educando a construção do conhecimento, tornando o educando um sujeito de

direitos e deveres – pode-se iniciar a análise do direito à educação partindo das opiniões

doutrinárias acerca da natureza jurídica deste direito, especialmente quando considera-se um

Direito Humano e um Direito Fundamental.

Page 62: KARINA MELISSA CABRAL

62

Isto porque, Sarlet (1998) anota que tanto na doutrina quanto no Direito Positivo

(nacional e internacional) as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais” são

utilizados juntamente com outras similares, como: direitos naturais, direitos do homem,

direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, o que compreende, ainda, os direitos da

personalidade. Contudo, o autor, esclarece que não há como confundir os seus significados.

Direitos Fundamentais são os Direitos do ser humano reconhecidos e positivados

pelo Direito Constitucional positivo de determinado Estado; Direitos Humanos têm

relação com o direito internacional, pois se referem ao ser humano como tal,

independente se sua vinculação a um país ou Constituição, sendo válidos para todos

os homens em todos os tempos e lugares, revelando, assim, um caráter

supranacional; Direitos da Personalidade são válidos na relação paritária entre os

particulares e entre estes e o Estado, destituindo seu poder ius imperii. (SARLET,

1998, p. 29)

Portanto, segundo Sarlet (1998) a diferença entre os direitos humanos e direitos

fundamentais encontra-se no plano em que são concebidos os direitos, o primeiro no plano

internacional e o segundo em âmbito constitucional interno de cada Estado.

Passamos assim a esta análise que nos dará a base normativa para postular a

exigibilidade do direito à qualidade do ensino fundamental público no Brasil.

2.1.1 A educação como direito humano

Historicamente, somente no século XX, depois da Segunda Guerra Mundial, o Direito

à educação foi elevado à categoria normativa de direito (ético) do homem, quando se voltou a

discutir o postulado dos direitos do homem. Mas, antes mesmo desta declaração, o Direito à

educação já havia sido reconhecido, no plano internacional, pela Carta da Organização dos

Estados Americanos, assinada a 30 de abril de 1948 (no seu artigo 30) e pela Declaração

Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 02 de maio de 1948 (no seu artigo XII).

No entanto, foi no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem - DUDH

que o direito à educação foi proclamado no plano universal pela primeira vez, onde é

considerado como fundamental para que o homem possa desenvolver bem sua personalidade,

para que possa determinar por si só os fins que pretende atingir.

ARTIGO 26.º

Page 63: KARINA MELISSA CABRAL

63

1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a

correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório.

O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos

superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.

2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço

dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a

compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos

raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações

Unidas para a manutenção da paz.

3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar

aos filhos.

Nota-se que há uma mudança no caráter dos direitos e garantias individuais, que

passam a poder ser exigidos do Estado, pois se configuram em direitos políticos e sociais e,

desta forma, requerem ações positivas do Estado:

[...] de essencialmente individualista eles passaram a firmar-se como garantias

contra o Estado, sendo vistos como Direitos políticos e sociais, onde o Estado tem a

obrigação de garantir os direitos mínimos de uma prestação positiva aos cidadãos –

esta é a essência da natureza jurídica do Direito à educação. No sentido de que ao

lado de direitos que impunham ao Estado limitações, que lhe determinavam a

abstenção – não fazer – foram reconhecidos Direitos a prestações positivas do

Estado, que se vê obrigado, não raro, a criar serviços públicos para atendê-los

(FERREIRA FILHO, 1989, p.172-173).

No mesmo diapasão da Declaração Universal de Direitos do Homem - DUDH foi

elaborada a Declaração de Genebra, anterior a DUDH, datada de 1924, e a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica –, esta posterior a

DUDH, datada de 1969 e aprovada no Brasil em 14/09/1990 e ratificada em 21/11/1990 pelo

Decreto n. 99.710, onde consta a proteção especial à criança e os direitos às respectivas

medidas por parte da família, da sociedade e do Estado.

O art. 28 da Convenção sobre os Direitos da Criança adotada e ratificação pela

resolução n.º 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de Novembro de 1989,

determina que:

Artigo 28.

1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e tendo,

nomeadamente, em vista assegurar progressivamente o exercício desse direito na

base da igualdade de oportunidades:

Tornam o ensino primário obrigatório e gratuito para todos;

b) Encorajam a organização de diferentes sistemas de ensino secundário, geral e

profissional, tornam estes públicos e acessíveis a todas as crianças e tomam medidas

adequadas, tais como a introdução da gratuitidade do ensino e a oferta de auxílio

financeiro em caso de necessidade;

c) Tornam o ensino superior acessível a todos, em função das capacidades de cada

um, por todos os meios adequados;

d) Tornam a informação e a orientação escolar e profissional públicas e acessíveis a

todas as crianças;

Page 64: KARINA MELISSA CABRAL

64

e) Tomam medidas para encorajar a frequência escolar regular e a redução das taxas

de abandono escolar.

2. Os Estados Partes tomam as medidas adequadas para velar por que a disciplina

escolar seja assegurada de forma compatível com a dignidade humana da criança e

nos termos da presente Convenção.

E a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa

Rica, assegura que:

Capítulo III - DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

Artigo 26 - Desenvolvimento progressivo

Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito

interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e

técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que

decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,

constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo

Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa

ou por outros meios apropriados.

Segundo Caggiano (2009, p. 21) “já desde a edição da declaração francesa de 1789,

avulta a ideia da impositiva necessidade de se assegurar acesso à educação e aos meios

direcionados a emancipação intelectual e política do ser humano, integrante da comunidade

social”.

Insta salientar, que a DUDH e os dois Pactos adotados pela Assembleia Geral das

Nações Unidas em 1966 – o “Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos” (PIDCP)

e o “Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” (PIDESC) –

formam a Carta Internacional dos Direitos do Homem (CIDH), que é a Magna Carta da

Humanidade e, elas abordam da mesma forma a universalização do direito à educação.

Para Bobbio (2004, p. 26) “a Declaração representa a manifestação da única prova

através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e

reconhecido, vez que se baseia no consenso geral acerca da sua validade”.

E o autor continua: “[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são

direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em

defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de

uma vez e nem de uma vez por todas”. (BOBBIO, 2004, p. 25).

Contudo, embora ricas em conteúdo as Declarações de Direitos não são efetivas, por

serem facilmente desobedecidas. E isto pode ser esclarecido, pois segundo Basílio (2009) os

instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos não se incorporam ao texto

constitucional, eles o completam:

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65

Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, apesar de terem

hierarquia constitucional, não se incorporam no texto da constituição propriamente.

Eles complementam o rol de direitos e garantias fundamentais protegidos pela Lei

fundamental, ampliando o núcleo mínimo de direitos e garantias consagrados. Dizer

que os tratados de proteção dos direitos humanos tem hierarquia constitucional, não

significa dizer que estão dentro da constituição, mas sim que pertencem ao “bloco de

constitucionalidade” (BASILIO, 2009, p. 62)

E sobre a efetividade dos tratados internacionais de direitos humanos o Supremo

Tribunal Federal – STF decidiu após o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, em

recurso extraordinário que analisava a questão da prisão civil de depositário fiel:

[...] não obstante julgamentos de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 –

RTJ 179/493-496) inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza

constitucional as convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo,

para efeito de outorga dessa especial qualificação jurídica, tal como observa Celso

LAFER, a existência de três distintas situações concernentes a referidos tratados

internacionais:

(1) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais

nosso Pais aderiu), e regularmente incorporados a ordem interna, em momento

anterior ao da promulgação da Constituição de 1988 (tais convenções internacionais

revestem-se de índole constitucional, porque formalmente recebidas nessa condição,

pelo § 2º do art. 5º da Constituição);

(2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser celebrados pelo

Brasil (ou aos quais o nosso Pais venha a aderir) em data posterior a da promulgação

da EC nº 45/2004 (essas convenções internacionais, para se impregnarem de

natureza constitucional, deverão observar o “iter” procedimental estabelecido pelo §

3º do art. 5º da Constituição); e

(3) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais

o nosso país aderiu) entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência

da EC nº 45/2004 (referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional,

porque essa qualificada hierarquia jurídica lhes e transmitida por efeito de sua

inclusão no bloco de constitucionalidade, que e ‘a somatória daquilo que se adiciona

a Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados’. 11

Silva critica esta posição do STF, pois acredita que a incorporação dos tratados e

convenções de direitos humanos deveria ser automática ao nosso ordenamento constitucional

e não seguindo o procedimento do parágrafo terceiro do art. 5º da CF/8812

que determina a

necessidade de aprovação do Congresso Nacional, o que faz tais tratados e acordos ficarem na

dependência da ratificação do Poder Executivo:

Entendia-se que essa incorporação era automática, diferentemente do que ocorre

com outros tipos de tratados e acordos internacionais, dependentes sempre de

referendo congressual e ratificação governamental para sua eficácia interna. Essa

11

Recurso Extraordinário 566.343-1, São Paulo. Voto-vogal Ministro Gilmar Ferreira Mendes, pp. 27 e 28. 12

Art. 5º - [...]

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às

emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste

parágrafo)

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66

questão precisa ser repensada em face desse § 3º, porque a exigência de um quorum

qualificado para referendo congressual dos tratados e convenções de direitos

humanos, para que tenham natureza constitucional formal, implica reconhecer que

esses ajustes internacionais dependem, para ingressar no ordenamento interno

referendo do Congresso Nacional e ratificação do Poder Executivo, como qualquer

tratado e acordo internacional – o que é uma pena, porque a incorporação

automática, como direito constitucional, seria uma forma de destacar seu valor para

além das circunstâncias de lugar e de tempo. (SILVA, 2005, p. 179)

Importa destacar a clareza do acórdão do STF, do Ministro Gilmar Mendes, onde

somente para os tratados posteriores a dezembro de 2004 e que versem sobre direitos

humanos haverá a incorporação a nosso ordenamento com natureza constitucional. Assim, a

partir de 30 de dezembro de 2004 passamos a ter dois tipos de tratados internacionais: “os

constitucionais e os infraconstitucionais”.

Obviamente que se trata de um avanço os tratados internacionais que versem sobre

direitos humanos, a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, serem

considerados como normas constitucionais, mas não podemos deixar de concordar com a

crítica de Silva (2005), uma vez que esta incorporação deveria ser automática.

A maioria dos tratados internacionais que abordam o direito à educação,

especialmente, a qualidade desta educação, são infraconstitucionais. Assim, eles têm força de

lei ordinária e nenhum deles garante o direito a um ensino fundamental de qualidade, o que

dificulta sua força executiva na área educacional.

Cunha et al, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro coordena desde 2003 o grupo

de pesquisa “Direitos Humanos no Tribunal de Justiça” que investiga os limites e as

possibilidades da justiciabilidade dos Direitos Humanos, em especial dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais e em 2005 apresentou uma pesquisa em parceria com

alunos e professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e da

Universidade Cândido Mendes (UCAM) que traz informações do Tribunal de Justiça do Rio

de Janeiro sobre a justiciabilidade dos Direitos Humanos. Para estes autores

Os direitos humanos constituem o principal instrumento de defesa, garantia e

promoção das liberdades públicas e das condições materiais essenciais para uma

vida digna. Os poderes Executivo e Legislativo são sempre solicitados a atuar

conforme esses direitos. Contudo, o Poder Judiciário é o último guardião de tais

direitos, e a esperança de proteção em relação a eles. Por isso, faz-se imperioso lutar

pela efetividade de sua tutela jurisdicional. A busca da efetividade dos direitos

humanos na esfera judiciária torna necessário averiguar a maneira pela qual os juízes

concebem e aplicam as normas de direitos humanos, especialmente as que protegem

os direitos econômico-sociais. (CUNHA et al, 2005, p. 139)

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Por isso, a importância da pesquisa dos mesmos, uma vez que nesta verifica-se que

dos juízes pesquisados apenas uma minoria considera os direitos humanos sem aplicabilidade

efetiva, sendo que mais da metade os considera regras plenamente aplicáveis:

[...] pode-se notar que, ao serem questionados sobre a natureza dos direitos

humanos, 7,6% dos juízes afirmaram serem “valores sem aplicabilidade efetiva”.

Para outros 34,3%, os direitos humanos constituiriam “princípios aplicados na falta

de regra específica”; e para 54,3% configurariam “regras plenamente aplicáveis”.

[...]

É relativamente semelhante o entendimento de 34,3% dos magistrados, para os quais

tais princípios possuem caráter subsidiário, podendo ser aplicados eventualmente,

diante da ausência de norma específica. Para eles, qualquer ponderação que siga

norma mais específica, inclusive com conteúdo antagônico, levaria à não-aplicação

das normas de direitos humanos. Porém, foi majoritária a posição dos que

demonstram uma concepção forte de direitos humanos, pois mais de 50% dos juízes

concebem os direitos humanos como regras plenamente aplicáveis. (CUNHA et al,

2005, p. 139)

Na pesquisa de Cunha et al (2005, p. 145) os juízes destacam conforme figura abaixo

que as normas jurídicas de direitos humanos são plenamente aplicáveis em casos concretos:

Figura 2. Pesquisa sobre justiciabilidade dos direitos humanos

Fonte: CUNHA et al, 2005, p. 145.

Porém, a mesma pesquisa aponta que estes juízes em sua grande maioria, cerca de

70% deles, não utiliza nem o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais, nem o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e nem a Convenção

Americana de Direitos Humanos:

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Figura 3. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

Fonte: CUNHA et al, 2005, p. 145.

Figura 4. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Fonte: CUNHA et al, 2005, p. 145.

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Figura 5. Convenção Americana de Direitos Humanos

Fonte: CUNHA et al, 2005, p. 145.

Assim, concordamos com os autores, pois é preocupante e estranho verificar que quase

80% dos juízes consideram as normas acima aplicáveis, mas na prática não o fazem:

[...] é preocupante quando se confronta essa informação com a realidade brasileira,

marcada por profundas desigualdades sociais. Não há dúvida da importância dos

direitos econômicos, sociais e culturais como forma legítima para se garantir um

mínimo de bem-estar social. É curioso notar como 79% dos juízes afirmaram que

consideram as normas de direitos econômicos, sociais e culturais tão eficazes e

aplicáveis como aquelas que asseguram direitos civis e políticos; mas, na prática,

não recorrem a tais normas para motivar suas decisões. (CUNHA et al, 2005, p. 156)

E as conclusões do trabalho nos deixaram preocupados e ainda mais receosos em

relação à efetiva aplicação dos direitos humanos, uma vez que os autores acreditam que

poucos são os juízes analisados que efetivamente aplicam as normas e que cerca de 40% dos

juízes nunca estudaram Direitos Humanos:

Evidenciou-se, ao longo da pesquisa, um instigante paradoxo: se, por um lado, os

juízes demonstram concepções arrojadas acerca dos direitos humanos e da

aplicabilidade, em tese, de suas normas garantidoras, por outro, poucos são os que

efetivamente aplicam normas que versem sobre tais direitos, mormente em se

tratando da utilização específica dos Sistemas de Proteção Internacional dos Direitos

Humanos da ONU e da OEA. Isso pode ser justificado a partir da constatação de que

40% dos juízes nunca estudaram Direitos Humanos, e apenas 16% deles sabem

como funcionam o Sistema de Proteção dos Direitos Humanos interamericano e o

das Nações Unidas. Mesmo assim, a grande maioria, 73% dos magistrados, afirma

que, se houvesse oportunidade, gostaria de participar de cursos sobre direitos

humanos. (CUNHA et al, 2005, p. 169)

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Para Cunha et al (2005, p. 170) “A justiciabilidade dos direitos humanos é uma

questão de aprimoramento da tutela jurisdicional”, concordamos com este posicionamento e

acreditamos que seja uma questão de cultura jurídica.

Neste sentido, nota-se que as Constituições escritas, entre elas a brasileira, sempre

estiveram atreladas às Declarações de Direitos do Homem, seja com a finalidade de limitar o

poder político do Estado, seja no sentido de proporcionar uma adequada proteção desses

direitos, reparando ou prevenindo sua violação de direitos. E como forma de dar eficácia

plena as normas contidas nas Declarações, as Constituições dos países passaram a reconhecer

e garantir os direitos expressos nestas Declarações, tanto que o direito à educação se trata de

um direito reconhecido e garantido, pois se encontra posto em nossa Carta Magna de 1988.

Segundo Bobbio:

A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a

existência de um sistema normativo, onde por "existência" deve entender-se tanto o

mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de

um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como

correlato a figura da obrigação (BOBBIO, 2004, p. 79-80).

E Cury (2002) complementa que, certamente, em muitos casos, a realização dessas

expectativas e do próprio sentido expresso da lei entra em choque com as adversas condições

sociais de funcionamento da sociedade em face dos estatutos de igualdade política por ela

reconhecidos. Assim, verifica-se que os direitos têm sido enunciados nas Cartas de Direitos,

porém sua concretização nem sempre é tão resoluta, neste sentido Bobbio (2004, p. 16)

esclarece que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o

de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.”

É inegável também a dificuldade de, diante da desigualdade social, instaurar um

regime em que a igualdade política aconteça no sentido de diminuir as discriminações. Além

disso, muitos governos proclamam sua incapacidade administrativa de expansão da oferta

perante a obrigação jurídica expressa.

A legislação dos direitos humanos ressalta o acesso à educação e à equidade dos

resultados de aprendizagem, o que reflete a crença de que todas as crianças são capazes de

desenvolver capacidades cognitivas básicas, caso elas tenham acesso a um bom ambiente de

aprendizagem e de que se algumas crianças assim não o fazem isso se deve, pelo menos em

parte, a deficiências do sistema educacional, entre elas a falta de qualidade desta educação.

Desta forma, Caggiano afirma que além de um direito humano, o direito à educação é

também um direito fundamental, pois vem amparado por um quadro jurídico constitucional:

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71

No contexto atual não nos parece subsistir dúvidas quanto à inclusão do direito à

educação no elenco dos direitos humanos fundamentais, amparado portanto por um

quadro jurídico-constitucional que vem a lhe assegurar, também, um sistema de

garantias. É direito fundamental porque, de uma banda, consubstancia-se em

prerrogativa própria à qualidade humana, em razão da exigência de dignidade, e, de

outra, porque é reconhecido e consagrado por instrumentos internacionais e pelas

Constituições que o garantem. O direito à educação, destarte, inserido no nicho dos

direitos fundamentais, apresenta-se revestido das qualidades que a estes são

próprias. (CAGGIANO, 2009, p. 22)

Fica claro, portanto, que a educação como direito social reconhecido por nossa

Constituição Federal trata-se também de um direito humano apresentado no bojo dos tratados

e acordos internacionais, e um direito fundamental, uma vez que vem enquadrada em nossas

normas jurídico-constitucionais de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana. Assim,

passamos a analisá-la sob este viés.

2.1.2 A educação como direito fundamental

O direito à educação vem prescrito nas Constituições de quase todos os países como

um Direito Fundamental, desta forma constituindo de um status positivus.

Segundo Lima (2003, p. 06) se diz status porque prescritivo de cidadania. Jellinek

(apud LIMA, 2003, p. 06) diz status porque definidor de uma situação jurídica, que permite

ao indivíduo, ser jurídico, encarar as prestações do Estado, as liberdades frente ao Estado, as

pretensões contra o Estado e a prestação por conta do Estado como um direito público a lhe

favorecer.

Já Häberle (1997, p. 280), quando aborda essa concepção de status positivus, trabalha-

o como uma determinante do processo de concretização dos Direitos Fundamentais como

direitos subjetivos garantidores da liberdade e, também, como elementos fundamentais da

ordem objetiva da coletividade. Para o autor esse status carrega uma força jurídico-

constitucional em favor do cidadão, dando aos Direitos Fundamentais um conteúdo

concretamente determinado, formador, portanto, de um status jurídico material, que é

compreendido como direitos e deveres concretos que podem ser determinados materialmente.

E nesta esteia a legislação também concebe o direito à educação como um direito

fundamental e um direito da personalidade, assim sendo: a) um direito natural, pois exprime

uma ordem que está na essência da natureza humana; b) um direito subjetivo público, pois

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72

consta na Constituição Federal, art. 5º (inserido no direito à vida), e no art. 6º, recebendo a

denominação também de direito fundamental, entre outros artigos e legislações, que serão

citadas oportunamente; c) direito subjetivo privado, porque ele se encontra entre os direitos da

personalidade, considerados e aceitos nacional e internacionalmente como tais, e atualmente

como direito geral da personalidade.

Ou seja, segundo Caggiano o direito à educação possui duas facetas, a social e a

individual:

E mais até, no mundo atual, o direito à educação comparece nas suas duas facetas

(de primeira e segunda dimensão ou geração), enquadrado como uma realidade

social e individual. Com efeito, insuflado e robustecido pelos caracteres de índole

coletiva, extraídos das duas últimas gerações de direitos, vislumbra-se o direito à

educação com conteúdo multifacetado, envolvendo não apenas o direito à instrução

como um processo de desenvolvimento individual, mas, também o direito a uma

política educacional, ou seja, a um conjunto de intervenções juridicamente

organizadas e executadas em termos de um processo de formação da sociedade,

visando oferecer aos integrantes da comunidade social instrumentos a alcançar os

seus fins. (CAGGIANO, 2009, p. 23)

Para Canotilho (1998, p. 1159) esta recepção civilizada dos direitos, liberdades e

garantias assenta-se em dois pressupostos questionáveis: que os direitos subjetivos públicos

só se concebem nas relações Estado-cidadão; e que os direitos, liberdade e garantias, como

direitos subjetivos públicos, derivam imperativamente da lei. Para o autor, são questionáveis,

pois hoje estes direitos, liberdades e garantias são considerados direitos subjetivos

independentemente do caráter público ou privado e, também, porque não se deduzem das

normas legais, por isso nada impede que valham como direitos subjetivos públicos.

Lima (2003, p. 20) coloca que se pode dizer que é a própria existência do Estado que o

leva a realizar os direitos fundamentais, já que se impôs a ele o dever de assegurar o

cumprimento do contrato social.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, coaduna com a

concepção de educação como direito fundamental, ao afirmar que

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho. (LDB)

Canotilho (1998, p. 359) salienta que Direitos Fundamentais “são os direitos do

homem, jurídico institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente”.

E o autor ainda completa:

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73

Muitos dos direitos fundamentais são direitos da personalidade, mas nem todos os

direitos fundamentais são direitos da personalidade, entretanto, dada a

interdependência entre o estatuto positivo e o estatuto negativo do cidadão, e em

face da concepção de um direito geral da personalidade como direito à pessoa ser e à

pessoa devir, cada vez mais os direitos fundamentais tendem a ser direitos da

personalidade (CANOTILHO, 1998, p. 359).

No mesmo sentido, Machado Júnior (2003, p.85) afirma que a educação é um direito

da personalidade, decorrente da simples existência do ser humano, que tem início com seu

nascimento e apenas termina com sua morte. Esse direito não se refere tão somente a uma

liberdade de aprendizagem, mas se caracteriza como Direito Social, pois todos podem exigir

do Estado a criação de serviços públicos para atendê-los, tendo características de direito

absoluto, intransmissível, irrenunciável e inextinguível.

Imre Szabo (apud MONTEIRO, 2003, on line) observou que o direito à educação é

“um direito fundamental entre os direitos fundamentais” porque, “interpretando o direito à

educação como um direito do homem cujas funções fundamentais compreendem a educação

para a proteção e a promoção dos direitos do homem, chega-se a uma correlação em que os

direitos do homem, por assim dizer, se voltam para si próprios, através do direito à educação”.

Para Caggiano (2009, p. 24) “a ideia da impositiva presença e efetivação do direito à

instrução nas sociedades politicamente organizadas vem vinculada, cada vez mais, à própria

evolução da sociedade, preordenada a viabilizar um clima de respeito à dignidade humana”.

No mesmo diapasão, Przetacznik escreveu:

Entre os direitos individuais do homem, o direito à educação é o mais importante,

com a única exceção do direito à vida, fonte de todos os direitos do homem. O

direito à educação é uma condição prévia ao verdadeiro gozo de quase todos os

direitos do homem por uma pessoa individual. Este direito é uma pedra angular de

todos os direitos do homem, pois se uma pessoa não é corretamente educada, ele ou

ela é incapaz de gozar verdadeiramente os outros direitos do homem. Em

conseqüência, a realização do direito à educação é a tarefa mais elevada que se

impõe, tanto a cada indivíduo como ao Estado em que esse indivíduo vive

(PRZETACZNIK apud MONTEIRO, 2003, on line).

Desta forma, o que se pretende demonstrar quanto à natureza jurídica do direito à

educação é que este, sob qualquer aspecto que seja analisado, constitui-se em uma forma de

proteção à vida humana, pois a educação é indispensável á sua plenitude. Por isso mesmo ela

implica uma obrigação positiva do Estado, já que sem esta ela não se concretiza, sendo

impossível, portanto, falar em direito à educação sem aludir à responsabilidade do Poder

Público.

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74

Neste sentido, acredita-se que o direito à educação deva ser exigido não apenas como

direito social, amplamente garantido, mas também como um direito à vida e, portanto, sob a

proteção de uma norma de eficácia plena.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, foi

instituído sob a égide do artigo 227 da Constituição Federal, adotando a chamada “Doutrina

da Proteção Integral”, portanto assegura que as crianças e adolescentes gozam de todos os

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que

trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e

facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,

em condições de liberdade e de dignidade (art. 3º, ECA).

O Estatuto em seu artigo 4º estabelece os direitos fundamentais das crianças e

adolescentes e traz quem tem o dever de assegurá-los:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público

assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à

cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a

proteção à infância e à juventude.

E a ação ou omissão que atente contra qualquer um dos direitos fundamentais das

crianças e adolescentes, acima elencados, entre eles o direito à educação, será punido na

forma da lei.13

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente considera a educação como direito

fundamental, que quando não assegurado às crianças e adolescentes, por ação ou omissão do

Poder Público ou da família, pode ser exigido judicialmente, pois fere a dignidade humana

destas crianças que estão em processo de desenvolvimento.

No que se refere especificamente à educação, o artigo 54 do ECA, determina os

deveres do Estado quanto a educação da criança e do adolescente:

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não

tiveram acesso na idade própria;

13

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos

seus direitos fundamentais. (ECA)

Page 75: KARINA MELISSA CABRAL

75

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,

segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente

trabalhador;

VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de

material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta

irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental,

fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola.

No mais, que mais um documento legal reproduz as mesmas normas básicas da

educação contidas na CF/88, considerando o ensino fundamental direito público subjetivo, ou

seja, que pode ser pleiteado judicialmente quando não for ofertado ou quando ofertado

irregularmente.

Assim, estes direitos nos “moldes da tradição constitucionalista da República de

Weimar”14

se traduz na compreensão das normas constitucionais brasileiras sobre o tema

educacional como “passíveis de controle e garantia judiciais imediatos, não havendo espaço

para argumentos de que sua efetivação depende da conveniência política” (ARNESEN, 2009,

p. 154).

A educação é Direito Fundamental garantido pela Constituição Federal e, também,

Direito da personalidade, pois é visto como um direito da pessoa “ser”. Com efeito, os direitos

fundamentais são inalienáveis, imprescritíveis e permanentes, inerentes ao próprio ser

humano e, portanto, anteriores à própria formação do Estado.

2.2 O direito à qualidade da educação

A Constituição Federal de 1988, como já vimos, determina que o ensino deve ser

ministrado com base nos padrões de qualidade, reconhecendo este como um de seus

princípios (art. 206), porém não há definição clara e objetiva do que é “qualidade” na

educação formal.

14

República de Weimar é o nome pelo qual é conhecida a república estabelecida na Alemanha após a Primeira

Guerra Mundial, vigente de 1919 a 1933, tendo como sistema de governo uma democracia representativa semi-

presidencial.

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76

No seu artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases também estipula os princípios sob os

quais será ministrado o ensino, compreendendo também a garantia de padrão de qualidade:

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a

arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII - valorização do profissional da educação escolar;

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos

sistemas de ensino;

IX - garantia de padrão de qualidade;

X - valorização da experiência extraescolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

Já o artigo 4º da LDB determina que o dever do Estado com a educação escolar

pública será efetivado mediante a garantia de padrões mínimos de qualidade de ensino,

definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao

desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.15

O que percebemos é que não há uma definição do que compõe o padrão de qualidade

da educação brasileira, especialmente do ensino fundamental, porém é importante destacar

que hoje a Lei 13.005/2014, novo PNE, está previamente definindo a questão da qualidade

baseada nos insumos (CAQUi), o que é uma grande iniciativa.

Há a garantia do direito à educação em todos os documentos legais que versam sobre

o tema, mas somente “assegurar o direito à educação não se encerra em garantir a todos

igualdade de condições de acesso e permanência e à gratuidade do ensino público, é preciso

que o ensino tenha “padrão de qualidade””. Padrão este que também já consta em nossas

normas legais, mas a “incorporação do princípio constitucional de qualidade de ensino, a

partir da CF/88 não foi suficiente para que se estabelecesse uma forma de proteção junto ao

Poder Judiciário, sendo necessário à construção de indicadores de qualidade, passíveis de

serem exigidos judicialmente” (SILVEIRA, 2009, p. 127).

Assim, apesar da dificuldade para determinar o termo “qualidade da educação” é

importante iniciar a discussão sobre o direito a esta qualidade, especialmente constatando-o

ser um direito humano e um direito fundamental.

Historicamente, como visto, nota-se que este direito foi proclamado expressamente a

partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem – DUDH, em 1948, tendo sido

15

LDB, art. 4º, inciso IX.

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77

reafirmado em muitas ocasiões; entretanto vários são os instrumentos internacionais que

silenciam quanto à dimensão qualitativa do aprendizado, sendo o mais recente deles, a

Declaração das Nações Unidas para o Milênio, adotada em 2000, que afirma que até 2015

todas as crianças deverão concluir todo o ensino primário, mas não faz referência específica à

qualidade desse ensino.

Como já dito, o direito brasileiro é signatário de grande parte dos tratados e acordos

internacionais, tanto que a educação é considerada como um princípio jurídico e é

amplamente reconhecida como um direito fundamental, tendo sido consagrada pela

Constituição Federal de 1988. No entanto, a Carta Magna brasileira, diferentemente da

maioria dos instrumentos internacionais, faz menção expressa à importância da qualidade da

educação tratando esta como um direito público subjetivo, conforme denota o inciso VII, do

artigo 206 da Constituição Federal, ou seja, a Carta Magna garante o direito à educação com

“padrão de qualidade” para todos.

Até a presente data ainda não foi regulamentado o “padrão de qualidade” da educação,

não havendo bases normativas para defini-los, assim dificultando sua exigibilidade jurídica.

No entanto, acreditamos que é possível exigi-lo a partir da premissa posta no artigo

208, parágrafo segundo que define que a oferta irregular do ensino obrigatório pelo Poder

Público importa em responsabilidade da autoridade competente.

Oferta segundo Ferreira (2001, p. 339) significa “ato de oferecer; oferecimento” e

irregular significa “não regular; anormal; inconstante; contrário à lei ou à justiça”. Portanto,

tem-se que a oferta irregular do ensino fundamental pode ser caracterizada como a ausência

ou deficiência na qualidade do ensino.

De tal modo, que o parágrafo segundo do artigo 208 da Carta Magna responsabiliza

civilmente o Estado por sua omissão ou sua negligência, assegurando aquele que foi

prejudicado, por força do parágrafo primeiro do mesmo artigo, o direito público subjetivo de

exigir dos Poderes Públicos a prestação a que estavam obrigados a cumprir.

No caso da qualidade da educação, mais especificamente do ensino fundamental, a

Constituição Federal, além do art. 206, inciso VII, consagra também no artigo 211, parágrafo

primeiro que caberá à União organizar o sistema federal de ensino e o dos Territórios,

financiar as instituições de ensino públicas federais e exercer, em matéria educacional, função

redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e

padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados,

ao Distrito Federal e aos Municípios.

Quanto à questão da luta pela qualidade da educação e a responsabilidade do Estado

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78

em promovê-la, Freire salienta que nunca se deve deixar de lutar e exigir do Estado a

prestação de uma educação com qualidade:

O ser humano jamais para de educar- se. Numa certa prática educativa não

necessariamente a de escolarização, de certo bastante recente na história, como a

entendemos.

Daí que se possa observar facilmente quão violenta é a política da Cidade, como

Estado, que interdita ou limita ou minimiza o direito das gentes, restringindo-lhes a

cidadania ao negar educação para todos. Daí também, o equívoco em que tombam

grupos populares, sobretudo no Terceiro Mundo quando, no uso de seu direito mas,

indo além dele, criando suas escolas, possibilitam às vezes que o Estado deixe de

cumprir seu dever de oferecer educação de qualidade e em quantidade ao povo. Quer dizer, em face da omissão criminosa do Estado, as comunidades populares

criam suas escolas, instalam-nas com um mínimo de material necessário, contratam

suas professoras quase sempre pouco cientificamente formadas e conseguem que o

Estado lhes repasse algumas verbas. A situação se torna cômoda para o Estado.

Criando ou não suas escolas comunitárias, os Movimentos Populares teriam de

continuar, de melhorar, de enfatizar sua luta política para pressionar o Estado no

sentido de cumprir o seu dever. Jamais deixá-la em sossego, jamais eximi-lo de sua

tarefa pedagógica, jamais permitir que suas classes dominantes durmam em paz. Sua

bandeira de luta, a dos Movimentos Populares, deve ser alçada noite e dia, dia e

noite, em favor da escola, que sendo pública, deve ser democrática, à altura da

demanda social que dela se fará e em busca sempre da melhoria de sua qualidade.

Este é também um direito e um dever dos cidadãos do Primeiro Mundo: o de se

baterem por uma escola mais democrática, menos elitista, menos discriminatória.

Por uma escola em que as crianças do Terceiro Mundo do Primeiro não sejam

tratadas como gente de um mundo estranho e demasiado exótico. (FREIRE, 2001, p.

03, grifo nosso)

Desta forma, o debate sobre a questão do direito à qualidade da educação não é novo,

o tema, aliado, sobretudo a busca pelo acesso e o fluxo da educação escolar formal, mesmo

sendo abordado muitas vezes de forma marginal, sempre esteve presente na literatura

educacional. Entretanto, na última década passou a ser mais discutido, tornando-se, até

mesmo, um “jargão” popular utilizado pela sociedade em geral e carregado de significados

negativos, onde não há uma contextualização histórica do desenvolvimento da educação

brasileira e, portanto, uma desconsideração (ou esquecimento) das mudanças ocorridas neste

campo, por isso, passamos à análise da qualidade do ensino fundamental.

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3 QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO: INSUMOS,

PROCESSOS E RESULTADOS

“Sou professor contra a ordem capitalista vigente

que inventou essa aberração: a miséria na fartura.”

(FREIRE, 1997, p. 115)

É inegável que o Brasil passou por um processo de melhoria no acesso e na

permanência dos alunos na escola, especialmente na educação básica – o que não significa

que este problema esteja completamente resolvido – e, foi esse processo que suscitou uma

maior relevância para a questão da qualidade, nos termos hoje propostos. Isto porque,

historicamente pode-se considerar que o ingresso na escola para parte da sociedade, que

durante muito tempo foi excluída da mesma, também significou melhoria na educação

promovida.

Neste sentido, Beisegel destaca que para quem não possuía acesso à educação, tê-la

mesmo que com má qualidade é uma melhoria:

Para quem não tinha acesso à educação escolar, mesmo este ensino de má qualidade

representa uma indiscutível melhoria, isso não significa, obviamente, que as

evidentes deficiências da escola pública sejam aceitáveis. É preciso melhorar as

condições de funcionamento da escola. Mas as avaliações da qualidade da escola

pública não podem ignorar as transformações qualitativas introduzidas no ensino

como consequência do processo de sua extensão às classes populares (BEISEGEL,

1999, p. 38).

Don Adams (1993) afirma que essa discussão sobre qualidade na esfera internacional

marcou os anos 1980 e 1990, sob o viés das políticas que passaram a exigir maior

escolaridade como definição de qualidade visando substituir a atenção anteriormente dada à

expansão educacional e ao acesso à escola.

Assim, o que ocorreu com a conceituação de qualidade, segundo Cury (2010, p. 19) é

o que “a literatura que tem por base o pensamento marxista, especialmente em textos de

ampla divulgação, costuma-se apontar como uma lei da dialética a passagem da quantidade

para a qualidade”.

P. Oliveira (2006) afirma que apesar de se encontrar na literatura uma interpretação

bastante crítica desse processo de expansão do ensino, que enfatiza o que não se alcançou, e

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diminui a importância do que se conseguiu, deve-se atentar para o que foi alcançado. Opta-se,

assim como o autor, a chamar a atenção para o que se conseguiu.

Paro (1998) discutindo a questão da gestão ante as exigências de qualidade e

produtividade da escola pública, destaca que é preciso que se entenda o que é educação de

qualidade e é este o viés do debate proposto para este capítulo, compreender a função de

escola envolvida nesta problemática partindo da discussão das visões civil democrática e

produtivista. E após esta definição, problematizar a questão da qualidade da educação

discutida por professores, pais, educadores, políticos, sociólogos, imprensa e sociedade em

geral a partir da análise histórica que compreende determinadas questões educacionais e

identifica a procedência de alguns problemas.

Desta forma, a qualidade educacional que hoje se discute, permeia a educação escolar

formal, a aprendizagem mais efetiva, que envolve, inclusive, relações sociais amplas, “pois se

trata igualmente de um problema social e não apenas pedagógico” (CABRAL, 2008, p. 108).

Isto porque, ter mais clareza dos termos que envolvem “qualidade da educação”

facilitaria a busca por parâmetros mínimos nacionais de qualidade, bem como pela possível

exigência jurídica deste direito.

3.1 Concepção de função social da escola

A análise da concepção de função da escola parte inicialmente de uma apreciação da

concepção de homem e também de sociedade, isto porque quando se pensa na ação educativa

deve-se primeiramente refletir sobre o homem e seu meio de vida.

Nesta pesquisa utilizamo-nos das concepções de Paulo Freire, pois encontramos nelas

uma posição coerente para explicar o ponto de partida de nosso entendimento do conceito de

educação e de qualidade educacional, uma vez que como nos propomos a fazer uma análise

histórica das questões educacionais que envolvem este termo e concebemos nela a

possibilidade de identificar a origem de alguns problemas, acreditamos que o fato de Freire

sempre ter refletido sobre o homem, sua relação com o outro e com o seu meio de vida,

partindo do processo de humanização das relações sociais, se adeque a função final do nosso

objeto de pesquisa.

Assim, Freire não traz de forma sistemática em suas obras sua visão de mundo que

reflete obviamente em sua visão de homem e sociedade; na verdade, segundo Calado (2001,

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81

p. 17) “o polo “mundo” nele aparece revestido de uma pluralidade de sentidos, ora traduzindo

aspectos da materialidade da natureza, ora implicando uma rede de relações sociais”, mas

podemos considerar que implicitamente em seu discurso há o entendimento de “mundo” em

“seu sentido de realidade social, espaço histórico e, portanto, contraditório, mutável. É o

mundo da opressão de classe e de múltiplas contradições” (CALADO, 2001, p. 18), desta

forma para Freire a concepção de mundo é permeada pelas dimensões ontológica, econômica,

política e pedagógica, consideradas em suas estruturas concretas, onde o homem deve

aprender a conviver com pluralidade.

Neste sentido, Freire acredita em uma concepção de homem que se volte a esta

concepção de mundo por meio da natureza relacional do ser humano, sendo o homem o

verdadeiro criador da história e da cultura, passíveis de conviver com a pluralidade, portanto,

o homem é um ser da práxis que provém desta concepção de mundo para transformá-la.

E é a forma com que o sujeito percebe e interpreta a sua realidade que determina sua

relação com o mundo e com a pluralidade de significações decorrentes dele.

Esta concepção de homem exposta por Freire traz ainda o traço de inconclusão ou de

inacabamento do ser humano, pois para ele "mulheres e homens se tornaram educáveis na

medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez homens e mulheres

educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade"(FREIRE,

2004, p. 58).

De acordo com Calado a concepção de homem em Paulo Freire permeia o ser humano

historicamente situado no mundo e com o mundo, um ser de relações, inacabado,

impulsionado por sua curiosidade para ser mais:

Em Paulo Freire, o ser humano historicamente situado (no mundo e com o mundo),

ao se apresentar como ser de relações, mostra-se perfectível, inacabado, em

permanente devir. Impulsionado pela sua curiosidade, como caminheiro em busca de

novas paisagens, vocacionado a ser mais. Graças ao seu potencial criativo, crítico-

propositivo, exercitado pelo trabalho transformador de si, do mundo e da história,

em direção aos utópicos rumos da Liberdade, também cuida de tornar o seu

cotidiano um mostruário do seu projeto, empenhando-se em que suas práticas sejam

capazes de sinalizar o tipo de sociedade e de mundo que se acham comprometidos

em construir. Eis aqui explícita sua inquietação de caráter ético, na medida em que

trata de estabelecer critérios de conduta e de ação capazes de articular

adequadamente seu pensar, seu sentir e seu agir. (CALADO, 2001, p. 24)

O ser humano nasceu para aprender, para ser crítico e livre, segundo Paulo Freire em

suas primeiras palavras no livro “Política e Educação”:

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Consciência e mundo não podem ser entendidos separadamente,

dicotomizadamente, mas em suas relações contraditórias. Nem a consciência é a

fazedora arbitrária do mundo, da objetividade, nem dele puro reflexo.

A importância do papel interferente da subjetividade na História coloca, de modo

especial, a importância do papel da educação.

Se os seres humanos fossem puramente determinados e não seres “programados para

aprender” não haveria por que, na prática educativa, apelarmos para a capacidade

crítica do educando. Não havia por que falar em educação para a decisão, para a

libertação. Mas, por outro lado, não havia também por que pensar nos educadores e

nas educadoras como sujeitos. Não seriam sujeitos, nem educadores, nem

educandos, como não posso considerar Jim e Andra, meu casal de cães pastores

alemães, sujeitos da prática em que adestram seus filhotes, nem a seus filhotes

objetos daquela prática. Lhes falta a decisão, a faculdade de, em face de modelos,

romper com um, optar por outro. (FREIRE, 2001, p. 02)

Portanto, o que percebemos é que a concepção de homem e de mundo de Freire se

coaduna com a definição de educação que trazemos no segundo capítulo deste trabalho e

baseia-se no que ele acredita por sociedade e o qual defendemos como algo também

inacabado e em construção:

Ao falar de projeto global da sociedade, não faço como se estivesse tomando-o

como uma ideia abstrata, um desenho arbitrário, algo acabado na imaginação de uma

liderança. Refiro-me, sim, a um certo número de metas, solidárias entre elas e

coerentes com um certo objetivo no campo da organização econômica e social”

(FREIRE, 1978, pp. 121-122).

Assim, a obra de Paulo Freire contribui através de sua concepção educacional para a

problematização da qualidade da educação nos dias de hoje, quando faz pensar na educação e

na função da escola envolvida neste processo:

Todo o trabalho de Paulo Freire se fundara no absoluto respeito à pessoa humana e

por isso mesmo nunca admitira a diminuição do homem, uma diminuição implícita

em sua massificação. Pela mesma razão não admita a incultação. O fundamental era

educar para a opção livre, jamais doutrinar.

[...]

Acreditava que era possível mudar a sociedade mediante a conversão interior dos

homens, para que depois pudessem optar livremente pela atuação política eu lhes

parece melhor. (BEISEGEL, 2008, p. 321-322)

A função social de escola que defendemos é a de permitir aos educandos a liberdade

de pensamento e que este possa ser crítico.

Atualmente, há uma discussão entre políticos, professores, gestores públicos,

educandos, entre outros, sobre a concepção de escola, ou seja, sobre os fins da educação que

promovemos e, esta finalidade da escola, que nada mais é do que sua função social, tem

grande relevância para a visão de qualidade proposta nesta pesquisa, visto que sem ela torna-

se impossível sopesar as nuances que permeiam o tema e a discussão central do trabalho.

Page 83: KARINA MELISSA CABRAL

83

Este debate sobre a função da escola invoca duas visões muito diferentes: a

produtivista e a civil democrática. Singer traz a divergência conceitual que permeia as duas

concepções:

De um lado, a posição produtivista propõe reformas que são consistentes com a

concepção liberal da sociedade. Do outro, a posição civil democrática clama pela

preservação da escola pública em nome do direito universal à educação e enfatiza a

necessidade de restaurar a base material indispensável para que a escola possa

cumprir sua missão. (SINGER, 1996, p. 08)

A primeira enfatiza que a função da escola é preparar os sujeitos para ingressar no

mercado de trabalho da melhor forma possível, considerando-o um capital humano, uma força

produtiva que se utiliza do processo educativo para o seu desenvolvimento:

[...] concebe a educação sobretudo escolar como preparação dos indivíduos para o

ingresso, da melhor forma possível, na divisão social do trabalho. Não custa repetir

que também a visão produtivista não despreza outros propósitos do processo

educacional, mas enfatiza o que é chamado pelos economistas de acumulação de

capital humano. Cada indivíduo é encarado como tendo capacidade produtiva

potencial, cujo desenvolvimento exige esforço tanto do próprio como de seus

instrutores e familiares. Esse esforço se traduz num custo, que pode ser formulado

em termos pecuniários e representa o valor do capital humano de que dispõe cada

indivíduo. (SINGER, 1996, p. 06)

Desta forma, a posição produtivista acredita que “o bem-estar de todos é o resultante

da soma dos ganhos individuais” (SINGER, 1996, p. 06), em outras palavras a função da

escola é a de promover o aumento da produtividade, pois assim se aumenta o produto social e

se elimina a pobreza.

Neste sentido, Singer esclarece que

O que fundamenta esse tipo de proposta é a ideia de que a competição em mercado é

o melhor meio para promover a eficiência, ou seja, a combinação de qualidade com

baixo custo, com pleno respeito à liberdade de opção de cada indivíduo. (SINGER,

1996, p. 07)

A segunda visão, civil democrática, conforme Singer pensa a educação escolar como

um processo de formação cidadão, voltada para o exercício dos seus direitos e obrigações:

[...] encara a educação em geral e a escolar em particular como processo de

formação cidadã, tendo em vista o exercício de direitos e obrigações típicos da

democracia. Essa visão da educação centra-se no educando e em particular no

educando das classes desprivilegiadas ou não-proprietárias. (SINGER, 1996, p. 06)

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84

Esta corrente acredita que a educação deve ter como função precípua a autonomia do

educando:

O laço que une os procederes educativos é o respeito e a preocupação pela

autonomia do educando, portanto, pela autoformação de sua consciência e pela sua

gradativa capacitação para se libertar da tutela do educador e poder prosseguir,

sozinho ou em companhia de seus pares, sua autoeducação. (SINGER, 1996, p. 08)

As duas correntes apesar de antagônicas propõem que por meio da educação é possível

melhorar a sociedade, porém as concepções de homem e de sociedade expressas pelas duas

visões são muito diversas e caminham em direções educacionais opostas. Assim, há um

antagonismo quando as analisamos em seus modelos puros, ou seja, a combinação das

concepções civil democrática e produtivista quando analisadas por si só, sem nenhuma outra

vinculação não conversam com o conteúdo do artigo 205 da Constituição Federal, porém

quando articuladas com as dimensões da concepção humana podemos aproximá-las para que

se tornem derivadas.

Isto porque, o liame entre as duas teorias encontra-se no trabalho, na formação, pois a

classe trabalhadora precisa ter qualificação para o trabalho e não somente preparação para o

trabalho.

Para este trabalho defendemos que a função social da escola deve partir da visão civil

democrática, com base em nossa concepção de mundo, de homem e de sociedade,

especialmente na busca pela autonomia do educando e pela escola que se adapte ao mesmo e

não vice-versa.

Assim, o papel de escola que adotamos neste trabalho é o da escola que propicia “a

inclusão social e a consciência cidadã, que assegure as condições de enfrentamento aos

desafios do mundo contemporâneo” (DI GIORGI; LEITE; RODRIGUES, 2005, p. 35).

Desta forma, esta opção teórica se dá devido à importância que colocamos no debate

educacional e na finalidade da escola que deve ser voltada ao diálogo, a conscientização do

ser humano, a busca pela liberdade, a manutenção de sua esperança, tal como considerava

Paulo Freire.

Isto porque, para Paulo Freire a educação deveria partir da realidade de seus

educandos, contextualizava-se com eles, o educador aprendia enquanto educava, havia uma

troca entre educador e educando. E esta premissa era estendida a toda sua compreensão de

educação.

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85

Se percebemos a alfabetização numa tal perspectiva, compreendemos como jamais

pode ser ela sequer pensada isoladamente ou reduzida a um conjunto de técnicas e

de métodos. Isto não significa que métodos e técnicas não sejam importantes.

Significa que aqueles e estas estão a serviço de objetivos contidos no projeto cultural

que, por sua vez, se encontra envolvido e envolvendo os objetivos políticos e

econômicos do modelo de sociedade a ser concretizado. Dai a ênfase que sempre

demos nos seminários de capacitação, não aos métodos e às técnicas – mesmo sem

desprezá-los – mas à clareza política dos educadores. (FREIRE, 1978, P. 89)

Assim, “a prática educativa, reconhecendo-se como prática política, se recusa a deixar

se aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes. Lidando com o

processo de conhecer, a prática educativa é tão interessada em possibilitar o ensino de

conteúdos às pessoas quanto em sua conscientização.” (FREIRE, 2001, p. 09)

Para Gadotti (apud FREIRE, 2001, p. 01), no prefácio da obra “Educação e Mudança”,

que marca a volta do educador ao Brasil após quinze anos de exílio, “ao lado da

conscientização, a mudança é um “tema gerador” da prática teórica de Paulo Freire”, e

continua ponderando o que Freire busca com este tema gerador: “A mudança de uma

sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais e o papel da educação – da

conscientização – nesse processo de mudança é a preocupação básica da pedagogia de Paulo

Freire”. (GADOTTI apud FREIRE, 2001, p. 01)

Nesta obra Gadotti (apud FREIRE, 2001, p. 01) questiona: “Pode a educação operar a

mudança? Que mudança?” E responde tendo por base as concepções educacionais de Paulo

Freire:

Paulo Freire combate a concepção ingênua da pedagogia que se crê motor ou

alavanca da transformação social e política. Combate igualmente a concepção

oposta, o pessimismo sociológico que consiste em dizer que a educação reproduz

mecanicamente a sociedade. Nesse terreno em que ele analisa as possibilidades e as

limitações da educação, nasce um pensamento pedagógico que leva o educador e

todo profissional a se engajar social e politicamente, a perceber as possibilidades da

ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da

sociedade classista. Acrescente-se, porém que embora ele não separe o ato

pedagógico do ato político, nem tampouco ele os confunde. Evitando querelas

políticas ele tenta aprofundar e compreender o pedagógico da ação política e o

político da ação pedagógica, reconhecendo que a educação é essencialmente um ato

de conhecimento e de conscientização e que, por si só, não leva uma sociedade a se

libertar da opressão.

Freire (1996) argumenta que as práticas pedagógicas devem primar pela observação da

cultura dos alunos para, a partir dela, inferir significados ao aprendizado, e, consequentemente

a avaliação dos mesmos, sendo, portanto contrário à educação bancária onde o aluno é tido

como um depósito de conceitos que em nada o modificam.

Page 86: KARINA MELISSA CABRAL

86

Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura, que marcha, que não tem

medo do risco, por isso que recusa o imobilismo. A escola em que se pensa, em que

se cria, em que se fala, em que se adivinha, a escola que apaixonadamente diz sim a

vida. (FREIRE, 1996, p. 57)

Por fim, assim como Paulo Freire (2007, p. 78) acreditamos que "a leitura do mundo

precede sempre a leitura da palavra, e é esta leitura do mundo que nos conscientiza e nos

torna seres políticos".

Este debate educacional entre a corrente produtivista e a civil democrática tem

reflexos na concepção de qualidade que ambas as correntes defendem e no que vem sendo

implantado nas escolas públicas brasileiras, como analisaremos a seguir.

3.2 Qualidade na educação

A educação em geral tem trazido nos últimos anos, com a evolução da tecnologia, com

a globalização e com a perspectiva de novas formas sociais e familiares, grandes desafios aos

educadores e à sociedade em geral, porém, hoje, diante destes paradigmas, o maior deles

corresponde à qualidade do ensino, especialmente do ensino público básico.

O debate sobre a questão da qualidade não é novo, o tema, aliado ao acesso e ao fluxo

da educação escolar formal, mesmo sendo abordado muitas vezes de forma marginal, sempre

esteve presente na literatura educacional.

O conceito de qualidade é extremamente subjetivo e abrange diversas possibilidades,

sendo muito difícil de ser determinado:

É muito difícil, mesmo entre os especialistas chegar-se a uma noção do que seja

qualidade de ensino [...] provavelmente, essa questão terá múltiplas respostas,

seguindo valores, experiências e posição social dos sujeitos. Uma das formas para se

apreender essas nossos de qualidade é buscar indicadores utilizados socialmente

para aferi-la. Nessa perspectiva, a tensão entre qualidade e quantidade (acesso) tem

sido o condicionador último da qualidade possível, ou, de outra forma, a quantidade

(de escola) determina a qualidade (de educação) que se queira. (OLIVEIRA;

ARAÚJO, 2005, p. 12)

Furtado destaca a divergência acadêmica sobre a definição de qualidade e a

necessidade de se discutir a temática, afirmando que

Se todos os setores da sociedade concordam com a ideia de que a educação deve ter

qualidade, uma noção mais precisa do que seria essa qualidade do ensino parece

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87

perdida em uma cacofonia dentro da qual as vozes do debate destoam e tecem suas

próprias concepções de qualidade no setor. (FURTADO, 2009, p. 159)

Assim, estar-se-ia longe de uma unanimidade quanto à definição da qualidade da

educação, entretanto este tema desperta o interesse de várias áreas do saber, tanto que o tema,

segundo Furtado, apesar da grande divergência conceitual gera também uma imensa aceitação

de sua ideia geral:

A noção de qualidade do ensino é um daqueles conceitos que gera para si

concordância imediata de todos assim que é enunciado, mas que causa grande

divergência assim que a mera aceitação da ideia geral é substituída por uma análise

mais minuciosa sobre o conteúdo abarcado pela noção.

Ora qualidade parece não ir além de um certo consenso difuso, dentro do qual há o

enaltecimento do ensino oferecido pelas escolas privadas, notadamente na esfera de

educação básica e a concomitante “estigmatização” do ensino público como o

âmbito da falta de qualidade; ora qualidade parece excessivamente vinculada à ideia

de avaliação, como se avaliação por si só fosse sinônimo de qualidade; ora o ensino

de qualidade parece ser aquele que dá conta de formar o aluno dentro de certa

concepção de educação ou mais instrumental (passar no vestibular, por exemplo) ou

mais humanística, entre outras inúmeras possibilidades de se entender qualidade do

ensino. (FURTADO, 2009, p. 169)

Dourado e Oliveira (2009, p. 202) esclarecem esta dificuldade semântica da definição

de qualidade educacional, afirmando:

Compreende-se então a qualidade com base em uma perspectiva polissêmica, em

que a concepção de mundo, de sociedade e de educação evidencia e define os

elementos para qualificar, avaliar e precisar a natureza, as propriedades e os

atributos desejáveis de um processo educativo de qualidade social. De outro lado, o

texto ressalta que as finalidades educativas e, portanto, o alcance do que se almeja

como qualidade da educação se vinculam aos diferentes espaços, atores e processos

formativos, em seus diferentes níveis, ciclos e modalidades educativas, bem como à

trajetória histórico-cultural e ao projeto de nação que, ao estabelecer diretrizes e

bases para o seu sistema educacional, indica o horizonte jurídico normativo em que

a educação se efetiva ou não como direito social.

Para compreendermos o que se considera como educação de qualidade nos termos

atuais é necessário que possamos contextualizar a discussão proposta, tendo em vista que para

muitos a escola de hoje perdeu sua qualidade ou que a escola vive uma crise. A sociedade

como um todo, assim como a escola passa por uma crise e está tentando encontrar seus novos

significados, porém é necessário entender esta afirmação a partir da perspectiva popular e

democrática, da conscientização da exclusão escolar da grande massa popular da escola e da

busca pelo acesso e expansão do ensino decorrentes das últimas décadas, lembrando que esta

inclusão ainda não é universal.

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88

Ou seja, a justificativa de perda de qualidade é errônea, pois na realidade a escola

passou a atender nas últimas décadas um público não fazia parte da realidade escolar, dos

bancos escolares:

[...] não se pode falar de perda da qualidade quando a escolarização se estendeu aos

setores mais amplos da população. A escola mudou radicalmente porque mudou a

população que a frequenta, tornou-se local de encontro de todos os setores da

sociedade e campo de repercussão de todas as tensões que conturbam a vida coletiva

moderna. (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 315)

Neste sentido, Romualdo Portela de Oliveira coloca que o conceito de qualidade foi

construído juntamente com os diferentes momentos educacionais que o país viveu, pois em

um primeiro momento qualidade era ter acesso à escola; após qualidade era a progressão dos

alunos dentro de um determinado sistema de ensino, sem evasão (progressão continuada); e

em seguida, mais recentemente, qualidade é o quão bem os alunos e escolas se saem nas

avaliações externas, padronizadas:

De um ponto de vista histórico, na educação brasileira, três significados distintos

de qualidade foram construídos e circularam simbólica e concretamente na

sociedade, ainda que presentes nos diferentes momentos, um se sobressai e pauta o

debate e a política educacional. Um primeiro, condicionado pela oferta limitada

de oportunidades de escolarização; um segundo, relacionado à ideia de fluxo,

definido como número de alunos que progridem ou não dentro de determinado

sistema de ensino; e, finalmente, a ideia de qualidade associada à aferição de

desempenho mediante testes em larga escala. (OLIVEIRA, 2006, p. 83, grifo

nosso)

Isto porque, historicamente percebemos que desde “as primeiras iniciativas de

educação em nosso país, implementadas pelos colonizadores portugueses” e que “ocorreram

durante o período colonial e tiveram seu início com os primeiros padres jesuítas”, houve a

limitação à alfabetização (ler e escrever) e com o passar do tempo, a educação passou a ser

voltada apenas para atender as elites do Brasil Colônia (DI GIORGI; LEITE, 2010, pp. 305-

307).

Mais tarde no Brasil Império “o país começa a reconhecer a importância da educação

escolar”, passando a educação elementar a ficar sob a responsabilidade das províncias, que

possuíam menos recursos financeiros, e a educação superior, voltada para as elites, era de

competência do Governo Central (DI GIORGI; LEITE, 2010, pp. 305-307). Segundo estes

autores “a educação do povo não era sentida como necessidade significativa para a estrutura

social e econômica da época e, por isso, foi implantada de forma muito desigual no conjunto

do país” (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 307).

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89

Quando o Brasil se tornou uma República poucas mudanças na área educacional

puderam ser sentidas:

A Constituição de 1891 preservou a orientação contida no Ato Adicional de 1834,

atribuindo aos Estados o desenvolvimento da instrução popular, seguindo o

princípio do federalismo, na nova organização republicana. Ao Governo Federal

cabia promover, no país, o desenvolvimento das letras, artes e ciências e criar

instituições de ensino superior e secundário nos Estados. (DI GIORGI; LEITE,

2010, p. 309)

As discussões sobre educação somente voltaram a ser pauta central com a I Guerra

Mundial e suas devastadoras consequências. Assim, Di Giogi e Leite (2010, p. 310) destacam

que “passa-se a atribuir à precária situação do ensino a responsabilidade por todos os

problemas, iniciando-se uma campanha contra o analfabetismo da população e intensificando-

se o movimento em favor da educação popular”.

Assim, neste período há a expansão do ensino popular decorrente da ideia da classe

dominante de que “ensino seria uma forma de controlar a população a favor dos interesses do

capital” (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 310). Na Era Vargas houve a expansão do ensino por

meio da “difusão do ensino técnico-profissional como meio de preparação de mão de obra

qualificada para a indústria e o comércio” (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 311). Portanto, resta

claro que a expansão da educação ocorreu com o intuito de fortalecer as ideias do Estado

Novo e produzir mão de obra para indústria e campo, necessárias para o desenvolvimento do

país.

O que se percebe, portanto, é que este período houve a expansão da escolaridade:

Passa-se a vivenciar uma política do ensino fundamental decorrente da pressão pela

expansão da escolaridade em curso, desde os anos 1930. Essa política, nesse

momento, também se encontra em sintonia com as demandas de uma sociedade em

processo de grandes mudanças em seu perfil socioeconômico. O fortalecimento das

camadas médias e do proletariado nos centros urbanos, o início do processo de

industrialização e o crescimento de um setor de serviços apontam para um modelo

que espera da educação um novo papel. (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 313)

Após a ditadura militar, com a eleição de Tancredo Neves e o retorno do Estado

Democrático, com a aprovação da Constituição Federal de 1988 houve a valorização da

soberania popular e da cidadania. E a ampliação do ensino volta a crescer:

Os indicadores sobre a expansão da oferta de ensino revelam finalmente grandes

avanços no país. De 1991 a 1998, a taxa de escolarização líquida da população de 7

a 14 anos saltou de 86% para 95,3%. Assim, do ponto de vista do desenvolvimento

econômico e do capital, foi preciso ampliar oportunidades educacionais, mesmo que

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90

não significassem verdadeiramente um ensino de qualidade; porém, o fato concreto

é que, pela primeira vez na história do Brasil, praticamente a totalidade da população

passa a ser atendida na escola. (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 315)

O que percebemos é que durante muitos anos buscou-se o acesso à escola formal, pois

a população em geral estava afastada da mesma. E este acesso à educação nesta época era

uma forma de qualidade educacional, visto que ela era inexistente até aquele momento para

aquela população.

Assim, houve uma melhora na expansão da escola na maioria dos níveis de ensino,

ampliando as oportunidades educacionais.

Após, o desafio constituiu-se na manutenção destes educandos nas instituições

escolares formais, pois estas não estavam preparadas para receber a presença maciça de

jovens e crianças provindas das classes populares, já que haviam sido pensadas e organizadas

apenas para atender as elites, o que culminou em inúmeras políticas públicas voltadas para

evitar a evasão escolar.

Segundo Patto (1990, p. 23) “com a ampliação do acesso é que vai se observar com

crescente preocupação os processos de “produção do fracasso escolar” e a extensão da

chamada “pedagogia da repetência””. Neste período surgem as políticas que proíbem a

reprovação em determinadas etapas da aprendizagem: as políticas de ciclos de aprendizagem.

Estas políticas de ciclos de aprendizagem têm como premissa a regularização do fluxo

escolar. De acordo com Oliveira (2006, p. 45) uma das críticas que tem sido levantada contra

este processo é que “tal “regularização” do fluxo estaria ocorrendo em detrimento da

qualidade de ensino”, ou seja, o que está se observando aqui é que um dos “tradicionais

mecanismos de exclusão da escola, reprovação seguida de evasão, está sendo minimizado”.

Assim, a qualidade neste momento era a manutenção dos alunos no sistema de ensino

de forma progressiva. A questão da evasão escolar ainda hoje é um problema educacional,

porém de menores proporções do que no período analisado e, para contextualizar esta questão,

destacamos um projeto atual que visa à diminuição da evasão escolar gaúcha16

, do CAO da

Infância e da Juventude do Ministério Público do Rio Grande do Sul que tem como objetivo

“agir em promoção da educação infantil e do ensino fundamental e, para tanto, participar das

ações do Movimento O Direito É Aprender, combater a evasão escolar, fomentando e

divulgando a FICAI - Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente e reforçar a consciência e

a responsabilidade dos pais”(CAO-IJ/RS)

16

Projeto Garantia do Direito à Educação Escolar.

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91

Este projeto tem como subsídio dez pontos de conteúdo programático capazes de

pautar as mais diversas iniciativas e que são os seguintes:

1) Educação é um Direito;

2) Educação começa em casa;

3) Direito à Educação não é só vaga na escola;

4) Só haverá educação de qualidade para todos quando todos forem pela qualidade

da educação;

5) Os programas e as estruturas de atendimento previstas no Estatuto da Criança e

do Adolescente devem funcionar como satélites da Escola;

6) O Educador, como agente prioritário do processo educativo, deve ser valorizado,

com a recuperação de sua autoestima e pela remuneração condigna;

7) Melhorar a educação é sinônimo de melhorar a atuação da escola;

8) A escola só é boa quando a criança aprende;

9) Toda criança é capaz de aprender;

10) Mudar a educação é tarefa de todos. (CAO-IJ/RS)

O intuito do projeto é realmente buscar minimizar a evasão, especialmente no ensino

fundamental, no Estado do Rio Grande do Sul através de uma parceria com a Secretaria

Estadual de Educação e demais agentes envolvidos no processo: pais, profissionais da

educação, Conselheiros Tutelares e administradores públicos. O que demonstra ainda a

preocupação com a questão da evasão escolar, mesmo que ela tenha sido minimizada em

termos nacionais e não se configure mais como definição de qualidade educacional, ou seja,

atualmente não basta mais que os alunos apenas estejam na escola (não se evadam), mas que

eles estejam aprendendo os conteúdos necessários para o seu desenvolvimento pessoal,

cidadão e profissional.

Como já debatido em nossa dissertação de mestrado17

em momento anterior:

É óbvio que se pode dar uma educação melhor, que temos que buscar mais

qualidade no ensino público, o que corroboramos com os autores citados é que não

se pode comparar o ensino do passado com o do presente e, muito menos, conferir a

culpa pela atual situação da educação à sua expansão. (CABRAL, 2008, p. 108)

No mais, concordamos com Oliveira e Araújo (2005) quando afirmam que na falta de

uma noção precisa de qualidade, sua percepção na educação brasileira se deu mais pelos

indicadores de sua ausência.

Não há que se falar em crise da educação escolar ou perda de sua qualidade, mas sim

em transformação. Defendemos assim como Di Giorgi e Leite (2010) e Beisegel (2006) que é

preciso aceitar a escola como ela é, aceitando, inclusive a qualidade da população que a ela

17 Dissertação de mestrado defendida na Universidade Estadual Paulista – UNESP, campus de Presidente

Prudente, em 2008.

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92

teve acesso. Assim, a escola atual “ganhou qualidade, uma vez que se abriu tendencialmente

à totalidade da população” (BEISEGEL, 2006, p. 121).

O relatório “Educação de Qualidade para Todos: um assunto de direitos humanos”,

editado pela UNESCO, mais especificamente pelo Escritório Regional de Educação para a

América Latina e o Caribe (2008), resultado das discussões sobre políticas educativas no

marco da II Reunião Intergovernamental do Projeto Regional de Educação para a América

Latina e o Caribe (EPT/PRE), realizado nos dias 29 e 30 de março de 2007, em Buenos Aires,

afirma que

As qualidades que se exigem do ensino estão condicionadas por fatores ideológicos

e políticos, pelos sentidos que se atribuem à educação num momento dado e em uma

sociedade concreta, pelas diferentes concepções sobre o desenvolvimento humano e

a aprendizagem, ou pelos valores predominantes em uma determinada cultura. Esses

fatores são dinâmicos e mutantes, razão por que a definição de uma educação de

qualidade também varia em diferentes períodos, de uma sociedade para outra e de

alguns grupos ou indivíduos para outros. (UNESCO, 2008, p. 29)

E é isso que acreditamos acontecer com a qualidade educacional no Brasil, afastando a

posição de que estamos em crise ou perdemos a qualidade.

Corrêa (2003) observa que o termo “‘qualidade’ não se traduz em um conceito único,

universal e absoluto, de tal modo que diferentes setores da sociedade e diferentes políticas

educacionais podem tomá-lo de modo absolutamente diverso”.

Deste ponto de vista, “a qualidade da educação é específica a cada conjuntura,

implicando e dependendo da capacidade de integração das dimensões político-ideológica e

técnico-pedagógica”, conforme destaca Aguerrondo (1993, p. 570).

O autor ainda propõe que o conceito de qualidade está cheio de possibilidades: “a) é

complexo e totalizante; b) é social e historicamente determinado; c) se constitui em imagem-

objeto de transformação educacional; e, d) se constitui no padrão de controle de eficiência do

serviço” (AGUERRONDO, 1993, p. 571).

Assim, simplificadamente, a qualidade da educação poderia ser determinada

analisando o quanto e o quão bem as crianças aprendem e, em que medida a educação dada a

elas se traduz numa gama de benefícios pessoais, sociais e de desenvolvimento, segundo o

Relatório Global de Acompanhamento do estudo “Educação para Todos” (2005).

Já a Consulta sobre Qualidade da Educação na Escola realizada pela Campanha

Nacional pelo Direito a Educação em 2002 define qualidade da educação como sendo:

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93

A qualidade da educação não pode ser avaliada sem que se considere a cultura da

escola, seu ambiente de interações. O ambiente físico e humano no qual acontecem

os processos pedagógicos é formador de atitudes e comportamentos, assim como

determina a maneira pela qual todos os envolvidos – estudantes, profissionais,

familiares – constroem seu conhecimento. (CAMPANHA NACIONAL PELO

DIREITO A EDUCAÇÃO, 2002, p. 6)

Desta consulta, participaram alunos, professores, diretores e funcionários, pessoas de

fora da escola – pais ou responsáveis, crianças e adolescentes sem estudar, jovens, adultos e

idosos dos Estados participantes: Pernambuco, o Centro de Cultura Luiz Freire, de Olinda, e

Porto Alegre, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, as concepções de educação que aparecem são as seguintes:

UMA ESCOLA QUE TENHA Espaço físico adequado, banheiros, computadores,

bibliotecas, merenda, local para teatro, esporte e lazer, que seja limpa, organizada e

segura e que tenha recursos humanos de qualidade, como bons diretores, professores

e funcionários;

UMA ESCOLA QUE ENSINE Que contemple aspectos comportamentais e

condições básicas para que a aprendizagem ocorra. Ou seja, uma escola sem

bagunça, onde os alunos prestem atenção, os professores expliquem bem, tenham

paciência, onde os professores ensinem e os alunos aprendam;

UMA ESCOLA COM BOAS RELAÇÕES Onde haja um bom relacionamento entre

professores, alunos e pais, onde haja diálogo, carinho, acompanhamento, interesse e

compreensão;

UMA ESCOLA QUE RESPONDA AOS ANSEIOS DA SOCIEDADE Que ajude a

resolver os problemas do cotidiano. Os conteúdos, as relações e as metodologias

devem estar a serviço da formação do aluno para o futuro;

UMA ESCOLA QUE FORME E que se preocupe com a qualidade da aprendizagem

e o impacto que isso terá na vida do aluno.

Uma escola que estimule o usufruto de direitos, a cidadania, a aquisição de

consciência e criticidade, de construção de conhecimento para a vida; que se

preocupe com a formação humana, a justiça social, a cultura da paz. (CAMPANHA

NACIONAL PELO DIREITO A EDUCAÇÃO, 2002, p. 6)

Todavia, se consideramos a educação como ferramenta essencial para constituição do

sujeito histórico, produto de sua mediação com a sociedade, temos na instituição escolar o

ambiente que propicia esta educação visando à formação para vida, obviamente temos que

concordar com Paro (1998, p. 301), que argumenta que “não existem padrões definidos de

qualidade” e neste sentido ele concorda com outros autores citados, afirmando que isso se

deve a complexidade que envolve a avaliação da qualidade da educação e faz um comparativo

com bens e serviços de consumo:

Diferentemente de outros bens e serviços cujo consumo se dá de forma mais ou

menos definida no tempo e no espaço, podendo-se aferir imediatamente sua

qualidade, os efeitos da educação sobre o indivíduo se estendem, às vezes, por toda

sua vida, acarretando a extensão de sua avaliação por todo esse período. É por isso

que, na escola, a garantia de um bom produto só se pode dar garantindo-se o bom

processo. Isto relativiza enormemente as aferições de produtividade da escola

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94

baseadas apenas nos índices de aprovação e reprovação ou nas tais avaliações

externas que se apoiam exclusivamente no desempenho dos alunos em testes e

provas realizados pontualmente. (PARO, 1998, p. 301)

E neste sentido percebemos como as discussões acerca das correntes produtivistas e

civil democrática se imbricam com a problemática da qualidade educacional, uma vez que,

segundo Di Giogi e Leite (2010, p. 317) “no tema da qualidade educacional, a posição que se

identifica com a visão produtivista entende qualidade como o desempenho em testes

padronizados e busca criar mecanismos de recompensa para as escolas que alcançam bons

resultados e de punição para as que não os obtêm”. Já a concepção civil democrática de

qualidade educacional, segundo os mesmos autores, ainda possuem iniciativas não muito

incipientes, sem confirmar projetos consolidados (DI GIORGI; LEITE, 2010).

Na verdade a corrente civil democrática, apesar de poucas ações objetivas, busca a

construção de uma comunidade escolar que envolva professores, administradores, pais

educandos e sociedade, assim como destaca Paul Singer:

A democratização do processo educativo deveria ir além, tratando de construir em

cada escola uma verdadeira comunidade de todos os envolvidos, em que a natural

superioridade dos professores e administradores fosse compensada por respeito pela

vontade e pelos sentimentos dos outros membros, sobretudo dos mais jovens e mais

fracos. (SINGER, 1996, p. 15)

Porém, o mesmo autor afirma que não se deve ignorar por completo a teoria

produtivista e suas críticas, pois elas possuem fundamentação na realidade, sendo necessária

uma autocrítica radical:

[...] reforma democrática deveria se preocupar com as críticas neoliberais aos

serviços sociais do Estado, pois, mesmo discordando das propostas produtivistas, é

preciso reconhecer que as críticas têm base na realidade. A reforma democrática

teria de ter engenhosidade suficiente para combinar um processo educativo não

mercantilizado com o combate ao paternalismo, à ineficiência e ao corporativismo.

Acredito que ensino público gratuito de acesso universal pode ser salvo da crise em

que se encontra, desde que seus defensores o submetam a uma autocrítica radical, a

partir da qual sua reforma possa ser proposta.

[...]

O grande debate sobre a crise educacional pode dar frutos, se os que defendem a

tradição democrática e igualitária conseguirem passar à ofensiva, com propostas tão

audazes e imaginosas quanto seus oponentes. E sobretudo se conseguirem

implementar essas propostas, abandonando uma postura meramente defensiva de

conquistas pretéritas. (SINGER, 1996, p. 15)

Seguindo o mesmo entendimento do autor citado, Di Giorgi e Leite afirmam que:

Page 95: KARINA MELISSA CABRAL

95

Infelizmente, é preciso reconhecer que “os que defendem a tradição democrática e

igualitária” não têm conseguido passar à ofensiva. Na questão crucial da qualidade

da educação, os “produtivistas” têm folgada hegemonia hoje. Este artigo procura

resgatar elementos que apontam no sentido da reversão dessa hegemonia e, quem

sabe, contribuir para que esta reversão ocorra. (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 320)

O que se percebe é que quando se concebe a educação de qualidade o significado

primordialmente situado nos possíveis ganhos econômicos que esta educação pode trazer para

os sujeitos e a sociedade perde-se, segundo, Carvalho, o sentido público da educação:

[...] à medida que se concebem o valor e a qualidade da educação com base em seu

alegado impacto econômico na vida privada do indivíduo, perde-se seu significado

ético-político, ou seja, seu sentido público. Assim, objetivos educacionais

identificados com a difusão e o cultivo de virtudes públicas – como a solidariedade,

a igualdade, a tolerância – passam a ocupar um lugar secundário em relação ao

desenvolvimento de competências e capacidades individuais ou àquilo que, com

precisão, se convencionou chamar de capital humano. (CARVALHO, 2008, p. 413).

Isto porque, este autor, assim como esta pesquisadora, defendem o caráter público da

educação, pois a qualidade da educação de caráter público não é voltada para uma “elite

socioeconômica, mas para a democratização do acesso aos bens culturais, comuns que se

encarnam nas disciplinas, saberes e valores da instituição escolar” (CARVALHO, 2007, p.

309).

Neste sentido, mantemo-nos aliados a este posicionamento, pois acreditamos que

apesar da incompatibilidade das duas correntes de pensamento é possível trabalhar alguns

conceitos da teoria produtivista com foco no objetivo maior de construção de uma escola que

vise à qualidade sob a perspectiva civil democrática. Uma tarefa não restringe a outra. E quem

sabe não estamos passando à ofensiva, como pede Singer (1996) e buscando propostas

audazes e imaginosas, o que não pretendemos é nos manter discutindo apenas as conquistas

passadas, entretanto, nunca as desconsideraremos.

Freitas (2005, p. 912) apresenta outra proposta em relação a esta tensão existente entre

estas duas correntes no que condiz aos sistemas públicos de ensino, que segundo ele vivem os

dilemas das várias concepções de produção de mudança, pois “por um lado, as políticas

neoliberais usam e abusam da regulação; por outro, as políticas participativas resvalam no

democratismo, nem sempre fortalecem as estratégias locais de realização da mudança e, com

isso, não exercitam os trabalhadores da educação para a contra-regulação”.

E a proposta deste autor é a “Qualidade negociada” que é “um conceito que nos chega

por intermédio de um estudo de Bondioli (2004). O autor reforça a tradição de se conceber e

valorizar a avaliação educacional no Brasil, e esta tem ancoragem em autores como Ludke

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96

(1984), Saul (1988), Dias Sobrinho (2002a), entre outros. (FREITAS, 2005). Assim, a ideia é

colocar a qualidade em aspectos negociáveis, de forma participativa, auto-reflexiva,

contextual/plural, processual e transformador:

Ao destacarmos seu caráter negociável, isso não significa deixar de lado os outros

aspectos da natureza da qualidade. Significa apenas a escolha de um aspecto em que

esta definição contrasta mais abertamente com a noção corrente de qualidade

adotada pelas políticas públicas neoliberais, cuja concepção é quase sempre eivada

de uma pseudoparticipação que objetiva legitimar a imposição verticalizada de

“padrões de qualidade” externos ao grupo avaliado. (FREITAS, 2005, p. 911)

E esta concepção se encaixa tão bem em nossa proposta de trabalho que segundo

Bondioli ela parte da ideia de “indicadores”, que segundo a autora são:

Os indicadores não são, portanto, padrões, isto é, normas impostas do alto, às quais

devemos nos adequar. Não representam, nem mesmo, um “valor médio” de

exeqüibilidade de aspectos da qualidade. São, ao contrário, significados

compartilhados (...). São, portanto, como indica o próprio termo, sinalizações, linhas

que indicam um percurso possível de realização de objetivos compartilhados. (...)

aquilo que os diferentes atores sociais (...) se empenham em buscar, contribuindo,

para isso, cada um de acordo com o próprio nível de responsabilidade. (Bondioli,

2004, p. 18-19)

Freitas destaca duas situações que devem ser lembradas quando adotamos esta

concepção de educação:

Por um lado seu caráter de “significação compartilhada” e, portanto, de produção

coletiva, e, por outro, a contribuição de cada um “de acordo com seu próprio nível

de responsabilidade”. Para os neoliberais, esta concepção é inviável no serviço

público não só pelo fato de dar margem a corporativismos, mas também porque seria

de implementação extremamente lenta e incerta. (FREITAS, 2005, p. 922)

Já Gadotti (2014) fala em qualidade social conceituando-a como aquela em que se

“acentua o aspecto social, cultural e ambiental da educação, em que se valoriza não só o

conhecimento simbólico, mas também o sensível e o técnico”, no mais o autor ainda deixa

claro que esta sua concepção de qualidade educacional permeia a qualidade em que haja a

participação da sociedade na escola, pois “não há qualidade na educação sem a participação

da sociedade na escola. A garantia de espaços de deliberação coletiva está intrinsecamente

ligada à melhoria da qualidade da educação e das políticas educacionais. Só aprende quem

participa ativamente no que está aprendendo”.

Page 97: KARINA MELISSA CABRAL

97

Assim, a concepção de qualidade da educação que defendemos é a que considera

específica cada conjuntura. Nesse sentido, concordamos com o proposto pelo Parecer nº.

08/2010 do CNE/CEB, quando destaca que

[...] os desafios para a construção de uma educação de qualidade para todos os

brasileiros passam, sobretudo, pela valorização da carreira do magistério

(valorização salarial, plano de carreira, formação inicial e continuada, e condições

de trabalho), financiamento e gestão da educação, e estabelecimento de padrões

mínimo de qualidade para nossas escolas públicas de Educação Básica (BRASIL,

Parecer nº. 08/2010).

A qualidade da educação se vincula aos diferentes espaços, atores e processos

formativos, em seus diferentes níveis, ciclos e modalidades educativas, bem como à trajetória

histórico-cultural e ao projeto de nação. E tudo isso deve ser pautado em algumas dimensões

da educação que devem ser construídas pela comunidade escolar coletivamente: ambiente

educativo; prática pedagógica; avaliação; gestão escolar democrática; formação e condições

de trabalho dos profissionais da escola; espaço físico escolar e acesso, permanência e sucesso

na escola.(AÇÃO EDUCATIVA, 2004)

Isto porque, a qualidade na educação não depende apenas dos professores, mas de

todos envolvidos no processo educativo, e isso inclui também os políticos que viabilizam as

políticas públicas educacionais – especialmente, quanto ao investimento na educação – pois,

segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s “a participação conjunta dos

profissionais (orientadores, supervisores, professores polivalentes e especialistas) para tomada

de decisões sobre aspectos da prática didática, bem como sua execução. Essas decisões serão

necessariamente diferenciadas de escola para escola, pois dependem do ambiente local e da

formação dos professores”. (PCN, Vol. I, 1997, p. 68)

A educação de qualidade e que buscamos depende, assim como a proposta de Moreira

e Kramer (2007) de mudanças profundas na sociedade, nos sistemas educacionais e nas

escolas. Estes autores propõem como mudanças nestes dois últimos itens:

[...] condições adequadas ao trabalho pedagógico; conhecimentos e habilidades

relevantes; estratégias e tecnologias que favoreçam o ensinar e o aprender;

procedimentos de avaliação que subsidiem o planejamento e o aperfeiçoamento das

atividades pedagógicas; formas democráticas de gestão da escola; colaboração de

diferentes indivíduos e grupos; diálogo com experiências não-formais de educação;

docentes bem formados (que reconheçam o potencial do aluno e que concebam a

educação como um direito e um bem social). (MOREIRA; KRAMER, 2007, p.

1046)

E essa educação de qualidade é possível de ser alcançada e pleiteada com base na

Page 98: KARINA MELISSA CABRAL

98

concepção civil democrática para isso vamos analisá-la mais pormenorizadamente no seu

aspecto restrito, já que esta tese visa analisar a qualidade do ensino fundamental público.

3.2.1 Qualidade ensino fundamental público

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394/96, a educação

escolar é composta pela educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental

e ensino médio; e educação superior18

.

Desta forma, a finalidade da educação básica é “desenvolver o educando, assegurar-

lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para

progredir no trabalho e em estudos posteriores” (art. 22, LDB).

A Constituição Federal de 1998 em seu artigo 208, inciso primeiro, determina que a

educação básica é obrigatória e gratuita, sendo considerada dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)

anos de idade. Como já esclarecido, tem-se até 2016 para a implantação progressiva da

universalização da educação infantil (EC 59/2009, art.6º) e atendimento dos jovens até 17

anos de idade.19

Por isso, hoje, considera-se como público do ensino fundamental as crianças entre 06

(seis) anos e 14 (quatorze) anos de idade.20

A Lei nº 11.274/2006 dispõe sobre a duração de 09 (nove) anos para o Ensino

Fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 06 (seis) anos de idade21

, determina a

ampliação do Ensino Fundamental para nove anos por meio de uma proposta pedagógica

própria, para ser desenvolvida em cada escola.22

18

Art. 21, I e II. 19

Art. 6º - O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser implementado progressivamente,

até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União. (EC 59/2009) 20 Art. 8º O Ensino Fundamental, com duração de 9 (nove) anos, abrange a população na faixa etária dos 6 (seis)

aos 14 (quatorze) anos de idade e se estende, também, a todos os que, na idade própria, não tiveram condições de

frequentá-lo.

§ 1º É obrigatória a matrícula no Ensino Fundamental de crianças com 6 (seis) anos completos ou a completar

até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, nos termos da Lei e das normas nacionais vigentes.

§ 2º As crianças que completarem 6 (seis) anos após essa data deverão ser matriculadas na Educação Infantil

(Pré-Escola).

§ 3º A carga horária mínima anual do Ensino Fundamental regular será de 800 (oitocentas) horas relógio,

distribuídas em, pelo menos, 200 (duzentos) dias de efetivo trabalho escolar. (Resolução MEC CNE/CEB n.

07/2010) 21

LDB, art. 32 22

Parecer CNE/CEB n. 22/2009; Parecer CNE/CEB n° 4/2008

Page 99: KARINA MELISSA CABRAL

99

Neste sentido, o Plano Nacional de Educação, decênio 2014-2024, tem como uma de

suas metas “fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com

melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem” visando aumentar as médias nacionais para o

Ideb. A proposta é “estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes

pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e

objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos (as) alunos (as) para cada ano do ensino

fundamental e médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local” (PNE, Meta 7).

As orientações gerais do Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino

Fundamental do Ministério da Educação para o Ensino Fundamental de Nove Anos (2004)

informa que “como ponto de partida, para garantir uma nomenclatura comum às múltiplas

possibilidades de organização desse nível de ensino (séries, ciclos, outros – conforme art. 23

da LDB nº 9.394/96), sugere-se que o Ensino Fundamental seja assim mencionado” (MEC,

2004, p. 18)

Figura 6. Organização do Ensino Fundamental de 9 anos.

Fonte: MEC, 2004, p. 18

Como vemos o ensino fundamental é a segunda etapa da educação básica e está

dividido em dois ciclos: anos iniciais (1º ao 5º ano) e anos finais (6º ao 9º ano). Quando se

discute qualidade do ensino fundamental deve-se ter em mente a divisão destes ciclos e suas

especificidades.

Neste sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam que os objetivos do

ensino fundamental são que ao final deste ciclo de nove anos os alunos sejam capazes de:

• compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício

de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de

solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo

para si o mesmo respeito;

• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações

sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões

coletivas;

• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e

culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional

e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;

Page 100: KARINA MELISSA CABRAL

100

• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem

como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra

qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças,

de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;

• perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente,

identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para

a melhoria do meio ambiente;

• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em

suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e

de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no

exercício da cidadania;

• conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis

como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade

em relação à sua saúde e à saúde coletiva;

• utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal

— como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e

usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a

diferentes intenções e situações de comunicação;

• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir

e construir conhecimentos;

• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los,

utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de

análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação. (BRASIL,

1997, P. 69)

E para que o educando possa alcançar todas estas competências, como aluno crítico e

reflexivo, há uma estrutura organizacional para cada ciclo do ensino fundamental que

estabelece “necessidades e possibilidades de trabalho da área no ciclo e indica os Objetivos de

Ciclo por Área, estabelecendo as conquistas intermediárias que os alunos deverão atingir para

que progressivamente cumpram com as intenções educativas gerais” e também que

“expressam capacidades que os alunos devem adquirir ao final da escolaridade obrigatória”.

(PCN, Vol I, 1997, p. 70)

A Figura 7 abaixo apresenta a forma de organização dos objetivos do ensino

fundamental; nesta estrutura temos as áreas de matemática, língua portuguesa, ciências

naturais, história, geografia, arte educação física e língua estrangeira.

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101

Figura 7. Organização dos objetivos do Ensino Fundamental

Fonte: BRASIL, 1997, p. 71

Assim, a proposta pedagógica do ensino fundamental de nove anos deve incluir:

a) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino (Lei nº 9.394/96;

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental; Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental);

b) as áreas do conhecimento (Lei nº 9.394/96, art. 26; Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Fundamental);

c) matriz curricular definida pelos sistemas de ensino (Lei nº 9.394/96, art. 26);

d) oferta equitativa de aprendizagens e consequente distribuição equitativa da carga

horária entre os componentes curriculares. (Lei nº 9.394/96; Parecer CNE/CEB nº

18/2005);

e) as diversas expressões da criança (Ensino Fundamental de 9 (nove) anos:

orientações pedagógicas para a inclusão das crianças de 6 (seis) anos de idade);

f) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos (Lei nº 9.394/96; Parecer CNE/CEB

nº 4/2008; Ensino Fundamental de 9 (nove) anos: orientações pedagógicas para a

inclusão das crianças de 6 (seis) anos de idade);

g) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos;

h) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos

procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização. (BRASIL, 2009)

O Brasil é um país continental com diferenças sociais, culturais, políticas e

econômicas muito marcantes e todos estes aspectos influenciam fortemente na educação

promovida pelas escolas, por isso, partimos da concepção que a qualidade da educação do

ensino fundamental para que possua realmente valor e possa ter significação para seus agentes

e para a comunidade escolar em seu entorno deve ser construída de dentro para fora, ou seja,

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102

partindo destes atores envolvidos de forma democrática e participativa. E esta também é a

compreensão da legislação, pois o artigo 26 da LDB determina que os currículos da educação

infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser

complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte

diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da

economia e dos educandos.

Neste sentido, é importante colocarmos que fizemos uma análise regional em

decorrência destas divergências sociais, culturais, econômicas e sociais entre as regiões

brasileiras que se refletem na educação. As informações foram colhidas dos dados do IBGE,

“Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira”, e

dos dados da pesquisa da ONG Todos Pela Educação, “Anuário Brasileiro da Educação

Básica”, e também o Relatório de Pesquisa “Perfil dos Gastos Educacionais nos Municípios

Brasileiros” realizado pela Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação),

Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e Fundação Itaú Social, todos de 2012.

Segundo o Anuário Brasileiro de Educação Básica da ONG Todos pela Educação

(2012) o ensino fundamental é a etapa de escolarização que enfrenta os maiores desafios,

visto que 15,2% das crianças brasileiras não são alfabetizadas na idade certa, ou seja, até os

oito anos de idade.

Em relação às regiões brasileiras e o ensino fundamental verificamos que até o Saeb

de 2009 a região Sudeste é que obtinha o melhor percentual, pois as regiões Norte e Nordeste

apresentam um nível baixo de conhecimentos em Matemática e Português tanto no primeiro

quanto no segundo ciclo do ensino fundamental.

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103

Figura 8. Panorama do Ensino Fundamental

Fonte: Anuário Brasileiro de Educação Básica, 2012, p. 14.

Neste aspecto, apresentamos uma análise comparativa das informações colhidas nestes

instrumentais e a pesquisa realizada junto aos CAO’s - Centros de Apoio de cada Estado. Isto

porque, com estas informações é possível identificar os conceitos que permeiam não só o

entendimento dos membros do MP de cada região, mas também da sociedade civil em que

este está inserido.

Quando comparamos estes resultados com o levantamento realizado nos Estados sobre

a atuação do MP, especialmente a existência de CAO’s, constatamos que apesar da região

Sudeste ter um melhor nível de adequação aos níveis de escolaridade em matemática e

português no ensino fundamental, no Estado do Espírito Santo encontramos apenas nove

Promotorias de atendimento específico à infância e Juventude de um total de noventa, ou seja,

apenas 10%; e quanto aos CAO’s a região Sudeste, uma das que mais concentra CAO de

Page 104: KARINA MELISSA CABRAL

104

Defesa da Educação no Brasil, tendo nos Estados do Espírito Santo (participante da pesquisa),

de Minas Gerais e de São Paulo. Já no Nordeste onde a escolarização de forma adequada em

português e matemática é baixa, notamos que há três unidades de CAOE’s que ficam nos

estados da Bahia, Paraíba e Sergipe. Portanto, nestas duas regiões a presença do Ministério

Público com ações efetivas na área educacional não representam melhora na adequação e

escolarização das crianças e adolescentes do ensino fundamental. Já no Norte não há nenhum

CAOE e também há baixo índice de adequação nos níveis de português e matemática dos

alunos.

É importante nesta análise que compreendamos a composição da população brasileira,

considerando a proporção de crianças, adolescentes e jovens no Brasil, pois conforme dados

do IBGE (2012, p.34) em 2011, o grupo com até 24 anos de idade era de 78,5 milhões de

pessoas, o que correspondia a 40,2% da população brasileira total, característica que está

mudando:

Este segmento está perdendo participação na população total, visto que, em 2001,

ele compunha praticamente a metade da população (48,2%). Para o Brasil, nota-se

que a participação da população com menos de 15 anos de idade em relação ao total

foi de 23,3%, mas este indicador é diferenciado para as Grandes Regiões: os maiores

percentuais foram encontrados nas Regiões Norte (29,7%) e Nordeste (25,9%).

Como a população de crianças, adolescentes e jovens está desigualmente distribuída

no território, os programas, políticas e serviços sociais que tenham como foco este

público precisam levar tal característica em consideração. (IBGE, 2012, p.34)

Importa esclarecer ainda que em relação a esta população que hoje está nas escolas,

que “considerando-se a distribuição de rendimento familiar per capita, percebe-se que as

pessoas de 0 a 14 anos de idade estão inseridas predominantemente em famílias com menor

poder aquisitivo, sendo que 60,8% delas estão concentradas nos dois primeiros quintos da

distribuição. Para o grupo de 15 a 24 anos de idade, a concentração nos dois primeiros quintos

da distribuição foi menor, 43,5%” (IBGE, 2012, p. 34-35), e isso deve ser levado em

consideração, pois contexto familiar no qual estão inseridos é muito importante para o

desenvolvimento destes jovens e tem influência direta nos resultados da análise realizada pela

ONG Todos pela Educação em relação ao ensino fundamental e a adequação aos conteúdos,

uma vez que consideramos a educação sob a perspectiva civil democrática.

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105

Gráfico 9. Proporção de crianças, adolescentes e jovens no Brasil

Fonte: IBGE, 2012, p. 34

No mais, embora a taxa de analfabetismo do país tenha caído “de 10% para 9,7% das

pessoas com 15 anos ou mais de idade, entre 2008 e 2009 (a quinta queda consecutiva na

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad), esse percentual ainda representa 14,1

milhões de pessoas”. Hoje a taxa de analfabetismo no país é de 14,1 milhões de pessoas.

(Anuário Brasileiro da Educação Básica, 2012, p. 21), conforme demonstra o gráfico abaixo

apresentando as regiões do Brasil:

Gráfico 10. Taxas de analfabetismo nas regiões do Brasil

Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica, 2012, p. 21

Assim, o ensino fundamental de qualidade é aquele que compreende, tendo por base as

especificidades da população que o abrange – econômica, cultural, social, política –, a difusão

Page 106: KARINA MELISSA CABRAL

106

de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao

bem comum e à ordem democrática; que consideram as condições de escolaridade dos alunos

em cada estabelecimento; as orientações para o trabalho; a promoção do desporto educacional

e apoio às práticas desportivas não formais.23

Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN’s trazem em seu conteúdo, a proposta é

que nossas escolas possam por meio da educação por elas promovida “garantir que,

respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam

uma sociedade múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no

processo de construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de

direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade implica

necessariamente o acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o conjunto dos

conhecimentos socialmente relevantes”.

Para tanto, a LDB define alguns aspectos dos conteúdos do ensino fundamental a

serem promovidos:

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito

na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a

formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006)

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno

domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,

das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição

de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e

de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (LDB)

Desta forma, ao final do ensino fundamental, no nono ano, o aluno deve ter pleno

domínio da leitura, da escrita e do cálculo, assim como a compreensão do ambiente natural e

social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a

sociedade. Há toda uma orientação para cada ciclo do ensino fundamental nos PCN’s, em

cada área da estrutura dos conhecimentos que são objetivo desta etapa da escolaridade.

A Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010 fixa as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o ensino fundamental de 9 (nove) anos e para tanto define alguns princípios

que as escolas devem adotar para nortear as políticas educativas e as ações pedagógicas, são

eles:

23

LDB, art. 27.

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107

Art. 6º Os sistemas de ensino e as escolas adotarão, como norteadores das políticas

educativas e das ações pedagógicas, os seguintes princípios:

I – Éticos: de justiça, solidariedade, liberdade e autonomia; de respeito à dignidade

da pessoa humana e de compromisso com a promoção do bem de todos,

contribuindo para combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

II – Políticos: de reconhecimento dos direitos e deveres de cidadania, de respeito ao

bem comum e à preservação do regime democrático e dos recursos ambientais; da

busca da equidade no acesso à educação, à saúde, ao trabalho, aos bens culturais e

outros benefícios; da exigência de diversidade de tratamento para assegurar a

igualdade de direitos entre os alunos que apresentam diferentes necessidades; da

redução da pobreza e das desigualdades sociais e regionais.

III – Estéticos: do cultivo da sensibilidade juntamente com o da racionalidade; do

enriquecimento das formas de expressão e do exercício da criatividade; da

valorização das diferentes manifestações culturais, especialmente a da cultura

brasileira; da construção de identidades plurais e solidárias. (BRASIL, 2010)

Os princípios que devem nortear as ações pedagógicas e as políticas educativas têm

três eixos – ética, política e estética – que compõe os aspectos a serem observados,

respeitados e buscados pela escola na sua atuação prática, mas também por Estados,

Municípios e União na elaboração de políticas públicas voltadas para o ensino fundamental.

Os componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental serão assim

organizados em relação às áreas de conhecimento:

I – Linguagens:

a) Língua Portuguesa;

b) Língua Materna, para populações indígenas;

c) Língua Estrangeira moderna;

d) Arte; e

e) Educação Física;

II – Matemática;

III – Ciências da Natureza;

IV – Ciências Humanas:

a) História;

b) Geografia;

V – Ensino Religioso.24

Note-se que o ensino religioso é de matrícula facultativa do aluno. No mais, os

componentes curriculares e as áreas de conhecimento devem articular em seus conteúdos a

temas abrangentes e contemporâneos que afetam a vida humana em escala global, regional e

local, bem como na esfera individual, tais como: saúde, sexualidade e gênero, vida familiar e

social, assim como os direitos das crianças e adolescentes, de acordo com o Estatuto da

24

Art. 15, Resolução MEC CNE/CEB n. 07/2010.

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108

Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), preservação do meio ambiente, nos termos da

política nacional de educação ambiental (Lei nº 9.795/99), educação para o consumo,

educação fiscal, trabalho, ciência e tecnologia, e diversidade cultural. Estes devem permear o

desenvolvimento dos conteúdos da base nacional comum e da parte diversificada do

currículo.25

O que se percebe é que as Diretrizes Curriculares Nacionais para ao ensino

fundamental buscam dar subsídio para que as escolas e as políticas públicas possam focar no

desenvolvimento integral do aluno como ser humano. Visam, inclusive, a elaboração de

projeto político-pedagógico que contenha processos participativos relacionados à gestão

democrática, construída pela comunidade escolar no exercício de sua autonomia, sendo

assegurada a ampla participação dos profissionais da escola, da família, dos alunos e da

comunidade local.

O que acreditamos ser essencial para que a qualidade efetiva seja alcançada, pois

partirá da realidade de cada escola e de cada comunidade escolar.

Art. 25. Os professores levarão em conta a diversidade sociocultural da população

escolar, as desigualdades de acesso ao consumo de bens culturais e a multiplicidade

de interesses e necessidades apresentadas pelos alunos no desenvolvimento de

metodologias e estratégias variadas que melhor respondam às diferenças de

aprendizagem entre os estudantes e às suas demandas.26

A Organização Não Governamental Ação Educativa(2004), aplicou uma pesquisa com

intuito de encontrar alguns indicadores de qualidade na educação, por meio dela elaborou um

instrumento com sete dimensões da qualidade escolar e com base em elementos da qualidade

da escola: as dimensões: ambiente educativo, prática pedagógica e avaliação, ensino e

aprendizagem da leitura e da escrita, gestão escolar democrática, formação e condições de

trabalho dos profissionais da escola, acesso e permanência dos alunos na escola, e, por fim,

espaço físico escolar. O instrumento é flexível e pode ser usado de acordo com a criatividade

e a experiência de cada escola. Acreditamos que seja possível pensarmos na qualidade do

ensino fundamental trabalhando-a a partir de instrumentos e propostas como esta.

A qualidade do ensino fundamental só será possível de ser efetivada plenamente

quando conseguirmos alcançar suas três dimensões: insumos, processos e resultados.

25

Art. 16, Resolução MEC CNE/CEB n. 07/2010. 26 Resolução MEC CNE/CEB n. 07/2010.

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109

3.3 Possibilidades de mensuração da qualidade: insumos, processos e resultado

O termo qualidade segundo Cury (2010, p. 18) “advém do latim qualitas, mas cuja

procedência mais funda é a de poiótês do grego e que significa um título definidor de uma

categorização ou classificação”. O autor ainda continua esclarecendo que este termo “supõe

uma certa quantidade capaz de ser mensurada, na qual reside um modo de ela ser de tal forma

distinta que ela se veja enriquecida ao ponto de sua realidade apresentar um salto agregando

valor àquilo que a sustém”. (CURY, 2010, p. 19)

Seguindo o mesmo entendimento de Cury no que tange ao termo “qualidade”, Davok

(2002, p. 206) esclarece que “qualidade implica em uma ideia de comparação: poder-se-ia

dizer que um objeto tem qualidade se suas características permitem afirmar que ele é melhor

que aqueles objetos que não as possuem ou que não as possuem em igual grau”. Ou seja,

“quando se diz que um objeto educacional tem qualidade, está-se explicitando um juízo sobre

seu valor e mérito” (DAVOK, 2007, p. 506).

No mesmo sentido, Fernando Reimers e Eleonora Villegas-Reimers no relatório

apresentado ao Diálogo Regional em Educação, organizado pelo Banco Interamericano de

Desenvolvimento destaca que

[...] a definição da qualidade do ensino não pode ser desvinculada da definição dos

propósitos da educação. Porque o ensino tem ou não tem qualidade em função de

alguns propósitos, de critérios normativos que refletem visões de valor, assim como

relações de fato entre o que se aprende na escola e o contexto social no qual devem

viver os que saem dela. (REIMERS; REIMERS, 2006, p. 92)

Existem diversas maneiras de abordar a qualidade e estas têm origem nas diferentes

tradições do pensamento educacional, especialmente no que tange a definição de qualidade no

processo de ensino-aprendizagem, já que há diversas e divergentes concepções pedagógicas, o

que torna a busca por concepções mínimas de qualidade passíveis de exigibilidade jurídica

uma tarefa muito excessivamente complexa. .

Assim, foi necessário realizar algumas opções teóricas para se iniciar uma discussão

sobre os indicadores mínimos de qualidade no ensino fundamental, de forma a simplificar a

definição de qualidade, mas sem que essa simplificação fosse tão grande a ponto de esvaziar o

processo educativo. Portanto, como já indicado anteriormente, opta-se por adotar, os aspectos

suscitados Portela Oliveira (2006) que traz a discussão de qualidade sob três dimensões

(insumos, processos e resultados), mas sem nos desfazer dos demais teóricos e documentos

Page 110: KARINA MELISSA CABRAL

110

que possam auxiliar nesta empreitada e muito menos, sem nos desvincular da função social da

escola pública que acreditamos.

Isto porque, quando se consegue separar as dimensões da qualidade educacional é

possível juridicamente pleitear apenas uma destas dimensões, sem desconsiderar as demais,

mas tornando possível alguma ação no sentido de melhora da qualidade do ensino

fundamental pelas vias judiciais. E também, porque acreditamos que a qualidade realmente

possa ser fragmentada nestas dimensões sem perder seu conteúdo real quando da totalidade.

Seguindo o postulado por Oliveira (2006), nota-se que existem três perspectivas ou

dimensões que devem ser consideradas quando se trata de qualidade: a qualidades quanto aos

insumos ou custos (input), quanto ao processo e quanto aos resultados ou produto (output).

Esta discussão é trazida por Don Adams (2002) quando destaca que a qualidade da

educação pode referir-se aos insumos (números de professores, quantidade de professores

formados, número de livros didáticos), processos (quantidade de tempo de instrução direta,

extensão da aprendizagem ativa), saídas (resultados dos testes, as taxas de graduação), e

resultados (desempenho no emprego subsequente).

O mesmo autor traz ainda que a educação pode implicar simplesmente em alcançar as

metas e objetivos traçados a partir do desempenho escolar e, para tanto, ele cita ao menos seis

visões: 1) qualidade como reputação, 2) qualidade como recursos (inputs), 3) qualidade como

processo, 4) qualidade como conteúdo, 5) qualidade como rendimento acadêmico (outputs) /

resultados educacionais (outcomes), 6) qualidade como “valor adicionado”.

Cruz na 3ª Audiência do Ciclo de Audiências Públicas realizada pela Comissão de

Educação, Cultura e Esporte afirmou quanto ao ensino fundamental que:

[...] a situação do segundo ciclo do ensino fundamental representa uma situação

problemática e pouco debatida, que mostra que essa etapa tem estado ausente do

foco prioritário das políticas públicas educacionais. O reflexo disso é visto, em

grande medida, no mau desempenho dos alunos que ingressam no ensino médio.

(CRUZ, 2012, p. 04)

Gusmão em 2010 realizou uma pesquisa pela Universidade São Paulo, que em 2013

foi publicada pela Revista Brasileira de Estudos em Pedagogia, em que aborda a questão dos

“Significados da noção de qualidade da educação na arena educacional brasileira”; para tanto

a pesquisadora realizou entrevistas com alguns atores sociais situados no Estado, na sociedade

civil e em organismos multilaterais, abordando temas relativos às razões de a qualidade da

educação estar em pauta, à concepção de qualidade e às disputas subjacentes à noção. Nesta

Page 111: KARINA MELISSA CABRAL

111

pesquisa verificou-se também que em relação à concepção de qualidade há uma oposição de

posicionamento entre os atores:

Nos depoimentos acerca das concepções de qualidade da educação, a oposição se

deu entre os atores que concebem a “aprendizagem” (entendida primordialmente por

meio dos resultados das provas em larga escala) como o principal significado de

qualidade da educação e os que defendem uma visão abrangente, com o foco

estendido aos processos, às condições gerais de ensino e o aprendizado em uma

perspectiva mais ampla que o aferido pelas provas.

A demarcação de dois grupos segundo as ênfases apresentadas é convergente,

respectivamente, com o que é denominado, de um lado, rendimento e, de outro,

insumos e processos – duas das principais maneiras de se referir à qualidade da

educação, segundo Adams (1993). (GUSMÃO, 2013, p. 109)

Neste sentido, concordamos com Gusmão quando afirma que qualidade no contexto

educacional muitas vezes nos remete a critérios de eficiência e que quando se modifica a

finalidade da educação mudam-se os critérios de análise da qualidade:

O uso da palavra qualidade no contexto educacional remete diretamente aos fins da

educação. No sentido absoluto, uma educação de qualidade seria, portanto, uma

educação que cumpre com os seus objetivos. Aqui, a qualidade (boa) significa

eficiência, meios adequados para atingir fins. Mas é possível considerar má (de

baixa qualidade) a educação cujos fins são tidos como inadequados. No uso como

indicação positiva ou negativa, melhorar a qualidade da educação, de forma óbvia,

seria tornar a educação “melhor”, aproximando-a de suas finalidades primordiais. É

evidente que, variando-se as finalidades da educação, modificam-se também as

referências de qualidade. Mantendo-se constantes tais finalidades, podem modificar-

se igualmente as referências de qualidade. Essas passam a se circunscrever aos

meios empregados.

Falar em qualidade da educação implica atribuir juízos de valor a aspectos ou

resultados do processo educativo, como também a objetivos educacionais. Os juízos

são sempre enunciados por sujeitos e, na medida em que expressam um julgamento,

remetem a termos comparativos. (GUSMÃO, 2013, p. 301)

Assim, se partimos do pressuposto que a finalidade de nossa educação é a civil

democrática, ou seja, o “tipo fundamental de competências que deveria orientar a definição de

qualidade da educação na América Latina é o daquelas que permitem exercer de forma efetiva

a cidadania numa sociedade democrática” (REIMERS; REIMERS, 2006, p. 93). Mais que

isso:

Estas competências para a participação democrática requerem habilidades e

disposições que permitam pensar por conta própria e de forma crítica, comunicar-se

adequadamente, ter acesso e utilizar o conhecimento disponível sobre diversos

temas, aprender continuamente, trabalhar com os outros, compreender a importância

e os mecanismos dessa participação, e entender e valorizar as diferenças que

distinguem as sociedades fechadas e totalitárias das sociedades abertas e

democráticas. Conhecer as instituições políticas e os espaços e formas de

participação; poder informar-se sobre e compreender os principais temas de

Page 112: KARINA MELISSA CABRAL

112

discussão da agenda pública e entender o contexto histórico que lhes dá significação;

desenvolver altos graus de tolerância pela diversidade e capacidade de raciocinar

sobre temas complexos, nos quais é essencial colocar-se no lugar do outro e

reconhecer que há interesses e pontos de vista legitimamente diferentes, que devem

se reconciliar numa agenda de ação coletiva. (REIMERS; REIMERS, 2006, p. 92)

Mas, acreditamos que seja possível trabalhar alguns conceitos da visão produtivista,

neste aspecto tratamos da questão da preparação para o trabalho e da exigibilidade jurídica,

sem nos desvencilhar da perspectiva educacional que consideramos coerente e efetivamente

qualitativa: civil democrática.

Como já dissemos, sabemos que essa proposta se constrói sob duas visões antagônicas

e que possuem perspectivas educacionais muito diversas, mas as quais acreditamos que

possam ser pensadas para viabilizar os pedidos judiciais relativos à qualidade do ensino

fundamental a partir de sua articulação com as dimensões que sustentamos neste trabalho

como essenciais à concepção humana.

Neste sentido, a pesquisa de Gusmão salienta que todos os pesquisados deixaram claro

que defendem a posição de que a educação de qualidade seja orientada para a garantia do

direito das crianças e adolescentes à aprendizagem é coerente. E ela completa:

O segundo grupo de depoimentos, composto por representantes da ANPEd, da

Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do CNE, da CNTE, da Comissão de

Educação e Cultura da Câmara dos Deputados e do MEC, reconhece a importância

da aprendizagem, assim como das avaliações centralizadas, mas em suas

formulações prioriza uma noção de qualidade da educação mais ampla, isto é, com

recorrência a um conjunto de aspectos. Eles se referem à importância de considerar

os processos, as condições necessárias para uma educação de qualidade e outros

elementos de aprendizagem para além dos conteúdos disciplinares, como a cidadania

e a ética. Diferentemente de uma definição substantiva, tal como dada nos

depoimentos do grupo anterior, como “qualidade é isto ou aquilo”, os depoimentos

enfatizam as condições diversas que são necessárias à promoção da qualidade. A

qualidade implica e requer condições, tais como infraestrutura, tempos e espaços

para desenvolvimento do processo educativo. Destaca-se também a referência do

grupo aos valores, à diversidade, à contextualização do ensino e aprendizagem, à

participação e à democracia. (GUSMÃO, 2013, p. 108)

Assim, sempre haverá diversos indicadores de qualidade da educação, pois estes são

formulados de acordo com as representações e as intencionalidades dos sujeitos que são

históricos; portanto, estes indicadores, assim com a qualidade educacional são polissêmicos e

dinâmicos, devendo ser constantemente discutidos e reformulados, visto que as diversas

expectativas e representações sociais integram um contexto histórico mais amplo e em

constante movimento. (OLIVEIRA, 2006)

Page 113: KARINA MELISSA CABRAL

113

O Projeto Regional da UNESCO “Indicadores Educativos: metas a serem alcançadas”

propõe que a educação é composta por algumas dimensões: filosófica, pedagógica, cultural,

social e financeira.

Do ponto de vista filosófico, a educação tem qualidade quando os objetivos

propostos nos currículos estão baseados e projetados para promover os valores que

os mais variados setores da sociedade consideram desejáveis. No plano pedagógico,

a educação é de qualidade quando os objetivos propostos nos currículos, planos e

programas educacionais são cumpridos de forma eficaz. Na perspectiva cultural, a

educação tem qualidade quando os seus conteúdos derivam das aspirações

relacionadas às distintas populações a quem se dirige. Sob o prisma social, a

UNESCO sinaliza que a educação é de qualidade quando beneficia igualmente todos

os setores da sociedade, contribuindo para a inclusão. Por fim, sob a ótica financeira,

a qualidade da educação se refere à eficiência no uso dos recursos destinados à

educação (UNESCO, 2003, p. 44).

Neste sentido, concordamos com Haddad (1992, p. 78) “Há que se considerar,

inicialmente, que o esforço na conquista de melhores condições materiais já é em si base para

o desenvolvimento de um melhor trabalho pedagógico”.

3.3.1 Insumos

Como dito, partimos da análise dos indicadores de qualidade propostos por Oliveira

(2006) e, assim como ele, entendemos que esta elaboração passa não só por matrizes técnicas,

mas também políticas, uma vez que para definir insumos e parâmetros para um ensino de

qualidade é necessário se falar em custos do processo de escolarização.

E esta é a primeira dimensão da qualidade educacional segundo Oliveira (2006):

insumos.

A LDB define como padrões mínimos de qualidade de ensino: “[...] a variedade e

quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo

ensino-aprendizagem” (art. 4º, inc.IX).

Segundo a Campanha Nacional pelo Direito a Educação, os insumos devem ser

divididos em quatro grandes tipos:

1. insumos relacionados à estrutura e ao funcionamento – Tratam de tudo o que se

refere à construção e à manutenção dos prédios e da existência de instalações

adequadas, de laboratório, biblioteca e parquinho, de materiais básicos de

conservação e de equipamentos de apoio aos processos educativos.

Page 114: KARINA MELISSA CABRAL

114

2. insumos relacionados aos trabalhadores e às trabalhadoras em educação –

Abrangem as condições de trabalho, os salários, o plano de carreira, a jornada de

trabalho e as condições para a formação inicial e continuada dos trabalhadores e das

trabalhadoras em educação.

3. insumos relacionados à gestão democrática – são requisitos essenciais para que a

educação seja viabilizada com qualidade. Entre os fatores mais importantes,

destacam-se:

• o estímulo à participação da comunidade escolar, que inclui o trabalho em equipe,

a construção conjunta do projeto político-pedagógico e a democratização da gestão

da escola e dos sistemas de ensino.

• a discussão com a comunidade sobre os indicadores de qualidade aproximaria

ainda mais a escola da realidade de seus alunos, dos pais e daqueles que vivem no

entorno.

• o fomento às práticas participativas de avaliação, incluindo a avaliação conjunta da

escola pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras em educação, pelos estudantes,

pelas famílias e pela comunidade.

4. Insumos relacionados ao acesso e à permanência – aqueles que devem ser

assegurados pelo poder público para garantir as condições de permanência de

crianças e estudantes na creche ou na escola. Entre eles, o material didático, o

transporte escolar, a merenda ou o vestuário, no caso das redes públicas que exigem

o uniforme ou a farda. (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A

EDUCAÇÃO, 2011, p. 25-27)

É importante destacar antes de iniciarmos a discussão sobre os insumos, que a garantia

dos mesmos representa uma condição necessária para a qualidade do ensino, embora

saibamos que nem sempre ela seja suficiente.

Os insumos ou custos baseiam-se em valor monetário investido na educação; das três

dimensões esta é a que está mais avançada, sendo a mais aceitável e menos polêmica das três,

até porque, em termos de pesquisa encontram-se inúmeros materiais que abordam o tema, o

que facilita sua definição. Contudo, ainda resta firmar quais os insumos necessários para uma

educação de qualidade e transformar isso em valores monetários correntes.

O maior problema desta dimensão é a implementação política, pois o investimento em

educação depende muito da conveniência política.

Contudo, após a edição do FUNDEB pode-se dizer que minimamente já há previsão

na legislação ordinária brasileira e, quando houver algumas falhas na implementação, pode

ser exigida judicialmente. Notadamente, analisando também as demais ações do PDE e o

novo PNE percebe-se que eles têm também o intuito de melhorar a qualidade da educação

com relação a estes insumos.

Importa ressaltar quanto à relação entre o PDE e o PNE (2014-2024) que o primeiro

não se configura uma política educacional, mas trata-se de uma relação de ações que foram

reunidas e que levaram ao abandono do PNE anterior (2001-2010).

Page 115: KARINA MELISSA CABRAL

115

Pinto destaca que com o FUNDEF houve uma divisão de responsabilidades que pouco

contribuiu para aumentar a qualidade do ensino e os municípios não pensaram quando da

implantação na qualidade do ensino, mas sim na possibilidade de aumento de suas receitas:

Esta mudança desencadeada pelo FUNDEF no padrão de divisão de

responsabilidades, contudo, no nosso entendimento, pouco contribuiu para aumentar

a eficiência de gestão do sistema e menos ainda a qualidade do ensino. Em geral,

não houve consulta à comunidade escolar e os critérios de decisão foram

essencialmente monetários: de um lado, os estados querendo reduzir seus alunos, de

outro os municípios querendo ampliar suas receitas. A preocupação com a qualidade

do ensino esteve, em geral, ausente em boa parte dos convênios de municipalização.

(PINTO, 2007, p. 881).

Esta problemática gerou um desequilíbrio, pois o “aumento da participação municipal

nas matrículas da educação” se confrontou com a (in) capacidade financeira dos municípios.

Ou seja, “embora os municípios já possuam matrículas na educação básica superiores

àquelas apresentadas pelos estados, sua receita líquida de impostos é bem inferior àquela

obtida pelos estados (cerca de três quartos), o que demonstra uma situação de grande

fragilidade” (PINTO, 2007, p. 881). E sobre este problema o autor destaca que há ainda

consequências mais graves:

Quando analisamos esta distribuição nas diferentes regiões do país, os problemas se

acirram. Assim é que, em estados como MA, CE, AL e PA (exatamente aqueles

onde o investimento por aluno é mínimo), constata-se que os governos estaduais,

embora tenham 1,5 vez mais recursos de impostos que os governos municipais, são

responsáveis por menos da metade dos alunos. O sistema de financiamento só não

entrou em colapso porque o FUNDEF, e agora o FUNDEB, transferem recursos de

uma esfera de governo para a outra, mas considerando que os fundos são

transitórios, montou-se uma bomba de efeito retardado com data certa para explodir:

31 de dezembro de 2020, quando finda o FUNDEB. (PINTO, 2007, p. 881).

Neste sentido, segundo a Secretaria de Educação Básica (2004, p. 05) a maior

novidade do FUNDEF foi a mudança da estrutura “de financiamento do Ensino Fundamental

Público no País, pela subvinculação de uma parcela dos recursos da educação a esse nível de

ensino, com distribuição de recursos realizada automaticamente, de acordo com o número de

alunos matriculados em cada rede de ensino fundamental, promovendo a partilha de

responsabilidades entre o governo estadual e os Governos Municipais. As receitas e despesas

correspondentes, por sua vez, deverão estar previstas no orçamento e a execução,

contabilizada de forma específica”.

O Fundo é composto, basicamente, por recursos dos próprios Estados e Municípios,

originários de fontes já existentes, sendo constituído de 15% do:

Page 116: KARINA MELISSA CABRAL

116

• Fundo de Participação dos Estados – FPE.

• Fundo de Participação dos Municípios – FPM.

• Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS (incluindo os

recursos relativos à desoneração de exportações, de que trata a Lei Complementar

nº 87/96).

• Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações – IPIexp.

Além desses recursos, entra na composição do FUNDEF, a título de

complementação, uma parcela de recursos federais, com o objetivo de assegurar um

valor mínimo por aluno/ano aos Governos Estadual e Municipais no âmbito do

Estado onde este valor per capita não for alcançado. (BRASIL, 2004, p. 05-06)

Já o FUNDEB teve início em 1º de janeiro de 2007 e sua base de cálculo:

O total de alunos matriculados na rede pública será considerado na distribuição dos

recursos e o percentual de contribuição dos Estados, Distrito Federal e Municípios

para a formação do Fundo terá atingido o patamar de 20%, calculado sobre as

seguintes fontes de impostos e de transferências constitucionais:

- Fundo de Participação dos Estados (FPE);

- Fundo de Participação dos Municípios (FPM);

- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre prestação de Serviços (ICMS);

- Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp);

- Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e doações de quaisquer bens ou direitos

(ITCMD);

- Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);

- Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (cota-parte dos Municípios) (ITRm);

- recursos relativos à desoneração de exportações de que trata a LC nº 87/96;

- arrecadação de imposto que a União eventualmente instituir no exercício de sua

com-

- petência (cotas-partes dos Estados, Distrito Federal e Municípios);

- receita da dívida ativa tributária, juros e multas relativas aos impostos acima

relacionados.

Além desses recursos, originários dos entes estaduais e municipais, recursos federais

também integram a composição do Fundeb, a título de complementação financeira,

com o objetivo de assegurar o valor mínimo nacional por aluno/ano a cada Estado

ou Distrito Federal, em que este limite mínimo não for alcançado com os recursos

dos próprios governos. (BRASIL, Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação)

No mais, quanto aos recursos complementares da União que compõe o fundo tem-se

- o mínimo de 90% do valor anual, mediante distribuição com base no número de

alunos, na perspectiva da garantia do valor mínimo nacional por aluno/ano; e

- até 10% do valor anual por meio de programas direcionados para a melhoria da

qualidade da educação básica, de acordo com decisão e critérios definidos pela

Comissão Intergovernamental de Financiamento para Educação Básica de

Qualidade.

Caso a Comissão delibere não distribuir os 10% desta maneira, a totalidade dos

recursos da complementação da União serão distribuídos de acordo com o critério

referido do item anterior. (BRASIL, Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação)

Page 117: KARINA MELISSA CABRAL

117

Portanto, no financiamento da educação básica, segundo o FUNDEB,27

os recursos

devem ser empregados exclusivamente em ações de manutenção e de desenvolvimento da

educação básica pública, particularmente na valorização do magistério. E os critérios de

aplicação destes recursos são:

A) 60% do Fundo deve ser destinada à remuneração dos profissionais do magistério

em efetivo exercício na educação básica pública, com vínculo contratual em caráter

permanente ou temporário com o Estado, Distrito Federal ou Município, regido tanto

por regime jurídico específico do ente governamental contratante quanto

pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

B) Os recursos restantes (de até 40% do total) devem ser direcionados para despesas

diversas consideradas como de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE),

realizadas na educação básica, na forma prevista no artigo 70 da Lei nº 9.394/96

(LDB), observado o seguinte critério por ente governamental:

- Estados: despesas com MDE no âmbito dos ensinos fundamental e médio;

- Distrito Federal: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e dos

ensinos fundamental e médio;

- Municípios: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e do ensino

fundamental. (Brasil, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)

Já a Constituição Federal de 1988 determina em relação ao financiamento da educação

e a responsabilidade da União, Estados, Municípios e Distrito Federal que:

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em

regime de colaboração seus sistemas de ensino.

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as

instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função

redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades

educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e

financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação

infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental

e médio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a

universalização do ensino obrigatório. (Redação dada pela Emenda Constitucional

nº 59, de 2009)

§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita

27 O Fundeb foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e

pelo Decreto nº 6.253/2007(1), em substituição ao Fundef, que vigorou de 1998 a 2006. Trata-se de fundo

especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um Fundo por Estado e Distrito Federal, num total de vinte e

sete Fundos), formado por parcela financeira de recursos federais e por recursos provenientes dos impostos e das

transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios vinculados à educação por força do disposto no art.

212 da Constituição Federal. Independentemente da fonte de origem, todo o recurso gerado é redistribuído para

aplicação exclusiva na educação básica.

Page 118: KARINA MELISSA CABRAL

118

resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na

manutenção e desenvolvimento do ensino.

§ 1º - A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não

é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a

transferir.

§ 2º - Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo, serão

considerados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos

aplicados na forma do art. 213.

§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das

necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de

padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

§ 4º - Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no

art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e

outros recursos orçamentários.

§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a

contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do

salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos

matriculados na básica nas respectivas redes públicas de ensino. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

Entretanto, falta ainda a efetiva regulamentação do Sistema Nacional de Educação

para que haja a cooperação entre os entes federados, assunto que detalharemos mais no tópico

destinado a trabalhar a questão da centralização e descentralização.

Para Gatti, Sá Barreto e André o FUNDEB possui os mesmos mecanismos do

FUNDEF, mas com uma gama de impostos maiores e contempla diferentes níveis e

modalidades da educação básica:

O Funbeb opera basicamente com os mesmos mecanismos redistributivos do

Fundef, mas a cesta de impostos que o compõem foi ampliada, assim como o

montante alocado a cada uma delas, uma vez que o fundo passa a contemplar os

diferentes níveis e modalidades da educação básica. Cabe igualmente à União

complementar os recursos do fundo de cada estado, na medida em que o valor médio

ponderado por aluno não alcançar o mínimo definido pelo governo federal, assim

como permanece a subvinculação de 60% dos seus recursos para a remuneração e o

aperfeiçoamento do pessoal docente e dos demais profissionais da educação em

efetivo exercício no setor público. (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 33)

Outros pontos a serem destacados em relação à dimensão “insumos” da qualidade da

educação pública, versam sobre o investimento na mesma, tanto em relação ao financiamento

da educação referente ao percentual do PIB – Produto Interno Bruto destinado a ela, que foi

amplamente discutido no novo Plano Nacional de Educação (decênio 2014-2024) que

determina de 10% do PIB até o final do decênio; como em questões que envolvem a política

salarial do magistério, o plano de carreira destes profissionais, os materiais didáticos

destinados à escola pública – que sabe-se dos problemas vivenciados em relação a nova

Page 119: KARINA MELISSA CABRAL

119

“onda” de apostilamento dos conteúdos curriculares, sem critério ou qualidade – além de

recursos como bibliotecas, laboratórios de informática e etc. Tudo isso está incluso na

dimensão de insumos.

No que se refere ao financiamento da educação o PNE – Plano Nacional de Educação,

Lei n. 13.005/2014, traz como uma de suas diretrizes “estabelecimento de meta de aplicação

de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que

assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade” (art.

2º, VIII), tanto que a Meta 20 determina: “ampliar o investimento público em educação

pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno

Bruto - PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a

10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio”.

E traça como estratégia para que isto ocorra:

20.1) garantir fontes de financiamento permanentes e sustentáveis para todos os

níveis, etapas e modalidades da educação básica, observando-se as políticas de

colaboração entre os entes federados, em especial as decorrentes do art. 60 do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias e do § 1o do art. 75 da Lei no 9.394, de

20 de dezembro de 1996, que tratam da capacidade de atendimento e do esforço

fiscal de cada ente federado, com vistas a atender suas demandas educacionais à luz

do padrão de qualidade nacional;

20.2) aperfeiçoar e ampliar os mecanismos de acompanhamento da arrecadação da

contribuição social do salário-educação;

20.3) destinar à manutenção e desenvolvimento do ensino, em acréscimo aos

recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição Federal, na forma da lei

específica, a parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela

exploração de petróleo e gás natural e outros recursos, com a finalidade de

cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do art. 214 da Constituição

Federal;

20.4) fortalecer os mecanismos e os instrumentos que assegurem, nos termos do

parágrafo único do art. 48 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, a

transparência e o controle social na utilização dos recursos públicos aplicados em

educação, especialmente a realização de audiências públicas, a criação de portais

eletrônicos de transparência e a capacitação dos membros de conselhos de

acompanhamento e controle social do Fundeb, com a colaboração entre o Ministério

da Educação, as Secretarias de Educação dos Estados e dos Municípios e os

Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios;

20.5) desenvolver, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira - INEP, estudos e acompanhamento regular dos

investimentos e custos por aluno da educação básica e superior pública, em todas as

suas etapas e modalidades; (PNE)

Apesar de toda estas proposições trazidas pelo Plano Nacional da Educação a grande

discussão quanto aos insumos e a proposta de investimento de 10% do PIB na educação ao

final do decênio é: como este investimento será de fato aplicado? Esta resposta não possuímos

Page 120: KARINA MELISSA CABRAL

120

e, acreditamos, que seja o grande norte de discussões a partir de agora no que se refere a

insumos.

Tanto que Cury discutindo a questão das políticas públicas de financiamento afirma

que estas se definem como um direito da cidadania, pois são uma intervenção de caráter

igualitário e universal:

Em que pesem as alternativas já reiteradamente apontadas de aumento do porcentual

do PIB para a educação, em que pesem as lacunas verificadas (que podem deixar de

existir), o financiamento da educação escolar representa uma clara intervenção do

poder público em uma área que se define como um direito da cidadania. Essa

intervenção, de caráter igualitário e universal, é, primeiramente, sobre o indivíduo,

face ao ensino fundamental. Como ensino obrigatório, as pessoas na idade própria

não têm escolha: ou vão para a escola ou vão para a escola. (CURY, 2007, p. 849)

Oliveira (2006) acredita que os insumos são indicadores relacionados à remuneração

docente, proporção de alunos por professor, custo-aluno etc. Portanto, não condizem apenas

com o financiamento da educação.

Em 2008 o Conselho Nacional de Educação firmou parceria com a Campanha

Nacional pelo Direito a Educação para elaborar diretrizes para uma educação de qualidade,

considerando o CAQi – Custo Aluno Qualidade como uma estratégia de política pública, em

termos de insumos necessários para se alcançar os padrões de qualidade exigidos por lei.

Quanto ao custo aluno-qualidade (CAQ) Pinto (2006) preleciona que:

Com relação ao ensino fundamental, a mesma EC 14/96 que criou o Fundef, na nova

redação dada ao art. 60 do ADCT, determina que a “União, os Estados e Municípios

ajustarão progressivamente, em um prazo de cinco anos, suas contribuições ao

Fundo, de forma a garantir um valor por aluno correspondente a um padrão mínimo

de qualidade de ensino, definido nacionalmente” (art. 60, § 4º do ADCT). Como se

constata, o próprio legislador que fixou um valor mínimo inicial de R$ 300/aluno

para o FUNDEF entendia que o mesmo não garantiria um padrão mínimo qualidade

de ensino.

Tendo em vista que o prazo definido pela Constituição Federal venceu em 31 de

dezembro de 2001 e nenhuma medida efetiva foi tomada pelo governo federal, a

Campanha Nacional pelo Direito a Educação estabeleceu, em 2002, o custo-aluno

qualidade como uma de suas prioridades. (PINTO, 2006).

O valor do CAQi foi calculado a partir dos insumos essenciais ao desenvolvimento

dos processos de ensino e aprendizagem que levem gradualmente a uma educação de

qualidade, conforme o Parecer CNE/CEB n. 8/2010 que aguarda homologação.

Importa demonstrar também o quanto o investimento, a dimensão insumo da qualidade

da educação, influência de fato nas percepções identificadas em cada região e Estado

Page 121: KARINA MELISSA CABRAL

121

brasileiro, sobretudo, nas diferenças entre alguns Estados que representam, no gráfico abaixo,

as regiões brasileiras.

O que se percebe, portanto, é que no ensino fundamental nos anos iniciais o estado

com maior investimento por aluno (R$ 3.996,75) é São Paulo, na região Sudeste, e o com

menor investimento é o Ceará (R$2.206,91), na região Nordeste. O mesmo acontece nos anos

finais do ensino fundamental.

Assim, se considerarmos que a região Norte é a que apresenta menos CAO’s para

atendimento às questões da educação, não havendo nenhum CAOE; e que a região Sudeste é a

que possui a maior parte destes Centros de Apoio Operacional da Defesa da Educação. E que

os representantes do Ministério Público têm como suas atribuições, segundo o ECA, exigir a

prevalência orçamentária para políticas públicas destinadas às crianças e adolescentes,

percebe-se que há um consenso. Porém, que a diferenciação regional é bastante significativa.

E esta diferenciação demonstra que no que concerne à dimensão processos da

qualidade do ensino fundamental, faz-se necessário que estas sejam observadas, pois indicam

algumas peculiaridades sociais, culturais e econômicas relevantes para que sejam construídos

critérios de dentro para fora da escola de forma participava e democrática.

Gráfico 11. Diferença entre valor por aluno em estados selecionados – 2009

Fonte: Relatório de pesquisa Perfil dos Gastos Educacionais nos Municípios Brasileiros – Ano base: 2009, 2012,

p. 24

Page 122: KARINA MELISSA CABRAL

122

Quanto ao tema, Pinto destaca ainda que

A linha que norteou o trabalho dos grupos foi que, nas condições atuais de oferta da

educação no país, onde não se garante nem um patamar mínimo de recursos para as

escolas, como se mostrou na primeira parte deste trabalho, qualidade é um conceito

claramente objetivo, e que passa pela existência de escolas com infraestrutura e

equipamentos adequados, professores bem formados e remunerados, razão

alunos/turma e alunos/professor que viabilizem o ensino e a aprendizagem (PINTO,

2006).

Assim, foram considerados pela Campanha os seguintes insumos fundamentais para se

assegurar um patamar mínimo de qualidade de ensino:

Tamanho: considera-se que as escolas não devem nem ser muito grandes (o que dificulta as

práticas de socialização e aumenta a indisciplina), mas, ao mesmo tempo, devem ter um

número de alunos que permita à maioria dos professores lecionar em apenas uma escola;

Instalações: assegurando-se salas ambientes (bibliotecas, laboratórios etc), espaços de

alimentação, lazer e de prática desportiva, com dotação orçamentária para uma manutenção

adequada;

Recursos didáticos em qualidade e quantidade, aqui incluídas as tecnologias de comunicação

e informação, garantidos os recursos para a manutenção dos equipamentos;

Razão alunos/turma que garanta uma relação mais próxima entre os professores e seus

alunos;

Remuneração do pessoal: assegurar um piso salarial nacionalmente unificado, associado ao

grau de formação dos trabalhadores da educação e um plano de ascensão na carreira que

estimule a permanência na profissão;

Formação: dotação anual de recursos financeiros para a formação continuada de todos os

profissionais da escola;

Jornada de trabalho: definição de jornada semanal de 40 horas, com 20% da mesma, no caso

dos professores destinados a atividades de planejamento, avaliação e reuniões com os pais,

cumpridas nas escolas. No caso das creches (0 a 3 anos), optou-se pela jornada padrão de 30

horas semanais para os professores, também com 20% para atividades complementares;

Jornada do aluno: fixação de uma jornada mínima de 10 horas/dia, no caso das creches (cuja

média nacional já é superior a 8 horas/dia) e de 5 horas/dia, nas demais etapas (cuja média

nacional é um pouco acima de 4 horas/dia);

Projetos especiais da escola: garantia de um repasse mínimo de recursos para que as escolas

possam desenvolver atividades próprias previstas em seu projeto pedagógico;

Gestão democrática: entende-se que a gestão democrática envolve uma série de aspectos que

não possuem, necessariamente, um impacto monetário no custo aluno, mas é evidente que

quando se propicia a jornada exclusiva do professor em uma escola, o tempo remunerado

para atividades extraclasse, a proximidade da escola das residências dos alunos, um menor

número de alunos/turma e de alunos/escola, todas estas medidas, facilitam muito (embora não

assegurem) a construção de relações mais democrática em sala de aula e na escola. (PINTO,

2006)

Portanto, para o Custo Aluno-Qualidade Inicial, Pinto (2006) salienta que eles

trabalharam “com a ideia de agregar os diferentes insumos que asseguram o bom

funcionamento de uma unidade escolar (Lei 9.394/96, artigo 4o, inciso IX)”.

Tanto que o PNE – Plano Nacional de Educação (2014-2024), aprovado neste ano,

destaca entre suas metas a ampliação do investimento na educação pública por meio da

implantação do CAQi, justificando-a na importância para alcançar o padrão mínimo de

Page 123: KARINA MELISSA CABRAL

123

qualidade. O prazo de acordo com o PNE para que o CAQi seja implementado é de dois anos

a partir da vigência desta lei, ou seja, até 25 de junho de 2016.

O PNE, como já apresentado em momento anterior, foi elaborado tendo como

proposta a melhoria da qualidade da educação pública e um dos aspectos apresentados pela

nova lei é o investimento na educação de forma direcionada por meio do CAQi, que será

“referenciado no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo

financiamento será calculado com base nos respectivos insumos indispensáveis ao processo

de ensino-aprendizagem e será progressivamente reajustado até a implementação plena do

Custo Aluno Qualidade – CAQ” (PNE, 20.6); entretanto, nota-se que se o CAQi baseia-se no

conjunto de padrões mínimos, estes precisam ser estabelecidos pela legislação educacional

para que a meta possa de fato ter sua eficácia.

Outro aspecto importante que vincula a implementação do CAQi segundo o PNE é a

utilização do mesmo “como parâmetro para o financiamento da educação de todas etapas e

modalidades da educação básica, a partir do cálculo e do acompanhamento regular dos

indicadores de gastos educacionais com investimentos em qualificação e remuneração do

pessoal docente e dos demais profissionais da educação pública, em aquisição, manutenção,

construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino e em aquisição

de material didático-escolar, alimentação e transporte escolar” (PNE, 20.7)

É importante destacar ainda que o CAQi será “definido no prazo de 3 (três) anos e será

continuamente ajustado, com base em metodologia formulada pelo Ministério da Educação -

MEC, e acompanhado pelo Fórum Nacional de Educação - FNE, pelo Conselho Nacional de

Educação - CNE e pelas Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e de Educação,

Cultura e Esportes do Senado Federal” (PNE, 20.8), ou seja, há uma incoerência de datas,

pois se ele necessita ser implementado em dois anos, como pode ser definido em até três

anos? Esta é uma das muitas discussões que os educadores ainda terão que enfrentar.

Na tabela abaixo verificamos o gasto de cada país por aluno nos anos iniciais do

ensino fundamental, no ano de 2006, conforme publicação da UNESCO. “Os valores estão

em US$ PPP (paridade de poder aquisitivo, em dólares). Trata-se de uma medida

internacional que permite comparações entre os países e que considera as diferenças de custo

de vida entre eles e não apenas o câmbio comercial” (CAMPANHA NACIONAL PELO

DIREITO A EDUCAÇÃO, 2011, p. 15).

Page 124: KARINA MELISSA CABRAL

124

Tabela 2. Gasto por aluno nos anos iniciais do ensino fundamental

FONTE: UNESCO, 2006 apud CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A EDUCAÇÃO, 2011.

A tabela acima nos mostra o parco investimento brasileiro de 1.005 dólares por

paridade de poder aquisitivo para os anos iniciais do ensino fundamental. Nosso investimento

é menor que o da Colômbia, do México, da Argentina, da Costa Rica e do Chile.

Comparando-nos aos EUA que é o primeiro da listagem, nosso investimento corresponde a

apenas 12,26% do que é investido pelos americanos por aluno, ou seja, investimos oito vezes

menos em nossos alunos e cerca de um quinto do que investem França, Portugal ou Espanha.

Há um estudo realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação de 2005 que

calculou o CAQi para as todas as etapas da educação básica e atualizou o valor para 2009.

Este estudo destaca que “na hora de calcular o Custo Aluno-Qualidade Inicial, são quatro os

fatores que mais geram impactos no valor do CAQi e que estão diretamente ligados à

melhoria da qualidade da educação” (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A

EDUCAÇÃO, 2011, p. 28), são eles:

Page 125: KARINA MELISSA CABRAL

125

O tamanho da creche ou da escola.

É fato que escolas e creches muito grandes geralmente são mais baratas para o poder

público, porque nelas cabem muitos estudantes e muitas crianças. Mas, muitas

vezes, apresentam problemas de gestão, indisciplina e não garantem um tratamento

às especificidades dos alunos. Para desenvolver o cálculo do CAQi, a Campanha

optou por um tamanho médio que se aproximasse da maioria das unidades existentes

no País, evitando escolas e creches muito grandes. Além disso, podem ser

elaborados CAQis para diferentes padrões de tamanho, considerando as

especificidades regionais e locais.

A jornada dos alunos e das crianças.

A Campanha defende que o Brasil garanta educação em período integral para todas

as crianças, adolescentes, jovens e adultos na educação básica, ou seja, de manhã e à

tarde. Mas, para calcular esse primeiro passo que é o CAQi, a Campanha optou pelo

período integral (de 10 horas) somente para creches, destinadas a crianças de 0 a 3

anos de idade, pois, para essa faixa etária, o atendimento já ocorre majoritariamente

em tempo integral no País. Para as outras etapas e modalidades, a Campanha propôs

um CAQi que permita a expansão da jornada escolar para 5 horas. Pode-se dizer

que, em muitas escolas, em especial para as turmas do noturno, nem o mínimo legal

de 4 horas por dia é assegurado.

Número de alunos(as) ou crianças por turma.

Para superar o quadro atual da educação no Brasil, marcado pelo número excessivo

de crianças e alunos por turma, a Campanha fixou um número-limite de crianças e

alunos para as diferentes etapas da educação básica. Esses números têm como

referência inicial a relação prevista no projeto original da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (o chamado “substitutivo de Jorge Hage”) e no documento

Subsídios para credenciamento e funcionamento de instituições de educação infantil,

produzido pelo Ministério da Educação em 1998. São eles:

• educação infantil: creche (até 13 crianças) e pré-escola (até 20 alunos);

• ensino fundamental: séries iniciais (até 24 alunos) e anos finais (até 30 alunos);

• ensino médio: até 30 alunos. • ensino fundamental do campo: anos iniciais (até 14

alunos) e anos finais (até 25 alunos).

Os salários dos profissionais da educação constituem o insumo de maior impacto

sobre o CAQi, representando quase 80% do valor do CAQi.

A Campanha assumiu como ponto de partida o Acordo Nacional de Valorização do

Magistério da Educação Básica, assinado em 1994, no governo Itamar Franco, que

fixava R$ 300 por mês por uma jornada de trabalho de 40 horas semanais, tendo

como referência 1/7/1994. Dessas 40 horas, consideramos 26 horas em atividades

com os alunos e 14 para atividades extraclasse, nos termos da Lei do Piso Salarial

Nacional.

Notadamente são muitas as variáveis que interferem e devem ser levadas em

consideração para o cálculo do CAQI. Assim, para exemplificar o estudo da Campanha

Nacional pelo Direito a Educação revela que para implantar uma escola “para os anos iniciais

do ensino fundamental (1º a 5º ano), com 480 alunos, 20 salas com no máximo 24 alunos

(para que as turmas não fiquem lotadas), e 20 professores, considerando 50%deles com nível

superior, trabalhando 40 horas semanais”, serão necessários o custo do prédio com área total

construída de 1.470 m² seria de R$ 1,5 milhão e o custo dos equipamentos e do material

permanente para essa escola seria estimado em R$ 369.120,00. Assim, o custo por aluno

obtido para essa escola seria de R$ 2.082,00 (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A

EDUCAÇÃO, 2011), conforme tabela abaixo:

Page 126: KARINA MELISSA CABRAL

126

Tabela 3. CAQi dos anos iniciais do ensino fundamental

Fonte: CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A EDUCAÇÃO, 2011, p. 41

Para viabilizar o CAQi é necessário um aumento do investimento educacional dos

atuais 4% do PIB para 5%, entretanto, pensando no aumento das matrículas para cumprimento

da EC 59/2009 (educação infantil e ensino médio) será necessário alcançarmos a proposta de

PIB do novo PNE.

Os insumos são entendidos também no aspecto de investimento na promoção da

valorização dos profissionais da educação, o que requer a valorização de sua remuneração,

instituição de planos de carreira, promoção de formação inicial e continuada, e propiciar

adequadas condições de trabalho. Isto porque, conforme o Parecer CNE/CEB n. 8/2010

“todos os estudos internacionais mostram que a qualidade da aprendizagem esta diretamente

Page 127: KARINA MELISSA CABRAL

127

relacionada com a qualidade da formação do professor; sem bons professores não teremos

bons alunos”.

O PNE novamente traz o reconhecimento da importância da valorização do

profissional da educação por meio de sua remuneração, afirmando que é necessário “valorizar

os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar

seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o

final do sexto ano de vigência deste PNE” (BRASIL, PNE, Meta 17), para tanto propõe como

estratégias:

Estratégias:

17.1) constituir, por iniciativa do Ministério da Educação, até o final do primeiro

ano de vigência deste PNE, fórum permanente, com representação da União, dos

Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos trabalhadores da educação, para

acompanhamento da atualização progressiva do valor do piso salarial nacional para

os profissionais do magistério público da educação básica;

17.2) constituir como tarefa do fórum permanente o acompanhamento da evolução

salarial por meio de indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -

PNAD, periodicamente divulgados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística - IBGE;

17.3) implementar, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, planos de Carreira para os (as) profissionais do magistério das redes

públicas de educação básica, observados os critérios estabelecidos na Lei n 11.738,

de 16 de julho de 2008, com implantação gradual do cumprimento da jornada de

trabalho em um único estabelecimento escolar;

17.4) ampliar a assistência financeira específica da União aos entes federados para

implementação de políticas de valorização dos (as) profissionais do magistério, em

particular o piso salarial nacional profissional. (BRASIL, PNE, Meta 17)

Neste sentido, a Lei no 11.738/2008 estabelece o piso salarial para o profissional do

magistério vinculando ainda o percentual de 33% da carga horária de trabalho do professor

para atividades extraclasse. Porém, apesar de aprovada no legislativo federal e sancionada

pelo Presidente da República, esta Lei foi questionada por governadores de alguns Estados no

Supremo Tribunal Federal, sendo que em 27 de fevereiro de 2013, o STF no julgamento dos

embargos negou na íntegra o pedido dos governadores para adiar a aplicação da mesma e,

consequentemente, do piso salarial dos professores destes Estados por mais um ano e meio.

O STF, em sua decisão, deixou claro que a data de vigência do piso salarial é 27 de

abril de 2011, data do julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIn

4.167, e que este deve ser pago por todos os estados e municípios como vencimento inicial

das carreiras de magistério (sem qualquer tipo de gratificação ou abono). A consequência

desta decisão, conforme esclarece a CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em

Educação é que “os estados e municípios estão isentos de qualquer passivo retroativo no

Page 128: KARINA MELISSA CABRAL

128

tocante ao pagamento do piso como vencimento de carreira (não cabem ações judiciais para

requerer os impactos dos valores nominais do piso nos planos de carreira, entre julho de 2008

e abril de 2011)” (CNTE, Nota Pública, 10/03/2013).

É importante esclarecer que esta decisão do STF de 2008 foi uma liminar e teve

caráter erga omnes, ou seja, tornou-se obrigatória para cumprimento por toda a administração

pública, sendo que sua vigência se estendeu até o julgamento do mérito da ADIn 4.167.

CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. PACTO FEDERATIVO E REPARTIÇÃO

DE COMPETÊNCIA. PISO NACIONAL PARA OS PROFESSORES DA

EDUCAÇÃO BÁSICA. CONCEITO DE PISO: VENCIMENTO OU

REMUNERAÇÃO GLOBAL. RISCOS FINANCEIRO E

ORÇAMENTÁRIO. JORNADA DE TRABALHO: FIXAÇÃO DO TEMPO

MÍNIMO PARA DEDICAÇÃO A ATIVIDADES EXTRACLASSE EM 1/3 DA

JORNADA. ARTS. 2º, §§ 1º E 4º, 3º, CAPUT, II E III E 8º, TODOS DA LEI

11.738/2008. CONSTITUCIONALIDADE. PERDA PARCIAL DE OBJETO.

1. Perda parcial do objeto desta ação direta de inconstitucionalidade, na medida em

que o cronograma de aplicação escalonada do piso de vencimento dos professores da

educação básica se exauriu (arts. 3º e 8º da Lei 11.738/2008).

2. É constitucional a norma geral federal que fixou o piso salarial dos professores do

ensino médio com base no vencimento, e não na remuneração global. Competência

da União para dispor sobre normas gerais relativas ao piso de vencimento dos

professores da educação básica, de modo a utilizá-lo como mecanismo de fomento

ao sistema educacional e de valorização profissional, e não apenas como

instrumento de proteção mínima ao trabalhador.

3. É constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da

carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às atividades

extraclasse. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Perda de

objeto declarada em relação aos arts. 3º e 8º da Lei 11.738/2008. (STF. ADI 4167.

Relator Ministro Joaquim Barbosa. Divulgação: DJe de 23.08.2011, pág 27.)

Nota-se na decisão acima que o STF julgou improcedente a ADin proposta pelos

governos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Paraná e Ceará, neste

caso considera-se que a lei que fixa o piso nacional dos professores é constitucional e os

Estados devem ao determinar o piso salarial dos profissionais da educação ter por base o seu

vencimento e não a remuneração global (bônus e gratificações), bem como reservar o

percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às

atividades extraclasse.

Os representantes dos Estados, partes nesta ação, tinham prazo de cinco dias para

interpor embargos de declaração à decisão do STF, citando possíveis obscuridades,

contrassensos ou supressões na decisão, a CNTE esclarece que “essa ação (muitas vezes

protelatória, e única possibilidade de recurso ao julgamento) não suspende a eficácia da

decisão. Ou seja: a Lei 11.738 deve ser aplicada imediatamente”, neste caso os governos do

Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul apresentaram manifestação, porém Santa

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129

Catarina e Ceará não interpuseram os embargos de declaração, encontrando-se os autos

conclusos ao relator desde 20 de maio de 2014.

Neste sentido, na região Nordeste onde há um maior número de CAO’s voltados para

cidadania e três CAO’s específicos de educação, o Estado do Ceará encontra-se em vias de

um movimento do Sindicato APEOC, gestores de escolas e representantes de entidades em

busca de uma posição do Ministério Público Estadual quanto à carência de professores e a

necessidade de urgente contratação de educadores na rede estadual de ensino.

Segundo o Sindicato APEOC um “documento bem fundamentado sobre o Direito à

Educação será protocolado [...]”.

O Sindicato APEOC, assim, dá continuidade ao processo de cobrança que a

entidade vem fazendo, há semanas, junto ao Ministério Público, buscando uma

urgente solução para o caso da não contração de professores na rede estadual neste

período eleitoral. A falta de professores em várias disciplinas tem causando sérios

prejuízos para os estudantes das escolas da capital e interior do Estado” (MOREIRA,

Diário do Nordeste, 04/09/2014).

O Estado do Ceará faz parte dos Estados que ingressaram com a ADIn para suspensão

do piso da categoria dos profissionais da educação e este Estado possui o menor investimento

por aluno do Brasil (R$2.206,91). Em 2012 neste Estado, no município de Fortaleza, foi

instituído o Pacto de Responsabilidade Social e Pedagógica pelos estudantes da rede pública

de Fortaleza elaborado pela Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza que tinha como

objetivo regularizar o calendário escolar da rede municipal de ensino até 2014 e para isso

subtraiu até 22 dias do ano letivo de 2012, o que contraria a LDB e o direito à educação dos

estudantes, pois traz grandes prejuízos a aprendizagem, contrariando qualquer proposta de

qualidade educacional. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação se posicionou

publicamente contrária a este pacto:

Ademais, considerando que a pior solução se refere ao 6º e 9º ano, fica também

manifesto um erro comum no Brasil: a priorização quase exclusiva à alfabetização,

em detrimento de uma compreensão abrangente e justa de qualidade da Educação

Básica, que começa na Educação Infantil e é concluída no Ensino Médio.

Por fim, se as questões pedagógica e jurídica são falhas no referido Pacto, o aspecto

da Responsabilidade Social é temerário. No sexto parágrafo, ao buscar justificativa

para a redução do ano letivo de 2012, o texto afirma que o “absenteísmo torna-se

particularmente evidente no mês de janeiro, quando, em regra, todos os outros

alunos brasileiros estão de férias e quando a alta estação turística em Fortaleza faz

que muitos alunos se vejam obrigados a sacrificar a frequência às aulas [de

reposição] pela oportunidade de contribuir na complementação do orçamento

familiar, ajudando seus pais no comércio ambulante e noutras formas de prestação

de serviços aos turistas que para aqui afluem em grande quantidade”. (CARA, 2013)

Page 130: KARINA MELISSA CABRAL

130

Estes fatos corroboram a falta de zelo da Administração Pública municipal e estadual

com a qualidade da educação dos estudantes cearenses.

A pesquisa de Gusmão com vários atores sociais, do Estado e de ONG’s verificou que

há um dissenso entre o entendimento sobre a valorização do professor vinculado a questão

salarial:

Para o coordenador da Campanha, se todos reconhecem a centralidade do professor

na promoção da qualidade, as políticas relacionadas ao magistério são focos de

divergência que se refletiriam na “corrente economicista” e na fundamentada na

“perspectiva dos direitos”; o tema salarial seria um ponto de oposição dessas

correntes. Para ele, “há quem acredite que o professor é central, mas que não precisa

ganhar um salário justo. Buscam outras formas de resolver a centralidade do

educador no processo educacional”. (GUSMÃO, 2013, p. 118)

Há, porém outra discussão que se refere à bonificação dos professores, decorrentes da

implementação do IDEB, com a qual não concordamos da forma com que é proposta:

O tema do salário foi ainda polemizado com as propostas de bonificação por mérito.

Entre os que defendem os bônus (de forma declarada, apenas a especialista do

Banco Mundial se disse a favor), argumenta-se que funciona como um incentivo à

dedicação e ao comprometimento dos professores com um ensino capaz de ser

traduzido em um bom desempenho de estudantes. Os que se opõem (representantes

da ANPEd, do CNE, da CNTE e do MEC) opinam que um sistema baseado em

prêmios (e punições) não funciona, pois gera disputa e competição onde deve reinar

solidariedade e cooperação. Outro argumento é o de que as propostas de bonificação

por mérito partem de um entendimento que responsabiliza o professor pelo fracasso

do desempenho dos alunos. Segundo Daniel Cara, paradoxalmente, o ponto de maior

consenso seria justamente o de maior dissenso quando o assunto é qualidade da

educação. (GUSMÃO, 2013, p. 118)

Desta forma, é fato que a qualidade da educação brasileira só será alcançada quando

houver uma “grande melhoria do padrão de remuneração e qualificação do magistério, além

da permanente capacitação das redes estaduais e municipais”, conforme salienta Gatti, Sá

Barreto e André (2011, p. 35), que continuam esclarecendo que:

Essa transformação impõe a construção de um sistema nacional de educação e um

papel mais robusto e incisivo do governo federal na redistribuição dos recursos

fiscais e na consolidação de um Fundo Nacional de Educação capaz de suprir as

demandas da educação básica que o conjunto de fundos estaduais representados pelo

Fundeb não consegue contemplar devidamente. (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ,

2011, p. 35)

Porém, não é só o salário do professor que se insere na questão de insumos, mas

também as condições de trabalho que no Brasil representam um desafio adicional, tanto pelas

demandas de violência, como das drogas, mas também pelas condições internas de trabalho na

Page 131: KARINA MELISSA CABRAL

131

escola. E neste ínterim, discute-se o problema da implementação de jornada de 40 (quarenta)

horas semanais para o professor, em tempo integral em uma mesma escola, com demais

condições adequadas de trabalho e infraestrutura apropriadas, como biblioteca, laboratórios, e

ambientes para atividades artístico-culturais e sócio-desportivas”. (Parecer CNE/CEB n.

8/2010).

Neste sentido, os PCN’s já indicavam que:

A busca da qualidade impõe a necessidade de investimentos em diferentes frentes,

como a formação inicial e continuada de professores, uma política de salários dignos

e plano de carreira, a qualidade do livro didático, recursos televisivos e de

multimídia, a disponibilidade de materiais didáticos. Mas esta qualificação almejada

implica colocar, também, no centro do debate, as atividades escolares de ensino e

aprendizagem e a questão curricular como de inegável importância para a política

educacional da nação brasileira. (PCN, Volume 1, Introdução, pp.13/14).

Quanto ao plano de carreira o PNE em sua meta 18 assegura que haverá “no prazo de

2 (dois) anos, a existência de planos de Carreira para os (as) profissionais da educação básica

e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de Carreira dos (as)

profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional

profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição

Federal”, o que deixa claro a busca por um reconhecimento do profissional da educação e que

este se faz por meio de um plano de carreira e de remuneração compatível com sua dedicação

e tempo de estudo.

Este contexto faz com que tenhamos cada vez menos professores interessados em

lecionar no ensino público brasileiro e isto também se caracteriza como uma omissão da

Administração Pública, pois ela inviabiliza o direito à educação:

STF – AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO n° 594.018-7 – Acórdão

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. CARÊNCIA DE PROFESSORES. UNIDADES DE ENSINO

PÚBLICO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO

FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. ARTS. 205, 208, IV E

211, PARÁGRAFO 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A educação é um

direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar

meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado

pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa

afronta à Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que “[a]

educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se

expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da

Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo

governamental[...]. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e

Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se

possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases

excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela

Page 132: KARINA MELISSA CABRAL

132

própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais

inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos

políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a

comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura

constitucional”. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.

Alves e Pinto (2011) destacam que a baixa remuneração dos profissionais da educação

é uma das principais causas de sua insatisfação com a profissão e, consequentemente, do

abandono da mesma, especialmente quando comparado aos salários recebidos por outros

ramos profissionais. A pesquisa demonstra também que:

1) quanto mais jovem o alunado com que trabalha, menor a remuneração média

do(a) professor(a) – o que pode vir a impactar a ampliação e o desenvolvimento da

educação infantil;

2) a rede estadual, no geral, apresenta os maiores valores salariais relativos, mas há

diferenças consideráveis nos salários médios dos professores nos contextos

estaduais;

3) em 12 estados, os professores sem formação superior recebem rendimentos

mensais inferiores ao piso nacional;

4) em dez estados, professores com formação em nível superior apresentam salários

médios que não chegam a R$ 1.500,00;

5) a rede privada de ensino, na média do país, paga menos o(a) professor(a) do que a

rede pública;

6) a remuneração na rede privada mostra-se maior apenas no ensino médio;

7) os professores apresentam rendimento médio significativamente aquém daquele

obtido por profissionais com nível de formação equivalente;

8) os professores compõem o grupo de ocupações com menores rendimentos entre

as ocupações de nível superior no grupo de profissões assemelhadas. (ALVES;

PINTO, 2011, p. 133)

Conforme a tabela abaixo, podemos comparar os valores percebidos pelos professores

em cada etapa da educação que lecionam e a precarização salarial:

Tabela 4. Salário dos professores

Fonte: ALVES; PINTO, 2011, p. 133

Page 133: KARINA MELISSA CABRAL

133

A tabela acima demonstra que o profissional da educação que percebe maiores salários

é o profissional do ensino médio. No mais, há ainda em relação à valorização dos professores

outra situação que é muito comum e que gera vários problemas na qualidade educacional: a

contratação temporária de docentes.

Segundo a Campanha Nacional pela Defesa da Educação (2011) em um estudo

atualizado até 2009 o plano de carreira e salário dos professores deveria ser para um professor

com nível superior, urbano, com carga horária semanal de 30h, inicial de R$1.519,00 e final

de R$3.038,00 e por 40 horas semanais, inicial de R$2.025,00 e final de R$4.050,00.

Tabela 5. Plano Inicial de cargos e salários

Fonte: CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A EDUCAÇÃO, 2011, p. 34

Segundo Gatti, Sá Barreto e André esta condição afeta várias situações educacionais

desde a profissionalização docente, a formação continuada e progressiva de quadros, a

formação de equipes nas escolas e, em decorrência, a qualidade do ensino, pois precariza o

ensino:

A condição de contrato temporário de docentes, não conduzindo à estabilidade e à

progressão profissional, gera nas redes alguns problemas que mereceriam melhor

consideração, pois afetam a própria profissionalização docente, a formação

continuada e progressiva de quadros, a formação de equipes nas escolas e, em

Page 134: KARINA MELISSA CABRAL

134

decorrência, a qualidade do ensino. A precariedade dos contratos de trabalho traz

consigo rodízio excessivo de professores, instabilidade das equipes escolares e, até

mesmo, desistências da profissão. São questões importantes a serem consideradas

pelas políticas relativas aos docentes, dado que interferem diretamente no trabalho

cotidiano das escolas, na aprendizagem dos alunos e no seu desenvolvimento,

causando também desperdício financeiro no que se refere aos investimentos

formativos em serviço. (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 85)

A profissionalização docente se fará quando alcançarmos não só um patamar salarial

adequado, mas um plano de carreira e boas condições de trabalho, pois o que se percebe é

uma culpabilização dos profissionais da educação pelo mau rendimento escolar dos alunos

quando na verdade sabemos que os problemas da escola não se encerram com professores

bem pagos e bem preparados, isto porque não lhes é dada condições reais de trabalho.

Vivenciamos professores agredidos em escolas, professores que sofrem assédio moral por

parte de outros profissionais da educação, entre outras inúmeras situações absurdas.

Neste sentido, Campos traz com precisão a situação atual:

É preciso reconhecer que muitas políticas adotadas na área de educação têm

procurado criar melhores condições de ensino nas redes públicas. Porém, algumas

iniciativas carregam consigo a responsabilização do professor pelos resultados

negativos da aprendizagem dos alunos, sem considerar a realidade difícil vivida por

muitas escolas e o fato de que o professor de hoje é resultado de muitas décadas de

descaso com a educação, durante as quais o seu salário foi rebaixado, sua carga de

trabalho, aumentada, a formação aligeirada, e sua posição na sociedade, deteriorada.

Com efeito, a profissão docente, que já havia perdido o antigo prestígio, passou a ser

considerada como algo provisório, uma ocupação não desejada, que se aceita, na

falta de outra. Esta é a situação real do protagonista que as reformas procuram eleger

como o principal fator determinante da qualidade do ensino. (CAMPOS, 2008, p.

122)

Os professores são apenas uma das muitas peças neste “tabuleiro de xadrez” chamado

educação pública, onde para se alcançar sua qualidade todos os “peões” devem jogar juntos e

com os mesmo objetivos e fundamentos.

E isto tudo é importante destacar porque o objeto de trabalho da ação docente é o

sujeito, conforme esclarece Paro:

Este se diferencia de maneira radical do trabalho na produção tipicamente

capitalista, porque seu objeto de trabalho (o aluno) precisa ser também sujeito, ou

seja, ele é coprodutor num processo de trabalho que tem por fim a formação de sua

personalidade em termos humano-históricos. Como sujeito, somente com o

envolvimento de sua vontade o processo ensino-aprendizado pode dar-se; do que

decorre que o trabalhador (o professor) também precisa ser um sujeito, um portador

de vontade (orientada para o ensino). (PARO, 2012, p. 588)

Page 135: KARINA MELISSA CABRAL

135

E por isso, devem-se oferecer condições plausíveis de trabalho na instituição escolar e

estas devem começar pela preocupação com relação à formação docente, inicial e continuada.

Neste sentido, há uma compreensão ampla do direito à educação no que se refere aos

insumos como: vagas em creche e escolas, transporte para alunos, exoneração e promoção de

profissionais da educação e educação especial. Porém, é muito mais complexo encontrarmos

decisões em nossos Tribunais que versem sobre as avaliações externas em larga escala

(resultado) e a relação ensino aprendizagem no âmbito educacional, exigindo-a como uma das

dimensões da qualidade educacional:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

DISPONIBILIZAÇÃO DE VAGA PARA CRIANÇAS EM CRECHE

MUNICIPAL. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA. FATO

IMPEDITIVO DO DIREITO DO AUTOR. ÔNUS DA PROVA. ART. 333, II, DO

CPC. PRECEDENTES DO STJ. 1. Nos termos do art. 333 do Código de Processo

Civil, cabe ao autor demonstrar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito

(inciso I) e ao réu invocar circunstância capaz de alterar ou eliminar as

consequências jurídicas do fato aduzido pelo demandante (inciso II). 2. Apresentada

defesa indireta, na qual se sustenta fato impeditivo do direito da parte autora, a regra

se inverte, pois, ao aduzir fato impeditivo, o réu implicitamente admite como

verídica a afirmação básica da petição inicial, que, posteriormente, veio a sofrer as

consequências do evento superveniente. Por conseguinte, as alegações trazidas pelo

autor tornam-se incontroversas, dispensando, por isso, a respectiva prova. 3. O

direito de ingresso e permanência de crianças com até seis anos em creches e pré-

escolas encontra respaldo no art. 208 da Constituição Federal. Por seu turno, a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação, em seu art. 11, V, bem como o ECA, em seu art.

54, IV, atribui ao Ente Público o dever de assegurar o atendimento de crianças de

zero a seis anos de idade em creches e pré-escolas. 4. Em se tratando de causa

impeditiva do direito do autor, concernente à oferta de vagas para crianças com até

três anos e onze meses em creches mantidas pela municipalidade, incumbe ao

recorrente provar a suposta insuficiência orçamentária para tal finalidade, nos termos

do art. 333, II, do CPC. Precedentes do STJ. 5. Recurso Especial não provido. (REsp

474.361/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado

em 04/06/2009, DJe 21/08/2009)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ECA. DIREITO À

EDUCAÇÂO. TRANSPORTE ESCOLAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

BLOQUEIO DE VERBAS. POSSIBILIDADE. A vedação à concessão de liminar

contra a Fazenda Pública, nos casos em que se esgote no todo ou em parte o objeto

da ação, contida no § 3º do art. 1º da Lei 8.437/92, cede ante situações especiais,

face ao princípio constitucional que garante a efetividade e a tempestividade da

tutela jurisdicional. Descabida a pretensão de chamamento do ente municipal ao

processo, tendo em vista a ausência de termo de cooperação que obrigue o

Município a realizar o transporte escolar dos alunos matriculados na rede estadual de

ensino. Incumbe ao Poder Público assegurar o acesso à educação à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, proporcionando meios que materializem o

direito constitucionalmente assegurado. Consoante disposição expressa na

Constituição Estadual, em seu art. 216, § 3º, o Estado fornecerá transporte escolar

como forma de garantir o acesso dos alunos à escola. Não celebrado convênio com o

Município em questão, incumbe ao agravante o fornecimento do transporte escolar

aos alunos matriculados na rede estadual de ensino fundamental, no período noturno,

e que residem a mais de 3km da escola. Para efetividade da ordem judicial, é

possível o bloqueio de verbas públicas, medida que se mostra menos gravosa à

sociedade e que visa a tornar efetiva a ordem judicial, garantindo aos alunos o

Page 136: KARINA MELISSA CABRAL

136

transporte escolar de que necessitam. AGRAVO DE INSTRUMENTO

DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70027525237, Sétima Câmara Cível,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em

11/03/2009)

ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ENSINO PUBLICO. LEI

MUNICIPAL QUE INTRODUZ O SISTEMA DE ELEICAO DE DIRETOR E

VICE-DIRETOR DE ESCOLA PUBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE DO

PAR-UNICO, ART-129, DA LEI ORGANICA, E DA LEI Nº 1900/99, NA SUA

INTEGRALIDADE, DO MUNICIPIO DE VACARIA, QUE ESTABELECERAM

A INDICACAO, ATRAVES DE VOTACAO PELA COMUNIDADE ESCOLAR,

DE DIRETOR E VICE-DIRETOR DE ESCOLA MUNICIPAL. SISTEMA QUE

SUBTRAI DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE

NOMEAR E EXONERAR, LIVREMENTE, SERVIDOR DE CARGO EM

COMISSAO E DISPOR SOBRE A ORGANIZACAO E FUNCIONAMENTO DA

ADMINISTRACAO MUNICIPAL. VIOLACAO AS REGRAS DOS ARTIGOS 20,

32 E 82, VII, OBSERVADO O DISPOSTO NO ART-8º, TODOS DA

CONSTITUICAO ESTADUAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

REPRESENTACAO ACOLHIDA. ACAO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

(AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70004453510,

TRIBUNAL PLENO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LUIZ ARI

AZAMBUJA RAMOS, JULGADO EM 30/09/2002) (NLPM)

ECA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDUCAÇÃO ESPECIAL. O atendimento

educacional especial às crianças e adolescentes portadores de deficiência é direito

constitucional e legalmente assegurado, impondo-se a sua satisfação ao ente público

competente. Apelo desprovido e sentença confirmada em reexame necessário.

(APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Nº 70004911582, SÉTIMA CÂMARA

CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: MARIA BERENICE

DIAS, JULGADO EM 07/05/2003)

Para Pinto (2006) “ficou claro o quanto as desigualdades sociais e econômicas

impactam na qualidade do ensino oferecido pela escola pública, assim como os limites desta

última para alterar um problema que é estrutural à sociedade brasileira”.

3.3.2 Resultados

Quanto aos resultados ou produto pode-se defini-los em como e quanto essas crianças

e adolescentes vão bem ou mal na escola, e isto vem sendo aferido por testes padronizados, ou

ainda, como afirma Oliveira (2006) “associados ao desenvolvimento de competências e

habilidades para determinado nível ou etapa de escolarização”.

As avaliações em larga escala ou testes padronizados no Brasil antes do IDEB já eram

aplicados por muitos Estados, porém, nenhuma possuía o viés da Lei americana “No Child

Page 137: KARINA MELISSA CABRAL

137

Left Behind”28

conforme afirma Fernandes:

Antes do No Child Left Behind [lei aprovada em 2002, no governo Bush, que visa à

melhoria da qualidade da educação por meio de um sistema de prestação de contas

baseado em resultados], a maioria dos Estados já tinha sistema de avaliação. Nos

que primeiro criaram um sistema, a evolução do desempenho dos alunos foi mais

acentuada. Esses sistemas fazem com que as escolas e os dirigentes dos sistemas

(secretários, prefeitos e governadores) se sintam responsáveis pelo desempenho. É a

idéia da responsabilização, de accountability. (FERNANDES, 2007 apud

FREITAS, 2007, p. 966)

Importa destacar que a questão específica da responsabilização das escolas e dos

dirigentes dos sistemas pelo desenvolvimento dos alunos será analisada posteriormente

quando tratarmos da Lei de Responsabilidade Educacional que já vem sendo estudada no

Brasil.

Assim, Sousa (2014, p. 409) destaca que o intuito original das avaliações em larga

escala seria o de “auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de recursos

técnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar no estabelecimento de metas e

implantação de ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da qualidade do

ensino”, porém deixa claro também que em 25 anos de SAEB não se pode afirmar que estas

avaliações apontam para aspectos positivos na melhoria da qualidade educacional.

Almeida, Dalben e Freitas (2013, p. 1155) esclarecem que “no Brasil, esta lógica vem

ocorrendo desde a década de 1990, quando as avaliações externas passaram a ser inseridas no

cotidiano escolar através do aparato normativo-jurídico, vinculando seus resultados ao

financiamento da educação e, ainda, revestida de plausíveis argumentos pedagógicos

(PCNs)”.

Assim, hoje no Brasil o ensino fundamental conta com o Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Básica (SAEB), agora substituído pelo ANRESC (Avaliação Nacional

do Rendimento Escolar)29

e o ANEB (Avaliação da Educação Básica), que mantém

características mais próximas do SAEB30

, além do Prova Brasil. E desde 24 de abril de 2007 o

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

O SAEB avalia estudantes de escolas urbanas e rurais, tanto da rede pública quanto da

rede privada. O universo de participação é amostral, portanto, com resultados disponíveis em

28

“Nenhuma criança deixada para trás” - Lei do governo americano na era Bush que tinha como meta a melhoria

da qualidade da educação utilizando um sistema de prestação de contas baseado em resultados. 29

O ANRESC coletou, em sua primeira aplicação, no ano de 2005, informações sobre o desempenho de cada

uma das 43 mil escolas urbanas de 4ª e 8ª séries da rede pública, em 5.418 municípios brasileiros (praticamente

todos do país). 30

O ANEB é amostral, procurando fornecer informações relativas ao sistema, sem especificação de resultados

por escola.

Page 138: KARINA MELISSA CABRAL

138

esfera nacional, regional e por unidade da Federação, para as séries e disciplinas avaliadas,

sem detalhamento para municípios ou unidades de ensino. As médias rurais só são

comparáveis em âmbito nacional. Este tipo de teste utiliza diferentes instrumentos de coleta

de dados, sendo um deles os testes que têm por finalidade medir a habilidade de Leitura em

Língua Portuguesa e de resolução de problemas em Matemática dos alunos.

(MEC/INEP/SAEB).

A Prova Brasil tem o objetivo de produzir informações sobre o ensino oferecido por

município e escola, individualmente, com o objetivo de auxiliar os governantes nas decisões e

no direcionamento de recursos técnicos e financeiros. Além das provas, os alunos respondem

a um questionário que coleta informações sobre seu contexto social, econômico e cultural

(NONATO, 2006).

Já, o IDEB é o resultado da combinação de dois outros indicadores: a) pontuação

média dos estudantes em exames padronizados ao final de determinada etapa da educação

básica (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio) (Prova Brasil ou

SAEB) e b) taxa média de aprovação dos estudantes da correspondente etapa de ensino.

Ribeiro (2007, p. 08) coloca que “a novidade do IDEB é seu caráter sintético,

possibilitando a definição de metas que levam em conta tanto a capacidade dos sistemas de

incluir e promover os alunos quanto a de efetivamente ensiná-los”.

Cury (2007, p. 14) assevera que o IDEB “deve ser visto como um avanço já que

articula duas variáveis importantes: fluxo e desempenho”.

O IDEB pode ser interpretado da seguinte maneira:

Para uma escola A cuja média padronizada da Prova Brasil, 4ª série, é 5,0 e o tempo

médio de conclusão de cada série é de 2 anos, a rede/ escola terá o Ideb igual a 5,0

multiplicado por ½ , ou seja, Ideb = 2,5. Já uma escola B com média padronizada da

Prova Brasil, 4ª série, igual a 5,0 e tempo médio para conclusão igual a 1 ano, terá

Ideb = 5,0.(MEC/INEP/IDEB)

Assim, o IDEB é resultado do produto entre o desempenho e do rendimento escolar ou

o inverso do tempo médio de conclusão de uma série. Almeida, Dalben e Freitas trazem uma

discussão sobre o conceito de eficácia escolar e a formulação do IDEB, tendo em vista que ele

não considera não o nível socioeconômico (NSE) em sua composição:

O fator “desempenho” está associado ao aproveitamento cognitivo dos alunos, em

especial em Língua Portuguesa e Matemática, e o fator “rendimento” ao fluxo

escolar, determinado a partir da taxa de aprovação medida através da razão entre o

tempo necessário para conclusão da etapa de escolarização e o tempo de duração

efetivamente despendido para concluí-la. A pretensão do Ideb de sumarizar a

Page 139: KARINA MELISSA CABRAL

139

qualidade de ensino oferecida a partir desses dois fatores não parece viável, já que

incapaz de refletir a realidade das instituições, não apenas pelo que o índice deixa de

considerar, em especial o NSE da população atendida, mas também pela forma

como mede esses aspectos. (ALMEIDA; DALBEN; FREITAS, 2013, p. 1156)

No estudo realizado por Gusmão o lugar dos testes padronizados nos discursos dos

atores entrevistados diverge, mas a importância dos mesmos não deixa de ser destacada:

O lugar que as avaliações em larga escala têm no debate sobre a qualidade da

educação e nas políticas educacionais é uma questão central no que está em jogo na

arena. Apesar da importância da avaliação centralizada poder ser considerada um

consenso, os atores divergem na atribuição de seus papéis. Uma parte dos

depoimentos tendeu a ressaltar os aspectos positivos do uso das provas e índices

como indicadores de qualidade da educação e como eixos estruturantes de políticas e

práticas calcadas na busca da qualidade. Outra parte enfatizou com veemência as

limitações e distorções no uso dos resultados das provas e dos índices tanto como

indicadores de qualidade quanto para balizar ações de promoção da qualidade. Entre

os pontos que opõem os atores no que concerne ao assunto tratado neste tópico,

podemos identificar quatro: 1) reconhecimento dos resultados dos testes e índices

correlatos como indicadores de qualidade da educação; 2) capacidade das provas de

garantirem o direito à aprendizagem; 3) capacidade das provas e índices nelas

baseados de se constituírem como instrumentos de gestão de políticas públicas; 4)

capacidade das provas de interferirem no currículo. (GUSMÃO, 20013, p. 110-111)

No mais, há ainda divergência entre estes atores sobre a atribuição de papéis:

Se todos convergem em aceitar a importância das provas em larga escala, divergem

na atribuição de seus papéis. Nesse sentido, uma das principais discordâncias entre

os atores é acerca do reconhecimento dos resultados dos testes e índices correlatos

como indicadores de qualidade da educação. Três visões principais foram

identificadas: a primeira, destacando a valorização do caráter objetivo das testagens

e do Ideb, concebe-os como instrumentos inequívocos de avaliação da aprendizagem

e da qualidade da educação; a segunda reconhece sua legitimidade como indicadores

de qualidade, porém também reconhece seus limites; para a terceira, os testes e

índices desconsideram aspectos e fatores fundamentais do processo educativo,

especialmente os ligados aos processos e às condições de vida dos alunos e de

trabalho dos professores, questionando, assim, os limites da avaliação

proporcionada. (GUSMÃO, 20013, p. 110-111)

Desta forma, a forma de medição destes resultados deveria ser mais sistêmica para

poder medir melhor o sistema escolar como um todo, posto que o IDEB seja uma medida de

resultado e não de qualidade, pois soma proficiência com aprovação, não captando a

equidade, mas, ainda é uma contribuição mais efetiva de resultados.

Outros aspectos devem ser pensados quando tratamos de avaliações em larga escala,

dentre eles destaco a importância da interpretação correta dos resultados obtidos, pois quando

se enfatiza o produto em detrimento do processo, se restringe a definição de qualidade

educacional; é importante que não se estreite a concepção de currículo, deixando-o aberto

Page 140: KARINA MELISSA CABRAL

140

para a inserção e a inclusão social das novas gerações, além de abrir-se mais para outras

matérias tão necessárias ao desenvolvimento dos alunos quanto às disciplinas de matemática e

português, por exemplo, sociologia e ciências, entre outras disciplinas; a periodicidade das

provas e o formato com que são concebidas só fortalecessem a avaliação tradicional e

meritocrática que há tempos permeia a escola, pois por elas são desconsideradas as vivências

das práticas escolares; a última consideração e talvez a mais importante de todas seja a

valorização somente do desempenho dos alunos nestas avaliações de larga escala; esta

situação nos traz dois problemas que vivenciamos na prática nas escolas de todo o país: testes

forjados, onde apenas os bons alunos comparecem nos dias das provas e o incentivo a

competição entre as escolas por bônus pecuniários (meio de premiação), o que revela a crença

de que a competição gera melhores resultados, e contradiz completamente a proposta de

escola que defendemos.

Almeida, Dalben e Freitas em análise sobre o IDEB concordam com as ponderações

acima descritas e destacam que as diferenças sociais dos alunos devem ser levadas em

consideração quando se realiza uma avaliação de desempenho escolar, inclusive a questão

cultural deve ser considerada:

Observando a influência das diferenças sociais dos alunos no desempenho escolar e

consequentemente no trabalho desenvolvido pela escola e sua efi cácia, encontra- se

nas análises de Bourdieu (1998) outro fator importante: a questão cultural. Ele

evidencia que, embora o aspecto econômico seja importante para a análise da

questão, há também a dimensão cultural que, como um bem capaz de favorecer o

desenvolvimento dos estudantes na escola, transforma-se em um tipo de capital que

pode ser mobilizado para influenciar o sucesso escolar: aspecto que chamou de

“capital cultural”. Por este viés, entende-se que as diferenças socioeconômicas e

culturais devem compor uma análise explicativa da diferença de desempenho dos

alunos, já que não considerá-las significaria, muitas vezes, atribuir o título de boa

escola a instituições que, como única e verdadeira diferenciação em relação a outras,

possui alunos de maior capital socioeconômico e cultural. Dessa análise pode-se

concluir que a elaboração dos índices deveria considerar o contexto em que a escola

realiza seu trabalho, já que o NSE dos alunos é a variável que mais se correlaciona

com suas notas, tendo a maior parte de sua variabilidade explicada pelos fatores

externos à escola. (ALMEIDA, DALBEN, FREITAS, 2013, p. 1157)

E Souza nos traz um alerta em relação a estas avaliações e a forma com que as

políticas têm sido concebidas a partir delas: “políticas educacionais formuladas e

implementadas sob os auspícios da classificação e seleção incorporam, consequentemente, a

exclusão, como inerente aos seus resultados, o que é incompatível com o direito de todos à

educação” (SOUSA, 2009), uma vez que a nossa CF/88 determina que a educação é direito de

todos, como contemplar esta situação?

Page 141: KARINA MELISSA CABRAL

141

Não se pode negar a importância dos testes padronizados em um país de extensões

continentais como o Brasil, porém a análise dos seus resultados não pode ser feita

desconsiderando justamente esta característica que traz embutida diferenças sociais,

econômicas e culturais do nosso povo. Por isso, concordamos com Sousa quando destaca que

uma avaliação em larga escala, se pensada a partir dos pressupostos de discussão do CONAE,

seria formulada para:

Possibilitar o julgamento da realidade educacional – em sua diversidade – e apoie

políticas e programas, desde os níveis centrais até a escola;

Produzir informações capazes de balizar iniciativas das diversas instâncias

governamentais;

Seja abrangente, abarcando indicadores relativos a acesso, insumos, processos e

resultados;

Considerar os determinantes intra e extra institucionais que condicionam a qualidade

da educação;

Induzir ao estabelecimento de relações compartilhadas, remetendo a que se dê

centralidade ao controle social da qualidade da educação. (SOUZA, 2014, p. 415)

Já Freitas propõe que as avaliações sejam construídas por meio de um processo de

mediação de desenvolvimento dos alunos associada às avaliações institucionais, levando em

conta uma gama mais ampla de informações da realidade escolar:

[...] construir uma alternativa que recoloque os processos de medição de

desenvolvimento dos alunos em seu devido lugar – desgastados que foram pelas

políticas neoliberais ávidas por premiar e punir professores – e associe-os com um

processo de avaliação (institucional) destinado a levar em conta o desempenho do

aluno como parte de um conjunto mais amplo de informações da realidade das

escolas, favorecendo a reflexão e a organização dos trabalhos de cada uma delas.

(FREITAS, 2005, p. 930).

Outra proposta interessante que Souza traz é o trabalho realizado pelo Grupo de

Trabalho de Avaliação da Educação Infantil que integra o documento intitulado Educação

Infantil: subsídios para construção de uma sistemática de avaliação:

O referido documento propõe a construção de uma sistemática de avaliação da

educação, o que supõe assumir a avaliação não como atividade pontual, mas sim

como processo, que requer o delineamento de atividades inter-relacionadas que

garantam um fluxo de produção de informações, análise, julgamento e decisões que

apoiem continuamente a execução das políticas e programas.

Para tanto, realça-se a necessária colaboração entre os entes federados nesse

processo de se constituir a avaliação da educação, que remete à construção de

acordos quanto à noção de qualidade a ser assumida como marco de referência,

combinando-se indicadores comuns e outros específicos de cada estado e município,

incorporando indicadores de insumos, processos e produtos. (SOUZA, 2014, p. 416)

Page 142: KARINA MELISSA CABRAL

142

Isto porque, concordamos com Sá Barretto devemos pensar, quando falamos em

avaliação em larga escala, para além do Estado e do mercado, levando em conta os anseios

mais gerais da sociedade sobre a educação e não apenas as razões de ordem estritamente

econômicas. Se considerarmos como base das nossas reflexões a função social da escola,

perceberemos que se deve dar importância ao processo e às condições gerais em que ensino é

oferecido. Isto deve direcionar a avaliação:

A busca da possibilidade de avaliar a qualidade do ensino faz recair a ênfase nas

variáveis do processo, muito mais do que no produto da educação, sendo que a sua

natureza deve ser eminentemente dialógica e dialética, voltada para a transformação,

tanto no plano pessoal como no social. A avaliação deve ter um caráter contínuo,

que supõe trocas constantes entre avaliador e avaliado, o que pode implicar,

dependendo do nível de ensino, maior interação com as próprias famílias dos

educandos, especialmente no caso das crianças menores. As mudanças em relação

ao indivíduo apontam na direção da autonomia e, em relação ao social, na direção de

uma ordenação democrática e, portanto, mais justa da sociedade. O eixo da

avaliação deixa de girar exclusivamente em torno do aluno e da preocupação técnica

de medir o seu rendimento. Passa a centrar as atenções em torno das condições em

que é oferecido o ensino, formação do professor e suas condições de trabalho,

currículo, cultura e organização da escola e, ainda, postura de seus dirigentes e

demais agentes educacionais. (SÁ BARRETO, 2001, p. 49)

Desta forma, acreditamos que deve haver o compromisso de se explorar os diversos

desdobramentos decorrentes das avaliações em larga escala para que se possa pensar em

iniciativas e políticas públicas voltadas de fato a atender a noção de qualidade da educação

que buscamos e defendemos neste trabalho.

3.3.3 Processo

Tem-se que as duas dimensões de qualidade anteriores são mais simples e já podem

ser aferidas e, até mesmo, pleiteadas judicialmente, porém a terceira, os processos, trata de

uma dimensão mais complicada, primeiramente porque depende da superação dos modelos

tradicionais de input (insumos) e output (resultados) oriundo da economia; segundo, porque a

escola é considerada por muitos como “caixa preta”.

Para Oliveira (2006) estes indicadores “relativos ao desempenho na realidade

educativa são aqueles que dizem respeito ao clima e à cultura organizacional da escola”.

Assim, quanto aos processos se faz necessário iniciar a discussão para se determinar quais os

elementos que são mais importantes em si para todos e que podem se tornar um padrão

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143

mínimo de qualidade. Alguns aspectos importantes e que podem ser analisados nesta

dimensão são os campos da didática, da relação professor-aluno, da organização pedagógica

da escola, da gestão democrática, da progressão continuada, currículo, avaliação, entre outros

que também compõe esta dimensão.

Segundo a Campanha Nacional pelo Direito a Educação os processos de aprendizagem

devem ser divididos em quatro grandes tipos:

• Dimensão do conhecimento – Entendendo a educação como um processo para

garantir ao ser humano a apropriação do conhecimento historicamente construído

pela humanidade, essa dimensão implica discutir a relevância dos conteúdos

curriculares, sua relação com os processos produtivos e as relações entre teoria e

prática na compreensão do conhecimento científico;

• Dimensão estética – A palavra “estética” vem do grego aisthesis, designando

“faculdade de sentir”, “compreensão dos sentidos”, “percepção totalizante”. De

forma bastante genérica, podemos dizer que a estética trata da relação do ser

humano com a beleza e dos sentimentos gerados por ela. Em nosso texto,

assumimos a dimensão estética do CAQi como aquela relacionada às condições do

ambiente educativo que possibilitam prazer, criatividade e pertencimento, estando

ligada à formação das educadoras e dos educadores para potencializar a capacidade

criativa e apreciativa dos estudantes;

• Dimensão ambiental – Envolve as condições necessárias para que estudantes,

educadores e comunidade escolar possam sentir a escola como um espaço que

promova relações de respeito por si e pelos outros e de pertencimento à natureza.

Sabemos, hoje, que a dimensão ambiental do processo educativo deve extrapolar as

tradicionais comemorações do Dia da árvore e de outras datas relacionadas a essa

questão, perpassando o currículo e o conjunto do projeto político pedagógico da

escola e do próprio ambiente educativo;

• Dimensão dos relacionamentos humanos – trata da promoção de vínculos, de

interação e de reconhecimento e respeito à diversidade humana e da construção de

uma educação antirracista, antissexista e contra qualquer tipo de discriminação. Essa

dimensão também se relaciona ao fortalecimento da gestão democrática, vinculado

ao desenvolvimento das instâncias e dos processos participativos do conjunto da

comunidade escolar (estudantes, educadores, pais, mães, parentes e demais

integrantes da comunidade). (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A

EDUCAÇÃO, 2011, p. 22-23)

Desta forma, para se firmar indicadores de qualidade da realidade educativa vinculada

à dimensão processo requer-se o conhecimento da realidade em que a escola está inserida e a

necessidade de se definir competências essenciais para a cidadania democrática:

Apesar da convicção de que educar todas as pessoas com altos níveis de qualidade é

uma condição necessária para a cidadania democrática, o conhecimento da

necessidade específica de aprofundar na definição das competências essenciais para

a cidadania democrática, na identificação das metodologias mais apropriadas para

desenvolvê-las e nos sistemas de apoio e avaliação para levá-las a escala, essas

metodologias constituem um debate mais recente. (REIMERS; REIMERS, 2006, p.

93)

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144

Portanto, quanto aos processos acreditamos que a discussão deva permear algumas

questões de suma importância e que compõe esta dimensão: a valorização do professor e a

construção da qualidade educacional partindo da realidade de cada comunidade escolar, ou

seja, de dentro para fora. E não se pode deixar de considerar nesta dimensão a importância da

questão da gestão educacional, partindo da gestão democrática.

Isto porque, desta forma verificamos os processos e as realidades de cada comunidade

escolar para que possamos a partir delas delimitar o que é qualidade na dimensão processual

para aquela escola.

Afinal, em um país das dimensões do nosso e com a diversidade cultural, social,

política e econômica que temos, onde há escolas que não possuem sequer cadeiras e lousas;

ou onde há os professores que só conseguem chegar de barcos e não têm nenhuma formação

superior; deve-se pensar em todas as dimensões e se construir a dimensão processual a partir

daquela realidade, buscando melhorias na qualidade educacional.

No mais, a discussão deve perpassar as orientações curriculares brasileiras visando

atender as desigualdades socioeconômicas e culturais dos alunos com atenção às diferenças,

isto por que:

O direito à educação como direito humano é, ademais, qualificado como direito à

educação de qualidade para todos. A qualidade social da educação é advogada para

as políticas educativas como um conceito associado às exigências de participação,

democratização e inclusão, bem como à superação das desigualdades e das

injustiças. (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 37)

No que concerne à discussão de currículo as autoras destacam que “há professores que

não estão satisfeitos, por causa das restrições à sua autonomia no trato com o currículo, mas

existem os que se sentem mais seguros pelo fato de todos os colegas trabalharem com

referências comuns, de haver mais clareza sobre o que têm de fazer em sala de aula”, e para

tanto é necessário que um modelo de regulação do currículo tente conciliar estes dois pontos,

em resumo que “currículo ético-profissional predomine sobre a do currículo econômico-

burocrático” (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 46).

Em nossos tribunais encontramos poucos temas que podem ter correlação com a

dimensão processual da qualidade educacional, entre eles podemos citar uma sentença da 2ª

Vara Judicial da Comarca de Várzea Paulista em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério

Público que aborda o Sistema Educacional de Progressão continuada no ensino fundamental e

que concede a antecipação de tutela para determinar ao Estado de São Paulo e ao Município

de Várzea Paulista que adotem, nas escolas situadas em Várzea Paulista, um sistema de

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145

avaliação que exija dos alunos do ensino fundamental a comprovação, em média anual, de

absorção de pelo menos cinquenta por cento do conteúdo ministrado, por matéria, facultando-

se aos requeridos o direito de reter o aluno que não aferir este percentual na mesma série, bem

como a fim de determinar que as requeridas não aprovem para a série subsequente o aluno do

ensino fundamental que não aferir o percentual anual de absorção. Ou seja, vai de encontro à

aprovação automática utilizada pelo Estado de São Paulo e pelo município em questão, pois

considera em sua análise que:

O art. 205, da Constituição Federal, preconiza que a educação é um direito de todos

e um dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a

colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa e de sua

qualificação para o trabalho.

Em sendo assim, o pleito formulado pelo representante do Ministério Público, no

âmbito dessa comarca, encontra total amparo na norma constitucional, pois não se

verifica o real cumprimento do que dispõe a Carta Magna.

É certo que há, nessa comarca, inúmeras escolas públicas frequentadas por crianças

e adolescentes.

Ocorre, no entanto, que é cada vez maior o número de crianças e adolescentes que,

em virtude do sistema atualmente adotado para a promoção de série, não conseguem

ler e escrever com fluência.

E essa constatação é feita diariamente, durante o contato com essas crianças e

adolescentes, os quais têm tido problemas extremamente sérios no que se refere, em

especial, à alfabetização.

Nas inúmeras abordagens feitas por este Juízo e pelo Ministério Público, é possível

constatar que é cada vez maior o número de jovens que têm uma grande dificuldade

para escrever o próprio nome ou, ainda, para ler textos de forma fluente, mesmo

frequentando assiduamente a escola.

Essas crianças e esses adolescentes não conseguem, por muitas vezes, entender o

significado de um texto simples.

É também incontável o número de jovens que têm necessitado o acompanhamento

deste Juízo para resolver questões referentes à evasão escolar, o que é causado,

muitas das vezes, pela vergonha que sentem diante de poucos colegas que

conseguem ler e escrever com um pouco mais de facilidade.

E, neste diapasão, importante ponderar que não se trata de alunos das sérias

primárias, mas sim – e na grande parte das vezes – daqueles que estão cursando as

séries mais avançadas do ensino fundamental.

A maior parte dos adolescentes que cursam as escolas da rede pública não têm

condições de enfrentar o mercado de trabalho em nível de igualdade com aqueles

que cursam escolas particulares.

E isso não é certo, já que cabe ao Poder Público providenciar que todos,

independentemente de condição econômica, tenham acesso à educação com

aprimoramento das habilidades individuais, tudo com o objetivo de formar um

cidadão com a perspectiva de um futuro melhor.

Diante do exposto e com fundamento em todos os argumentos trazidos pelo

representante do Ministério Público, fácil constatar que a atual política de ensino não

tem sido satisfatória e não tem cumprido aquilo que foi idealizado pelo Constituinte,

quando se pretendeu assegurar o direito à educação. (Flávia Cristina Campos

Luders, Juíza de Direito, 16/01/2009)

Há também uma ação civil pública que tramitou pela Vara da infância e Juventude do

município paulista de Presidente Prudente promovida pelo Ministério Público do Estado de

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146

São Paulo contra a Fazenda Pública do Município visando à concessão de tutela antecipada

para que seja determinado que as salas dos 1º e 2º anos e 3ª e 4ª séries da EMEIF, sejam

separadas e voltem à composição original cessando a atividade de classes multisseriadas. A

decisão foi no seguinte sentido:

[...] a prestação da educação perante a escola em questão, até o final do ano de 2009

ocorria sem a existência de classes multisseriadas e a modificação implantada pela

requerida constituiu exceção à regra anteriormente em vigor, passível de

comprometer o padrão de qualidade no ensino das crianças, razão pela qual deve

permanecer inalterada a prestação do ensino na escola EMEIF Professora, até a

solução final da presente lide.

A argumentação de aumento de custos, além de inoportuna no presente momento

processual não se mostra plausível, considerando que no ano de 2009 as despesas de

manutenção da escola em questão já existiam e não havia nenhuma classe

multisseriada. (JOSÉ WAGNER PARRÃO MOLINA, Juiz de Direito, 19/03/2010)

Mais uma vez percebemos a Administração Pública focando na diminuição dos gastos

e baseando-se no princípio da reserva do possível para não cumprir com sua obrigação

educacional.

Assim, o que percebemos é que é inviável pensarmos em uma proposta de fora para

dentro ou de cima para baixo, uma vez que esta dimensão é extremamente particular a cada

contexto escolar. Por isso, acreditamos que a proposta de participação popular nesta

dimensão, chamando a sociedade para discutir as questões que envolvem o processo

educativo, a comunidade escolar, seja de grande valia para que esta dimensão se solidifique.

Para compreensão desta nossa proposta, partimos da conceituação de participação

social, que segundo Valla (2000, p. 254) “compreende as múltiplas ações que diferentes

forças sociais desenvolvem para influenciar a formulação, execução, fiscalização e avaliação

das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social (saúde, educação, habitação,

transporte, saneamento básico etc.)”. E a conceituação de participação popular decorre do

conceito de participação social, ou seja, trata-se “de uma participação política das entidades

representativas da sociedade civil em órgãos, agências ou serviços do Estado responsáveis

pelas políticas públicas na área social” (VALLA, 2000, p. 255).

Uma pesquisadora da Paraíba, Gisania Carla de Lima, fez um trabalho onde aborda a

dimensão educativa do processo de participação popular na gestão pública local e neste

trabalho podemos perceber a importância desta proposta para a educação. Segundo Lima

(2009, p.16) “com o processo participativo, a sociedade civil coloca-se na condição de

copartícipe na gestão das políticas públicas”.

Page 147: KARINA MELISSA CABRAL

147

E Lima (2009, p. 30) define o processo participativo como sendo aquele em que

“consiste em estabelecer espaços onde os cidadãos participem das decisões públicas através

de mecanismos e instrumentos democráticos. Deve haver a tomada de decisão com um corpo

de cidadãos que legitime representando um interesse coletivo (vontade comum) e que tenha

importância reconhecida pelo governo”. Portanto, a tomada de decisão não fica somente nas

mãos da administração pública, mas também dos cidadãos que representam um interesse

coletivo.

Já Bobbio (2009, p. 100) quando analisa a importância da participação dos cidadãos

nos processos que fiscalizam as políticas públicas destaca: “Que as decisões e mais em geral

os atos dos governantes devam ser conhecidos pelo povo soberano sempre foi considerado um

dos eixos do regime democrático, definido como o governo direto do povo ou controlado pelo

povo”.

Lima esclarece que

O processo participativo, objeto de nosso estudo, inicia-se com mobilização e

articulação dos sujeitos para o levantamento dos problemas da realidade em que

estão inseridos. Posteriormente, são formuladas opiniões e propostas através de um

processo de aprendizagem, garantindo a existência de espaços públicos para o

diálogo e para o consenso. Serão exatamente esse tipo de iniciativas que fazem com

que o aspecto propositivo da participação seja considerado no desenvolvimento do

planejamento das políticas públicas nos contextos precarizados. Portanto, a

democracia, principalmente na sua forma participativa, pode ser medida quando

analisamos o relacionamento dos cidadãos com os representantes que possuem o

poder de decisão sobre as políticas públicas. (LIMA, 2009, p. 31)

Assim, por meio da participação popular na esfera educacional é possível que os

representantes da comunidade escolar tenham poder de decisão em relação às políticas

públicas que são implementadas na escola onde eles ou seus filhos estudam.

Segundo Haddad quando a comunidade assume para si a organização e gestão dos

processos educacionais, o exercício desta prática educativa permite o desenvolvimento da

qualidade educacional:

Há que se reconhecer, no entanto, que ao assumirem para si a organização e gestão

de experiências pedagógicas, os movimentos comunitários acabam por exercitarem

práticas educativas que facilitam o desenvolvimento de critérios de análise dos

serviços públicos escolares, ao mesmo tempo em que criam condições para

proporem alternativas visando um projeto de educação voltado aos seus interesses.

Além do mais, tais práticas organizativas podem apontar para um incentivo à

participação nos espaços de gestão dos órgãos públicos. Contribuem, por fim, no

sentido do fortalecimento e da organização destes grupos comunitários no campo da

sociedade civil, permitindo, desta maneira, a ampliação de espaços democráticos em

uma sociedade marcada pelo autoritarismo como a nossa. (HADDAD, 1992, p. 80)

Page 148: KARINA MELISSA CABRAL

148

Ou seja, desta forma, a comunidade escolar possibilita o desenvolvimento da oferta

dos serviços educacionais ampliando e qualificando estes serviços que passarão a atender suas

necessidades peculiares.

Neste sentido, a proposta de participação popular visa à transformação da realidade

educacional local, pois os sujeitos são convidados a aprender a participar participando da

elaboração do processo educacional de ensino aprendizagem e isso só é possível por meio da

mobilização da comunidade escolar ao entorno de cada escola e da organização de

espaços/momentos públicos para problematização dos conflitos e, consequente, negociação

dos interesses educacionais coletivos entre sociedade e agentes públicos.

Para Gadotti a participação popular, a gestão democrática da educação é um princípio

inerente da democracia:

A gestão democrática não é só um princípio pedagógico. É também um preceito

constitucional. O parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal de

1988 estabelece como cláusula pétrea que “todo o poder emana do povo, que o

exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, consagrando uma nova

ordem jurídica e política no país com base em dois pilares: a democracia

representativa e a democracia participativa (direta), entendendo a participação

social e popular como princípio inerente à democracia. (GADOTTI, 2014)

Para Freire a educação popular é uma prática problematizadora: “[...] na prática

problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é ‘depositado’, se

organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram seus temas

geradores” (FREIRE, 1987, p.102).

E é partindo deste pressuposto que acreditamos que a participação popular na

educação pode revelar a profundidade com que um projeto político pedagógico pode ser

pensado de fato para a vida dos homens e mulheres que se envolvem nesta prática, pois ela

visa a promoção da democracia através da educação e da participação nos processos de

aprendizagem porque é por meio deles que se formam os sujeitos, os cidadãos brasileiros.

Isto porque, acreditamos que “formar para a participação não é só formar para a

cidadania, é formar o cidadão para participar, com responsabilidade, do destino de seu país; a

participação é um pressuposto da própria aprendizagem” (GADOTTI, 2014).

A gestão democrática não se reduz apenas à escola, ela incorpora todos os sistemas e

redes de ensino e a ela vem implícita a concepção de educação, que deve ser coerente com a

educação emancipadora, pois não há nexo falar em gestão democrática em uma concepção de

educação tecnocrática. E assim como Gadotti (2014) acreditamos que “Essa forma de atuação

da sociedade civil organizada é fundamental para o controle, a fiscalização, o

Page 149: KARINA MELISSA CABRAL

149

acompanhamento e a implementação das políticas públicas, bem como para o exercício do

diálogo e de uma relação mais rotineira e orgânica entre os governos e a sociedade civil”.

Neste caso, acreditamos que a dimensão de processos possa ser verificada e alcançada

por meio de propostas realizadas no âmbito de cada escola, tal como é feito pelos Indicadores

de Qualidade da ONG Ação Educativa.

Assim, um modelo de prática educacional que demonstra esta participação dos alunos

e da comunidade escolar como um todo nas fases do processo educacional, visando à

melhoria da qualidade do ensino, e que muito se assemelha à proposta de Paulo Freire,

encontra-se no projeto realizado sob a responsabilidade técnica da ONG Ação Educativa, com

o incentivo do PNDU e apoio financeiro do Unicef, denominado “Indicadores da Qualidade

na Educação”, que traz um instrumental que visa a construção de “um conjunto de indicadores

educacionais qualitativos de fácil compreensão e que propicie o envolvimento dos diversos

setores da comunidade escolar, em torno de um processo de avaliação participativo, visando a

instigar sua ação pela melhoria da qualidade da escola” (RIBEIRO; RIBEIRO; GUSMÃO,

2005, p. 235).

Contando com um estudo preliminar e uma primeira sistematização de opções

metodológicas, esse grupo de trabalho reuniu-se para definir as linhas gerais do

projeto. A partir dessa reunião, precisou-se seu objetivo: a construção e

disseminação de um conjunto de indicadores educacionais qualitativos de fácil

compreensão e que propicie o envolvimento dos diversos setores da comunidade

escolar em torno de um processo de avaliação participativo, visando a instigar sua

ação pela melhoria da qualidade da escola. Chegou-se também ao consenso de que o

publico alvo do projeto era a comunidade escolar, ainda que outros atores políticos

pudessem fazer uso dos seus resultados (GUSMAO; RIBEIRO;RIBEIRO, 2005,

p.235).

Para que este projeto se realizasse, foram identificados sete elementos fundamentais,

denominados dimensões; levados em conta no decorrer do processo de avaliação destas

dimensões, foram criados os indicadores, caracterizados como sinalizadores da qualidade de

importantes aspectos da escola (AÇÃO EDUCATIVA, 2004, p.5).

As sete dimensões propostas foram: ambiente educativo; pratica pedagógica;

avaliação; gestão escolar democrática; formação e condições de trabalho dos profissionais da

escola; espaço físico escolar e, por fim, acesso, permanência e sucesso na escola. Ou seja,

aspectos que abarcam nossas três dimensões: insumos, processos e resultado.

Cada uma destas dimensões é constituída por um conjunto de indicadores que são

avaliados e respondidos coletivamente. A partir das respostas obtidas, a comunidade escolar

Page 150: KARINA MELISSA CABRAL

150

pode avaliar a qualidade da escola em relação a cada indicador e estabelecer propostas que

sejam capazes de promover melhorias nos quesitos avaliados. (AÇÃO EDUCATIVA, 2004)

A metodologia para a realização da proposta da Ação Educativa (2004) indica que as

discussões devem ser coletivas, portanto, devem-se formar grupos com diferentes segmentos

ou representantes de segmentos da unidade escolar. Se houver número suficiente de pessoas,

divide-se um grupo para cada dimensão, caso contrário, um grupo poderá ficar responsável

por avaliar duas ou três dimensões.

É importante destacar que cada grupo deve ser composto por representantes de

diversos segmentos da comunidade escolar e devem eleger um coordenador e um relator, que

será responsável por expor as ideias discutidas na plenária. A etapa seguinte refere-se ao

plano de ação.

O ponto relevante na elaboração deste projeto foi conseguir a participação da

comunidade escolar de cada escola participante na busca pelo entendimento da questão da

qualidade educacional para aquele público específico.

E acreditamos que este projeto vem de encontro ànossa proposta de participação

popular, pois afirma que a luta pela melhoria da qualidade das escolas é responsabilidade de

todos os atores envolvidos na comunidade escolar: pais, alunos, professores, funcionários,

diretores, conselhos tutelares, Organizações Não Governamentais, órgãos públicos.

A proposta de Paulo Freire sempre foi no sentido de se construir juntamente com os

alunos as práticas pedagógicas, observando suas culturas e peculiaridades, o que este projeto

consegue vislumbrar, pois “a proposta em pauta é de uma avaliação da escola, feita pela

escola e para a escola.” (RIBEIRO; RIBEIRO; GUSMÃO, 2005, p. 235)

Por fim, Paulo Freire (2007, p. 78) lembra que "a leitura do mundo precede sempre a

leitura da palavra, e é esta leitura do mundo que nos conscientiza e nos torna seres políticos".

Há que se salientar que é clara a falta de qualidade educacional em todas as dimensões

quando se constata que os jovens que terminam o ensino fundamental não possuem nenhuma

das competências descritas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, ou seja, jovens que não

tem compreensão sobre cidadania, pois não exercem seus direitos e deveres políticos, civis e

sociais; não adotam no dia a dia atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças;

não respeitam o outro ou/e não sabem exigir de forma civilizada para si o mesmo respeito;

não sabem se posicionar de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações

sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;

não conhecem e desconsideram as características fundamentais do Brasil nas dimensões

sociais, materiais e culturais. Isso não permite que criemos uma noção de identidade nacional;

Page 151: KARINA MELISSA CABRAL

151

não conseguem conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,

muito menos se posicionar contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de

classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;

muitas vezes não se percebem como parte integrante, dependente e agente transformador do

ambiente; poucas vezes desenvolvem o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de

confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação

pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no

exercício da cidadania; não conhecem e/ou cuidam do próprio corpo, valorizando e adotando

hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com

responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva; não utilizam as diferentes

linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal — como meio para produzir,

expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos

públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; não sabem

utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir

conhecimentos; não sabem questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de

resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade

de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação. (PCN, Vol I,

1997)

Paro (1998, p. 301) faz um questionamento que nos remete à concepção produtivista,

mas que nos fez refletir sobre o tema: “Qual o produto da escola?”. Acreditamos, assim como

o autor, que o processo pedagógico é um trabalho humano que possui como objeto o próprio

aluno e não a aula em si, porque o produto do nosso trabalho como educadores é o aluno

educado “com a “porção” de educação que se objetivou alcançar no processo” (PARO, 1998,

p. 301).

A produtividade da escola mede-se, portanto, pela realização de seu produto, ou

seja, pela proporção de seus alunos que ela consegue levar a se apropriar do saber

produzido historicamente. Isto supõe dizer que a boa escola envolve ensino e

aprendizagem ou, melhor ainda, supõe considerar que só há ensino quando há

aprendizagem. (PARO, 1998, p. 301)

Portanto, percebe-se que os indicadores que aferem a qualidade da educação básica

não podem se restringir somente aos testes padronizados. Claro que eles são úteis,

especialmente no novo formato proposto pelo PDE, o IDEB, porém a qualidade do ensino

fundamental precisa ser verificada também através de outros indicadores.

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152

Furtado (2009, p. 167) em uma análise jurídica sobre a efetividade dos padrões de

qualidade, destaca que

A discussão sobre qualidade em educação assumiu grande visibilidade no debate

público e faz parte do rol de preocupações, não só dos especialistas da área da

pedagogia, mas também de outras áreas de conhecimento como a economia e a

administração.

O direito pouco a pouco também vai tomando parte nessa importante questão

educacional, talvez ainda sem o volume de produção acadêmica que o tema merece.

De toda sorte, a questão da qualidade do ensino possui elementos que a todos parece

interessar e é notável o apelo que o assunto desperta na população.

Os meios de comunicação de massa, em geral, e especificamente os jornais e

revistas dedicam espaço, editoriais e cadernos especiais sobre o tema. A publicação

de resultados de avaliações de ensino, por exemplo, é sempre notícia que aparece em

primeira página dada a sua repercussão pública.

Assim, a Lei 13.005/2014 que traz o novo Plano Nacional de Educação (PNE) deixa

clara a importância da articulação entre as redes de ensino municipal e estadual no primeiro e

segundo ciclos para melhoria do processo educacional. É preciso uma pactuação e

colaboração entre Estados e Municípios para pensar nos projetos políticos pedagógicos dos

ciclos do ensino fundamental conjuntamente.

E refletindo sobre a efetividade dos padrões de qualidade uma questão que se mostrou

muito relevante neste levantamento realizado sobre os CAO’s é que há entendimento do MP

sobre insumos, mas ainda há pouca compreensão sobre processo e também sobre resultados,

pois eles não conferem autenticidade legal às avaliações em larga escala, por vezes pelos

mesmos motivos que os educadores, por vezes por acreditarem que estas não são legítimas

para esta utilização jurídica.

Por fim, o que percebemos pela análise dos gráficos e das informações apresentadas

pelos estudos e relatórios analisados em comparação com as informações obtidas junto aos

mapeamentos dos Centros de Apoio Operacional dos Ministérios Públicos nos Estados

brasileiros é que o Nordeste apesar de constituir-se em uma das regiões que mais tem CAOE

ainda assim possui a maior taxa de analfabetismo, seguido pela região Norte do país.

Acreditamos que na realidade as ações dos Ministérios Públicos ainda são muito

pontuais e que existem, para a dimensão territorial de nosso país e pelas dificuldades

econômicas e sociais do mesmo, poucos Centros de Apoio de forma geral, quiça de defesa da

educação, que vise assessorar o MP para implementar ações com foco na educação

fundamental e em sua qualidade. Isto poderá ser melhor discutido e analisado no próximo

capítulo.

Page 153: KARINA MELISSA CABRAL

153

4 EXIGIBILIDADE JURÍDICA DA QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL

PÚBLICO NO BRASIL

“A tendência democrática de escola não pode

consistir apenas em que um operário manual se

torne qualificado,mas em que cada cidadão possa se

tornar governante”

(Gramsci)

O termo “justiciabilidade” possui diversas expressões com o mesmo conteúdo

semântico, tal como exigibilidade, judiciabilidade e outros. Segundo Santos Saes (2008)31

, a

escolha específica pelo termo “justiciabilidade” refere-se ao contexto jurisdicional que ele

abrange, pois para ela “a justiciabilidade, embora contenha a ideia de exigibilidade, insere-se

especificamente no contexto jurisdicional e dirige-se, portanto, contra o Estado” (SAES,

2008, p. 88). E é neste sentido que a proposta de exigibilidade jurídica se faz, por isso a

adoção do vocábulo “justiciabilidade” neste trabalho.

Assim, Saes define justiciabilidade:

A justiciabilidade é o afiançamento estatal dos direitos como contrapartida do

monopólio da justiça pelo Estado. Foi a moeda de troca quando o homem, na

formulação do contrato social, abriu mão da possibilidade de fazer a justiça privada

para a proteção de seus direitos, outorgando ao Estado a legitimidade para fazê-lo

em seu nome mediante a concessão da actio. Em sentido analítico, equivale à

qualidade daquilo que é justiciável. Sob o aspecto semântico corresponde ao atributo

assecuratório estatal de tutela jurídica dos direitos perante o Estado-jurisdição ou,

em outras palavras, exequibilidade jurisdicional do direito. Dizer que o direito é

justiciável significa dizer que ele é tutelável ou exeqüível pelo Estado-juridição e,

por isso, confere ao seu titular o poder de submetê-lo ao indeclinável crivo

jurisdicional. Quando se diz que o direito é justiciável não significa dizer que será

tutelado, ou seja, que o pedido deduzido será acolhido visto que o provimento

jurisdicional que o aprecia está sempre vinculado ao conjunto probatório formado no

curso da relação jurídica processual. (SAES, 2008, p. 89)

Desta forma, justiciabilidade é, portanto, a tutela do direito subjetivo diante do Estado

que possibilita a exigência da prestação de um direito decorrente de uma obrigação positiva.

Queiroz (2006, p. 148) quanto à definição de justiciabilidade, destaca que é “a possibilidade

de reclamar perante um juiz ou tribunal o cumprimento das obrigações que derivam do

direito”.

31

Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Page 154: KARINA MELISSA CABRAL

154

Ramires (2006, p. 70) em sua pesquisa da PUC/SP analisa a questão da

justiciabilidade sob o enfoque dos direitos humanos e reafirma a conceituação desta, pois “de

fato, a própria coletividade internacional apreendeu o direito à justiciabilidade dos direitos

humanos como um “estándar mínimo común”, consistente na obrigação estatal de garantir a

proteção judicial dos direitos consagrados na própria normativa internacional mediante

recursos céleres e efetivos”.

No entanto, o conceito de justiciabilidade deve ser trabalhado conjuntamente com o de

acionabilidade; neste sentido, Saes (2008, p. 92) defende que “sendo a justiciabilidade o poder

de exigir a prometida proteção estatal dos direitos dos indivíduos na esfera jurisdicional, a

possibilidade de exercitar esse poder pode nominar-se de acionabilidade, visto que o seu

exercício submete-se a condições”.

Assim, Ramirez (2003, p. 131) correlaciona os termos conceituando justiciabilidade a

“la posibilidad efectiva de protección jurisdiccional, promovida al través de una acción

procesal y alcanzada por medio de uma sentencia”.

Em resumo, a justiciabilidade seria a complementação da democracia do Governo

(Poder executivo e Legislativo) por um papel mais efetivo da Justiça (Poder Judiciário). E isto

“em um Estado onde há a concepção de onipresença do Poder Público, de poder supremo

deste, pois tudo devia ser suprido por ele, esse espírito esta sendo complementado, numa

concepção mais dinâmica e democrática da independência e harmonia entre os Poderes, pela

Justiça” (CABRAL, 2008, p. 99).

E é com base nesta concepção de exigibilidade jurídica que propomos que o direito à

qualidade do ensino fundamental seja efetivado por meio dos denominados ações-remédios

constitucionais, cuja operacionalização não necessita de procedimentos especiais, mas da

participação efetiva do Ministério Público Estadual como representante e parte das ações civis

públicas que buscam este direito.

Isto porque, segundo Vieira (2001) “os indivíduos têm o direito de requerer ao Estado

a prestação educacional, porque o descumprimento deste dever traz como consequência a

responsabilização da autoridade competente, segundo o artigo 208, parágrafos 1º e 2º, da

Constituição Federal de 1988”. E neste contexto legal, o ensino fundamental por ser um

princípio jurídico consagrado pela Constituição Federal de 1988, como direito público

subjetivo, deveria como tal “assegurar um nível de vida adequado para todas as pessoas,

convertendo os compromissos políticos em obrigações legais para o Estado que,

consequentemente, deveria desenvolver políticas públicas para que este direito se efetivasse”

(AÇÃO EDUCATIVA, 2004).

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155

No mais, segundo Muñoz, os mecanismos de justiciabilidade do direito à educação

devem ser complementados por ações concretas que maximizam a dimensão normativa:

Os mecanismos de justiciabilidade do direito humano à educação, além sua

dimensão normativa (previsão constitucional e infraconstitucional), devem ser

complementados por necessárias ações concretas como: ampla divulgação dos

conteúdos do direito e dos procedimentos para fazê-lo valer; desenvolvimento de

processos comunitários para a capacitação de pessoas e grupos organizados que

tenham como missão a promoção concreta do direito humano à educação;

desenvolvimento de processos de capacitação para os operadores do direito

(advogados, juízes, fiscais, funcionários do sistema de justiça); avaliação e a

ampliação das políticas públicas, de maneira que o direito à educação se integre aos

processos sociais empreendidos pelo poder público. (MUNOZ, 2006, p. 44)

Apesar disso, sabemos que nem sempre isto ocorre, na verdade a qualidade

educacional quando pensada a partir dos insumos, processos e resultados discutidos no

capítulo anterior, é desrespeitada, podendo, destarte, ser exigida por meio de ação civil

pública proposta pelo MP, cabendo à responsabilização da autoridade competente.

A educação se consubstancia como sendo um direito fundamental e um direito

humano, Perelman destaca a importância de um sistema jurídico que vise à garantia destes

direitos humanos:

Com efeito, se é o respeito pela dignidade humana à condição para uma concepção

jurídica dos direitos humanos, se se trata de garantir esse respeito de modo que se

ultrapasse o campo do que é efetivamente protegido, cumpre admitir, como

corolário, a existência de um sistema de direito com um poder de coação. Nesse

sistema, o respeito pelos direitos humanos imporá, a um só tempo, a cada ser

humano – tanto no que concerne a si próprio quanto no que concerne aos outros

homens – e ao poder incumbido de proteger tais direitos a obrigação de respeitar a

dignidade da pessoa. Com efeito, corre-se o risco, se não se impuser esse respeito ao

próprio poder, de este, a pretexto de proteger os direitos humanos, tornar-se tirânico

e arbitrário. Para evitar esse arbítrio, é, portanto, indispensável limitar os poderes de

toda autoridade incumbida de proteger o respeito pela dignidade das pessoas, o que

supõe um Estado de direito e a independência do poder judiciário. Uma doutrina dos

direitos humanos que ultrapasse o estádio moral ou religioso é, pois, correlativa de

um Estado de direito. Assim, também o Estado incumbido de proteger esses direitos

e fazer que se respeitem as ações correlativas, não só por sua vez obrigado a abster-

se de ofender esses direitos, mas também a obrigação positiva da manutenção da

ordem. Ele tem também a obrigação de criar as condições favoráveis ao respeito à

pessoa por parte de todos os que dependem de sua soberania. (PERELMAN, 1999,

p. 400)

E Weis (1999, p. 35) ressalta que “mesmo as normas de direitos sociais, que

contenham certa especificidade que permita a identificação da obrigação estatal, são passíveis

de exigência judicial, no sentido de se compelir o Poder Público à sua realização, já que

constitucionalmente comprometido”.

Page 156: KARINA MELISSA CABRAL

156

Cretella Júnior (1991, p. 875) afirma que é possível levar ao Judiciário a “questão do

cumprimento de norma constitucional, de cunho fundamental, tendente à realização das

liberdades individuais”, como é o caso da qualidade do ensino fundamental.

No mesmo sentido, Cury (2007, p. 850) afirma que “por ser direito público subjetivo,

o poder público, face ao ensino obrigatório, não pode deixar de atender a todo o universo

escolarizável. O titular deste direito é qualquer pessoa, de qualquer idade, que não tenha tido

acesso à escolaridade obrigatória na idade apropriada ou não. O sujeito deste dever é o

Estado. Assim, o direito público subjetivo explicita claramente a vinculação substantiva e

jurídica entre seu titular e o sujeito do dever”. Portanto, o sujeito da ação que pleiteia o direito

educacional à qualidade do ensino fundamental é qualquer pessoa que tenha idade e esteja na

faixa etária do ensino fundamental e o dever é do Estado, do Município em

corresponsabilidade com a União.

Em 2011 Viecelli (2012, p. 212) realizou uma pesquisa dos acórdãos e decisões

monocráticas do STF sobre educação selecionando “julgados que analisam questões que

tocam direta ou indiretamente as políticas públicas e os efeitos/implicações da declaração de

in/constitucionalidade sobre a matéria educacional” [...], ao todo foram “[...] foram

encontrados 33 acórdãos, 332 decisões monocráticas, 34 decisões da presidência, 1 questão

de ordem e 37 informativos”, tal como indica o gráfico abaixo:

Gráfico 12. Pesquisa de decisões do STF (1988 a 2011)

Fonte: VIECELLI (2012, p. 214)

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157

Figura 9. Legenda do gráfico 9

Fonte: VIECELLI (2012, p. 214)

O que se verifica no estudo acima descrito é que a grande maioria das decisões do STF

em relação à educação versa sobre vagas em creches e pré-escolas (36%). E importa

esclarecer que em relação a este direito o Ministério Público foi responsável, como

representante judicial da ação, por 76,8% das ações, conforme gráfico, abaixo:

Gráfico 13. Ingressante com a Medida Judicial

Fonte: VIECELLI (2012, p. 214)

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158

Gráfico 14. Municípios e Estados onde se originaram as ações

Fonte: VIECELLI (2012, p. 214)

No que se refere aos municípios e estados de onde se originaram os litígios por vagas

em creche e pré-escolas, 56 ações no STF, temos o Estado de São Paulo como detentor de

mais da metade das ações, ou seja, 53,5% destas. Isto significa uma maior atuação na

justiciabilidade do direito à educação neste Estado, bem como uma atuação representativa do

Ministério Público Estadual, mas também uma omissão importante da Administração Pública

Municipal – creches e pré-escolas são de responsabilidade municipal – em relação ao direito

educacional.

Outro estudo interessante de Cury e Amaral destaca que a qualidade da educação há

algum tempo vem sendo colocada sob análise:

A qualidade da educação passa a ser colocada sob análise pelos sujeitos

protagonistas e seus responsáveis e, em caso de insatisfação de qualquer espécie,

busca-se recursos a fim de se ter aceitação da situação instalada. Aciona-se

instâncias internas através de Ouvidorias, Processos Administrativos, Colegiados,

Secretaria de Educação, Conselhos de Educação, Ministério Público, Vara da

Infância e da Juventude e por fim os órgãos colegiados do Judiciário. Não se sabe se

aqueles que acionam o Judiciário buscaram inicialmente a instância administrativa

ou se remeteram imediatamente sua petição ao órgão judicante. Contudo, o que se

sabe é que tem havido um ativismo judicial no tocante aos direitos sociais, e dentre

eles a educação [...] (CURY; AMARAL; 2014, p. 03)

As principais instâncias que têm sido acionadas para que este direito seja garantido

são: Ouvidorias, Secretaria da Educação, Conselhos de Educação, Ministério Público, entre

outros. Vários estudos também apontam a possibilidade do Ministério Público estar exercendo

a função principal, bem como a maior procura pela Defensoria Pública em questões educacionais.

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159

Porém, segundo Cury e Amaral (2014, p. 05) “observou-se que há uma crescente demanda de

judicialização da educação, mas os membros julgadores não consideram como ativismo judicial e

a argumentação está centrada na norma jurídica” e isso se comprova pela pesquisa realizada pelos

autores nos acórdãos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que tratam do direito à

educação básica:

Gráfico 15. Número de acórdãos do TJMG sobre direito à educação (1999-2013) relacionados à educação básica

Fonte: CURY; AMARAL (2014, p. 03)

Fica claro, portanto, pelo gráfico acima que a busca pela resolução de conflitos

relacionados à educação básica tem sido crescente. Esmiuçando mais esta pesquisa

verificamos que os autores nos trazem quais são a pauta de reivindicações via ação no TJMG

mais comuns:

Tabela 6. Principais assuntos tratados nas decisões (1999-2013)

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160

Fonte: CURY; AMARAL (2014, p. 03)

Os autores destacam que destes assuntos 70,7% das decisões versaram sobre a “recusa

de matrícula devido ao limite de idade fixado pelas instituições escolares para parametrizar os

alunos por ano escolar” (CURY; AMARAL; 2014, p. 03).32

Uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por

Nascimento (2012, p. 56) na busca por instrumentos que atualizem o desempenho do Estado

quanto à exigência dos direitos sociais verificou um órgão que pode auxiliar na exigibilidade

do direito educacional, que é a ouvidoria. A “Ouvidoria é um órgão disponível e, ainda que

com suas limitações”, é uma grande “[...] aliada na conquista de maior participação do

cidadão” na busca por seus direitos.

Isto porque, segundo Nascimento (2012, p. 98) “as Ouvidorias têm características

diferentes da época do Brasil Colônia, pois hoje atuam na defesa da qualidade do atendimento

dos órgãos públicos e dos serviços que prestam à população, garantindo os direitos e

32

A Lei Estadual – Lei nº 20.817 –, sancionada em 30 de julho de 2013 dispõe sobre a idade de ingresso no

ensino fundamental e determina que “Art. 1º Para o ingresso no primeiro ano do ensino fundamental no Estado, a

criança deverá ter seis anos de idade completos até o dia 30 de junho do ano em que ocorrer a matrícula. Art. 2º

A criança que completar seis anos de idade após a data definida no art. 1º será matriculada na pré-escola”.

Todavia, na maioria das decisões relativas ao limite etário questionavam uma Resolução anterior do Conselho

Nacional de Educação que determinava que a matrícula no primeiro ano do ensino fundamental estava

condicionada a que o aluno estivesse com seis anos completos até o dia 31 de março do ano da matrícula. Assim,

em linhas gerais, observou-se que muitas matrículas foram realizadas via Mandado de Segurança, por força de

liminar e, na data do julgamento já não havia sentido uma decisão de segunda instância, visto que o fato já havia

se consolidado com o tempo e já não era possível se ter efeito via julgamento. (CURY; AMARAL; 2014, p. 03)

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161

cidadania”. Mais que isso, conforme a autora o ouvidor faz o controle e a efetivação de um

direito:

A figura do ouvidor se articula com o princípio da transparência, mas não é a mesma

coisa. O ouvidor é uma figura que á frente de um instrumento de articulação auxilia

o Estado no controle e efetivação de um direito proclamado e constituído. Este

mesmo ouvidor é uma garantia para os cidadãos da fiscalização junto ao povo destes

direitos. (NASCIMENTO, 2012, p. 102)

Hoje no Brasil, segundo a pesquisadora, temos 1.043 ouvidorias públicas para atender

aos cidadãos:

Tabela 7. Ouvidorias no Brasil

Fonte: NASCIMENTO, 2012, p. 105.

Destas ouvidorias, segundo a Controladoria Geral da União, 58 são vinculadas ao

Poder Executivo Federal e estão dividas por regiões:

Gráfico 16. Regiões geográficas onde são encontradas ouvidorias públicas vinculadas ao Poder Executivo

Federal

Fonte: NASCIMENTO, 2012, p. 105.

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162

O que podemos observar pelo gráfico é que na região Sudeste (32%) é onde

encontramos a maior concentração de ouvidorias, seguida pela região Nordeste (26%). Estas

regiões também não possuem CAO de Direitos Humanos, porém possuem no Nordeste três

unidades (Bahia, Paraíba e Sergipe) e no Sudeste no Espírito Santo, Minas Gerais e São

Paulo, que também são órgãos de apoio e fiscalização do Ministério Público Estadual.

É importante destacar o papel das ouvidorias quando falamos em justiciabilidade

porque elas têm um papel relevante nos avanços alcançados pela sociedade civil, sobretudo no

que se refere à participação popular, aspecto que consideramos extremamente relevante na

busca pela qualidade educacional.

Assim, conforme Nascimento (2012, p. 105) “cujos anseios de participação vem se

colocando progressivamente em um novo relacionamento entre o cidadão-usuário dos

serviços públicos do Estado” e a autora continua esclarecendo:

Em seus estudos vemos que a participação cidadã na gestão do Estado se afirma, no

Brasil, em pontos básicos como as consultas populares (através de referendos,

plebiscitos, projetos de lei e iniciativa popular), pouco utilizadas apesar de

garantidas na Constituição e que em todo o seu potencial mobilizam e debatem

grandes problemas nacionais. Outros três pontos são o Orçamento Participativo, os

Conselhos Gestores e de Fiscalização de Políticas Públicas e as Ouvidorias.

Na esfera pública, Orçamento Participativo é um processo de elaboração de um

orçamento público que pressupõe a atuação direta e efetiva do cidadão na decisão

sobre os investimentos públicos, independente dos vínculos associativos deste

cidadão. Esta é uma tentativa de implementar um maior controle sobre os

representantes para uma governabilidade mais eficiente e eficaz. (NASCIMENTO,

2012, p. 105)

Desta forma, destaca-se a importância da ouvidoria como órgão de fiscalização no que

se refere à educação é que existem Ouvidorias Educacionais para os direitos já constituídos e

não cumpridos ou respeitados, para os quais os cidadão podem recorrer.

No trabalho de Nascimento (2012, p. 215) em que a pesquisa se realiza no Estado de

Minas Gerais, ela afirma que “apesar da comprovação da relevância desta Ouvidoria

Educacional, deixa a desejar o pouco trabalho para divulgação da existência deste órgão, seja

junto à sociedade ou aos próprios órgãos parceiros de trabalho, as e as próprias escolas”.

Por fim, para compreensão das questões jurídicas que envolvem o pleito na justiça do

direito à qualidade do ensino fundamental público com base nas dimensões da qualidade,

passamos a analisar o embate entre a exigibilidade do direito à educação e as justificativas

legais dadas pelos Poderes Executivos para sua não concretização, com base, sobretudo, no

princípio jurídico da reserva do possível.

Page 163: KARINA MELISSA CABRAL

163

4.1 Embate do direito à educação x princípio da reserva do possível

Muito se fala na questão da viabilidade econômica da educação como direito social e

se os Estados estariam material e financeiramente estruturados para atender tais prestações. É

neste embate entre o direito à educação, sobretudo a qualidade do ensino fundamental posto

na CF/88 e em outros ordenamentos jurídicos, versus, o princípio jurídico da reserva do

possível que se baseia na preservação financeira e orçamentária dos Poderes Executivos, que

abordaremos as questões da viabilidade econômica do direito social à educação. Uma vez que

este princípio jurídico tem sido recorrentemente utilizado pelos governantes para justificar a

ausência de implementação de políticas públicas educacionais e, consequentemente, da

garantia do direito a qualidade educacional.

De fato os direitos sociais são onerosos e quase sempre os Estados se utilizam de

argumentos como a falta de estrutura financeira para absterem-se de torná-los efetivos.

Contudo, o posicionamento de Contreras (1994, p. 110) esclarece a questão: “se a educação é

considerada pela Constituição como direito fundamental, então seu caráter também é

absoluto, intangível, cujo respeito impõe-se aos governantes como um imperativo categórico,

independentemente de abundância ou não de recursos”.

Mas, a discussão não se encerra de forma tão simples.

Segundo Mânica (2007, p. 02) “o orçamento público foi tido meramente como o

documento contábil que continha a previsão das receitas e a autorização das despesas a serem

realizadas pelo Estado, desvinculado de planos governamentais e dos interesses coletivos”. O

que este autor tenta destacar é que durante muito tempo o orçamento público e os demais

elementos financeiros tinham o objetivo de conservar o equilíbrio financeiro e impedir o

aumento dos gastos.

Porém, o Estado Social trouxe uma nova formatação para ordem econômica e,

sobretudo, social, fazendo com que o orçamento público perdesse este aspecto de neutralidade

e operacionalização, para se tornar um instrumento da Administração Pública. Nesta nova

proposta de Estado cria-se também a ideia de implementação de políticas públicas que

concretizem projetos, metas e programas propostos pelo Poder Público. E a partir disso a

intervenção do Estado na ordem econômica e social.

Mânica (2007, p. 03) destaca que “a relação entre orçamento público e políticas

públicas, hodiernamente, é intrínseca”, isto porque, “no Estado Social e Democrático de

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164

Direito, o orçamento instrumentaliza as políticas públicas e define o grau de concretização

dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. Dele depende a concretização

dos direitos fundamentais”.

Assim, tanto o desenvolvimento econômico, como o desenvolvimento social e político

devem pautar-se nas normas orçamentárias, organizadas em pela Lei do Plano Plurianual

(PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). E em face

do “princípio da legalidade da despesa pública, ao administrador público é imposta a

obrigação de observar as autorizações e limites constantes nas leis orçamentárias, sob pena de

crime de responsabilidade previsto pelo art. 85, VI da CF/88, é vedado ao administrador

realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária, nos termos do art. 167, II da CF/88”

(MÂNICA, 2007, p. 03).

Desta forma, há limites constitucionais tanto no âmbito da receita do mesmo modo

que no âmbito da despesa, pois segundo Scaff (2005, p. 220) “não há total e completa

liberdade (de conformação) do Legislador para incluir neste sistema de planejamento o que

bem entender. O legislador e muito menos o administrador não possuem discricionariedade

ampla para dispor dos recursos como bem entenderem”.

E esta discussão neste momento da pesquisa se faz relevante, primeiramente porque a

justiciabilidade dos direitos sociais, ou seja, a exigência por meio de uma ação judicial onde o

poder judiciário obrigue o poder executivo a concretizar um direito social constitucionalmente

previsto tem efeitos diretos nas políticas públicas, uma vez que a efetivação dos direitos

sociais depende, em regra, da realização de políticas públicas por parte do Estado. E esta

exigência que citamos é presente quando da omissão do Poder Público. E estas políticas

públicas, inclusive as educacionais demandam, na sua grande maioria, recursos públicos para

sua efetividade.

Cury (2007, p. 834) afirma que “Com efeito, políticas públicas sem recursos se tornam

declaratórias e potencialmente inócuas”.

O segundo motivo para relevância desta discussão está no fato de que a maioria das

ações judiciais em que se tem como tema o direito educacional há como justificativa do Poder

Público, pela sua omissão, o princípio da reserva do possível.

Na pesquisa realizada por Wang (2008) onde ele analisa os temas da escassez de

recursos, custos dos direitos e cláusula de reserva do possível na jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal – STF, quanto ao direito à educação especificamente, ele chama atenção

para o fato de que as decisões sobre o tema são recentes, datando a mais antiga de 2003 e que

a maioria das ações referem-se à questão de disponibilizar atendimentos a crianças na creche,

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165

exigindo esta obrigação do município. Esta problemática do acesso já foi salientada em outros

momentos deste trabalho:

A começar pelo fato de que nas decisões em que se pede diretamente um dar e fazer

do Estado em matéria de educação, trata-se sempre de obrigação dos municípios de

disponibilizar atendimento a crianças em creches e pré escolas. Digno de nota

também é que essas ações são todas propostas pelo Ministério Público, na sua

função de tutelar direitos das crianças e adolescentes. Outro fato também muito

interessante é que as decisões são recentes, a mais antiga data de 2003 (AI-AgR

410646). (WANG, 2008, p. 552)

Mas, para compreender a temática temos que entender o que abrange o princípio ou

cláusula da reserva do possível, segundo Sarlet que discute a questão da concretização das

prestações materiais devidas pelo Poder Público via recursos financeiros, temos:

[...] problemática da efetiva disponibilidade do seu objeto, isto é, se o destinatário da

norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada (isto é, de prestar

o que a norma lhe impõe seja prestado) encontrando-se, portanto, na dependência da

real existência dos meios para cumprir com sua obrigação. (SARLET, 2001, p. 264)

No mesmo sentido, Canotilho (2003, p. 481) esclarece que “os direitos sociais [...]

pressupõem grandes disponibilidades financeiras por parte do Estado. Por isso, rapidamente

se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Moglichen) para

traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos

cofres públicos”.

Desta forma, é necessário que este tema seja debatido e exposto para que os

educadores também possam compreender as reais divergências jurídicas que envolvem a

temática da justiciabilidade da qualidade do ensino fundamental no Brasil.

As políticas públicas para efetivação de direitos sociais demandam, na grande

maioria das vezes, gastos de recursos públicos. E esse é o ponto central no debate a

respeito da exigibilidade judicial dos direitos sociais, pois uma decisão judicial para

a tutela de um determinado direito social no caso concreto pode obrigar o Estado a

realizar gastos públicos e, uma vez que os recursos públicos disponíveis são menores

do que o necessário para oferecer a todos os cidadãos todos os direitos que a

Constituição prevê, muitas vezes a Administração não tem ou não pode dispor dos

recursos necessários para atender a decisão judicial sem prejudicar a tutela de um

outro direito que o Poder Público entendeu ser mais importante. (WANG, 2008, p.

540)

O autor, portanto, destaca que o Poder Público tem a discrionariedade de escolher

quais direitos irá atender dentre os considerados mais importantes para população. O que se

verifica é que alguns “teóricos entendem que há um limite fático à exigibilidade judicial dos

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166

direitos sociais – que é a sua dependência da capacidade econômica do Estado ou, em outras

palavras, de cobertura financeira e orçamentária –, que não pode ser ignorada pelas decisões

judiciais (ALEXY, 2001; AMARAL, 2001). Esse limite fático é expresso em alguns trabalhos

e decisões jurisprudenciais pelo termo “reserva do possível”” (WANG, 2008, p. 540).

Oliveira (2006, p. 243) quanto a esta discricionariedade dos administradores públicos

afirma que “a decisão de gastar é, fundamentalmente, uma decisão política. O administrador

elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios disponíveis para seu

atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem inserta no documento solene de

previsão de despesas”.

Rocha analisa a questão sob o enfoque da viabilidade do princípio da reserva do

possível, afirmando que

[...] a administração de recursos escassos vai exigir, no âmbito da organização

estatal, a eleição ou a priorização de necessidades concretas a serem satisfeitas em

conformidade com a estrutura política do Estado, incumbido, nas sociedades

modernas, da atribuição [social] de necessidades socioeconômicas e da distribuição

dos objetos para sua satisfação. (ROCHA, 2008, p. 47)

Mas, é Bucci (2006, p. 272-273) que discutindo a questão da sobre a justiciabilidade

das políticas públicas coloca de forma clara as duas questões que envolvem o tema: “(i)

possibilidade de busca de provimento jurisdicional, por cidadãos ou pelo Ministério Público,

com o objetivo de obter a execução concreta de políticas públicas; e (ii) mecanismo através do

qual pode o Judiciário provocar a execução de tais políticas”. Nestas duas opções, o que se

verifica é que muitos juristas têm entendido majoritariamente pela não intervenção do Poder

Judiciário por se tratar de conteúdo de discricionariedade do administrador público. Porém,

esta tese é controversa nos Tribunais.

As decisões abaixo exemplificam a questão:

[...] 1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário,

autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do

administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a

execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução

do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela

específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a

propostas políticas certas e determinadas. [...] (STJ, REsp 493811 / SP, Segunda

Turma, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 15.03.04

A primeira decisão traz o posicionamento positivo em que o Tribunal reconheceu a

legitimidade do Ministério Público em exigir do Poder Executivo o cumprimento de uma

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167

política pública específica. E a segunda decisão, abaixo, é contrária e não concorda com a

intervenção do Poder Judiciário na discricionariedade do administrador:

[...] Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a Municipalidade

tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse público, escolher onde

devem ser aplicadas as verbas orçamentárias e em quais obras deve investir. Não

cabe, assim, ao Poder Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do

Município e determinar a construção de obra especificada. [...] (STJ, REsp 208893 /

PR ; Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004

Todavia, apesar de ser ainda um tema controverso, é fato que apesar do orçamento

público ser uma decisão política, ela está sujeita ao controle judicial, especialmente em

relação à legalidade orçamentária e a legitimidade do administrador para imputação dos

recursos.

O que se percebe é que quando se trata de direitos fundamentais há a aceitação da

intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas, ou seja, não se trata

de definir as políticas públicas que abrangem um direito fundamental, mas de respeitar a

Constituição Federal. Neste sentido, Oliveira afirma que:

Evidente que não se inclui na órbita da competência do Poder Judiciário a

estipulação nem a fixação de políticas públicas. No entanto, não se pode omitir

quando o governo deixa de cumprir a determinação constitucional na forma fixada.

A omissão do governo atenta contra os direitos fundamentais e, em tal caso, cabe a

interferência do Judiciário, não para ditar política pública, mas para preservar e

garantir os direitos constitucionais lesados. (OLIVEIRA, 2006, p. 405)

No mais, em relação à educação a Constituição Federal de 1988 estabelece percentuais

mínimos das receitas públicas a serem aplicados no desenvolvimento do ensino, vinculados a

União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Estes estão certamente sujeitos a controle

judicial.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ reafirmando este posicionamento traz:

Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional,

erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai

consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs

e frias enquanto letras mortas no papel.

Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares,

Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os

direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e

morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à

saúde, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para

utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria

que assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em

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168

regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever,

indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. (...)

6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência

do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do

administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse

campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a

garantia pétrea. (...)

8. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia

suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou

definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular,

constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista

a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa

constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito

educacional.

9. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão

promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder

Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.

10. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito

e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo

realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera

orçamentária. (STJ, REsp 577836 / SC, Primeira Turma, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ

28.02.2005)

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – ACESSO À CRECHE AOS

MENORES DE ZERO A SEIS ANOS – DIREITO SUBJETIVO – RESERVA DO

POSSÍVEL – TEORIZAÇÃO E CABIMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE

ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA – ESCASSEZ DE

RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA –

PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONTEÚDO DO MÍNIMO

EXISTENCIAL – ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO –

PRECEDENTES DO STF E STJ. (STJ – REsp n° 1.185.474 – Acórdão)

Wang (2008, p. 541) destaca que ao analisar os julgados do STF sobre o direito à

educação, vinculados ao tema dos gastos públicos e da reserva do possível, verifica que

Afirmam, ainda, que o não cumprimento desse preceito constitucional “configura-se

inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o

integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o

próprio texto da Constituição Federal”. Em seguida, essas decisões apresentam

alguns trechos da ADPF 45, lembrando que a concretização dos direitos sociais é

feita de forma gradual e indissociável da disponibilidade de recursos. Abordam

também a cláusula da “reserva do possível”, admitindo que o pedido de imediata

efetivação de um direito social só deve ser concedido quando razoável e quando

houver disponibilidade econômico-financeira do Poder Público. Ainda na esteira

dessa ADPF, lembram que a cláusula da reserva do possível não pode ser invocada,

pelo Estado, com a finalidade de “exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de

suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental

negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos

constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade” e que,

mesmo não sendo papel do Poder Judiciário a formulação de políticas públicas, cabe

a esse poder, “em bases excepcionais”, obrigar que políticas sejam implementadas

pelos órgãos estatais cuja omissão mostra-se apta a comprometer a eficácia e a

integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional. Afirmam,

logo em seguida, citando Otávio Henrique Martins Port, que a cláusula de “reserva

do possível”, exceto quando há “justo motivo aferível”, não pode ser invocada pelo

Estado para, “dolosamente”, exonerar-se do cumprimento de sua obrigação

constitucional e, dessa maneira, violar um direito fundamental. Entendem, ainda,

Page 169: KARINA MELISSA CABRAL

169

que o processo de concretização do direito à educação infantil não se subordina a

“avaliações meramente discricionárias da Administração Pública” e nem de “puro

pragmatismo governamental”. (WANG, 2008, p. 553)

Estudo realizado por Silva (2008)33

conclui que alguns direitos, como o Direito à

educação, não podem ficar restritos a cláusula da reserva do possível, pois nosso Estado não

fornece o padrão mínimo de prestações sociais para o povo sobreviver:

Há um núcleo de direitos positivos ligados ao mínimo existencial sempre exigível,

quedando os demais direitos positivos sob a reserva do possível. Tais direitos são tão

importantes que sua outorga ou não-outorga não deve ficar ao alvedrio dos

governantes. Os representantes eleitos através do princípio da maioria democrática

não devem ser os únicos a ditarem quais devem ser as políticas públicas a serem

implantadas, pois a maioria pode não ter sempre razão. Num Estado em que o povo

carece de um padrão mínimo de prestações sociais para sobreviver, onde pululam

cada vez mais cidadãos socialmente excluídos e onde quase meio milhão de crianças

são expostas ao trabalho e seus pais não tem nenhum, os direitos sociais não podem

ficar reféns de condicionamentos do tipo reserva do possível. (SILVA, 2008, p. 25)

Há entre muitas situações, uma que nos tem preocupado mais, que é o uso da Lei de

Responsabilidade Fiscal pelos municípios para repensar a contratação de professores e

realizá-las via terceirização, sem o compromisso com a qualidade dos docentes na educação

pública municipal. Isso é decorrente da ampliação do atendimento da Educação Infantil (EC

59/09), pois os municípios não contam com repasse de verbas suficientes para esta

contratação e quando o fazem acabam por incidir na LRF, na qual os Administradores

Públicos se apoiam para caracterizar o princípio da reserva do possível e que responsabiliza

os gestores públicos que extrapolam o uso dos recursos financeiros.

Assim, percebe-se que a LRF tem sido um obstáculo para ampliação do atendimento

na Educação Infantil, assim como o princípio da reserva do possível tem sido utilizado

quando o recurso não é destinado à educação pelo Poder Público, com a justificativa de que

não havia recursos suficientes para realizar tal compromisso político, que é um direito

educacional de todos. Ou seja, alguns Administradores Públicos têm se valido das legislações

para sucatear a educação, especialmente a infantil.

O que se percebe é que em termos de direito à educação a maioria dos entendimentos

jurídicos considera que o administrador público tem uma margem mínima de

discricionariedade e que quando age por omissão na obrigação de fazer deve ser

responsabilizado, pois para a maioria dos autores e juristas isso é um caso de ineficiência

administrativa ou incapacidade de gerir os recursos públicos que gera prejuízos para a

33 “A atuação do Ministério Público Federal na efetividade dos direitos sociais no estado do Piauí”, pela

Universidade Federal Do Piauí (UFPI)

Page 170: KARINA MELISSA CABRAL

170

população, perdas de tal monta que ocasionam a responsabilização do administrador e a

legalidade do controle judicial, não sendo possível invocar a cláusula da reserva do possível.

4.2 Panorama das políticas públicas educacionais no Brasil

Quando se trata de política pública educacional deve-se considerar, inicialmente, as

dificuldades que este tema suscita, isto porque para abordá-lo é necessário que se tenha

explicitado algumas concepções, sem as quais não há como compreender qual o viés da

análise proposta.

Assim, como Dourado (2010) esclarece, é necessário, portanto, compreender os

“nexos interinstitucionais de implementação de políticas educacionais”, pois :

[...] as imbricações entre a realidade social dinâmica e os atores sociais são

permeadas por categorias analíticas (teórico-conceituais) e procedimentos políticos

(fins visados), cuja materialização se efetiva na intersecção entre regulamentação,

regulação e ação política, marcados por disputas que traduzem os embates históricos

entre as classes sociais e, ao mesmo tempo, os limites estruturais que demarcam as

relações sociais capitalistas. (DOURADO, 2010)

Krawczyk (2008) explica que “há conceitos que se destacam na política e no debate

educacional em cada momento histórico”, como descrito no excerto abaixo:

Na década de 1990, regulação, descentralização, desconcentração, federalismo e

governança foram conceitos muito habituais na análise das políticas educacionais

adotadas no Brasil, na América Latina e até mesmo em âmbito internacional.

Todos esses conceitos expressam diferentes formas de relações entre o Estado e a

sociedade. Especificamente, a regulação, cujo propósito é manter a governabilidade

necessária para o desenvolvimento do sistema, refere-se a um ordenamento

normativo, historicamente legitimado, que medeia as relações entre Estado e

sociedade, que busca a solução de conflitos e a compensação dos mecanismos de

desigualdade e de exclusão próprios do modo de produção capitalista.

(KRAWCZYK, 2008)

Assim, segundo Azevedo (1997, p. 05) “em um plano mais concreto, o conceito de

políticas públicas implica em considerar os recursos de poder que operam na sua definição e

que têm nas instituições do Estado, sobretudo na máquina governamental, o seu principal

referente”. Temos ainda que estas políticas públicas segundo Milek configuram-se como o

resultado das discussões de algumas entidades por meio de suas relações de poder:

Page 171: KARINA MELISSA CABRAL

171

A Política Pública é constituída por grupos econômicos e políticos, classes sociais e

demais organizações da sociedade civil, ela caracteriza-se pelo resultado das

discussões dessas entidades e com suas relações de poder. Dessas discussões surgem

os (re)direcionamentos dos caminhos que deverão ser tomados e, a intervenção

administrativa ou investimentos do Estado na sociedade. (MILEK, 2011, p. 61)

Em resumo, para Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 241) as “políticas públicas são

programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do estado e as

atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente

determinados”. E esta autora ainda afirma que política pública não se confunde com plano ou

programa, pois “a política [pública] é mais ampla que o plano e define-se como o processo de

escolha dos meios para a realização dos objetivos do governo, com a participação dos agentes

públicos e privados”.

Assim, concordamos com Dourado quando este coloca que não há como analisarmos

ou falarmos de políticas públicas sem contextualizar os contornos políticos que aspermeiam:

A avaliação de políticas educacionais pode se efetivar por vários ângulos,

concepções e perspectivas, que requerem uma análise contextualizada dos

complexos contornos políticos que a engendram, uma vez que ela se apresenta por

meio da tensão salutar entre a dimensão técnica e política, cujos horizontes teórico-

ideológicos e políticos a traduzem como uma política de governo e/ou de Estado.

(DOURADO, 2010)

Desta forma, para compreender as políticas educacionais, torna-se essencial

determinar a concepção de Estado, visto que elas são instituídas com base nestes contornos

políticos decorrentes da concepção de Estado vigente, segundo Dourado (2010) em acepção

ampla Estado é

[...] aquela que envolve sociedade civil e política, seus embates e os percursos

históricos em que estas se constroem, tendo por marco as condições objetivas em

que se efetivam a relação educação e sociedade, os processos sistemáticos ou não de

gestão, bem como o papel das instituições educativas e dos diferentes atores que

constroem o seu cotidiano.

Portanto, tal concepção revela que o processo educativo é mediado pelo contexto

sociopolítico e cultural mais amplo, pelas condições em que se organiza a sociedade

e pelos processos de regulamentação e regulação em que se realizam a

institucionalização do direito social à educação, as dinâmicas organizacionais e,

consequentemente, as políticas de acesso, permanência e gestão, que não se

dissociam dos marcos estruturais da sociedade brasileira, fortemente marcados por

uma tradição histórica, cujo ethos patrimonial não foi totalmente superado, onde a

desigualdade social se faz presente num modelo societário desigual e combinado.

Assim, na concepção de Estado, ora posta, a educação compreende-se como um ato

político, permeado por disputas, “um direito social fundamental e que sua efetivação se dá em

um contexto caracterizado como um campo de disputas de concepções e projetos e, portanto,

Page 172: KARINA MELISSA CABRAL

172

demarcada por posições políticas não apenas diferentes, mas substantivamente contraditórias”

(DOURADO, 2010).

Há, por conseguinte, uma educação formal e uma educação não-formal. A primeira é

aquela normatizada segundo as determinações do Estado e tem como objetivos formar o

homem – e aqui, questiona-se, qual o tipo desta formação? –, garantir o direito à educação

para todos e um processo de escolarização que prime por condutas, atitudes e valores. Já, a

segunda é normatizada pela própria população.

Portanto, esta análise é efetuada tendo como pano de fundo uma política pública

educacional, que conforme Di Giorgi (2007, p. 124) já apontou “há uma inegável hegemonia

neoliberal no campo educacional, a ponto de ser difícil hoje discutir política educacional, e

educação de uma forma geral, sem se falar de “formação de capital humano”, “relação custo-

benefício” e etc”.

Assim, há um controle da subjetividade humana, uma lógica que quanto maior o nível

de conhecimento, maior os rendimentos da pessoa, que é o que se denomina valorização do

capital humano.

Segundo Moreira e Kramer (2007, p. 1046) o que se tem visto na educação é o

pensamento empresarial contaminando os movimentos de reforma, “objetivando estruturar as

escolas conforme o modelo das corporações contemporâneas. A escola é concebida como um

negócio, a inteligência é reduzida a instrumento para o alcance de um dado fim e o currículo é

restrito aos conhecimentos e às habilidades empregáveis no setor corporativo”. Porém, é fato

que a visão empresarial está muito aquém da visão educacional e das pesquisas que a

permeiam e a embasam.

No mesmo sentido, Dourado e Oliveira (2009, p. 204) colocam que

[...] é fundamental apreender quais são as políticas indutoras advindas dos referidos

organismos multilaterais e que concepções balizam tais políticas. Para tanto, é

fundamental problematizar a ênfase dada à teoria do capital humano, sobretudo pelo

Banco Mundial, identificando o papel reservado à educação, bem como as diferentes

feições assumidas por ela no que concerne à escola de qualidade.

Furtado (2009, p. 169-170) seguindo a mesma linha de raciocínio dos demais autores

citados esclarece que há a tentativa de se aplicar nas escolas o sentido de “qualidade” que a

iniciativa privada se utiliza, visando à competitividade, ou o que eles denominam por

“excelência”, porém, sobretudo na escola pública esta aplicabilidade dos termos

Administrativos não são pertinentes devido ao fato de que a escola pública não tem viés

meramente instrumental e utilitário, mas é voltada para os interesses públicos:

Page 173: KARINA MELISSA CABRAL

173

É importante lembrar que “qualidade” guarda um sentido de excelência aplicável aos

processos das corporações privadas que, diante da acirrada competitividade do

mercado, buscam a melhoria de produtividade, maximização de resultados,

diminuição de prejuízos.

Esse sentido corporativo de “qualidade”, onde está implícita a noção de eficiência,

acabou migrando para outros setores da sociedade, inclusive para a área de

educação.

Tanto a escola privada como também a escola pública absorveram um vocabulário

típico das relações de mercado, do mundo do consumo e do ambiente corporativo

com palavras tais como “satisfação”, “eficiência”, “resultados”, “qualidade” etc.

A pergunta que seria pertinente fazer é em que medida seria apropriada essa

passagem de noções advindas das relações das organizações empresariais privadas

para as instituições de ensino, considerando que no campo educacional parece não

ser facilmente aceitável conceber, por exemplo, resultados com variações mínimas

de características no sentido de uma produção industrial em série, já que se lida com

a formação de seres humanos, que são individualmente únicos.

Por isso, causa um certo mal-estar a muitos pesquisadores da área da pedagogia, a

unanimidade no discurso social que atribui qualidade ao ensino que almeja

resultados utilitários, como a aprovação em vestibulares concorridos.

O sucesso na aprovação em vestibulares por si só significa qualidade de ensino?

Para a educação da rede pública de ensino esse também é o critério de qualidade?

[...] sentido de qualidade para a escola pública, algo que não seja meramente

instrumental e utilitário, mas vinculado aos interesses públicos que a educação

deveria servir. (FURTADO, 2009, p. 169-170)

Suscitado também esta problemática da incorporação dos termos administrativos pela

educação Fonseca (2009, p. 173) esclarece, quando aborda a questão da qualidade da

educação que:

A qualidade, por sua vez, foi sendo legitimada pelo horizonte restrito da

competitividade, cuja medida é a boa colocação no ranking das avaliações externas.

Se esse enfoque utilitarista serve à excelência empresarial, não é suficiente para

orientar a qualidade da ação educativa. Nesse campo, a qualidade tem como

horizonte as diferentes dimensões da vida social.

O que demonstra que as concepções que permeiam as políticas públicas educacionais

brasileiras não visam uma educação escolar formal que envolva a criticidade, a liberdade e a

autonomia do aluno, mas tão somente a produção mercadológica, a mera cópia.

Mais, que isso, segundo Dourado (2010, p. 35):

Na tradição histórica brasileira, as análises indicam que as políticas educacionais

têm sido marcadas hegemonicamente pela lógica da descontinuidade/continuidade,

por carência de planejamento de longo prazo e por políticas de governo, em

detrimento da construção coletiva, pela sociedade brasileira, de políticas de Estado.

A essência das políticas educacionais tem mudado, pois não visam mais a formação do

homem, mas a instrumentalização do homem, sendo voltadas para a racionalidade, para a

Page 174: KARINA MELISSA CABRAL

174

meritocracia. Obsta esclarecer que, apesar de discutirmos a possibilidade da justiciabilidade

da qualidade da educação, mais especificamente do ensino fundamental público, questão

inicialmente formulada pelas correntes neoliberais, não somos adeptos e nem concordamos

com os posicionamentos que tentam transferir para a educação métodos e termos capitalistas.

Paro (1998) também é veemente em definir a estas concepções neoliberalistas e em

reduzir a escola e sua gestão a saídas meramente tecnicistas:

[...] é preciso refutar, de modo veemente, a tendência atualmente presente no âmbito

do estado e de setores do ensino que consiste em reduzir a gestão escolar a soluções

estritamente tecnicistas importadas da administração empresarial capitalista.

Segundo essa concepção, basta a introdução de técnicas sofisticadas de gerência

próprias da empresa comercial, aliada a treinamentos intensivos dos diretores e

demais servidores das escolas para se resolverem todos os problemas da educação

escolar.

[...]

Como os fins da empresa capitalista, por seu caráter de dominação, são, não apenas

diversos, mas antagônicos aos fins de uma educação emancipadora, não é possível

que os meios utilizados no primeiro caso possam ser transpostos acriticamente para

a escola, sem comprometer irremediavelmente os fins humanos que aí se buscam.

(PARO, 1998, p. 302)

Em termos de política pública educacional, voltada para a qualidade da educação

brasileira, estas permeiam várias áreas:

As demandas educacionais são as que dizem respeito às questões de ensino, os

avanços pretendidos no âmbito pedagógico e que caracterizam o que se entende por

um ensino de qualidade. As principais demandas educacionais são a promoção da

efetiva aprendizagem por parte dos alunos, o acesso e a permanência de todos na

escola, a redução da distorção série-idade, a eliminação da reprovação, a igualdade

de acesso ao conhecimento a todos, a equidade de oportunidades de ensino e a

classificação de todos no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)

sob o valor 6.0, no mínimo. (MATHEUS; LOPES, 2014, p. 387)

E concordamos com as autoras quando salientam que para “introduzir para as escolas

um padrão de qualidade que transcenda os governos e a dinâmica de alternância de poder e

que considere as especificidades da Educação Básica (BRASIL, 2009d) é considerado um

desafio e, nesse sentido, duas vias de atuação são apontadas: o investimento financeiro e o

currículo (Brasil, 2010)”, mas não só isso, outros aspectos também tem que ser levados em

consideração, como uma política de planos e carreira para docentes, entre outros. Neste caso,

estamos no rumo certo, pois tanto o PDE, quanto o FUNDEB e o PNE são políticas que

caminham neste sentido.

Page 175: KARINA MELISSA CABRAL

175

Assim, destaca-se o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE,

em abril de 2007, no início do segundo mandado do presidente Lula, composto por 52 ações

variadas. Neste contexto, segundo Saviani (2007, p. 16):

[...] o PDE foi saudado como um plano que, finalmente, estaria disposto a enfrentar

esse problema, focando prioritariamente os níveis de qualidade do ensino ministrado

em todas as escolas de educação básica do país. Mas o "Plano" se mostra bem mais

ambicioso, agregando 30 ações que incidem sobre os mais variados aspectos da

educação em seus diversos níveis e modalidades.

É importante esclarecer que o PDE não é um plano, mas sim um programa de políticas

sociais, de política de governo e não de Estado. Neste sentido, Saviani (2007, p. 16-17)

explica:

Confrontando-se a estrutura do Plano Nacional de Educação (PNE) com a do Plano

de Desenvolvimento da Educação (PDE), constata-se que o segundo não constitui

um plano, em sentido próprio. Ele se define, antes, como um conjunto de ações que,

teoricamente, se constituiriam em estratégias para a realização dos objetivos e metas

previstos no PNE. Com efeito, o PDE dá como pressupostos o diagnóstico e o

enunciado das diretrizes, concentrando-se na proposta de mecanismos que visam à

realização progressiva de metas educacionais. Tive, porém, que introduzir o

advérbio "teoricamente" porque, de fato, o PDE não se define como uma estratégia

para o cumprimento das metas do PNE. Ele não parte do diagnóstico, das diretrizes e

dos objetivos e metas constitutivos do PNE, mas se compõe de ações que não se

articulam organicamente com este.

[...]

Em sentido negativo, constata-se que, na verdade, o PDE não se configura como um

Plano de Educação propriamente dito. É, antes, um programa de ação. (grifo nosso)

Precisamos compreender também o que são políticas de governo e políticas de Estado,

neste caso Oliveira esclarece a questão, trazendo que:

Considera-se que políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num

processo elementar de formulação e implementação de determinadas medidas e

programas, visando responder as demandas da agenda política interna, ainda que

envolvam escolhas complexas. Já as políticas de Estado são aquelas que envolvem

mais de uma agência do Estado, passando em geral pelo Parlamento ou por

instâncias diversas de discussão, resultando em mudanças de outras normas ou

disposições preexistentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade.

(OLIVEIRA, 2011, p. 329)

Mas, o PDE possui pontos positivos, e, o principal deles é a discussão do problema

qualitativo da educação, o que não foi feito, segundo Saviani (2007), no “PNE e também não

se encontrava nos planos anteriores”. Entre os principais instrumentos do PDE para “atacar o

problema qualitativo da educação básica brasileira”, destacam-se a instituição do "Índice de

Page 176: KARINA MELISSA CABRAL

176

Desenvolvimento da Educação Básica" (IDEB), o "Provinha Brasil" e o "Piso do Magistério"

(SAVIANI, 2007).

O Plano de Desenvolvimento da Educacao (PDE) pode ser considerado a primeira

grande iniciativa do ministro Fernando Haddad, buscando uma reorientação de rumo

para a educação no governo Lula. Constituindo-se na reunião de dezenas de

programas que abarcam da educação básica – compreendendo suas etapas e

modalidades – a educação superior, tal iniciativa procurou dar direção a política

educacional no país, tendo como grande timoneiro o governo federal. (OLIVEIRA,

2011, p. 328)

Segundo Vieira o PDE é uma conjugação de ações novas e antigas que busca a

articulação de políticas entre Municípios, Estados e União:

Sob um grande guarda-chuva denominado Plano de Desenvolvimento da Educação

(PDE), o governo Lula apresentou à sociedade brasileira um conjunto de ações,

novas e antigas. O Plano tem o inerente mérito de pôr o tema em relevância na cena

nacional. Busca, também a articulação de políticas entre municípios, estados e

União, sabidamente um desafio decorrente das frágeis bases sistêmicas do processo

de descentralização. Procura, ainda, fixar metas para escolas e redes de ensino, o que

é importante para o bom uso dos sempre escassos recursos destinados ao setor.

(VIEIRA, 2007)

É importante destacar que o PDE foi elaborado quando ainda estava em vigência o

Plano Nacional de Educação (2001-2010), Lei n. 10.172/2001; no entanto, concordamos com

Saviani (2007), o PDE “foi formulado paralelamente e sem levar em conta o disposto no

PNE”, ou seja, o PNE (2001-2010) foi completamente ignorado, apesar de ser uma legislação

que traz em seu bojo metas de amplo alcance, que poderiam ter servido de base e diretriz para

planejamento e gestão da educação nacional, porém não foi o que ocorreu, pois o PNE (2001-

2010), segundo Dourado (2010, p. 66)

[...] não foi acionado como tal pelos diferentes segmentos da sociedade civil e

política brasileira [...] as possíveis melhorias na qualidade da educação nacional

efetivaram-se como resultantes de ações e políticas governamentais stricto sensu,

sem ter o Plano como o epicentro do processo político.

Outra análise importante sobre o PDE como política pública vinculada à educação é

que ele apresenta claramente significantes ações para educação de uma forma geral, mas

como já descrito por Saviani (2007) por ser um grande aparato de programas e ações não há

uma articulação técnico-pedagógica suficiente entre eles para que surta o efeito necessário e

buscado pelo PDE:

Page 177: KARINA MELISSA CABRAL

177

O PDE apresenta indicações de grandes e importantes ações direcionadas a educação

nacional. No entanto, não esta balizado por fundamentação técnico-pedagógica

suficiente e carece de articulação efetiva entre os diferentes programas e ações em

desenvolvimento pelo próprio MEC e as políticas propostas. Tal constatação revela

a necessidade de planejamento sistemático, que, após avaliar o conjunto de ações,

programas e planos em desenvolvimento, contribua para estabelecimento de

políticas que garantem organicidade entre as políticas, entre os diferentes órgãos do

MEC, sistemas de ensino e escola e, ainda, a necessária mediação entre o Estado,

demandas sociais e o setor produtivo, em um cenário historicamente demarcado pela

fragmentação e/ou superposição de ações e programas, o que resulta na

centralização das políticas de organização e gestão da educação básica no país

(DOURADO, 2007, p. 928).

Falta ao PDE, portanto, um melhor planejamento sistemático. Segundo Saviani em

análise sobre o panorama das políticas públicas hoje e a relação entre o PNE e o SNE:

O panorama que hoje se descortina, mesmo com o antídoto representado pelo Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério (Fundef) seguido do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), é aquele

em que municípios pobres tendem a ter um ensino pobre, municípios remediados,

um ensino remediado, e municípios ricos, um ensino mais satisfatório. Configura-se,

dessa forma, um processo de aprofundamento das desigualdades que apenas

recentemente está se procurando reverter com as ações que integram o Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE). (SAVIANI, 2010, p. 384)

Em 25 de junho de 2014 por meio da Lei 13.005 foi aprovado o Plano Nacional de

Educação – PNE, esta política educacional foi discutida no Congresso Nacional por quatro

anos e tem vigência para o decênio de 2014 a 2024.

Segundo Saviani, ao longo da história política brasileira, Plano Nacional de

Educação, formulou conceitos, ora com viés de racionalidade científica, ora para controle

político-ideológico, ora para viabilizar a distribuição dos recursos educacionais, ora voltado

para tecnocracia e no último PNE, do governo FHC (2001-2010), tinha como força

propulsora o fato de ser um instrumento da racionalidade financeira de educação:

Em suma: na década de 1930 o conceito de plano assumiu o sentido de introdução

da racionalidade científica na educação; no Estado Novo, metamorfoseou-se em

instrumento destinado a revestir de racionalidade o controle político-ideológico

exercido pela política educacional; com a LDB de 1961, converteu-se em

instrumento de viabilização da racionalidade distributiva dos recursos educacionais;

no regime militar, caracterizou-se como instrumento de introdução da racionalidade

tecnocrática na educação; na “Nova República”, sua marca foi o democratismo

com o que a ideia de introduzir, pelo plano, uma espécie de racionalidade

democrática se revestiu de ambiguidade; finalmente, na era FHC, o plano se

transmutou em instrumento de introdução da racionalidade financeira na educação.

(SAVIANI, 2010, p. 391)

Já o PNE atual, de 2014-2024, possui como diretrizes que o sustentam:

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178

Art. 2º São diretrizes do PNE:

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da

cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;

IV - melhoria da qualidade da educação;

V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e

éticos em que se fundamenta a sociedade;

VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;

VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;

VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como

proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às

necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade;

IX - valorização dos (as) profissionais da educação;

X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à

sustentabilidade socioambiental. (PNE)

Percebe-se que a qualidade da educação é pano de fundo para cada uma das diretrizes

acima mencionadas e que, apesar do conceito de qualidade educacional não obter um

consenso entre os pesquisadores, isso não exime o dimensionamento da educação nas três

perspectivas que abordamos neste trabalho: insumos, processos e resultados. O PNE vem

corroborar esta proposta, pois indica a necessidade de insumos, ou seja, investimentos na

educação via aumento de recursos públicos destinados à mesma; a necessidade de valorização

profissional, gestão democrática da educação pública, bem como respeito aos direitos

humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental, formação para o trabalho e para a

cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade, ou seja,

o processo educacional; a necessidade de resultados via indicadores, erradicação do

analfabetismo, etc.

O PNE possui vinte metas, como descrito abaixo:

Meta 1: universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de

4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em

creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de

até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.

Meta 2: universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população

de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por

cento) dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de

vigência deste PNE.

Meta 3: universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15

(quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE,

a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento).

Meta 4: universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou

superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional

especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de

sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas

ou serviços especializados, públicos ou conveniados.

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179

Meta 5: alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3o (terceiro) ano do

ensino fundamental.

Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por

cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por

cento) dos (as) alunos (as) da educação básica.

Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades,

com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes

médias nacionais para o Ideb:

Meta 8: elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e

nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano

de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor

escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a

escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Meta 9: elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais

para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final

da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50%

(cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional.

Meta 10: oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de

educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada

à educação profissional.

Meta 11: triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio,

assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da

expansão no segmento público.

Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta

por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18

(dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão

para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento

público.

Meta 13: elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e

doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação

superior para 75% (setenta e cinco por cento), sendo, do total, no mínimo, 35%

(trinta e cinco por cento) doutores.

Meta 14: elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto

sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000

(vinte e cinco mil) doutores.

Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política

nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e

III do caput do art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que

todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação

específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de

conhecimento em que atuam.

Meta 16: formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos

professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a

todos (as) os (as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área

de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos

sistemas de ensino.

Meta 17: valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de

educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais

profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência

deste PNE.

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180

Meta 18: assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de Carreira

para os (as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas

de ensino e, para o plano de Carreira dos (as) profissionais da educação básica

pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei

federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.

Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão

democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à

consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo

recursos e apoio técnico da União para tanto.

Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no

mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto - PIB do País no

5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por

cento) do PIB ao final do decênio. (PNE)

Há claramente no novo PNE a “proposta de criação de um Sistema Nacional de

Educação, previsto em lei, a partir dos pressupostos que sustentam a organização sistêmica”

(OLIVEIRA, 2011, p. 324). No mais, este novo PNE, Lei 13.005/2014, teve desde sua

elaboração uma preocupação em efetuar o diagnóstico e traçar as metas para a educação

brasileira nos próximos dez anos, e o que se nota é que houve uma preocupação especial com

o financiamento da educação, condição indispensável para o desenvolvimento da mesma.

Art.2º

[...]

§ 3º A meta progressiva do investimento público em educação será avaliada no

quarto ano de vigência do PNE e poderá ser ampliada por meio de lei para atender às

necessidades financeiras do cumprimento das demais metas.

§ 4º O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da

Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos aplicados

na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos programas de

expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e

isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios

concedidos em programas de financiamento estudantil e o financiamento de creches,

pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da Constituição Federal.

§ 5º Será destinada à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, em acréscimo

aos recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição Federal, além de

outros recursos previstos em lei, a parcela da participação no resultado ou da

compensação financeira pela exploração de petróleo e de gás natural, na forma de lei

específica, com a finalidade de assegurar o cumprimento da meta prevista no inciso

VI do art. 214 da Constituição Federal. 34

É importante destacar que o PNE anterior (2001-2010), lei n. 10.172/2001, previa

várias ferramentas que não foram implementadas. É necessário e premente que, para o

sucesso do novo PNE, essas questões sejam devidamente revistas e de fato realizadas.

Assim, no que concerne à política pública educacional verificamos que “questões de

gestão, centralização, descentralização, financiamento, autonomia, ênfases curriculares,

34

PNE, lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.

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181

avaliação etc. adquirem sentidos diferentes em situações sociais e políticas diversas”,

conforme destacam Gatti, Sá Barreto e André (2001, p. 14).

E concordamos com estas autoras que colocam que as políticas públicas educacionais

no Brasil são verificadas em diferentes instâncias de governo em decorrência de tratar-se de

um país com regime federativo e, por isso mesmo, nem sempre elas “traduzem uma posição

de governo articulada com clareza de direção, com metas integradas e compreensivas, com

balizas sobre onde se pretende chegar ou que processos e dinâmicas educacionais se

pretendem desencadear” (GATTI, SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 14).

Campos analisa que as reformas educacionais, apesar de possuírem alguns pontos em

comum incidem, de fato, sobre realidades sociais, econômicas e culturais muito diversas,

portanto, a mesma medida pode ter representatividade completamente diferente quando

aplicadas em contextos tão díspares:

Parece assim que as reformas educacionais, embora com alguns pontos de partida

comuns – os compromissos da conferência de Jomtien, a preocupação com as

mudanças no sistema produtivo e na economia –, ao incidirem sobre realidades

bastante diversas, sobre grupos sociais com diferentes condições de vida e diferentes

possibilidades de exercício de poder, sobre sociedades profundamente divididas nos

planos econômico, social, político e cultural, nem sempre produziram resultados que

levassem a maior democratização do acesso ao conhecimento e a melhor resposta da

escola às necessidades dos diversos segmentos da população. (CAMPOS, 2013, p.

25-26)

A autora destaca também, ainda quanto às políticas educacionais atuais que estas

ajudaram, de uma forma ou de outra, a incluir a educação na agenda política e a dar-lhe

visibilidade social, não estando mais apenas restritas ao campo de atuação dos educadores:

É importante, todavia, reconhecer que as reformas, com todas suas limitações e

contradições, tiveram o mérito de ajudar a incluir a educação na agenda política e

dar visibilidade social a questões que antes estavam restritas ao campo específico de

atuação dos educadores. Estes, talvez sem obter os consensos que buscavam,

provocaram a expressão de concepções alternativas, de resistências, de dissensos. A

massa de dados gerada pelos sistemas de avaliação centralizados possibilitou a

realização de estudos que puseram a nu as desigualdades no acesso ao conhecimento

por parte de alunos com diferentes origens sociais, evidenciando processos de

discriminação e de reforço de desigualdades que persistem na escola, agora

aparentemente aberta a todos. (CAMPOS, 2013, p. 27-28)

Oliveira (2011) analisando a política educacional do período FHC destaca que a

educação passou por diversas reformas acompanhando a tendência mundial de flexibilização

da gestão, autonomia das escolas e responsabilização dos docentes

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182

Esse movimento de reformas levado a termo no Brasil pelo governo de ___

acompanhou a tendência em nível mundial que apontava na direção de maior

flexibilidade na gestão, maior autonomia as escolas e maior responsabilização dos

docentes. A descentralização administrativa, financeira e pedagógica foi a grande

marca dessas reformas, resultando em significativo repasse de responsabilidades

para o nível local, por meio da transferência de ações. Assim, as reformas realizadas

no Brasil durante o governo de que teve no decorrer de seus dois mandatos um só

ministro da Educacao, Paulo Renato de Souza, determinaram novas formas de

financiamento, gestão e avaliação da educação básica, conformando uma nova

regulação assentada na descentralização e em maiores flexibilidade e autonomia

local. Essas mudanças foram determinantes de novas relações entre as diferentes

esferas administrativas na matéria educacional, especialmente entre União e

municípios. Muitos elementos trazidos por essas reformas foram duramente

criticados pelos movimentos sociais que estiveram na base eleitoral do presidente

Lula. (OLIVEIRA, 2011, p. 327)

Assim, percebe-se que a política educacional do governo FHC fragmentou a sua

gestão, pois havia vários programas sociais e educativos que “buscavam atender a públicos

focalizados, revelando grande dispersão de políticas temporárias que se afirmavam mais como

políticas de governo que de Estado, cujas bases institucionais de controle social não estavam

definidas” (OLIVEIRA, 2011, p. 329), ou seja, a educação brasileira estava sem nenhuma

sistematização e sem este sistema educacional vigente não há como estabelecer bases de

cooperação entre os entes federados.

Já no Governo Lula e, posteriormente, no de Dilma Roussef verifica-se uma promoção

de uma política nacional de condução e orientação da educação básica:

[...] envolvendo os estados e os municípios e setores da sociedade civil, e buscando

recuperar certo protagonismo perdido na definição das políticas educativas em

âmbito nacional pelas reformas ocorridas nas décadas passadas. Por outro, reduz as

possibilidades de autonomia e autodeterminação dos governos subnacionais.

(OLIVEIRA, 2011, p. 329)

Havia até o PNE uma ausência de interlocução entre as ações e leis do PDE o que

transparecia as dificuldades que o modelo e a estrutura educacional de nosso país enfrentam,

isto porque a organização federativa do Brasil impacta na área educacional, tanto que outro

aspecto importante do novo PNE é a preocupação com o Sistema Nacional de Educação –

SNE, com os planos de educação de cada ente federado e o regime de colaboração entre eles,

como veremos no próximo capítulo.

4.3 Centralização e descentralização

Page 183: KARINA MELISSA CABRAL

183

Como sabemos o Brasil é um país de dimensões continentais e, esta característica,

juntamente com a forma com que ocorreu o desenvolvimento do mesmo, expressa uma

desigualdade inter e intrarregional, que conforme Oliveira e Sousa (2010, p. 13) é “decorrente

da assimetria entre as condições econômicas dos entes federados e a distribuição de

competências previstas constitucionalmente, que indica o que cabe a cada um realizar no

tocante ao provimento da educação para a população, resultando em diferentes condições de

oferta”.

E colocamos esta discussão em pauta, pois a estrutura federativa impacta diretamente

nas políticas públicas, sobretudo educacionais, tendo em vista que esta composição contraria

o direito à educação que “pressupõe igualdade de condições para todos, contrapõe-se à

diferenciação típica do sistema federativo”, conforme esclarece Oliveira e Sousa (2010, p.

13).

Anderson (1987), assim conceitua federalismo:

[...] é o sistema político (e os princípios fundamentais desse sistema) que: a) defende

ou estabelece um governo central para todo o país e determinados governos

regionais autônomos (estados, províncias, Länder, cantões) para as demais unidades

territoriais; b) distribui os poderes e as funções de governo entre os governos central

e regionais; c) atribui às unidades regionais um conjunto de direitos e deveres; d)

autoriza os governos de ambos os níveis a legislar, tributar e agir diretamente sobre

o povo, e e) fornece vários mecanismos e procedimentos para a resolução dos

conflitos e disputas entre os governos central e regionais, bem como entre duas ou

mais unidades regionais (FGV, 1987, p. 471).

Assim, o Brasil é uma República Federativa constituída de forma indissolúvel por

União, Estados, Municípios e o Distrito Federal formando o Estado Democrático de Direito.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (CF/88)

O Brasil, portanto, é um Estado Federado dividido em diversas unidades

independentes denominadas de entes federativos. Há muita contenda sobre o caráter

federativo dos Municípios, visto que na maioria dos países os Municípios são apenas

classificados como subdivisões administrativas dos Estados. Contudo, nossa Constituição é

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184

explícita em classificá-los como entes federativos dotados de autonomia (AÇÃO

EDUCATIVA, 2007).

O nosso federalismo deve ser considerado como cooperativo, isto porque segundo

Araújo nossa CF/88 está ancorada no cooperativismo, no equilíbrio das tensões, na equidade e

assimetria entre os entes federados:

Os fundamentos da Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988 estão

ancorados no federalismo cooperativo, cuja intenção é equilibrar os conflitos

federativos e garantir a mesma qualidade de vida para todos os cidadãos,

independente da região, estado ou cidade em que habitam. Desse modo, sua

premissa é o equilíbrio das tensões entre simetria e assimetria, unidade e diversidade

e união e autonomia. (ARAÚJO, 2010, p. 738)

Desta forma, os entes federativos em nosso país possuem competências próprias,

previstas na CF/88, ou seja, são áreas de atuação exclusivas que, por vezes, podem ser

compartilhadas dependendo da matéria tratada.

Quanto à autonomia dos entes federativos e da consequente repartição de competência,

Silva explica que isso é o ponto principal de um Estado Federal:

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências para o

exercício e desenvolvimento de sua atividade normativa. Esta distribuição

constitucional de poderes é o ponto nuclear da noção de Estado federal. São notórias

as dificuldades quanto, a saber, que matérias devem ser entregues à competência da

União, quais as que competirão aos Estados e quais as que se indicarão aos

Municípios. (SILVA, 2002, p. 475)

Oliveira e Sousa destacam que há um desarranjo neste modelo federativo de

descentralização, pois quando se analisa a divisão dos recursos orçamentários se verifica que

não há o acompanhamento da estrutura tributária, portanto, o município sofre, tendo em vista

que recebe menos recursos:

[...] quando se analisa a materialização desse arranjo, observa-se que a desigualdade

se mantém significativa, posto que a divisão dos recursos orçamentários, decorrente

da estrutura tributária, não se altera. Tal situação é agravada com a Constituição de

1988, ao incorporar o município como ente federativo, evidenciando-se

descompasso entre os recursos disponibilizados a cada um e suas responsabilidades

na oferta educacional, mesmo considerando-se os mecanismos de transferências

intergovernamentais. (OLIVEIRA; SOUSA, 2010, p. 17)

Tanto é que a educação infantil, um dos níveis de ensino de responsabilidade dos

municípios, tem sofrido as consequências desta divisão orçamentária, pois os municípios não

têm recursos suficientes para ampliar e melhorar a educação infantil; entretanto como

Page 185: KARINA MELISSA CABRAL

185

perceberemos na análise da justiciabilidade do direito à educação, este é o direito que possui o

maior índice de exigibilidade jurídica no país. Assim, surge uma questão: como os município

cumprirão a determinação legal de arcar com a responsabilidade da educação infantil se não

tem repasse suficiente de verbas?

Os estudos sobre o financiamento da educação no país revelam os enormes

obstáculos que se colocam para a ampliação e melhoria da qualidade da educação

infantil. Como mostram Guimarães e Pinto (2001), a maioria dos municípios,

principais responsáveis pelo atendimento a essa faixa etária, não conta com recursos

suficientes para consolidar redes de educação infantil de qualidade. Segundo esses

autores, seria necessário o aporte de novos recursos federais para que as metas de

expansão definidas no PNE possam sair do papel. Infelizmente, como mostrou o

estudo de Barreto (2003) sobre o período de governo anterior (1998-2002), foi

exatamente o inverso que ocorreu na definição de prioridades do poder executivo

federal. (CAMPOS; FÜLLGRAF ; WIGGERS, 2006, p. 101)

Para Abrucio (2010, p. 46) “o principal mote do novo federalismo inaugurado pela

Constituição de 1988 foi a descentralização. Processo que significava não só passar mais

recursos e poder aos governos subnacionais, mas, principalmente, tinha como palavra de

ordem a municipalização”.

Veloso no Ciclo de Audiências Públicas que discutiu a Educação e Federalismo, em

12 de setembro de 2012, afirmou que:

[...] o modelo brasileiro de gestão e financiamento da educação tem desenho

adequado à dimensão e às características federativas do País. Em linhas gerais, esse

modelo é marcado pela descentralização da educação básica; pelo financiamento por

meio de vinculação orçamentária de receitas dos entes federados, com

complementação da União; e por um sistema de avaliação a cargo do Governo

Federal. (VELOSO, 2012, p. 01)

Em nosso país cada um dos 5.564 municípios, 27 estados e Distrito Federal têm

autonomia em relação ao outro e competências próprias, ou seja, somente ele pode tratar de

determinados assuntos. Contudo, para algumas matérias, permite a Constituição que as

unidades da federação atuem em conjunto ou de forma substitutiva. Essa atuação pode se dar

de forma complementar, chamada pela Constituição de competência concorrente35

. Nessa

forma de competência, o ente federal de maior grau na escala de hierarquia, a saber: a União

em relação aos Estados, Distrito Federal e Municípios, e os Estados sobre os Municípios;

trata do assunto de forma geral, deixando a especificidade da matéria, se houver, nas mãos

dos entes federativos específicos (AÇÃO EDUCATIVA, 2007).

35

CF, art. 24.

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186

Na realidade devido à falta de regulamentação do regime de colaboração no Brasil

temos vários conflitos entre os entes federativos tanto em linha vertical, como em linha

horizontal, ou seja, na vertical percebemos que o governo federal incentiva programas de

descentralização, pois nestes pode ficar apenas como fiscalizador dos processos; outro aspecto

muito nefasto da verticalização é a guerra entre os municípios e estados por recursos do

governo federal, sempre por meio de demandas fragmentadas. Já em linha horizontal o

problema encontra-se na guerra fiscal.

Na educação fica claro que a dificuldade é horizontal, onde há um conflito pela

responsabilização dos entes federados na garantia de acesso, permanência e qualidade nas

etapas e modalidades da educação básica.

Oliveira e Sousa (2010, p. 18) esclarecem que se busca atribuir à União papel

supletivo a estados e municípios, e quanto a estrutura tributária e os recursos destinados aos

entes federados:

Se não se muda a estrutura tributária, é cabível pensar-se numa ação do nível central

no sentido de compensar a desigualdade e aumentar a equidade no acesso aos

serviços públicos, em particular à educação. Entretanto, as propostas esbarram na já

citada dificuldade da aprovação da reforma tributária. Elas têm de se viabilizar nos

limites da estrutura política vigente, ou seja, têm de se haver com a resistência dos

beneficiados pelo modelo. (OLIVEIRA; SOUSA, 2010, p. 18)

Esta divisão, sobretudo no que concerne a municipalização devido às diferenças

culturais, sociais e políticas do nosso país, foram bastante desiguais, tanto que Abrucio

destaca muitos resultados negativos decorrentes deste processo:

[...] a dependência financeira ou a escassez de recursos para dar conta das demandas

dos cidadãos; baixa capacidade administrativa, o que implica dificuldade para

formular e implementar os programas governamentais, mesmo quando há dinheiro

federal ou estadual envolvido; e os males que atrapalham a democratização dos

municípios, como o clientelismo, a “prefeiturização” (isto é, o excesso de poder nas

mãos do prefeito), o pouco interesse em participar politicamente e/ou de controlar os

governantes. (ABRUCIO, 2010, p. 46-47)

Neste cenário, temos as políticas públicas educacionais. a questão da cooperação entre

os entes federados e a articulação destas políticas – que normalmente não ocorrem entre as

esferas de poder gerando sérios problemas educacionais, especialmente no ensino

fundamental – de forma intrínseca ou por determinação constitucional:

Um cenário não cooperativo entre os municípios é ainda mais complicado tendo em

conta que em diversas políticas públicas, seja por suas características intrínsecas

(como no caso da gestão das bacias hidrográficas, que sempre estão em mais de um

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187

território), seja por determinação constitucional, existe a necessidade de

compartilhamento de ações entre os níveis de governo. Vale citar aqui o exemplo da

educação, no qual é impossível implementar bem as políticas, em particular para o

ensino fundamental, sem que haja uma colaboração entre estados e municípios, uma

vez que a rede pública existe em ambas as esferas – é possível, inclusive, encontrar

uma escola municipal e outra estadual bem próximas entre si numa mesma cidade.

(ABRUCIO, 2010, p. 49)

Oliveira e Sousa (2010, p. 14) lembram que “a forma de cooperação, além da

normativa comum, materializar-se-ia pela via financeira ou, quando muito, da assistência

técnica, enquanto que na saúde, a “colaboração” pode se dar por meio de organismos

independentes”.

Toda esta problemática que envolve o federalismo e a centralização ou

descentralização das políticas públicas gerou um jogo de poder não cooperativo ou em alguns

casos criou formas de coordenação entre os níveis de governo.

Quanto à educação o nosso sistema de ensino está assim organizado:

Art. 211 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em

regime de colaboração seus sistemas de ensino.

§ 1º - A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará

as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional,

função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades

educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e

financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;

§ 2º - Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação

infantil.

§ 3º - Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino

fundamental e médio.

§ 4º - Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios

definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino

obrigatório.

§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular. (CF/88)

Conforme já esclarecido em nossa dissertação de mestrado “quando, no caso acima, o

ente federado de maior grau exime-se de tratar determinado assunto que deveria, pode o ente

inferior tratá-lo mesmo se for matéria classificada como de caráter geral, posta a inoperância

do primeiro” (CABRAL, 2008, p. 105). Essa forma de competência, é deominada em nossa

Constituição como suplementar, estando sempre ligada à competência concorrente, pois é

uma espécie de substituta desta ou subsidiária, que conforme Araújo é:

A subsidiariedade é uma ideia e um princípio que consiste na defesa de políticas

diretamente conduzidas pela autoridade e/ou instituição mais próxima do cidadão.

Dessa forma, a prioridade das iniciativas, do ponto de vista das políticas, seria a da

sociedade sobre o Estado e, na esfera estatal, a preponderância da instância local

sobre o estado e deste sobre o governo federal. (ARAÚJO, 2010, p. 756)

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188

E elucidando qualquer discussão quanto à questão da subsidiariedade em face do

direito à educação, Araújo afirma que esta se aplica plenamente ao mesmo, pois:

[...] na área de educação, a Constituição Federal de 1988 em seus artigos 211, 212 e

213 informam princípios de subsidiariedade, além das Emendas Constitucionais n.

14/96 e n. 53/06, que regulamentam respectivamente o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF) e o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da

Educação (FUNDEB). (ARAÚJO, 2010, p. 756)

Nossa Constituição também menciona aquelas que são competências exclusivas da

União36

, ou seja, quando apenas esta entidade é capaz de agir ou legislar sobre determinada

matéria; as competências privativas da União37

, quando somente esta pode dispor sobre

determinadas matérias, sendo possível a participação dos Estados somente através de Lei

específica que os autorize e, por fim, as competências comuns38

, que são aquelas que qualquer

ente federativo pode trabalhar em pé de igualdade. Tais competências podem também ser

classificadas como materiais, quando dizem respeito à implementação de políticas públicas

pelo Poder Executivo; ou legislativas, quando se referem à capacidade de estabelecer normas

sobre determinados assuntos. Estes acertos ocorreram a partir da LDB39

e do Fundef - Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério40

.

Abrucio afirma que evoluímos muito em termos de legislação e de políticas públicas

educacionais, mas ainda promove algumas críticas ao federalismo e a forma de cooperação

entre os entes em relação à distribuição dos recursos, tendo em vista que não se tem

indicadores de eficiência e efetividade das políticas educacionais:

A distribuição de recursos, no entanto, responde à questão da cobertura (eficácia) e

não tem indicadores referentes à eficiência e à efetividade da política. A

universalização do acesso não é acompanhada de instrumentos que permitam aos

fundos melhorar a qualidade do gasto da educação no Brasil. Basta acompanhar os

dados do Ideb para ver que há outros fatores, além da equalização orçamentária, que

devem afetar o processo educacional e seu impacto sobre os alunos.

Nesse quesito, a coordenação federativa ainda é fraca no Brasil, não obstante seja

importante realçar o programa de ajuda do governo federal, criado recentemente

pelo ministro Haddad, para auxiliar os mil municípios com pior Ideb. Embora tenha

havido uma melhoria em termos de negociação intergovernamental na passagem do

Fundef ao Fundeb, não ocorreu uma institucionalização de fóruns federativos

capazes de atuar em prol do regime colaborativo. (ABRUCIO, 2010, p. 64)

36

CF, art. 21. 37

CF, art. 22. 38

CF, art. 23. 39

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 40

Instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24

de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997.

Page 189: KARINA MELISSA CABRAL

189

A determinação dessas competências faz-se extremamente necessária para podermos

responsabilizar as diferentes pessoas públicas quando estas falham com a devida prestação de

serviços. E a falta de instituições no processo de deliberações das políticas educacionais, em

contrapartida, promovem uma menor accountability.

A falta de conhecimento sobre quem é quem no âmbito da execução de nossos

direitos, das políticas públicas e, mais especificamente, do direito à educação, muitas vezes

inviabiliza o próprio exercício do direito.

Para Rezende (2010, p. 71) “o equilíbrio entre responsabilidades e recursos em uma

federação requer soluções tão mais complexas quanto maiores forem as disparidades regionais

e sociais”.

Portanto, conforme a CF/88 e a organização do sistema de ensino brasileiro, acima

descrito, compete aos Municípios e ao Estado promover o ensino fundamental de qualidade, o

Município é responsável pelas séries iniciais do ensino fundamental (primeira a quinta série) e

o estado pelas demais séries (sexta a nona série), sendo que a União deve exercer a função

redistributiva e supletiva, de forma a garantir padrão mínimo de qualidade do ensino mediante

assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou seja, a

União em caso de oferta irregular por falta de qualidade no ensino fundamental, responde

judicialmente de forma concorrente, solidária, com o Estado ou Município – dependendo da

série em que se promova a deficiência na qualidade educacional – sendo ambos responsáveis

pela promoção de uma educação de qualidade no ensino fundamental e a União possuindo

responsabilidade concorrente.

Por fim, acreditamos que seja necessário definir um modelo de governança para a

educação brasileira por meio da institucionalização efetiva de um Sistema Nacional de

Educação; sabe-se que esta discussão esteve em pauta na tramitação do Plano Nacional de

Educação – PNE e que tanto a Constituição Federal de 1988 quanto o PNE (2014-2024)

destacam sua importância, porém ele não foi até o momento efetivamente colocado em

prática. Assim, o SNE desde a EC 59/2009 já existe porém o que não há é a passagem de sua

existência para consistência.

A definição de Sistema Nacional de Educação nos é dada por Ferraz:

Ao conjunto assim organizado dá-se o nome de sistema de ensino. Se

desmembrarmos o conceito identificando-lhe e agrupando-lhe os elementos ou

componentes essenciais, aí vamos encontrar as quatro causas tratadas na filosofia

aristotélico-tomista: a) a causa material, a matéria de que é feito o sistema (pessoas,

coisas recursos); b) a causa formal, as normas (leis, decretos-leis, decretos e outros

atos da autoridade competente) que dão forma orgânica a tal matéria; c) o órgão do

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190

Poder Público ao qual incumba atuar como causa eficiente, dando organização ao

sistema; d) a causa final, os fins ou valores (éticos, políticos, religiosos, econômicos,

pedagógicos, etc.) em vista dos quais o sistema se organiza. (FERRAZ, 1984, p. 9-

10)

Antes da EC 59/2009, segundo Cury (2008, p. 1189) o que tinhamos era a

“organização da educação nacional de acordo com o Título IV da atual LDB e não um sistema

nacional”. “Nacional é a educação, na forma federativa em que comparecem competências

privativas, concorrentes e comuns dos entes federativos”, não o sistema; para o autor, “um

sistema de educação supõe, como definição, uma rede de órgãos, instituições escolares e

estabelecimentos – fato; um ordenamento jurídico com leis de educação – norma; uma

finalidade comum – valor; uma base comum – direito” (CURY, 2008, p. 1204).

Esta discussão está em pauta desde o antigo PNE, porém conforme esclarece Oliveira

(2011, p. 330) devido à “ausência de uma legislação nacional que estabelecesse o Sistema

Nacional de Educacao no Brasil, sua estrutura, funcionamento e orientação, caberia ao PNE o

lugar de referência legal da educação em todos os níveis e modalidades. Contudo, a força de

lei que deveria ter o PNE (2001-2010) não se fez cumprir”.

Como já discutimos em momento anterior, não consideramos o PDE como uma

política de Estado e neste sentido, Araújo discutindo o tema destaca que este conglomerado

de ações são nevrálgicas e não estabelecem de fato a regulamentação de um regime de

colaboração:

Todavia, esses “minipactos” não incidem sobre a questão histórica, estrutural e

nevrálgica da organização da educação nacional que é a constituição de um Sistema

Nacional de Educação (SNE), cujas bases são duas medidas vigorosas do ponto de

vista político e institucional: uma reforma tributária, que elimine as brutais

desigualdades regionais, e a regulamentação do regime de colaboração, ou seja, duas

medidas que alteram o modelo do federalismo brasileiro, do ponto de vista fiscal e

do ponto de vista jurídico-político. (ARAÚJO, 2010, p. 754)

E é muito importante que seja lembrado que a falta de regulamentação, como destaca a

autora, deste regime de colaboração no país não ocorreu não por falta de tentativas, pois estas

existiram. De acordo com Cassiani, citado por Cardoso:

Foram elaborados cinco projetos de lei que abordam o regime de colaboração na

educação, todos de iniciativa do Legislativo. Entretanto, não houve debate sobre a

matéria, uma vez que foram arquivados sem relatoria ou porque não estavam

relacionados à matéria, ou por fim de legislatura, ou por trâmite indevido (CASSINI,

2010 apud ARAÚJO, 2010, p. 735).

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191

O Sistema Nacional de Educação – SNE está previsto no artigo 2014 da Constituição

Federal de 1988, com a seguinte redação:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com

o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e

definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a

manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e

modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes

esferas federativas que conduzam a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº

59, de 2009)

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - melhoria da qualidade do ensino;

IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como

proporção do produto interno bruto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de

2009) (CF/88)

O que se percebe é que a CF/88 a partir da EC n. 59/2009 passou a compreender como

essencial a existência de um Sistema Nacional de Educação para articular o regime de

colaboração entre os entes federados, com intuito de assegurar a manutenção e o

desenvolvimento do ensino em todos os seus níveis, visando, entre outras coisas, a qualidade

da educação.

Para tanto o PNE aprovado em 25 de junho de 2014 determina em seu artigo 13 a

necessidade de que em dois anos seja instituído o SNE por meio de lei específica e que este

seja responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para

efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação.

E o PNE na meta 20, estratégia 20.9 determina prazo de dois anos para que haja a

regulamentação do parágrafo único do art. 23 e o art. 211 da Constituição Federal, para que

sejam estabelecidas as normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios, em matéria educacional, e a articulação do sistema nacional de educação em

regime de colaboração, com equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos e

efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União no combate às

desigualdades educacionais regionais, com especial atenção às regiões Norte e Nordeste.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios:

[...]

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a

União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio

do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 53, de 2006) (CF/88)

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192

Esta Emenda Constitucional, como afirmou Carlos Roberto Jamil Cury no lançamento

da CONAE 2014, no MEC, “constituiu” o Sistema Nacional de Educação”, mas não o

“institui”, isto é, ele está na Constituição mas não na prática da educação brasileira.

Argumenta Dourado (2010, p. 681) com base no Documento Final da CONAE, que é

necessário que haja a “efetivação do Sistema Nacional de Educação e a instituição do Fórum

Nacional de Educação como instância máxima de deliberação do SNE” bem como a

“regulamentação do regime de colaboração e cooperação entre os entes federados”, “de modo

a constituir condições políticas e de gestão que contribuam para a efetivação da melhoria nos

diferentes níveis e modalidades que caracterizam a educação nacional”. (DOURADO, 2010,

p. 681)

Concordo com Gadotti (2012) quando afirma que a implementação do SNE só faz

sentido se pautado na lógica colaborativa, ou seja, “cimentada pela gestão democrática e tiver

por finalidade a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, como determina o

Inciso I do artigo terceiro da Constituição Federal de 1988”, isto porque a CF/88 instituiu um

modelo de federalismo cooperativo onde haja a “participação social e o controle público sobre

a gestão das políticas públicas, prevendo uma multiplicidade de conselhos obrigatórios para

estados e municípios receberem repasses de recursos” (GADOTTI, 2012).

Em síntese, Saviani destaca que a melhor forma de se atender adequadamente as

necessidades educacionais em um país sob o regime do pacto federativo é por meio do

Sistema Nacional de Educação, pois através dele é possível se articular os interesses e

necessidades de cada ente federado:

[...] a forma própria de se responder adequadamente às necessidades educacionais de

um país organizado sob o regime federativo é exatamente por meio da organização

de um Sistema Nacional de Educação. Isso porque, sendo a Federação a unidade de

vários estados que, preservando suas respectivas identidades, intencionalmente se

articulam tendo em vista assegurar interesses e necessidades comuns, ela postula o

sistema nacional. Este, no campo da educação, representa a união intencional dos

vários serviços educacionais que se desenvolvem no âmbito territorial dos diversos

entes federativos que compõem o Estado federado nacional. Na construção do

Sistema Nacional de Educação e na efetivação do Plano Nacional de Educação,

deve-se levar em conta o regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito

Federal e os municípios, conforme disposto na Constituição Federal, efetuando uma

repartição das responsabilidades entre os entes federativos, todos voltados para o

mesmo objetivo de assegurar o direito de cada brasileiro, provendo uma educação

com o mesmo padrão de qualidade a toda a população. Na repartição das

responsabilidades os entes federativos concorrerão na medida de suas peculiaridades

e de suas competências específicas consolidadas pela tradição e confirmadas pelo

arcabouço jurídico. Assim, as normas básicas que regularão o funcionamento do

sistema serão de responsabilidade da União, consubstanciadas na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional e no Plano Nacional de Educação, traduzidas e

Page 193: KARINA MELISSA CABRAL

193

especificadas pelas medidas estabelecidas no âmbito do Conselho Nacional de

Educação. Os estados e o Distrito Federal poderão expedir legislação complementar,

adequando as normas gerais a eventuais particularidades locais. Não incluo aqui os

municípios porque a Constituição Federal não lhes confere a competência para

legislar em matéria de educação. Veja-se o artigo 30 da Constituição que trata das

competências dos municípios. (SAVIANI, 2010, p. 387)

Não se pode esquecer na organização do SNE que seja efetuada, portanto, a repartição

das responsabilidades entre os entes federativos de acordo com suas competências específicas.

Em suma, o Sistema Nacional de Educação integra e articula todos os níveis e

modalidades de educação com todos os recursos e serviços que lhes correspondem,

organizados e geridos, em regime de colaboração, por todos os entes federativos sob

coordenação da União. Fica claro, pois, que a repartição das atribuições não implica

exclusão da participação dos entes aos quais não cabe a responsabilidade direta pelo

cumprimento daquela função. Eles participarão por meio dos respectivos colegiados,

acompanhando e apresentando subsídios que venham a tornar mais qualificadas as

decisões tomadas. E assumirão responsabilidades diretas nos aspectos que lhes

correspondem por meio das secretarias e conselhos estaduais de educação e das

secretarias e conselhos municipais de educação sempre que tal procedimento venha

a concorrer para a flexibilização e maior eficácia da operação do Sistema Nacional

de Educação, sem prejuízo, evidentemente, do comum padrão de qualidade que

caracteriza o sistema. (SAVIANI, 2010, p. 388)

Na distribuição de responsabilidades entre os entes federados podemos dizer que

dificilmente as questões que envolvem a formação de professores, carreira e condições de

exercício da mesma poderiam ser delegados aos municípios, pois estas questões constituem

matéria de responsabilidade compartilhada entre União e estados. Os municípios devem

responder pela “construção e conservação dos prédios escolares e de seus equipamentos,

assim como sobre a inspeção de suas condições de funcionamento, além, é claro, dos serviços

de apoio, como merenda escolar, transporte escolar etc” (SAVIANI, 2010, p. 388).

Já o financiamento do SNE deverá ser compartilhado entre Estados, Municípios e

União, conforme o regime dos fundos de desenvolvimento educacional.

Neste sentido, Dourado destaca que

É possível deduzir desses princípios constitucionais que proporcionar os meios de

acesso à educação é dever de todos os entes federados e que sua efetivação deve ser

resultante da cooperação e colaboração, o que não prescinde de normas nacionais,

bem como de normas subnacionais articuladas, ou seja, o exercício da autonomia

deve se efetivar no horizonte tensionado pelas condicionalidades e

complementaridade, o que, no caso brasileiro, implica repensar o sistema tributário

nacional e as condições objetivas dos entes federados nesse processo, por meio de

uma reforma tributária que deslinde novos horizontes ao processo de

descentralização das políticas. (DOURADO, 2013, p. 767)

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194

Assim, as competências privativas que não descaracterizam os entes federados, mas

sim que demonstram que o sistema deve se efetivar por meio de relações de cooperação entre

eles.

Isto é essencial à política pública educacional brasileira na busca pela qualidade da

educação, pois há uma grande diferença entre as diversas regiões do país no que se refere às

taxas de escolarização bruta e líquida da educação básica, isto porque, não se observam no

tratamento das questões macroestruturais as diferenças regionais, que são culturais, sociais,

políticas e, sobretudo, econômicas:

Tabela 8. Taxas de escolarização bruta e líquida da educação básica

Fonte: IBGE/PNAD; elaborado por Inep/DTDIE

Especificamente quanto ao ensino fundamental, foco central deste trabalho,

observamos que a taxa de escolarização é mais equilibrada entre as regiões, sendo a com

menor taxa a região Norte seguida pela região Nordeste do país; porém percebemos que na

pré-escola os menores indicadores estão no Sul e no Centro-Oeste e no ensino médio no

Nordeste.

Mais que isso, temos ainda de acordo com os dados PNAD de 2010 que a taxa de

analfabetismo absoluto da população com 15 anos ou mais é de 9,7% e o analfabetismo

funcional é de 20,3%. Constata-se também o aumento na taxa de escolarização das crianças

de 4 e 5 anos, de 70,1% em 2007 para 72,8% em 2008. Mesmo com este aumento, ainda há

muito para ser feito, são muitos os desafios a serem alcançados e para que isto ocorra a

cooperação entre os entes federados e a articulação entre eles se faz necessária, e para isso o

SNE é imperativo.

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195

E a preocupação com este panorama e com a necessidade da cooperação entre os entes

federados é tamanha que, segundo Dourado (2013, p.773) em 2012 o MEC constituiu um

Grupo de Trabalho que tem como objetivo “elaborar estudos sobre a implementação do

regime de colaboração mediante os arranjos de desenvolvimento da educação, e em

decorrência dos estudos e debates vai rediscutindo a orientação dos ADE sinalizando para

perspectivas mais amplas, como os consórcios públicos, além de questões e proposições

direcionadas à instituição de lei complementar de regulamentação do regime de

colaboração”.41

Neste contexto de responsabilização dos entes federados pela qualidade do ensino

fundamental promovido surge a discussão sobre a necessidade de aprovação de uma Lei de

Responsabilidade Educacional que defina claramente as responsabilidades de cada ente

federado e as penalidades no caso de seu descumprimento.

O final deste capítulo aborda esta legislação e a discussão em pauta sobre a viabilidade

de a ação civil pública garantir o direito à qualidade do ensino fundamental público em nosso

país.

4.4 A ação civil pública e a exigibilidade da qualidade do ensino fundamental público

A ação civil pública é regulamentada pela Lei n. 7.347 de 24 de julho de 1985 e

consubstancia-se em um instrumento processual com fundamentação constitucional que tem

como finalidade à defesa de interesses difusos e coletivos:

Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as

ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados

I - ao meio-ambiente;

II - ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

V - por infração da ordem econômica;

VI - à ordem urbanística.

VII - à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.

Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que

envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários

podem ser individualmente determinados.

41

Sobre ADE - Arranjos de Desenvolvimento Educacionais (Parecer CNE/CEB n. 9/2011 e Resolução

CNE/CEB n. 1/2012) e regime de colaboração (Parecer CNE/CP n. 11/2012)

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196

Segundo Silva (2008, p. 63) a ação civil pública “tem por fim responsabilizar o agente

público que, não cumprindo o seu dever, desrespeitou direito alheio, coletivamente

considerado, impondo-lhe uma obrigação de fazer. É, assim, instrumento processual que pode

ser usada para implementar direitos sociais assegurados pela Constituição Federal”.

Ela é utilizada para responsabilização do agente que desrespeitou um direito social

coletivo ou difuso. Os estudos econômicos introduziram na educação o termo accountability

que “ (que não tem tradução direta nem para o espanhol nem para o português) é o conceito

que expressa esta tendência e o mesmo faz referência primeiramente aos resultados em termos

de aprendizagem e a utilização que os atores têm feito dos recursos para alcançar esse

objetivo” (BIANCHETTI, 2008, p. 250 apud CORVALÁN; MCMEEKIN, 2006, p. 12).

Mais que isso, o accountability é um conceito polissêmico, para Corvalan e Mcmeekin

este possui dois sentidos:

[...] ‘rendição de contas’ e ‘responsabilização’ –, podemos ter uma aproximação à

temática em questão, entendendo que a accountability alude a ambos os sentidos: em

parte é uma prestação de contas aos interessados ou envolvidos pelos resultados do

processo educativo, o que por sua vez, se espera, tenha como consequência um

incremento dos níveis de responsabilização de cada ator sobre tal processo. (...) A

prestação de contas na accountability educacional refere-se, então, primeiramente

aos resultados em termos de aprendizagem e à utilização dos recursos pelos atores

do processo para conseguir esse objetivo (CORVALÁN E MCMEEKIN, 2006, p.

11-12).

Segundo Pinho e Sacramento (2009) o termo accountability apresenta em seu âmago a

compreensão da responsabilização pessoal pelos atos praticados e explicitamente a exigente

prontidão para a prestação de contas, seja no âmbito público ou no privado.

Este conceito neoliberal também trouxe consigo “um novo raciocínio à avaliação dos

resultados dos processos educativos e servem de argumento aos programas políticos que

adotam a ‘eficiência’ como princípio que rege as políticas públicas” (BIANCHETTI, 2008, p.

250), como já discutido durante este capítulo.

No mais, como também já salientamos, há enormes divergências entre a corrente

produtivista e a civil democrática, porém isso não interfere no fato de que existe a necessidade

de todos os agentes públicos prestarem contas à sociedade que os sustenta e isso pode ser

compreendido em uma perspectiva democrática, basta partimos de fato da função social da

escola que defendemos que é totalmente contrária a concepção produtivista.

O accountability foi explorado pela visão produtivista, mas pode ser pensado e

proposto sob o viés da corrente civil democrática, lembrando que não podemos aprisionar o

tema nos quadros do neoliberalismo. E pensamos assim, pois segundo Carneiro (2000) o tema

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197

accountability surge como uma demanda de governança democrática, pois legitima uma

gestão que tenha por base ações governamentais de eficácia social:

O grau de governança democrática de um estado depende, diretamente, do quantum

de accountability existente na sociedade, depende da natureza e abrangência do

controle público sobre a ação governamental, porque o princípio da soberania

popular, alma da democracia, pressupõe nao apenas o governo do povo e para o

povo, mas também pelo povo. [...] E mais: não basta a existência de mecanismos de

accountability vertical, tal como eleições, ou mecanismos horizontais de controle

mútuo da ação governamental. É necessário, sobretudo, para a prática da boa

governança, a vigência de mecanismos de accountability societal, que ampliem o

escopo do controle público sobre a ação governamental e dêem concretude aos

princípios básicos da regra democrática e da legitimidade política. (CARNEIRO,

2000, p.11).

E Carneiro (2000) compreende a ideia de accountability como uma questão da

democracia, onde a gestão pública é a responsável pelos próprios atos. Isto porque, ele

acredita, e nós também, que a democracia por ser sustentada pelos princípios democráticos

necessita que os mesmos sejam efetivados para que a base da soberania popular se concretize,

e que não haja nada contraditório na responsabilização e no controle dos governantes pelos

governados, que descaracterize esta ação como a finalidade de um governo democrático.

Não há possibilidade de haver sucesso na democracia se os seus cidadãos não forem

capazes de atuar civil e socialmente, exigindo do governo sua prestação governamental, pois

não há nada de desconexo com a democracia e a participação popular quanto aos mecanismos

institucionais que proporcionem o controle das ações do governo.

Destaca-se que não há neste estudo qualquer pretensão de responsabilização pessoal

dos professores e nem mesmo compreensão de que a justiciabilidade, ou exigibilidade jurídica

do direito à qualidade do ensino fundamental, possa ser promovida pessoalmente ou

particularmente; tendo em vista a natureza do pedido, postulamos pela Ação Civil Pública

promovida pelo representante das crianças e adolescentes na esfera legal, o Ministério

Público, visto que somente ele pode pleitear um benefício para toda uma sociedade e

transformar esta decisão com efeitos erga ormnes.

E a opção por este nível de ensino, o ensino fundamental, se dá justamente pelo fato de

que apesar de toda a educação básica ser considerada pela CF/88 como direito público

subjetivo, apenas o ensino fundamental possui hoje essa característica, uma vez que tanto a

educação infantil quanto o ensino médio tem até 2016 para a implantação progressiva e

universalização.

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198

Neste sentido, Silveira (2010, p.13) destaca que “a opção pelo ensino em nível

fundamental deve-se ao fato de que somente essa etapa da educação básica é definida na

Constituição Federal como direito público subjetivo”.

Isto porque, “quando se diz que todo cidadão tem direito, o que se está dizendo não é

mais que há um dever de humanidade para com ele, mas um dever jurídico que se pode exigir de

qualquer outro cidadão ou residente, assim como do próprio Estado”, de acordo com Lopes (2006,

p.159).

Mais que isso, segundo Silva (2008, p. 26) “a alegação de reserva do possível não

pode prevalecer quando se tratar da efetivação de direitos sociais necessários para garantir o

mínimo existencial, que se constitui das obrigações eleitas como prioritárias a serem atendidas

pelo Poder Público segundo a Constituição Federal”, o direito à educação, portanto, deve ser

respeitado e atendido com qualidade.

Silva (2003, p. 3) afirma que a Ação Civil Pública é “um poderoso instrumento legal

colocado à disposição do Ministério Público para defender direitos assegurados pela

Constituição Federal e pelas leis infraconstitucionais”. Ou como conceitua Milaré (1995, p.

235) é “[...] o direito expresso em lei de fazer atuar, na esfera civil, em defesa do interesse

público, a função jurisdicional”.

Importa destacar o que são direitos difusos e coletivos, sendo os primeiros mais

amplos, derivados de escolhas políticas; já os segundos são mais restritos e inerentes à

especificidade da condição humana:

No âmbito do objeto da ação civil pública, clássica a distinção entre os direitos (ou

interesses) difusos e os coletivos. Os dois primeiros, transindividuais de natureza

indivisível, isto é, tuteláveis ou suscetíveis de lesão apenas em conjunto, além de

indisponíveis, inapropriáveis individualmente e intransmissíveis inter vivos ou

mortis causa. Os primeiros, mais amplos e por vezes de toda a humanidade,

informais, inerentes à pura condição humana e de titularidade de pessoas

indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato, além de intrinsecamente

conflituosos, por derivados de escolhas políticas, daí, não raro, de duração

contingencial. A modificação da titularidade ativa se dá pela só mutação das

circunstâncias de fato, tal como quanto aos moradores de uma determinada região.

Os segundos, menos amplos e inerentes a alguma especificidade de condição

humana, relativamente informais e de titularidade de pessoas determinadas, ligadas

entre si ou com a parte contrária por relação jurídica base que as constitua em grupo,

categoria ou classe, a impor a pertinência temática da disputa. A modificação da

titularidade ativa se dá pela adesão ou exclusão da relação jurídica base. Ecologia,

qualidade de vida, direitos dos consumidores, direitos humanos, etnia, erário,

minorias, economia popular, ordem econômica, abastecimento, patrimônio nacional

amplamente considerado, deficientes físicos, investidores no mercado de valores

mobiliários, criança e adolescência, biossegurança, potencial hídrico, planos de

saúde, idosos, ordem urbanística, segurança pública, disponibilização de

medicamentos, são exemplos dos interesses difusos. Os interesses dos advogados

(ao dizer, por exemplo, do quinto dos Tribunais), dos professores, dos tabeliães, dos

médicos, dos engenheiros no geral das aspirações da classe, são exemplos de

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199

interesses coletivos. Não o interesse individual de algum ou de alguns de tais

profissionais, mas o da respectiva classe, impessoalmente considerada, eis a

exemplificação dos interesses coletivos. (VIEIRA, 2012, p. 01)

A educação é um direito difuso visto que como já dissemos é um direito inerente à

condição humana, vinculado à dignidade da pessoa humana, possuindo como titulares pessoas

indeterminadas (os educandos), mas que são ligadas por circunstâncias de fato decorrentes de

políticas públicas (a qualidade da educação que lhes é oferecida pelo Estado em suas

dimensões). E ainda, esta lei se aplica no que for cabível, aos dispositivos do Título III do

Código de Defesa do Consumidor.42

No mais, segundo Silveira (2010, p. 101) “a tutela do direito prestacional à educação

[categoria de direito que pode ser enquadrada na definição de direitos difusos, coletivos e

individuais homogêneos, adotada pelo artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor] tem

disciplina própria, representada pela Lei de Ação Civil Pública (LACP), CDC, e,

subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil”.

A ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o

cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Desta forma, é cabível contra o Poder

Público nos casos de descumprimento de suas obrigações positivas, direito público subjetivo,

no caso obrigações relativas ao direito educacional.

Desta forma, é fato que cabe “ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, na atividade

de controle das omissões do poder público, determinar a redistribuição dos recursos públicos

existentes, retirando-os de outras áreas [...] para destiná-los ao atendimento das necessidades

vitais do homem, a fim de oferecer-lhe condições mínimas de existência” (SILVA, 2008, p.

25-26). E quando não o faz deve responsabilizar-se pela sua omissão.

Este instrumento jurídico encontra-se vinculado ao Ministério Público, conforme o

artigo 129, inciso III, porém isto não afasta a possibilidade de entidades públicas ou

associações legitimadas também promoverem a Ação Civil Pública.

Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

[...]

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

(CF/88)

42

Art. 11, Lei n. 7.347/85

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200

Como dito a propositura não se restringe só ao Ministério Público; também a União,

estados e municípios, autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia

mista, associações civis e a defensoria pública também estão legitimados a fazer uso dela.

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao

consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais,

étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico.

§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará

obrigatoriamente como fiscal da lei.

§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos

deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

§ 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação

legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade

ativa.

§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja

manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou

pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

§ 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da

União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que

cuida esta lei.

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso

de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá

eficácia de título executivo extrajudicial.43

O que se percebe pela leitura da Lei é que apesar de não se restringir ao Ministério

Público a propositura da Ação Civil Pública, exigi-se que este órgão atue como fiscal da lei

nestas ações.

É apto para propor a Ação Civil Pública em sede de direito educacional, sobretudo

direito à qualidade do ensino fundamental público o Ministério Público Estadual, tanto que a

Lei Orgânica do Ministério Público nos estados determina como suas funções:

Art. 25. [...]:

I - propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou

municipais, em face à Constituição Estadual;

II - promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do

Estado nos Municípios;

III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao

consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

43

Lei n. 7.347/85

Page 201: KARINA MELISSA CABRAL

201

paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e

homogêneos;

b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público

ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações

indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;

V - manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e,

ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções

institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os

processos;

VI - exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem

idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência;

VII - deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio

ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e

penitenciária e outros afetos à sua área de atuação;

VIII - ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro

público condenados por tribunais e conselhos de contas;

IX - interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de

Justiça; (Lei n. 8.625/93)

Neste caso, o Ministério Público pode ser provocado por qualquer pessoa que pode

indicar-lhe elementos de convicção para iniciar a ação. Já, os juízes e tribunais, no exercício

de suas funções que tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação

civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.44

Assim, o Ministério Público Estadual tem legitimidade para propositura de ação civil

pública contra o Estado ou Município, e de forma concorrente a União, em face do não

cumprimento do oferecimento do ensino fundamental público com padrão de qualidade

quando uma das três dimensões que a constituem não se fizerem presentes:

Se a Constituição Federal [...] elege determinado interesse como especialmente

protegido, como a educação fundamental, não pode o estado ou o município alegar

insuficiência orçamentária para não ter escola no seu território, podendo nesse caso

o Ministério Público ajuizar ação civil pública para que tal serviço seja oferecido,

para dar cumprimento à exigência constitucional. Silva (SILVA, 2008, p. 27)

Na pesquisa realizada junto aos representantes do Ministério Público Estadual

brasileiro, neste trabalho, verificou-se que eles indicam a Ação Civil Pública com base no

ECA e na Constituição Federal de 1988 como meio jurídico para exercício dos direitos de

crianças e adolescentes. Transcrevemos abaixo uma das respostas obtidas quando inquirimos

os sujeitos sobre quais mecanismos judiciais o Ministério Público dispõe para atuar na

construção da cidadania e na democracia,

Além dos instrumentos conferidos pela Constituição Federal e pelos demais

documentos normativos, a exemplo da possibilidade de se firmar Termo de

44

Art. 5º e 6º, Lei n. 7.347/85.

Page 202: KARINA MELISSA CABRAL

202

Ajustamento de Conduta, de expedir Recomendações e, outrossim, ingressar como a

Ação Civil Pública, o Ministério Público de Santa Catarina procura articular

esforços com outros órgãos do Sistema de Garantias, atuando por meio de

programas e campanhas institucionais. (CAO Santa Catarina)

Assim, percebe-se o consenso entre a teoria jurídica até o momento analisada e as

concepções dos representantes do MP.

Em paralelo à concepção neoliberalista há a discussão no Congresso Federal da Lei de

Responsabilidade Educacional45

por meio do Projeto de Lei n. 8039/2010 que altera a Lei n.

7.347, de 24 de julho de 1985, para disciplinar a ação civil pública de responsabilidade

educacional:

Art. 3ºA. Caberá ação civil pública de responsabilidade educacional para

cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, sempre que ação ou omissão da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios comprometa ou ameace

comprometer a plena efetivação do direito à educação básica pública.

§ 1º A ação civil pública de responsabilidade educacional tem como objeto o

cumprimento das obrigações constitucionais e legais relativas à educação básica

pública, bem como a execução de convênios, ajustes, termos de cooperação e

instrumentos congêneres celebrados entre a União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios, observado o disposto no art. 211 da Constituição.

§ 2º O objeto da ação civil pública de responsabilidade educacional destina-se ao

cumprimento das obrigações mencionadas no § 1o, não abrangendo o alcance de

metas de qualidade aferidas por institutos oficiais de avaliação educacionais.

Segundo os autores do Projeto de Lei, Fernando Haddad, Luiz Paulo Teles, Luis

Inácio Lucena Adams, o objetivo da alteração legal é “introduzir uma modalidade de ação

civil pública fundada na responsabilidade educacional, tendo por objeto o cumprimento de

obrigação de fazer ou não fazer visando à melhoria da qualidade da educação básica pública”

(E.M.I. n° 034/MEC/MJ/AGU).

Os autores argumentam como justificativa para a introdução desta nova lei que

Faltam, todavia, no nosso ordenamento jurídico, mecanismos efetivos e eficientes

para garantia de que tais compromissos serão levados a cabo, ou ainda instrumentos

de responsabilização por eventual falta de empenho dos gestores na sua

45 Está em andamento na Comissão Especial na Câmara dos Deputados para parecer o projeto de lei relativo à

“qualidade da educação básica e a responsabilidade dos gestores públicos na sua promoção”, matéria que vem

sendo tratada como objeto de uma Lei de Responsabilidade Educacional. Tramitavam na Comissão dezenove

projetos sobre o assunto, sendo apensados ao PL n° 7.420, de 2006. A retomada da discussão no Congresso foi

motivada pelo envio de Mensagem do Presidente da República, recebida como PL n° 8.039, de 2010. Este

projeto incluía na Lei da Ação Civil Pública a modalidade ação civil pública de responsabilidade educacional,

delimitando que seu objeto seriam as obrigações de fazer e de não fazer previstas na legislação e nos convênios,

ajustes e termos assinados entre os entes federados. Seu ponto mais significativo, no entanto, consistia em

delimitar que não cabe ação de responsabilidade para exigir o cumprimento de metas de qualidade aferidas por

institutos oficiais de avaliação. Em 12 de dezembro de 2013, foi apresentado substitutivo global pelo relator,

Dep. Raul Henry (PMDB –PE).

Page 203: KARINA MELISSA CABRAL

203

concretização. Com efeito, contentar-se com sanções administrativas, limitadas à

interrupção de repasses ou eventual instauração de tomadas de contas e restituição

das verbas já repassadas, significa penalizar ainda mais aquele município ou estado

já prejudicado pela omissão ou má gestão. É preciso que a má atuação do Poder

Público na área de educação seja objeto de medidas capazes de reverter esse quadro

e colocar as coisas no rumo certo. Necessário, pois, a criação de mecanismos que

possam exigir o efetivo cumprimento das obrigações constitucionais, legais ou a

execução de medidas administrativas voluntariamente assumidas na área da

educação. (E.M.I. n° 034/MEC/MJ/AGU)

A Série Debates de 2008 da UNESCO trouxe algumas discussões acerca dos

fundamentos para uma Lei de Responsabilidade Educacional e destaca que apesar do Brasil

contar com uma alta carga tributária “as despesas educacionais pelas três esferas de governo

ou se mantiveram ou diminuíram como percentual sobre o PIB”, porém sabemos que os

motivos não são a baixa arrecadação fiscal. Na realidade, o que ocorre é que

[...] apesar de a União ter a maior carga tributária líquida das três esferas, é a que

menos contribui para a educação. Por sua vez, os estados sustentam a maior parte

das despesas e os municípios são os primos pobres. Contrastam, de um lado, a

centralização tributária e, de outro, a decrescente participação federal no esforço em

favor da educação. É bem verdade que grande parte das ações do MEC é

descentralizada, isto é, concretizam-se por meio de apoio e transferências aos

governos subnacionais, inclusive pelo FUNDEB. Ainda desse modo, se percebem as

sombras do modelo iniciado no Império, com o Ato Adicional de 1834 à

Constituição. (GOMES, 2008, p. 05)

Na realidade, a educação encontra-se na agenda mundial deste século e para que ela se

realize são necessárias às três dimensões da qualidade (insumos, processo e resultados).

Assim, por responsabilidade devemos “entender a obrigação que pesa sobre um sujeito em

satisfazer uma prestação (social) que lhe e positivamente atribuída. Cumprir encargos,

desempenhar atribuições confiadas a um administrador publico e uma obrigação que não

sendo fielmente cumprida responde, e (e responsabilizado) por eventuais omissões e

irregularidades” (CURY, 2011, p. 03).

A proposta de uma Lei de Responsabilidade Educacional deve conter e depender de

um ciclo que começa e termina com os direitos estatuídos pela Constituição:

• Definição do direito à educação.

• Definição dos titulares desse direito.

• Princípios de ação.

• Ações cooperativas.

• Âmbitos decisórios.

• Instrumentos.

• Mecanismos de controle social.

• Penalidades.

• Restauração do direito lesado. (GOMES, 2008, p. 15)

Page 204: KARINA MELISSA CABRAL

204

Importa ressaltar aqui que o termo “controle social” possui inúmeros instrumentos que

podem limitar o Poder do Estado, tal como descreve Bruning (1989), todavia defendemos no

caso específico da educação que este deva ser efetuado mediante a Ação Civil Pública mesmo

que ainda sem a edição da Lei de Responsabilidade Educacional:

Entende-se por meios de controle uma grande serie de instrumentos, órgãos e ações

destinados a limitar o exercício do Poder do Estado, tais como a clássica tripartição

dos Poderes, as garantias constitucionais dos direitos individuais e sociais, os

partidos políticos, o Ombudsman, o Ministério Publico, a imprensa, as associações,

as Igrejas, mecanismos de cogestão, movimentos de pressão, medidas judiciais,

Impeachment, greve, e outros que podem ser criados. (BRUNING, 1989, p. 57).

E o intuito na realidade do Projeto de Lei que visa à responsabilidade educacional é

afastar a ideia de irresponsabilidade educacional, pois segundo Ximenes (2012, p. 361) “é

bem verdade que ha um sentimento de pouca responsabilização pela violação do direito a

educação no país, que se confunde com a percepção das dificuldades em se exigir

judicialmente o direito a educação, mas em ambos os casos não e correto dizer que isso se dá

pela completa ausência de previsão legal”.

Na verdade, a grande relevância desta legislação, segundo Cury (2011, p.11) está no

sentido de tomar como exemplo a LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal reunindo “num só

todo, os responsáveis e as responsabilidades dos entes federativos e dar consequência ao que

determina o conjunto do ordenamento jurídico do pais”.

Ximenes (2012) em seu artigo que discute a Lei de Responsabilidade Educacional

apresenta uma tabela em que constam os conteúdos mínimos e máximos da LRE:

Page 205: KARINA MELISSA CABRAL

205

Tabela 1. Conteúdo Maximo e conteúdo mínimo de uma Lei de Responsabilidade Educacional

Fonte: XIMENES, 2012, p. 364

Assim, concordamos com Ximenes, que em sua tese de doutorado “Padrão de

qualidade do ensino: desafios institucionais e bases para a construção de uma teoria jurídica”,

trabalha a questão da Lei de Responsabilidade Educacional assinalando que para que ela se

cumpra, deve exigir o cumprimento “das metas definidas no Plano Nacional de Educação,

proporcional ao tempo de mandato do chefe do Poder Executivo e no âmbito de atribuição

prioritária de cada ente federado. Esse ponto teria como propósito, portanto, dar força

vinculante às metas quantitativas e qualitativas que venham a ser estipuladas no PNE”.

(XIMENES, 2014, 349).

Obviamente que seria interessante que antes desta lei entrar em vigor a questão das

responsabilidades de cooperação no nosso pacto federativo estivessem regulamentadas e o

Sistema Nacional de Educação vigente. Isto porque, Ximenes (2014, p. 350) destaca, como já

o fizemos em outro momento que a ausência deste sistema impossibilita a determinação de

responsabilidades:

Não foi estabelecido, no entanto, prazo para que os planos locais fossem

apresentados ao legislativo ou aprovados. Sem planos municipais ou estaduais em

boa parte do País ou sendo desconexos os planos aprovados nos diferentes níveis,

dificultou-se a articulação de um regime de responsabilidade jurídica com base em

seus conteúdos normativos. (XIMENES, 2014, p. 350)

O que se verifica é que por meio da Lei de Responsabilidade Educacional ou por meio

da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a Ação Civil Pública, quando tratamos

da tutela do direito à educação, sobretudo à qualidade do ensino fundamental, o que se almeja

Page 206: KARINA MELISSA CABRAL

206

conseguir na via judicial, por meio do ingresso com a ação civil pública, proposta via

Ministério Público, é uma decisão judicial contra o Poder Público, normalmente Estados ou

Municípios (de forma concorrente a União) que os demova a cumprir a obrigação de prestar

serviços educacionais com qualidade, visto que a oferta deste nível de ensino com

atendimento às dimensões da qualidade (por meio de políticas públicas que as atendam) é um

direito público subjetivo, nos termos do art. 208, § 1º, da Constituição Federal.

Por fim, concordamos com Ximenes (2012, p. 355) quando este afirma que “há uma

agenda de juridificação da educação, apoiada por amplos setores que intervém na política

educacional, com diferentes visões, e que os temas responsabilidade e qualidade estão na

fronteira desse processo. Independentemente do sucesso de cada uma das proposições, a pauta

esta colocada e nada indica que este debate perderá força no próximo período”. Portanto,

temos que enfrentar o tema em questão e buscar as melhores propostas para solucionar os

problemas dele decorrentes.

Nossa proposta é que a juridificação da educação seja promovida por meio do debate

entre os representantes do Ministério Público, órgão que representa e zela pelos direitos das

crianças e adolescentes, e pelos educadores que possuem a fundamentação teórica e a prática

necessária para compor o diálogo e buscar soluções plausíveis para o momento que vivemos.

Dentre estas soluções apresenta-se a utilização da Ação Civil Pública promovida pelo

Ministério Público para alcançar as dimensões da qualidade do ensino fundamental público

em nosso país, assim, devido a esta verificação, passaremos à uma análise mais minuciosa das

informações que conseguimos obter com a aplicação do questionário estruturado.

4.5 Posicionamento do MP quanto à qualidade da educação

A atuação funcional do Promotor de Justiça Estadual na área da educação ocorre de

acordo com cada uma das dimensões da qualidade: insumos, processos e resultados.

Nos insumos podemos exemplificar a atuação do MP na acessibilidade arquitetônica

das escolas públicas e privadas, neste caso a fiscalização das unidades de ensino quanto à

acessibilidade é de responsabilidade da Gerência Executiva de Acompanhamento da Gestão

Escolar (GEAGE), órgão da estrutura da Secretaria Estadual de Educação ou de órgãos

compatíveis em cada Estado. Em caso de verificação de barreira à acessibilidade o MP

Page 207: KARINA MELISSA CABRAL

207

deverá, mediante recomendação, conceder prazo para as devidas adequações, sob pena de

ingresso da Ação Civil Pública cabível.

Em relação ao financiamento via FUNDEB da educação pública, o Ministério Público

deve verificar se o Conselho do FUNDEB de cada município está instalado e funcionando na

prática, requisitando:

[...] cópia da lei que o instituiu, dos atos de nomeação de seus membros, das atas de

reuniões, dos pareceres de aprovação das prestações de contas apresentadas pelo

Poder Executivo referentes a determinado período, da relação das obras nas escolas

que foram fiscalizadas pelo Conselho, da relação dos transportes escolares

fiscalizados, dentre outros documentos, alertando-se que as atividades do Conselho

serão monitoradas pelo Ministério Público.

Por outro lado, deve o Promotor de Justiça exigir o pleno funcionamento do

Conselho do FUNDEB, com a fixação de prazo para fiscalização das obras de

reforma e construção de escolas, por exemplo. Os conselheiros deverão ser

advertidos de que poderão responder por ato de improbidade administrativa por

omissão no cumprimento de suas atribuições. (PARAÍBA, 2011, p. 118)

Outro quesito dos insumos trata-se da alimentação dos alunos, deve-se realizar a

fiscalização da merenda escolar, assim o Promotor de Justiça precisa verificar se o Conselho

de Alimentação Escolar (CAE) – responsável pela fiscalização da merenda nas escolas

públicas municipais, sob pena de não receber os recursos do PNAE (Programa Nacional de

Alimentação Escolar – de cada município está instalado e funcionando na prática. Em caso

de omissão os membros do CAE poderão responder por ato de improbidade administrativa

por omissão no cumprimento de suas atribuições.

[...] havendo falta ou insuficiência de merenda escolar em determinada rede de

ensino, ou determinada escola pública, por atraso no repasse das verbas federais,

pela falta de prestação de contas ou pela insuficiência dos recursos repassados, por

exemplo, deverá o Promotor de Justiça ingressar com Ação Civil Pública contra o

ente público responsável pela rede de ensino para que este forneça a alimentação

escolar de seus alunos.

E mais: caso os repasses das verbas do PNAE tenham aportado regularmente, o

Promotor de Justiça deverá apurar o possível desvio de verbas e buscar a

responsabilização do(s) seu(s) autor(es). Nesta hipótese, deverá, inicialmente,

observar qual a forma de execução do PNAE adotada em determinada rede de

ensino: centralizada ou descentralizada. (PARAÍBA, 2011, p. 118)

No que se referem aos processos, os Conselhos Municipais de Educação são

responsáveis por fiscalizar as unidades de ensino da rede municipal quanto ao cumprimento

da legislação escolar e ao correto desenvolvimento do processo pedagógico. Ao MP cabe

fiscalizar se o Conselho está criado por lei municipal, instalado e funcionando na prática.

Page 208: KARINA MELISSA CABRAL

208

Neste caso também os membros do Conselho poderão responder por ato de improbidade

administrativa por omissão no cumprimento de suas atribuições.

Outra forma de garantir a gestão democrática e participação popular na escola é por

meio dos Conselhos Escolares, que são órgãos de participação democrática nas atividades

administrativas e pedagógicas da escola (art. 14 da LDB). O MP pode designar audiência com

a participação dos seus membros para alertá-los sobre suas funções e da importância do

efetivo desempenho de suas atribuições; adverti-los da responsabilidade pelo controle social

das verbas educacionais escolarizadas, ou seja, administradas diretamente no âmbito escolar,

quando o Conselho Escolar for a unidade executora de recursos oriundos do FNDE.

Assim, percebemos que já existem alguns mecanismos para que possamos exigir a

qualidade do ensino fundamental em suas dimensões, sejam elas quais forem. A pesquisa que

realizamos demonstra por meio de outros dados como é possível a exigibilidade jurídica do

direito à qualidade da educação e qual o posicionamento dos membros do MP.

A amostra realizada com os representantes do Ministério Público dos Estados Santa

Catarina, Maranhão e Acre (Centros de Apoio Operacional de Infância e Juventude) e Goiás e

Espírito Santos (Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação) nos trouxe como

concepção de educação uma posição parecida com a dos educadores em relação a sua função

social, porém sempre vinculada à possibilidade de exigibilidade jurídica e responsabilização

dos agentes públicos (concepção produtivista):

A educação, latu senso, é um processo de atuação de uma comunidade sobre o

desenvolvimento do indivíduo objetivando que ele possa atuar em uma sociedade

pronta para a busca da aceitação dos objetivos da coletividade. (CAO de Santa

Catarina)

Direito público subjetivo, sindicável, de plena justiciabilidade, que não se esgota no

direito à educação escolar. (CAO do Maranhão)

Quando questionados sobre os principais motivos pelos quais a população procura os

membros do Ministério Público no que se refere à educação, os mesmos direitos foram

indicados por todos os participantes: garantia de acesso à educação (problemas com a falta de

vagas); problemas disciplinares no interior da escola; evasão escolar; infraestrutura deficiente

da escola.

Nota-se que outras demandas não foram citadas, como a garantia de permanência em

determinada escola, garantia de participação na gestão escolar (participação em eleição de

diretores; conselhos escolares, grêmio escolar, associações de pais e mestres e etc.), garantia

de melhores índices em testes padronizados aplicados pelo Governo (IDEB ou demais índices

Page 209: KARINA MELISSA CABRAL

209

de resultado) e outros. Estas opções também se faziam presentes para a escolha dos sujeitos,

mas não foram indicadas.

Acreditamos que estas garantias não tenham aparecido na pesquisa, pois como o

Ministério Público normalmente atua mediante uma acionamento da sociedade ou de alguma

instituição, ou ainda mediante instauração de um procedimento interno, como estes direitos

não fazem parte do rol de direitos à educação que a grande parte da população compreende

como um direito, eles jamais serão pleiteados pela comunidade como tal. Neste caso, faz-se

necessário que o MP haja sem a necessidade de notificação ou provocação da sociedade.

A concepção de direito à educação da maioria dos sujeitos pesquisados indica a

concepção proposta neste trabalho, especialmente sobre o ensino fundamental tratar-se de um

direito público subjetivo que requer uma ação positiva do Estado, inclusive em relação à

qualidade educacional:

A Educação é direito público subjetivo, devendo ser garantida pelo Estado. De

acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394/96), a

Educação Básica compreende a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino

Médio. As suas modalidades são: educação especial, educação de jovens e adultos,

educação profissional, educação indígena, educação do campo. A mencionada

norma assinala, ainda, como diretrizes: a inclusão, a valorização da diversidade, a

flexibilidade, a qualidade e a autonomia, assim como, a competência para o trabalho

e a cidadania. Cabe destacar, também, O acesso à educação se realiza através da

concretização de diversos direitos constantes na legislação, podendo destacar, dentre

outros: A universalidade do acesso e da permanência: art. 206, I da CF e art. 3º, I da

LDB, que resulta, além do acesso à vaga, também o acesso ao ingresso, à

permanência na escola e ao sucesso dos estudos. Gratuidade e obrigatoriedade do

ensino fundamental: art. 208, §1º da CF e art. 54, I. Atendimento especializado às

pessoas com deficiência: arts. 58 a 60 da LDB e art. 203, IV e V da CF. Creche e

pré-escola às crianças de zero a seis anos: art. 11, V da LDB. Ensino noturno regular

e adequado às condições do adolescente trabalhador: art.54, VI do ECA e art. 4º, VI

e VII da LDB. A universalidade do acesso deve atender também aos adolescentes

que necessitam trabalhar, seja para a própria subsistência ou a de sua família,

Programas suplementares: ofertando as condições necessárias para a educação,

como material didático, transporte, alimentação e saúde, devem estar presentes no

dia-a-dia do educando. Direito de ser respeitado pelos educadores: art. 227, caput da

CF e art. 17 do ECA. O respeito mútuo é a base fundamental sobre a qual vai se

desenvolver todo o processo educativo. (CAO de Santa Catarina)

Abrange além do direito de acesso à educação, uma educação de qualidade,

transporte e merenda escolar, respeito à integridade física e moral do estudante,

infraestrutura mínima, dentre outros. (CAO Goiás)

Konzen46

, em um texto sobre os papéis do Conselho Tutelar, da Escola e da Família

com a educação escolar da criança e do adolescente, destaca a importância do Direito à

Educação, em especial ao ensino fundamental pela categoria de direito público subjetivo:

46 . Procurador de justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

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210

Direito à Educação, notadamente o direito ao ensino fundamental, enquanto direito

público subjetivo e, portanto, direito indisponível, está cercado de um conjunto de

atores e de providências, todas destinadas a impedir qualquer possibilidade de

frustração.

[...]

O conjunto de dispositivos legais incidentes sobre o Direito à Educação, em especial

o elenco de novos atores diretamente responsáveis em promover ou determinar

providências, certamente vai contribuir para mudar a face do ensino no País. Há

outros fatores fundamentais a serem considerados, fatores atinentes à organização e

funcionamento interno da Escola e dos sistemas de ensino, inclusive as condições de

trabalho e de salário do magistério, questões que não se resolvem por meras

alterações da ordem jurídica material. No entanto, não há como deixar de visualizar

perspectivas positivas para a realidade educacional brasileira, porque a

normatividade atualmente incidente constitui-se em arma preciosa em mãos da

sociedade e certamente terá a capacidade de gerar efeitos, como, aliás, em grande

parte revelam, nos últimos anos, o significativo decréscimo dos indicativos de

exclusão escolar. Agir em face da realidade do presente, sem desconsiderar as

dificuldades, mas também sem teme-laa, significa a chave para o desenvolvimento

integral de milhares de crianças e adolescentes brasileiros (KOZEN, s/d)

Todavia, quando questionados sobre a problemática que envolve o conceito de

qualidade educacional, sua subjetividade e polissemia, e quais as reflexões que o Centro de

Apoio Operacional pesquisado estaria desenvolvendo sobre este conceito, percebemos que

mesmo sendo o CAO o órgão de estudo do Ministério Público Estadual, não há uma reflexão

sobre o tema.

Para os pesquisados a qualidade da educação deve ser avaliada, mas os parâmetros

devem ser colocados em legislação, ou seja, se não estiverem prescritos em lei muito

dificilmente obteremos posicionamentos positivos do Ministério Público em ação que não

sejam provocadas pela sociedade em relação à qualidade educacional, sobretudo para discutir

dimensões.

Percebemos que alguns pesquisados, como o do Maranhão se abstiveram a informar

que não realizam este tipo de reflexão, sem qualquer justificativa.

Não (CAO do Maranhão)

O entendimento deste Centro de Apoio Operacional é no sentido de que a qualidade

de ensino deve ser analisada tendo como base índices e parâmetros estabelecidos

pelo Poder Público e órgãos envolvidos, e não pelo Ministério Público, mensurados

de forma científica. (CAO de Santa Catarina)

Não, porque o Ministério se atém ao campo conceitual de direitos, mas a sua efetiva

proteção (CAO Goiás)

Seguindo o que já foi colocado anteriormente, quando questionados sobre os padrões

qualidade e a importância de se estabelecer parâmetros mínimos para aferir a qualidade da

Page 211: KARINA MELISSA CABRAL

211

educação, todos foram unânimes em considerar a necessidade dos mesmos para que possam

direcionar melhor as políticas públicas a serem implementadas:

Sim. Seguindo a política adotada pelo MEC, no sentido da gestão democrática dos

parâmetros de ensino no País, com a adoção de uma discussão qualificada dos

agentes atuantes nesta área, e assim identificar os pontos a serem melhorados ou

mantidos, tem-se que a utilização de parâmetros mínimos melhor direciona as

políticas a serem implementada, possibilitando a constante reforma educacional,

necessária para garantir a efetiva concretização do direito à educação (CAO de Santa

Catarina)

Sim. Para se garantir sua exigibilidade em Juízo. (CAO do Maranhão)

Sim. Para que se possa mensurar se efetivamente o ensino oferecido é de qualidade e

respeita as determinações constitucionais, para em caso negativo, haver atuação

ministerial. (CAO Goiás)

E quando os pesquisados responderam sobre a educação e o papel do MP em relação

ao controle social do Estado na exigibilidade do cumprimento dos direitos sociais percebemos

que eles consideram difícil sustentar a obrigatoriedade destes direitos junto aos entes públicos,

especificamente o Poder Executivo, porém, acreditam que seja importante e necessário e que

a educação é, dentre todos os demais direitos, a questão prioritária neste momento, inclusive

indicam algumas campanhas, ações extrajudiciais, que propiciaram a refundação do Conselho

Estadual de Educação para acompanhar estas demandas:

Apesar da dificuldade que o Ministério Público encontra na questão da

judicialização para obrigar os entes públicos a implantarem determinadas políticas

públicas, o Ministério Público deve atuar com afinco nessa área, sempre trazendo

dados objetos e estatísticos que demonstrem a necessidade premente da implantação

de determinados direitos sociais. Quanto à educação, me parece que se trata de

questão prioritária, devendo os membros da instituição tratarem com especial

atenção o tema, tão caro para as futuras gerações. (CAO de Santa Catarina)

No Maranhão, estamos em fase de instituição do CAOp da Educação. Já tivemos

uma campanha institucional que refundou o Conselho Estadual de Educação e

propiciou a regularização da educação escolar em diversos Municípios. (CAO do

Maranhão)

Outra questão que obteve resposta interessante quanto ao posicionamento do MP em

relação à qualidade da educação é a que lhes questiona sobre as estratégias que eles utilizam

para fazer o Poder Executivo cumprir suas responsabilidades com relação à educação,

especialmente a qualidade do ensino fundamental público. Neste caso, boa parte deles indicou

o Termo de Ajustamento de Conduta, Campanhas com instituições vinculadas ao MEC,

portanto ações extrajudiciais.

Page 212: KARINA MELISSA CABRAL

212

Neste Estado, em um primeiro momento, Ministério Público instaura Procedimento

Preparatório, chamando o Poder Público para um diálogo, e objetivando a assinatura

de um Termo de Ajustamento de Conduta, evitando, desse modo, o excesso de

demandas judicial. Todavia, em alguns casos é necessário o ajuizamento de ações

para solucionar o problema enfrentado. (CAO DE Santa Catarina)

- Campanha: Escola: Direito da Criança, Dever de Todos - Pesquisa sobre

Instituições Credenciadas pelo MEC, que propiciou o combate a instituições ilegais -

Análise situacional das escolas municipais e estaduais em São Luís-MA, que

propiciou o ajuizamento de ACP sobre o tema - Campanha contra a violência na

escola. (CAO do Maranhão)

Mediação, audiências públicas recomendações, ações civis públicas, dentre outras

(CAO de Goiás).

Nenhum deles indicou a propositura de ação contra o Poder Executivo para exercício

da qualidade educacional, na realidade pela resposta geral do questionário conclui-se que nem

todas as dimensões da qualidade (insumos, processos e resultados) são assim compreendidas

pelo Ministério Público e que seria relevante que este diálogo com os representantes do MP

fosse realizado para que eles também pudessem compreender que é possível judicialmente

exigir tanto os insumos (que já são exigidos judicialmente, mas muitas vezes não

reconhecidos como dimensão da qualidade educacional), como os processos e os resultados.

Segundo Nunes (2010, p. 01)47

, “o Ministério Público pode e deve ser o órgão

articulador para garantir ao cidadão, em especial a crianças e adolescentes, o direito à

educação de qualidade, pois é instituição autônoma, independente e defensora da ordem

jurídica, dos interesses sociais, difusos e coletivos, conforme dispõe a Constituição Federal”.

Outro posicionamento quanto ao tema é a discussão da legitimidade do MP Estadual

para exigir, via ação civil pública, o direito educacional, que segundo Newton de Lavra Pinto

Moraes e José Luis Pires Tedesco, Assessores Jurídicos do CAO da Infância e Juventude do

Ministério Público do Rio Grande do Sul, é garantida pelos arts. 127 da CF e 201, V, do ECA,

porém que vem sendo instrumento de discussão no TJRS:

A legitimação conferida ao Ministério Público, nos termos do art. 127 da CF e art.

201 V da Lei nº 8.069/90 (ECA), deve ser compreendida como de interesses

individuais diretos e pessoais, por serem direitos indisponíveis, decorrente de

garantia individual.

Entretanto, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, no Agravo de

Instrumento nº 70006937163, Rel. Des. Cláudio Luís Martinewski, Julgado em

22/10/2003, está por retirar a legitimidade do Ministério Público em postular

ativamente em favor de criança ou adolescente, quando se tratar de direitos

individuais indisponíveis, dando "nova interpretação" ao artigo 201 V do Estatuto da

Criança e do Adolescente.

47. Assessor da Área de Educação, CAO Cível do Ministério Público de São Paulo.

Page 213: KARINA MELISSA CABRAL

213

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA

PARA TRANSFERÊNCIA DE ADOLESCENTE DE HOSPITAL DO INTERIOR

PARA HOSPITAL DA CAPITAL E REALIZAÇÃO DE EXAMES CLÍNICOS.

INTERESSE INDIVIDUAL NÃO CONTEMPLADO DENTRE OS INTERESSES

QUE LEGITIMAM O MINISTÉRIO PÚBLICO À PROPOSITURA DE AÇÃO

CIVIL PÚBLICA. 1. A ação civil pública tutela interesses metaindividuais, de início

compreensivos dos difusos e dos coletivos em sentido estrito, aos quais na seqüência

se agregaram os individuais homogêneos(Lei nº 8.078/90, art. 81, III, c/c os arts. 83

e 117). 2. A legitimação conferida ao Ministério Público, nos termos do art. 201, V,

da Lei nº 8.069/90(ECA), para propor a ação civil pública visando à proteção de

interesses individuais, é compreensiva dos interesses homogêneos e não dos

interesses individuais diretos e pessoais, ainda que se trate de indisponível,

decorrente de garantia individual. 3. Não possui o Ministério Público legitimidade

para, em tal hipótese, agir como substituto processual. 4. A proteção ao referido

interesse encontra amparo no sistema legal-normativo e jurídico-administrativo por

intermédio da Defensoria Pública, nos casos de insuficiência de recursos (CF, art. 5º,

LXXIV), ou pela atuação da advocacia privada, nos casos em que não haja tal

insuficiência. Por maioria, acolheram a preliminar de ilegitimidade do Ministério

Público. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70006937163, PRIMEIRA

CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CLÁUDIO

LUÍS MARTINEWSKI, JULGADO EM 22/10/2003)" (MORAES; TEDESCO, s/d,

grifo nosso)

Porém, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul não concorda com este

posicionamento, sobretudo quanto ao direito à educação, uma vez que considera que a “ação

civil pública, que sempre teve como objetivo a tutela de interesses metaindividuais, de início

compreensivos dos difusos e dos coletivos em sentido estrito, aos quais, na sequencia, se

agregaram os individuais homogêneos, explicitamente nega vigência a dispositivos expressos

previstos no ordenamento jurídico pátrio e que hão de ser observados com prioridade,

implicando, com o asseguramento do necessário prestígio ao princípio da especialidade, a

aplicação direta e sem a necessidade de construções interpretativas” (MORAES; TEDESCO,

s/d). E mais, quando se fala em direitos fundamentais da criança e do adolescente estes tem,

segundo o art. 227 da CF/88, absoluta prioridade:

Nesse sentido, o legislador disciplinou como uma, dentre muitas, das atribuições dos

agentes ministeriais a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a

proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à

adolescência.

Desta forma, não se pode excluir a iniciativa ou a intervenção ministerial em

qualquer feito judicial em que se discutam interesses sociais ou interesses

individuais indisponíveis, principalmente os ligados à proteção da criança e do

adolescente; o mesmo se diga quando se trate de interesses individuais homogêneos,

coletivos ou difusos ligados à infância e à juventude.

Assim, o Ministério Público, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem

legitimidade para propor ação civil pública quando o assunto versar sobre direito

individual indisponível, admitindo-se, pois, o manejo de ação civil pública em favor

de criança e/ou adolescente que necessite de tutela a quaisquer direitos garantidos na

Constituição Federal ou no Estatuto da Criança e do Adolescente. (MORAES;

TEDESCO, s/d)

Page 214: KARINA MELISSA CABRAL

214

Este entendimento final se firma pela emissão da Ementa n. 48 do Conselho dos

Procuradores de Justiça e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude:

EMENTA Nº 48 - DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMIDADE

ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O Ministério Público tem legitimidade para

pleitear direito indisponível, ainda que individual, via ação civil pública, uma vez

presente lesão ou ameaça de lesão a bem constitucionalmente protegido ou na defesa

de interesse público. Inteligência dos artigos 6º e 227 , da CF/88 e 201, V, do ECA.

(sessão de 12 de dezembro de 2003).

Mais especificamente quanto ao direito educacional e sua qualidade, a parquet Ignez

do Ministério Público de Minas Gerais apresenta algumas ações possíveis, pensando em um

programa de ação, no sentido de garantir o direito a uma educação de qualidade:

1. A defesa da integralização da educação ou a jornada ampliada, com contra turno,

garantia de acesso amplo à educação deve se coligar a políticas de permanência na

unidade escolar, sobretudo com foco em setores socioeconômicos de exclusão;

2. Desenvolvimento de currículos e quadros pedagógicos com o jaez de maior

legitimidade e coesão com os arranjos produtivos locais, respeito à regionalidade e

culturas locais (cardápio, hortas), ajuste de realidades comunitárias rurais, em épocas

de plantio e colheita, principalmente, criar programas educacionais para as

diversidades em existência na área de georeferenciamento, como: cursos

profissionalizantes para catadores de papel, camelôs, trabalhadores de economia

informal, gestantes, pedreiros, dentre outros;

3. Utilização em maior escala do instituto da progressão automática, como política

preventiva dos casos de repetência, eliminando o errôneo discurso popular da

aprovação automática, e o alto custo material e psicológico do processo de

reprovação, com programas de reforço escolar no contra turno escolar e diminuição

da distorção idade\série;

4. Criar nas secretarias estaduais de educação a obrigatoriedade de fomentar a

profissionalização dos jovens, voltadas para os arranjos produtivos locais,

notadamente o programa de aprendizagem, ou criar políticas públicas de fomento ao

ingresso de jovens oriundos das escolas públicas no mercado laboral, criando cotas

de inclusão laborativa, notadamente, para os alunos de baixa renda, com público

alvo os alunos da educação básica, pública;

5. O estabelecimento de norma federal, como marco regulatório para o ingresso nos

programas da rede “s”, e nas escolas técnicas, criando um número de cotas sociais

para democratizar o acesso de jovens de baixa renda;

6. Combate ao cartesianismo nas políticas publicas educacionais, equipes

multidisciplinares de intervenção nos focos de exclusão do público alvo do sistema

educacional, notadamente centrados, nas políticas de combate as causas

socioeconômicas de evasão e insucesso escolar, que se concentram nas razões

excludenciais

7. Reconhecimento das questões de invisibilidade das camadas mais pobres da

população – estratégias de coordenação de políticas intersetorial e abertura da escola

à integração comunitária – menor índice de violência – fator de emponderamento

comunitário, principalmente, com foco em atividades de protagonização,

profissionalização e de educação cidadã, para as famílias com viés matricial;

8. Educação de qualidade para todos na primeira infância, priorização das crianças

em situação de maior vulnerabilidade, sob o viés inclusivo, daquelas oriundas de

famílias monoparentais, visando o combate a pobreza, violência e a desnutrição;

9. Estabelecimento e normatização de um padrão mínimo de insumos e estrutura de

uma sala de aula, questão do número de alunos por sala, para além, da otimização e

Page 215: KARINA MELISSA CABRAL

215

democratização dos recursos de informática ,programas suplementares de transporte,

merenda e livros escolares e didáticos;

10. Combate irrestrito ao trabalho infantil, notadamente, no que pertine ao rol das

piores formas de trabalho infantil, listadas nas convenções da OIT, a exemplo de

crianças em lixões, minas, exploração sexual, trabalho escravo (piores formas de

exploração de mão de obra), vendedores em sinais de trânsito, pedintes;

11. Responsabilização jurisdicional dos pais ou responsáveis legais pelo abandono

(gênero) de seus filhos, com a inclusão de efeitos secundários da pena, a

obrigatoriedade de frequência a cursos de direitos humanos, cidadania, e prestação

de serviços comunitários gratuitos, visando a criação de uma identidade de

responsabilidade social, parental, comunitária, enfim, protagonização com elevação

de estima;

12. Quebra do paradigma de afastamento das demandas educacionais das esferas do

judiciário,quando se trata de demandas de direitos humanos violados em desfavor de

crianças e adolescentes, onde os limites do Administrador, acerca do que é

conveniente e oportuno para as políticas públicas, não pode acatar o discurso

hediondo da reserva do possível, sendo ético e legal que as esferas de resolutividade

ministerial sem imponham a qualquer opção política violatória dos direitos

HUMANOS;

13. Estabelecimento de novos arranjos sociais para a escola, espaço privilegiado de

saber e de proteção contra toda à forma de violência contra a criança e o

adolescente;

14. Melhoria dos índices econômicos e sociais, é o melhor antídoto para a violência

que é fenômeno que perpasse os meios policiais e judiciais, a “mora legislatoris” no

que tange a edição de atos normativos preventivos em sede educacional;

15. Protagonismo juvenil – desenvolvimento de estruturas curriculares abertas e não

convencionais de oferta de educação para os jovens, evitando-se a multiplicidade de

disciplinas e excessivo fracionamento de conhecimento, aparente conflito entre

cultura escolar e juvenil;

16. A meritocracia como fator indutor da formação inicial e continuada dos

docentes, mediante um adicional de resultados com enfoque no

aprendizado/rendimento escolar, não centrado no viés da aprovação escolar pura e

simples, centrado em atividades esportivas, culturais, de cuidados básicos, dentre

outras ;

17. A criação de promotorias de justiça e juizados especializados na educação, para

além das delegacias de proteção a infância, juventude e educação; (IGNES, 2010, p.

11)

Neste estudo da Promotora de Justiça mineira verificamos sua preocupação com as

dimensões da qualidade quando ela propõe, por exemplo, a necessidade de “desenvolvimento

de currículos e quadros pedagógicos com o jaez de maior legitimidade e coesão com os

arranjos produtivos locais, respeito à regionalidade e culturas locais (cardápio, hortas), ajuste

de realidades comunitárias rurais, em épocas de plantio e colheita, principalmente, criar

programas educacionais para as diversidades em existência na área de georeferenciamento,

como: cursos profissionalizantes para catadores de papel, camelôs, trabalhadores de economia

informal, gestantes, pedreiros, dentre outros” tal como propomos para articulação da

dimensão “processos”.

E a autora conclui seu trabalho afirmando a importância do papel do MP Estadual na

garantia da educação de qualidade via ação proativa e buscando uma educação que tenha

qualidade em todas as suas dimensões, tal qual propomos neste trabalho, de forma holística:

Page 216: KARINA MELISSA CABRAL

216

O Ministério Público, cumprindo sua missão institucional, deve velar não somente

pela garantia de acesso ao sistema educacional, mas deve agir pró-ativamente, no

sentido de promover junto aos órgãos executivos, do Poder Legislativo e Judiciário

ações aptas a garantir não somente um mínimo de qualidade, mas direcionando suas

ações rumo à afirmação de uma sempre mais aprofundada e ampla qualidade da

educação pensada, holisticamente, em todas as suas dimensões. (IGNEZ, 2010, p.

11)

No mais, o Ministério Público do Estado da Paraíba, através da Procuradoria-Geral de

Justiça, mais especificamente do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de

Defesa da Educação – CAO Educação elaborou um Manual de Atuação da Educação no ano

de 2011, onde traz várias informações sobre legislações que abordam temas relativos à

educação, como: o papel dos conselhos na educação (gestão democrática e participação

popular); financiamento da educação; a organização e os níveis da educação, entre outros

temas importantes em que as legislações encontram-se esparsas.

O CAO Educação da Paraíba criou um Projeto Estratégico denominado “Ministério

Público Pela Educação” da Paraíba que traça a forma, passo a passo de se fiscalizar as escolas

públicas, para que o direito à educação em todas as suas dimensões seja garantido. Desta

forma, os passos sugeridos pelo projeto paraibano, são:

Primeiro passo: designação de audiência para assinatura de Termo de Cooperação

com o Conselho Tutelar com o objetivo de traçar parceria para fiscalização in loco

das escolas públicas municipais e estaduais locais.

Segundo passo: fiscalização das escolas pelos conselheiros tutelares

Terceiro passo: fiscalização das escolas pelo Promotor de Justiça

Deverá ter por base o roteiro entregue aos Conselhos, fiscalizando:

1) a estrutura física do prédio escolar;

2) a quantidade e a qualidade da merenda;

3) se há professores e se os mesmos são qualificados;

4) se há acessibilidade;

5) como se dá o transporte dos alunos que residem na zona rural.

Poderá ainda perquirir os projetos do Ministério da Educação desenvolvidos pela

escola (Escola Aberta, Mais Educação, por exemplo), visando observar se há o

efetivo funcionamento.

Quarto passo: instauração de procedimento administrativo para cada escola em que

for detectada irregularidade

Quinto passo: audiência com a participação da Secretaria de Educação, da direção da

escola e da presidência do Conselho Escolar para a solução extrajudicial das

irregularidades encontradas

Sexto passo: interposição de ações judiciais

Não logrando êxito a tentativa de solução extrajudicial das irregularidades

encontradas em cada escola da rede pública, o último passo é a interposição e o

acompanhamento de ações judiciais, como as ações civis públicas de obrigação de

fazer, as ações cautelares, dentre outras. (PARAÍBA, 2011, p. 127-128)

Page 217: KARINA MELISSA CABRAL

217

O projeto do CAO Educação da Paraíba é brilhante e traz todo o procedimento

detalhado de ação no caso de cada um dos problemas que podem ser verificados durante a

fiscalização. É um caso de ação positiva do Ministério Público Estadual na preservação e

exigibilidade jurídica do direito à qualidade da educação. O que comprova que este é

totalmente possível e já vem sendo feito por Promotores realmente comprometidos com sua

obrigação de parquet legal.

Assim, verifica-se um posicionamento positivo quanto à legitimidade do MP Estadual

na interposição da Ação Civil Pública em casos de omissão ou ação indevida da

Administração Pública (Executivo) em relação ao direito à qualidade do ensino fundamental

público no Brasil.

Page 218: KARINA MELISSA CABRAL

218

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação é um direito social, pois faz parte dos requisitos básicos para construção

da dignidade da pessoa humana, permitindo o pleno desenvolvimento e a autonomia, sendo

imprescindível para construção da cidadania. Por meio da escola formal, o ser humano se

torna apto ao exercício da cidadania que é base para a construção de uma sociedade

democrática e de cidadãos capazes de agir politicamente.

Assim, a concepção de educação que postulamos deve buscar uma relação humana

dialógica e, neste caso, a educação escolar, não objetiva apenas a formação para o trabalho,

mas principalmente a formação para vida.

Atualmente, há uma discussão entre políticos, professores, gestores públicos,

educandos, entre outros, sobre a concepção de escola, ou seja, sobre os fins da educação que

promovemos e, esta finalidade da escola, que nada mais é do que sua função social tem

grande relevância para a visão de qualidade proposta nesta pesquisa, visto que sem ela torna-

se impossível sopesar as nuances que permeiam o tema e a discussão central do trabalho.

Este debate sobre a função da escola invoca duas visões muito diferentes: a

produtivista e a civil democrática. A primeira coloca que a função da escola é preparar os

sujeitos para ingressar no mercado de trabalho da melhor forma possível, considerando-o um

capital humano, uma força produtiva que se utiliza do processo educativo para o seu

desenvolvimento; a segunda visão, civil democrática, pensa a educação escolar como um

processo de formação cidadã, voltada para o exercício dos seus direitos e obrigações.

Para este trabalho defendemos que a função social da escola deve partir da visão civil

democrática, com base em nossa concepção de mundo, de homem e de sociedade,

especialmente na busca pela autonomia do educando e pela escola que se adapte ao mesmo e

não vice-versa.

É importante, mais uma vez destacar que sabemos do antagonismo entre a tese

produtivista e perspectiva civil democrática , mas apesar desta tensão este trabalho defende e

acredita na educação e em sua qualidade partindo dos pressupostos da educação democrática

cidadã; porém essa posição teórica não pode nos impedir de buscar mecanismos e

instrumentos para possibilitar que a qualidade do ensino fundamental possa ser exigida,

mesmo que minimamente, e isso nos leva a trabalhar alguns mecanismos de avaliação que

têm sido mais identificados com o neoliberalismo. E isso nos pareceu um procedimento

Page 219: KARINA MELISSA CABRAL

219

legítimo, como demonstrado no decorrer do trabalho, isto porque buscamos ressignificar

mecanismos e instrumentos usados dentro da perspectiva produtivista numa outra perspectiva.

Desta forma, juridicamente a educação é reconhecida como direito social por nossa

Constituição Federal, tratando-se também de um direito humano apresentado no bojo dos

tratados e acordos internacionais, e um direito fundamental, uma vez que vem enquadrada em

nossas normas jurídico-constitucionais de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana.

Portanto, todo cidadão brasileiro tem direito de exigir do Estado o cumprimento da

prestação educacional, ensino obrigatório, por ser este um direito público subjetivo. Portanto,

hoje, felizmente, tem-se um texto constitucional que assegura a educação como direito social,

garantindo a todos uma educação com padrão mínimo de qualidade, sob a responsabilidade do

Poder Público.

Na realidade a Constituição Federal de 1988 garante o direito à educação com “padrão

de qualidade” para todos, mas, é a educação básica dos 04 anos aos 17 anos de idade que foi

aclamada como obrigatória e gratuita (CF, art. 208, inciso I, EC 59/2009), entretanto,

atualmente apenas o ensino fundamental é considerado um direito público subjetivo, uma vez

que se tem até 2016 para a implantação progressiva da universalização da educação infantil e

atendimento dos jovens até 17 anos de idade e, a partir desta, sua obrigatoriedade.

Por isso mesmo o trabalho focou a análise no ensino fundamental, em ambos os seus

ciclos, e nas possibilidades de sua justiciabilidade, pois somente ele implica em uma

obrigação positiva do Estado, que consequentemente quando esta não ocorre caberá a

responsabilização do Poder Público, mais especificamente ao Poder Executivo (Municípios ou

Estado e, supletivamente, da União).

Assim, o ensino fundamental é a segunda etapa da educação básica e está dividido em

dois ciclos: anos iniciais (1º ao 5º ano) e anos finais (6º ao 9º ano). Quando se discute

qualidade do ensino fundamental deve-se ter em mente a divisão destes ciclos e suas

especificidades. Neste sentido, importa destacarmos o que compreendemos por ensino

fundamental público de qualidade.

E nossa compreensão perpassa as características do nosso país, que é um país de

dimensões continentais, com diferenças sociais, culturais, políticas e econômicas muito

marcantes e todos estes aspectos influenciam fortemente na educação promovida pelas

escolas, por isso, partimos da concepção que a qualidade da educação do ensino fundamental

para que possua realmente valor e possa ter significação para seus agentes e para a

comunidade escolar em seu entorno deve ser construída de dentro para fora, ou seja, partindo

destes atores envolvidos de forma democrática e participativa, esta também é a compreensão

Page 220: KARINA MELISSA CABRAL

220

da legislação, pois o artigo 26 da LDB determina que os currículos da educação infantil, do

ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada,

em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,

exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos

educandos.

O ensino fundamental que consideramos de qualidade é aquele que compreende, tendo

por base as especificidades da população que o abrange – econômica, cultural, social, política

–, a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos,

de respeito ao bem comum e à ordem democrática; que consideram as condições de

escolaridade dos alunos em cada estabelecimento; as orientações para o trabalho; a promoção

do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não formais.48

A proposta para que este nível de ensino possa ter a qualidade educacional mensurada

é a divisão da mesma em dimensões: insumos, processos e resultados. Isto porque, quando se

consegue separar as dimensões da qualidade educacional é possível juridicamente pleitear

apenas uma destas dimensões, sem desconsiderar as demais, mas tornando possível alguma

ação no sentido de melhora da qualidade do ensino fundamental pelas vias judiciais. E

também, porque acreditamos que a qualidade realmente possa ser fragmentada nestas

dimensões sem perder seu conteúdo real quando da totalidade.

Os insumos ou custos baseiam-se em valor monetário investido na educação; das três

dimensões esta é a que está mais avançada, sendo a mais aceitável e menos polêmica das três,

até porque, em termos de pesquisa encontram-se inúmeros materiais que abordam o tema, o

que facilita sua definição. Contudo, ainda resta firmar quais os insumos necessários para uma

educação de qualidade e transformar isso em valores monetários correntes.

O maior problema desta dimensão é a implementação política, pois o investimento em

educação depende muito da conveniência política.

Quanto aos resultados ou produto pode-se defini-los em como e quanto essas crianças

e adolescentes vão bem ou mal na escola, e isto vem sendo aferido por testes padronizados.

Acreditamos que a forma de medição destes resultados deveria ser mais sistêmica para poder

medir melhor o sistema escolar como um todo, posto que o IDEB seja uma medida de

resultado e não de qualidade, pois soma proficiência com aprovação, não captando a

equidade, mas, ainda é uma contribuição mais efetiva de resultados.

48

LDB, art. 27.

Page 221: KARINA MELISSA CABRAL

221

Já para se firmar indicadores de qualidade da realidade educativa vinculada à

dimensão processo requer-se o conhecimento da realidade em que a escola está inserida e a

necessidade de se definir competências essenciais para a cidadania democrática.

Portanto, quanto aos processos acreditamos que a discussão deva permear algumas

questões de suma importância e que compõe esta dimensão: a valorização do professor e a

construção da qualidade educacional partindo da realidade de cada comunidade escolar, ou

seja, de dentro para fora. E não se pode deixar de considerar nesta dimensão a importância a

questão da gestão educacional, partindo da gestão democrática.

Neste caso, acreditamos que a dimensão de processos possa ser verificada e alcançada

por meio de propostas realizadas no âmbito de cada escola, tal como é feito pelos Indicadores

de Qualidade da ONG Ação Educativa. Isto porque, desta forma verificamos os processos e as

realidades de cada comunidade escolar para que possamos a partir dela delimitar o que é

qualidade na dimensão processual para aquela escola.

E para que o exercício desta justiciabilidade ocorra de fato acreditamos que o melhor

representante seja o Ministério Público, pois é uma instituição permanente e autônoma que

tem como função a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis.

O Ministério Público, portanto, tem a função de defesa da coisa pública e, entre elas,

encontra-se o interesse das crianças e adolescentes também na esfera educacional, segundo

determina o Estatuto da Criança e do Adolescente. E para o exercício deste direito é dado ao

Ministério Público a Ação Civil Pública que é um remédio jurídico para defesa de interesses

difusos e coletivos. Ela é utilizada para responsabilização do agente que desrespeitou um

direito social coletivo ou difuso.

A ação civil pública é regulamentada pela Lei n. 7.347 de 24 de julho de 1985 e

consubstancia-se em um instrumento processual com fundamentação constitucional que tem

como finalidade à defesa de interesses difusos e coletivos. Ela é utilizada para

responsabilização do agente que desrespeitou um direito social coletivo ou difuso. A ação

civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação

de fazer ou não fazer. Desta forma, é cabível contra o Poder Público nos casos de

descumprimento de suas obrigações positivas, direito público subjetivo, no caso obrigações

relativas ao direito educacional.

Desta forma, o Ministério Público representa e zela pelos interesses das crianças e

adolescentes junto ao Poder Judiciário, inclusive, sendo legitimados de acordo com o ECA

(art. 208, inciso I e art. 210, inciso I) para propor ações de responsabilidade por ofensa aos

Page 222: KARINA MELISSA CABRAL

222

direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta

irregular do ensino obrigatório: a falta de qualidade no ensino fundamental público.

Há outra especificidade na atuação do Ministério Público no que condiz aos direitos

das crianças e adolescentes, segundo o ECA, que é o monitoramento do orçamento público

como fator essencial à efetivação de políticas públicas, incluindo o direito à educação de

qualidade, sobretudo do ensino obrigatório. Isto porque, o Estatuto da Criança e do

Adolescente estabelece o princípio da prioridade absoluta.

O Ministério Público Estadual tem legitimidade para propositura de ação civil pública

contra o Estado ou Município, e de forma concorrente a União, em face do não cumprimento

do oferecimento do ensino fundamental público com padrão de qualidade quando uma das

três dimensões que a constituem não se fizerem presentes.

Assim, o Ministério Público é fundamental e precisa ter clareza do que requerer para

que possa agir em defesa da educação.

Durante a pesquisa verificou-se que na composição do Ministério Público existem

também alguns órgãos auxiliares da atividade funcional que são os Centros de Apoio

Operacional – CAO que tem como função de auxílio, prestação de serviços, prestação de

informações e monitoramento de ações governamentais e políticas públicas que envolvam

crianças e adolescentes remetendo informações técnico-jurídicas para que os representantes

do Ministério Público possam atuar em relação aos direitos destes.

Estes órgãos auxiliares foram analisados neste trabalho para compreender como o

Ministério Público exerce sua função social de defesa dos interesses sociais, especialmente da

educação. Por isso, analisamos quais Estados das 27 unidades federativas possuíam Centros

de Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, pelos

Centros de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ) ou, até mesmo, de Direitos

Humanos e como estes estavam vinculados ao exercício do direito à educação, mas, sobretudo

à justiciabilidade do direito à qualidade do ensino fundamental público.

Como não tivemos muita adesão dos membros do Ministério Público Estadual ao

mapeamento total que gostaríamos de realizar na totalidade do país, mudamos o foco do

trabalho e resolvemos utilizar as informações colhidas daqueles que responderam o

questionário de forma comparativa com relatórios de instituições governamentais e não

governamentais, pois aqueles que participaram, respondendo ao questionário, trouxeram

informações relevantes sobre seus Estados: Acre, Santa Catarina, Maranhão, Goiás e Espírito

Santo. E estes estados representativamente conseguiram dar um panorama do restante do país,

já que cada um encontra-se em uma região.

Page 223: KARINA MELISSA CABRAL

223

Desta forma, os CAO’s que responderam o questionário foram: três são Centros de

Apoio Operacional de Infância e Juventude (Santa Catarina, Maranhão e Acre) e dois são

Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação (Goiás e Espírito Santo).

Assim, os Centros de Apoio Operacional de forma geral no Brasil podem ser

compreendidos como órgãos que auxiliam e promovem ações para maximizar o trabalho dos

representantes do MP nos Estados. Um dado relevante informado pelos pesquisados é a

disparidade entre o número de Promotorias de Justiça gerais e de Promotorias específicas para

tratar de direitos e deveres relacionados às crianças e adolescentes na maioria dos Estados é

muito grande.

Na configuração geral do país quanto aos Centros de Apoio Operacional podemos

dizer que o Brasil ainda precisa de uma maior estruturação, pois estes órgãos auxiliares são de

extrema relevância para que o Ministério Público tenha ações diferenciadas quanto a alguns

direitos específicos, como a educação, porém muitos Estados ainda não possuem os CAO’s,

muito menos especificamente na área educacional.

A atuação funcional do Promotor de Justiça Estadual na área da educação ocorre de

acordo com cada uma das dimensões da qualidade: insumos, processos e resultados. A

pesquisa mostrou como concepção de educação do MP uma posição parecida com a dos

educadores em relação a sua função social, porém sempre vinculada à possibilidade de

exigibilidade jurídica e responsabilização dos agentes públicos (concepção produtivista).

Já os principais motivos pelos quais a população procura os membros do MP no que se

refere à educação, foram indicados por todos os participantes: garantia de acesso à educação

(problemas com a falta de vagas); problemas disciplinares no interior da escola; evasão

escolar; infraestrutura deficiente da escola. Nota-se que outras demandas não foram citadas.

A concepção de direito à educação da maioria dos sujeitos pesquisados indica a

concepção proposta neste trabalho, especialmente sobre o ensino fundamental tratar-se de um

direito público subjetivo que requer uma ação positiva do Estado, inclusive em relação à

qualidade educacional.

Para os pesquisados a qualidade da educação deve ser avaliada, mas os parâmetros

devem ser colocados em legislação, ou seja, se não estiverem prescritos em lei muito

dificilmente obteremos posicionamentos positivos do Ministério Público em ação que não

sejam provocadas pela sociedade em relação à qualidade educacional, sobretudo para discutir

dimensões.

Quando comparamos os resultados do Anuário Brasileiro de Educação Básica da ONG

Todos pela Educação (2012) sobre o ensino fundamental com o levantamento realizado nos

Page 224: KARINA MELISSA CABRAL

224

Estados sobre a atuação do MP, especialmente a existência de CAO’s, constatamos que apesar

da região Sudeste ter um melhor nível de adequação aos níveis de escolaridade em

matemática e português no ensino fundamental, no Estado do Espírito Santo encontramos

apenas nove Promotorias de atendimento específico à infância e Juventude de um total de

noventa, ou seja, apenas 10%; e quanto aos CAO’s, a região Sudeste, uma das que mais

concentra CAO de Defesa da Educação no Brasil, tendo nos Estados do Espírito Santo

(participante da pesquisa), de Minas Gerais e de São Paulo. Já no Nordeste onde a

escolarização de forma adequada em português e matemática é baixa, notamos que há três

unidades de CAOE’s que ficam nos estados da Bahia, Paraíba e Sergipe. Portanto, nestas duas

regiões a presença do Ministério Público com ações efetivas na área educacional não

representam melhora na adequação e escolarização das crianças e adolescentes do ensino

fundamental. Já no Norte não há nenhum CAOE e também há baixo índice de adequação nos

níveis de português e matemática dos alunos.

Uma ação pontual e positiva quanto à qualidade do ensino fundamental pode ser

encontrada no Estado da Paraíba que possui, inclusive um Manual de Atuação na Educação

em que descreve pormenorizadamente ações judiciais e extrajudiciais que podem e devem ser

promovidas pelo Ministério Público Estadual na busca pela qualidade do ensino fundamental

em suas três dimensões.

Importa demonstrar também o quanto o investimento, a dimensão insumo da qualidade

da educação, influência de fato nas percepções acima identificadas, sobretudo, nas diferenças

entre alguns Estados que representam as regiões brasileiras. O que se percebe, portanto, é que

no ensino fundamental nos anos iniciais, o Estado com maior investimento por aluno (R$

3.996,75) é São Paulo, na região Sudeste, e o com menor investimento é o Ceará

(R$2.206,91), na região Nordeste. O mesmo acontece nos anos finais do ensino fundamental,

onde se percebe uma articulação com os municípios.

Assim, se considerarmos que a região Norte é a que apresenta menos CAO’s para

atendimento às questões da educação, não havendo nenhum CAOE; e que a região Sudeste é a

que possui a maior parte destes Centros de Apoio Operacional da Defesa da Educação; e que

os representantes do Ministério Público têm como suas atribuições, segundo o ECA, exigir a

prevalência orçamentária para políticas públicas destinadas às crianças e adolescentes,

percebe-se que há um consenso. Porém, que a diferenciação regional é bastante significativa.

E esta diferenciação demonstra que no que concerne à dimensão processos da

qualidade do ensino fundamental, faz-se necessário que estas sejam observadas, pois indicam

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225

algumas peculiaridades sociais, culturais e econômicas relevantes para que sejam construídos

critérios de dentro para fora da escola de forma participava e democrática.

No mais, pela resposta geral do questionário conclui-se que nem todas as dimensões

da qualidade (insumos, processos e resultados) são assim compreendidas pelo Ministério

Público e que seria relevante que este diálogo com os representantes do MP fosse realizado

para que eles também pudessem compreender que é possível judicialmente exigir tanto os

insumos (que já são exigidos judicialmente, mas muitas vezes não reconhecidos como

dimensão da qualidade educacional), como os processos e os resultados.

Porém, todos os pesquisados, assim como os referenciais teóricos e demais

instrumentos são unânimes em compreender que é possível se pleitear a qualidade do ensino

fundamental público no Brasil e que o Ministério Público pode e deve fazê-lo, porém ainda

encontramos muita dificuldade no diálogo das concepções educativas com o universo

jurídico, uma comprovação disso é a pouca adesão dos membros do MP a esta pesquisa.

Nenhum dos representantes do MP que participaram da pesquisa indicou a propositura

de ação contra o Poder Executivo para exercício da qualidade educacional, na realidade pela

resposta geral do questionário conclui-se que nem todas as dimensões da qualidade (insumos,

processos e resultados) são assim compreendidas pelo Ministério Público e que seria relevante

que este diálogo com os representantes do MP fosse realizado para que eles também

pudessem compreender que é possível judicialmente exigir tanto os insumos (que já são

exigidos judicialmente, mas muitas vezes não reconhecidos como dimensão da qualidade

educacional), como os processos e os resultados.

Mas é importante destacar que este estudo colaborou para que pudesse desenvolver o

meu aprendizado sobre direitos, democracia, participação popular e qualidade da educação.

Este trabalho sem sombra de dúvidas fortaleceu-me como cidadã.

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112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os

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anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da

União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de

que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de

forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência

dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao §

4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de

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Page 241: KARINA MELISSA CABRAL

APÊNDICE I - ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE QUESTIONÁRIO ESTRUTURADO

PROMOTORES DE JUSTIÇA DOS ESTADOS – CAO’S

TEMAS SUBTEMAS QUESTÕES OBJETIVOS GERAIS

1.Atuação do

Ministério Público

a) Perfil do entrevistado ou

de quem estiver respondendo ao

questionário (Nome; tempo de

carreira no MP; função/cargo;

tempo de exercício deste

cargo/função)

b) Perfil das Promotorias do

Estado (quantidade de

Promotorias; quantidade de

promotores de justiça;

quantidade de

promotores/promotorias de Varas

da Infância e Juventude)

c) Participação do MP na

construção da cidadania e da

democracia por meio de formas

de controle, inclusive social por

meio de instrumentos normativos

e mecanismos judiciais.

d) Participação do MP na

proteção das crianças e

adolescentes.

e) Participação do MP na

a.1. Nome

a.2. A qual Centro de Apoio Operacional do

Ministério Público pertence? Qual a função

e as atribuições deste Centro de Apoio

Operacional?

a. Identificar quem está

respondendo ao questionário, sua

função dentro do Ministério Público

na atualidade e o tempo de exercício

dentro do MP e na função.

b. Elaborar um panorama do MP

daquele Estado, especialmente das

Promotorias da Infância e

Juventude, verificando, inclusive se

há algum grupo de atuação especial

no MP daquele Estado visando a

educação. Se houver, verificar quais

suas atribuições.

c. Compreender como o

representante do MP daquele Estado

compreende seu papel e de seus

Promotores na construção da

democracia e da cidadania,

verificando quais mecanismos

judiciais ele indica como

possibilidades de uso por parte do

MP para construção destas.

d. Compreender quais as

concepções sobre o papel do MP na

defesa e proteção dos interesses das

b.1. Quantas Promotorias de Justiça o Estado

possui?

b.2. Quantas Promotorias de Infância e

Juventude o Estado possui?

c.1. Quais os mecanismos judiciais que o

MP possui para atuar na construção da

cidadania e na democracia?

d.1. Existe alguma atividade desenvolvida

pelo MP deste Estado em conjunto com

órgãos governamentais e/ou outras

organizações da sociedade civil em defesa

dos direitos das crianças e dos adolescentes,

no que se refere à educação?

e.1. Qual a concepção do MP deste Estado

Page 242: KARINA MELISSA CABRAL

242

proteção dos Direitos Humanos e

dos Direitos fundamentais;

sobre os Direitos Humanos e os Direitos

Fundamentais?

e.2. Qual o papel do MP na proteção dos

Direitos Humanos?

e.3. Qual o papel do MP na proteção dos

Direitos Fundamentais?

e.4. Qual seu posicionamento em relação à

atuação do MP no controle social do

Estado, exigindo o cumprimento dos direitos

sociais, tal como a educação?

crianças e adolescentes de forma

geral.

e. Compreender a concepção do MP

sobre Direitos Humanos e Direitos

Fundamentais, verificando qual o

papel do Promotor na proteção

destes direitos.

2. Direito à educação

a) Conceito de educação;

b) O que abrange o Direito à

educação;

c) O que abrange o Direito ao

ensino fundamental público

d) Educação como Direito

Humano

e) Educação como Direito

Fundamental

a.1. Como representante do Ministério

Público do Centro de Apoio Operacional

e/ou órgãos de assessoria pesquisado, qual

sua concepção de educação?

a.2. A educação possui uma função social?

Se sim, como ela se configura? Se não, qual

seria sua maior função da educação no

Brasil?

a.3. O Doutor entende que a concepção de

educação escolar formal decorre da

concepção geral de educação?

a.4. Quais os motivos que a população

procura o membro do Ministério Público, no

que se refere à educação? (ESTÁ COM

ALTERNATIVAS)

a. Compreender o que o

representante do MP daquele Estado

compreende como educação e como

ele entende educação escolar

formal.

Page 243: KARINA MELISSA CABRAL

243

b.1. O que abrange o Direito à Educação no

Brasil?

b.2. Qual tem sido a atuação do MP para a

garantia do direito à educação?

b. Entender as concepções do MP

que permeiam o direito a educação

no Brasil.

c.1. No caso específico do ensino

fundamental público como se configura este

direito?

c. Entender as concepções do MP

daquele Estado que permeiam o

direito a educação básica e pública

no Brasil.

d.1. O direito a Educação é um direito

humano? Se sim, por quê? (ESTÁ COM

ALTERNATIVAS)

d.2. Quais as implicações jurídicas em se

considerar a educação como um Direito

Humano?

d. Verificar se na compreensão do

representante do MP daquele Estado

a educação pode ser considerada um

Direito Humano, se o for, porque

ele assim a considera e no que isso

implica juridicamente.

e.1. O direito a educação pode ser

considerado um direito fundamental? Se

sim, por quê?

e.2. Quais as implicações jurídicas em se

considerar a educação como um Direito

Fundamental?

e. Verificar se na compreensão do

representante do MP daquele Estado

a educação pode ser considerada um

Direito Fundamental, se o for,

porque ele assim a considera e no

que isso implica juridicamente.

3.Qualidade da

educação

a) Conceito de qualidade;

b) Qualidade na educação;

c) Qualidade do ensino

a.1. Sabe-se que o conceito de qualidade

educacional é subjetivo e polissêmico.

Dentro desta situação o Centro de Apoio

Operacional e/ou órgão auxiliar de

assessoria pesquisado desenvolveu alguma

reflexão específica sobre este conceito

a. Compreender como o MP

daquele Estado entende o termo

qualidade, mesmo diante de sua

polissemia.

Page 244: KARINA MELISSA CABRAL

244

fundamental público;

d) Qualidade sob o viés das

dimensões: insumos,

processos e resultados;

qualidade educacional?

b.1. Segundo o art. 206, inciso VII da CF/88

"o ensino será ministrado com base nos

seguintes princípios: [...] VII - garantia de

padrão de qualidade". Com base neste

regramento constitucional, é importante

estabelecer parâmetros mínimos para aferir a

qualidade da educação? (ALTERNATIVAS)

b. Compreender como o MP

daquele Estado entende qualidade

da/na educação e verificar a

importância dos padrões mínimos

de qualidade.

c.1. Como estes parâmetros se

materializariam no caso do ensino

fundamental público?

c.2. A falta de qualidade da educação na

escola pública de ensino fundamental

brasileira compromete a cidadania do aluno?

(ALTERNATIVAS)

c. verificar qual a concepção de

qualidade na educação básica

pública e o que comporia esta

educação de qualidade.

d.1. Segundo especialistas pode-se pensar a

qualidade na educação sob três dimensões

inter-relacionadas: insumos (investimento

efetuado na educação); processos (processo

de ensino-aprendizagem, gestão democrática

na escola) e resultados (índices aferidos em

testes padronizados). Como representante do

Centro de Apoio Operacional como entende

que se pode mensurar a qualidade da

educação em cada uma dessas três

dimensões?

d.2. Como a qualidade do ensino

d. analisar se ele concorda com a

divisão da qualidade em três

dimensões e como ele sugere que a

qualidade seja dimensionada.

Page 245: KARINA MELISSA CABRAL

245

fundamental poderia ser mensurada para que

houvesse possibilidade de existirem padrões

mínimos e, sua consequente, garantia (ou

possibilidade de se requerer esta garantia)?

4. Direito à qualidade

do ensino fundamental

a) Direito à qualidade do

ensino fundamental

público

b) Direito à qualidade em

insumos

c) Direito à qualidade em

processos

d) Direito à qualidade em

resultados

d.1. Quais os principais princípios do direito

à educação de que lançaram mão os

Promotores de Justiça deste Estado (ou

Distrito Federal) em suas Recomendações

Públicas no que concerne à qualidade do

ensino fundamental?

d.2. Qual a importância das

Recomendações? Como se elabora uma

Recomendação Pública?

a. Identificar e analisar se as

Recomendações Públicas tratam de

procedimentos administrativos ou

de procedimentos operacionais de

algum aspecto específico sobre a

qualidade do ensino fundamental

como direito.

b.1. No que se refere ao ensino fundamental

público, quais são os direitos vinculados à

qualidade em termos de insumos

(investimentos)?

b. Identificar o que o MP

compreende como vinculação entre

insumos e a qualidade do ensino

fundamental.

c.1. Qual sua compreensão da vinculação

entre a qualidade do ensino fundamental

público e os processos que a envolvem

(processo de ensino aprendizagem, gestão

democrática, entre outros)?

c.2. No seu entender existem direitos

vinculados à qualidade em termos de

processos que permeiam o ensino

fundamental público? Se sim, quais?

d. Identificar o que o MP

compreende como vinculação entre

processos e a qualidade do ensino

fundamental.

Page 246: KARINA MELISSA CABRAL

246

c.1. Qual sua compreensão da vinculação

entre a qualidade do ensino fundamental

público e os resultados apresentados em

testes padronizados, como por exemplo, o

IDEB?

c.2. Quais os direitos vinculados à qualidade

em termos de resultados que permeiam o

ensino fundamental público?

e. Identificar o que o MP

compreende como vinculação entre

resultados e a qualidade do ensino

fundamental.

5. Exigibilidade

jurídica do Direito à

qualidade do ensino

fundamental público

a) Meios jurídicos

b) Atuação judicial do MP:

insumos, processo e

resultados

i. Atuação pela garantia de

acesso à educação:

discussão sobre problemas

com a falta de vagas;

ii. Atuação pela garantia de

permanência com

qualidade na escola:

discussão sobre problemas

disciplinares, evasão

escolar; ausência de

recuperação;

iii. Atuação pela garantia de

participação na gestão

escolar: discussão sobre

eleição de diretores;

conselhos escolares,

grêmio escolar, associações

de pais e mestres.

a.1. É possível exigir juridicamente o direito

à qualidade do ensino fundamental público

no Brasil? Se sim, qual o meio jurídico para

tanto? E qual a fundamentação jurídica mais

adequada?

b.1. Quais as estratégias utilizadas pelo MP

neste Estado (ou no Distrito Federal) para

fazer o Executivo cumprir suas

responsabilidades com relação à educação,

especialmente a qualidade do ensino

fundamental público?

b.2. Qual a atuação judicial do MP neste

Estado (ou Distrito Federal) pela garantia de

acesso ao ensino fundamental público

(discussão sobre problemas com a falta de

vagas, por exemplo)? Isso pode ser

considerado um problema de qualidade? Se

sim, em qual dimensão (insumos, processos

e resultados) se encaixaria?

b.3. Qual a atuação judicial do MP neste

a.Compreender se o representante

do MP acha possível ingressar com

ação para requerer a qualidade do

ensino fundamental público e como

isso seria efetuado judicialmente.

b. Verificar quais as estratégias

utilizadas pelo MP para fazer o

Executivo cumprir suas

responsabilidades com relação ao

ensino fundamental público,

verificando as atuações judiciais na

garantia de direitos como:

- acesso ao ensino fundamental

- permanência com qualidade no

ensino fundamental

- participação na gestão escolar

- melhores índices IDEB nas

escolas de ensino fundamental

públicas

Verificando se eles consideram isso

um problema de qualidade

Page 247: KARINA MELISSA CABRAL

247

iv. Atuação pela garantia do

espaço público na escola

pública: discussão a

respeito das parcerias e de

concessões que têm sido

feitas ao longo dos anos,

bem como a entrada dos

grupos privados na

educação pública.

v. Atuação pela garantia de

melhores índices IDEB nas

escolas públicas;

c) Atuação extrajudicial do

MP: insumos, processo e

resultados

i. Atuação pela garantia de

acesso à educação:

discussão sobre

problemas com a falta de

vagas;

ii. Atuação pela garantia de

permanência com

qualidade na escola:

discussão sobre

problemas disciplinares,

evasão escolar; ausência

de recuperação;

iii. Atuação pela garantia de

participação na gestão

escolar: discussão sobre

eleição de diretores;

Estado (ou Distrito Federal) pela garantia de

permanência com qualidade no ensino

fundamental público (discussão sobre

problemas disciplinares, evasão escolar;

ausência de recuperação, etc.)? Isso pode ser

considerado um problema de qualidade? Se

sim, em qual dimensão (insumos, processos

e resultados) se encaixaria?

b.4. Qual a atuação judicial do MP neste

Estado (ou Distrito Federal) pela garantia de

participação na gestão escolar do ensino

fundamental público (discussão sobre

eleição de diretores; conselhos escolares,

grêmio escolar, associações de pais e

mestres, etc.)? Isso pode ser considerado um

problema de qualidade? Se sim, em qual

dimensão (insumos, processos e resultados)

se encaixaria?

b.5. Qual a compreensão do MP neste

Estado (ou Distrito Federal) sobre a garantia

do espaço público na escola pública,

permeando esta questão a discussão a

respeito das parcerias e de concessões que

têm sido feitas ao longo dos anos, bem como

a entrada dos grupos privados na educação

pública?

b.6. Como tem sido atuação judicial do MP

neste Estado (ou Distrito Federal) pela

garantia de melhores índices de resultados

educacional e em que dimensão

estariam encaixadas.

Verificar como eles compreendem a

questão a discussão a respeito das

parcerias e de concessões que têm

sido feitas ao longo dos anos, bem

como a entrada dos grupos privados

na educação pública.

Verificar quais as atuações

extrajudiciais na garantia de direitos

como:

- acesso ao ensino fundamental

- permanência com qualidade no

ensino fundamental

- participação na gestão escolar

- melhores índices IDEB nas

escolas de ensino fundamental

públicas

Page 248: KARINA MELISSA CABRAL

248

conselhos escolares,

grêmio escolar,

associações de pais e

mestres.

iv. Atuação pela garantia do

espaço público na escola

pública: discussão a

respeito das parcerias e de

concessões que têm sido

feitas ao longo dos anos,

bem como a entrada dos

grupos privados na

educação pública.

v. Atuação pela garantia de

melhores índices IDEB

nas escolas públicas;

d) Embate do direito à

educação x princípio da

reserva do possível

e) Promotorias onde se

desenvolve trabalhos

judiciais de atuação pela

garantia da qualidade do

ensino fundamental

público;

f) Promotorias onde se

desenvolve trabalhos

extrajudiciais de atuação

pela garantia da qualidade

em testes padronizados (por exemplo, IDEB)

nas escolas de ensino fundamental públicas?

Isso pode ser considerado um problema de

qualidade?

c.1. Quais as atuações extrajudiciais do MP

deste Estado no que concerne a:

a) garantia de acesso ao ensino

fundamental público

b) garantia de permanência com

qualidade no ensino fundamental

público

c) garantia de participação na gestão

escolar

d) garantia de melhores índices IDEB

no ensino fundamental

(ALTERNATIVAS)

Compreender como o MP vê e

busca soluções para o embate entre

o Direito à educação e o princípio

da reserva do possível.

Mapear os nichos com atuação

judicial positiva quanto à qualidade

do ensino fundamental e entender

porque da indicação destes nichos

(para melhor análise posterior)

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do ensino fundamental

público

d.1. A exigibilidade da garantia do direito ao

ensino fundamental público de qualidade por

vezes esbarra no princípio da reserva do

possível, como solucionar esta equação?

e.1. Quais as Promotorias de Justiça deste

Estado (ou do Distrito Federal) que possuem

atuações positivas concretas, judiciais, na

garantia da qualidade do ensino fundamental

público?

e.2. Em quais aspectos elas atuam

judicialmente e positivamente em favor da

qualidade do ensino fundamental público?

e.1. Quais as Promotorias de Justiça deste

Estado que possuem atuações positivas

concretas, extrajudiciais, na garantia da

qualidade do ensino fundamental público?

e.2. Em quais aspectos elas atuam

extrajudicialmente e positivamente em favor

da qualidade do ensino fundamental

público?

Mapear os nichos com atuação

extrajudicial positiva quanto à

qualidade do ensino fundamental e

entender porque da indicação destes

nichos.

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APÊNDICE II – QUESTIONÁRIO ESTRUTURADO

Survey Monkey

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