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    Universidade de So Paulo

    Instituto de Psicologia

    Fausto Assumpo Fernandes

    MEMRIA PREDATRIA DA ARANHA Argiopeargentata: LOCALIZAO E TAMANHO DA PRESA

    So Paulo

    2007

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    Universidade de So PauloInstituto de Psicologia

    Departamento de Psicologia Experimental

    A MEMRIA PREDATRIA DA ARANHA Argiopeargentata: LOCALIZAO E TAMANHO DA PRESA

    Fausto Assumpo Fernandes

    Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologiada Universidade de So Paulo como parte dos

    requisitos para obteno do ttulo de Mestre.rea de concentrao: Psicologia Experimental

    Orientador: Csar Ades

    So Paulo

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    Autorizo a divulgao e reproduo total ou parcial deste trabalho, porqualquer meio convencional ou eletrnico, para fi ns de estudo epesquisa, desde que citada a fonte.

    Fernandes, Fausto Assumpo

    A memria predatria da aranha Argiope argentata: localizao etamanho da presa

    AssumpoFernandes; orientador Csar Ades So Paulo, 2007,80 p.Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao emPsicologia. rea de concentrao: Psicologia Experimental). Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.1. Aranhas 2. Memria 3. Argiope argentata4. Predao 5. Etologia I.Ttulo.

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    Fausto Assumpo Fernandes

    A MEMRIA PREDATRIA DA ARANHA Argiopeargentata: LOCALIZAO E TAMANHO DA PRESA

    Banca Examindora

    (Nome e Assinatura)

    (Nome e Assinatura)

    (Nome e Assinatura)

    Defesa de mestrado realizada em / / no Instituto de Psicologiana universidade de So Paulo, SP.

    Dissertao apresentada ao Instituto dePsicologia da Universidade de So Paulocomo parte dos requisitos para obteno dottulo de Mestre.

    rea de concentrao:Psicologia Experimental

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    meus pais

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    Agradecimentos

    Agradeo Universidade de So Paulo, pelo espao e infra -estruturadisponibilizados. FAPESP pela bolsa concedida, bem como pelo auxliosem o qual a aquisio de equipamentos essenciais jamais seria possvel.Ao Professor Csar Ades pela orientao, apoio, e amizade.Aos Professores Gilberto Xavier e Hilton Japyassu, pelas diversas crticasconstrutivas realizadas.A todos os funcionrios do Institu to de Psicologia que contriburam direta eindiretamente para a realizao desse trabalho.A todos os amigos pelo apoio nas horas mais difceis .Aos colegas de laboratrio.A companheira, amiga Juliana Barbosa Russini, po r todo o apoio narealizao desse trabalho.A Yuri Mendoza pela manuteno dos equipamentos, bem como pelascontribuies a esse trabalho.A minha famlia pelo apoio e incentivo em todos os momentos.

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    Resumo

    A memria predatria da aranha Argiope argentata: localizao etamanho da presa.

    Aranhas orbitelas realizam comportamentos de busca quando uma presa,fixada no centro ou na periferia da teia, suprimida. A fim de investigar oscomponentes da memria predatria relacionados com a localizaoespacial e com o tamanho da presa, foram realizados trs exerimentos coma aranha Argiope argentata (Fabricius, 1775). No Experimento 1, buscou-sesaber se haveria diferenas entre as seqncias de busca executadas nocaso da supresso de uma mosca fixada no centro e de uma mosca fixadana periferia da teia. No Experimento 2, replicou -se o Experimento 1, usandocomo presa um fragmento de tenbrio, mais pesado do que a mosca. NoExperimento 3, tentou-se verificar se as aranhas gastariam mais tempobuscando uma presa armazenada na periferia da teia quando esta presafosse experimentalmente deslocada para outro local. Os resultadosmostram que A. argentata discrimina, na sua busca, presas fixadas nocentro ou na periferia da teia, e que tm um tempo mdio de busca maior nocaso de uma presa de tamanho maior (Experimentos 1 e 2). As aranhascontudo parecem no discriminar a parte de cima da parte de baixo daregio perifrica de sua teia (Experimento 3). As informaes obtidas napresente pesquisa contribuem para a formulao de modelos a respeito dofuncionamento da memria em aranhas.

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    Abstract

    The predatory memory of the spider Argiope argentata: preylocalization and size

    Orbweb spiders perform searching movements when a prey attached tothe hub or hoarded at the periphery of the web is suppressed. We hereexamined the question of a possible memory representation of theattachment site and of prey size in three experiments with Argiope argentata(Fabricius, 1775). In Experiment 1, we looked for differences betweensearch sequences performed when a domestic fly was suppressed, whenattached to the hub or hoarded at the periphery of the web. The procedure ofExperiment 1 was replicated in Experiment 2, but prey was then part of alarva of tenebrium, heavier than a fly. In Experiment 3, we tested thehypothesis that a spider would spend more time searching for a prey whenthe hoarding site of this prey is changed relatively to initial experience.Results show that A. argentata perform different searching sequencesaccording to the site of attachment of a prey (hub vs. periphery) and tends tospend more time searching for heavier prey (Experiments 1 and 2). Therewas however no discrimination of upper or lower parts of the web as tosearching behavior (Experiment 3). The present results contribute to theformulation of memory models in spiders.

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    Sumrio

    Captulo 1 Introduo ........................................................................... . 10

    Capitulo 2 Centro/periferia e tamanho da presa como elementos damemria predatria.................................................... ............................ .. 24

    Captulo 3 A localizao da presa na parte de cima e de baixo da teiacomo elemento da memria predatria................................................. .. 56

    Capitulo 4 Discusso geral: caractersticas da memria predatria deA. argentata........ ..................................................................................... 64

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    1INDRODUO

    Embora os trabalhos pioneiros de Hans Peters, realizados a partir dadcada de 1930 (Peters, 1931, Peters, 1932), j indicassem a existncia defatores de memria no comportamento de predao da aranha Araneusdiadematus, foi s nos ltimos vinte anos que se manifestou um interessemais consistente pela questo da memria em aranhas, principalmente emorbitelas. A memria predatria constitui um modelo interessante para oestudo da plasticidade comportamental, uma vez que desvenda a influnciada memria e da aprendizagem sobre a execuo de seqnciascomportamentais pr-programadas e tpicas-da-espcie. A memriapredatria uma memria especializada, localizada em momentosdeterminados da caa, e tem por funo conservar uma informaodeterminada de que depender o resto da seqncia. Ela se manifesta nodeslocamento e nos movimentos exploratrios das pernas atravs dos quaisas aranhas recuperam o contato com a presa, e atravs dos quais a suanatureza e tamanho so avaliados e representados na memria. Difere desistemas de memria mais versteis que permitem a reteno de uma gamaampla e variada de informaes a respeito do ambiente ou do prpriocomportamento do organismo, como a memria estudada em pombos ouratos de laboratrio.

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    A existncia de processos mnmicos em artrpodes foi demonstrada emestudos suficientemente numerosos para constituir um consenso e parareforar a idia de que a memria um tr ao adaptativo do comportamentotpico-da-espcie deste grupo de animais. A memria em artrpodes(especialmente em artrpodes sociais, como as abelhas ou as formigas)revelou ser bastante complexa e comparvel em vrios aspectos memriaestudada em aves ou mamferos. Damos em seguida alguns exemplos deestudos com abelhas e formigas para reforar a idia do quanto sovariveis e complexos os processos mnmicos envolvidos.

    Memria no comportamento de abelhas

    Abelhas que saem para forragear encontram o c aminho de volta para acolmia, mesmo que tenham percorrido distncias grandes em busca denctar: utilizam dicas ambientais de diversos tipos, armazenadas emmemrias de curto, mdio ou longo prazo (Menzel e Mller, 1996). Asabelhas constroem representa es atravs de seu contato com fontes dealimento de riqueza ou abundncia variveis (Gil, De Marco, Menzel, 2007).Abelhas que aprenderam a associar cores com o acesso a solues deacar, em ambientes semelhantes ao ambiente natural, so influenciadaspela seqncia (memorizada) das recompensas experienciadas: se aseqncia for crescente, passam cada vez mais tempo investigando flores(como se tivessem estabelecido uma expectativa de aumento seqencial naamplitude do reforo).

    Mamangabas (Bombus impatiens) conseguem registrar intervalos de tempoem sua memria. A latncia para visitar fontes mais ricas depois de umavisita a uma fonte mais pobre - diminui proporcionalmente ao intervalotemporal imposto entre as duas visitas. Alm de memorizar a dura o dointervalo, as mamangabas tambm retm uma informao a respeito danatureza da fonte alimentar: se diminuir o valor da fonte depois de umcontato prolongado com um valor inicial preferido os insetos a rejeitam,

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    num processo anlogo ao do contras te de incentivo estudado em outrosanimais (Boisvert, Veal e Sherry, 2007). Mamangabas aprendem alocalizao das flores visitadas: se estas flores estiverem numa disposioespacial fixa, elas adquirem trajetos estereotipados de umas s outras, semcontudo minimizar o trajeto global. Se esta oportunidade de aprendizagemno for oferecida, por haver variao aleatria da posio das flores, ocomportamento de forragear se desorganiza, havendo, inclusive, umaumento das visitas a flores j exploradas (Saleh e Chittka, 2007). Se ointervalo entre o encontro de uma flor e da flor seguinte for suficientementecurto (menor do que 2 segundos), a mamangava em forrageio se mostraseletiva e aceita a segunda flor somente se ela for da mesma espcie doque a primeira. Se o intervalo for maior do que 2 segundos, a mamangavapassa a aceitar cada vez mais uma segunda flor que difira da primeira.Resultados como estes indicam estar atuando uma memria operacionalque permite ao inseto aproveitar, dentro de uma janela tempo ral que limitada pelo esquecimento, plantas sucessivas semelhantes ( flower-constant strategy) (Raine e Chittka, 2007).

    Fatores contextuais interferem no forrageamento: abelhas treinadas aforragear em determinada localidade mudam a sua escala de prefer nciapelas recompensas de acordo com a direo do trajeto de vo: durante avolta para a colmia, a ordem de preferncia diferente de quando a abelhaefetua uma sada exploratria. Concluem os autores deste estudo: aabelha, com o seu crebro minsculo, possui uma memria sofisticada, e capaz de memorizar tarefas dentro de um contexto temporal. Abelhasmelferas podem assim planejar suas atividades no tempo e no espao eusar o contexto para determinar que ao executar e quando (Zhang,Schwarz e Pahl, 2006, p. 4420).

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    Memria no comportamento de formigas

    A memria espacial de formigas um assunto clssico que continua frtil,do ponto de vista da pesquisa. Verificou -se que a eficincia e a rapidez notransporte de sementes em duas espcies de formigas coletoras (Messorpergandei e Pogonomyrmex rugosus ) aumentava com o passar dos dias,uma indicao forte da existncia de memria do local onde estavamarmazenadas as sementes (Johnson, 1991). Niven (2007) mostrou queformigas retm informaes visuai s acerca da rota que devem seguir atchegar ao alimento e acerca da rota que devem seguir para retornar acolnia. A formiga do deserto australiana ( Melophorus bagoti) armazena,decodifica e retm dicas visuais durante a ida at a fonte de alimento e oretorno ao ninho. A aquisio da aprendizagem das dicas, no seu caso, gradual, dependendo do nmero de exposies aos estmulos visuais e dadurao de sua exposio. Uma vez aprendidos os marcos ambientais, M.bagoti no demonstra esquecimento at o final do perodo deforrageamento das formigas: trata -se, portanto de uma aprendizagem delongo prazo. Essas formigas usam uma espcie de percepo instantnea(snapshot) para igualar a sua representao mnmica s dicas concretasencontradas durante as suas trajetrias (Narendra, Si, Sulikowiski e Cheng,2007; ver tambm a este respeito Graham, Durier e Collet, 2007).

    Formigas recolocadas a alguma distncia do ponto em que se encontravam,numa trajetria familiar, conseguem voltar ao ninho usando dicas visua isdistantes, mas sem ter a capacidade de usar mapas espaciais, como outrosanimais, por exemplo, ratos de laboratrio (Collett, Graham, Harris, 2007).Franks et al (2007) mostraram que as formigas podem efetuar trajetos dereconhecimento em seu ambiente e usar a informao obtida em trajetriasfuturas. algo semelhante aprendizagem latente em ratos (um processomarcante no desenvolvimento da concepo cognitivista de aprendizagem).Nesta pesquisa, colnias de Temnothorax albipennis eram inicialmenteexpostas a ninhos de qualidade inferior ao que possuam, deixando que os

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    explorassem sem ter de emigrar. Quando esta necessidade se tornavapremente, as formigas preferiam escolher um novo ninho (desconhecido)em relao ao antigo que j tinham explorado, d ando assim uma indicaoque informaes a respeito da qualidade de stios para estabelecer acolnia tinham sido adquiridas, sem comportamento de escolha, portanto,de forma anloga aprendizagem latente.

    Formigas so capazes de estimar (e de conservar na memria) informaesrelativas s distncias percorridas. Formigas da espcie Melophorus bagotieram treinadas a alcanar em trajetrias retas uma isca situada a umadistncia menor e a uma distncia maior do ninho. As formigas estimavamcorretamente a distncia da isca, se testadas imediatamente depois daaquisio da memria, mas recorriam a outras estratgias de orientaodepois de um perodo de 24 horas, em que, supostamente, deteriorava -se oregistro de memria da distncia da fonte (Narendra, Che ng e Wehner,2007). A formiga tropical Gigantiops destructor , quando sai do ninho emdemanda de uma fonte familiar, usa rotinas motoras fixas que a levam aosprimeiros referenciais espaciais. Depois disso, no meio do caminho para afonte, ela no segue mais uma seqncia estereotipada, mas sim umaestratgia de deslocamento mais flexvel, capaz de ser variada de umaviagem a outra, e tendo dicas diferentes em diferentes alternativas. Issomostra que o tipo de memria utilizada depende do contexto dentro do qualse processo o deslocamento (Macquart et al., 2006).

    O estudo de Aksoy e Camlitepe (2005) interessante por mostrar queformigas so capazes de usar dicas idiotticas, ou seja, dicas dependentesde seus movimentos prvios. Formigas da espcie Formica pratensis eramtreinadas num tubo em T a escolher um das duas direes alternativas, a daesquerda. Quando todas as outras indicaes espaciais eram suprimidas,as formigas utilizavam consistentemente a dica idiottica, virando esquerdo do labirinto em T. A orientao das abelhas e das formigas(como, mostraremos mais adiante, a das aranhas) multi -determinada,

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    valendo-se de dicas diferentes s vezes em regime de redundncia. Estamulti-determinao da memria espacial garante idas e retornos segurosem condies em que uma fonte de informao pode faltar.

    Memria no comportamento de aranhas

    Embora no sejam to numerosos e geralmente no to aprofundadosquanto os estudos com abelhas ou com formigas, os estudos com aranhasdemonstram a existncia de processos mnmicos em diversas atividadestpicas: no acasalamento, na escolha do local para a construo da teia, naconstruo da teia, na captura da presa, no retorno ao refgio ou ao centroda teia, etc. Houve um bom caminho percorrido depois dos estud os dePeters (1931, 1932, 1933) e de Grunbaum (1927), mas ainda resta bastantepara ser pesquisado. Falta ainda rea um esquema terico que permita,ao mesmo tempo, dar conta das mincias e abrir a possibilidade decomparao com os estudos efetuados com outras espcies.

    A teia e o local de construo e de captura

    Sabe-se, hoje em dia, que a construo da teia geomtrica, durante muitotempo considerada uma caracterstica inata e estereotipada, sofre efeitos daexperincia e pode estar sujeita a aprendiz agem. No caso da orbitelaZygiella x-notata, a presena de presas potenciais (Pasquet, Ridwan eLeborgne, 1994) e o sucesso no forrageamento prvio (Pasquet, Leborgnee Lubin, 1999) afetam a construo da teia. As aranhas Argiope keyserlingie Larinioides sclopetarius, como outras aranhas de teias orbiculares,costumam ter a parte inferior da teia maior do que a superior, comvantagens predatrias que decorrem do uso da gravidade. Uma caa naparte inferior da teia mais rpida e envolve menos gasto energ tico, porvaler-se a aranha da gravidade, do que na parte superior. Contudo, se asaranhas forem alimentadas na parte de cima, em detrimento da de baixo, desua teia, tornam mais larga a espiral viscosa de cima, adaptando -se probabilidade de captura de i nsetos (Heiling & Herberstein, 1999).

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    Ades, Cunha e Tiedeman (1993) mostraram que A. argentata, quandocolocada inicialmente num quadro horizontal e forada assim a tecer numadimenso diferente da natural, comea estirando fios quase casuais peloespao todo, e introduz aos poucos, ao longo dos dias, elementos daestrutura da teia, raios irregulares e algumas espiras no comeo, depoisuma teia pequena, depois uma teia maior, dotada de todos os elementos deuma teia funcional. Esta adaptao progressiva n o apenas um efeito dahabituao s condies de teste: implica, segundo Ades e Cunha, numaaprendizagem motora. Num segundo teste de construo de teias nahorizontal, a passagem para o estgio da teia completa se d muito maisrapidamente do que no pri meiro, uma indicao de que houveaprendizagem e reteno, ao longo do tempo, de um ajustamento motor scondies novas. A memria envolvida parece ter as propriedades de umamemria de longo prazo.

    Outros estudos abordam diversos aspectos da plasticidade da construoda teia e a colocam, no mais como estereotipia pura, mas como um eloflexvel das estratgias predatrias das aranhas orbitelas (Leborgne ePasquet, 1987; Pasquet, Leborgne e Lubin, 1999; Schneider e Vollrath,1998; Sandoval, 1994; Heiling e Heberstein, 1999; Nakata e Ushimaru,1999; Nakata, Ushimaru e Watanabe, 2003; Tso, 1999; Venner, Pasquet eLeborgne, 2000). Os estudos de Morse (1999; 2000a, 2000b) mostramefeitos de experincia em tomisdeos.

    A captura em salticdeos

    A aranha salticidae (Portia fimbriata) adota estratgias diferentes para assuas diferentes presas que podem ser insetos ou outras salticidas. Na suacaptura de aranhas de teia, usa uma estratgia de ensaio -e-erro na qualso patentes mecanismos de aprendizagem. Portia fimbriata penetra naperiferia da teia de sua presa e produz vibraes, simulando um inseto.Varia o tipo de vibrao at que a outra aranha reaja e, a partir deste

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    instante, passa a usar o estmulo eficiente como isca: a presa reage aofalso inseto, desce predatoriamente at a periferia da teia e acaba sendocapturada. J quando P. fimbrita vai predar uma aranha fmea salticidae(Euryattus sp) que constri seu ninho em folhas, ela simula movimentoscopulatrios, pulando sobre a presa quando esta sai do ninh o. H, nestattica de caa, um processo de ensaio -e-erro anlogo ao que outrosanimais usam quando aprendem: uma variao randmica dentro de umaclasse especial de resposta, seguida da seleo das alternativas que doefeito (Jackson e Blest, 1982; Jacks on e Pollard, 1996; Clark, Harland &Jackson, 2000). Estudos comparativos feitos com aranhas do mesmognero, Portia africana, P. albimana, P. labiata, and P. schulrzi, mostramque a ttica generalizada (Jackson e Hallas, 1986a, 1986b). Duaspopulaes de P. labiata tinham uma freqncia de uso diferente dataticade ensaio-e-erro para a captura de aranhas de teia: o resultadolevanta a intrigante questo de ter sido a prpria flexibilidadecomportamental produto de adaptao evolutiva a condies especfi cas dohabitat (Jackson e Carter, 2001).

    Tarsitano e Jackson (1994) mostraram que P. fimbriata capaz de aprendero caminho at uma isca (uma presa morta e seca, para no gerar estmulosolfativos) vista do alto de uma plataforma, mesmo quando, neste cam inho,perdia o contato visual com a isca. Este comportamento envolve noapenas uma representao mnmica da posio da presa em relao auma srie de indicadores ambientais, mas tambm uma capacidade deintegrar de maneira flexvel esta representao aos estmulos encontradosnos atalhos (ver tambm Hill, que encontrou resultados semelhantes comPhidippus, 1979 e Jackson e Wilcox, 1993).

    Formas mais complexas da aprendizagem de salticidas, foramdemonstradas recentemente por Skow e Jakob (2005): Phidippus princeps capaz de aprender, atravs de contatos prvios, a evitar pulges txicos(Oncopeltus fasdatus). Mas a resposta, inibida nos contextos da

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    aprendizagem inicial, reaparece em contextos diferentes, o que indica aexistncia de uma aprendizagem con textual que ainda no tinha sidodemonstrada em aranhas e que anloga a aprendizagens emhimenpteros sociais.

    Orientao espacial

    A orientao espacial um dos temas relacionados com memria que maiscedo chamaram a ateno para aranhas, em especial p ara Agelenalabyrinthica (Bartels, 1929; Holzapfel, 1933). As aranhas desta espcieconstroem uma teia aproximadamente horizontal, numa das pontas da qualest um tubo de seda que constitui o refgio. As aranhas conseguemretornar ao seu refgio depois de excurses sobre a teia, usando umsistema de navegao que inclui referncias externas (estmulos alotticos,Moller e Grner, 1994) e proprioceptivas ou idiotticos (Moller e Grner,1994). Os estmulos externos que a aranha leva em conta so o sol ou umafonte pontual de luz (Grner e Claas, 1985), a gravidade, o padro deelasticidade da teia (Grner, 1988); os internos so dicas proprioceptivasregistradas pela aranha durante a sua excurso para fora do refgio.

    Os estmulos vigentes (ou adquiridos) du rante a ida podem ser modificadospara saber se so importantes enquanto referenciais externos para aorientao espacial. Assim, se aranha saiu para a sua teia, atrada porvibraes, debaixo da estimulao de uma luz, esta luz pode ser colocadanoutra posio, por exemplo, a um ngulo de 90 graus, antes que a aranharetorne. Verifica-se neste caso ser realmente a luz um marco para aorientao: a aranha se desvia ento do caminho reto que a levaria aorefgio e d algumas voltas no final das quais acaba s e orientandocorretamente, provavelmente a partir de estmulos estruturais da teia. Umaestratgia mnmica (baseada na memorizao da direo da luz) atua, deforma redundante, com estmulos da prpria teia. Um sistema desses

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    garante que a trajetria corre ta possa ser recuperada se houver falha numdos sistemas indicadores.Esse sistema de navegao est presente em outras aranhas. Drassodes

    cupreus se utiliza de luz polarizada para seu forrageamento e consecutivo

    retorno ao ninho (Dacke, Nilsson, Warrant, Blest, Land & Carroll, 1999),

    Leucorchestris arenicola se vale de navegao noturna para seu

    forrageamento e consecutiva volta ao refugio (Norgaard, Henschel &

    Wehrner, 2007).

    Memria predatria em aranhas orbitelas

    Peters (1933) demonstrou que Araneus diadematus abandona uma primeirapresa que estava sendo ingerida para capturar uma segunda presa que porventura caia em sua teia, retornando ingesto da primeira presa aps terarmazenado a segunda presa, um comportamento que sugeria estivessempresentes fatores de memria no comportamento predatrio de orbitelas.Ades (1991) usando moscas domsticas como presas mostrou que, seA.argentata leva m1 para o centro da teia para e a enrola e fixa ali para aingesto imediata, ela armazena m2, enrolando -a no local de captura. Amudana de comportamento, de m1 para m2, muito seguramentecontrolada mnemicamente, uma vez que se manifesta mesmo quando osestmulos de m1 so suprimidos, isto , na ausncia de controle sensorial.Ades (1991) tambm mostrou que, term inada a ingesto de m1, a aranhaconsegue reencontrar m2 e que busca m2 , quando esta foi retirada da teia,uma indicao segura, novamente, de controle mnmico.

    Do ponto de vista funcional, o armazenamento na periferia da teia constituiuma maneira: (1) de reduzir o tempo passado na periferia da teia (oenrolamento da presa na periferia, sem transporte ao centro, efetuado demodo mais rpido do que a alternativa de recolhimento da presa e permite avolta clere da aranha ao centro, que equivale a uma zon a de refgio); (2)

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    de conservar para consumo posterior presas acima da quantidadeimediatamente aproveitvel. Aranhas podem passar longo tempo semcapturar presas e uma reserva de alimento armazenada pode funcionarcomo uma espcie de buffer e evitar gra us extremos de subnutrio(Ades, 1991; Crespigny, Herberstein e Elgar, 2001).

    H episdios em que A. argentata armazena no local de captura a primeirapresa capturada. Isto ocorre sistematicamente com presas acima de umcerto tamanho e/ou que estejam se movimentando de forma intensa. ocaso de capturas de abelhas, gafanhotos, grilos, besouros e borboletas,acima de um certo peso (Robinson, 1969; Robinson e Robinson, 1974;Ades, 1991). No h evidencias que este armazenamento de m1 sejadevido ao estado de saciedade da aranha. Parece mais provvel que oarmazenamento de m1 seja uma ttica defensiva diante de insetos querepresentam perigo para a aranha. Abelhas deixadas enroladas na periferiacontinuam por um certo tempo mexendo -se em seu casulo, e a reduodesta atividade (que as mordidas iniciais no conseguiriam eliminar, comono caso de moscas domsticas) que pode sinalizar o momento (seguro) dorecolhimento. possvel que o transporte seguro ao centro dependa decondies de movimentao reduzida da presa.

    Os resultados demonstrados por Diaz -Fleicher (2005), com relao preferncia de um local de captura (isto a aranha captura mais presas naparte de cima da teia que na parte de baixo) parecem serem diferentes dosencontrados em Argiope argentata. Em um estudo exploratrio, Russini eAdes (2006) verificaram que A. argentata busca por mais tempo por presasretiradas da parte de cima da teia, demonstrando que essa espcie dearanha prefere capturar presas na parte inferior da teia. Uma daspossveis razes para essa diferena pode estar no fato de M sagittataconstruir uma teia simtrica, enquanto A. argentata constri teiasassimtricas.

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    Outro aspecto que vale destacar acerca da memria predatria diz respeitoao retorno ao centro. Se a teia d e Zygiella x-notata - uma aranha que temum refgio externo sua prpria teia, ligado a ela por um simples raio forgirada no seu prprio plano a aranha reage adequadamente a uma presa,correndo imediatamente para efetuar a captura. O problema se aprese ntacontudo na hora de voltar ao refgio. A aranha tende a seguir o caminhogravitacional anterior rotao do plano da teia e, assim, pode se afastar daposio presente do refgio. E sse erro de direo torna-se gradualmentemenor, medida em que a aran ha testada repetidamente nas condiesexperimentais. No fim de um certo nmero de tentativas, a aranha voltaimediatamente e sem erro direcional ao refgio, em sua posio modificada.(Le Guelte, 1969). Este experimento de Le Guelte interessante por i ndicarque uma aranha orbitela capaz de formar hbitos, na memria de longoprazo, relativos posies espaciais relevantes, em relao gravidade.Esta memria de longo prazo deve ser distinguida da memria operacionalque Ades (1989) estudou e que de corre de uma aquisio de informaoespecfica a um episdio de caa.

    A busca de presas retiradas da teia

    O fato de ter capturado e fixado teia uma presa, no influencia apenas omodo de captura de presas subseqentes (que podem ser armazenadas ouno). Ele gera o que poderia ser chamado de uma representao ou detraos da presa capturada. Como saber se h esta representao ? Ela setorna evidente quando a presa fixada teia retirada experimentalmente,antes da ingesto. Neste caso, a aranha desemp enha, com vigor e duraovariveis, movimentos de busca, ou seja, movimentos que tornam maisprovvel a localizao de uma presa e que podem ocorrer, de forma muitomais rpida e sutil, em episdios de recolhimento sem a supressoexperimental da presa. A busca no decorre, obviamente, de estmulossensoriais uma vez que est ausente a presa que poderia ger -los.

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    Os movimentos de busca ocorrem: quando se retira uma presa fixada nocentro da teia, um pouco antes ou durante a ingesto; quando se retira umapresa do local de armazenamento na periferia da teia. Os movimentos debusca aumentam a probabilidade de deteco da presa e, em condiesnormais, quando a presa ainda est na teia, levar sua recuperao.

    Perguntas de duas ordens podem ser formuladas a r espeito da busca deuma presa. De um lado, perguntas a respeito da representao do localonde foi deixada a presa: ser que A. argentata discrimina e registra alocalizao em que armazenou, na periferia, uma presa (ser que tem umarepresentao diferente de uma presa deixada na parte de cima da teia eoutra deixada na parte de baixo da teia ?); Ser que distingue entre umapresa fixada na periferia e outra fixada no centro ?

    (2) indagaes quando representao da presa propriamente dita . Serque A. argentata gasta mais tempo buscando uma presa de maior massa doque outra menor ? Ser que realiza mais movimentos de busca quandoduas presas foram retiradas da teia, em relao a uma presa suprimida ?Ser que forma uma representao da presa que est in gerindo, buscando-a menos medida que diminui em volume, ao longo da ingesto ?

    Objetivos

    O objetivo do programa de estudos do nosso laboratrio sobre a memriapredatria mapear os aspectos das seqncias de caa da aranha orbitelaArgiope argentata em que existe uma influncia da memria. Visa -se saberque aspectos da experincia passada, dentro de episdios de caa, soretidos e de que maneira passam a afetar o decurso do comportamento. Deuma maneira muito geral, pode -se dizer que a aranha decide o curso deao isto , a escolha de uma alternativa comportamental em relao aoutra a partir do efeito combinado de informaes sensoriais (a respeitode estmulos presentes) e de informaes mnmicas (relativas a estmulosencontrados previamente ou a atividades previamente executadas pela

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    aranhas). O estudo da memria em A. argentata o estudo da integraoentre informaes passadas e presentes, como o caso em qualquerestudo de memria.

    A presente pesquisa visa trazer informaes sobre a represe ntao espaciale sobre a representao do tamanho da presa que A. argentata formadurante a captura e utiliza durante a busca. No Experimento 1, atravs dadescrio dos movimentos de busca efetuados quando h supressoexperimental da presa, buscou -se demonstrar que a aranha distingue entreuma mosca fixada no centro da teia e outra fixada (armazenada) naperiferia. No Experimento 2, uma rplica do Experimento 1, substituiu -se amosca por um segmento de larva de tenbrio, de tamanho e peso maiores,visando saber se o maior valor nutritivo da presa poderia ensejar duraesmaiores de busca como nos experimentos de Gamboa e Rodrigues (2001).No Experimento 3, indo alm do Experimento 1 na tentativa de mapear apreciso da representao espacial do local de fixao perifrico da presa,tentou-se verificar, indiretamente, se as aranhas discriminavam e levavamem conta mnemicamente o local (em cima ou embaixo do miolo da teia) dearmazenamento da presa.

    Acreditamos que os resultados destes experimentos sejam relevantes, noapenas para o conhecimento melhor das tticas de captura da presa em A.argentata, mas como subsdio para uma teoria geral da memria emaranhas, necessria para que se compreendam as razes evolutivas damemria e sua insero nos roteiro s pr-programados das espcies.

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    2CENTRO/PERIFERIA E TAMANHO DA PRESACOMO ELEMENTOS DA MEMRIA PREDATRIA

    Experimento 1: busca de uma mosca retirada do centro eda periferia da teia

    No presente experimento, visando otimizar as condies para umademonstrao do papel da memria espacial na busca, resolvemoscontrastar a busca em duas condies espaciais naturais de fixao dapresa (uma mosca) teia: (1) fixao no centro, (2) fixao na periferia. SeA. argentata discrimina o fato de ter fixado uma presa ao centro, logo antesda ingesto, do fato de ter enrolado e armazenado uma presa na periferia,para ingesto posterior, e se esta discriminao influenciar sua orientaoespacial, ento a forma da busca deveria ser diferente em cada caso:centrada no centro, no primeiro caso, dirigida para a periferia, no segundo.

    Quando a primeira mosca (m1) recolhida ao centro e presa a um fio desuspenso, a aranha pode perder por um instante o contato com ela. Oprocesso de recuperao d-se da seguinte maneira: a aranha prende umfio guia um pouco acima do centro da teia, encostando as fiandeiras neste

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    ponto e, depois de eventuais movimentos leves de sacudida do corpo,estende os palpos e pode ter movimentos alternados com eles, na forma doque chamamos de tamborilar; com o auxilio do par I e III (principalmente opar III) que se flexionam, na direo da regio provvel onde estpendurada a mosca, a aranha localiza ou a prpria presa, ou o fio pelo qualest pendurada, fio que , ento, puxado com as perna s at que a presa seencontre na altura dos palpos e das quelceras e que se inicie o processode ingesto. Os detalhes sutis do reencontro de uma presa fixada ao centropodem variar, de episdio em episdio, mas claro que a busca desencadeada mnemicamente facilitada pelos estmulos (olfativos,vibratrios, tcteis) da presa presente.

    O uso de dicas de memria fica mais claro se a aranha tiver que se deslocar periferia para nova captura, deixando m1 pendurada no centro. Na suavolta ao centro, a aranha pode se encontrar a alguma distncia de m1pendurada: movimentos dos palpos e das pernas I e III so rapidamenteexecutados e levam ao contato renovado com a presa. Se m1 for retiradado centro pelo experimentador, os movimentos de busca se tornam,previsivelmente, mais extensos e mais amplos em sua distribuio espacial.

    Quando a mosca armazenada na periferia, o que geralmente o casoquando se trata de uma segunda presa (m2), a busca de m2 protelada atque m1 tenha sido ingerida, no centro. A aranha, depois de rejeitar os restosde m1 (uma pelota de quitina) e de executar eventuais movimentos delimpeza das pernas e dos palpos, executa uma rotao do corpo que acoloca de frente para o local distal onde est m2 e se locomove, seguindoum raio, at a presa que recortada da teia e carregada de volta ao centro.Durante a rotao do corpo podem s vezes aparecer sacudidas dadas porum movimento de puxar-e-sacudir raios, efetuado atravs das pernas I e II,movimento este que parece ter por funo facilitar a localizao de m2enrolada e totalmente imvel. Chegando ao centro, A. argentata enrola o

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    casulo de m2 e o fixa ao centro, de uma forma muito semelhante pela qualfixa ao centro m1, e inicia a ingesto.

    Nos casos descritos at aqui, a presa (m1, m2) estava presente, e suapresena pode encurtar ou eliminar processos de busca necessrios para arecuperao. Neste experimento, pretendeu -se eliminar o controle sensorialdecorrente da presena da presa, retirando m1 ou m2 e registrando ocomportamento de busca subseqente.

    Se A. argentata exibisse diferenas no modo e na orientao da busca dem1 em relao busca de m2 (ambas retiradas da teia), poderamos suporque ela dispe de um registro mnmico de onde deixou a presa, se nocentro, se na periferia. Chamaremos de busca central os movimentos debusca da aranha em relao a uma presa retirada de seu ponto de fixaono centro e de busca perifrica os movimentos de busca de uma presaretirada de seu ponto de armazenamento na periferia.

    Mtodo

    Sujeitos

    Foram utilizadas 10 aranhas, de Argiope argentata fmeas, adultas ou pr-adultas, coletadas no campus da USP (So Paulo) e mantidas em caixas -viveiro de 25 x 25 x 5 cm . Essas caixas tinham sua estrutura feita demadeira, com dois vidros fechando a parte anterior e posterior da caixa.Quando as filmagens eram iniciadas esses dois vidros eram retirados dascaixa, para que as imagens filmadas ficassem bem claras.As aranhasestavam sob regime natural de luz -escuro e recebiam uma mosca por diadurante 4 ou 5 dias da semana.

    Filmagem e anlise

    Episdios de caa e de busca eram eliciados com a caixa -viveiro colocadano dispositivo de registro do Laboratrio de Aranhas, sob iluminao

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    fluorescente. Os registros filmados eram realizados atravs de uma cme radigital (Sony FX-1) e gravados diretamente no computador (Dell Precision670). Os episdios gravados eram posteriormente analisados com o auxliodo programa AdobePremiere.

    Procedimento

    As aranhas foram observadas cada uma debaixo de duas condiesexperimentais: (1) condio central, (2) condio perifrica . A ordem decondies era aleatorizada.

    Condio perifrica . A aranha recebia m1, que era levada ao centro,enrolada e fixada, tendo incio a sua ingesto. m2 era ento oferecida, sejana parte de cima da teia, seja na parte de baixo, sendo armazenada nolocal. Quando a aranha voltava ao centro e reiniciava a ingesto de m1, m2era retirada da regio de captura, queimando -se com a ponta de umpirgrafo, os fios que a atavam teia e retirando -se a mosca enrolada emseda com uma pina. O procedimento inevitavelmente criava um rombo nateia, mas eliminava possveis dicas da m2 que pudessem eliciar ou orientaruma busca subseqente. Quando a aranha terminava a sua ingesto dem1, considerava-se iniciado o episdio de busca e era acionada a tomadade registro de vdeo, sendo filmados os eventuais comportamentos debusca at um prazo de 10 minutos seguidos sem emisso de busca,quando ento a busca era considerada encerrada.

    Condio central. Nesta condio, a aranha recebia uma primeirapresa (m1) e a ingeria completamente (como na condio perifrica,tambm era ingerida completamente m1). m2 era ento oferecida sendolevada ao centro, enrolada e fixada. Antes que a aranha iniciasse a ingestode m2, ela era atrada periferia atravs da vibrao gerada por uma pinae transmitida a um dos raios. Durante a sua ausncia do centro, m1 eraretirada. Considerava-se iniciado o episdio de busca logo que a aranha seendireitasse no centro, depois de voltar a el e, e a filmagem era acionada. O

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    rde recuperaegistro era interrompido depois de dez minutos sem sinal debusca, sendo considerada encerrada a busca. Caso a busca no fosseiniciada o registro ela eliminado aps vinte minutos de ausncia demovimentos de busca.

    Com algumas outras aranhas, foram realizadas observaes decontrole. Na condio mosca presente, observou-se o comportamento dasaranhas em relao a uma presa presente fixada no centro e em relao auma presa presente fixada na periferia. Tratava -se de saber se osmovimentos que caracterizam a busca quando a presa foi retirada da teiatambm aparecem e em que medida quando a presa est presente no seulugar de fixao. As Figuras 1 e 2 mostram seqncias tpicas derecuperao de presas presentes, r espectivamente, no centro e na periferia.Sacudidas e tamborilamentos, que marcam a busca de uma presa ausente,tambm foram observados no caso de uma presa presenta, obviamente emfreqncia e ocorrncia menores. A condio rombo replicava exatamentea condio central, com a diferena que um rombo era criado na periferia dateia, simulando o rombo produzido na teia na condio perifrica. Se nohouvesse diferena entre os escores da condio rombo e da condiocentral, poder-se-ia concluir que diferenas entre as condies central eperifrica no so devidas ao rombo que acompanha o procedimentoperifrico.

    Houve cuidado, ao longo da aplicao do experimento, no sentido demanter constantes as condies de observao e minimizar perturbaes.Como o ato de destacar uma presa do centro ou da periferia umpossvel eliciador de respostas defensivas por parte das aranhas (balanoda teia, imobilidade) o experimentador treinou -se para efetu-lo da maneiramais suave possvel. Quando surgia uma resposta defensiva tpica, aobservao era descartada, sendo a aranha retomada em outraoportunidade.

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    Figura 1. A recuperao deuma mosca, depois de seuenrolamento no centro.

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    Figura 2. Movimentos de busca, durante o recolhimento de uma presaarmazenada na periferia da teia.

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    Etograma

    Foram usadas as filmagens para a de scrio e o registro das respostas debusca, nas condies central e perifrica. Os vdeos dos episdiosinicialmente filmados foram vistos e revistos e examinados atravs datcnica do quadro-quadro para chegar definio a mais precisa possveldas categorias. Alguns destes registros foram observados e codificadospelo experimentador (FA) e pelo seu orientador (CA), sendo estabelecidosento critrios para (1) a definio das respostas, (2) a definio do incio edo final de cada categoria. A fidedigni dade dos dados quantitativos foitestada por codificaes simultneas feitas por FA e CA.

    (1) Tamborilamento. (Figura 3) Argiope argentata inicia o tamborilamentoseparando lateralmente os palpos, cujos segmentos distais costumampermanecer quase paralelos e juntos durante o repouso, a partir dedeslocamento na articulao coxa -trochanter. Estende-os atravs deum deslocamento que se d na altura da articulao patela -tbia: ospalpos formam ento como um ele e seus segmentos distais apontampara a frente, uma posio que permite que sua extremidade possaentrar em contato com a superfcie da teia ou com objetos (presafixada) situados diante da aranha em sua face ventral. Otamborilamento se d por uma alternao entre os palpos esquerdo edireito, um recuando enquanto o outro adiantado. A alternncia irregular, podendo haver ocasies em que os dois palpos executamjuntos um dos elementos de avano ou recuo. Durante a suaextenso, os palpos podem tocar ou no a teia com a suaextremidade distal. O tambori lar se distingue de outras categorias queA. argentata executa com os palpos, como os movimentos de limpezaem que os palpos se separam lateralmente, mas onde a extremidadedistal levada a passar sobre a regio das quelceras e a regio

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    bucal, no se extendendo para a frente, ou movimentos de separaolateral dos palpos, sem extenso, durante a etapa final de ingesto dapresa. Rovner (1968) descreve movimentos de tamborilamentoemitidos durante o comportamento de corte de Lycosa rabida: depoisde fases sucessivas em que movimentos de rotao com os palposso executados e em que as pernas dianteiras so estendidas, aaranha efetua um tamborilamento com os palpos ( palpal drumming),batendo no substrato, alternadamente, com os palpos. Mas otamborilamento da licosa efetuado com os palpos em extensorgida e tem por funo, no a explorao sensorial como no caso deA. argentata, mas a produo de sinais sonoros.

    Registramos como sendo incio do tamborilamento, em seqncias debusca, a primeira extenso de palpo (seguida pela alternaoesquerda-direita j descrita), e o final quando os palpos permanecemdobrados por dois ou trs segundos.

    (2) Rotao do corpo (girar; Figura 4). A aranha inicia o movimento,deslocando uma das pernas dianteiras lateralmen te, seja num sentidohorrio, seja num sentido anti -horrio, depois desloca as pernas III edo par IV. Esse movimento prossegue, a aranha dentro no centro dateia, as pernas agarradas sucessivamente nos fios e raios, gerandoum movimento de rotao que pod e alcanar 360 graus. H, emmuitos casos, pequenas pausas da rotao, ficando a aranha frente adeterminados setores da teia. Quando essas pausas so menoresque 5 segundos, considera -se contnuo o movimento. Tambm comum a aranha inverter o sentido de sua rotao. Findo um surto derotao, a aranha costuma recolocar -se de cabea para baixo, comopermanece no estado de repouso. O registro da rotao se iniciaquando a aranha desloca pela primeira vez, lateralmente, uma daspernas do par I, sendo o movim ento considerado finalizado quando aaranha deixa de movimentar suas pernas por um intervalo maior que

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    5 segundos. A rotao do corpo ocorre simultaneamente oualternadamente com o tamborilamento e com as sacudidas.

    (3) Sacudida. (Figura 5) A aranha puxa (flex ionando parcialmente aspernas) os raios nas quais estas pernas esto agarradas,abaixando/levantando a parte distal, produzindo assim umsacudimento na teia, com os pares I e II. As pernas dos pares III e IVpodem eventualmente fazer parte do padro geral de sacudimento,flexionando-se e estendendo-se parcialmente. Como o sacudimentoocorre aos surtos, por repetio de elementos curtos, entremeadoscom a rotao do corpo, preferiu -se registrar a sua freqncia aregistrar a sua durao.

    (4) Locomoo. (Figura 6) A aranha inicia o movimento atravs de umadas pernas do primeiro par que se flexiona dando promoo ao corpo,usando em seguida a outra perna contralateral e prosseguindoatravs dos movimentos de flexo extenso em que se alternam aspernas contralaterais e ipsilaterais, com ajustamento varivel topografia dos fios encontrados. As extremidades das pernas dospares dianteiros se ajustam de forma aproximada, direo de umdos raios que levam regio da periferia onde se localiza a presa. Alocomoo que se constata durante episdios de busca muitosemelhante que se v durante a caa. No caso da busca, alocomoo no to rpida quanto no caso de uma captura, pode serinterrompida no meio do trajeto por pequenas pausas e pode seprolongar at a periferia da teia, chegando a aranha, em algunscasos, a alcanar o quadro de madeira da caixa.

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    Figura 3. Tamborilamentosda Argiope argentata , nocentro da teia. Os palposesto estendidos eseparados lateralmente. Aaranha est girandoenquanto tamborila.

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    FIGURA 4. Seqnciamostrando movimento de girono sentido horrio. Sendo 1. Oinicio do movimento e 4. O finaldo mesmo.

    1

    1

    3

    4

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    3

    1

    FIGURA 5. Momentos (tirados de uma seqncia filmada) de um comportamento desacudida. Nota-se que as pernas dianteiras da aranha flexionam -se e estendem-se,esticando e soltando provavelmente os raios nos quais esto agarradas. A foto inferior esquerda parece indicar um componente lateral do deslocamento das pernas dianteiras.

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    Figura 6. Locomoo debusca em A. argentata. Aaranha segue um raioquando se desloca e podechegar a chegar perto doquadro de madeira dacaixa.

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    Medidas

    Pontos temporais, que chamaremos de momentos, eram obtidos atravs dorelgio embutido no arquivo de regis tro. As duraes eram avaliadas sejaatravs da diferena entre os pontos temporais de incio e de fim dacategoria, seja (no caso da durao do tamborilar), atravs de umcronmetro que permitia a acumulao de duraes. O momento de inciode certas categorias era avaliado atravs da inspeo do videotape, quadroa quadro.

    As seguintes medidas foram tomadas:

    Incio do episdio . Na condio perifrica, o incio do episdio era omomento em que a aranha soltava os restos de m1 ingerida; na condiocentral, o momento em que ela se endireitava ao centro, depois de atrada periferia (para que fosse retirada a presa fixada ao centro).

    Latncia da busca. Tempo decorrido entre o incio do episdio e o momentoem que a aranha exibia o primeiro movimento de bus ca.

    Latncia da primeira sacudida . Tempo decorrido entre o incio do episdio eo momento da primeira sacudida.

    Freqncia total de sacudidas. Nmero total de sacudidas.

    Freqncia de sacudidas em intervalos de 20 segundos . Nmero desacudidas exibido em intervalos sucessivos de 20 segundos, contados apartir do momento da primeira sacudida (medida tomada para seguir odecurso do comportamento de sacudir ao longo do tempo).

    Tempo total de busca . Tempo decorrido entre a emisso do primeiromovimento de busca e o momento de termino da busca.

    Durao total das pausas. Soma das duraes dos perodos de pausas(imobilidade durante a busca).

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    Tempo de busca ativa . Durao total da busca menos a durao total daspausas. o tempo dedicado pela aranha busca ativ a da presa.

    Tempo de tamborilamento . Durao do intervalo entre a primeira abduode palpos definidora do incio do tamborilamento e o retorno dos palpos posio do repouso (aduo) ou a emisso de um comportamento desacudida. No foram registrados co mo tamborilamentos, os movimentosdos palpos ocorridos durante rotaes -e-sacudidas.

    Estatstica

    Os resultados foram analisados atravs do programa SPSS, usando o testeestatstico de Wilcoxon para amostras relacionadas.

    Resultados

    A observao direta, qualitativa, dos episdios indicou haver diferenas namaneira como se iniciava a busca nas condies central e perifrica. Nacondio perifrica, as aranhas exibiam um comportamento em que arotao do corpo era entremeada de sacudidas, como se houvesse umesquadrinhamento circular da teia: rotao parcial sacudida rotaoparcial sacudida. A rotao tambm aparecia no incio dos episdios nacondio central, mas ela era mais lenta e acompanhada de movimentaodos palpos. s vezes, notava -se uma flexo das pernas 3, muito breve erepetitiva, em direo ao eixo longitudinal do corpo, como se aranhaestivesse tentando localizar com a perna uma presa ou o seu fio desuspenso.

    As observaes qualitativas indicavam ser o sacudir e o tamborilarcaracteres diferenciadores entre a busca na condio perifrica e a buscana condio central, respectivamente. Os resultados quantitativos estoexpostos na Tabela 1.

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    TABELA 1. Mediana dos tempos das diversas medidas tomadas. Central:condio central de experime ntao; Perifrica: Condio perifrica deexperimentao; Significncia: quando o valor de p ou noestatisticamente significativo. Nota -se aqui que o valor 0,09 aproxima -semuito da significncia.

    Latncia da busca

    A latncia de incio da busca teve valores mais altos na condio perifrica.Contudo, as diferenas no foram estatisticamente significativas (z = -0, 459p > 0,05).

    Tempo total de busca

    O tempo total de busca foi maior na condio central do que na perifrica (z= -2, 497 p < 0,05).

    Central Perifrica Significncia

    Latncia Busca 84,72 238,27 p > 0,05

    Total Busca 304,36 57,41 p < 0,05

    Busca Ativa 73,95 68,08 p> 0,05

    Latncia 1a Sac 165,38 27,86 p

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    Tempo de busca ativa

    No houve diferena significativa entre o tempo de busca ativa entrecondio central e condio perifrica (z = -0, 896 p > 0,05). A diferenaconstatada quanto ao tempo total de busca pode ento ser atribuda durao maior das pausas, na condio central.

    Latncia da primeira sacudida

    A latncia da primeira sacudida foi menor na condio central do que naperifrica (z = -2,666 p < 0,05). As aranhas, na condio perifrica namaioria das vezes iniciavam a busca direto com a seqncia de girar -e-sacudir. Na condio central, a seqncia de girar -e-sacudir aparecia maispara o final da busca, geralmente depois que a aranha tivessedesempenhado o comportamento de girar -e-tamborilar.

    Total de sacudidas

    Na maioria dos indivduos, houve um maior nmero de sacudid as nacondio perifrica que na condio central. Essa diferena no era,contudo, significativa (z= -1, 725 p>0,05).

    Nmero de sacudidas por intervalo de tempo

    Se tomarmos como incio temporal a primeira sacudida exibida por cadaaranha e tomarmos intervalos sucessivos de 20 segundos, calculando amdia de sacudidas por condio, obteremos o grfico da Figura 7. Eleindica que embora no primeiro intervalo, a freqncia mdia de sacudidastenha tido valores prximos nas condies central e perifrica, ela decrescerapidamente no caso da condio central e se mantm mais alta no caso dacondio perifrica.

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    FIGURA 7. Freqncia mdia de sacudidas ao longo deintervalos sucessivos de 20 s, nas condies central eperifrica, iniciando-se o registro logo depois da primeirasacudida emitida.

    Tempo de tamborilamento

    A diferena entre condies foi muito marcada. Enquanto nos episdios dacondio perifrica quase no apareceu tamborilamento, estecomportamento se manifestou em todas as aranhas, na condio ce ntral. Adiferena entre as duraes foi significativa (z = -2,803 p < 0,05).

    Freqncia de buscas

    No houve busca em todas as sesses experimentais. A busca semanifestou em 10 dentre 70 casos filmados na condio perifrica e em 10dos 33 casos registrados na condio central.

    0

    0,5

    1

    1,5

    2

    2,5

    3

    1 2 3 4 5 6 7

    Frequencia dada em segundos (s)

    CENTRAL

    PERIFRICO

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    DISCUSSO

    Os dados do presente experimento mostram que houve diferenassignificativas entre o comportamento de busca de aranhas na condiocentral e na condio perifrica. O tempo total de busca foi maior nacondio central, assim como a durao do tamborilamento, do que nacondio perifrica. O sacudimento, em contrapartida, ocorria mais cedo, eera mais freqente no comeo do episdio, na condio perifrica do que nacentral. Estes dados podem ser tomados como uma forte in dicao de quea aranha tem uma representao mnmica da mosca -no-centro diferente darepresentao da mosca-na-periferia.

    H uma possvel interpretao funcional para as diferenas entre ascondies. O tamborilamento, que envolve a extenso dos palpos e o seumovimento de toque-retoque com a parte distal parece apropriado paraaumentar a probabilidade de contato, seja com a presa, seja com o fio naponta do qual est pendurada, dentro ou prximo da regio central. Arotao da aranha, associada ao tambor ilamento, faz com que variem oslocais tocados e aumenta mais a probabilidade de encontro da presa. Emalguns casos, possvel notar um movimento do corpo da aranha, abdomenindo para trs e cefalotrax para frente, um movimento que talvez leve ospalpos estendidos mais prximos da superfcie da teia. Todos estesdetalhes tornam esta busca apropriada para a condio central.

    As sacudidas, que geralmente se alternam com movimentos de rotao,agitam visivelmente a regio da teia onde so aplicadas. E, no ca so de umapresa presente na periferia, agitam -na provavelmente numa freqnciadiferente, por conta de inrcia. No temos, por enquanto, equipamento quenos permita medir a vibrao diferencial da presa armazenada, masacreditamos que ela gera um feedback mecnico detectvel pela aranha, deseu ponto central de sacudimento. O movimento de girar -e-sacudir desempenhado repetidamente atingindo os vrios setores da teia eaumentando a probabilidade de deteco. Parece mais apropriado para a

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    condio perifrica. Durante o girar-e-sacudir, os palpos ficam estendidos:poderiam eles tambm servir como detectores com os palpos estendidos.

    No clculo de custos-benefcios da caa, em aranhas, o tempo umavarivel importante que o comportamento muitas vezes economi za. Fazsentido que a memria do local de fixao da presa tenha sido selecionadacomo uma estratgia otimizadora do tempo (e do esforo) que a aranhagasta para recuperar uma presa fixada na teia.

    Um aspecto interessante e no previsto dos resultados se nota na partefinal dos episdios de busca em condio central. As aranhas passam deuma busca aparentemente dirigida ao centro para uma busca dirigida para aperiferia e semelhante ao comportamento constatado na condioperifrica. Elas sacodem a teia e giram sobre si prprias, s vezes selocomovendo para fora do centro. Esta passagem de um modo centralpara um modo perifrico de busca, mesmo que se trata da ausncia deuma presa que fora pendurada no centro indica a generalizao dosmovimentos de procura por toda a rea procurvel: a seletividademnmica cede para uma busca randomizada, no sem paralelos nocomportamento de outros animais que iniciam investigando reas restritas edepois cada vez mais extensas medida que passa o tempo sem qualqu erencontro com os estmulos relevantes.

    O modelo de busca que propomos compreende, assim, uma representao(ou seja, um efeito de permanncia de estmulos e comportamentosprvios) do local onde foi fixada uma presa, sendo discriminadas pelasaranhas a regio central da regio perifrica. A metodologia empregada nopresente experimento no permite saber quo precisa a representao dapresa na periferia da teia, em que medida sabe a aranha o ngulo do raio(em relao vertical) mais prximo do pont o exato de armazenamento dem2 (ver resultados do Experimento 3).

  • 45

    relevante notar que um intervalo de tempo diferente separa a aquisio darepresentao de memria do momento de seu uso (durante a busca) nascondies perifrica e central. Na condio c entral, a aranha posta nasituao de busca quase que imediatamente depois da captura e fixao aocentro da presa. Na condio perifrica, a busca ocorre espontaneamentedepois de um prazo maior durante o qual a aranha ingere a primeira presacapturada. Porm essas diferenas de tempo de inicio de busca no soestatisticamente significativas. Dessa maneira esta diferena de intervalono explica as diferenas de desempenho das aranhas na condio centrale na condio perifrica, ou seja, a prevalncia de tamborilamento numcaso, de sacudidas iniciais no outro. O intervalo de tempo, contudoexplicaria os casos de aranhas que no exibiram busca na condioperifrica. Estes casos, que no foram includos nas analises do presenterelatrio, so relevantes na medida em que talvez indiquem a presena deesquecimento. Uma interpretao alternativa seria de que o custo da buscae do recolhimento de uma presa perifrica s vezes ultrapassa o benefcioalimentar.

    Poder-se-ia argir que a diferena nos desempenhos sob as duascondies decorreram de haver, no diferenas mnmicas, mas diferenasno contexto presente, num dos casos (periferia), um rombo na teia,provocado pela retirada da mosca armazenada, noutro, nenhum. Asobservaes feitas em condio central de controle (com um romboefetuado na regio da teia onde estaria o rombo, no caso da condioperifrica) indicam que ser o desempenho semelhante, neste caso, ao dacondio central e reforam a hiptese da influncia de fatores de memria.

    Esta a primeira demonstrao da existncia de uma representaoespacial da localizao da presa em aranhas orbitelas. Mostra que amemria predatria nestas aranhas incorpora mecanismos de discriminaoe de conservao da experincia que levem a um desempenho mais rp idoe mais econmico, aspectos essenciais do ponto de vista da adaptao.

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    Experimento 2: Busca de um fragmento de tenbrioretirado do centro e da periferia da teiaO Experimento 2 teve por objetivo replicar o Experimento 1, usando umapresa mais volumosa (fragmento de tenbrio). A comparao entre a buscade uma mosca e a de um tenbrio poderia fornecer informaes sobre oregistro mnmico do tamanho da presa e sobre seu efeito na durao eintensidade da busca.

    A primeira evidncia a favor da hiptese d e que o tamanho compe arepresentao da presa provm de uma pesquisa exploratria efetuada em1991 com Nephila clavipes por Andresen, aluna do Prof. William Eberhard,da Universidade da Costa Rica (comunicao pessoal).

    Seu primeiro experimento consisti u em retirar a primeira presa, dasquelceras da aranha, atravs de uma abertura efetuada no miolo da teia.Num segundo experimento, registrou o tempo de busca em duascircunstncias: (1) presas pequenas; (2) presas grandes. Num terceiroexperimento, ofereceu aranha uma presa grande, substituda por outrapequena, antes que houvesse incio de ingesto.

    Andresen observou movimentos de busca (primeiro experimento); verificouque a busca da presa grande era mais intensa e demorada do que a dapequena (segundo experimento) e que a memria da presa grandesobrevivia ingesto da pequena (terceiro experimento).

    Rodriguez e Gamboa (2000), inspirando -se neste estudo exploratrio e nosresultados de Ades (1991), estudaram o comportamento de busca depresas retiradas da teia nas aranhas Argiope argentata (Aranae), Nephilaclavipes (Nephilidae) e Neriene peltata (Linyphiidae). Nephila e Argiopeforam observadas no campo, Neriene em condies de laboratrio.Compararam a busca de dois tipos de presas quando retiradas da teia

  • 47

    dessas aranhas, uma de tamanho menor, Drosophila sp, outra de tamanhomaior, Acheta domestica. Todas as trs espcies exibiram respostas debusca por presas retiradas da teia, o que mostra a generalidade destecomportamento mnemicamente guiado ent re aranhas orbitelas. Mas o seuresultado mais interessante, do ponto de vista de nossa pesquisa, foi que abusca, no caso de Argiope e Neriene, durava mais tempo quando a presaera maior (Rodriguez & Gamboa, 2000). Presas maiores tm um maiorvalor nutritivo e representam, para a aranha, uma compensao maior parao custo da busca.

    Como constatssemos (no procedimento do Experimento 1) que algumasaranhas deixavam de buscar por uma presa perifrica retirada da teia,dentro do tempo alocado para tal, imag inamos que talvez esta ausncia debusca se devesse ao valor alimentar reduzido da mosca, um valor debiomassa que no compensaria o esforo despendido em movimentos debusca e em locomoo at a periferia da teia. E pensamos em substituir asmoscas por presas maiores (pedaos de tenbrios) imaginando queobteramos uma maior freqncia da ocorrncia de busca perifrica. No foiisso que aconteceu (discutiremos o fato mais adiante), mas conseguimos,replicando o Experimento 1 com presas maiores, ter uma bas e para saberse de fato A. argentata tem, como indicam os resultados de Gamboa eRodriguez (2000) uma representao do tamanho da presa quando inicia oseu comportamento de busca.

    Sabe-se que aranhas orbitelas (e aranhas em geral) discriminam o tamanhode uma presa, dentro de suas estratgias predatrias. Presas maiorespodem representar perigo maior: observamos que A. argentata dirige-semais devagar em direo a presas muito grandes, como grilos, colocadosna sua teia. Machos da aranha orbitela Metellina segmantata, por exemplo,que oferecem presas maiores para suas fmeas, obtm a oportunidade deexercer por um tempo maior seus comportamentos de corte (Pretender,Elwood & Colgan , 1994). Harwood (1974) mostrou que Argiope aurantia

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    apresenta comportamentos predatrios diferentes diante de presasdiferentes (lepidpteros, presas outras, grandes e pequenas). No sdiscriminam presas de tamanhos diferentes como podem ter preferncias.Diaz-Fleicher (2005) mostrou que Micrathena sagittata se dirige depreferncia para uma presa maior (se forem apresentadassimultaneamente, na teia, uma presa maior e outra menor). Esta prefernciase mantm, mesmo que a presa menor tenha sido apresentada na partesuperior da teia, que o estudo de Daz -Fleischer mostrou ser maisconveniente para M. sagittata.

    O Experimento 2, visou verificar se A. argentata busca mais tempo por umapresa de maior valor nutritivo e tambm saber se replicariam os resultadosdo Experimento 1 com uma presa diferente. Repetimos o procedimento doExperimento 1, usando, no lugar de moscas, pedaos de larva de tenbrio,que eram retirados, depois da captura, do centro (TC) ou da periferia (TP).

    Larvas de tenbrio no so capturadas exatamente da mesma maneira quemoscas. A aranha aplica larva uma m ordida longa antes de prosseguircom a seqncia de captura, levando a presa ao centro ou no. As moscasno so normalmente submetidas mordida longa. No acreditamos queesta diferena no modo de captura possa afetar os resultados, quanto aocomportamento de busca provocado pela eliminao da presa, no centro ouna periferia.

    Mtodo

    Sujeitos

    Foram utilizadas 10 aranhas Argiope argentata fmeas, adultas ou pr-adultas, coletadas no campus da USP (So Paulo) e mantidas em caixas -viveiro de 25 x 25 x 5 cm. As aranhas estavam sob regime natural de luz -escuro e recebiam uma mosca por dia durante 4 ou 5 dias da semana.

  • 49

    Filmagem e anlise

    Episdios de caa e de busca eram eliciados com a caixa -viveiro colocadano dispositivo de registro do Laboratrio de Aran has, sob iluminaofluorescente. Os registros filmados eram realizados atravs de uma cmeradigital (Sony FX-1) e gravados diretamente no computador (Dell Precision670). Os episdios gravados eram posteriormente analisados com o auxliodo programa AdobePremiere.

    Procedimento

    As aranhas foram observadas (como no Experimento 1) debaixo de duascondies experimentais, com dois tipos de presas diferentes: (1) condiocentral (2) condio perifrica .

    Condio perifrica . A aranha recebia uma primeira pres a (umamosca) que era levada ao centro, enrolada e fixada, tendo incio a suaingesto. O pedao de larva de tenbrio (TP) era ento oferecido naperiferia da teia. A aranha armazenava esse pedao de larva (de 0,8 cm) naregio da teia onde era oferecido. Quando a aranha terminava a ingesto dem1, considerava-se iniciado o episdio de busca e era acionada a tomadade registro de vdeo, sendo filmados os eventuais comportamentos debusca at um prazo de 10 minutos seguidos sem emisso de busca,quando ento a busca era considerada encerrada. Quando a aranhadeixava de realizar movimentos de busca por um tempo maior que 20minutos, depois do incio do episdio, o caso era eliminado da amostra.

    Condio central. Um pedao de larva de tenbrio (TC) era oferecid ona periferia, sendo vibrado com uma pina quando a aranha no reagia sua colocao. Quando TC era recolhido e fixado ao centro, a aranha eraatrada para a periferia da teia atravs da vibrao de uma pina e a larvaretirada do centro. A busca era r egistrada at que se interrompesse por dezminutos. Casos em que a aranha no buscasse a presa por um perodo devinte minutos eram eliminados da amostra. O etograma e as medidas

  • 50

    realizadas nesse experimento foram os mesmos que os utilizados noExperimento 1. Tambm foi usado o teste de Wilcoxon.

    Resultados

    Como no Experimento 1, predominaram, na condio central, respostas derotao acompanhadas de tamborilamento; e, na condio perifrica, ogirar-e-sacudir (Tabela 2).

    TABELA 2. Mediana dos tempos das diversas medidas tomadas. Central:condio central de experimentao; Perifrica: Condio perifrica deexperimentao; Significncia: quando o valor de p ou noestatisticamente significativo.

    Central Perifrica Significncia

    Latncia Busca 262,99 388,05 p>0,05

    Total Busca 452,64 204,90 p>0,05

    Busca Ativa 91,70 142,62 p>0,05

    Latncia 1a Sac 147,99 12,86 p>0,05

    Total Sac 2,00 6,50 p

  • 51

    Houve maior tempo de tamborilamento na condio central do que nacondio perifrica (z = -2,59, p = 0,009) e maior freqncia de sacudidasna condio perifrica do que na condio central (z = -2,43, p = 0,015).Curiosamente, no se encontrou uma menor latncia para a emisso daprimeira sacudida, no presente experimento (z = -1,07, p = 0,285).

    A Figura 8 mostra o decurso temporal da freqncia de sacudidas, nacondio perifrica e na condio central. V -se um decrscimo temporal enveis inferiores no caso da condio central.

    FIGURA 8. Mediana do numero de sacudidas porintervalo de tempo de 20 segundos

  • 52

    No houve diferena significativa nos outros parmetros examinados:latncia da busca (z = - 1,72, p = 0,241), tempo de busca (z = - 0,97, p =0,333), tempo de busca ativa (z = -0,56, p = 0,575).

    Discusso

    Os dados confirmam a concluso bsica do Experimento 1: existe umadiferena na forma da busca de presas deixadas no centro e na periferia dateia, diferena sugestiva da existncia de um processo de memria. H umarepresentao tenbrio-no-centro diferente da representa o tenbrio-na-periferia. Os resultados do Experimento 2 no replicam, ponto por ponto, osdo Experimento 1, um fato que pode ser devido ao rudo experimental (e aopequeno tamanho amostral) ou a processos para os quais no temos porenquanto interpretao.

    Embora no tenhamos efetuado, no Experimento 2, observaes decontrole para igualar as condies central e perifrica (rombo na condiocentral), nos parece justificada a rejeio da suposio de que as diferenasentre as condies central e perifrica se devem a fatores do ambienteperceptual imediato e que decorrem da formao de uma representaomnmica.

  • 53

    Comparao entre a busca de uma mosca (Experimento 1) ede um fragmento de tenbrio (Experimento 2)

    Para comparar a busca de duas presas que d iferem em peso (mosca etenbrio), tomamos, para cada aranha, a mdia dos parmetroscomportamentais (tempo de busca, tempo de busca ativa, etc.) nascondies de busca central e perifrica [(pc + pp)/2, pc = parmetro central,pp = parmetro perifrico, F igura 9]. Nota-se, na Figura 9, que mostra asmedianas desses parmetros, que h maior tempo de busca, maior latncia,maior tempo de pausa, maior numero total de sacudidas quando se trata detenbrios do que de moscas.

    A anlise estatstica, com o teste no-paramtrico de Mann-Whitney,confirma parte destas tendncias. Existe uma diferena significativa notempo de busca (U = 23, p = 0,043) e na latncia de busca (U = 15, p =0,007) entre a condio mosca e a condio tenbrio. No houve diferenasignificativa nos outros parmetros: tempo de pausa (U = 40, p = 0,46),tempo de busca ativa (U = 36, p = 0,31), tempo de tamborilamento (U = 39,p = 0,44) e freqncia de sacudidas (U = 47, p = 0,85).

    As comparaes (entre mosca e tenbrio) das condies central eperifrica, tomadas independemente uma da outra, no revelaramdiferenas significativas apesar das tendncias observadas nos resultadosbrutos.

    Os resultados indicam haver diferena entre a busca de uma presa menor(mosca) e de uma presa maior (tenbri o) , pelo menos em dois parmetros:o tempo total de busca e a latncia de busca. Presas maiores geram maiorbusca total e levam a uma maior demora para o comeo da busca do que

  • 54

    presas menores. Pode-se inferir de que as aranhas formam, durante acaptura central e perifrica, uma representao de uma das caractersticasda presas indicativas de seu tamanho e, do ponto de vista funcional, dabiomassa aproveitvel para a alimentao. Deste ponto de vista (funcional),faz sentido que uma presa maior seja buscad a por mais tempo, isto , cominvestimento maior de energia) do que a menor: exatamente este oresultado de Gamboa e Rodrigues (2000) que os nossos experimentosconfirmam. No temos interpretao clara, por enquanto, de porque haveriamaior latncia de busca, no primeiro caso. Se uma presa maior representamaior valor de incentivo,ela deveria gerar latncias menores do que umapresa pequena.

    Embora houvesse tendncia para outros parmetros se diferenciarem,especialmente no caso de uma comparao entre mo sca e tenbrios nabusca central e na busca perifrica tomadas em separado, a anliseestatstica no indicou diferenas significativas. Acreditamos que isso possaser uma conseqncia da grande variabilidade dos dados e do tamanhorelativamente pequeno (dada a variabilidade) da amostra. Pode -se tambmpensar que as diferenas teriam se manifestado de maneira mais intensacaso a diferena de peso entre a presa maior e a presa menor tivesse maiorvalor. H, aqui, uma questo psicofsica: entende -se que as aranhaspossam reagir em funo de um limiar diferencial de percepo do tamanhodas diversas presas com as quais se defrontam.

  • 55

    LATNCIA DE BUSCA

    0

    200

    400

    600

    MOSCA TENBRIO

    TEM

    PO (S

    EG)

    TEMPO DE BUSCA

    0

    100

    200

    300

    400

    MOSCA TENBRIO

    TEM

    PO (S

    EG)

    TEMPO DE BUSCA ATIVA

    0

    100

    200

    300

    400

    MOSCA TENBRIO

    TEM

    PO (S

    EG)

    TEMPO DE PAUSA

    0

    100

    200

    300

    400

    MOSCA TENBRIO

    TEM

    PO (S

    EG)

    TOTAL DE SACUDIDAS

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    MOSCA TENBRIO

    FREQ

    N

    CIA

    TO

    TAL

    TAMBORILAMENTO

    0

    50

    100

    150

    200

    MOSCA TENBRIO

    TEM

    PO (S

    EG)

    Figura 9. Medianas do tempo de busca, tempo de buscaativa, tempo de pausa, tempo de tamborilamento efreqncia total de sacudidas na busca de uma mosca ede um fragmento de tenbrio (Experimentos 1 e 2)

  • 56

    3

    A LOCALIZAO DA PRESA NA PARTE DE CIMAE DE BAIXO DA TEIA COMO ELEMENTO DAMEMRIA PREDATRIA

    As regies superior e inferior da teia, apesar de estruturalmentesemelhantes (possuindo ambas raios, espiral viscosa e fios de quadro comamarras) diferenciam-se do ponto de vista de uso predatrio. Aranhasorbitelas da espcie Micrathena sagittata capturam com mais eficinciapresas grandes na parte de cima da teia do que na parte de baixo (Diaz -Fleicher, 2005). Esses resultados talvez se devam ao fato de presasgrandes situadas na parte de cima da teia poderem, caso se desprendamda teia, cair na prpria teia, enquanto presas situadas na parte de baixo dateia caem para fora da teia por pouco que consigam se despreender.Haveria condies e vantagens para as aranhas orbitelas de teia verticaldiscriminarem as partes superior e inferior da teia, e o estudo de Ades(1989) sobre o retorno da aranha ao centro mostra como isto pode se dar.

    Ades (1989), partindo da hiptese de que a aranha Argiope argentataregistra, durante a locomoo at a presa, uma informao gravitacional a

  • 57

    respeito da direo tomada, modificou a posi o da teia durante aseqncia predatria. Antes que a aranha voltasse ao centro, depois deefetuada uma captura, a teia sofria uma rotao, dentro de seu prprioplano, de tal maneira que a informao direcional memorizada no fossemais indicativa do cent ro. As aranhas submetidas a esta manipulaodesviavam-se, no retorno ao centro da teia, locomovendo -se na direomemorizada. O controle mnmico dos deslocamentos predatrios interagiacom a influncia da estrutura de fios da teia: se o trajeto de volta, depois darotao da teia, fosse perpendicular disposio dos raios (isto , se aaranha tivesse dicas estruturais, externas, disponveis) ela era capaz decorrigir o seu trajeto e de reencontrar mais rapidamente o centro da teia. Osestudos de Ades (1989) esto sendo replicados e expandidos por YuriMendoza, no nosso laboratrio.

    Se uma caixa de Zygiella x-notata - uma aranha que tem um refgio externo sua prpria teia, ligado a ela por um simples raio for girada de seuprprio plano (como no caso, c itado acima, da teia de A. argentata), aaranha reage adequadamente a uma presa que cair na teia, correndoimediatamente para efetuar a captura. O problema se apresenta, contudona hora de voltar ao refgio. A aranha tende a seguir o caminhogravitacional anterior rotao do plano da teia e, assim, pode se afastar daposio presente do refgio. E sse erro de direo torna-se gradualmentemenor, na medida em que a aranha for testada nas condiesexperimentais. No fim de certo nmero de tentativas, a aran ha voltaimediatamente e sem erro direcional ao refgio, em sua posio modificada.(Le Guelte, 1969). Este experimento de Le Guelte interessante por indicarque uma aranha orbitela capaz de formar hbitos, numa espcie dememria de longo prazo, relativos posies espaciais relevantes, emrelao gravidade. Esta memria de longo prazo deve ser distinguida damemria de curto prazo (ou operacional) que Ades (1989) estudou e quedecorre de uma aquisio de informao especfica a um episdio de caa.

  • 58

    Os experimentos de Ades (1989) e LeGuelte (1969) indicam que aranhasorbitelas usam informaes gravitacionais, seja a curto, seja a longo prazo,para reencontrar o centro ou o refgio, mas no h indicao de que usemeste tipo de informao durante a r ecuperao de presas armazenadas naperiferia da teia. O propsito do presente experimento foi verificar searanhas A. argentata distinguem uma presa armazenada na parte de cimada teia de uma presa armazenada na parte de baixo e usam estainformao, registrada na memria, para efetuar a busca e a localizaodas presas subseqentes. A discriminao entre o em cima e o embaixoda teia facilitaria eventualmente a recuperao pela economia de tempo ede esforo.

    Foram programadas duas condies experimen tais: (1) a presaarmazenada na periferia tinha a sua localizao, em relao vertical,modificada pelo experimentador, por rotao da teia dentro de seu plano(presas armazenadas na parte de baixo da teia eram levadas a ficar naparte de cima e vice-versa); (2) a presa armazenada permanecia no mesmolocal. Se houvesse de fato controle mnmico gravitacional, a busca dapresa deveria durar mais em (1) do que em (2) porque a aranha serialevada, mnemicamente, a buscar a sua presa armazenada num lugar doqual est esta presa ausente. A ausncia de diferena entre (1) e (2)significaria que A. argentata no usa registros mnmicos gravitacionaisquando recupera a sua presa e que se vale de uma estratgia randmica debusca para localiz-la.

    Mtodo

    Sujeitos

    Foram usadas 21 fmeas adultas ou pr -adultas de Argiope argentata,coletadas no campus da Cidade Universitria (USP), em So Paulo. Asaranhas eram mantidas em caixas -viveiro de 25 x 25 x 5 cm e recebiam 4ou 5 moscas por semana.

  • 59

    Registros

    Os episdios de busca foram filmados com uma cmera digital (Sony HDR -FX1). Os registros eram posteriormente transferidos para um computadorpara anlise atravs do programa Adobe Premiere.

    Procedimento

    As aranhas eram levadas a armazenar uma presa na periferia da teiaatravs do oferecimento sucessivo de duas moscas, m1 e m2. m1 erageralmente levada para o centro da teia, m2 armazenada no local decaptura, que podia ser na parte de cima da teia, prximo ao eixo verticaldessa, ou na parte de baixo, tambm prximo ao eixo vertical.

    Nas condies CB (cima-baixo) e BC (baixo-cima) a posio da presaarmazenada era modificada, por rotao da teia, de cima para baixo e debaixo para cima, respectivamente. Nas condies CC (cima -cima) e BB(baixo-baixo) a presa permanecia onde tinha sido armazenada (em cima ouembaixo, respectivamente).

    Para deslocar uma presa armazenada da parte de baixo da teia para a decima (BC) ou vice-versa (CB), girava-se a teia em 180 graus, dentro de seuplano. Assim, a parte de baixo ia em cima, e vic e-versa. Argiope argentatase adapta bem a este tipo de rotao e logo se endireita, colocando -se como cefalotrax para baixo, depois da rotao.

    Nas condies de controle (CC e BB), as teias eram giradas em 360 graus,deixando-se a presa armazenada no local inicial, em cima ou embaixo,respectivamente. Esta rotao igualava as condies experimentais (CB eBC) s condies de controle (CC e BB) do ponto de vista de um eventualefeito da rotao em si sobre o comportamento das aranhas.

    Figura x. Procedimento usado no Experimento 3. Os crculos cheiosrepresentam a colocao inicial da presa e o seu local de armazenamento.Os crculos brancos representam a localizao da presa armazenada

  • 60

    depois da rotao de 180 graus da teia, em seu prprio plano. BB e CC so,respectivamente, as condies de controle de BC e CB.

    As etapas precisas do procedimento eram:

    1. Uma primeira presa (m1) era oferecida aranha, numaregio qualquer da teia.

    2. Logo aps sua captura, transporte, enrolamento e fixao nocentro, uma segunda presa (m2) era colocada na periferia dateia, na parte de baixo no caso de BC, na parte de cima, nocaso de CB.

    3. Aps o armazenamento de m2, m1 era retirada do centro,para desencadear movimentos de busca.

    4. A caixa-viveiro era girada em 180 (BC/CB) ou 360 (BB/CC)graus.

    5. Registrava-se atravs de filmagem, logo aps a rotao dacaixa, o comportamento da aranha at o momento em querecuperasse m2, quando a sesso era encerrada.

    Nas sesses em que se via que a aranha tinha deixado um rastro d e sedaentre m2 armazenada e o centro da teia, rastro que poderia servir de guiadurante a recuperao da presa, este rastro era cortado com a ponta quentede um pirgrafo.

  • 61

    Os comportamentos de busca registrados nesse experimento foram osmesmos descritos nos experimentos 1 e 2. As variveis medidas foram: alatncia (tempo para o aparecimento do primeiro movimento de busca daaranha, depois de ser girada a teia em 180 ou 360 graus); tempo de buscaativa; tempo de pausa (durao dos perodos de imobilidad e, depois desurtos de busca, antes da recuperao do inseto).

    Os tempos de busca foram registrados atravs do programa Adobe

    Premiere e depois convertidos em segundos.

    Resultados

    CB BB BC CCLatncia 38,67 267,99 134,42 116,20Pausa 0,00 47,94 0,00 0,00Busca ativa 34,25 43,83 60,23 57,53

    TABELA 3. Medianas do tempo de latncia, tempo de busca total, e tempode pausa. Esses tempos eram contados em segundos. Procedimentosexperimentais CB e BC, procedimentos controle BB e CC.

    As medianas de cada uma das variveis registradas esto na Tabela 1. Nohouve diferena significativa entre CB e BB (Mann -Whitney, U = 20,000, p >0,05); nem entre BC e CC (Mann -Whitney U = 43,000 e p > 0,05), no tempode latncia. No houve diferena significativa no tempo de busca ativa (CBx BB, U = 46,000, p > 0,05; BC x CC, U = 37,500, p > 0,05). As pausas sapareceram nas condies CC e BB.

  • 62

    Discusso

    Os resultados no confirmam a hiptese de uma memria gravitacionalrelacionada posio de uma presa armazenada na pa rte de cima ou naparte de baixo da teia. Se houvesse uso de uma informao gravitacionalem associao ao local de armazenamento, o tempo de busca deveria sermaior nas condies CB e BC, do que nas condies BB e CC,respectivamente (a aranha buscaria na direo mnemicamente registradaantes de localizar a presa em sua posio alterada).

    Uma primeira interpretao dos resultados seria de que A. argentata -embora registre a direo que toma na ida ao inseto (descendo ou subindo),como mostram os resultados prvios de Ades (1989) (e os resultadosatualmente colhidos no laboratrio por Yuri Mendoza) - no associa esteregistro presa armazenada. No haveria uma prontido para este tipo deregistro e a aranha buscaria a presa sem vis de memria, apenascolhendo uma informao sensorial, atravs de um processo de buscarandmico e pr-programado. Esta interpretao se justifica se imaginarmosque a busca randmica muito eficiente, no havendo ganho suficientepelo uso de uma busca mnmica que justifiquem, e m termos evolutivos, aseleo de uma estratgia guiada pela memria.

    Uma segunda interpretao atribui os resultados, no falta de prontidopara um registro mnmico gravitacional, mas influncia de algum dosparmetros experimentais usados. Como foi mencionado, a m1, fixada aocentro, no presente procedimento, era retirada para que houvesse iniciaoimediata da busca. Nestas condies experimentais, a aranha buscavatanto m1 (retirada do centro) como uma m2 presente na periferia e estasoma de buscas poderia de alguma maneira ter mascarado um aumentoeventualmente pequeno de busca nas condies experimentais. Umexperimento est sendo programado, no laboratrio, para eliminar estepossvel efeito mascarador. Neste experimento, a m1 no ser retirada,depois da rotao da teia, deixando -se que ocorra ingesto total. Assim,

  • 63

    uma eventual memria espacial da localizao da presa armazenada teriacondies plenas para se manifestar.

    Os resultados do presente experimento levantam uma questo relevante arespeito da evoluo da memria. Mecanismos de reteno e de uso deuma informao armazenada tero uma chance de serem selecionados,evolucionariamente, se no estiver disponvel uma soluo comportamentalautomtica ou randmica (no nosso caso) que leve ao s mesmos resultados,sem excesso de investimento. De acordo com esta linha de pensamento,processos de memria tm um custo a ser compensado adaptativamentepela sua eficincia em resolver problemas (como a acelerao noreencontro de uma presa armazenada) .

  • 64

    4DISCUSSO GERAL: CARACTERSTICAS DAMEMRIA PREDATRIA DE A. argentata

    A partir de nossos dados e dos de outros autores, possvel elaborar ummodelo mnimo, provisrio, a respeito de como funciona a memriapredatria em Argiope argentata. Referimo-nos a uma memria predatria eno memria em geral porque, de um lado, os resultados foram obtidosnum contexto de comportamento predatrio; de outro lado, por acreditarmosque os processos de memria so processos especializados, que foramselecionados para atuar em determinados contextos funcionais. Coloca -se aquesto de saber se processos que atuam em contextos especfico no sovariantes de um processo geral que tem na sua lgica a previso para oajustamento a situaes particulares. Talvez no haja contradio entreimaginar que existem mdulos de processamento gerais e pensar que estesmdulos se inserem, de uma forma especializada, tpica -da-espcie, emseqncias comportamentais determinadas, mas seria necessrio

  • 65

    aprofundar a reflexo a respeito e construir a lgica apropriada para estetipo de proposta.

    Memria operacional e memria de longo prazo

    Existiriam, no caso de Argiope argentata, dois tipos bsicos de memria:uma memria operacional , de funcionamento lbil, de aquisio sinali zada,e presa execuo imediata, a curto prazo, de certas tarefascomportamentais, e uma memria de longo prazo , resistente, gradualmenteadquirida, posta em uso em contextos generalizados. No hincompatibilidade funcional entre estes mecanismos de mem ria, e concebvel que possam atuar, ao mesmo tempo, um constituindo o contextopara o outro.

    Estas duas memrias, por sua vez, se inserem num contextocomportamental em que existem mecanismos pr -programados,relativamente resistentes experincia, s vezes aptos a realizarem amesma tarefa, a alcanarem os mesmos estados finais, do que osprocessos mnmicos. Certas funes do comportamento da aranhapoderiam ser, alternativamente, cumpridas:

    (a) atravs de tticas comportamentais pr -programadas, (1) do tipopadro-fixo-de-resposta (dentro da perspectiva etolgica clssica),em que uma certa circunstncia ambiental leva de forma previsvel auma resposta, de um modo que chamamos de balstico (sem controlepela conseqncia); (2) do tipo ciberntico, contr olado pela suaconseqncia, em forma de loops guiados pelo feedback ambiental: aaranha repete ou varia de uma forma regular certos comportamentosat que uma certa conseqncia seja alcanada ou at que nosendo obtido este resultado haja desistncia e opo por outra viacomportamental.

    (b) atravs de mdulos controlados mnmicamente, ou seja, atravs decontatos prvios com determinados estmulos, supostamente

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    conservados na forma de uma representao no sistema nervoso daaranha.

    A ocorrncia de (a) ou de (b) depende da circunstncia comportamental; hum trade-off entre as vantagens de se usar elementos de informaoextrados da experincia passada (o que chamamos, aqui, derepresentao, sem conotao mentalista) e as de se por em ao ummecanismo pronto, capaz de levar ao mesmo resultado final. De acordocom esta concepo, as funes que estabelecem o quadro de prioridades,no comportamento da aranha, so servidas de forma mltipla e redundante.Se um mecanismo mnmico no for posto em uso, um me canismo pr-programado poder ser recrutado. Se a recuperao da presa armazenadano for realizada atravs do registro prvio, atualizado no contextopresente, de uma informao a respeito de sua localizao na teia, ummecanismo de busca randmico poder ser mobilizado. A dicotomiamecanismos mnmicos/mecanismo randmicos clara, em teoria, mas, aaranha que busca por uma presa fixada na teia, pode lanar mo de ambosos mecanismos a um s tempo, os elementos mnmicos constituemsimplificao da busca a partir de vieses da experincia.

    A busca da presa um exemplo de uso da memria operacional pelaaranha A. argentata. Uma informao (a respeito da localizao e dotamanho da presa) registrada e afeta o comportamento, dentro de umcontexto temporal limitado, prprio de um episdio de caa, em determinadodia. A memria de uma captura ou de capturas sucessivas no tem efeitosque possam ser detectados, aps a ingesto das presas, em outrosepisdios de caa. A informao registrada serve dentre de um con texto e obliterada para que, em episdios subseqentes de caa, outros registrospossam ser feitos.

    interessante pensar que, da mesma forma como existem estmulos queiniciam a vigncia da memria operacional (entendida como uma mudanade estado da aranha durante o qual ela modifica seu comportamento diante

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    de estmulos do meio ou estmulos endgenos) haja estmulos quedeterminem o encerramento desta vigncia. Uma vez recolhida e ingerida apresa que fora armazenada na periferia da teia, no se esper a que surjam,novamente, comportamentos de busca: a obteno ingestiva da presa anulao efeito de seu armazenamento, e o estado da aranha reverte suacondio de repouso, no-mnmica.

    Efeitos duradouros e tpicos de uma memria de longo prazo podem serverificados em aranhas orbitelas, em outros contextos, e so tpicos de umaaquisio duradoura e trans -episdica, de longo prazo. Um exemplointeressante e tpico o do estudo de Bays (1962) com Araneusdiadematus. Bays atraia aranhas, com vibraes artif iciais de duasfreqncias, num treino de discriminao: a locomoo provocada por umadas duas freqncias de vibrao levava as aranhas ao contato com umamosca, a provocada pela outra freqncia a uma mosca no palatvel(embebida em quinino). As aranha s aprendiam gradualmente a correr parao SD+ e a rejeitar a mosca SD - e transferiam o seu comportamento paracontinhas de vidro. Outro exemplo de memria de longo prazo so os dapesquisa, j citada, de Ades, Cunha e Tiedeman.

    Uma linha interessante de pe squisa seria a que buscasse verificar se ecomo a memria operacional de A. argentata pode se transformar emmemria de longo prazo, dentro de condies experimentais determinadas.

    O registro da informao

    A memria de A. argentata envolve, como a memria em outros animais,uma etapa de registro