Mensageiro do Rock

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Entrevista com o dramaturgo Lael Correa sobre sua nova peça, Rock-Me

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TEATRO. Um encenador inquieto encontra o rock. Inspirado numa peça que marcou época em plena

ditadura militar no Brasil, Rock-me passeia por hinos do estilo que se transmutou em síntese da juventude

e da rebeldia, indo de Elvis Presley a Pink Floyd e de Janis Joplin a Rita Lee. Em entrevista à Gazeta,

o diretor Lael Correa fala do novo espetáculo do Infinito Enquanto Truque e de sua relação com

a música, além de comentar a trilha sonora da montagem num faixa a faixa revelador. Confira

RAMIRO RIBEIRO REPÓRTER

Lael Correa é um ho-mem insistente. Ator e di-retor que desde 1990 capi-taneia o grupo teatral Infi-nito Enquanto Truque, ele não abre mão da postura crítica, mesmo combativa, no modo de enxergar o es-tado de coisas da arte pro-duzida em Alagoas. “Tem que ter um pouco de li-mão nessa garapa. É difí-cil, mas alguém tem de fa-zê-lo. Não canso, se cansar eu morro. Ainda tem mui-ta coisa para fazer”. E o mais novo rebento dessa inquietação criativa per-manente é Rock-me, mon-tagem que faz temporada até o final de julho no tea-tro do Espaço Cultural Lin-da Mascarenhas, sempre aos sábados, com sessões às 20h (ver serviço).

A ideia de retratar a sa-ga de uma família sertane-ja e seu primeiro contato com canções dos anos 1950, 60 e 70 que se con-verteram em verdadeiros hinos do rock (e da cultu-ra jovem) surgiu da pro-posta de homenagear a peça Hoje é Dia de Rock, do dramaturgo mineiro José Vicente de Paula (1945-2007) – fenômeno de público poucas vezes visto na história do teatro brasileiro, o espetáculo foi encenado pela primeira vez no Rio, em outubro de 1971, em pleno desbunde pós-tropicália.

“A escolha do estilo mu-sical que vai embalar o es-petáculo teatral nunca é feita a priori. A peça nasce antes. Foi assim com En-saio nº 2, onde a música era eletrônica, e também com Uma Dose de Chuva, na qual o jazz dos anos 1950 era a melhor pedida. No caso de Rock-me, que tem suas raízes em Hoje é Dia de Rock, a viagem mu-sical não poderia ser ou-tra”, explica Lael.

A identificação com os valores e a rebeldia profes-sados em clássicos de figu-ras como Elvis Presley, Ja-nis Joplin e Jimi Hendrix fez da ‘costura’ da trilha um processo de certo mo-do confortável, ainda que

difícil – afinal, a oferta era interminável. Em Rock-me, há canções que acompa-nham Lael desde a juven-tude. “Ouço música o tem-po inteiro. Tenho a facili-dade de trabalhar em ca-sa, então estou sempre ou-vindo algo. Hoje mesmo pus um CD com mp3 que era metade Wado e meta-de Paulinho da Viola”, conta, revelando o gosto eclético de quem viu o al-vorecer do rock brasileiro dos anos 1980 e hoje pres-ta atenção nos novos no-mes da cena, a exemplo do rapper Criolo.

Com a montagem de Rock-me, Lael Correa dá continuidade a uma prefe-rência pessoal pelo diálo-go entre teatro e música, ‘comunicação’ que costu-ma se fazer bastante pre-sente nas peças que pro-duz. “Gosto da música em cena e tanto pode ser ao vivo quanto gravada. Fiz algumas peças com músi-cos alagoanos de tendênci-as muito distintas, como o Aldo Jones e o Wilson Santos. É algo muito baca-na quando isso é possível, e é uma pena que nem sempre possamos ter uma trilha original, pois o custo é alto e exige um envolvi-mento muito intenso do músico com o espetáculo”.

No novo trabalho do IET, é o rádio o responsá-vel pelo trânsito dos perso-nagens pelas sensações e sentimentos trazidos pelas canções. “É necessário es-tabelecer links entre o pas-sado e o presente para po-der inventar o futuro. Es-pecialmente numa época como a nossa, quando tu-do é velozmente virtuali-zado e desumanizado, a vitalidade reflexiva da mú-sica e também do teatro são mais do que importan-tes: são necessárias”.

TRILOGIA Rock-me é o capítulo

inicial de uma trilogia, e brotou na cabeça do dire-tor somente depois do que será sua sequência – com previsão de estreia para o segundo semestre, Poeta-se abordará o universo da poesia beatnik nos EUA da década de 1950, a partir

Serviço O quê: espetáculo teatral Rock-me, do Infinito Enquanto Truque (IET) Direção: Lael Correa Onde e quando: no teatro do Espaço Cultural Linda Masca-renhas (av. Fernandes Lima, Centro Educacional Antônio Gomes de Barros – Ceagb), até o dia 28 de julho; aos sábados, sempre às 20h Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) Informações: 8887-8795, 8800-1087 e 8826-6626

Depois de cancelar festival, Paulínia realiza mostra não-competitiva. B2

LAEL CORREA ATOR E DIRETOR

“Gosto da música em cena e tanto pode

ser ao vivo quanto gravada. Fiz algumas peças com músicos

alagoanos de tendên-cias muito distintas, como o Aldo Jones e o Wilson Santos.

É algo muito bacana quando isso é possí-

vel, e é uma pena que nem sempre

possamos ter uma trilha original, pois

o custo é alto e exige um envolvi-

mento muito intenso do músico com o espetáculo”

Verve ativa Quem acompanha a trajetória de Lael Cor-rea sabe que o diretor costuma ser implacá-vel em suas avaliações sobre a produção tea-tral em Alagoas. E o ce-nário atual não pare-ce animá-lo, como dá para perceber em seu comentário acerca dos espetáculos que têm ocupado nossos palcos

Não vejo mais quase nada da produção local, pois já não me interes-so pelo que a maioria dos grupos está produ-zindo. Isso é algo novo, pois sempre vi tudo o que acontecia nos pal-cos alagoanos. Mas a alienação é cada vez maior – e as mentiras também. Por bastan-te tempo eu me senti no dever de interagir com a classe e anali-sar o movimento tea-tral. Mas não tem vali-do a pena. Não gosto da maior parte dos dis-cursos e das atitudes que vejo nos palcos. Portanto, pretendo permanecer distan-ciado do movimento cênico de Alagoas.

Faixa a faixa, a trilha de Rock-me

‡ Rock me Baby, de B.B. King, abre a peça. King é um bluesboy fundamental, base para muita pedra que rolaria depois.

‡ Elvis Presley marca presença em dois momentos da peça, com Kiss me Quick e Love me Tender. O Elvis é uma lenda bacana, imprescindível ao se contar alguma coisa sobre o rock’n’roll. E, além das extravagâncias, tinha uma voz fantástica.

‡ Lucille, de Little Richard, faz a marcação de uma cena bastante divertida, uma espécie de ‘bailinho doméstico’. Richard era exagerado e ousado, e fazia um som que influenciou bandas importantes. Um maluco essencial.

‡ A guitarra distorcida de Jimi Hendrix em Red House faz a festa em duas cenas.

‡ Tema do musical Hair que ficou conhecido na voz de Melba Moore, Aquarius colabora com o clima solar da peça, e é um rock emblemático para o teatro da década de 1970.

‡ Bye Bye Baby, com Janis Joplin, e Ovelha Negra, de Rita Lee, sublinham a intensidade de alguns momentos do espetáculo. São duas rainhas. E vejo semelhanças entre elas. Além do espírito transgressivo, em ambas há a femi-

A seguir, Lael Correa comenta as canções que compõem a trilha sonora do espetáculo. Confira!

nilidade despojada e uma espontaneidade quase infantil.

‡ The Beatles, claro, é obrigatório. A escolha foi Revolution, porque tem a ver com a peça, com o rock e com tudo na vida e no mundo.

‡ Led Zeppelin aparece com Dazed and Confused. Uma zoeira celestial que pontua uma cena onde o sagrado e o profano se esbarram.

‡ A música do Pink Floyd marca uma das cenas mais importantes de Rock-me. A escolha de Time se deu por várias razões, inclusive pela letra, que tem muito a ver com a poesia do texto da peça.

‡ Bob Dylan e The Doors passam de raspão pela peça, numa cena na qual as personagens ouvem um programa de rock no rádio. I Want You (Dylan) e Waiting for the Sun (Doors) aparecem como vinhetas radiofônicas.

‡ Abrindo mais o leque musical dos anos 1960/70, a trilha apropria-se também de referências atípicas como a banda irlandesa Thin Lizzy e a japo-nesa Yoko Kanno. A primeira produziu algumas pérolas como Whiskey in the Jar, e a segunda fez com- posições preciosas para harmônica (gaita), criando uma onda ‘blue’ que também embala a viagem do IET.

DO ROCK Sexta-feira 08/06/2012

MENSAGEIRO

RICARDO LÊDO

DIV

ULG

AÇÃO

Com uma viagem por

clássicos roqueiros, em Rock-me Lael

dá continuidade a seu diálogo

com a música e com o teatro

de nomes como Al len Ginsberg e Jack Kerouac. “Pensei na trilha sonora para Poeta-se... ‘E por que não fazer um espetáculo com o rock como tema?’ Na peça, Rock-me é o no-me do programa de rádio por meio do qual os perso-nagens conhecem as músi-cas”, anota Lael.

A última parte da ‘trin-ca’ de espetáculos será so-bre o teatro. Mas os proje-tos para o futuro não pa-ram por aí. Cada vez mais envolvido com as artes plásticas, Lael Correa tam-bém se encarrega de pre-parar a linguagem visual de suas produções – uma exposição sobre o univer-so do grafite e da arte de rua em Maceió está em gestação, em busca de patrocínio.

Já nos palcos, o desejo do diretor é experimentar formatos pouco usuais em sua trajetória, a exemplo da comédia e do teatro in-fantil. Além disso, há o in-teresse permanente pela história de Alagoas narra-da via literatura, interesse que já rendeu montagens de obras de Graciliano Ramos e Jorge de Lima. “Tenho vontade de adap-tar Ninho de Cobras, do Lê-do Ivo. É ácido, irônico. Uma grande crítica à soci-edade da época. Tanto que ele teve de ir embora de-pois. Também penso em fazer algo com o Dirceu Lindoso. Gosto muito das coisas dele”, diz Lael. Defi-nitivamente, ficar quieto não é com ele. ‡