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MESA TEMÁTICA COORDENADA - Eixo 13 DE QUE EDUCAÇAO NECESSITAMOS? Por uma educação pública e contra-hegemônica Ana Maria Marques Santos 1 (Coordenadora) Patricia Bastos de Azevedo 2 Lucilia Augusta Lino 3 Maria da Conceição Calmon Arruda 4 Cláudia Rodrigues do Carmo Arcenio 5 Patricia Bastos de Azevedo 6 EMENTA A mesa que ora apresentamos, é a síntese de campos de pesquisas e reflexões da práxis de luta e formação docente com vista a educação escolar e a formação humana ampliada. Diz respeito à educação em sua forma pública, de direito, e constitutiva de sujeitos-mundo e a crítica a propostas que ameaçam a escolarização. A atualidade do desmonte dos constitutivos educativos brasileiros, marcados por deslegitimações das conquistas históricas da classe trabalhadora, entre elas os professores e os profissionais da escola pública, da perda de direitos, e da busca em desconstruir a educação pública em sua gênese, infelizmente, compõem e nos desafia nesse contexto. É preciso confrontá-lo, problematizá-lo e torná-lo propositivo em sua afirmativa socialmente referenciada. Assim, esta proposta tece o diálogo entre as políticas macro da formação docente, à escola, suas interfaces com a formação na Universidade Pública mais especificamente aqui, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ e a Faculdade de Formação de Professores/UERJ, , a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, através do seu programa de Pós- Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares PPGEduc e o Programa de Formação de Professores da Educação Básica PARFOR-UFRRJ, alinhados com as instâncias de luta e resistência dos profissionais da educação, em defesa da escola pública. Nessa direção, e destacadas as pesquisas e produções voltadas à 1 Professora do Departamento de Educação e Sociedade da UFRRJ e do PPGGEduc e PPGGEO-UFRRJ. Doutora em Psicologia Social, E-mail: anamarques.ufrrj@gmail.com 2 Professora do Departamento de Educação e Sociedade da UFRRJ, do PPGGEduc-UFRRJ e do PROFHist. Doutora em Educação, E-mail: [email protected] 3 Professora do Departamento de Educação Inclusiva e Continuada da Faculdade de Educação da UERJ e doutora em Educação. E-mail: [email protected] 4 Professora da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, tecnologista em Saúde Pública da FIOCRUZ e doutora em Educação. E-mail: [email protected] 5 Professora da Prefeitura Municipal de Nova, Mestre em Educação/UFRRJ, Doutorando do PPGEduc/UFRRJ, E-mail [email protected]. 6 Professora do Departamento de Educação e Sociedade da UFRRJ, do PPGGEduc-UFRRJ e do PROFHist. Doutora em Educação, E-mail: [email protected]

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MESA TEMÁTICA COORDENADA - Eixo 13

DE QUE EDUCAÇAO NECESSITAMOS? Por uma educação pública e contra-hegemônica

Ana Maria Marques Santos1 (Coordenadora)

Patricia Bastos de Azevedo2

Lucilia Augusta Lino3

Maria da Conceição Calmon Arruda4

Cláudia Rodrigues do Carmo Arcenio5

Patricia Bastos de Azevedo6

EMENTA

A mesa que ora apresentamos, é a síntese de campos de pesquisas e reflexões da práxis

de luta e formação docente com vista a educação escolar e a formação humana ampliada.

Diz respeito à educação em sua forma pública, de direito, e constitutiva de sujeitos-mundo e

a crítica a propostas que ameaçam a escolarização. A atualidade do desmonte dos

constitutivos educativos brasileiros, marcados por deslegitimações das conquistas históricas

da classe trabalhadora, entre elas os professores e os profissionais da escola pública, da

perda de direitos, e da busca em desconstruir a educação pública em sua gênese,

infelizmente, compõem e nos desafia nesse contexto. É preciso confrontá-lo, problematizá-lo

e torná-lo propositivo em sua afirmativa socialmente referenciada. Assim, esta proposta tece

o diálogo entre as políticas macro da formação docente, à escola, suas interfaces com a

formação na Universidade Pública – mais especificamente aqui, a Universidade do Estado

do Rio de Janeiro – UERJ e a Faculdade de Formação de Professores/UERJ, , a

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, através do seu programa de Pós-

Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares – PPGEduc

e o Programa de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR-UFRRJ,

alinhados com as instâncias de luta e resistência dos profissionais da educação, em defesa

da escola pública. Nessa direção, e destacadas as pesquisas e produções voltadas à

1 Professora do Departamento de Educação e Sociedade da UFRRJ e do PPGGEduc e PPGGEO-UFRRJ.

Doutora em Psicologia Social, E-mail: [email protected] 2 Professora do Departamento de Educação e Sociedade da UFRRJ, do PPGGEduc-UFRRJ e do PROFHist.

Doutora em Educação, E-mail: [email protected] 3Professora do Departamento de Educação Inclusiva e Continuada da Faculdade de Educação da UERJ e doutora em

Educação. E-mail: [email protected] 4 Professora da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, tecnologista em Saúde Pública da FIOCRUZ e doutora em

Educação. E-mail: [email protected] 5 Professora da Prefeitura Municipal de Nova, Mestre em Educação/UFRRJ, Doutorando do PPGEduc/UFRRJ, E-mail

[email protected]. 6 Professora do Departamento de Educação e Sociedade da UFRRJ, do PPGGEduc-UFRRJ e do PROFHist.

Doutora em Educação, E-mail: [email protected]

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formação docente, desde suas bases político-critico-pedagógicas da Educação Básica, à

Pós-Graduação, desde as políticas Macro de formação, ao chão da escola, à sociedade, e

aos processos formativos, dando destaque ao feminino que empenha tais lutas formativas.

Buscamos, assim, dialogar com a temática desta IX Jornada Internacional de Políticas

Públicas, 2019 – Civilização ou Bárbarie: o futuro da humanidade. Objetivos. Articular as

Políticas para Formação de Professores e a Educação Básica de forma analítica e crítica,

buscando compreender as relações entre os caminhos e descaminhos do Estado atual, e

seus impactos no espaço macro e micro da Educação brasileira. Organizamos a

apresentação desse debate em três trabalhos, a saber: MULHERES-PROFESSORAS E AS

POLITICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE DO PARFOR (2010-2018): trajetórias, lutas e

empoderamentos, em que buscamos contextualizar a atual situação dessa política

nacional, em primeira licenciatura, e suas correlações formativas para a ação de mulheres-

professoras nas escolas públicas de educação básica, da Baixada Fluminense e Cidade do

Rio de Janeiro, RJ. O foco principal dessa pesquisa, expressa nesse artigo, é destacar

como essas políticas de formação impactam nas relações escolares da escola publica

através da formação pessoal-profissional das mulheres-professoras do PARFOR-UFRRJ,

suas correlações de força e poder constituídas e constituintes. Para este artigo,

analisaremos registros de falas de egressas dos Cursos de Licenciaturas e a atualidade das

mudanças das políticas destinadas ao Programa, desde os episódios políticos de 2016, que

veem impactando as políticas publicas de formação docente no país. O segundo –

INVERSÃO DO FLUXO HISTÓRICO: ensino domiciliar como política de

desescolarizaçao e ameaça ao direito à educação. Trata da proposta de regulamentação

do ensino domiciliar que se insere no projeto neoliberal de privatização e de financiamento

da educação pública, com impactos sobre o direito à educação e obrigatoriedade escolar, e

a formação e atuação dos professores. A defesa do direito de escolha das famílias,

ancorado no conservadorismo ideológico e religioso, informa os pleitos daqueles que

anseiam por uma regulamentação jurídica laxativa. A padronização e o empobrecimento

curricular da BNCC e da reforma do ensino médio, aliados a centralidade da questão moral

e ideológica do novo MEC, contribuem com os processos de privatização e redução do

papel do Estado na oferta da educação, conforme o ideário neoliberal. O terceiro – NAS

TRILHAS DA MEMÓRIA: Os caminhos do letramento na escola através das trajetórias

de vida de professoras alfabetizadoras do PARFOR/UFRRJ pretende investigar as

permanências e rupturas na trajetória do letramento escolar por intermédio das histórias de

vida de professores que foram alfabetizados e alfabetizam na Baixada Fluminense do Rio de

Janeiro. E que estão gerindo suas formações no Curso de Pedagogia oferecido pela UFRRJ

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no ambiente do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica

(PARFOR). Compreendendo a alfabetização como uma das principais práticas de

letramento escolar, esta investigação apresenta um levantamento dos indícios elencados a

partir das narrativas produzidas sobre as memórias do período de alfabetização e sobre as

atuais práticas em sala de aula. Nesse sentido, esta Mesa Coordenada busca estabelecer a

conexão entre as políticas macro de educação propostas em sua atualidade, com seu

desmontes e resistências – por dentro dos processos formativos e da escola pública, e de

seus Fóruns de resistência. Releva, ainda, o papel contra-hegemônico dos coletivos de

formação, na reflexão de políticas que de fato considerem a realidade social em suas

necessárias transformações: críticas, justas e socialmente referendadas.

Palavras-Chave: Direito a educação. Políticas Públicas. Formação de Professores. Estado.

Escola.

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MULHERES-PROFESSORAS E AS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE DO PARFOR

(2010-2018): trajetórias, lutas e empoderamentos

Ana Maria Marques Santos7

Patricia Bastos de Azevedo8

RESUMO: A primeira licenciatura de professores em serviço, e suas correlações formativas para a ação de mulheres-professoras nas escolas públicas de educação básica, da Baixada Fluminense e Cidade do Rio de Janeiro, RJ são o mote desse trabalho. Seu foco principal: expressar como essa formação impacta nas relações da escola publica com a formação pessoal-profissional das mulheres-professoras do PARFOR-UFRRJ, suas correlações de força e poder constituídas e constituintes. As falas de egressas dos Cursos de Licenciaturas são desveladoras, e o quadro atual das políticas destinadas ao Programa, desde os episódios políticos de 2016, impactam a formação docente no país.

Palavras-chave: Mulheres-Professoras.Empoderamento.

Políticas de Formação Docente. Escola Pública.

ABSTRACT: The first degree of in-service teachers, and their formative correlations for the action of women-teachers in public primary schools, Baixada Fluminense and Rio de Janeiro City, RJ are the motto of this work. Its main focus is to express how this formation impacts the relations of the public school with the personal-professional formation of PARFOR-UFRRJ women-teachers, their correlations of strength and power constituted and constituents. Speeches from the undergraduate courses are unveiling, and the current policy framework for the Program, since the political episodes of 2016, has impacted teacher training in the country. Keywords: Women-Teachers. Empowerment. Teacher Training Policies. Public school.

1 INTRODUÇÃO

Para compreender o eixo que elegemos para constituir nossa reflexão neste artigo,

julgamos ser necessário contextualizar o Plano Nacional de Formação de Professores da

Educação Básica (PARFOR), assim como os referenciais teóricos que mobilizamos para

7 Professora da UFRRJ Doutora em Psicologia Social, E-mail: [email protected].

8 Professora da UFRRJ Doutora em Educação, E-mail: [email protected].

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pensar este campo de pesquisa e seus indícios. O foco principal trata de expressar como

essa formação impacta nas relações da escola publica com a formação pessoal-profissional

das mulheres-professoras do PARFOR-UFRRJ, suas correlações de força e poder

constituídas e constituintes, e nessa direção, as correlações de força e poder que

constituem as práticas de oralidade e letramento desse processo formativo, pensando-se

aqui, a tríade Universidade/Mulheres-Professoras-Escola.

Para este artigo, analisaremos o lugar de fala das mulheres-professoras9 que

asseguram em torno de 95% (noventa e cinco por cento) do corpo discente dos (as)

ingressantes nas turmas PARFOR-UFRRJ. Utilizaremos como indícios os relatos de

experiência das mulheres-professoras que são egressas de licenciaturas do programa, no

período de 2014-2018, e o discurso de formatura da oradora do curso de História/PARFOR

de 2016.2.

2. O PARFOR

O Decreto n.º 6.775, de 29 de janeiro de 2009, instituiu a Política Nacional de

Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica e disciplinou a atuação da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no fomento a

programas de formação inicial e continuada.

O Plano Nacional de Formação de Professores de Professores da Educação Básica

– PARFOR foi criado pelo Governo Federal para atender o Decreto nº 6.755, de 29 de

janeiro de 2009. Implantado em regime de colaboração entre a Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior (CAPES), Estados, Municípios, Distrito

Federal e as Instituições de Ensino Superior.

O Decreto 6.755/2009 afirma:

Art. 2

o São princípios da Política Nacional de Formação de Profissionais do

Magistério da Educação Básica: I - a formação docente para todas as etapas da educação básica como compromisso público de Estado, buscando assegurar o direito das crianças, jovens e adultos à educação de qualidade, construída em bases científicas e técnicas sólidas; [...] II - a formação dos profissionais do magistério como compromisso com um projeto social, político e ético que contribua para a consolidação de uma

9 Usaremos a expressão mulheres-professoras para apresentamos as alunas das Licenciaturas PARFOR. Nossa

escolha é motivada pela compreensão que estes atores ocupam mesmo na Universidade esta dupla função, sendo majoritariamente, mulheres.

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nação soberana, democrática, justa, inclusiva e que promova a emancipação dos indivíduos e grupos sociais; [...] IX - a eqüidade no acesso à formação inicial e continuada, buscando a redução das desigualdades sociais e regionais;

O PARFOR caracteriza-se como uma política que pretende corrigir as desigualdades

e efetivar direitos a segmentos da sociedade historicamente excluídos da participação e

usufruto dos bens, riquezas e oportunidades, do direito à cidadania, cultura, educação e/ou

trabalho digno. Atributo acentuado por sua tripla característica:

1. A reserva de vagas;

2. Emancipação dos indivíduos e grupos sociais;

3. Reduzir as desigualdades sociais e regionais que marcam nosso país.

A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) em 10 de novembro de

2009 assinou o termo de adesão ao Acordo de Cooperação Técnica - ACT no- 014/2009,

com vistas à implantação do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação

Básica, instituído pelo Ministério da Educação (MEC), destinado a atender à demanda de

professores das redes públicas estadual e municipais sem formação adequada à Lei de

Diretrizes da Educação Brasileira (LDB - Lei no- 9394/1996), com oferta de ensino superior

público e gratuito.

No ano de 2010, na UFRRJ foi aberto pela primeira vez o processo de inscrição pela

Plataforma Freire10 para os professores da Educação Básica participarem do processo

seletivo e ingressarem na universidade pelo UFRRJ/PARFOR. O primeiro processo de

inscrição apresentou um número significativo de professores interessados em ingressar na

UFRRJ nos cursos de licenciatura. Diante do elevado número de candidatos o MEC

procurou a reitoria e solicitou que a UFRRJ abrisse turmas específica para os

professores/alunos.

Em 2010.1 foi iniciada a primeira turma exclusivamente composta por mulheres-

professoras de ingressos pelo PARFOR no curso de Pedagogia, no Instituto Multidisciplinar.

Os cursos de Matemática, História, Geografia e Letras receberam 5 alunos em suas turmas

regulares neste mesmo período. Subsequentemente, as outras licenciaturas oferecidas no

Instituto Multidisciplinar abriram suas turmas PARFOR: 1) 2011.1 - Letras; 2) 2011.1 -

Matemática; e 3) 2012.2 - História.

O PARFOR trouxe consigo um perfil de mulheres-professoras que possuem marcas

identitárias e saberes acumulados ao longo de suas vidas sobre práticas de letramento

10

A Plataforma Freire2 (foi intitulada assim, desde 2016, quando ocorreram mudanças significativas na CAPES-DEB): https://freire2.capes.gov.br. Nesse AV (ambiente virtual), as/os docentes das redes municipais e estaduais de ensino, procediam a suas inserções de interesse de matricula, nos mais variados cursos e licenciaturas ofertadas. A Plataforma anterior, ora desativada, significativamente, passou a se chamar LegadoFreire.

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diferenciados dos alunos que tradicionalmente ingressam na Universidade. As mulheres-

professoras trazem saberes que possuem concepções sobre validade e pertinências

relativas as práticas de oralidade, leitura e escrita. No processo de formação na graduação

essas pretensões são questionadas e passam a tencionar as tradições letradas constituídas

na Universidade.

As práticas pedagógicas no âmbito acadêmico nas Ciências Humanas são marcadas

pela oralidade, leitura e escrita, isto é, práticas de letramento que ao longo do tempo se

constituíram como legítimas e válidas na difusão do conhecimento produzido na

Universidade e na formação por ela efetivada.

Neste sentido, nossa pesquisa busca dialogar com os dois Níveis da Educação

brasileira, a Educação Básica e a Superior. Compreendendo que a formação de professores

se caracteriza como um lugar de transmissão e consolidação de práticas, difusão e

manutenção que podem promover a emancipação de indivíduos e grupos sociais, ou

agravar as concepções de letramento de caráter elitista e excludente, configurando-se como

um instrumento de manutenção do status quo hegemônico.

Outra questão fundamental pouco pesquisada, no âmbito das investigações de

letramento, são as práticas de letramento nas Universidades e seu caráter político

ideológico. Neste sentido, buscamos compreender as tensões e disputas políticas que

existem nas práticas letradas que se constituem no decorrer da formação de professores, e

de seu diálogo com o mundo, em especial, a escola, e as/os professoras/es das

Licenciaturas PARFOR do Instituto Multidisciplinar, da UFRRJ.

Desde seu momento inicial, o PARFOR na UFRRJ, baseado nos princípios

norteadores de seu Decreto de instituição, o 6.775/09, pautou e prosseguiu suas ações

formativas, em busca do alcance de equidade, formação sólida, ético-democrática,

emancipatória e socialmente referenciada, tendo por base as epistemes-científicas inerentes

e necessárias à formação docente, mas também, sempre em busca de considerar as

realidades pulsantes ao chão da escola, vividas pelos professores-aluno, a quem

denominamos aqui, de mulheres-professoras.

Entretanto, cabe dizer que em maio de 2016, período no qual o país viveu forte

turbulência e ameaça de suas instâncias democráticas, ocorreu a revogação do Decreto que

institui o PARFOR, através do Decreto nº 8.752, de 09 de maio de 2016, que conjuntamente

revogou em ato conjunto, o Decreto no 7.415, de 30 de dezembro de 2010 que criara

políticas para formação continuada para formação em serviço, preferencialmente a

distância, o Profuncionário.

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O Decreto nº 8.752/16 dispõe, agora, não apenas pela Criação do PARFOR, mas,

como preconiza seu Art. 1º: “Fica instituída a Política Nacional de Formação dos

Profissionais da Educação Básica, com a finalidade de fixar seus princípios e objetivos, e de

organizar seus programas e ações, em regime de colaboração entre os sistemas de ensino

e em consonância com o Plano Nacional de Educação - PNE, aprovado pela Lei no 13.005,

de 24 de junho de 2014, e com os planos decenais dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios”.

E, em seus princípios, preconizados no Art. 2o, destacam-se, similares aos

anteriores, para atender às especificidades:

“I - O compromisso com um projeto social, político e ético que contribua para a consolidação de uma nação soberana, democrática, justa, inclusiva e que promova a emancipação dos indivíduos e dos grupos sociais; II - O compromisso dos profissionais e das instituições com o aprendizado dos estudantes na idade certa, como forma de redução das desigualdades educacionais e sociais; VIII - a compreensão dos profissionais da educação como agentes fundamentais do processo educativo e, como tal, da necessidade de seu acesso permanente a processos formativos, informações, vivência e atualização profissional, visando à melhoria da qualidade da educação básica e à qualificação do ambiente escolar;”

E, ainda, destacado, nesse novo decreto, o direcionamento para o alinhamento, com

o Plano Nacional de Educação – PNE (2014) em suas metas, em especial, as metas 15 e

1611, e a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2017), que conta diretamente, com os

processos formativos em curso, para sua implantação, a saber: os Programas de

Residência Pedagógica (RP) e Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), este

último, bastante alterado em sua forma, como podemos observar, a partir dos princípios

demarcados no Decreto 8752/16:

“X - O reconhecimento das instituições educativas e demais instituições de educação básica como espaços necessários à formação inicial e à formação continuada; XIII - a compreensão do espaço educativo na educação básica como espaço de aprendizagem, de convívio cooperativo, seguro, criativo e adequadamente equipado para o pleno aproveitamento das potencialidades de estudantes e profissionais da educação básica; “

11 Mesmo sendo de conhecimento amplo, cabe ressaltar, do que tratam as Metas 15 e 16 do PNE: 15 -

Formação de Professores: “Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam”; e 16 - Formação continuada e pós-graduação de professores: formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da Educação Básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos os(as) profissionais da Educação Básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino. (PNE, 2017).

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Ainda assim, O PARFOR, ao longo de sua trajetória formativa de 9 (nove) anos, vem

possibilitando a entrada de um perfil de professores-alunos (mulheres-professoras)

possuidores de marcas identitárias e saberes acumulados ao longo de seus percursos no

mundo da vida e do trabalho sobre práticas de letramento diferenciadas dos alunos que

tradicionalmente ingressam na universidade. Esses professores-alunos (mulheres-

professoras) carregam, portanto, saberes que possuem concepções sobre validade e

pertinência relativas às práticas de oralidade, leitura e escrita. No processo de formação na

graduação, essas pretensões são questionadas e tensionam as tradições letradas

constituídas na universidade, abalando as certezas cristalizadas em alguns segmentos

acadêmicos. As tensões geram verdadeiras rachaduras epistémicas-pedagógicas, mais

evidenciadas em algumas licenciaturas que outras.

Mais especificamente, em 28 de fevereiro de 2018, é anunciado pelo Governo

Federal, Ministério da Educação - MEC, Diretoria de Educação Básica – DEB, CAPES, a

instituição do Programa Residência Pedagógica, através da Portaria GAB Nº 38, de

28/02/18, e da continuidade de forma contingenciada em número de bolsas, o Programa

Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, cujas adesões e editais seriam

lançados logo, imediatamente, em março de 2018, encontrando-se em curso suas fases de

implementação, e agora, já adentrando seu segundo semestre de execução.

Apesar do que preconiza o Decreto nº 8.752/16, e das inscrições invitadas a serem

realizadas na Plataforma Freire2, por parte dos professores e das professoras de todos os

municípios e estados do país, nenhuma menção foi feita nesta ocasião ao Edital PARFOR,

causando forte estranhamento e mobilização das bases nacionais através de suas

regionais, e do Fórum Nacional de Coordenadores do PARFOR – FORPARFOR,

A resistência e a luta nas bases de formação, nos estados e municípios, onde o

Programa ocorre e se consolida, assim como, junto ao debate profundo, junto DEB/CAPES

(audiências públicas ministeriais, em comissões na Câmara e Senado), resultaram na

publicação do Edital nº 19/2018 - PROCESSO Nº 23038.007092/2018-64 PARFOR-

CAPES12, no âmbito do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação

Básica (Parfor). Lembramos, ainda, que a regulamentação do Parfor está estabelecida na

Portaria Capes nº 82, de 17 de abril de 2017.

Em se tratando do edital em voga, observamos indícios que apontam para cenário,

ao menos contraditório, em relação às regulamentações, princípios e metas, em especial, às

12

O estado do Rio de Janeiro recebeu ao todo, a oferta de uma única turma, destinada ao Curso de Licenciatura em Pedagogia. Demais estados, estão chancelados por circunstâncias similares, guardadas proporções de acessos à inscrições na Plataforma Freire2, versus demanda ofertada pela DEB/CAPES.

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metas 15 e 16 do PNE (2017), a exemplo: “2.3. São objetivos do Parfor neste edital: I -

Contribuir para o alcance da meta 15 do PNE, oferecendo aos professores em serviço na

rede pública, oportunidade de acesso à formação específica de nível superior, em curso de

licenciatura na área de conhecimento em que atuam”.

Justificam-se, não apenas pelo atual processo de acesso negado, os dias inglórios

de nossos professores-cursistas e nossas professoras-cursistas (mulheres-professoras), na

luta tanto pelo ingresso, em duro processo, mas depois em se manter dignos, nos processos

formativos; e é exatamente sobre isso que esta pesquisa busca explicitar.

Vale ressaltar que as práticas pedagógicas, no âmbito acadêmico e nas Ciências

Humanas, são marcadas pela fala, pela leitura e pela escrita. No entanto, diferentemente

das produzidas pelas mulheres-professoras, são práticas de letramento que, ao longo do

tempo, se constituíram como legítimas e válidas na difusão do conhecimento gerado na

universidade e na formação por ela efetivada, em especial, a escola, lócus de práxis desses

professores-alunos; que em formação continuada agregam, agora, novas epistemes ao

chão das escolas.

Entretanto, as políticas ofertadas e comprometidas de forma tripartie, encontram

também obstáculos em outros âmbitos, extra-Universidade, como preconizado na fala de

uma das mulheres-professoras: “A minha diretora (da Prefeitura de Japeri, RJ) só aceitou

que faltássemos à escola, uma por vez. Como fazer a essa altura, já inscrita e tendo que

estar na Universidade, em um Curso presencial¿ Foram momentos muito difíceis, os da

entrada para a formação”. (Mulher-Professora, aluna 2, Pedagogia).

Nesse sentido, reafirmamos que a pesquisa basal deste artigo, busca dialogar com

os dois níveis da educação brasileira: a Educação Básica e a Superior em seus contextos

formativos, políticos, pedagógicos.

3. CORRELAÇÕES DE FORÇA E PODER CONSTITUÍDAS E CONSTITUINTES: um discurso de formatura, dias de lutas dias de glória.

Por isso, inicio minha fala pedindo licença para brincar com o trecho da música do saudoso Chorão em que ele diz: “...histórias, nossas histórias, dias de luta, dias de gloria...”, pois esta é exatamente a sensação que tivemos durante esses anos na universidade, muitos dias de luta, mas também muitos dias de glória (Mulher-Professora, aluna 1, Oradora – Discurso de Formatura, História).

A escolha do subtítulo desta seção dialoga diretamente com a mulher-professora

Oradora da turma Parfor História, a líder de seu grupo de colegas, que no seu discurso de

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formatura apresenta, de forma apaixonada, questões fundamentais do processo de

formação de que participou durante a graduação.

A turma era composta em sua maioria por mulheres, negras, com mais de 30 (trinta)

anos. A maioria são chefes de suas famílias e principais provedoras de seus lares. Uma

realidade bem comum no Brasil e principalmente na Baixada Fluminense. Segundo o

Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE), no sudeste, 40,7% dos lares fluminenses e cariocas

são chefiados por mulheres.

Quando estamos falando do PARFOR/UFRRJ estamos falando de mulheres negras

trabalhadoras, que expressam em suas práticas letradas esse processo de gênero, classe e

raça. Tal marca identitária, muitas vezes é negada no processo de formação e no letramento

acadêmico; que como já falamos anteriormente possui um forte traço de segregação branco,

masculino e urbano, que se expressa no que Street (2014) chama de letramento dominante.

Após uma jornada de trabalho, está em sala a tempo de responder a chamada do professor, passar a noite em claro fazendo resumos, resenhas, fichamentos, portfólio, trabalhos ou estudando para as provas semestrais, dias de luta! Abrir o quadro de notas e ver a palavra aprovado, dias de glória! (Mulher-Professora, aluna 1, Oradora – Discurso de Formatura, História).

Os eventos de letramento ganham um destaque no início do discurso da oradora.

Ela revela apaixonadamente o quanto esse processo está no espectro de luta, produzindo

desgaste e ansiedade. Sua fala também denuncia as condições que o grupo possuía no

processo de formação.

Os gêneros discursivos descritos pela oradora: “resumos, resenhas, fichamentos,

portfólio, trabalhos ou estudando para as provas semestrais” são práticas típicas do meio

acadêmico, assim, sua execução e incorporação As práticas pessoais demandam uma

aprendizagem do uso do gênero textuais, isto é, uma apropriação das normas e estéticas

que compõem essas práticas letradas.

No acordo técnico assinado, os entes federados se comprometem a cooperar, como

podemos ler no trecho a seguir:

1. DA COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE A CAPES E OS ESTADOS 1.1 A participação dos Estados se efetiva por meio de Acordo de Cooperação Técnica – ACT firmado entre a Capes e a Secretarias de Educação ou órgão equivalente de cada Estado. [...] IX. Garantir as condições necessárias para que os profissionais de sua rede possam frequentar os cursos de formação...

No discurso da mulher-professora podemos observar que o processo de formação é

um sacrifício pessoal, cabendo a elas arcarem com as condições para efetivação e

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execução do mesmo. Não há em todo discurso proferido nenhuma menção ao apoio das

Secretaria de Educação ou algo semelhante. Ela reafirma uma escolha pessoal e de

cooperação da família, do grupo de alunas-professoras e de alguns professores/as;

tornando o processo de formação um dia de luta, que cobra um preço custoso aos

indivíduos, do coletivo familiar e dos envolvidos na formação de ação direta e próxima.

Hoje é uma noite muito especial para todos nós aqui presentes, pois é o dia de celebrarmos o fim de uma longa jornada nada fácil em nossas vidas. E digo isso porque não foi fácil mesmo para nenhum nós, familiares, alunos e professores. Muitas foram às nossas lutas, muitos foram os obstáculos, muitas foram às histórias que compuseram essa jornada!(Mulher-Professora, aluna 1, Oradora – Discurso de Formatura, História).

Quando apresenta o cotidiano do curso, as práticas letradas destacadas fazem parte

da tradição acadêmica com aspecto individualista e meritocrático. “Abrir o quadro de notas e

ver a palavra aprovado, dias de glória! (Oradora – Discurso de Formatura)”, a frase dita com

emoção, indica um aspecto muito presente nas práticas acadêmicas que Street (2014)

denomina de letramento autônomo. O autor compreende que um novo modelo é mais

compatível nos processos sociais de letramento.

Os enunciados orais e escritos, no processo de ensino e aprendizagem, muitas

vezes são naturalizados e revestidos do senso comum com base no mito do letramento

(GRAFF, 1990). Esses eventos enunciativos constituem práticas de letramento planificadas

e descontextualizadas do lugar socialmente constituído o que materializa a formação,

produzindo, assim, a manutenção do status quo e o afastamento de camadas sociais que

não trazem consigo essa palavra como uma bagagem social constituída, nem trazem uma

palavra também significada de outros sentidos considerados incorretos pelo campo

discursivo universitário, e pela sociedade burguesa e seus campos de conformação, através

dos aparelhos ideológicos-hegemônicos.

4. MULHER-PROFESSORA, A MINHA VOZ DA E NA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO

Partindo do meu lugar de fala. eu percebo que essas moradoras vindas de uma periferia, no caso da Baixada Fluminense, que trazem diversos estigmas e oriunda da tradição familiar, isto é, estudar somente o ensino médio e a partir do ensino médio ter a tradição do casamento, em uma idade muito nova. Eu mesmo me casei com 18 anos, logo em seguida eu parei de estudar, eu parei o sonho que eu tinha, que era ter uma graduação. Eu me tornei mais uma Maria, eu parei por 4 anos, fiquei estagnada. Neste período eu engravidei tive minha primeira filha. Depois do nascimento dela eu retornei ao trabalho, pois a condição financeira influencia muito. (Mulher-Professora, Aluna 3, Pedagogia)

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Compreender as práticas de letramento que se materializam na formação das

mulheres-professoras do PARFOR é dialogar com esse espaço ideológico, que é a

produção do letramento acadêmico e escolar. Que é a produção do mundo e sua civilização.

A análise complexa desse lugar de formação ajuda a dimensionar a ação dos professores

formadores na licenciatura e o papel sócio histórico que a universidade pública e de

qualidade possui na constituição das relações de trabalho e na potencial redução da

exclusão imputada a um número significativo de estudantes atendidos nas redes públicas da

educação básica brasileira e, no caso específico em debate, na região metropolitana do Rio

de Janeiro, a Baixada Fluminense.

(...) Hoje eu ainda falo, falo dentro de minha casa, para os meus amigos de profissão (...) Ter concluído hoje uma Universidade pública de qualidade contribuiu muito para minha vida. Minha vida profissional e minha vida de mulher, inclusive para minha vida de mãe, meu olhar para questões públicas, para coisas do país... minha forma de conduzir as coisas... (Mulher-Professora, aluna 2, Pedagogia). É através de um contrato com a Prefeitura de Japeri, RJ, que acesso à Universidade pelo PARFOR, 2013.3. A essa altura, com três filhos, trabalhando como contratada, estudando para concursos, e adentrando o universo acadêmico. Meu marido, apesar de me apoiar, começa a “sentir” o peso da responsabilidade, que antes estava apenas comigo. Conflitos. (Mulher-Professora, aluna 2, Pedagogia). Ser mulher nessa questão não foi nada fácil, nós sabemos que estamos em uma sociedade machista, você trabalhar cuidar de casa e de filhos, dar conta de toda essa questão não foi nada fácil, algumas colegas que tiveram que escolher entre a família e Universidade e abandonaram o curso... (Mulher-Professora, aluna 1 História)

Perceber a luta pela emancipação e empoderamento (FRASER, 2001), guarda em si

o movimento de deixar de ser objeto, abolindo, com isso, a separação sujeito-objeto, tema

clássico da ciência tradicional. “Neste sentido, o papel do teórico e da teoria, pode ser, e é

crucial para a mudança social, pois é ele quem desvendará o fetiche que encobre as

relações sociais possibilitando a emancipação” (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNADJER,

2000, p. 139). Isto é que esses autores denominaram de tentativa de “[...] compreender

como as redes de poder são produzidas, mediadas e transformadas.”. E é isso, que a práxis

encarnada dessas mulheres-estudantes, obriga a sociedade, e nela a Universidade e o

Estado, a realizarem.

5. CONSIDERAÇÕES

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Compreender as práticas de letramento que se materializam na formação das

mulheres-professoras do PARFOR-UFRRJ, e quiçá, do Programa Brasil à fora, é dialogar

com esse espaço ideológico, que é a produção do letramento acadêmico e escolar. A

análise complexa desse lugar de formação ajuda a dimensionar a ação dos professores

formadores na licenciatura e o papel sócio histórico que a universidade pública e de

qualidade possui na constituição das relações de trabalho e na potencial redução da

exclusão imputada a um número significativo de estudantes atendidos nas redes públicas da

educação básica brasileira e, no caso específico em debate, na região metropolitana do Rio

de Janeiro, a Baixada Fluminense.

A ação politico-formativa do PARFOR, parece poder ir muito além do cumprimentro

de créditos e formalidade formativa, pode trazer a realidade de fato, reunindo o Ensino, a

Pesquisa e a Extensão, e o necessário alcance, ente os níveis basico e superior dos

processos formativos, necessariamente, indissociáveis em sua concepção, formulação e

realização concreta, espaços constituídos e constituintes da possibilidade de uma educação

encarnada e com sentido social de fato para seu lócus: as mulheres-professoras e o chão

da escola pública.

REFERÊNCIAS

ALVES-MAZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 2000.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Decreto n.º 6.775, de 29 de janeiro de 2009

BRASIL. Decreto nº 8.752, de 10 de maio de 2016.

BRASIL. Decreto no 7.415, de 30 de dezembro de 2010.

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.

BRASIL. CAPES. Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica. EDITAL Nº 19/2018 PROCESSO Nº 23038.007092/2018-6. 25/05/2018, Brasília. DF.

BRASIL. Portaria CAPES nº 82 de 17 de abril de 2017.

BRASIL. Resolução CNE/CP Nº 2, DE 22 de dezembro DE 2017.

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FRASER, N. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilema da justiça na era pós-socialista. In. SOUZA, Jessé. Democracia hoje: noções desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasil: Ed. UNB, 2001.

GRAFF, H. J. O mito do alfabetismo. Teoria e Educação. Porto Alegre, nº2, 1990.

STREET. B. Letramentos sociais: Abordagens críticas do letramento desenvolvido, na etnografia e na educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2014.

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INVERSÃO DO FLUXO HISTÓRICO: ensino domiciliar como política de desescolarização e

ameaça ao direito à educação

Lucilia Augusta Lino13

Maria da Conceição Calmon Arruda14

RESUMO: A proposta de regulamentação do ensino domiciliar

se insere no projeto neoliberal de privatização e desfinanciamento da educação pública, com impactos sobre o direito à educação, a obrigatoriedade escolar e a formação e atuação dos professores. A defesa do direito de escolha das famílias é ancorado no conservadorismo ideológico e religioso que informa seus pleitos. A padronização e o empobrecimento curricular da BNCC e da reforma do ensino médio, aliados a centralidade da questão moral e ideológica do novo MEC, contribuem com os processos de privatização e redução do papel do Estado na oferta da educação, conforme o ideário neoliberal. Palavras-chave: ensino domiciliar. direito à educação. privatização. conservadorismo. escolarização obrigatória. ABSTRACT: The proposal to regulate homeschooling is part of

the neoliberal project of privatization and not financing of public education, with impacts on the right to education and school compulsory education. The defense of family’s choice, anchored in ideological and religious conservatism, informs the lawsuits of those who long for laxative legal regulation. The standardization and curricular impoverishment of the BNCC and the reform of secondary education, together with the centrality of the moral and ideological question of the new MEC, contribute to the processes of privatization and reduction of the role of the State in the offer of education, according to the neoliberal ideology. Keywords: homeschooling. right to education. privatization.

conservatism. compulsory schooling.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo discutir a proposta do ensino domiciliar como

inserida nos processos de privatização e desfinanciamento da educação pública e de

abandono do projeto de escolarização obrigatória de acordo com o ideário neoliberal em

13

Professora do Departamento de Educação Inclusiva e Continuada da Faculdade de Educação da UERJ e doutora em Educação. E-mail: [email protected] 14

Professora da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, tecnologista em Saúde Pública da FIOCRUZ e doutora em Educação. E-mail: [email protected]

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associação com o conservadorismo ideológico e religioso. Assim, a defesa da

regulamentação jurídica do homeschooling, encampada pelo atual Governo, é uma ameaça

concreta à obrigatoriedade escolar, uma conquista tardia da sociedade brasileira, com

impactos sobre a formação e a atuação docente. Os processos de padronização e

empobrecimento curricular, de privatização da gestão da escola pública, de controle

ideológico dos profissionais da educação e das instituições educativas, dialogam com o

ideário neoliberal de redução do papel do Estado na oferta da educação.

A escola pública e a escolarização das massas são um projeto da modernidade que,

no Brasil, se materializou tardiamente, refletindo a dificuldade das elites em perceber como

direito a efetivação da educação básica pública e gratuita para o conjunto da população

brasileira. A tradição liberal sempre viu com reservas o financiamento público da

escolarização da população, assim como uma trajetória escolar de longa duração para as

camadas populares, alegando princípios de concorrência desleal no mercado de trabalho

entre os que custeiam com recursos próprios sua educação e os que a recebem de forma

gratuita do Estado, como Adam Smith, no século XVIII, que ainda questionava como

disfuncional às demandas da manufatura emergente, uma formação para o trabalho

prolongada (SMITH, 1974).

Os liberais do século XX vão afirmar a escolarização das massas como um

componente importante para o desenvolvimento do capital e defender que o Estado financie

um patamar mínimo de escolarização obrigatória de acordo com sua estrutura econômica e

sua inserção na divisão internacional do trabalho. Entretanto, persiste o questionamento da

manutenção de escolas públicas, que poderiam ser substituídas por vouchers educação ou

por escolas charters, cabendo aos pais a responsabilidade de buscar no mercado

educacional a escola que melhor lhes aprouver e de fazer os sacrifícios necessários caso

desejem ofertar a seus filhos um patamar educacional mais elevado (HAYEK, 1983).

O governo atual aponta para a desnecessidade de investimento no ensino superior,

anuncia forte controle ideológico da universidade e da escola pública e de seus profissionais

e defende o ensino domiciliar e a educação a distância, na faixa etária da escolaridade

obrigatória, como alternativas ao padrão de escolarização presencial. Abandona-se, assim,

o projeto de escola pública da modernidade e de escolarização ‘adequada’ das massas, que

passam não só a ter sua eficácia questionada, mas também sua necessidade. Nessa

proposição, minimiza-se a importância de o Estado ofertar uma escolarização mínima para a

população, que como defendia Hayek (1983) promoveria a difusão de valores comuns e

materializaria a democracia. É importante mencionar que a superação da aclamada ‘crise da

escola’ exige investimentos massivos na melhoria física e material das escolas e na

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formação e valorização dos professores, assim como na redução do quantitativo de alunos

por sala de aula, como previstos nas metas e estratégias do Plano Nacional de Educação

2014-2024 (BRASIL, 2014), cujo cumprimento foi inviabilizado pelo corte de gastos

determinado pela Emenda Constitucional nº 95/2016.

Os processos de desfinanciamento e de privatização, intensificados com velocidade

descomunal após o Golpe de 2016, dialogam com as propostas de ensino domiciliar que

atribuem centralidade e prioridade ao papel das famílias na educação dos filhos. Assim,

vemos acirrar-se um debate centrado em grande parte na oposição entre o direito de

escolha das famílias pela educação fora do sistema oficial de ensino e a defesa do direito à

educação e da constitucionalidade da obrigatoriedade escolar. Os defensores do ensino no

âmbito domiciliar argumentam que a prática não é inconstitucional, dada a omissão da lei a

esse respeito, e fundamentam sua opção nas críticas à qualidade da escola, à sua eficiência

e à sua incapacidade de atentar para as especificidades de cada estudante, além do temor

da violência e de uma formação de valores mais flexíveis e diversos dos familiares. Esses

fatores emergem da literatura como os principais motivos elencados pelas famílias para

justificar a opção pelo ensino domiciliar, educação domiciliar ou homeschooling, principais

termos adotados para essa modalidade.

Entretanto, por outro lado, temos a defesa do direito à educação e da

constitucionalidade da obrigatoriedade escolar, aliada aos prováveis prejuízos advindos da

exclusão de crianças e adolescentes da socialização secundária promovida pela escola e da

impossibilidade de o Estado fiscalizar a educação ministrada nos lares. Os contrários à

permissão da prática de homeschooling alegam que esta representaria a quebra do dever

do Estado de responsabilizar-se pela oferta e pelo controle dos processos de escolarização,

entre outros, como determina a Constituição Federal (1988), além dos impactos sobre a

formação e atuação dos professores.

Nossa Carta Magna afirma, em seu artigo 205, que a educação é um direito de todos

e dever do Estado e da família, e deve ser ministrada segundo princípios, explícitos no

artigo 206, como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a gestão

democrática do processo educacional (BRASIL, 1988).

2 INVERSÃO DO FLUXO HISTÓRICO?

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Em sua gênese a Educação Domiciliar está relacionada a uma educação restrita,

para poucos, como o modelo do preceptorado adotado pela aristocracia até o limiar do

século XX. É o projeto de escolarização pública da modernidade que abre espaço para que

as camadas populares tenham acesso ao conhecimento socialmente produzido ao atender a

demanda, dos Estados Nação emergentes, de transmitir ao conjunto da população

escolarização com objetivos e valores comuns no intuito de inculcar os sentidos de

cidadania e de pertencimento a determinada nação.

Cabe destacar que apenas em 1988, a educação passa a ser um direito público

subjetivo do indivíduo e que a escolaridade obrigatória foi sendo paulatinamente alongada e

atualmente se inicia aos 4 anos de idade e se entende até 17 anos e 11 meses, ampliando o

acesso à escolarização dos historicamente excluídos pela expansão do sistema público de

ensino. Entretanto, a adoção de políticas de cunho neoliberal na década seguinte, a par de

não promover alterações significativas na estrutura socioeconômica e cultural, não logrou

associar qualidade ao ensino ofertado, confirmando a histórica perversidade da dualidade

do sistema de ensino no país, que apenas nas últimas décadas, se tornou acessível ao

conjunto da população.

Para garantir o direito à educação das camadas populares não basta a matrícula na

escola, são necessárias uma série de medidas que viabilizem que os filhos dos de baixo

permaneçam na escola, como transporte, material escolar, livro didático, alimentação etc.

Assim, o financiamento da educação pública é uma questão central para assegurar sua

expansão e garantir acesso e permanência das camadas populares. A compreensão dessa

realidade veio se construindo ao longo das últimas décadas, assim como os desafios

financeiros e humanos na oferta de uma escola básica pública socialmente referenciada e

de qualidade.

Mudanças significativas na política governamental, no período de 2003-2015,

asseguraram a ampliação do acesso à cidadania e o reconhecimento da dívida histórica

com a população excluída dos mais básicos direitos sociais, com impactos positivos na

efetivação do direito à educação.

Hoje, em cenário de amplo retrocesso promovido pelas contrarreformas trabalhista,

previdenciária, fiscal e educacional, o Estado brasileiro se desresponsabiliza com a garantia

dos direitos sociais. A EC 95/2016, mais do que estabelecer um novo regime fiscal, identifica

direitos sociais como despesas, atendendo aos interesses do capital nacional e internacional

em detrimento da maioria da população, promovendo processo de desfinanciamento que

inviabiliza o cumprimento das metas do PNE 2014-2024 e a garantia de acesso e

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permanência das camadas populares no sistema público de ensino, ampliando os processos

de exclusão.

Assim consideramos que a proposta de regulamentação do ensino domiciliar,

visando a sua liberação, constitui uma inversão do fluxo histórico de ampliação da oferta de

escolarização para segmentos da população historicamente excluídos.

Apesar dos defensores da regulamentação do ensino domiciliar, alegarem ser esta

prática admitida em diversos países centrais, é importante salientar que não há uma

regulamentação uniforme da modalidade e que a regulamentação estatal vai variar de

acordo com o arcabouço legal de cada país. No Canadá e nos EUA, que possui o maior

número de homeschoolers registrados, impera a descentralização, sendo que no caso

canadense inexiste um órgão central responsável pela educação (BOSETTI&VAN PELT,

2017).

Andrade (2017) afirma que com o reconhecimento do direito dos pais educarem seus

filhos em casa haverá uma redução no número de alunos matriculados no sistema público

de ensino, o que acarretará redução dos custos de manutenção e de desenvolvimento de

ensino. Assim, ele pleiteia que o Estado brasileiro direcione os recursos advindos dessa

suposta economia para “aperfeiçoamento e capacitação de professores, com vistas a

programar um núcleo de estudo e capacitação para a educação domiciliar” (ANDRADE,

2017, p. 189).

Andrade defende, ainda, que os projetos pedagógicos das escolas passem a

incorporar a educação domiciliar de maneira que as instituições de ensino se organizem

administrativamente e pedagogicamente para apoiar e acompanhar alunos em situação de

ensino domiciliar. Do mesmo modo sustenta que os alunos em educação domiciliar devem

ter uma avaliação de rendimento que se coadune com as especificidades desta modalidade

de ensino, posto que “o modelo domiciliar não segue rigidamente o modelo idade-série e o

currículo fundado no desenvolvimento de competências meramente cognitivas” (ANDRADE,

2017, p. 189).

É evidente que a suposta autonomia financeira do ensino domiciliar em relação ao

financiamento público não se sustenta face aos pleitos elencados por Andrade (2017) que

demandam que o Estado (1) reorganize a formação de professores para atender uma

manifestação particular, a opção pelo ensino domiciliar, e (2) adeque a gestão escolar à

lógica das famílias que praticam o ensino domiciliar.

Assim, a possibilidade de regulamentação do ensino domiciliar configura não só o

abandono da responsabilização do Estado com a oferta da escolarização, em uma

concepção elitista e retrógada, como dialoga com processos de privatização e

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desfinanciamento, com consequências para a atuação e formação dos professores, além de

ferir o direito à educação.

3 DIREITO À EDUCAÇÃO OU DIREITO A ESCOLHA EDUCATIVA?

No Brasil, a proposta do ensino domiciliar carece de legislação regulatória, como

explicitou o julgamento15 no Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da constitucionalidade

ou não da Educação Domiciliar. As associações16 que questionam o papel e a autoridade do

Estado na educação e defendem a educação familiar, propõem a adoção de

regulamentação minimalista sobre o assunto que permita às famílias implementar um

programa de ensino-aprendizagem com seus filhos. Seu entendimento é que cabe aos pais

e responsáveis “o dever prioritário de prover e garantir a educação de cada criança e

adolescente (...), e não sobre os poderes e as instituições de Estado, dever esse que

consiste em ‘assistir, criar e educar os seus filhos menores’, conforme prescreve” a

Constituição (ANDRADE, 2017, p. 187).

Andrade (2017) destaca que os defensores da Educação Domiciliar vêm provocando

a manifestação do judiciário no sentido de verem reconhecido seu direito de educar os filhos

em casa. Em paralelo, tramitam ou já foram submetidos ao Legislativo Federal projetos de

leis que “visam a retirar da ilegalidade o crescente movimento internacional e nacional de

pais que operam em favor da promoção da educação e do ensino, sob o seu protagonismo,

de modo desescolarizado” (ANDRADE, 2017, p. 181).

Os defensores do direito ao ensino domiciliar questionam tanto a obrigatoriedade

escolar quanto o controle da frequência escolar, propondo o reconhecimento da

especificidade do ensino domiciliar quando da submissão de seus adeptos a avaliações

escolares. Andrade (2017, p. 190), contra argumenta sobre a capacidade dos pais:

O Estado não poderá presumir que o pai, a mãe, ou o responsável legal que queiram praticar o modelo educacional domiciliar não saibam fazê-lo porque não ostentam títulos acadêmicos de nível superior, independentemente do estágio de aprendizagem no qual se encontra a criança ou adolescente.

A contradição que se instala é que se para um contingente significativo da população

brasileira uma trajetória escolar de longa duração ainda é um vir a ser, para alguns grupos

15

O julgamento do Recurso extraordinário 888.815-RGS, levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por uma família adventista que solicitava à Corte um posicionamento, ocorreu em setembro de 2018. 16

Como a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), fundada em 2010, e a Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Familiar (ABDPEF).

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sociais minoritários a instituição escolar, seja ela pública ou privada, parece não atender

mais a suas particularidades, e por isso travam na justiça o direito de educarem seus filhos

em casa. Não é objetivo deste texto discorrer sobre o perfil desses grupos sociais, mas cabe

destacar que a literatura sobre Educação Domiciliar sinaliza que as famílias que optam por

essa modalidade de educação têm renda média e escolaridade acima da média.

No julgamento no STF, o Ministro Fux (2018) observou que a escola além de ser

responsável pela transmissão de conhecimentos, é o espaço, por excelência, da pluralidade

de ideias e da convivência com o outro, com o diferente. A seu ver a família pode atuar

suplementarmente no processo de escolarização de seus filhos “sem retirar o olhar

profissional que vai exatamente aferir (...) essa necessidade de a criança conviver com a

pluralidade de pessoas, com a pluralidade de ideias, com crianças diferentes, com pessoas

com deficiência, que ela vai analisar com total normalidade” (FUX, 2018, p. 103). Fux

sustenta, ainda, que a gama de experiências, positivas e negativas, vivenciada na escola

contribui para que crianças e adolescentes desenvolvam uma visão de mundo mais

abrangente e plural. O Ministro votou contra o relator da matéria, o Ministro Luís Roberto

Barroso, por entender que a Educação Domiciliar é inconstitucional.

Em direção oposta, o Ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no STF,

alegando que como nossa Carta Magna não proíbe a Educação Domiciliar votou a favor do

direito de os pais educarem seus filhos em casa. A seu ver a Educação Domiciliar não é

sinônimo de “educação informal ou não curricular, ou mesmo de descaso com a formação

da criança, mas sim de um método alternativo de instruir os educandos, utilizando a família

como base para a difusão do conhecimento científico, filosófico e cultural” (BARROSO,

2018, p. 35).

No que diz respeito às críticas de que a Educação Domiciliar privaria crianças e

adolescentes de uma convivência plural e da socialização com outras pessoas fora de seu

círculo familiar, Barroso sustenta que a escola não é o único espaço de socialização

disponível nas sociedades modernas, seguindo a argumentação dos defensores da

modalidade. Afirma que a “participação dos estudantes em outras atividades extraclasses

(i.e.: clubes esportivos, clubes sociais, igrejas, bibliotecas, parques públicos, escolas de

música, organizações não governamentais, associações civis, trabalhos voluntários)”

contribui para que eles convivam “com pessoas de diferentes cosmovisões, perspectivas e

realidades”. A seu ver essas atividades extra domicílio “suprem a necessidade de

socialização supostamente preenchida pela escola” (BARROSO, 2018, p. 52). Cabe contra

argumentar que esses outros espaços sociais de convivência não são, necessariamente,

plurais e nem abrigam uma diversidade social mais ampla, pois sendo de escolha da família

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a tendência social é que essa opção recaia sobre aqueles que congreguem pessoas e

grupos que comungam os mesmos valores e compostos pelo mesmo segmento social.

A decisão do Ministro Barroso mais do que reconhecer o direito à Educação

Domiciliar, lança as bases para a normatização da prática do ensino doméstico no Brasil até

que uma norma legal seja emanada do Poder Legislativo, que está de posse de projeto de

lei encaminhado pelo Poder Executivo (PL 2401/2019) à Câmara dos Deputados17, além das

proposições sobre o tema que já tramitam nesta Casa de Leis.

O voto do Ministro Relator sugere uma regulamentação da prática do ensino

domiciliar que contemple (1) a obrigatoriedade de pais e responsáveis efetuarem o devido

registro nas secretárias municipais de educação de sua opção pela Educação Domiciliar; (2)

a submissão do aluno em Educação Domiciliar a avaliações periódicas conforme o

calendário escolar adotado por escolas públicas e privadas; (3) a responsabilidade do órgão

municipal de educação, por ocasião do registro do aluno como educado em casa, em indicar

a escola pública mais próxima de sua residência para que este possa efetuar as avaliação

periódicas.

O Ministro faculta aos órgãos municipais de educação o compartilhamento, ou não,

do cadastro de alunos em Educação Domiciliar com “as demais autoridades públicas, como

o Ministério Público, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente ou o

Conselho Tutelar” (BARROSO, 2018, p. 54). E por último, caso o desempenho do aluno em

situação de Educação Domiciliar fique abaixo do esperado nas avaliações anuais o Ministro

transfere “aos órgãos públicos competentes” a responsabilidade de “proporem melhorias ao

ensino doméstico e, nas hipóteses em que não haja aumento do rendimento nos testes

periódicos, determinarem a matrícula das crianças e adolescentes submetidas ao ensino

doméstico na rede regular de ensino” (BARROSO, 2018, p. 54).

Não iremos nos estender sobre o julgamento em tela, mas destacar que o Brasil,

país de dimensões continentais e marcado por assimetrias, parece viver tempos históricos

desiguais que de tempos em tempos se entrecruzam em virtude de demandas específicas e

particulares que por conta da correlação de forças favorável conseguem se apresentar como

um pleito coletivo. Cabe, entretanto, destacar que as ‘recomendações’ contidas no texto do

voto do Ministro Barroso não foram seguidas pelo PL 2 01 2019, que transfere para o MEC

a responsabilidade de acompanhamento e avaliação da modalidade uma forma de tornar

o controle menos eficaz, pois mais distante, que deveria ser do Poder Municipal, que é o

17

O PL 2401/2019 propõe que o Ministério da Educação (MEC) centralize o cadastro dos alunos em Educação Domiciliar através de uma plataforma virtual a ser criada, assim como transfere para o MEC as regulamentações posteriores sobre o ensino domiciliar.

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responsável pela educação infantil e pelo ensino fundamental, ou do Poder Estadual, no

caso do ensino médio.

Em nota assinada por 12 entidades nacionais18 do campo educacional, em resposta

à notícia de que o Governo Federal encaminharia ao Congresso uma Medida provisória para

regulamentar o ensino domiciliar, argumenta-se que:

A escola é um lugar onde as crianças ampliam suas oportunidades de aprendizagem, experimentam a interdisciplinaridade e a realização de projetos de pesquisa e de inovação em contato com profissionais preparados para isso. É onde o conhecimento se constrói no diálogo. Lugar, também da socialização, solidariedade, autoconhecimento e conhecimento da própria comunidade, valores que se aliam aos valores das muitas e diferentes famílias brasileiras, lugar onde as crianças e jovens se tornam cidadãos, onde adquirem consciência dos limites necessários à vida social e que em sociedade todos têm direitos e deveres (ANPED ET AL, 2019).

Assim a defesa da escola é o mote da nota das entidades nacionais que apontam

para a necessidade “de ampliar o acesso à escolarização, de valorizar a escola pública e

seus profissionais, assegurando condições adequadas de trabalho e de aprendizagem dos

alunos, tendo em vista a construção de uma educação pública de qualidade para todos”. É

um equívoco a negação da escola como espaço privilegiado de formação que não pode ser

substituído pela família, da mesma forma em que o papel da família não pode ser

desempenhado pela escola, pois “as iniciativas da família não se confundem e nem

substituem aquelas da escola” pois “nem a família substitui a escola, e nem a escola

substitui a família, elas não são antagônicas, mas complementares. A relação família escola

é um aspecto importante da elevação da qualidade da educação que não pode ser

minimizada” (ANPED ET AL, 2019).

É relevante, ainda, considerar que a realidade concreta com a qual dialoga o ensino

domiciliar vai além do suposto reconhecimento de direitos individuais (no caso o dos pais

como soberanos do direito de educar), mas se plasma em um quadro mais amplo que

parece ter como leitmotiv o abandono do laicismo na educação básica pública e sua

substituição pelo fundamentalismo religioso.

Nesse aspecto, a Educação Domiciliar pode vir a ser um indutor da intolerância, já

evidenciada pelas famílias que não desejam que seus filhos convivam com a diversidade e a

pluralidade existente nas escolas e na sociedade. Da mesma forma a generalização da

“visão da escola como lugar violento e perigoso” omite o fato estatisticamente comprovado,

no Brasil e no mundo, “que a violência contra crianças e jovens, e inclusive a violência

18

ANPED, ANFOPE, ANPAE, ABdC, ANPUH, ABRAPEC, CEDES, FORUMDIR, FINEDUCA, MNEM, SBEnBio; FCHSSALA. Ver Nota (2019).

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sexual, é fortemente praticada no interior das famílias, e poucas vezes denunciada”, como

alerta a referida nota.

Além das questões explicitadas anteriormente, entendemos que o projeto de

Educação Domiciliar traz um conjunto de ameaças para o direito a educação, apenas

recentemente conquistado e já bastante ameaçado, e para a quebra da obrigatoriedade

escolar, que prejudicaria a ampla maioria da população. O apoio governamental à proposta

de ensino domiciliar é incompatível com seu dever constitucional, pois,

As sucessivas manifestações do atual governo, no sentido de desvalorizar a educação pública, criminalizar o trabalho dos educadores e desprestigiar a escola, desconsiderando sua importância, não condizem com a missão do Estado de assegurar a oferta de educação pública de qualidade (ANPED ET AL, 2019).

O que parece evidente na proposta do ensino domiciliar, e em sua adesão pelo

governo atual, é que ela não conflita, ao contrário, dialoga com o ideário neoliberal, de

redução da presença do Estado na educação e com o ideário conservador, que atribui

centralidade aos valores morais, ideológicos e religiosos das famílias que pleiteiam seu

direito de escolha, em movimento marcado por um suposto resgate de um conjunto de

valores que se perdeu e quiçá da própria família.

Hobsbawm (1984, p. 10) nos alerta, em estudo sobre as tradições inventadas, que

estas, ao exaltarem o passado, funcionam como um meio de rememorar um passado

idealizado que é apresentado como concreto. Nesse sentido, as “tradições inventadas”

podem representar uma tentativa de negação do novo buscando a rememoração de algo

considerado melhor e mais estável, mas não necessariamente real, estabelecendo com o

passado “uma continuidade bastante artificial”, cristalizando práticas fixas, calcadas em um

“passado real ou forjado”, como explicita Hobsbawm (198 , p. 10). Assim, essas ‘tradições

inventadas’ configuram-se como “reações a situações novas que ou assumem a forma de

referência a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição

quase que obrigatória” (HOBSBAWM, 198 , p. 10). As tradições inventadas, logo artificiais,

se caracterizam pela invariabilidade, enquanto os costumes dialogam com seu tempo e são,

portanto, passíveis de modificação, pois a vida não é invariável, imutável ou cristalizada,

“nem mesmo nas sociedades tradicionais”. (HOBSBAWM, 198 , p. 10).

Consideramos que é na interseção entre o clamor irreal pelo retorno de um passado

idealizado (valores morais) e pela negação do real (o social), que a educação domiciliar se

corporifica como uma aparente demanda da sociedade brasileira, mas que na realidade

busca a atender a grupos e setores específicos e minoritários da sociedade. É neste

contexto que processos de privatização, descentralização, mercantilização da educação se

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antenam com o direito à autonomia, à liberdade e à individualidade entre outros evocadas

pelos defensores do homeschooling.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um contexto sociocultural, histórico e econômico em que a flexibilização

produtiva parece penetrar nas relações sociais e no padrão de consumo da maioria das

sociedades capitalistas assistimos, pari passu ao aprofundamento do individualismo, a

emergência de uma gama de produtos e serviços customizados/personalizados que buscam

atender a necessidades específicas/particulares dos clientes/consumidores (personal

trainer, coach, personal adviser etc.).

A Educação Domiciliar emerge como uma proposta/projeto familiar que a um só

tempo parece dialogar com esse processo de individualização/personalização, como

atender a possibilidade de resgate de um passado idealizado, de tradições e valores

familiares que se “perderam” nas últimas décadas. Neste contexto a escola é vista/dita como

ineficaz e a socialização que propõe (o ambiente escolar) como perigoso. E onde estaria a

eficácia e a segurança? No domicílio familiar. Não há uma discussão sobre os sentidos da

escola para a sociedade, mas sua atomização, como se a escola não fosse fruto e

componente de nossa sociedade, mas estranha a ela.

Nesse projeto societário neoliberal e neoconservador extremado, não basta atomizar

a escola, é necessário reduzir seu protagonismo social à instrução curricular. Um papel que

qualquer um pode desempenhar, sem necessidade de formação adequada, já que não

estamos falando de educação escolar, muito menos de processo de ensino aprendizagem,

mas de instrução, de transmissão mecânica de conteúdo sem contextualização sociocultural

e histórica, ou mesmo de aprofundamento teórico.

Dentro dessa dinâmica conceituar o que é eficácia escolar, ou mesmo ambiente

escolar perigoso, é disfuncional à racionalidade que parece permear o debate acerca da

Educação Domiciliar, já que em sua essência esta parece operar pelo estranhamento, pela

negação do outro e das diferenças. Nesse sentido a opção familiar pela Educação

Domiciliar, pelo particular/privado, opera pela negação do coletivo/social, este último

representado pela escola. Consideramos a proposição da educação domiciliar não apenas

um retrocesso histórico, pedagógico e social, mas principalmente um grave ataque ao direito

a educação que se configura como desresponsabilização do Estado em cumprir seu dever

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constitucional com a oferta da educação básica pública gratuita e de qualidade para o

conjunto da população brasileira

REFERÊNCIAS

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ANPED, ANFOPE ET AL. Nota das entidades nacionais - A educação domestica fere os direitos de crianças e joven,s em 6 fev. 2019.

BARROSO, Luís Roberto. Voto. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão Recurso extraordinário 888.815 RGS. Relator: BARROSO, Luís Roberto. Publicado no DJE 21/03/2019 - ATA Nº 33/2019. DJE nº 55, divulgado em 20/03/2019. P. 11-57.

BOSETTI, Lynn; VAN PELT, Deani. Provisions for Homeschooling in Canada: Parental Rights and the Role of the State. Pro-Posições, Campinas, v. 28, n. 2, p. 39-56, ago. 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais.

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 jun. 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá

outras providências.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão Recurso extraordinário 888.815 RGS. Relator: BARROSO, Luís Roberto. Publicado no DJE 21/03/2019 - ATA Nº 33/2019. DJE nº 55, divulgado em 20/03/2019.

FUX, Luiz. Voto. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão Recurso extraordinário 888.815 RGS. Relator: BARROSO, Luís Roberto. Publicado no DJE 21/03/2019 - ATA Nº 33/2019. DJE nº 55, divulgado em 20/03/2019. P. 101-127.

HAYEK, Friedrich August. Educação e pesquisa. In:___. Os Fundamentos da liberdade.

São Paulo: Visão, 1983. 446-465.

HOBSBAWM, Eric. Introdução: a invenção das tradições. In: HOBSBAWM, Eric, RANGER, Terence, org. A Invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p. 9- 23. 316p.

SMITH, Adam. Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974. 349 p. P. 7-247.

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NAS TRILHAS DA MEMÓRIA: Os caminhos do letramento na escola através das trajetórias

de vida de professoras alfabetizadoras do PARFOR/UFRRJ

Cláudia Rodrigues do Carmo Arcenio19

Patricia Bastos de Azevedo20

Esta pesquisa pretende investigar as permanências e rupturas na trajetória do letramento escolar por intermédio das histórias de vida de professores que foram alfabetizados e alfabetizam na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. E que estão gerindo suas formações no Curso de Pedagogia oferecido pela UFRRJ no ambiente do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR). Compreendendo a alfabetização como uma das principais práticas de letramento escolar, esta investigação apresenta um levantamento dos indícios elencados a partir das narrativas produzidas sobre as memórias do período de alfabetização e sobre as atuais práticas em sala de aula. Palavras chave: Letramento. Alfabetização. Memória. Biografia. PARFOR.

This research intends to investigate the permanences and ruptures in the trajectory of the school literacy through the life histories of teachers who were literate in the Baixada Fluminense of Rio de Janeiro who are managing their formations in the Pedagogy Course offered by the UFRRJ in the context of the National Plan for the Training of Basic Education Teachers (PARFOR). Understanding literacy as one of the main practices of school literacy, this research presents a survey of the clue listed from narratives produced on the memories of the literacy period and on the current practices in the classroom. Keywords: Literacy. Teaching to read and write. Memory.

Biography. PARFOR.

1. INTRODUÇÃO

“É experiência aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao passar-nos nos forma e nos transforma”

Larrosa.

19

Professora da Prefeitura Municipal de Nova, Mestre em Educação/UFRRJ, Doutorando do PPGEduc/UFRRJ, E-mail [email protected]. 20 Professora da UFRRJ, Doutora em Educação, E-mail [email protected].

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A pesquisa em Educação possui uma especificidade interessante: qualquer professor

que passou por uma educação formal possui no mínimo dez anos de experiência enquanto

educando na Educação Básica. As formas de ensinar-aprender a que foram submetidos

influenciam direta ou indiretamente o seu fazer pedagógico cotidiano. Independentemente,

se repetimos ou excluímos as práticas que presenciamos enquanto estudantes seria um

contrassenso supor que todo este período de nossas vidas não repercute de alguma forma

no pensar a educação e a escola enquanto profissionais.

A identidade do professor se constitui em uma identidade coletiva. Não é incomum

nos citarmos em 3º pessoa do singular: “O professor não é valorizado!” “O professor precisa

se capacitar”. Para Pollak (1992) o que define uma identidade coletiva, não é a exclusão da

individualidade, mas o sentimento e unidade, continuidade e coerência, ou seja, a noção de

pertencimento a um grupo específico.

Dentro desta perspectiva quando refletimos sobre alfabetização e letramento

(SOARES, 1999, 2011; STREET, 2014), estamos refletindo também sobre nossas vivências

no cotidiano escolar e, é neste contexto que as trilhas do letramento, da memória e da

formação docente se entrecruzam (FREIRE, 2006).

Ao avaliarmos os discursos produzidos sobre as práticas profissionais que

pretendem facilitar a apropriação da língua e escrita queremos nos deter na investigação

das trilhas deixadas por e nestes professores de forma a observar as rupturas e

permanências do letramento através das trajetórias de vida destes profissionais

(MORTTATI, 2010), compreendendo a leitura e escrita de si como parte essencial do

processo autoformativo e, que estas escritas tornam-se elemento constitutivo da memória

coletiva e social do Letramento no Rio de Janeiro.

Ao buscar visualizar as permanências e rupturas nas práticas educativas que visam

facilitar a apropriação da leitura e da escrita através das biografias de profissionais que

atuam na área, buscamos compreender as trilhas que a alfabetização e o letramento

impregnaram ao longo dos períodos de vida destes profissionais e desta forma percebermos

o que se transformou nas práticas educativas que visam à apropriação da língua escrita; a

partir do olhar de quem de fato executa a ação de ensinar a ler e a escrever.

2. TRILHAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS: O REGISTRO (AUTO) BIOGRÁFICO COMO

FONTE DE PESQUISA

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Para os fins deste artigo, buscamos analisar as autobiografias a partir dos aportes

teóricos que observam a memória como meio de reconstrução de um fenômeno em um

determinado espaço temporal (HALBWACHS, 1990; DELORY-MOMBERGER, 2016;

POLLAK, 1989, 1992). Neste sentido, baseamos nossas análises principalmente nas

propostas de Pollak, pensando a memória individual como fonte para a construção da

memória social, no sentido de fazer emergir as memórias subterrâneas destes professores

que lecionam a classes populares, conferindo às trajetórias de vida destes profissionais o

papel protagonista na construção do real. Além disso, nossas análises deságuam nos

entremeios da linguagem como canal para concretizar os discursos a serem produzidos.

Para essa discussão, trazemos as concepções de Bakhtin (1997) quanto à forma de

organização da linguagem verbal em gêneros discursivos.

Os caminhos de análise das narrativas seguem o princípio hermenêutico inspirado

no paradigma indiciário exposto por Ginzburg (1989). O autor, em seu livro “Mitos,

emblemas, sinais: Morfologia e história,” no ensaio “Sinais: Raízes de um paradigma

indiciário” propõe uma perspectiva de interpretação que considera o entorno. Neste ensa io,

Ginzburg analisa os procedimentos investigativos de Sherlok Holmes, Freud e Morelli,

atendo-se ao que lhes é comum: a atenção ao que geralmente não está exposto

propositalmente, aquilo que perpassa, os pormenores normalmente considerados sem

importância, ou até triviais (GINZBURG, 1989). Assim, podemos considerar que o

paradigma indiciário ou semiótico baseia-se na análise dos indícios, das pistas. Trazendo o

paradigma para a análise das narrativas poderemos observar o que a narrativa deixa

escapar por entre as palavras, aquilo que não é proposital, mas que revela o que está no

subterrâneo. O uso deste tipo de análise nos auxilia a compreender o que a memória

silenciou, reconstruindo a partir do entrecruzamento com a história da alfabetização no

Brasil, a história sobre o letramento escolar, que está expressa nas narrativas, não de

maneira explicita, mas de forma implícita, fugidia, rastreável, indiciária.

Temos como objeto de pesquisa as narrativas destes profissionais, contudo não é

possível desconsiderar o processo de construção das (auto) biografias neste projeto, uma

vez que se consolidam como percurso formativo estabelecido por meio das escritas de si

(DELORY-MOMBERGER, 2006).

A memória não é a reprodução de um passado com fidedignidade e, sim, uma representação do mesmo, isto é, quando lembramos o passado estabelecemos critérios de importância e/ou grandeza. Nossa memória é seletiva, escolhemos alguns elementos que a compõem e a eles privilegiamos, seja por fatores emocionais ou sociais. A memória é fugidia, flexível e socialmente composta (AZEVEDO, 2016, p. 52).

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Portanto, neste ambiente, procuramos observar a partir das narrativas destes

profissionais as práticas educativas a que foram submetidos enquanto alfabetizados,

correlacionando estas práticas com suas atuais práticas em alfabetização de forma a

observar, por meio das narrativas produzidas, as rupturas e permanências nas práticas

alfabetizadoras, tendo como eixo norteador as concepções de letramento em que

permearam ambas as práticas educativas.

3. UMA TRAVESSIA: AS PERMANÊNCIAS E RUPTURAS DE UM TRECHO DA

JORNADA.

Acredito que à proporção que a sociedade se transforma, transforma-se também o

que a língua escrita passa a representar, tal como seus usos nesta sociedade. Através dos

anos, temos observado diversas configurações para o ensino de língua materna no Brasil,

em especial a língua portuguesa. Conforme a reconfiguração se estabelece surgem

acaloradas discussões sobre como se deve ensinar e até como a criança deve aprender.

A jornada do letramento é longa, inesgotável em um artigo, arriscamo-nos a dizer

mesmo em uma tese. Neste sentido é que propomos a travessia. Escolhemos uma fração

do letramento escolar limitado pelas escolhas epistemológicas e pelo espaço-tempo que nos

era aprazível. As trilhas que escolhemos percorrer estão na memória, buscando fazer

emergir através da escrita de si o que não poderia ser contado de nenhuma outra forma:

como o letramento escolar atravessou e atravessa a vida de professores alfabetizadas e

alfabetizadoras na Baixada Fluminense, compreendendo que suas memórias não são

capazes demonstrar todo o trajeto, mas ilustram um trecho da jornada contribuindo com a

visualização desta trajetória.

Buscamos caminhar por estas trilhas, observando os vestígios a fim encontrar pistas

que nos ajudem a visualizar trajetória do letramento escolar por outro ângulo, apresentando

uma perspectiva que não pretende ser a visão unificada de um determinado espaço-tempo,

mas uma fração que busca dar visibilidade a especificidade. Esta especificidade é outorgada

principalmente pelo evento único que é cada trajetória de vida, e desta forma esta travessia

vem a compor trajetória do letramento escolar de forma ímpar, específica, biográfica, se

transformando em elemento constitutivo desta jornada.

Na pesquisa que subsidiou este artigo, procuramos investigar quais concepções de

alfabetização e letramento são observáveis por meio da evocação da memória a fim de

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identificar permanências e rupturas nas ações ou práticas educativas que pretendem

promover a alfabetização enquanto prática de letramento escolar. Para tanto,

demonstraremos a seguir alguns objetos gráficos que pretendem favorecer a visualização

dos resultados que obtemos a partir das histórias de vida de professores alfabetizadores em

confronto com os discursos oficiais e as estratégias de homogeneização das práticas

educativas. Além disso, é possível observar também os movimentos de resistência à

institucionalização de uma ou outra vertente para o ensino da escrita representada,

sobretudo, pelas permanências, adaptações e combinações entre os métodos ou

concepções para se alfabetizar.

Neste sentido torna-se importante organizar os indícios encontrados de forma

sistemática a fim de facilitar a visualização dos resultados de nossas análises.

A fim de aperfeiçoar esta exposição elaboramos quadros expositivos, linhas do

tempo e gráficos que permitem a visualização simultânea dos resultados desta pesquisa que

emergem do campo selecionado.

O primeiro quadro que elaboramos pretende expor os indícios de permanência do

letramento escolar que encontramos nas narrativas:

Figura: 1

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Vejamos também as rupturas que extraímos das narrativas.

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Figura: 2.

Figura: 3

Fonte: Elaborado pelas autoras.

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A próxima figura pretende evidenciar os pontos de intersecção entre as narrativas da

primeira das duas últimas fases do ateliê. O objetivo da elaboração deste objeto é evidenciar

os resultados desta pesquisa graficamente. A permanência é constituída pela interseção

entre as narrativas elaboradas nas Memórias de Alfabetização em comparação às Memórias

da Escola e as autobiografias elaboradas ao final do percurso formativo.

Figura: 4

Fonte: Elaboração das autoras.

É possível observar que há um quantitativo maior de rupturas. Acreditamos,

entretanto, que estas rupturas não são abruptas. Ao mesmo tempo que algumas delas se

estabelecem através de imposições, entendemos que outras vão se construindo nas

trajetórias, no cotidiano, na vivência. Pensamos que além do fator temporal, o quantitativo

superior de rupturas pode caracterizar três realidades diferentes apesar de ser possível

vinculá-las.

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A primeira se refere aos avanços nas pesquisas em alfabetização e letramento que

vem norteando as formações inicial e continuada dos professores. Como vimos, a formação

pode se estabelecer como travessia e motivar mudanças diretas nas práticas profissionais A

segunda se refere ao indício que encontramos na 2º fase do ateliê que diz respeito à

intervenção das secretarias motivadas pelas avaliações externas que influencia diretamente

o fazer pedagógico cotidiano. E por fim, podemos assinalar que as urgências que emergem

do cotidiano escolar podem favorecer as rupturas. Além disso, podemos inferir que algumas

destas urgências sofrem a influência das políticas de ampliação da universalização do

acesso e da permanência ao ensino fundamental à medida que exigem a reformulação de

estratégias para atender diferentes públicos.

As permanências parecem apontar para duas perspectivas opostas. Observamos

que podem indicar tanto o diálogo com a experiência, com o que é necessário para que a

alfabetização se realize, com o reconhecimento de práticas que se constroem de forma

exitosa, quanto com as implicações específicas do cotidiano escolar, ou a imposições que

por vezes fogem ao fazer pedagógico. Isto é, pouco pode fazer o professor presencialmente

para mudar a caracterização do espaço físico da sala de aula além de colar cartazes e

mudar a disposição das cadeiras, por exemplo. As estratégias de utilização de outros

espaços da escola também se constroem como permanência podendo ou não estar

relacionada à revitalização do espaço da sala de aula agregando outros espaços destinados

à aprendizagem. Neste sentido observamos que nem toda permanência é optativa algumas

permanências são literalmente impostas.

Contudo, dentre tantas narrativas, chama-nos atenção o relato de alfabetização de

Silvia: todas as práticas alfabetizadoras que sua professora utilizou em 1985 se mantiveram

até hoje como indícios de permanência. Neste sentido, podemos inferir que estas práticas

em específico vão se estabelecendo por meio do compartilhamento, da memória dividida, da

prática bem-sucedida. Diferente de algumas rupturas, elas parecem não estar ligadas a

imposições, mas parecem se construir na experiência e na vivência em sala de aula.

A próxima elaboração gráfica tem o objetivo de demonstrar a simultaneidade que

observamos nas narrativas entre as permanências e rupturas. Na elaboração exposta a

seguir, antevemos que a maior parte dos elementos de ruptura foi extraída das narrativas de

Cristiane e que somente as memórias de Silvia apresentam-se integralmente como

permanências ao final do percurso.

Vejamos a construção gráfica a seguir:

Espiral do tempo

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Figura: 5

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E

Fonte: Elaboração das Autoras

Ainda sobre a composição gráfica acima, recordamos que as professoras-alunas

Amanda e Daniele, embora tenham matrícula ativa no PARFOR/UFRRJ não atendiam as

características para análise da segunda e terceira fase do ateliê: Amanda por não lecionar

na Baixada Fluminense e Daniele por seu último exercício se estabelecer na Educação

Infantil.

Além disso, avistamos que os métodos sintéticos, que aparecem em 50% das

Memórias de Alfabetização, não reaparecem na segunda fase caracterizando uma

importante ruptura. Isto é, tal como assinalamos nos tópicos anteriores, a preferência pelo

método sintético parece indicar a compreensão da língua escrita como um código a ser

decifrado. De fato a língua apresenta esta faceta, entretanto compreendemos que a

abordagem apenas desta característica no ensino não produz proficiência em leitura se

observada à variedade de gêneros textuais que circulam nas sociedades contemporâneas.

É importante observar a língua em sua faceta interativa assim como compreendê-la como

uma construção social a fim de evitar equívocos catastróficos no ensino. A retomada de um

posicionamento que entende a língua como somente uma coisa ou outra seria um

retrocesso aos avanços nas pesquisas em alfabetização e letramento que atualmente

compreendem a língua escrita como um constructo cultural multifacetado (SOARES, 2018)

buscando privilegiar as práticas sociais em que a escrita se faz necessária em conjunto com

o ensino sistemático do sistema de escrita.

As professoras parecem ter compreendido isto. A preferência pelos métodos

ecléticos e analíticos e práticas alfabetizadoras que levam em consideração o lado interativo

da língua prevalece na segunda e terceira fase do dispositivo. As afirmações são

confirmadas por vários dos indícios de ruptura evidenciados nas narrativas e expostos na

espiral do tempo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Concluindo este trabalho, depreendemos que as permanências e rupturas que

encontramos através da memória destes professores integram de forma constitutiva

Memória do Letramento Escolar na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. É evidente que

estas memórias são apenas travessias: atravessamentos em uma jornada muito maior que

configura a trajetória do letramento escolar.

No entanto, gostamos de pensar que estes atravessamentos podem contribuir para a

compreensão desta trajetória, tendo em vista que colaboram para fazer emergir a memória

de parte de um grupo bastante específico: professores em formação e em exercício que

foram alfabetizados e alfabetizam na Baixada Fluminense, estabelecendo vínculos

colaborativos com a memória oficial do letramento escolar no Estado.

No decorrer desta pesquisa compreendemos que as permanências se constituem

como trilhas cruzadas entre espaços e tempos, entre os pontos de travessias. Elas podem

representar continuidade de práticas eficazes ou exitosas. Podem se estabelecer como

momentos de enfrentamento e resistência ao que muitas vezes se torna homogeneizante às

práticas educativas. Ou simplesmente podem representar imposição ou acomodação. Cada

permanência tem sua razão de resistir/existir. As rupturas acontecem gradativamente não

podendo ser estabelecidas apenas pela existência de uma legislação ou documento oficial

que apesar de criar um ambiente propício para que elas aconteçam através de mecanismos

de intervenção e monitoramento, não tem a capacidade de impor rompimentos imediatos,

eles vão se construindo no fazer pedagógico, no cotidiano escolar. Deste modo ressaltamos

que as permanências e as rupturas só existem na trajetória e a trajetória somente se realiza

através das travessias que as histórias de vida das pessoas compõem.

REFERÊNCIA

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