Mídia Sacralizada e Religião Secularizada: Um Novo 1Espaço ... · pretende construir ou...

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Simpósio Religiões, Políticas e Mídias na América Latina Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP Universidade Metodista de São Paulo – UMESP São Paulo/São Bernardo do Campo: de 04 a 06 de Outubro de 2016 1 Mídia Sacralizada e Religião Secularizada: Um Novo Espaço Sincrético 1 Edson Modesto ARAUJO JUNIOR 2 RESUMO Este trabalho visa colaborar com estudos efetuados na área de Ciências da Reli- gião, sendo mais uma ferramenta aos pesquisadores que tiverem seus interesses volta- dos aos estudos semióticos, mais precisamente aos advindos da Escola de Paris. Situa- mos nossa pesquisa num fenômeno da atualidade observado como texto/discurso de caráter religioso Católico Apostólico Romano que, distanciando-se dos moldes tradicio- nais constitutivos de rituais litúrgicos da Igreja Católica, se nos oferece como um recor- te sui-generis desta, dentre os inúmeros eventos pesquisados de diferentes procedências religiosas. Embora mantendo alguns traços comuns encontrados nessas outras práticas ritualísticas, não apresenta analogia com nenhuma delas, nem mesmo com a que lhe deu origem. A metodologia utilizada foi extraída da teoria semiótica greimasiana, objetal, com implicações subjetais na teoria de Jean-Claude Coquet, e na daviliana para os en- volvimentos com manifestações não-verbais. Procuramos demonstrar como o ator ou atores foram construídos; como desenvolveram seus programas narrativos para a con- junção com os valores investidos nos objetos de busca. Das estruturas discursivas às estruturas sêmio-narrativas (simples e profunda), fundamentadas na manipulação, serão examinados os objetos modais responsáveis pela aquisição da competência dos actantes sujeitos da performance que os levará à sanção protagonizada pelos actantes sujeitos judicantes, in texto, os fiéis partícipes da narrativa. . PALAVRAS-CHAVE: semiótica, discurso religioso, pentecostalismo, mídia televisi- va, espaço. 1 Trabalho apresentado no Simpósio Religiões, Políticas e Mídias na América Latina, realizado São Paulo, SP, de 04 a 06 de Outubro de 2016. 2 Doutorando em Ciências da Religião, e-mail: [email protected]

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Simpósio Religiões, Políticas e Mídias na América Latina Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP

Universidade Metodista de São Paulo – UMESP São Paulo/São Bernardo do Campo: de 04 a 06 de Outubro de 2016

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Mídia Sacralizada e Religião Secularizada:

Um Novo Espaço Sincrético1

Edson Modesto ARAUJO JUNIOR2

RESUMO

Este trabalho visa colaborar com estudos efetuados na área de Ciências da Reli-

gião, sendo mais uma ferramenta aos pesquisadores que tiverem seus interesses volta-

dos aos estudos semióticos, mais precisamente aos advindos da Escola de Paris. Situa-

mos nossa pesquisa num fenômeno da atualidade observado como texto/discurso de

caráter religioso Católico Apostólico Romano que, distanciando-se dos moldes tradicio-

nais constitutivos de rituais litúrgicos da Igreja Católica, se nos oferece como um recor-

te sui-generis desta, dentre os inúmeros eventos pesquisados de diferentes procedências

religiosas. Embora mantendo alguns traços comuns encontrados nessas outras práticas

ritualísticas, não apresenta analogia com nenhuma delas, nem mesmo com a que lhe deu

origem. A metodologia utilizada foi extraída da teoria semiótica greimasiana, objetal,

com implicações subjetais na teoria de Jean-Claude Coquet, e na daviliana para os en-

volvimentos com manifestações não-verbais. Procuramos demonstrar como o ator ou

atores foram construídos; como desenvolveram seus programas narrativos para a con-

junção com os valores investidos nos objetos de busca. Das estruturas discursivas às

estruturas sêmio-narrativas (simples e profunda), fundamentadas na manipulação, serão

examinados os objetos modais responsáveis pela aquisição da competência dos actantes

sujeitos da performance que os levará à sanção protagonizada pelos actantes sujeitos

judicantes, in texto, os fiéis partícipes da narrativa.

.

PALAVRAS-CHAVE: semiótica, discurso religioso, pentecostalismo, mídia televisi-

va, espaço.

1 Trabalho apresentado no Simpósio Religiões, Políticas e Mídias na América Latina, realizado São Paulo, SP, de 04

a 06 de Outubro de 2016. 2 Doutorando em Ciências da Religião, e-mail: [email protected]

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1. O fator religioso: origem e características preliminares.

A religião Católica Apostólica Romana, fonte originária do ato ritualístico que

motivou nossa pesquisa, embora tenha sofrido alterações com o decorrer dos séculos (o

uso da língua pátria, por exemplo), mantém em seu núcleo sêmico a inalterabilidade

ritualística dedicada às liturgias, na preocupação com a conservação da sua autenticida-

de. Na demonstração papal (Brasil, 2013, Encontro-juventude), orações e frases em La-

tim se fizeram presentes na demonstração do respeito ao ato litúrgico.

O fato que será examinado como corpus, embora trazendo características que o

confundiriam com um ato religioso sacerdotal, apresenta outras tantas facilmente detec-

táveis como não pertencentes aos atos litúrgicos conservadores da religião católica aos

conhecedores dessa doutrina, praticantes ou não.

Desse modo, aos destinatários do fato – enunciatários expectadores e/ou cida-

dãos incautos -, será impingida pelo sujeito da narrativa e destinador da mensagem reli-

giosa, a sua própria imagem como primeira manipulação efetuada, cuja aparência pode-

ria ser confundida com a de um sacerdote, quando na realidade se trata de um missioná-

rio, vestido de cidadão comum, não ordenado padre – mas admitido na programação da

Rede Vida e Canção Nova de Televisão, uma vez imbuído do desejo de atuar como tal

em manifestações ritualísticas de cunho religioso.

Tal fato, porém, não impede, nem invalida nossa escolha sobre esse tipo de dis-

curso (ato pentecostista), cujo processo desenvolvido por um sujeito na tentativa de ma-

nipular pelo /Fazer-Crer/, se codifica como texto/discurso, prestando-se, desse modo, à

análise semiótica.

2. A espaço-temporalidade

Nesta pesquisa efetuada, tendo em vista apresentarmos uma tipologia diferenci-

ada do discurso religioso, na concepção de práticas ritualísticas de manifestação espeta-

cular, não poderíamos apenas considerar o espaço e a temporalidade como meros pontos

traçados determinando-se entre eles um limite identificador de uma distância e de um

tempo crônico ou cronológico, ou ainda como uma mera extensão indefinida na qual se

pretende construir ou reconstruir uma cena qualquer.

Sobre os espaços geográfico, temporal, físico e o cosmológico (aéreo) - conside-

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rados espaços naturais, e o espaço edificado – midiático, social, físico-construído e o

mental, tridimensionais -, considerados espaços culturais, se sobrepõe o espaço denomi-

nado religioso ou sagrado, localizando-se dentro da dinâmica que se efetua em função

do uso desses diferentes espaços, e que o denomina.

O espaço ritualístico - aqui proposto - será por nós simbolicamente figurativiza-

do como EH (Espaço Humano, ou do livre arbítrio), ED (Espaço Divino, ou da glória

eterna) e ET (espaço transitório, do sofrimento, da busca) como se entre eles pudésse-

mos observar os degraus espaço-temporalizados de uma escada cuja montante nos en-

caminharia ao da felicidade eterna.

A mídia, oferecendo seu espaço físico-eletrônico e sócio-digital como moeda

de troca do entretenimento e da cultura pela lucratividade, permite que dela se apropri-

em as religiões que, valendo-se do caráter sagrado que lhes é atribuído para conquista-

rem as massas, oportunizam pesquisas às mais distintas áreas do conhecimento, dentre

elas, as ciências da religião, a sociologia, a teologia, e a semiótica, entre outras.

De modo algum tivemos pretensões em vista esgotar essa temática cujo campo

de ação se propaga sob largas dimensões. Pelo contrário, a questão de fundo que se le-

vanta frente a esse tipo de pesquisa, indica-nos uma longa caminhada ainda por trilhar

que, embora nos tenha trazido resultados satisfatórios, serão estes sempre parcializados,

servindo de colaboração para que outras pesquisas se produzam, trazendo novas desco-

bertas.

As formas de abordar e analisar o espaço pode variar. Pode-se analisar o espaço

em si mesmo, abordando-o de forma restrita e unilateral a partir de determinado contex-

to político, econômico-social, filosófico-religioso, cientifico, dentro outros. Essa abor-

dagem é denominada de “espacialista”, segundo Kuck, (2001, p.8-13). Outro modo de

abordagem é denominada de “espaciológica”. Esse enfoque considera o espaço de for-

ma mais ampla, “através dos processos sociais, das funções e das formas”, segundo

Santos (1993, p. 40). Esse modo de abordagem é um dos mais interessantes em nossa

abordagem, por abranger as mais variadas dimensões do existir humano.

Um dos mais renomados sociólogos da comunicação, Jonh B. Thompson de-

fende no livro a mídia e modernidade (1995, p. 45) o conceito de “Espaço- temporali-

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dade”, que seria um binômio vivido pós segunda guerra mundial com o advento da ‘i-

dade mídia’, para possibilitar alcançar diversos ‘espaços’ ao ‘mesmo tempo’.

A compreensão do que é espaço precisa, necessariamente, levar em conta a di-

nâmica da vida e dos processos sociais que trazem as coisas à existência. O caráter de

espaço é relacional e dinâmico. De acordo com Merleau-Ponty (1993, p.258), afirma

que:

“o espaço não é um meio contextual sobre o qual as coisas estão co-

locadas, mais sim o meio pelo qual é possível a disposição das coisas.

No lugar de pensarmos o espaço como uma espécie de éter onde todas

as coisas estariam imersas, devemos concebê-lo como o poder univer-

sal de suas conexões”. Nessa concepção, está descartada a possibili-

dade de compreensão do espaço como um fim em si mesmo. A ênfase

está no espaço como meio com poder de estabelecer conexões. O es-

paço é parte das possibilidades relacionais da existência.

Nesse sentido, Santos (2004, p.46), aponta que o “espaço é formado por um con-

junto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas

de ações, não consideradas isoladamente, mas com o quadro único no qual a história se

dá”. Há, pois, uma interrelação de objetos e ações que fazem uso de uma base material,

denominada espaço. É ali que os processos sociais se materializam assumindo as mais

diversas feições.

A nossa inquietude se desenvolve nos aspectos constitutivos da “perpetuidade”

de comunidades religiosas que se mantém ou até mesmo que se constituíram em es-

paços “sagrados” midiáticos, uma vez que a dimensão do espaço sagrado transcende

espaços físicos ou geográficos, alcançando inclusive a vida de quem lida a serviço do

sagrado.

2.1 O Sagrado o profano e o caráter proxêmico - Em busca de uma Experiên-

cia individual num espaço coletivo

Em sua obra O Sagrado e o Profano, Mircea Eliade (2001, p. 165) diz: “[...] o

homem religioso assume um modo de existência específica no mundo, e, apesar do

grande número de formas histórico religiosas, este modo específico é sempre reconhe-

cível”. Assim considerando, encontramos três modos específicos de existência humana:

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1ª) religioso x não religioso; 2ª) crença, opinião, postura, prática e sentimentos diferen-

ciados da coletividade; 3ª) reconhecimento do seu modo próprio de ser, independente

daquele que é religioso, e do caráter múltiplo que este venha a assumir.

Em que pese às profundas mudanças pelas quais passou a humanidade ao longo

de sua trajetória histórica, as religiões continuam a influenciar o pensamento e as atitu-

des das pessoas em seus aspectos mais cotidianos. Talvez não necessariamente religião

no sentido de crença instituída, mas de uma fé em algo maior, em algo que existe para

além da materialidade imediata do mundo, precisamente o que Mircea Eliade chamou

de “sagrado” no livro O sagrado e o profano.

O “sagrado” existe, como escreveu Eliade, em oposição ao profano. Ele se cons-

titui na concepção de um mundo trans-humano, comumente de origem divina, que diz

respeito à existência de uma transcendência que extrapola os quadros da realidade ime-

diatamente visível e sensível. Esse “sagrado” se revela no mundo através de determina-

dos sinais e elementos, os quais são chamados hierofanias. Em O sagrado e o profano,

Eliade se propõe a estudar a historicidade das religiões através das hierofanias, isto é,

através das manifestações e expressões do sagrado em diversos quadros sócio-históricos

e culturais.

Como o autor diz, “o sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser

no Mundo, duas situações existenciais assumidas pelo homem ao longo de sua história.”

(p. 20), ou seja, o sagrado e o profano constituem dois modos de vida e duas concepções

acerca da “natureza” do mundo e da existência, surgindo em meio a complexos arranjos

sócio-culturais, que envolvem não só crenças e rituais mas todo um sistema de moral,

ética, códigos, símbolos, filosofia e organização social.

A existência do homo religiosus, como o chama Mircea Eliade (p.23), está liga-

da principalmente aos povos antigos, para os quais os mitos, os rituais, os símbolos, os

deuses e seus atos eram realidades presentes, concorrendo constantemente para a manu-

tenção ou destruição do mundo como ele existia. Para esses povos, o sagrado não é uma

crença longínqua e fabular, mas a própria realidade, que retorna o tempo todo através

dos rituais e celebrações, constituindo, por conseguinte, uma dimensão ontológica es-

sencial das sociedades antigas.

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A existência de estolas ou balizas de pedra com inscrições, frequentemente indi-

cam a consagração do território para sua ocupação, assim como reconhecemos na atua-

lidade famosos salões, por seus castiçais; grandes teatros, pela simbologia das máscaras;

igrejas católicas, pela cruz, paramentos, sacrário. Nestas, como também nas demais pen-

tecostais, o território ocupado as transforma em ‘lugares sagrados’, os quais, no cotidia-

no, têm seus cultos veiculados pela televisão que ‘transporta’ o sagrado para milhares

de lares brasileiros.

Todo esse vasto conjunto de práticas e crenças, unificadas na experiência do

sagrado – essa “modalidade de ser no mundo” – está em contraposição à existência pro-

fana, numa situação que o homem escolheu viver num mundo dessacralizado onde a

crença na existência de algo trans-humano, divino e maior do que o próprio homem-

indivíduo faz com que observemos nele formas banais de comportamento, como quando

se bate na madeira para isolar a má sorte, ou quando se bate na boca ao dizer algo de

ruim, como se a verbalização fosse à consolidação do mau agouro.

A experiência individual do sagrado continua a se constituir numa dimensão

ontológica da existência social do homem, e o discurso da religião, a partir da televisão,

demonstrou-nos ter, inicialmente, grande opacidade no que concerne o enredar de luga-

res, cuja proxêmica3 - aqui figurativizada por EH, ED e ET - se sobrepõe, camadas so-

bre camadas, com vozes que se entrecruzam, que incidem, que convidam, que interdi-

tam. São “interferentes ocasionais que deverão ser examinados no momento em que a

presença dos mesmos se faça indispensável ou determinante ao exame da Significação.

Ex.: a síncopa musical incidindo sobre uma palavra de peso do contexto”, no pensar de

D’Ávila (1996/98, p. 461).

É o que Greimas denomina de Semiótica sincrética (diversas linguagens engen-

dradas em um mesmo texto com a finalidade de resultar num significado sincretizado).

Porém, a análise, dos elementos interferentes de cada linguagem (verbal ou não-verbal),

desenvolvida separadamente da manifestação verbal sem tirar-lhe a supremacia, permi-

tirá que descubramos o grau de importância da linguagem não verbal (visual ou musi-

3Termo semiótico representativo de “o uso que sujeitos e objetos fazem do (s) espaço (s) com fins de

significação”.

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cal), possibilitando que o sucesso da linguagem verbal lhe fosse conferido no contexto

sincrético. Esta experiência não ocorreria, nem seria possível, caso o texto fosse apre-

sentado somente na linguagem verbal.

Apesar de serem distintos, Religião e Tevê são dois gigantes do universo discur-

sivo, duas forças que se complementam propulsionando subjetividades, sendo que a

segunda detém evidentemente a supremacia, pelo poder de penetração que ostenta, con-

forme D’Ávila (2006, p. 117-120).

A Tevê é uma jovem que ainda debuta nos palcos da sociedade. É o mais cobi-

çado aparelho ideológico do neoliberalismo. Com ela, não há luta de classes, há

homogeneização. É a grande vendedora, congeladora, educadora, uma notável voz soci-

al, sendo o mais completo meio de comunicação de massa, no momento.

A religião, porém, é idosa, milenar. Seu triunfo é global. Ocidente e oriente se

curvam diante dela, mas também morrem por causa dela, matam por amor a ela. Multi-

plicam se as religiões, os cristianismos, os pentecostalismos, os fanatismos, as censuras,

mas não os sentidos, as interpretações.

Nessa imbricação, religião e Tevê, mídia e fé, sagrado e profano, pastor e apre-

sentador, fiel e telespectador, não há oposições. Foi-se o tempo em que os pentecostais

não viam Tevê e que os “profanos” não ouviam musicas gospel e iam ao templo. Agora,

eles compram Tevê e também Redes de Tevê. Religião e Tevê se unem, jogam no mes-

mo time, dão as mãos em nome de Deus, pra glória do mercado. Esse abraço de gigan-

tes, a apropriação do espaço midiático pelo universo religioso constituiu a nossa preo-

cupação analítica, em um primeiro momento.

Nossa pesquisa consistiu em analisar a concepção do conceito de “culto” no es-

paço midiático - no que tange ao fenômeno da “adoração e comunicação divinas”-,

quando na condução do fiel (= narratário), pelo líder religioso (= narrador), coloca-se

como fator incidente a busca da auto-realização de ambos.

O primeiro ensinamento a extrair dessa abordagem ingênua é que o discurso po-

de ser considerado como o espaço, o lugar frágil em que se inscreve e em que se leem

a verdade e a falsidade, a mentira e o segredo, que esses modos de veridicção

resultam da dupla contribuição do enunciador e do enunciatário, que suas diferentes

posições fixam-se apenas sob a forma de um equilíbrio mais ou menos estável que pro-

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vém de um acordo implícito entre os dois actantes da estrutura da comunicação. Desig-

na-se esse entendimento tácito por contrato de veridicção. Segundo Greimas (1966), no

dizer verdadeiro (ser + parecer verdadeiro), o fenomenal (parecer + não parecer) é o que

interessa de imediato à semiótica parisiense, pois representa a manifestação do fato em

si. A partir do fenomenal, pela análise, atingiremos o numenal (ser + não ser), objetivo

de toda e qualquer análise semiótica.

O discurso pentecostal é narrativo e vibrante, diferente do modelo protestante,

que tem na pregação um momento de recolhimento e reflexão. “É sempre dirigido dire-

tamente ao fiel numa fórmula que revela intimidade e que o convoca a se manifestar por

gestos (aplausos, braços erguidos) ou por expressões verbais (amém, aleluia, glória a

Deus, graças a Deus, sim, não)". (Oro, 1996, p. 51). Tanto o pastor quanto o leigo fazem

uso do púlpito, podendo ser interrompidos por alguém do auditório a qualquer momen-

to.

Oro diz que a participação espontânea e simultânea dos fiéis durante o culto,

em forma de rezas, louvações, risos, choros e palmas, contribui para a forma-

ção de "um ambiente contagiante de expansividade emocional", propício para

as experiências de "transe ou semi-transe.

2 ANÁLISE DO CORPUS (Vídeo)4

Falas do vídeo do missionário Ironi Spuldaro“Sou templo do Espírito”, no retiro de

pentecostes 2012. O texto é apresentado em sequências cuja soma consistirá na totalida-

de narrativo-discursiva. O sujeito destinador da mensagem será figurativizado por S1 e

os fiéis, por Sx. O cenário mostra-nos uma mesa redonda, pequena, sobre a qual está

uma toalha vermelha e sobre ela, um consistório. Uma enorme cruz com Cristo crucifi-

cado é colocada ao fundo da cena em que S1 se posiciona durante toda a cessão, colo-

cando-se também num pequeno púlpito de pregação com um microfone.

S1 recomeça o culto com a oração da Ave Maria, seguido de Sx em coro. S1 diz estar

no cumprimento da promessa “vinde Espírito Santo”... e renovareis a face da terra.

4 Vídeo levado ao ar pela Rede Vida de Televisão, em 19-05-2013, sob a temática “Sou templo do Espíri-to Santo”, dirigida pelo Sr. Ironi Spuldaro. Disponível em: https://youtu.be/7LLw7Z6ZfCY. acesso 20/10/2014.

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Concentração: Pede a Sx: “com mais força”... “enchei o coração dos vossos fieis e as-

cendei neles o fogo do vosso amor”- Sx responde em coro.

S1:”-feche seus olhos”...as línguas de fogo estão descendo sobre a tua casa. O espírito

quer mais doação. Fala na Sua Santidade o Papa Santo Padre, que colocou 3 palavras

como termos à reflexão.Novidade, Harmonia, Missão.

Pela Novidade, pede ao Espírito Santo que faça nascer de novo a Igreja, nas águas do

Espírito Santo. Pede que alguém se cale que só está querendo aparecer, Que é senver-

gonhice. Não precisamos de profissionais da fé. Precisamos de escravos do Espírito

Santo. S1 canta fortemente em línguas do Sy = Espírito Santo (incompreensíveis). Di-

zendo a seguir “Serás profeta do altíssimo e ninguém mais te segurará” Aleluia, aleluia,

aleluia...

2.1 - A leitura semiótica do Culto

O Culto religioso é, fundamentalmente, comunicação por mediação num espaço

social construído, que se mantêm em vigor fortificado por tensividades advindas dos

múltiplos interesses que povoam os seus usuários, crentes ou não nas contemplações

ritualísticas. Segundo D´Àvila, “caracteriza-se por um conjunto de práticas normativas

com um forte valor simbólico e espetacular para os seus atores e espectadores”. (2004,

p.317).

Em um sincretismo actancial, narrador (missionário, padre) desenvolve um

complexo papel na comunicação, no exercício de intrincadas funções, apresentando-se

ora como sujeito-enunciante manipulador, invocando a divindade (Pai, Filho e Espírito

Santo), ora fazendo-se observar como um objeto modal como um meio para a manifes-

tação do transcendente Divino, o ‘porta voz do céu’ competente e com autoridade para

‘abençoar Sx’. Este se mescla, por instantes, ao sujeito detentor de todo Poder (Coquet

1981, p.10), para forçar a comunicação manipulada de Sx para com o Espírito Santo

(figurativizado aqui como Sy), sendo também um adjuvant no processo comunicativo

entre a luz divina do Criador e a ausência dessa luz, vivenciada na criatura.

2.2 - O contrato e os actantes

Esses actantes da comunicação tomam parte da instituição de um “contrato” en-

tre sujeitos enunciadores – destinadores e o público, enunciatário-destinatário, podendo

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ser interpretado como ‘contrato fiduciário’ (Greimas; Courtés, s.d, p.86), para aqueles

que creem, e como um pseudo- contrato, conforme Greimas (1981, p.13), e Santana Jr

(2001, p.74), designando a atuação dos incrédulos na assistência).

O Actante em Semiótica é a representação de uma função (papel actancial) ou de

um conjunto de funções (sujeito do Saber, do Poder, do Dever, do Querer-fazer). Sob a

forma de papéis temáticos (o padre, pastor, missionário, fiéis, etc.) que vestem um per-

sonagem. Assim se constrói o conceito de ator. Enquanto os actantes são investidos de

funções, os atores intervém na comunicação mediada como vestimentas desses persona-

gens – na visão semiótica da Escola de Paris -, na medida em que eles representam suas

instituições por mediação de suas práticas sociais.

Oferecendo como exemplo um culto midiatizado pela televisão, podemos apon-

tar o missionário Iori Spuldaro (S1) e os fiéis (Sx) (papéis temáticos) como os atores

mais importantes da situação de comunicação, sujeitos do /fazer-crer/ (epistemológico),

/ fazer-saber/ (informativo) e /fazer-fazer/ (factitivo ou manipulador), papeis actanciais

no transmitir, fazendo enviar, receber e assumir suas mensagens.

O conceito de ator (papel actancial + papel temático) leva-nos a identificá-los no

universo da prática. Segundo D´Ávila (2006, p.319). “O sujeito competente é um ser

consciente das implicações de seus atos (morais, éticos) em um espaço público, enquan-

to o ator situa-se numa lógica de direito”. Assim, a pragmática da comunicação dá conta

dos efeitos da implicação dos atores sobre a situação de comunicação. Nesses termos, o

ator inscreve seus atos numa lógica da qual pode dar conta no transcorrer de uma narra-

tiva por sua função enquanto actante5.

Ainda Segundo D´Ávila” (2007, p.319)

“Uma comunicação simplesmente mediada consiste em ignorar a dimensão

pessoal dos seus atores. A difusão, no espaço público, neutraliza a dimensão

pessoal da comunicação. Ex: No teatro, a pessoa que representa não é a pes-

soa representada. Assim sendo, de forma análoga, é reconhecido o papel e-

nunciante do ator, o missionário/pastor/padre, na dinâmica do culto em mo-

mentos de ‘não-transe’, sendo complexa, porém, sua atuação nas instâncias

de invocação do Espírito Santo (em alta voz), e no silêncio da concentração

dos fiéis como ‘quase transe’ preparando o instante supremo de tensão que a

5Tanto o sujeito quanto o objeto podem ser actantes. No caso do objeto, sua função actancial será de Om (objeto de valor modal) ou OV (objeto-Valor, de valor descritivo; o principal, de busca do sujeito).

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prática significante, observada como texto, consegue produzir entre parceiros

que comungam do mesmo código.

Em visão semiótica adotamos os elementos concernentes à construção do espaço

social e á apreensão da temporalidade tensiva inserida nos textos. Essa teoria, preocupa-

se seriamente com a desconstrução dos fenômenos tensivos manifestados nas interações

humanas, independentemente do tipo de linguagem (verbal ou não-verbal) adotada, se-

gundo D´Ávila (2004, p.249). Ela proporciona a decodificação do fenômeno pela sua

reconstrução, pela apreensão do modo como foi arquiteturado, produzindo tensividades

com presentificação rítmica intensa, extensa, interrompida, e com representação aspec-

tual de duratividade contínua, descontínua (ou iterativa), perfectiva, imperfectiva, pseu-

do-terminativa, etc. A tensividade máxima é apreendida no instante do Transe (transição

entre dois universos: imanente e transcendente), sendo o ponto culminante nos cultos

pentecostais a manifestação do ‘Espírito Santo’.

Para que haja o contrato é preciso que os actantes se reconheçam como “proprie-

tários” da sua própria vontade e da vontade do outro. Desse modo, partindo da observa-

ção de vários transes em manifestação, sempre nos perguntávamos: Sob, quais condi-

ções é formada uma ‘vontade comum’ para a efetuação do contrato entre os indivíduos

citados, sendo concretizado, por esse meio, o batismo no Espírito Santo? De que modo a

tensividade se manifesta e como age, sendo um forte elemento da manipulação? Sabe-

mos, no entanto que, no nosso caso, não se trata de indivíduos comuns, mas de indiví-

duo comum e Entidade Divina (de luz) cujo contrato poderá ser unilateral (sem a parti-

cipação de (Sy) ou bilateral pela penetração da luz de Sy sobre Sx.

2.4 - Sintaxe e Semântica discursivas

Figurativizando os actantes do processo comunicativo, definimos:

1. O /pastor/missionário (papel temático) representado por S1 tem vários papéis ac-

tanciais a saber:

a) Actante sujeito, manipulador destinador do fazer-fazer, embora representa-

tivo da comunidade católica pentecostal como sujeito manipulado; actante

sujeito manipulado do/dever-fazer/imposto pelo seu próprio Ego (busca de

prestígio), pela comunidade pentecostal, pela presença do público, e por de-

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nominações pentecostais que S1 cultua e respeita. É um (autômato) na ação

da trasmissividade; pelo estado de alteração acentuada da consciência, da

percepção ou de outras faculdades sensoriais, sempre acompanhados de mu-

dança de comportamento, sinais de semi-consciência, modificação das sen-

sações físicas, etc;

2. O público (papel temático), dividido entre fiéis (Sx) actante coletivo e fiel S2)

actante individual podendo ou não constar da assistência:

a) actante-coletivo, sujeito destinatário narratário (Sx) com seus papéis ac-

tanciais de /querer-fazer/, dever-fazer/, /não poder fazer/ - enquanto manipu-

lado;

b) actante-sujeito manipulador (fazer-fazer), quando partícipe, pela presença,

por sedução e provocação.;

c) actante coletivo objeto modal (Om) quando percebido como coisificado (ou

reificado);

3 – a) Actante individual sujeito destinatário narratário (S2) com seu papel

actancial do /querer-fazer/, dever-fazer/, /não poder fazer/ - enquanto manipulador

b) actante-sujeito manipulador (fazer-fazer), quando partícipe, pela presença,

por sedução e provocação aos demais fiéis.;

c) actante coletivo objeto modal (Om) quando percebido como coisificado

(ou reificado);

Sy representa a sacralização do corpo de S2+S1, embora reificando-o e a

humanização do ‘Espirito Santo’ que, somente desse modo, poderá manifestar-

se para transmitir a S2 conselhos, curas, bênçãos, etc...

Pretender receber um espírito iluminado que estaria sendo invocado pres-

supõe conceber-se S1 e S2 como alguém que, momentaneamente, almeja ser di-

vino ou ‘frutos’ da divindade. Assim como, em situação inversa, receber um es-

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pírito não iluminado representaria ser possuído por uma entidade desprovida de

luz.

Como sujeito de busca ou de reafirmação da identidade, auto-manipulado

por sedução/tentação/ (seu ego) e manipulado por provocação (pela sociedade) e

por intimidação (das normas do culto pentecostal) cânticos, gestos, orações, cho-

ros, gritos, que poderá ou não escolhê-lo como receptor, S1 inicia um percurso

generalizante em semiótica greimasiana.

2.5 Espácio-Temporalização. Aspectualização

Quando falamos de espaço cognitivo pensamos imediatamente na proxêmica (o

uso que os sujeitos e objetos fazem do espaço com fins de significação). Na busca de

alcançar a divindade (Espírito Santo) S1 transita no espetáculo – manipulação – experi-

ência – escada para alcançar a divindade.

● Espaço cognitivo – mídia – objeto modal

● Tópico: onde acontece a performance e a competência ( onde acontece as a-

ções, transformações).

● Paratópico – é tudo que adquire para ser competente, é um “lá” para chegar

dentro do texto.

● Saturação – mimésis, quando Iori ordena aos fiéis para gritarem bem alto –

manipula os narratários por uma ordem dada para adquirir a competência através

da performance para adquirir o objeto valor: a divindade = Espírito Santo. .

Experiência – ter alguma coisa por um determinado tempo Estado incompletude –

Duratividade descontinua é a forma que o fiel chega a igreja. A tensividade do dis-

curso está em ter objeto valor temporariamente.

Na perspectiva do fiel, há um percurso figurativo que nos referencia o "poder de

decisão em escolher ser" e resulta de um investimento em certas figuras: "nascido

do espírito", "consagrado ao Espírito, devoto ao Espírito", etc.

2.6 Projeções de pessoa

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Um primeiro ponto importante a ser considerado é que, enquanto no discurso

científico, a ênfase no discurso (enunciado) apaga as marcas do sujeito (enunciador),

criando um efeito de sentido de "saber objetivo", no religioso, ao contrário, é o discurso,

por excelência, do sujeito explícito. O enunciador é, pois, um sujeito presente que se

instaura completamente no discurso (Pinto, 1989).

Para a semiótica greimasiana, há dois tipos de projeção de pessoa: a enunciativa,

em que se instala o eu no discurso, e a enunciva, que se projeta o ele discursivo. As pro-

jeções (debreagens) enunciativa e enunciva criam, em princípio, dois grandes efeitos de

sentido: de subjetividade e de objetividade (Fiorin, 1996:45)

Essa característica do discurso religioso fica bastante evidente na análise da "fa-

la" do missionário Iori. Nela, há um "eu" que perpassa todo o discurso (debreagem ac-

tancial enunciativa no dizer da semiótica greimasiana), criando um efeito de sentido de

subjetividade objetivada, uma vez que o missionário ‘fala em nome de um terceiro ac-

tante Espírito santo e conferindo ao que é dito um "tom" de engajamento e de represen-

tando pessoal do divino a única força pra deter o mal, o que pode ser comprovado nas

frases abaixo:

"... Cala-te eu proibido em nome de Jesus agora, a toda e qualquer manifestação, nesse

lugar, a não ser, a manifestação do Espírito Santo...”

"... eu ordeno que todos os demônios dêem seu grito de derrota,..."

"... de o seu grito de derrota em nome de Jesus agora!! E nunca mais volte…” O missio-

nário utiliza conhecimentos compartilhados pelo fiel como ‘nasceu não mais da carne,

não mais do acaso, de um descuido’ etc..., deixando explícito que esses fatores era a

forma como os fieis se sentiam ao chegarem naquele auditório, uma verdadeira disjun-

ção com o Espírito. O missionário mostrava a ideia da mudança, do recomeço como

forma de ser uma “nova criatura” batizada pelo Espírito.

Por meio de diferentes projeções de pessoa (divino e não divino, imanente e

transcendente) e projeção de lugar (ser restaurando aqui e agora e também restaurando

em um ‘lá’( sua casa), com seus diferentes efeitos de sentido, o missionário vai constru-

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indo seu fazer-persuasivo-discursivo, levando o outro a saber, mas sobretudo a crer no

seu poder como autoridade do divino para transformar a vida dos fiéis.

3. Semântica Narrativa

O missionário sujeito do fazer/fazer para alcançar o objeto-Valor (O batismo do

Espírito), precisa de meios para desenvolver o seu percurso de conformidade com os

fiéis, sujeito de estado (que se transformará no decorrer da narrativa em sujeito opera-

dor). O grito nesse caso, passa a ser um objeto-modal do fiel, para o batismo do Espíri-

to. Irá representar a possibilidade de performance do fiel, pela conjunção com os valores

modais e descritivos inscritos no programa de S1; os últimos quando, anunciados, tor-

nam-se almejados. É preciso ressaltar que um objeto só se torna valor, como projeção

do querer/ser do sujeito, revelador de um querer que tem relação direta com as qualifi-

cações atribuídas a esse mesmo objeto. Conforme Santana (2001:132)

(...) o sujeito não busca o objeto em si, mas o valor que se encontra

investido no objeto; esse valor, numa abordagem semiótica, assumido pelo

sujeito, caracteriza a ideologia, definida como busca permanente de valores, e

toma a forma do arranjo sintagmático desses valores, por oposição à axiolo-

gia que se designa pelo seu modo de existência paradigmática.

O observador, segundo Greimas & Courtés, (1981, p.45) é o sujeito cognitivo

delegado pelo enunciador no discurso enunciado encarregado de exercer o fazer recep-

tivo e, eventualmente, o fazer interpretativo.

4 - Estruturas Sêmio- narrativas profundas

Sintaxe Fundamental

As oposições trabalhadas pelo sujeito da enunciação produzem um efeito míni-

mo de sentido. “não mais da carne”, “filho do espírito”, “alguém que quer construir

pontes”, “totalmente escravo do espírito”, “jamais muralhas”, contextualiza o sema mu-

dança, contraposto à continuidade, virtualizando a ruptura como valor eufórico e a não-

ruptura como valor disfórico.

Disforia

Não-ruptura

Euforia

ruptura

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Não mais da carne, não mais do acaso, de

um descuido

jamais muralhas

Mas agora como filho da promessa, como

filho, nascido do espírito, como templo

vivo do Espírito Santo, alguém que quer

construir pontes,

alguém que quer viver a liberdade conquis-

tada no espírito.

Totalmente escravo

Os demônios fugirão, céu se abrirá e as línguas de fogo descerão

Gritos Silencie

Terra Céu

Espírito imundo Espírito Santo de Deus

Conclusão

A semiótica define a reunião de diversas linguagens num determinado texto, de

“sincretismo”. Segundo Greimas & Courtés, (s/data:426), são consideradas semióticas

sincréticas aquelas que – como a ópera ou o cinema – acionam várias linguagens de

manifestação; da mesma forma a comunicação verbal não é somente do tipo lingüístico:

inclui igualmente elementos paralingüísticos (como a gestualidade ou a proxêmica),

sociolingüisticos, etc

O sincretismo religioso permite a apropriação de estruturas teológicas distintas

na mesma denominação, que com o advento da ‘era mídia gospel’, acarretou diversas

bricolagens da fé, transmitidas ao longo dos anos, sobretudo midiaticamente, derivando

em diversas manifestações do ‘sagrado’. A exemplo, temos a denominação Bola de Ne-

ve que tem como proposta um apelo voltado ao público informal, que ressalta caracte-

rísticas como ausência de dogmas, tradições e costumes religiosos, é a chamada "liber-

dade” de poder seguir a Jesus sem precisar se converter a um estilo de vida muito

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distinto, porém, não conseguiu se abster de alguns valores tradicionais do cristi-

anismo como a sacralidade do sexo, realizado apenas dentro do matrimonio.

Podemos fazer um paralelo também com o sincretismo entre as indulgências da

igreja católica com a teologia da prosperidade tão divulgada pelos movimentos neopen-

tecostalistas da atualidade, onde se pode ‘comprar’ qualquer ‘benção’ em nome da fé. É

possível refletir ainda acerca dos movimentos nas danças do candomblé que se manifes-

ta semelhantemente aos cultos pentecostais quando os fiéis ‘recebem’ o ‘espírito santo’,

durante os cultos.

Percebemos uma adaptação do que seria “sagralizado universal” para crença in-

dividual. Uma customização religiosa, quando Danièle Hervieu- Léger (2008), diz:

“crer sem pertencer”. A pertença exige um compromisso, já a emoção uma experiência

efêmera. Na busca de maior adesão de fieis, os padres, bispos, pastores, missionários

buscam atingir o universo axiológico de cada fiel, coloca-o em estado inicial disfórico,

transportando-o ao eufórico (valor financeiro, cura física ou emocional), para, finalmen-

te, conduzi-lo ao estado supostamente de falsa consciência de si mesmo, de dependência

psicológica de um líder e da práxis.

Greimas (1987, p.40), salienta que nessa multiplicidade e sincretismo de discur-

sos e crenças, o que importa, não é a verdade, mas o que parece ser verdadeiro. “A his-

tória da torre de Babel se repete: a multiplicidade dos discursos que se sobrepõem e se

interpenetram, dotados cada um de sua própria veredicção, portadores de conotações

aterrorizantes ou depreciativas, pode apenas engendrar uma situação de alienação pela

linguagem, que desemboca, no melhor dos casos, numa nova era de incredulidade.”

REFERÊNCIAS

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Petrópolis: Vozes, 2008.

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