mielo - revisão

download mielo - revisão

of 20

Transcript of mielo - revisão

REVISTA BRASILEIRA DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA

Atualizao / Update

Leucemia mieloide crnica e outras doenas mieloproliferativas crnicasChronic myeloid leukemia and other chronic myeloproliferative disordersA leucemia mieloide crnica (LMC) uma doena clonal da medula ssea caracterizada pela presena do cromossomo Philadelphia (Ph), resultante da translocao entre os cromossomos 9 e 22. O gene hbrido assim formado, BCRABL codifica protenas com atividade de tirosinoquinases que regulam o crescimento celular. A partir da dcada de 80, o transplante alognico de clulas-tronco hematopoticas (TCTH) se tornou tratamento de escolha para pacientes com idade menor que 55 anos de idade e doador compatvel. No obstante, a partir do advento dos inibidores de tirosinoquinases, drogas de alta eficcia e baixa toxicidade, houve uma mudana no algoritmo de tratamento da LMC. As indicaes do TCTH foram restritas em decorrncia da mortalidade relacionada a este procedimento e o mesilato de imatinibe tornou-se o novo tratamento de escolha para esta enfermidade. No Brasil e possivelmente em outros pases em desenvolvimento, as condies socioeconmicas fazem com que o TCTH ainda seja considerado como primeira linha de tratamento em algumas situaes. O TCTH permanece indicado nas doenas (ou neoplasias) mieloproliferativas, como a mielofibrose primria em situaes de alto risco e pacientes portadores de policitemia vera ou trombocitose essencial que tenham evoludo para mielofibrose com caractersticas de alto risco. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2010;32(Supl. 1):71-90. Palavras-chave: Leucemia mieloide crnica; transplante de clulas-tronco hematopoticas; doenas mieloproliferativas.

Vaneuza M. Funke1 Henrique Bitencourt2 Afonso Celso Vigorito3 Francisco Jos Aranha4

Leucemia Mieloide Crnica: histrico, tratamento com inibidores de tirosino-quinase e recomendaes da Leukemia Net Os primeiros casos de leucemia mieloide crnica (LMC) foram descritos em 1845. Em 1960 foi descrito o cromossomo Filadlfia (Ph), depois identificado como uma translocao recproca entre os cromossomos 9 e 22. Em 1983, demonstrou-se que esta translocao justape a regio BCR no cromossomo 22, ao gene c-ABL localizado no cromossomo 9, resultando num gene hbrido o BCR-ABL. Em seguida ve1

rificou-se que o produto deste oncogene era uma protena de 210 KD, com atividade de tirosina quinase. Em 1990, foi demonstrado em um modelo murino, que a presena do gene hbrido induzia uma doena mieloproliferativa semelhante LMC vista em humanos, estabelecendo relao de causalidade entre o BCR-ABL e a LMC.1,2 A irradiao corporal total ou esplnica, o uso de derivados de arsnico (licor de Fowley), o bussulfano e a hidroxiureia, tratamentos utilizados inicialmente, resultavam em controle hematolgico, mas no havia mudana da histria natural da doena, com uma inexorvel progresso para

Mdica do Servio de Transplante de Medula ssea do Hospital de Clnicas da Universidade Federal do Paran. Responsvel pelo programa de Leucemia Mieloide Crnica do HC-UFPR Curitiba-PR. Chefe do Servio de Transplante de Medula ssea do Hospital das Clnicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Belo Horizonte-MG. 3 Supervisor da Unidade de Internao do Servio de Transplante de Medula ssea da Unicamp Campinas-SP. 4 Mdico da Unidade de Internao do Servio de Transplante de Medula ssea da Unicamp Campinas-SP.2

Correspondncia: Vaneuza M. Funke Rua Bom Jesus, 21, apto 902 Juvev 80035-010 Curitiba-PR Brasil Tel.: (55 41) 3360-1000 E-mail: [email protected] Doi: 10.1590/S1516-84842010005000045

71

Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2010;32(Supl. 1):71-90

Funke VM et al

crise blstica e bito.3,4 Ainda na dcada de 70, o trabalho pioneiro de Donall Thomas introduziu o transplante de medula ssea alognico como teraputica curativa.5 Na dcada de 80 se demonstrou a eficcia do alfa-interferon em estabelecer respostas hematolgicas e citogenticas.6 Em 1996, foi publicado pela primeira vez o efeito do mesilato de imatinibe, atualmente utilizado no tratamento inicial da LMC com excelente eficcia teraputica e baixa toxicidade.7 O mesilato de imatinibe atualmente o mais bem sucedido exemplo da utilizao do conhecimento da patognese molecular de uma neoplasia maligna humana, para o desenvolvimento de uma terapia.8 Os excelentes resultados com esta droga revolucionaram o tratamento da LMC e tornaram, em pouco tempo, esta droga o tratamento de escolha para pacientes recm-diagnosticados. Resultados do imatinibe como tratamento secundrio Os primeiros estudos clnicos com o mesilato de imatinibe datam de 1998. No estudo de fase I, dos 83 pacientes com LMC em fibrose cstica (FC) resistentes a alfainterferon, e tratados com dose diria de imatinibe de 300 mg ou mais, 53 apresentaram resposta hematolgica completa no primeiro ms de tratamento e 29 pacientes apresentaram resposta citogentica maior.7 Os resultados dos estudos de fase II esto expostos na Tabela 1. Tratamento inicial da LMC com mesilato de imatinibe O estudo IRIS (International Randomized Study of Interferon and STI-571) um estudo de fase III que compara interferon associado a citarabina e mesilato de imatinibe, em pacientes com LMC recm-diagnosticados. Um total de 1.106 pacientes foram randomizados, sendo 553 em cada brao. Aps um seguimento mediano de 19 meses, a taxa estimada de resposta citogentica maior (RCM) aos 18 meses era de 87,1% para o grupo do imatinibe e de 34,7% no grupo que recebeu interferon e citarabina (p< 0,001). As taxas estimadas de resposta citogentica completa (RCC) foram de 76,2% para

o imatinibe e 14,5% para o interferon e citarabina (p< 0,001). Aos 18 meses, a sobrevida livre de progresso (SLP) para fase acelerada ou crise blstica foi de 96,7% e 91,5% respectivamente (p