Ministra da Justiça - O superior interesse da criança e o SAP - Síndrome da Alienação Parental

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A Síndrome de Alienação Parental (SAP) «é uma realidade em crescendo que cada vez mais afecta progenitores e crianças, constituindo um problema que se apresenta sem uma solução célere de forma a permitir a uns e a outros chegar a consenso tendo em vista a prossecução do superior interesse da criança.A síndrome da alienação parental não é um “mito”. É uma realidade cada vez mais presente no tipo de sociedade actual, que as soluções legais nem sempre conseguem ultrapassar, porque resulta fundamentalmente, caso a caso, da natureza das relações humanas em presença.»

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G A B I N E T E D A M I N I S T R A

CONFERÊNCIA

O superior interesse da criança e o mito da “síndrome da alienação parental”

1. Sou portador de uma mensagem da Srª Ministra da Justiça que, não obstante a

sua impossibilidade de estar aqui presente, como queria, se pretende associar a

esta importante iniciativa do Instituto de Apoio à Criança.

A criança é um ser naturalmente desprotegido. Que consegue ser o centro de muita

afectividade, mas que, não poucas vezes, é vítima silenciosa e silenciada das

maiores injustiças, um alvo frágil, que exige de todos nós uma especial atenção e

cuidado.

Por esta razão, a Srª Ministra da Justiça gostaria de deixar expressa a sua

solidariedade a esta causa, e encarrega-me de transmitir a V. Exª, Srª Drª Manuela

Eanes, o seu empenhamento e apoio a todas e quaisquer iniciativas que visem a

protecção da criança e o aperfeiçoamento dos mecanismos legais no sentido de

potenciar o respeito pelos direitos das crianças no seio das famílias.

Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Congressistas

2. Como é conhecido, o superior interesse da criança tem vindo a ser definido

como o critério decisório fundamental de todos os litígios e questões que envolvam

crianças.

As grandes convenções e textos do direito internacional têm vindo a criar um

amplo consenso em torno dos eixos prioritários de actuação do Estado e das suas

instituições: tribunais, repartições administrativas, instituições tutelares

educativas, entre muitas outras.

A criança torna-se assim sujeito pleno de direitos.

E o seu próprio interesse é elevado a critério de decisão por parte das instituições

estaduais.

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3. Quando recordamos que ainda há trinta anos se diferenciavam filhos legítimos

dos ilegítimos e o Código Civil estabelecia um estatuto diferenciado para os

cônjuges, damos conta da profunda transformação social que está a decorrer

perante nós.

A proibição dos castigos corporais e a preocupação contemporânea com a

violência em ambiente escolar são aspectos deste mesmo fenómeno de valorização

das crianças e da sua formação e desenvolvimento integral.

4. No contexto constitucional português, a autonomia da sociedade perante o

Estado e a centralidade da família ganham um conteúdo particular, quando nos

damos conta de um paradoxo contemporâneo: pais cada vez mais preparados para

a sua missão; mas um número maior de conflitos insolúveis e de pessoas que não

estão preparadas para o exercício das suas responsabilidades – em termos simples,

para o exercício do poder paternal.

E, também por esta razão, de um número não despiciendo de crianças que não tem

direito a gozar os seus direitos – porque aqueles que exercem funções paternais ou

tutelares não são eles próprios capazes de guiar de modo esclarecido as crianças

para a sua realização enquanto pessoas ou as utilizam para a sua própria

satisfação.

As transformações culturais entram assim em choque com estas situações, que

ainda persistem e são muitas vezes ainda mais patológicas e violentas do que

antes.

5. É a esta luz que deve ser entendida uma das prioridades do Programa de

Governo no plano da justiça da família e menores, a adopção de um Estatuto da

Criança que estabeleça a necessária sistematização e coerência entre as

disposições do Código Civil, da legislação de menores e da legislação penal e

contra-ordenacional. A Justiça dos menores – tal como a dos idosos – não supõe

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apenas instituições administrativas e serviços judiciais adequados; requer

igualmente a existência de legislação própria.

6. Não se trata, obviamente, de apenas ter melhores leis – matéria que seria já em

si suficientemente importante.

Também é conhecido que recentes alterações legislativas ao regime do divórcio e

do exercício do que agora se designam responsabilidades parentais deveriam ter

sido objecto de avaliação prévia.

Uma das prioridades da acção do governo consiste na criação de instituições que

em cada momento sejam capazes de corresponder às missões que a sociedade

exige. E, como esta Conferência o demonstra, a sociedade é cada vez mais exigente

consigo própria e com as instituições do Estado.

E ainda bem que assim é.

7. Neste sentido, sabemos dos problemas sociais que hoje cada vez mais irrompem

e, quando surgem, trazem rupturas ou anúncios de rupturas, frequentemente, e

mal, amplificados pela comunicação social. O interesse superior da criança deveria

exigir reserva e contenção por parte da comunicação social, de modo a proteger na

medida do possível as personalidades em formação – tantas vezes logo e

prematuramente submetidas a um escrutínio para o qual não estão nem nunca

estarão preparadas, o da comunicação social.

É a necessidade de ponderar estes problemas que determina a reflexão em torno

de um Estatuto da Criança.

8. O Código Civil, como o nome indica, é o Código dos cidadãos, o estatuto da nossa

cidadania. Mas a complexidade da vida contemporânea não pode ser paralisada

pelo preconceito de tudo incluir naquele diploma. Efectivamente, são muitos os

diplomas que consagram estatutos diferenciados, da legislação educativa à

legislação da saúde ou à legislação fiscal.

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9. O Governo não se move pela ideia de que os direitos da criança são ou podem

ser opostos aos direitos e responsabilidade dos pais. Pelo contrário, do que se trata

é de realizar o programa constitucional: a família, como elemento fundamental da

sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de

todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

De outro lado e no plano da protecção da infância, trata-se de efectivamente

assegurar que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com

vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de

abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da

autoridade na família e nas demais instituições e que as crianças órfãs,

abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal têm

direito a essa protecção do Estado.

Conjugar a subsidiariedade efectiva da acção do Estado, a autonomia das famílias e

a prioridade do interesse superior da criança, estes, sim, são os valores e princípios

que nos movem.

Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Congressistas

10. O Ministério da Justiça, como é sabido, tem uma intervenção concreta nesta

área através Direcção Geral de Reinserção Social.

O primeiro nível de intervenção resulta do facto da Direcção Geral de Reinserção

Social, ser a Autoridade Central Portuguesa para a Cooperação Judiciária

Internacional em Matéria Tutelar Cível.

Esta intervenção reveste a forma de contribuição para a elaboração de

instrumentos de cooperação judiciária internacional e garante o cumprimento de

procedimentos resultantes de convenções para as quais é autoridade central.

11. A matéria da alienação parental constitui, no que à Autoridade Central

Portuguesa respeita, matéria de relevo e por vezes contraditória.

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Desde logo porque a Convenção da Haia de 1980, permite no seu artigo 5.º alínea

a) que o progenitor que exerce as responsabilidades parentais de uma criança

(direito de custódia) possa decidir sobre o lugar da sua residência.

Por seu turno, o Código Civil, no seu artigo 1906.º n.º 1 dispõe que “as

responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a

vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que

vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em

que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao

outro logo que possível.”

12. Há assim um poder-dever, atribuído ao progenitor com quem a criança reside

habitualmente e a quem foram atribuídos os actos da vida corrente do filho, de

comunicar ao outro progenitor todas as questões de particular importância

relativas à criança, onde se inclui a alteração da sua residência.

Contudo, numa grande parte das situações o exercício das responsabilidades

parentais não são exercidas em comum, porquanto o progenitor incumbido da

gestão dos actos da vida correntes da criança apenas, e tão só, decide

unilateralmente não proceder como estipulado no acordo sobre as

responsabilidades parentais.

13. São vários os factores que militam a favor daquele incumprimento, como a falta

de comunicação entre ambos os progenitores, quezílias antigas, raivas, ódios mal

resolvidos, que levam a que o progenitor que detém a gestão de actos da vida

corrente relativos à vida da criança não comunique ao outro progenitor, entre

outros, a situação escolar da criança, todos os factos da sua vida pessoal, atribule

de forma expressa o direito de vistas do outro progenitor, designadamente não

comunicando festas de amiguinhos no fim-de-semana em que este progenitor

exerceria o seu direito de visitas.

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14. No caso do rapto parental isto é mais evidente, porquanto o progenitor que

detém a gestão de actos correntes relativos à vida da criança decide

unilateralmente, sem comunicar, informar ou pedir autorização para a alteração da

residência da criança ao outro progenitor, deslocar a criança para outro Estado que

não o da sua residência habitual.

Os motivos invocados pelo progenitor-raptor para a deslocação ou retenção ilícita

são vários e podem ser de natureza económica-financeira, ou dizer respeito ao

facto de se encontrar num país distante do seu Estado natal e longe da sua família,

ou porque há uma zanga entre o casal de nacionalidades diferentes e o progenitor-

raptor volta ao seu país natal levando a(s) criança(s) como acto de retaliação,

passando por muitas outras situações.

15. A verdade é que esta é uma realidade em crescendo que cada vez mais afecta

progenitores e crianças, constituindo um problema que se apresenta sem uma

solução célere de forma a permitir a uns e a outros chegar a consenso tendo em

vista a prossecução do superior interesse da criança.

Concluindo, podemos afirmar que a síndrome da alienação parental não é um

“mito”. É uma realidade cada vez mais presente no tipo de sociedade actual, que as

soluções legais nem sempre conseguem ultrapassar, porque resulta

fundamentalmente, caso a caso, da natureza das relações humanas em presença.

16. Um segundo nível de intervenção da Direcção Geral de Reinserção Social é o da

assessoria técnica aos Tribunais, no âmbito da Lei Tutelar Educativa, quer na fase

pré-sentencial, quer no acompanhamento das medidas aplicadas aos jovens que

entre os 12 e os 16 anos cometeram factos qualificados pela Lei como crime.

17. O “superior interesse do menor” surge como princípio fundamental da

intervenção de justiça no respeito pelos direitos da criança e jovem, considerados

fundamentais ao seu desenvolvimento. Por isso, a Lei Tutelar Educativa, visa

responsabilizar os jovens pelos actos cometidos, numa perspectiva de educação

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para o direito e de inserção digna na comunidade. A necessidade de intervenção

não se limita à prática dos factos, mas à necessidade de o Estado intervir para

corrigir o comportamento das crianças e jovens, conforme ao dever ser jurídico e

por isso, mais ajustado socialmente.

18. A intervenção dos serviços de reinserção social dá particular importância à

família dos jovens a quem é aplicada uma medida tutelar educativa. Considerando

que a grande maioria dos jovens é oriunda de famílias disfuncionais, muitas delas

monoparentais, com dificuldades em funcionarem como referência educativa e

modelo de comportamento prósocial, o estudo sobre o chamado “síndrome da

alienação parental”, assim designado pelo psiquiatra americano Richard Gardner1,

remete-nos para os problemas de relacionamento entre progenitores com impacto

inevitável na vida destes jovens. Muitas vezes utilizados como “arma” de

arremesso entre os progenitores, implica por parte dos serviços de reinserção uma

avaliação sobre as dinâmicas familiares e a implicação no processo de educação e

reinserção social dos jovens.

19. Só que estes são os casos, que eu diria limite, mas infelizmente significativos, e

que fazem parte das estatísticas da reinserção social.

Fora delas, e antes delas, temos um mundo de outros dramas que caem no

anonimato dos processos judiciais e se perdem nas memórias das salas de

julgamento.

Os tribunais estão repletos de guerras inúteis entre casais desavindos que não

conseguem perceber, nem distinguir, que tudo que os separa, por muito relevante

que seja, não pode envolver os filhos que trouxeram a este mundo. Há um défice

terrível nessas guerras injustas onde normalmente perdem todos. E quem mais

perde são as crianças.

1 Gardner, R. A. (1985a); Recent trends in divorce and custody litigation; The Academy Forum; 29 (2); 3

– 7.

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Testemunhei na minha vida profissional de advogado, que fui até desempenhar as

minhas actuais funções, momentos dantescos de desconsideração da

personalidade da criança, envolvida como moeda de troca no “deve e haver” de

partilhas ou na irracionalidade de ódios acumulados.

Muitas vezes reflecti sobre o papel a desempenhar pelo Advogado nestas disputas,

na primeira linha do patrocínio de uma causa em tribunal. E muitas vezes dei

comigo a pensar na necessidade – que eu diria ser quase de interesse público – de

o advogado ter o dever de se assumir, em todas as circunstâncias em que o

interesse da criança seja beliscado, como seu defensor, e de o proteger contra as

investidas de qualquer um dos progenitores. Porque nesta matéria, não há pais

maus contra mães boas, nem mães boas contra pais maus. Há de tudo, para todos

os gostos. É caso para dizer que a igualdade de género é absoluta.

Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Congressistas

20. A terminar, gostaria de afirmar a minha convicção de que não há limites para o

trabalho a desenvolver em prol da criança, no sentido de promover o seu bem

estar, de criar meios dignos para o seu crescimento, de prevenir a desconsideração

a que muitas vezes está sujeita a sua personalidade e o seu crescimento.

Todos seremos poucos para que esta causa e estes princípios tenha

sustentabilidade e sejam viáveis.

Muito obrigado

2 de Novembro de 2011