Miolo - Escrito em Letra de Médico - Júlio Pereira2 · Mas tenho em frente uma paisagem branca...
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Lembro diversas vezes que chegava em casa cansado de um
plantão mas querendo escrever algo. Às vezes me vinha uma
cena inusitada à vista, uma frase ouvida ou caso triste vivenciado.
Nem sempre conseguimos nos expressar dentro de um hospital,
ainda mais quando há os doentes graves, não há tempo. Mas foi
assim que o livro “Escrito em Letra de Médico” surgiu.
O meu livro traz textos que eu escrevi durante a faculdade,
mas também durante a residência de neurocirurgia. Eu poderia
defi nir o livro “Escrito em Letra de Médico” como recortes
de pensamentos.
ISBN 978-85-64855-70-0
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São Paulo, 2013
EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
Julio Pereira
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Título Original Em Português: Escrito em Letra de Médico© 2013 de Júlio Pereira
Todos os direitos desta edição reservados ao autor.
É PROIBIDA A REPRODUÇÃONenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, assim como traduzida, sem a permissão, por escrito, do autor e da editora. Os infratores serão punidos pela Lei nº 9.610/98.
Diretor: Ednei ProcópioEditor Executivo: Silvio AlexandrePublisher: Rafael M. RegoComercial: Cláudia dos SantosRevisão: Sandra Garcia CortesEditorial: Felipe Arruda Tavares de LimaImpressão: Alternativa Prol Gráfi caca
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Site: www.livrus.com.br Fone: [11] 3101-3286
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Daniela Momozaki – CRB8/7714)
Índice para Catálogo Sistemático1. Literatura brasileira : Contos : 869.93
Impresso no Brasil/ Printed in Brazil
Pereira, Julio
Escrito em letra de médico / Julio Pereira -- São Paulo : Livrus Negócios Editoriais, 2013.
ISBN: 978-85-64855-70-0
1. Literatura brasileira – Contos 1. Pereira, Julio 2. Título
CDD 869.93
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“Melhor é ir a casa onde há luto do que ir a casa onde há festa; porque
naquela se vê o fi m de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração”
Eclesiastes 7:2
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Oração •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 10Ponto ou Mutação •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 14Céu ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 17Meu Professor ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••22Relato de Caso - Pobreza Crônica •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••24Anamnese da Vida ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••26Resumo Científi co ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••28Poesia Stricto Senso ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••29Olhos da Alma •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••30Hospital de Emergências •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••35Meus Pobres Pacientes Pobres •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••36O Epidemiologista ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••38Neuroembriologia •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••40Sem Sentimentos ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••42Triálogo•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••44Abridor de Cabeça •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••47O Tumor Cerebral •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 51Perguntas no Pronto-Socorro •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••53Nossos Défi cits •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••55Malignamente Benigno •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••57Dor Lombar ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••59
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As Mortes •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 61Omissão de Socorro no Facebook •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••64O Protocolo para Morrer ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••66A Morte da Mãe •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••69Sobre uma Guerra Estranha •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 71
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Oração
A fi losofi a sempre ajudando a Fé
Ajudando o cristão a não pecar
Senhor, muito obrigado por Agostinho
Compreender para crer, crer para compreender
Maniqueísmo e o neoplatonismo
Abençoe Tomás
Retomada do Santo Aristóteles
Escolástica
Giordano Bruno?
Morrestes por nós quando nós ainda éramos intolerantes
Cordeiro da ciência
São Copérnico
Que culpa você tem de perceber a natureza
Kepler mecanizou-nos
Nada te deteve
Galileu Galilei
Negou como Pedro
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Julio Pereira
Maquiavel, sempre nosso príncipe
Bacon e sua tábua da lei
Observarás
Organizarás racionalmente
Experimentarás
Metodifi carás
Newton
Simples e uniforme é o mundo. E recorrendo ao senhor
como regente.
Descartes
Cogito ergo sum
Como o senhor gosta, em latim.
Obrigado pelo pensamento cartesiano
Pascal, ainda pensamos como você.
Espinosa, por que natureza é Deus?
Sondas o coração de Espinosa
Locke, quanto nos iluminastes
Você foi sal da terra e iluminismo no mundo
Somos mais tolerantes, nos tornastes mais livres
Você foi o pai da liberdade
Hume, nos mostrastes quanto o costume nos guia
Voltaire
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
Por que tanto defendia o direito de falarmos livremente?
Se não fosse você, será que Deus fi caria preso nos mosteiros?
Nos libertastes das trevas
Kant como criticastes a razão pura
Por que não é possível dizer nada sobre a alma humana ou
sobre Deus?
Será que tens razão?
Comte
Nos conte sobre a ordem, o progresso
Seus estados seriam a trindade?
Agora eu te agradeço por toda a genealogia da ciência
O pensamento clássico gerou os naturalistas, que geraram os
sistemáticos, que geraram o cristianismo, que gerou a escolástica, que
gerou a renascença, que gerou os empiristas, que geraram o iluminismo,
que gerou o criticismo Kantiano, que gerou o idealismo, que gerou o
positivismo, que gerou
Senhor Deus quanto aos intolerantes, puni-os
Deixo, agora, o banquete de Salomão
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Julio Pereira
“A sabedoria já edifi cou sua casa, já lavrou as suas sete
colunas; Já sacrifi cou suas vítimas; misturou seu vinho e já preparou
a sua mesa.”
Em nome da ciência, da religião e da fi losofi a.
Amém
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Ponto ou Mutação
A Ciência é oligárquica
A Ciência não é compreendida
Gosto da ciência, ela é
Queixam-se do reducionismo
Mas buscando uma redução, mantendo-se a escala, podemos
encontrar respostas
Talvez não puras
Nossos sentidos talvez não repliquem a realidade
Seleção artifi cial resume a ciência
Ideias são incorporadas às ideias anteriormente selecionadas
Descartes foi aceito
Houve quem acrescesse e uma pessoa ao acaso acrescentou
As mutações cartesianas se manterão
Oh! Ciência, quanta pobreza de raciocínio
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Julio Pereira
Até mecanismos de correção de falhas encontrou
As hipóteses são testadas
Uma metalinguagem?!
Science more simile
In english is more science
I believe that science, now a days, have one language
Artigos, textos, frases, até as fórmulas que não são precedidas
do inglês são malquistas
Ciência que se renova
Odeiam mas não vivem sem
Limítrofe entre o abstrato mas concreto
Fantasioso e o real
Elocubra mesmo que não descubra
Desconheço seus fundamentos
Só leio
Sou leigo
Não fui selecionado
Não faço parte dos seus grandes saltos ao acaso
Me resta escrever para os que sabem menos que eu
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
Só para estes
Criar histórias para que você seja mais clara para os leigos
Uma claridade metonímica entretanto fascinante
Sem mais palavra, sem mais anáforas, sem mais prosopopeias...
Não sei! Não conheço o que é a ciência
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Céu
Quero escrever
Ouvir música
Sair
Amar
Mas tenho em frente uma paisagem branca com relevos
diversos, formas diversas, cada uma comunicando algo
E se eu morrer
O amor fi caria, os prazeres da vida fariam parte de mim
Mas para onde iria a neuroanatomia
Para onde a fi siologia, se eu nunca a apliquei
Perco muito tempo descobrindo o que já se sabe hoje
São milênios de conhecimento
E eu só tenho anos de vida
Dediquei muito deles para aprender o que já se sabe nas ciências
Restringi meu campo de atuação
Mas é impossível
Vida inútil
Nunca descobrirei nada do que já não se saiba
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
Outro dia descobri por que as crianças colocam tudo na boca
Hipótese da higienização
Já sabiam
Mas pensei tudo sozinho
Eu não tenho culpa de ter nascido depois
Tanta vida, tantos amores, só lembro que tudo que faço pode
ser inútil quando alguém morre
Morrer
Será que meus conhecimentos vão para o céu
Acho que não
Só as artes vão para o céu
Os anjos tocando bossa deve ser bonito
Eu não sei tocar nada
O que eu vou fazer no céu para ocupar minha eternidade
Não haverá doenças
Anatomia dos anjos deve ser mais complexa
Será que as asas são inseridas no trapézio ou nos MM eretores
da espinha
Os anjos vão acabar com uma lordose com aquele peso nas costas
E eu, o que vou fazer?
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Julio Pereira
Seria até interessante atender um anjo com o AVC isquêmico
e com perda da mobilidade da asa
Como deve ser o homúnculo deles, onde fi caria a área da
auréola ou das asas
Imagine um anjo com asa fantasma, deve ser complicado
Os cardiologistas também terão muito trabalho, os anjos
provavelmente terão cardiopatia, aquelas asas devem sobrecarregar o
coração deles
Eu tinha esquecido que não haverá doenças
Mas não podia resistir e imaginar que os querubins teriam um
nanismo hipofi sário
Tudo isso se perderá
No céu não haverá dor ou ranger de dentes
Que perda de tempo minha
Estudar isso para quê?
Trabalhar num ambiente triste
Não sorria, aqui não é lugar para isso
Eu quero rir
Vou para um ambiente sombrio
Com doentes, sofrimento, choro, morte
Quero poder rir
Quero brincar
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
Sempre sério, preocupado
Atencioso
Para quê? Se na eternidade não haverá dor
Os anjos, arcanjos, querubins, Maria, José, Abraão, Enoque,
Paulo nunca aumentarão a secreção de eritropoetina na altitude celeste
Agora dançar, cantar, ler, isso todos farão
Se eu cantasse, ao morrer todos diriam que eu cantaria no céu
E se eu morrer, não poderei operar no céu. Como não haverá
dor, e micro-organismo (esses vão para o inferno), eu operaria bem
mais tranquilo
Meu bisturi seria mais penetrante que espada de dois gumes
Não poderei
Só se pode cantar, dançar e conversar
Até que para mim seria uma boa
Lendo os livros celestiais
Conversando com Deus
Vendo ele face a face
Perguntando por que ele fez isso ou aquilo
Deus deve ser bem alegre
Principalmente porque depois do apocalipse ele se aposentará
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Julio Pereira
Não terá que fi car ouvindo orações, deixando que aconteça
isso ou punindo alguém
Não precisará gerir nada
Que maravilha!
Eu poderei parar de ver as coisas como enigmas
O céu
Que vontade de ir para o céu
Mas ainda não posso, tenho que fazer algumas coisas ainda aqui
Tipo: deixar meus genes, aprender algumas coisas, conhecer
alguns lugares
Acho que vou aprender a tocar algum instrumento
Só não pode ser percussão
Por acaso você já imaginou um anjo tocando um timbau
Só se for uma anjo rasta,
Um anjo tocando berimbau
Não
No céu só entrarão instrumentos harmônicos
Amém
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Meu Professor
Sutil
Pueril
O ensino suave que não depende do professor, mas ele é
imprescindível
Não me lembro das aulas
Na verdade elas não existiram
Aprendi muito
Era capaz de me ensinar desconhecendo o conteúdo
Talvez o meu maior professor
Informal
Amigo
Quem aprende sem conhecer seu professor?
Sem sala de aula
Sem presença
Toda aula é vaga
Aula às 3 da manhã
Semanas sem aula
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Julio Pereira
Não sei o que aprendi
Na verdade nem sei se ele se conscientizou do processo
Conteúdo?
Para quê?
Ele era adepto do espontaneismo
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PB
Relato de Caso - Pobreza Crônica
Paciente, masculino, 13 anos, relatando pobreza crônica há 13
anos e 49 semanas. Refere história familiar de pobreza – pais, familiares
paternos e maternos fazendo parte do proletariado. Queixa-se por não
saber ao certo o motivo da sua patologia, o que leva a um constante
incômodo. Menciona doenças virais da infância, mas não procurando
atendimento médico em razão das imensas fi las, mãe referindo que
seria mais fácil agravar a doença se comparecesse à clínica médica, já
que teria que esperar na fi la 20 horas para conseguir atendimento de 10
minutos (SIC). Refere que assistir televisão e jogar na Mega-sena são
fatores de melhora dos sintomas da pobreza crônica. Sonha em ser rico
para ajudar seus amigos pobres.
Nos antecedentes familiares refere morte de avós maternos de
“custipiu após chupar manga e tomar banho” e “Ziguizira após feijoada
e com boca torta após passar o vento” (SIC). Hábitos alimentares: come
de tudo que arranja. Ao exame, fácies pobre típica, negro, emagrecido,
cicatrizes feridas pobris em MMII e MMSS. Nega náuseas, tontura,
vômitos, diarreia e atendimento médico prévio.
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Discussão do Caso
A literatura científi ca e a mídia têm mostrado que a pobreza
é uma patologia hereditária e de alta penetrância1,2,3,4
. No entanto o
conhecimento popular1 tem incentivado a esperança de ganhar na loteria
e/ou vencer na vida, entretanto a literatura científi ca tem mostrado
se tratar de uma ilusão coletiva, uma vez que fi lho de pobre, pobre
será, com exceções da ordem 1 para cada 100.000 pobres. A história
clínica em questão apresenta um caso clássico de pobreza crônica1,4
.
Fazem-se necessários novos estudos para uma melhor compreensão
da epidemia de pobreza crônica em curso. Corroboramos também com
a Organização de Saúde dos Ricos4, que estimula que não chamemos
de países pobres, e sim países em desenvolvimento, dessa forma fi ca
mais ilusivo, apesar de denotativamente signifi car países miseráveis.
Diante deste fato, passaremos a chamar as pessoas pobres de pessoas
em enriquecimento.
Referências Bibliográfi cas:
1 Conhecimento popular
2 Revistas da classe média
3Jornais da classe média
4 Banco Mundial dos Países Ricos
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PB
Anamnese da Vida
QWER, 20 anos, ateu,ndn,ndn,ndn
Tristeza há vinte anos.
Não existia quando há aproximadamente 20 anos passou a
existir. Refere não lembrar como ou o porquê disso. Relata tristeza
constritiva e lacerante, que era persistente sem fatores de melhora ou
piora. Nega uso de alucinógenos ou bebidas alcoólicas.
Lembra-se de poucas coisas da infância, lembra de poucas
coisas da adolescência e lembra de poucas coisas de ontem.
Epidemiologia positiva para morte. Gosta de chocolate, pizza
e pão. Abstenho de livro há três dias. Consumia 3 páginas/dia por 10 anos.
Relata briga com Deus há 6 anos. Refere que não entende o
porquê das coisas, para que criar seres pensantes e falou outras coisas
sem relevância.
Paciente lúcido demais, ausente no presente e vive no espaço.
Normocefálico, normopescoço, normotronco, normobarriga e
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Julio Pereira
normoextremidades. A alma não pode ser avaliada devido às limitações
apresentadas.
Suspeita Diagnóstica:
S1: Sofi smo crônico
Afastar: Nada
Mentiras
Coisas que desconheço
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PB
Resumo Científico
A Vida — análise crítica de suas etapas, efeitos, defeitos e
impressões
Autores: et al.
Introdução: Após a fecundação, nascimento seguido de
crescimento e posteriormente morte.
Objetivos: Nenhum elucidado.
Materiais e Métodos: Depende da classe social. Quanto aos
métodos foi utilizado o estudo ver e refl etir simples.
Teste estatístico: qualitativo, quantitativo, opinativo e paliativo.
Resultados: Diversos
Conclusão: Outras observações são necessárias.
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Poesia Stricto Senso
O que te trouxe aqui?
Começou quando?
Alguma coisa melhora isso?
Teve febre?
A menstruação está normal?
Como assim mais ou menos?
Sente mais alguma coisa?
Tem alguém na família com alguma doença cardiovascular?
Cardiovascular ... do coração. Entendeu?
Toma algum remédio?
Não, não precisa dizer os chás.
Sim, às vezes eu também faço afi rmações. Está vendo?
?
??
????
????????????????
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Olhos da Alma
Fui obrigado a fazer uma anamnese. Não gosto de cumprir
obrigações, mas, àquela altura, último ano, na faculdade de medicina
era só o que eu fazia. E ser obrigado a conversar com alguém num
hospital é uma das piores tarefas que se pode ter. Conversar com alguém
que está precisando descansar. E pior, sua conversa não terá nenhum
efeito prático. Não ajudará no tratamento, os médicos já acompanham
e já estão investigando ou tratando. Mas felizmente os pacientes não
sabem disso. Arrumei minha pasta, peguei o meu jaleco e fui escolher
meu paciente.
Cheguei ao hospital e fui entrando de enfermaria em enfermaria
atrás de um bom paciente para minha anamnese. Geralmente escolho
pelo rosto e pelo comportamento. Pessoas deitadas e cobertas não
gostam de te responder. Na parede tem a data de internação, prefi ro
escolher pessoas que estejam internadas há menos de uma semana,
essas ainda gostam de conversar sobre sua doença.
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Julio Pereira
Na enfermaria de pediatria encontrei meu paciente.
“Olá, Wesley, meu nome é Theo. Posso conversar com você?”
“Claro, Doutor, mas minha doença é difícil. Vários médicos
conversaram comigo, mas só aqui em Salvador descobriram o que eu
tenho.”
“O que você tem?”
“Eu vejo a pessoa e a alma.”
Realmente Wesley tinha razão, a doença dele era difícil de
diagnosticar, mas sua narrativa era impressionante. Com apenas 8
anos, ele descreveu a diplopia (um sintoma no qual a pessoa apresenta
visão dupla), da forma mais criativamente realista que já ouvi: ver a
pessoa e alma.
“Os médicos disseram que terão que abrir minha cabeça para
tirar um tipo de olho que nasceu dentro dela.”
Wesley fi cou por 1 mês internado numa cidade do interior,
esperando a transferência. Ao chegar fez a ressonância e descobriu
que se tratava de um tumor cerebral. A cirurgia estava marcada para
segunda-feira.
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
“Mas você sempre vê a pessoa e a alma?”
“Claro que não, Doutor, basta eu fechar um olho que só vejo
você sem sua alma.”
“Mas como é a alma?”
“Normal, uma alma normal.”
Wesley respondeu como se ver uma alma fosse a coisa mais
corriqueira para um médico.
Já tinham se passado 30 minutos de conversa e eu já sabia a
doença que Wesley tinha. Tinha alguns itens que tinha que perguntar,
como se ele morava em casa de taipa. Mas, sinceramente, não tinha
sentido fi car fazendo algumas perguntas.
“A senhora é a mãe do Wesley?”
“Sou, doutor.”
“Ele teve algum problema antes desse?”
“Não, doutor. Ele sempre foi forte, nunca nem foi no médico.
Ele é muito forte, doutor, acho que essa doença dele foi um feitiço dos
parentes do pai dele.”
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Julio Pereira
Voltei para casa contente com minha anamnese. Tinha colhido
uma história interessante. Geralmente as histórias são muito iguais.
Às vezes o chato da medicina é a mesmice. Fico muito feliz quando
atendo alguém diferente como Wesley. O telefone tocou.
“Diga, Hiago? Fiz uma anamnese boa hoje.”
“Com quem?”
“Uma criança da pediatria.”
“Wesley?”
“Como você sabe?”
“Tá todo mundo fazendo com ele, acho melhor você fazer
outra ...”
Infelizmente sempre acontece isso. Um caso interessante, e
todo mundo sabe. Mantive minha anamnese e fi quei o fi m de semana
ansioso para saber da cirurgia de Wesley. Na terça-feira, fui direto ao
CTI para saber da cirurgia de Wesley.
“Como você tá, Wesley?”
“Estou bem.”
Wesley ainda estava um pouco cansado, nem parecia ter
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
operado em menos de 24 horas. Passados dois dias, Wesley teve alta do
CTI, em bom estado e contando que na cirurgia tiraram o olho da alma.
Passada uma semana, voltei para saber como ele estava.
“Wesley teve alta?”
“Não, morreu ontem.”
“Como?”
“Ninguém sabe direito, mas parece que foi embolia pulmonar.”
Não consegui encontrar mais a mãe do Wesley ou saber
melhor como foi a morte dele. Mas ele foi meu único paciente que
conseguia ver a pessoa e a alma.
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Julio Pereira
Hospital de Emergências
Chegou mais um baleado!
Preto e pobre
É Safado?
Foi Baleado!
Vamos Tratar!
Não, deixe pra lá
Se viver volta a roubar
Mas estamos aqui para ajudar
Esqueça a ajuda
Aqui a emergência depende
Se for ladrão ninguém atende
Mas quem julga se é ladrão?
É só olhar pra saber
Não consegue me entender?
Poderia ser eu?
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Meus Pobres Pacientes Pobres
Paciente Pobre
Pobre paciente
Por que é tão paciente?
Não vês que és pobre
Se és pobre, não pode ser paciente
Sou médico paciente
Paciente sou médico
Sou culpado pela sua doença
Não devia ser paciente com a pobreza
Por isso vejo todo dia a mesma tristeza
O mesmo paciente pobre e paciente
Também estou doente
Doente de ver a pobreza
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Julio Pereira
O colírio embaçador acabou
Enxerguei o paciente
O pobre
Pobre paciente Pobre
Ciente?
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
O Epidemiologista
Nos primeiros anos conte com a sorte
Sem anomalias, malformações e pais de bom coração
Se pobre, teve pouca sorte. Infecção?!
Na infância, pernas moles e braços fracos
Hoje, pouca morte.
Após crescência
Esta na adolescência
Não brigue
Só fi que
O trauma te acompanha
Olhe as facas, as armas, os carros e as quedas
Na velhice?
Quer que liste?
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Julio Pereira
A morte te espera
O que quer?
Raro ou comum?
Infarto ou câncer?
Trauma ou derrame?
Na vida se nasce, quase sempre cresce, geralmente reproduz
e sempre adoece e morre.
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Neuroembriologia
Fui assistir a uma neurocirurgia
Que lindo ver a dura-máter
É incrível saber que a ectoderma gerou aquilo
E se impressionar ao saber que a estrutura mais interna a pia-
máter tem origem mesodérmica
Para quê?
Eu acho que nunca vou utilizar esse conhecimento
Talvez isso tenha me dado o mesmo prazer de saber que as
lagartixas não sonham
Inútil
Mas maravilhoso
Eu não vejo mais as lagartixas como via antes
Na verdade nem conferi se a informação era verídica, mas
acho que isso não é muito importante.
Eu me identifi quei com a lagartixa e a pia-máter
Eu não sonho
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Julio Pereira
Sou a pia-máter, quase tudo que me cerca tem origem na
porção externa
Só eu não
Eu não escolhi não sonhar nem ter origem mesodérmica
Pia e lagartixa, o que fi zemos?
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Sem Sentimentos
Escrever sobre o físico
Sobre o que é racional
Isento de emoção
Para que serve o sentimento?
Já foi útil, hoje inútil
Quero a frieza
Uma amídala estática
Um sistema simpático sobre meu controle
Quero sentir o percorrer de cada impulso
Desde a mais simples sinapse
Sentir
Homúnculo. Só motor!
Refl exo, só!
Siglas …muitas siglas
SNC
ELA
MRI
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Julio Pereira
TC
Por que meu nocioceptor pode decidir pelo que devo sofrer?
Paccini, sempre a sentir. Não pare! Quero sentir sempre!
Racional
Cortical
Pré-frontal
Giro angular
Sem piegas
Nu, cru…
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Triálogo
Claramente um problema espiritual.
Acredito se tratar de uma esquizofrenia paranoide.
Não tenho ideia do que ele tem, mas o chá pode ajudar.
Se Deus ajudar, todos os problemas podem se acabar.
O processo evolutivo traz consigo uma competição, que pode
prejudicar alguns.
Eu não sei direito, não, mas se derem um aumento legal as
coisas fi cam numa boa.
A saúde é um dom de Deus.
As inovações tecnológicas têm que ser inseridas no Sistema
de Saúde para todos.
Rapaz, na boa, o negócio é não fi car doente. Se fi car, ferrou
tudo. Remendar não resolve.
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Julio Pereira
A morte é apenas uma etapa que todos, crentes e não crentes,
irão passar.
O morrer é indefi nível. Atuamos para tentar evitá-la. Uma luta
sem fi m pela vida.
Morrer é dose. Dá até medo de pensar. Por isso que nem quero
fi car pensando para não atrair coisa ruim.
Alegria é crer no Senhor Jesus, salvador e vivifi cador.
Um processo neuroendócrino, selecionado no processo evolutivo.
É tomar uma ou duas. (risos)
(Frases fortes, confi ança, gestos enfáticos, emotivo, frases
de efeito)
(Gestos lentos, precedido de refl exões curtas, fala calma)
(Agitado, sorrindo, fala contínua e término abrupto das frases)
Não sei.
Não me recordo do signifi cado.
Colé, aí você quer ferrar a gente mesmo.
Causa Mortis: Câncer de Reto
Causa Mortis: Trauma Craniano
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Causa Mortis: Infarto do miocárdio
Aqui jaz Sr. Bruno
Aqui jaz Sr. Moises
Aqui jaz Sr. Carlos
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Abridor de Cabeça
No início tudo me parecia novo. Não conhecia ao certo o dia a
dia da minha escolha. Só me lembro dos conselhos de minha avó, que
dizia para fazer algo que pouca gente fazia. Com essa frase, fi z minhas
escolhas. E vou ser sincero: sou bom em fazer provas, gosto de estudar
e de aceitar desafi os.
A senhora tem um tumor cerebral.
E isso é grave, Dr.?
É, mas podemos operar e tirar.
Abrir a cabeça?
É.
Posso morrer?
Pode.
Tem outro jeito?
Não.
E se não operar?
Pode morrer com ele crescendo.
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Julio Pereira
Mas vocês fazem isso sempre?
Todo dia.
Os diálogos eram sempre muito iguais. Acho que na verdade
todas as pessoas leem o laudo e procuram na internet. Mas realmente
abrir a cabeça não parece uma boa ideia. Tenho a impressão de que
existem coisas que não devem ser feitas.
Não tem como tomar um remédio?
Não.
O problema é que criamos soluções humanas demais. Na
literatura, as soluções são mais mágicas e com um signifi cado maior.
Abrir a cabeça? Cortar a pele até encontrar o osso e depois retirá-
lo. Sempre colocamos o osso no soro. Depois abrimos as meninges.
Procuramos o tumor e retiramos. Tudo isso com sangue e emoção.
Humano demais. Na verdade, nas primeiras vezes, um pouco mais de
emoção, depois acostumamos.
O senhor já fez alguma cirurgia dessa?
Já.
Dá certo?
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48
EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
A maioria.
Posso fi car paralisada na cama?
Pode.
As pessoas deveriam ter direito a uma realidade única,
diferente. Cada um teria uma doença única, só dela.
Por que as pessoas têm essa doença?
Não sabemos, são várias causas.
É genética?
Também.
Esse na verdade é a etapa que menos gosto: Os porquês. Na
verdade só sei o que tem e o que fazer. Até teria vontade de conversar
sobre o existencialismo, mas não seria oportuno.
A senhora faz esses exames e vamos marcar a cirurgia.
Vai ser aqui mesmo?
Isso.
Fico quantos dias depois da cirurgia?
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49
Julio Pereira
Se tudo der certo, de 5 a 10 dias.
E se não der?
Não se preocupe, espero que tudo dê certo.
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50
EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
O Tumor Cerebral
O tumor está em qual leito?
Lembrei! Leito 03 da 3a enfermaria.
Você é Pedro?
Comeu?
Vamos operar, Pedro!
Depois você vai para a UTI.
Claro que vai dar certo!
Daqui a pouco nos veremos
Sua mãe não pode entrar.
Porque ela não é médica.
Vai! Ela está te esperando lá fora.
Pensei que você era mais velho ... só 7 anos.
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51
Julio Pereira
Pedro, agora você vai sentir uma tonteira.
Respire fundo esse ventinho.
Já podemos começar?
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Perguntas no Pronto-Socorro
Ela vai morrer?
O que aconteceu?
Ela está grave?
Posso vê-la?
Vai precisar operar?
Tem que abrir a cabeça?
Corta o cabelo?
Há risco de morrer?
O sr. fala com a fi lha dela?
Ela está em coma?
Pode me ouvir?
Fica quantos dias internada?
Demora quantas horas?
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Julio Pereira
Podemos esperar?
E agora?
Ainda tem risco?
Foram quantos pontos?
Que dia ela acorda?
Ela ainda pode morrer?
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Nossos Déficits
Ela nasceu assim
Assim como?
Com alguns défi cits
É um atraso no desenvolvimento?
É, parcial.
Ela vai ter um futuro?
Não queria um fi lho assim?
Assim como?
Com défi cits.
Todos os défi cits são ruins.
Qual te incomoda mais?
Os meus.
O pior são os olhares.
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55
Julio Pereira
Dela?
Não, dos outros.
A cabeça irá diminuir?
Provavelmente estabilizará.
E os olhares?
Precisará trocar a válvula?
Depende.
Volto em seis meses?
Sabe, acho ela normal.
Sem défi cits?
Isso, sem défi cits.
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Malignamente Benigno
É benigno, Doutor?
Quase.
Quase por quê?
Porque é no tronco cerebral.
Mas no tronco é benigno?
Benigno é o tipo do tumor … Tronco é o local.
Mas então é benigno?
O tumor é, mas o local não.
Mas no geral é benigno?
Mais ou menos.
O Dr. preferiria ter um tumor maligno num local benigno?
Não sei, depende.
Então para que dizer que é benigno?
Para saber se é ruim.
E o que é esse tronco cerebral?
É o local mais importante para a vida …
Mais importante que o coração?
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Julio Pereira
Eu acho.
O sr. preferia ter um tumor benigno no coração?
Acho que sim.
Vou ser sincero com o sr., não gostei desse negócio de maligno
e benigno.
Às vezes é difícil de entender.
Tem algum tratamento?
Vamos discutir seu caso.
Meu cabelo vai cair?
Vai depender do tratamento.
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Dor Lombar
Qual o seu problema?
Não consigo trabalhar
Por quê?
A dor lombar
Quando começou?
No trabalho, fui pegar um peso.
Você trabalha?
Não consigo.
Sente mais alguma coisa?
Quando vou trabalhar piora a dor.
O sr. fez os exames?
Não consegui, vão demorar 6 meses. O sr. sabe o SUS demora.
Como é essa dor?
Uma dor normal que me impede de trabalhar.
Começa onde?
Do pescoço até a perna.
Temos que esperar os exames.
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Julio Pereira
Tudo bem. O sr. pode fazer um relatório?
Claro.
Tenho perícia na próxima semana.
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
As Mortes
Na verdade é pouco defi nida
Não existe uma só
Devia ser adjetivada
A morte
Parece triste
E pode ser
Mas não é sempre
Pode ser até alegre
Morte-descanso
A pior é a morte-susto
Na surpresa
Repentina
Ela morreu, foi?
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Julio Pereira
Foi
Como?
Morte-susto.
A Morte-preparada
Ela leva um tempo
Prepara
Avisam da sua chegada
A doença é grave
O fi nal geralmente se sabe
Ninguém fala
Todos esperam
A Morte-prestação
Vem aos poucos
Chega aos poucos
Retira a vida à prestação
Odeio essa
Quando chega
Morte-prestação
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Nem se espera mais
ou Morte-sofrimento?
Morte-alegre
Nos ensinam que não existe
Mas existe
eu vejo
Viveu bem
Nem sempre muito
Não é tempo
É como
Vive bem
Morreu bem
A Morte-alegre
Quase choro de felicidade
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Julio Pereira
Omissão de Socorro no Facebook
Mensagens: segunda, 15 de outubro de 2012 às 0:15
Doutor, o sr. está online?
O Paulo piorou, doutor.
Quando o sr. “tiver” online me avise.
Queria levar para o hospital mas prefi ro ouvir o que o sr. acha.
Chegou a ressonância nova que diz o Laudo: Conclusão sinais
de reincidiva do tumor com compressão do tronco cerebral.
Doutor, ele agora está um pouco mais sonolento mas não
dormiu bem ontem.
O senhor vai estar no consultório amanhã?
Mensagens: segunda, 15 de outubro de 2012 às 1:25
Doutor, o Paulo piorou e trouxe ele para o hospital.
O médico que atendeu disse que ele não está bem e é a
evolução do tumor.
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Mensagens: segunda, 15 de outubro de 2012 às 2:25
Olá, Ana, só vi agora sua mensagem.
Quando puder, ligue no meu telefone.
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Julio Pereira
O Protocolo para Morrer
Estamos fazendo alguns testes!
Mas ela morreu, doutor?
Precisamos esperar os testes.
Os testes iram confi rmar se ela morreu?
Isso mesmo, Ana.
Ela precisa descansar, doutor, sofreu muito. Mas a pessoa não
morre e pronto?
Alguns vezes, outras precisamos confi rmar com testes.
E demora quanto tempo?
6 horas
Nesse tempo ela está morta?
Ainda não, só depois de confi rmar.
Não estou entendendo, Dr. Precisa de teste para saber se morreu?
Algumas vezes sim. É o que chamamos de morte encefálica.
Mas demora 6 horas?
É que o protocolo exige esse tempo de espera entre os testes.
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Protocolo? Morte?
Isso mesmo, é um protocolo.
Acho que estou muito confusa. Tem protocolo para morrer?
Isso, no Brasil, para o adulto fazemos 2 testes com diferença
de 6 horas.
No Brasil? Adulto?
Isso, em alguns países é diferente.
Posso chamar meu irmão. Ele é estudado e o sr. explica para ele.
Olá Dr., eu sou Pedro. Minha mãe morreu?
Estamos esperando a confi rmação.
Do quê?
Da morte.
Mas depende do quê?
Do teste de morte encefálica.
Ah ... entendi. É no sangue?
Também, mas é uma série de exames do protocolo.
Muito obrigado.
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Julio Pereira
O sr. tem alguma dúvida?
Não. Muito obrigado.
Pedro, você entendeu o que o médico explicou? Parece que
eles não sabem se ela morreu.
Sabem sim, Ana, mas tem que seguir o protocolo.
Que protocolo?
O protocolo deles.
Qual protocolo?
É deles, Ana, se você quiser saber, tem que virar médica.
Deus do céu. Parece que está cada dia mais difícil, até para
morrer tem protocolo.
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
A Morte da Mãe
Um acidente de carro
Por quê?
O corpo imóvel
Nunca mais te verei?
Os três abraçados
Você sabia que te amo?
Pai nosso que estás nos céus
O que farei sem você?
Santifi cado seja o vosso nome
Mãe, por que não me responde mais?
Comprar o caixão, fl ores, velas, um funeral
Ela ia querer que você fosse forte!
As lágrimas terminavam e só restavam os sons
Minha mãe morreu. Não foi?
Impossibilidade de reação
Deus irá te ajudar
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Julio Pereira
Talvez o celular tenha tocado
O CD ia ser trocado
Quem sabe um desmaio
A preocupação do que deverá ser feito amanhã pela manhã
Talvez tivesse repensando na vida, o que deveria mudar
A MORTE
Dor
Saudade
A MORTE
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EscritoEscritoemem LetraLetradedeMédicoMédico
PB
Sobre uma Guerra Estranha
Ontem você me perguntou o porquê de você ter um tumor
cerebral. Respondi quase de forma refl exa: “Essas coisas acontecem”.
Ao sair fi quei pensando como deveria ter te respondido, afi nal sou seu
amigo.
Fui treinado para explicar pouco o porquê. Prefi ro explicar o
que deve ser feito e as possibilidades de tratamento. Pensei em voltar
para te responder, mas não conseguiria, então resolvi escrever essa
carta.
O tumor cerebral acontece. Só isso. Assim como outras
casualidades da vida, ele ocorre. Sem motivo especial ou causa clara.
Diversos artigos científi cos tentam buscar fatores de risco, que seriam
fatores que predispõem certas doenças. Mas tudo isso dará números e
probabilidades. O que te importam, meu amigo, essas chances? Para
você elas não têm importância agora.
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Julio Pereira
Tentar te explicar o porquê do tumor é muito difícil. Talvez a
resposta que você queira saber eu não possua. Só tenho informações
que não te ajudarão em nada e talvez até te atrapalhem. Consideramos,
a nós mesmos, importantes demais para saber nossa realidade humana,
nossa fragilidade.
Leio muito pouco. Infelizmente tenho pouco tempo para me
dedicar a isso e tentar responder algumas perguntas que são feitas para
mim diariamente. Posso te dizer que perguntam mais no hospital sobre
fi losofi a que sobre medicina. Geralmente não sei o que responder, tento
mudar de assunto ou falar uma frase de efeito qualquer.
Gostaria de pedir desculpas por não poder responder sobre o
seu tumor. Consigo te explicar sobre como tratar um tumor, mas não é
isso que você quer saber.
O que você quer saber não te responderei. Sua dúvida
continuará. Mas tinha que te dar uma resposta mais franca: Eu não sei.
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Esta obra foi composta em fonte Times 10e impressa em papel Cartão Supremo 250 g/m2 [capa]
e em papel Alta Alvura 75g/m² [miolo].
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