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Português Prof. Pedro Pereira PORTUGUÊS MODERNISMO FERNANDO PESSOA E HETERÓNIMOS

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    PORTUGUS

    MODERNISMO FERNANDO PESSOA E HETERNIMOS

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    Modernismo

    O incio do sculo XX foi um momento de crise aguda, de dissoluo de muitos

    valores. Os artistas reagiram ao cepticismo social, marcado por um laxismo prximo

    do laissez-faire, laissez-passer atravs da agresso cultural, pelo sarcasmo, pelo

    exerccio gratuito das energias individuais, pela sondagem, a um tempo lcida e

    inquieta, das regies virgens e indefinidas do inconsciente, ou ento pela entrega

    vertigem das sensaes, grandeza inumana das mquinas, das tcnicas, da vida

    gregria nas cidades.

    No incio deste sculo as minorias criadoras manifestaram-se por impulsos de ruptura

    com as diversas ordens vigentes. As foras da aventura romperam as crostas das

    camadas conservadoras e tentaram redescobrir o mundo atravs da redescoberta da

    linguagem esttica. Na rea da poesia recusam-se os temas poticos j gastos, as

    estruturas vigentes da potica ultrapassada. A arte entra numa dimenso-outra: os

    objectos no-estticos e o dia-a-dia na sua dimenso multiforme entram na arte.

    Recusa-se o cdigo lingustico convencional e, sob o signo da inveno, surgem

    novas linguagens literrias: desde a desarticulao deliberada at densamente

    metafrica, quase inacessvel ao entendimento comum.

    a toda esta recusa, desejo de ruptura e redescoberta do mundo atravs da

    linguagem esttica que se chama modernismo ou movimento modernista. No caso

    portugus, o modernismo pode ser considerado um movimento esttico, em que a

    literatura surge associada s artes plsticas e por elas influenciada. Nomes como

    Fernando Pessoa (n. 1888), S Carneiro (n. 1890) e Almada Negreiros (n. 1893), so

    marcos importantes desta poca.

    Foi em 1913, em Lisboa, que se constituiu o ncleo do grupo modernista. Pessoa e S

    Carneiro haviam colaborado na guia, rgo do Saudosismo; mas iam agora realizar-

    se em oposio a este, desejosos como estavam de imprimir ao ambiente literrio

    portugus o tom europeu, audaz e requintado, que faltava poesia saudosista. Nesse

    ano de 1913 escreveu S Carneiro, aplaudido pelo seu amigo Fernando Pessoa, os

    poemas de Disperso; Fernando Pessoa dava incio a uma escola efmera compondo

    o poema Pauis (ambos nutriam o sonho de uma revista, significativamente intitulada

    Europa). Em 1914 os nossos jovens modernistas, estimulados pela aragem de

    actualidade vinda de Paris com S Carneiro e Santa Rita Pintor, adepto do futurismo,

    faziam seu o projecto que Lus da Silva Ramos (Lus de Montalvor) acabava de trazer

    do Brasil: o lanamento de uma revista luso-brasileira: Orpheu. Desta revista saram

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    dois nmeros em 1915; incluam colaborao de Montalvor, Pessoa, S Carneiro,

    Almada Negreiros, Cortes Rodrigues, Alfredo Pedro Guisado e Raul Leal; dos

    brasileiros Ronald de Carvalho e Eduardo Guimares; de ngelo de Lima, internado

    no manicmio; de lvaro de Campos, heternimo de Pessoa. Feitos, em parte, para

    irritar o burgus, para escandalizar, estes dois nmeros alcanaram o fim proposto,

    tornando-se alvo das troas dos jornais; mas a empresa no pde prosseguir por falta

    de dinheiro. A gerao modernista continuou a manifestar-se, quer em publicaes

    individuais, quer atravs de outras revistas, como o caso de Exlio (1916), com um

    s nmero e Centauro (1916). Em Portugal, a nova gerao combatia o academismo

    bem pensante de republicanos burgueses que tinham feito carreira sombra do

    partido.

    O Modernismo encerra um humanismo seminal, incita plenitude individual. E

    desponta nele, intuitiva e, de modo precursor, o Sobrerrealismo, sobretudo em S

    Carneiro, a par da viso do mundo como coisa absurda e sem suporte. A gerao do

    Orpheu surge como ponto de arranque em mais duma direco - comeo de uma

    poca nova, liquidao de certas formas de pensar e de sentir. A literatura no j

    expresso do indivduo mas linguagem que se constitui, inesperada, a partir dum

    vazio, dum no-eu.

    O modernismo portugus no foi um movimento homogneo, mas sim uma sntese de

    vrias tendncias, quer literrias quer plsticas, manifestando-se ao invs dos

    movimentos literrios anteriores basicamente em Lisboa, apenas com algumas

    adeses de Coimbra e ecos vagos noutros pontos da provncia.

    Modernismo

    Termo que designa o culto do moderno, ou seja, e em termos gerais, de tudo aquilo

    que se ope ideia de clssico e de tradio. O modernismo surge, assim, como

    conceito associado a uma tica do progresso, da acelerao das inovaes e

    experincias (formais ou plsticas) conduzidas pelos movimentos de vanguarda do

    incio do sculo XX, em funo da ideologia do novo como valor tico e esttico, da

    autonomia da arte, e da recusa da realidade como modelo para esta ltima. Por outro

    lado, refere-se a uma geografia da arte que se organiza em torno de Paris, como

    principal centro da criao, desde finais do sculo XIX e at meados do sculo XX, a

    qual tende a reflectir o estado da modernidade (das inovaes formais) que ali se vive.

    Assim, o modernismo encontra seguimento em pases como Portugal, Espanha,

    Brasil, nos quais representa o movimento de ruptura com a tradio naturalista de

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    oitocentos, de acordo com as tendncias e os modelos desenvolvidos na capital

    francesa. Em Portugal, a gerao congregada em torno da revista Orpheu, cujo

    primeiro nmero saiu em 1915, e a que pertenceram nomes como Almada Negreiros,

    Fernando Pessoa e Mrio de S-Carneiro, foi a introdutora do modernismo. Nas artes

    plsticas, so de destacar Amadeo de Souza Cardoso e Santa-Rita Pintor. Considera-

    se ainda que a revista Presena (1927-1940) marca, na literatura portuguesa, um

    segundo modernismo, que recupera e promove a gerao de Orpheu, cujo

    reconhecimento pblico fora reduzido.

    Modernismo

    -liberdade criadora

    -perfeio formal

    -extico, clssico e pitoresco

    -renovao vocabular e dos recursos expressivos

    -imagens visuais e dos vocbulos musicais

    -sentido aristocrtico da arte

    -o cosmopolitismo

    -impressionismo descritivo

    -simplificao da sintaxe

    -verso livre

    -liberdade estrfica

    Futurismo Extravagncia artstica

    -Exaltao da energia, da velocidade e da fora

    -sensao de poder e triunfo

    -abolio da pontuao

    -dinamismo: liberdade de expresso, vida agitada e dinmica

    -literatura do rudo, do peso e do cheiro

    -corte com o passado

    -nova vida futura

    -busca de uma nova sintaxe

    -agressividade, escndalo, insultos

    -destruio de smbolos do passado

    Dadasmo Negao de tudo, a destruio, a contestao

    -criao espontnea

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    -irracional

    -rompendo com a tradio

    -reaco contra a guerra

    -mxima liberdade na relao pensamento com a expresso literria

    Surrealismo Inconsciente (Dali)

    -rejeio do racionalismo

    -sobrevalorizao do inconsciente

    -pelo inconsciente se pode atingir a libertao total

    -radicando a criao nos automatismos psquicos, no subconsciente, no sonho

    Cubismo Geometrizao (Picasso)

    -modo de expresso que recria atravs de planos geomtricos a realidade

    -procura sugerir a viso simultnea de diferentes ngulos dos objectos

    -texturas e materiais

    -monocromatismo

    -substitui a anlise da cor pela das formas dos objectos

    -Cubismo primitivo: muito simples-Cubismo analtico: cores ocre, verde-escuro e cinzento

    Faces sobrepostas

    Diferentes aspectos do mesmo objecto

    -Cubismo sinttico: signos visuais metforas

    Expressionismo expresso de emoes

    -expressar os prprios conflitos e paixes

    -a deformao da realidade exterior para dar forma viso interior do artista

    -expresso dos sentimentos do artista

    -exagero, metforas

    -focagem pessimista da vida: angstia, dor e denuncia de problemas sociais

    -ponte entre o visvel e o invisvel

    Sebastianismo

    Ideologia messinica que atravessou de forma singular a histria portuguesa desde o

    sculo XVI, consistindo na crena no advento iminente de um rei libertador. O

    sebastianismo no foi apenas a f no regresso de D. Sebastio, sobrevivente de

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    Alccer Quibir, mas um conjunto de temas messinicos sucessivamente reelaborados

    em contextos de crise e de indefinio poltica.

    Formulado pela primeira vez nas Trovas do sapateiro Gonalo Anes (o Bandarra) em

    meados do sculo XVI, o mito de um rei Encoberto salvador reapareceu durante o

    perodo filipino na sua forma sebstica, sendo em vrios momentos encarnado por

    figuras que se fizeram passar por D. Sebastio (o rei de Penamacor, o rei da

    Ericeira, o Calabrs). Aps a Restaurao, o padre Antnio Vieira continuou a

    divulgar os textos do Bandarra e ampliou a profecia ideia de um Quinto Imprio

    portugus, em que se cruzavam temas histricos e bblicos. Depois de D. Joo IV, o

    rei Encoberto foi sucessivamente identificado com D. Afonso VI, D. Pedro II e D. Joo

    V, reaparecendo no contexto das invases francesas e no miguelismo.

    Como tema popular, o sebastianismo assumiu enorme importncia, dando expresso

    a um desejo persistente de libertao da misria e opresso quotidianas. At aos

    nossos dias, a mstica nacional-sebastianista, com traos saudosistas e decadentistas,

    foi integrada na chamada filosofia portuguesa e entrou no pensamento e nas obras

    de figuras como Leonardo Coimbra, Jaime Corteso, Teixeira de Pascoaes e

    Fernando Pessoa, entre outros.

    Palismo

    Designao que provm de uma poesia de Fernando Pessoa datada de 1913

    intitulada Impresses do Crepsculo, que se inicia com a palavra pais. O poema

    surgiu no nico nmero da revista A Renascena e foi tido como exemplo de uma

    nova corrente de expresso artstica. Esta corrente caracteriza-se pela linguagem

    metafrica, por um discurso inacabado onde sobressaem as reticncias e por uma

    desconexo sintctico-semntica, numa tentativa de expresso do vago, do subtil e do

    complexo. Tem, pois, algumas afinidades com o decadentismo e o simbolismo. Trata-

    se de um dos vrios -ismos que marcaram a revoluo modernista do grupo de

    Orpheu.

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    Decadentismo

    De um modo geral, o conceito de decadentismo aplica-se a correntes, tendncias,

    movimentos estticos, poticos, literrios e plsticos, tidos como uma superao ou

    perverso de certos modelos (estticos ou ticos) considerados originais ou de

    primeiro plano. De uma forma mais restrita, o termo comeou a circular por volta de

    1880, referindo-se obra de certos escritores (Oscar Wilde, Arthur Rimbaud,

    Mallarm) ou artistas plsticos (Beardsley, Burne-Jones, Bocklin) que partilhavam uma

    atitude de tdio e desencantamento perante a vida real, recusando o enlevo naturalista

    e o positivismo. Em Portugal, uma escrita como a de Fialho de Almeida apresenta

    aspectos decadentistas. Os decadentes antecipam as experincias da Arte Nova e

    do simbolismo europeus. Na poesia de Antnio Nobre h tambm uma postura

    decadentista.

    Simbolismo

    Movimento surgido na poesia francesa em finais do sculo XIX e que se reflectiu

    tambm nas artes plsticas. O simbolismo marcou um corte em relao aos princpios

    estticos da poca romntica: por um lado, entendendo a criao literria como um

    trabalho essencialmente plstico (explorao das potencialidades formais da

    linguagem, da musicalidade das palavras); por outro, e concomitantemente, pela

    definio de um novo lugar do artista na sociedade. O poeta era concebido como um

    ser distante do vulgo, a quem cabia a revelao da beleza e a sugesto do mistrio,

    afastando-se, assim, do papel interventor que caracterizara os escritores romnticos e

    realistas. O simbolismo , pois, uma manifestao dos princpios da arte pela arte. A

    originalidade, o recurso a termos inslitos e raros, a valorizao da metfora, a

    sugesto do vago, do impreciso, so caractersticas marcantes desta escola, na

    literatura.

    Em Portugal, a publicao da revista Os Insubmissos, em 1889, marca o seu incio.

    Embora o simbolismo tenha deixado algumas marcas em escritores como D. Joo da

    Cmara, Antnio Patrcio e Raul Brando, os seus grandes representantes foram

    Eugnio de Castro (Oaristos, 1890) e Camilo Pessanha (Clepsidra, editado apenas em

    1920). O simbolismo, a que se associaram por vezes temas caractersticos do

    decadentismo, influenciou fortemente as vanguardas modernistas e, nomeadamente, a

    gerao de Orpheu

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    Interseccionismo

    Caractersticas

    Processo tpico da poesia do Modernismo, paralelo s sobreposies dinmicas da

    pintura futurista, e de que Fernando Pessoa nos deu exemplos acabados nas seis

    partes de Chuva Oblqua (in Orpheu n. 2, 1915) - demonstrao brilhante de

    inteligncia esttica e de capacidade inovadora. Cruzam-se a a paisagem presente e

    a ausente, o actual e o pretrito, o real e o onrico: Atravessa esta paisagem o meu

    sonho dum porto infinito / E a cor das flores transparente de as velas de grandes

    navios / Que largam do cais.... A alma est lucidamente dividida, a hora dupla, o

    autor capta subtis correspondncias de sensaes: Ilumina-se a igreja por dentro da

    chuva deste dia, / E cada vela que se acende mais chuva a bater na vidraa... Mas

    F. Pessoa cedo poria de lado esta experincia ldica, dos arredores da sua

    sinceridade.

    Coelho, Jacinto do Prado, DICIONRIO DE LITERATURA (in Modernismo), 3.

    edio, 2. volume, Porto, Figueirinhas, 1979

    Interseccionismo, uma tentativa para o aperfeioamento do Simbolismo

    As teorias esttico-literrias elaboradas por Pessoa depois do Paulismo servem

    essencialmente para justificar os heternimos e fundamentar a produo deles, pelo

    menos na sua primeira fase. De certa maneira excepo , apenas, o

    Interseccionismo que coexiste com a criao dos heternimos. Mas como j notmos,

    o Interseccionismo manteve-se desde o princpio muito prximo do Sensacionismo,

    acabando por se fundir com ele. Se, no obstante, o consideramos separadamente,

    isto deve-se ao facto de o Interseccionismo, tal como o Paulismo, poder ser

    interpretado mais facilmente base dos poemas que lhes servem de modelo. Deve-

    se, pois, considerar conjuntamente a poesia programtica Chuva Oblqua e as

    passagens das cartas relacionadas com o Interseccionismo, se quisermos definir

    tanto quanto possvel com exactido a fase de transio entre o Paulismo e as teorias

    dos heternimos.

    Na data 4-10-1914 - meio ano depois da criao de Alberto Caeiro, Ricardo Reis e

    lvaro de Campos -, Pessoa escreve a Cortes-Rodrigues: Verdade seja que

    descobri um novo gnero de paulismo. Mas preciso completar o feito.1 Com a sua

    habitual paixo pelas ideias, caratteristica dei pigri fantasiosi e complessati2

    (Luciana Stegagno Picchio), Pessoa comea logo vasta aco de propaganda para

    divulgao da nova corrente. H que sair com uma revista interseccionista, ou melhor

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    ainda, com uma antologia do Interseccionismo e, para colaboradores, so mais uma

    vez convocados todos os amigos que, h pouco ainda ligados ao Paulismo, de ora em

    diante passam a assinar-se de interseccionistas: S-Carneiro, A. P. Guisado e Cortes-

    Rodrigues. Para os espritos inferiores prev-se o auxlio por meio de grficos ou

    desenhos em que o Interseccionismo aparea como cruzamento ou interseco de

    todas as correntes anteriores. O projecto no se chega a concretizar, tal como

    acontecer com a antologia do Sensacionismo em 1916. Parece, porm, ter existido

    um manifesto do Interseccionismo, pelo menos em fragmento, pois que Pessoa se lhe

    refere numa carta a Cortes-Rodrigues a 4-1-1915, na qual declara: No publicarei o

    Manifesto escandaloso. Tratava-se talvez dum texto precursor do Ultimatum

    publicado por lvaro de Campos em 1917 na revista Portugal Futurista? O carcter

    escandaloso do Ultimatum poderia justificar esta conjectura, tanto mais que um

    facto no ter aparecido no esplio, onde de resto se encontram todos os

    apontamentos manuscritos do autor, qualquer manifesto interseccionista.

    De qualquer maneira, certo que Pessoa quis, no seu primeiro entusiasmo,

    interpretar o Interseccionismo como Paulismo a srio e que considerou o Orpheu

    do seu amigo S-Carneiro como o rgo prprio para dar a ressonncia devida

    nova escola. J. G. Simes3 sustenta esta opinio e afirma, noutro local, que o

    Interseccionismo representa na obra de Pessoa a transposio do Cubismo e do

    Futurismo para a literatura.4 O prprio Pessoa, porm, defende-se, como

    mostraremos, categoricamente contra a confuso do Interseccionismo com o

    Futurismo. Simes sugere, mas injustamente com certeza, que Pessoa tivesse sido

    encaminhado para as suas novas teorias atravs das cartas de S-Carneiro, vindas

    de Paris. Mas as cartas de S-carneiro dos anos de 1913 a 1914, embora contenham

    de facto aluses ao Cubismo, ao fascnio de Picasso e aos teoremas loucos do

    futurista Santa Rita Pintor, no fornecem quaisquer pontos de referncia a partir dos

    quais Pessoa pudesse ter feito derivar o seu Interseccionismo. S em 13-8-1915,

    muito depois do aparecimento do poema programtico do Interseccionismo, que S-

    Carneiro participa ao amigo a compra dum volume com poemas futuristas de

    Marinetti, Btuda e Altomare, elogiando as exclamaes a contidas Fu, fu, cri, cri e

    corcuruco como muito recomendveis adentro da nova poesia.

    [...]

    Chuva Oblqua uma amostra de virtuosismo potico e como tal, para

    demonstrar as variaes do novo programa, desdobra-se em seis partes [...]. Para

    exemplo, tomemos dois excertos especialmente caractersticos. O poema na sua

    totalidade data de Junho de 1914, seguindo-se aos primeiros versos de Caeiro, e foi

    publicado em 1915, no segundo nmero de Orpheu.

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    CHUVA OBLQUA

    I

    Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito

    E a cor das flores transparente de as velas de grandes navios

    Que largam do cais arrastando nas guas por sombra

    Os vultos ao sol daquelas rvores antigas...

    O porto que sonho sombrio e plido

    E esta paisagem cheia de sol deste lado...

    Mas no meu esprito o sol deste dia porto sombrio

    E os navios que saem do porto so estas rvores ao sol...

    Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...

    O vulto do cais a estrada ntida e calma

    Que se levanta e se ergue como um muro,

    E os navios passam por dentro dos troncos das rvores

    Com uma horizontalidade vertical,

    E deixam cair amarras na gua pelas folhas uma a uma dentro...

    No sei quem me sonho...

    Sbito toda a gua do mar do porto transparente

    E vejo no fundo, como uma estampa enorme que l estivesse desdobrada,

    Esta paisagem toda, renque de rvores, estrada a arder em aquele porto,

    E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa

    Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem

    E chega ao p de mim, e entra por mim dentro,

    E passa para o outro lado da minha alma...

    Se chamamos a este poema paradigma da corrente interseccionista porque a sua

    estrutura segue com uma nitidez geomtrica uma nica directriz fundamental: a

    interseco de duas superfcies, ou sejam, uma paisagem vivida e um porto

    imaginado. Desta interseco resulta uma sequncia imagtica de grande nitidez

    plstica. [...] O poema muito mais, de princpio a fim, uma montagem em dois

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    planos e os efeitos de contraste so produzidos pela sobreposio de dois todos, o

    sonhado e o vivido.

    Com tudo isto pode dizer-se que nos encontramos ainda em terreno romntico; pois

    que, como no Paulismo, o sonho mais forte do que a realidade exterior. O porto

    imaginrio liberta o poeta da realidade (liberto em duplo, abandonei-me da

    paisagem abaixo...). Na segunda metade do poema processa-se abertamente uma

    permuta entre o sonho e a realidade: o porto imaginrio ganha supremacia,

    usurpando o lugar paisagem real que, por sua vez, assume a forma imaginria,

    emergindo diante dos nossos olhos como fico, como estampa no fundo das

    guas do porto imaginrio. Desta dupla paisagem esttica solta-se a imagem mtica

    da nau ou caravela que, apesar do seu carcter imaginrio, adquire tais foros de

    realidade que o poeta a distingue ou percepciona em ambos os planos

    simultaneamente, e sente que entra por ele dentro. Este fenmeno - a entrada da

    caravela na alma do poeta - sublinha mais uma vez a duplicidade da vivncia,

    duplicidade esta provocada pela interseco do sonho com a realidade.

    Se nos lembrarmos de que o que os pintores cubistas pretendiam era representar

    simultaneamente as vrias superfcies dum objecto, as visveis e as encobertas, -

    nos fcil descobrir que o Interseccionismo nada tem a ver com a tcnica dos cubistas.

    O processo da interseco de superfcies no pode ter derivado do cubismo nem

    pode, legitimamente, ser relacionado com ele. A primazia dada ao sonho no final do

    poema mostra muito mais que a desvalorizao paulista do mundo exterior, em favor

    dum mundo fictcio criado pela imaginao do poeta, continua a existir tambm no

    Interseccionismo. O novo estilo de Pessoa est mais prximo do Paulismo do que o

    querem admitir crticos como J. G. Simes.

    A que efeitos requintados pode conduzir a tcnica da interseco, quando aplicada

    rigorosa e consequentemente, podemos avali-lo numa outra passagem de Chuva

    Oblqua:

    III

    A Grande Esfinge do Egipto sonha pr este papel dentro...

    Escrevo - e ela aparece-me atravs da minha mo transparente

    E ao canto do papel erguem-se as pirmides...

    Escrevo - perturbo-me de ver o bico da minha pena

    Ser o perfil do rei Quops...

    De repente paro...

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    Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo...

    Estou soterrado sob as pirmides a escrever versos luz clara deste candeeiro

    E todo o Egipto me esmaga de alto atravs dos traos que fao com a pena...

    Ouo a Esfinge rir por dentro

    O som da minha pena a correr no papel...

    Atravessa o eu no poder v-la uma mo enorme,

    Varre tudo para o canto do tecto que fica por detrs de mim,

    E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve

    Jaz o cadver do rei Quops, olhando-me com olhos muito abertos,

    E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo

    E uma alegria de barcos embandeirados erra

    Numa diagonal difusa

    Entre mim e o que eu penso...

    Funerais do rei Quops em ouro velho e Mim!...

    A tcnica interseccionista - alis caracterizada em ambas as passagens por termos

    geomtricos, aqui atravs da diagonal difusa, na primeira parte atravs da

    horizontal vertical - faz com que se entrecruzem aqui os planos do presente e do

    passado. Nos trs primeiros versos o presente real e o passado imaginrio comeam

    por se apresentar desligados um do outro. O poeta ao escrever est a pensar no

    Egipto, e as imagens da esfinge e das pirmides surgem diante dele. A viso e a

    realidade encadeiam-se. A juno das duas conduz ao desfecho quase humorstico

    da imagem seguinte: no bico da pena do poeta aparece o perfil do rei Queps. A

    tcnica da intercalao, como vemos, utilizada a rigor. Feita a advertncia (de

    repente paro... Escureceu tudo...), consuma-se a permuta dos dois planos: o sonho

    ganha a primazia e o poeta deixa-se dominar pelas imagens que ele prprio criou ao

    ponto de, neste caso, se sentir esmagado pelas pirmides. De novo se entrecruzam

    os dois planos: o bico da caneta transforma-se no riso da esfinge. Ao contrrio do

    primeiro exemplo que transcrevemos, parece-nos aqui evidente a existncia dum

    maior requinte na aplicao da tcnica interseccionista: o perfil do rei Queps

    transforma-se em cadver, cadver sete que, como convm a um sonho, fita de olhos

    abertos o poeta, iniciando com ele uma espcie de dilogo mudo do qual resultam

    novas imagens: o Nilo, barcos embandeirados, preparativos para os funerais. O

    ouro velho do verso final, metfora predilecta no s de S-Carneiro mas tambm

    de Pessoa na fase paulista, indica-nos que a viso acontece numa esfera ideal; os

    funerais do rei tm lugar simultaneamente no passado e no presente do Eu sensvel.

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    Como principal inovao em relao ao Paulismo assinalam-se, alm da nitidez

    plstica de cada uma das imagens, nitidez esta j antecipada em poemas como o

    Ela canta, pobre ceifeira, a transio da mtrica tradicional para o verso livre e sem

    rima. Para o que o Marine de Rimbaud poderia bem ter servido de exemplo.

    Tambm o Interseccionismo permanece ainda preso nas malhas da poesia

    simbolista e subjectiva. Ningum o soube ver mais claramente que o prprio Pessoa.

    Na carta ao Dirio de Notcias de 4-6-1915 temo-lo a protestar contra a confuso

    que os jornalistas daquele dirio, dada a sua ignorncia, praticam, entre Futurismo e

    Interseccionismo; Pessoa explica: A atitude principal do futurismo a Objectividade

    Absoluta, a eliminao, da arte, de tudo quanto ALMA, quanto sentimento,

    emoo, lirismo, subjectividade em suma. O futurismo dinmico e analtico por

    excelncia. Ora se h cousa que [seja] tpica do Interseccionismo (tal o nome do

    movimento portugus) a subjectividade excessiva, a sntese levada ao mximo, o

    exagero da atitude esttica.5

    Se procurmos dar uma ideia da tcnica interseccionista base do exemplo de

    Chuva Oblqua, porque a estrutura deste ciclo de poemas no de modo algum

    compreensvel sem a teoria que lhe est por detrs. De resto o nmero de poemas

    claramente derivados do Interseccionismo muito reduzido. Isto provm do facto,

    com certeza, de Pessoa ter esboado num perodo de tempo relativamente curto

    vrias teorias totalmente diferentes; no , pois para admirar que cada uma das

    teorias de per si s se possa encontrar, em estado puro, em poucos poemas padro.

    [...]

    Pessoa tinha, alis, todos os motivos para se opor confuso entre

    Interseccionismo e Futurismo. Logo que a palavra de ordem das tendncias

    modernistas na arte europeia comeara a circular, todas as outras teorias estavam

    em risco de serem classificadas sob a mesma etiqueta. O Interseccionismo de

    Pessoa no era, de resto, uma doutrina cuidadosamente formulada, como o futurismo

    de Marinetti, mas apenas uma tcnica de composio, cujas caractersticas

    peculiares s se podiam avaliar pelos poemas que lhe serviam de exemplo. Quem

    observasse de fora podia imputar ao Interseccionismo tudo aquilo que,

    pessoalmente, tinha por modernista. Da a confuso do Interseccionismo com o

    Futurismo ter sido acatada, inadvertidamente, mesmo pelo amigo mais chegado de

    Pessoa, Mrio de S-Carneiro, como no-lo mostra o seu poema Manicure. [...]

    Os vrios planos caoticamente agrupados no poema e a referncia expressa a

    inmeras interseces (em vez do entrecruzar de dois planos apenas, utilizado por

    Pessoa), afastam o poema para perto do Simultanesmo e do Sensacionismo.

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 14

    1 - F. P., Cartas a A. Cortes-Rodrigues, p. 60;

    2 - Caractersticas dos preguiosos fantasistas e complexados (N. do T.);

    3 - Cf. J. G. Simes, Literatura, Literatura, Literatura, Lisboa, 1964, pp. 60 e segs.;

    4 - J. G. Simes, Vida e Obra de F. P., vol. I, p. 250;

    5 - F. P., Pginas ntimas, p. 413.

    Lind, Georg Rudolf, Duas Tentativas para o Aperfeioamento do Simbolismo: o

    Palismo e o Interseccionismo in Estudos Sobre Fernando Pessoa, Imprensa

    Nacional - Casa da Moeda, 1981

    Sensacionismo

    Termo criado por Fernando Pessoa e Mrio de S-Carneiro e explicado pelo primeiro

    ao longo de vrios ensaios, apontamentos e escritos. O sensacionismo assume-se

    como princpio psicolgico e esttico. Concebendo a sensao como nica realidade,

    Pessoa defendia que a arte deveria levar a cabo uma decomposio das sensaes,

    de forma a tornar consciente, no homem, a estrutura da realidade, decomposta nos

    seus vrios elementos, concebidos como dimenses geomtricas.

    Na base da arte estaria, portanto, a sensao. Esta estava sujeita a uma

    intelectualizao (tomada de conscincia dessa sensao), e esta conscincia, por

    sua vez, seria tambm intelectualizada (como conscincia da conscincia da

    sensao), o que lhe permitiria ser expressa. Pessoa pretendeu estender este

    princpio anlise de vrios autores seus contemporneos, incluindo-se a si mesmo, e

    a uma perspectiva histrico-literria. As contradies na teorizao do sensacionismo

    so reflexo da prpria complexidade das ideias de Pessoa. O Interseccionismo era,

    para este poeta, uma das formas de concretizar o sensacionismo.

    Futurismo

    Movimento artstico europeu influente entre 1909 e 1914, com origem na cidade de

    Paris. Nas suas obras, os futuristas fizeram a exaltao do mundo moderno, da

    beleza da velocidade e da energia, do dinamismo, da vertigem febril, e,

    inclusivamente, da beleza blica. O poeta italiano Filippo Marinetti publicou o

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 15

    Manifesto Futurista em 1909, exortando os artistas italianos a juntarem-se a ele e a

    aderirem ao futurismo. Nas artes plsticas, combinando o jogo de planos e formas

    geomtricas do cubismo com cores vibrantes, pretendiam atingir o dinamismo de um

    automvel ou um comboio em movimento, por exemplo, atravs da repetio

    simultnea de formas. Na literatura, a expresso do movimento passaria pela

    dissoluo das estruturas sintcticas e semnticas tradicionais, pela expresso

    totalmente livre e pelo aproveitamento da palavra enquanto elemento sensvel. Como

    movimento, o futurismo desapareceu durante a I Guerra Mundial.

    Em Portugal, expresses do movimento futurista integraram as primeiras incurses

    modernistas no pas, contemporneas da revista Orpheu. Estreitamente ligado ao

    futurismo esteve o sensacionismo, de Fernando Pessoa. Almada Negreiros (Manifesto

    Anti-Dantas) e lvaro de Campos, heternimo de Fernando Pessoa (Ode Triunfal,

    Ode Martima) foram pioneiros no futurismo portugus, em que se integram tambm

    alguns textos de Mrio de S-Carneiro. A agitao provocada nos meios artsticos

    acadmicos pelo movimento ficou marcada, em 1917, pela primeira conferncia

    futurista, no Teatro Repblica. O apoio dado ao movimento por Jos de Almada

    Negreiros, que se autodesignou como poeta futurista, era j evidente nessa

    conferncia, com o seu Ultimatum Futurista s Geraes Portuguesas do Sculo XX,

    publicado no nico nmero do Portugal Futurista (1917), rgo do movimento. Nas

    artes plsticas destacaram-se Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza Cardoso.

    Portugal Futurista

    poca Contempornea I

    Revista modernista da qual se publicou um nmero nico em 1917. Foi publicada em

    Lisboa sob a direco de Carlos Filipe Porfrio, que pretendia que a revista fosse o

    porta-voz do movimento futurista portugus, que com ela despontava. Nesse nmero

    vinham includos um artigo e o Ultimatum Futurista s Geraes Portuguesas do

    Sculo XX, da autoria de Almada Negreiros, um ensaio e um manifesto de Marinetti,

    o Manifeste des Peintres Futuristes, da autoria de cinco pintores italianos, o

    Ultimatum de lvaro de Campos, os poemas Episdios e Fices de Fernando

    Pessoa, e poemas de Mrio de S-Carneiro e Guillaume Apollinaire. A revista Portugal

    Futurista foi apreendida sada da tipografia

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 16

    Orpheu

    poca Contempornea I

    Revista literria portuguesa de que saram dois nmeros, em Maro e em Junho de

    1915. Constituiu um marco fundamental na histria da literatura portuguesa, devendo-

    se-lhe a introduo do movimento modernista. Nela colaboraram Lus de Montalvor,

    Mrio de S-Carneiro, Ronald de Carvalho, Almada Negreiros, Fernando Pessoa

    (ortnimo e lvaro de Campos) e ngelo de Lima, entre outros. Entre os textos

    publicados, contam-se poemas clebres de Pessoa, como Ode Triunfal, e Chuva

    Oblqua, e Manicure, de Mrio de S-Carneiro.

    A revista respondia ao desejo deste grupo de artistas, influenciados pelo

    cosmopolitismo e pelas vanguardas europeias, de escandalizar a sociedade burguesa,

    agitando o meio cultural portugus o que foi conseguido, tornando-se os autores

    objecto da troa geral. O terceiro nmero da revista, embora j impresso, acabou por

    no ser publicado. Na esteira da Orpheu estiveram outras revistas ligadas ao

    modernismo, como a Centauro (1916) e a Portugal Futurista (1917), inaugurando a

    Presena (1927) um segundo ciclo do modernismo em Portugal.

    Negreiros, Jos Sobral de Almada

    (1893 - 1970)

    Artista plstico e escritor portugus, natural de So Tom e Prncipe, onde o pai era

    administrador do concelho da cidade. Estudou no colgio jesuta de Campolide, para

    onde entrou em 1900, aos sete anos de idade, aps a morte prematura da me, em

    1896, e a partida definitiva do pai para Paris nesse mesmo ano. A realizou os jornais

    manuscritos Repblica, Mundo e Ptria. Aps o encerramento do colgio frequentou,

    entre 1910 e 1911, o liceu de Coimbra, de onde passou para a Escola Nacional de

    Belas-Artes, em Lisboa. Em 1915, integrado no grupo Orpheu, centrou a sua polmica

    ideolgica numa crtica cerrada a uma gerao e a um pas que se deixava

    representar por uma figura como Jlio Dantas. Mostrando-se convicto de que

    Portugal h-de abrir os olhos um dia, lanou, em 1917, um Ultimatum Futurista s

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 17

    Geraes Portuguesas do Sculo XX, precavendo-as contra a decadncia nacional,

    em que a indiferena absorveu o patriotismo.

    Entre 1919 e 1920 retomou os estudos de pintura em Paris, onde criou a sua

    caracterstica assinatura, com o d do seu nome a elevar-se, marcando a sua

    individualidade. De regresso a Lisboa, adquiriu uma serenidade bem expressa na sua

    afirmao de que entre mim e a vida no h mal entendidos. Mas, em 1927, de

    novo desgostoso com a falta de abertura do pas s novas correntes ideolgicas e

    culturais, foi para Madrid. A, como j antes o fizera em Lisboa, a par da sua actividade

    nas artes plsticas, colaborou com a imprensa. Com o agravamento da crise

    econmica e social espanhola, aps a proclamao da Repblica, Almada regressou a

    Lisboa, em Abril de 1932. conscincia nacional que Paris lhe trouxera acrescentou

    agora uma conscincia ibrica culturalmente definida por valores lricos de uma certa

    lusitaneidade. Em 1934, casou com a pintora Sara Afonso.

    Almada Negreiros, conhecido como Mestre Almada, colaborou nas revistas de

    vanguarda Orpheu (de que foi co-fundador), Contempornea, Athena, Portugal

    Futurista e Sudoeste (que dirigiu). Participou em exposies de arte, nomeadamente

    na I Exposio dos Humoristas Portugueses (1911), a primeira do modernismo

    nacional. Como artista plstico, so de realar os seus murais na gare martima de

    Lisboa, os trabalhos para a Igreja de Nossa Senhora de Ftima (mosaico e pintura) e o

    clebre retrato de Fernando Pessoa. Pintor do advento do cubismo, a sua actividade

    artstica estendeu-se ainda tapearia, decorao e ao bailado.

    Como escritor, publicou peas de teatro (Antes de Comear, 1919; Pierrot e Arlequim,

    1924; e Deseja-se Mulher, 1928); o romance Nome de Guerra (escrito em 1925, mas

    publicado apenas em 1938, considerado um dos romances fundamentais do sculo

    XX portugus e o primeiro em que se manifesta j a arte modernista); os poemas

    Meninos de Olhos de Gigante (1921), A Cena do dio (escrito em 1915 durante a

    Revoluo de Maio contra a ditadura de Pimenta de Castro e publicado apenas em

    1923, consiste numa descrio violenta do Portugal da poca, em que se exprime uma

    dialctica de amor-dio que seria a tnica dominante das relaes do artista com a

    ptria), As Quatro Manhs (1935) e Comear (1969); e uma srie de textos de crtica e

    polmica, dispersos pelas publicaes em que colaborava. De entre estes, destacam-

    se o Manifesto Anti-Dantas (1915), verdadeiro libelo de reaco ao ambiente cultural

    estagnado e academizante da poca, o Manifesto (1916), o Ultimatum Futurista s

    Geraes Portuguesas (1917) e A Inveno do Dia Claro (1921), conferncia sob a

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 18

    forma de poema. A sua obra representa uma sntese, nica na sua gerao, das

    tendncias modernistas e futuristas de ento, no apenas por, como artista, ser

    multifacetado, mas tambm pela sua capacidade de fuso e conjugao, nas letras e

    na pintura, das vertentes plstica, grfica e potica. Em 1970 e 1988, foram publicadas

    duas edies de Obras Completas de Almada Negreiros, comemorando a ltima o

    centenrio do autor.

    Artista da novidade e da provocao, em demanda de uma ptria portuguesa do

    sculo XX, atento busca de uma unanimidade universal e profundamente marcado

    pela herana e o sentido da civilizao europeia, foi uma das grandes figuras da

    cultura portuguesa do sculo XX. Artisticamente activo ao longo de toda a sua vida, o

    seu valor foi reconhecido por inmeros prmios.

    Pessoa, Fernando Antnio Nogueira(1888 - 1935)

    Escritor portugus, nasceu a 13 de Junho, numa casa do Largo de So Carlos, em

    Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai, vitimado pela tuberculose, e, no ano

    seguinte, o irmo, Jorge. Devido ao segundo casamento da me, em 1896, com o

    cnsul portugus em Durban, na frica do Sul, viveu nesse pas entre 1895 e 1905, a

    seguindo, no Liceu de Durban, os estudos secundrios.

    Frequentou, durante um ano, uma escola comercial e a Durban High School e

    concluiu, ainda, o Intermediate Examination in Arts, na Universidade do Cabo (onde

    obteve o Queen Victoria Memorial Prize, pelo melhor ensaio de estilo ingls), com

    que terminou os seus estudos na frica do Sul. No tempo em que viveu neste pas,

    passou um ano de frias (entre 1901 e 1902), em Portugal, tendo residido em Lisboa e

    viajado para Tavira, para contactar com a famlia paterna, e para a Ilha Terceira, onde

    vivia a famlia materna. J nesse tempo redigiu, sozinho, vrios jornais, assinados com

    diferentes nomes.

    De regresso definitivo a Lisboa, em 1905, frequentou, por um perodo breve (1906-

    1907), o Curso Superior de Letras. Aps uma tentativa falhada de montar uma

    tipografia e editora, Empresa bis Tipogrfica e Editora, dedicou-se, a partir de

    1908, e a tempo parcial, traduo de correspondncia estrangeira de vrias casas

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 19

    comerciais, sendo o restante tempo dedicado escrita e ao estudo de filosofia (grega

    e alem), cincias humanas e polticas, teosofia e literatura moderna, que assim

    acrescentava sua formao cultural anglo-saxnica, determinante na sua

    personalidade.

    Em 1920, ano em que a me, viva, regressou a Portugal com os irmos e em que

    Fernando Pessoa foi viver de novo com a famlia, iniciou uma relao sentimental com

    Ophlia Queiroz (interrompida nesse mesmo ano e retomada, para rpida e

    definitivamente terminar, em 1929) testemunhada pelas Cartas de Amor de Pessoa,

    organizadas e anotadas por David Mouro-Ferreira, e editadas em 1978. Em 1925,

    ocorreria a morte da me. Fernando Pessoa viria a morrer uma dcada depois, a 30

    de Novembro de 1935 no Hospital de S. Lus dos Franceses, onde foi internado com

    uma clica heptica, causada provavelmente pelo consumo excessivo de lcool.

    Levando uma vida relativamente apagada, movimentando-se num crculo restrito de

    amigos que frequentavam as tertlias intelectuais dos cafs da capital, envolveu-se

    nas discusses literrias e at polticas da poca. Colaborou na revista A guia, da

    Renascena Portuguesa, com artigos de crtica literria sobre a nova poesia

    portuguesa, imbudos de um sebastianismo animado pela crena no surgimento de um

    grande poeta nacional, o super-Cames (ele prprio?). Data de 1913 a publicao

    de Impresses do Crepsculo (poema tomado como exemplo de uma nova

    corrente, o Palismo, designao advinda da primeira palavra do poema) e de 1914 o

    aparecimento dos seus trs principais heternimos, segundo indicao do prprio

    Fernando Pessoa, em carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, sobre a origem destes.

    Em 1915, com Mrio de S-Carneiro (seu dilecto amigo, com o qual trocou intensa

    correspondncia e cujas crises acompanhou de perto), Lus de Montalvor e outros

    poetas e artistas plsticos com os quais formou o grupo Orpheu, lanou a revista

    Orpheu, marco do modernismo portugus, onde publicou, no primeiro nmero, Opirio

    e Ode Triunfal, de Campos, e O Marinheiro, de Pessoa ortnimo, e, no segundo,

    Chuva Oblqua, de Fernando Pessoa ortnimo, e a Ode Martima, de Campos.

    Publicou, ainda em vida, Antinous (1918), 35 Sonnets (1918), e trs sries de English

    Poems (publicados, em 1921, na editora Olisipo, fundada por si). Em 1934, concorreu

    com Mensagem a um prmio da Secretaria de Propaganda Nacional, que conquistou

    na categoria B, devido reduzida extenso do livro. Colaborou ainda nas revistas

    Exlio (1916), Portugal Futurista (1917), Contempornea (1922-1926, de que foi co-

    director e onde publicou O Banqueiro Anarquista, conto de raciocnio e deduo, e o

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 20

    poema Mar Portugus), Athena (1924-1925, igualmente como co-director e onde

    foram publicadas algumas odes de Ricardo Reis e excertos de poemas de Alberto

    Caeiro) e Presena.

    A sua obra, que permaneceu maioritariamente indita, foi difundida e valorizada pelo

    grupo da Presena. A partir de 1943, Lus de Montalvor deu incio edio das obras

    completas de Fernando Pessoa, abrangendo os textos em poesia dos heternimos e

    de Pessoa ortnimo. Foram ainda sucessivamente editados escritos seus sobre temas

    de doutrina e crtica literrias, filosofia, poltica e pginas ntimas. Entre estes, contam-

    se a organizao dos volumes poticos de Poesias (de Fernando Pessoa), Poemas

    Dramticos (de Fernando Pessoa), Poemas (de Alberto Caeiro), Poesias (de lvaro de

    Campos), Odes (de Ricardo Reis), Poesias Inditas (de Fernando Pessoa, dois

    volumes), Quadras ao Gosto Popular (de Fernando Pessoa), e os textos de prosa de

    Pginas ntimas e de Auto-Interpretao, Pginas de Esttica e de Teoria e Crtica

    Literrias, Textos Filosficos, Sobre Portugal Introduo ao Problema Nacional, Da

    Repblica (1910-1935) e Ultimatum e Pginas de Sociologia Poltica. Do seu vasto

    esplio foram tambm retirados o Livro do Desassossego por Bernardo Soares e uma

    srie de outros textos.

    A questo humana dos heternimos, tanto ou mais que a questo puramente literria,

    tem atrado as atenes gerais. Concebidos como individualidades distintas da do

    autor, este criou-lhes uma biografia e at um horscopo prprios. Encontram-se

    ligados a alguns dos problemas centrais da sua obra: a unidade ou a pluralidade do

    eu, a sinceridade, a noo de realidade e a estranheza da existncia. Traduzem, por

    assim dizer, a conscincia da fragmentao do eu, reduzindo o eu real de Pessoa a

    um papel que no maior que o de qualquer um dos seus heternimos na existncia

    literria do poeta. Assim questiona Pessoa o conceito metafsico de tradio romntica

    da unidade do sujeito e da sinceridade da expresso da sua emotividade atravs da

    linguagem. Enveredando por vrios fingimentos, que aprofundam uma teia de

    polmicas entre si, opondo-se e completando-se, os heternimos so a mentalizao

    de certas emoes e perspectivas, a sua representao irnica pela inteligncia. Deles

    se destacam trs: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e lvaro de Campos.

    Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a gnese dos seus heternimos, Caeiro

    (1885-1915) o Mestre, inclusive do prprio Pessoa ortnimo. Nasceu em Lisboa e a

    morreu, tuberculoso, em 1915, embora a maior parte da sua vida tenha decorrido

    numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus poemas, os do livro

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 21

    O Guardador de Rebanhos, os de O Pastor Amoroso e os Poemas Inconjuntos, sendo

    os do ltimo perodo da sua vida escritos em Lisboa, quando se encontrava j

    gravemente doente (da, segundo Pessoa, a novidade um pouco estranha ao

    carcter geral da obra). Sem profisso e pouco instrudo (teria apenas a instruo

    primria), e, por isso, escrevendo mal o portugus, rfo desde muito cedo, vivia de

    pequenos rendimentos, com uma tia-av. Caeiro era, segundo ele prprio, o nico

    poeta da natureza, procurando viver a exterioridade das sensaes e recusando a

    metafsica, caracterizando-se pelo seu pantesmo e sensacionismo que, de modo

    diferente, lvaro de Campos e Ricardo Reis iriam assimilar.

    Ricardo Reis nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num colgio de jesutas,

    recebeu uma educao clssica (latina) e estudou, por vontade prpria, o helenismo

    (sendo Horcio o seu modelo literrio). Essa formao clssica reflecte-se, quer a

    nvel formal (odes maneira clssica), quer a nvel dos temas por si tratados e da

    prpria linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado.

    Mdico, no exercia, no entanto, a profisso. De convices monrquicas, emigrou

    para o Brasil aps a implantao da Repblica. Pago intelectual, lcido e consciente,

    reflectia uma moral estoico-epicurista, misto de altivez resignada e gozo dos prazeres

    que o no comprometessem na sua liberdade interior, e que a resposta possvel do

    homem dureza ou ao desprezo dos deuses e efemeridade da vida.

    lvaro de Campos, nascido em Tavira em 1890, era um homem viajado. Depois de

    uma educao vulgar de liceu formou-se em engenharia mecnica e naval na Esccia

    e, numas frias, fez uma viagem ao Oriente, de que resultou o poema Opirio. Viveu

    depois em Lisboa, sem exercer a sua profisso. Dedicou-se literatura, intervindo em

    polmicas literrias e polticas. da sua autoria o Ultimatum, publicado no Portugal

    Futurista, manifesto contra os literatos instalados da poca. Apesar dos pontos de

    contacto entre ambos, travou com Pessoa ortnimo uma polmica aberta. Prottipo do

    vanguardismo modernista, o cantor da energia bruta e da velocidade, da vertigem

    agressiva do progresso, de que a Ode Triunfal um dos melhores exemplos,

    evoluindo depois no sentido de um tdio, de um desencanto e de um cansao da vida,

    progressivos e auto-irnicos.

    De entre outros, de menor expresso, destaca-se ainda o semi-heternimo Bernardo

    Soares, ajudante de guarda-livros que sempre viveu sozinho em Lisboa e revela, no

    seu Livro do Desassossego, uma lucidez extrema na anlise e na capacidade de

    explorao da alma humana.

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 22

    Quanto a Fernando Pessoa ortnimo, segue, formalmente, os modelos da poesia

    tradicional portuguesa, em textos de grande suavidade rtmica e musical. Poeta

    introvertido e meditativo, anti-sentimental, reflecte inquietaes e estranhezas que

    questionam os limites da realidade da sua existncia e do mundo. O poema

    Mensagem, exaltao sebastinica que se cruza com um certo desalento, numa

    expectativa ansiosa de ressurgimento nacional, revela uma faceta esotrica e mstica

    do poeta, manifestada tambm nas suas incurses pelas cincias ocultas e pelo rosa-

    crucianismo.

    Figura cimeira da literatura portuguesa e da poesia europeia do sculo XX, se o seu

    virtuosismo , sobretudo inicialmente, uma forma de abalar a sociedade e a literatura

    burguesas decrpitas (nomeadamente atravs dos seus ismos: Palismo,

    Interseccionismo, sensacionismo), ele fundamenta a resposta revolucionria

    concepo romntica, sentimentalmente metafsica, da literatura. O apagamento da

    sua vida pessoal no obviou ao exerccio activo da crtica e da polmica em vida, e

    sobretudo a uma grande influncia na literatura portuguesa do sculo XX.

    Existe presentemente, em Lisboa, a Casa Fernando Pessoa, instalada na ltima

    morada do autor.

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 23

    FERNANDO PESSOA ORTNIMO

    Caractersticas temticas

    Identidade perdida (Quem me dir sou?) e incapacidade de auto-definio

    (Gato que brincas na rua (...)/ Todo o nada que s teu./ Eu vejo-me e estou sem

    mim./ Conhece-me e no sou eu.)

    Conscincia do absurdo da existncia

    Recusa da realidade, enquanto aparncia (H entre mim e o real um vu/ prpria

    concepo impenetrvel)

    Tenso sinceridade/fingimento, conscincia/inconscincia

    Oposio sentir/pensar, pensamento/vontade, esperana/desiluso

    Anti-sentimentalismo: intelectualizao da emoo (Eu simplesmente sinto/

    Com a imaginao./ No uso o corao. Isto)

    Estados negativos: egotismo, solido, cepticismo, tdio, angstia, cansao,

    nusea, desespero

    Inquietao metafsica, dor de viver

    Neoplatonismo

    Tentativa de superao da dor, do presente, etc., atravs de:- evocao da infncia, idade de ouro, onde a felicidade ficou perdida e onde

    no existia o doloroso sentir: Com que nsia to raiva/ Quero aquele outrora!

    Pobre velha msica

    - refgio no sonho, na msica e na noite

    - ocultismo (correspondncia entre o visvel e o invisvel)

    - criao dos heternimos (S plural como o Universo!)

    Intuio de um destino colectivo e pico para o seu Pas (Mensagem)

    Renovador de mitos

    Parte de uma percepo da realidade exterior para uma atitude reflexiva (constri

    uma analogia entre as duas realidades transmitidas: a viso do mundo exterior

    fabricada em funo do sentimento interior)

    Reflexo sobre o problema do tempo como vivncia e como factor de fragmentao

    do eu

    A vida sentida como uma cadeia de instantes que uns aos outros se vo

    sucedendo, sem qualquer relao entre eles, provocando no poeta o sentimento da

    fragmentao e da falta de identidade

    O presente o nico tempo por ele experimentado (em cada momento se diferente

    do que se foi)

    O passado no existe numa relao de continuidade com o presente

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 24

    Tem uma viso negativa e pessimista da existncia; o futuro aumentar a sua

    angstia porque o resultado de sucessivos presentes carregados denegatividade

    Caractersticas estilsticas

    A simplicidade formal; rimas externas e internas; redondilha maior (gosto pelo

    popular) que d uma ideia de simplicidade e espontaneidade

    Grande sensibilidade musical:

    - eufonia harmonia de sons

    - aliteraes, encavalgamentos, transportes, rimas, ritmo

    - verso geralmente curto (2 a 7 slabas)

    - predomnio da quadra e da quintilha

    Adjectivao expressiva

    Economia de meios:

    - Linguagem sbria e nobre equilbrio clssico

    Pontuao emotiva

    Uso frequente de frases nominais

    Associaes inesperadas [por vezes desvios sintcticos enlage (Pobre velha

    msica)]

    Comparaes, metforas originais, oxmoros

    Uso de smbolos

    Reaproveitamento de smbolos tradicionais (gua, rio, mar...)

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 25

    Fernando Pessoa

    - Coexistem 2 correntes: - Tradicional: continuidade do lirismo portugus (saudosismo)

    - Modernista: processo de ruptura - heternimos- Pessoa ortnimo (simbolismo,Palismo, Interseccionismo)

    Ortnimo

    Poesia:

    - Escreve: - Mensagem ocultismo - Lrica simples e tradicional desencanto e melancolia

    - Caractersticas: - dor de pensar - Angstia existencial - Nostalgia - Desiluso - Viso negativa do mundo e da vida - Solido interior - Inquietao perante o enigma indecifrvel do mundo - Tdio - Falta de impulsos afectivos de quem j nada espera da vida - Obsesso de anlise - Vagos acenos do inexplicvel - Recordaes da infncia - Cepticismo

    - Estilo e Linguagem: - preferncia pela mtrica curta - Linguagem simples, espontnea, mas sbria - Pontuao (diversidade) - Gosto pelo popular (quadra) - Mtrica tradicional: redondilha (7) - MusicalidadeTemas

    Sinceridade/fingimento- Intelectualizao do sentimento para exprimir a arte -> poeta fingidor

    - despersonalizao do poeta fingidor que fala e que se identifica com a prpriacriao potica

    - uso da ironia para pr tudo em causa, inclusive a prpria sinceridade - Crtica de sinceridade ou teoria do fingimento est bem patente na unio decontrrios - Mentira: linguagem ideal da alma, pois usamos as palavras para traduziremoes e pensamentos (incomunicvel)

    Conscincia/inconscincia - Aumento da autoconscincia humana (despersonalizao) - tentativa de resposta a vrias inquietaes que perturbam o poeta

    Sentir/pensar - concilia o pensar e o sentir

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    - nega o que as suas percepes lhe transmitem - recusa o mundo sensvel, privilegiando o mundo inteligvel

    - Fragmentao do eu Interseccionismo entre o material e o sonho; arealidade e a idealidade; realidades psquicas e fsicas; interiores e exteriores;sonhos e paisagens reais; espiritual e material; tempos e espaos;horizontalidade e verticalidade.

    O tempo e a degradao: o regresso infncia - desencanto e angstia acompanham o sentido da brevidade da vida e dapassagem dos dias - busca mltiplas emoes e abraa sonhos impossveis, mas acaba semalegria nem aspiraes, inquieto, s e ansioso. - o passado pesa como a realidade de nada e o futuro como a possibilidadede tudo. O tempo para ele um factor de desagregao na medida em que tudo breve e efmero. - procura superar a angstia existencial atravs da evocao da infncia e desaudade desse tempo feliz.

    Poemas:

    - Meu corao 1 prtico partido - fragmentao do eu

    - Hora Absurda - fragmentao do eu - Interseccionismo

    - Chuva Oblqua - fragmentao do eu: o sujeito potico revela-se duplo, nabusca de sensaes que lhe permitem antever a felicidadeansiada, mas inacessvel.- Interseccionismo impressionista: recria vivncias que seinterseccionam com outras que, por sua vez, do origem anovas combinaes de realidade/idealidade.

    - Autopsicografia - dialctica entre o eu do escritor e o eu potico, personalidadefictcia e criadora.- criao de 1 personalidade livre nos seus sentidos e emoes sinceridade de sentimentos- o poeta codifica o poema q o receptor descodifica suamaneira, sem necessidade de encontrar a pessoa real doescritor- o acto potico apenas comunica 1 dor fingida, pois a dor realcontinua no sujeito que tenta 1 representao.- os leitores tendem a considerar uma dor que no sua, masque apreendem de acordo com a sua experincia de dor.- A dor surge em 3 nveis: a dor real, a dor fingida e a dor lida

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 27

    Heteronmia

    Processo literrio em que um autor escreve encarnando personalidades fictcias querepresentam a pluralidade da sua mundividncia. Na literatura portuguesa osheternimos mais conhecidos so os de Fernando Pessoa, nomeadamente AlbertoCaeiro, Ricardo Reis, lvaro de Campos e Bernardo Soares.

    ALBERTO CAEIRO O MESTRE INGNUO

    Para Caeiro fazer poesia uma atitude involuntria, espontnea, pois vive nopresente, no querendo saber de outros tempos, e de impresses, sobretudo visuais,e porque recusa a introspeco, a subjectividade, sendo o poeta do real objectivo.

    Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem angstia, o morrer sem desespero,o fazer coincidir o ser com o estar, o combate ao vcio de pensar, o ser um ser uno, eno fragmentado. Discurso potico de caractersticas oralizantes (de acordo com a simplicidade dasideias que apresenta): vocabulrio corrente, simples, frases curtas, repeties, frasesinterrogativas, recurso a perguntas e respostas, reticncias; Apologia da viso como valor essencial (cincia de ver) Relao de harmonia com a Natureza (poeta da natureza) Rejeita o pensamento, os sentimentos, e a linguagem porque desvirtuam a realidade(a nostalgia, o anseio, o receio so emoes que perturbam a nitidez da viso de quedepende a clareza de esprito)

    Objectivismo- apagamento do sujeito- atitude antilrica- ateno eterna novidade do mundo- integrao e comunho com a Natureza- poeta deambulatrio

    Sensacionismo- poeta das sensaes tal como elas so- poeta do olhar- predomnio das sensaes visuais (Vicomo um danado) e das auditivas- o Argonauta das sensaesverdadeiras

    Anti-metafsico (H bastantemetafsica em no pensar em nada.)- recusa do pensamento (Pensar estardoente dos olhos)- recusa do mistrio- recusa do misticismo

    Pantesmo Naturalista- tudo Deus, as coisas so divinas(Deus as rvores e as flores/ E osmontes e o luar e o sol...)- paganismo- desvalorizao do tempo enquantocategoria conceptual (No quero incluir otempo no meu esquema)- contradio entre teoria e prtica

    q CARACTERSTICAS ESTILSTICAS- Verso livre- Mtrica irregular- Despreocupao a nvel fnico- Pobreza lexical (linguagem simples,familiar)- Adjectivao objectiva

    - Pontuao lgica- Predomnio do presente do indicativo- Frases simples- Predomnio da coordenao- Comparaes simples- Raras metforas

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    LVARO DE CAMPOS

    q TRAOS DA SUA POTICA- poeta modernista- poeta sensacionista (odes)- cantor das cidades e do cosmopolitanismo (Ode Triunfal)- cantor da vida martima em todas as suas dimenses (Ode Martima)- cultor das sensaes sem limite- poeta do verso torrencial e livre- poeta em que o tema do cansao se torna fulcral- poeta da condio humana partilhada entre o nada da realidade e o tudo dos sonhos(Tabacaria)- observador do quotidiano da cidade atravs do seu desencanto- poeta da angstia existencial e da auto-ironia-q 1 FASE DE LVARO DE CAMPOS DECADENTISMO (Opirio, somente)- abulia, tdio de viver- procura de sensaes novas- busca de evaso

    q 2 FASE DE LVARO DE CAMPOS Futurismo

    - elogio da civilizao industrial e da tcnica ( rodas, engrenagens, r-r-r-r-r-reterno!, Ode Triunfal)- ruptura com o subjectivismo da lrica tradicional- atitude escandalosa: transgresso da moral estabelecida

    Sensacionismo- vivncia em excesso das sensaes (Sentir tudo de todas as maneiras afastamento de Caeiro)- sadismo e masoquismo (Rasgar-me todo, abrir-me completamente,/ tornar-mepassento/ A todos os perfumes de leos e calores e carves..., Ode Triunfal)- cantor lcido do mundo moderno

    q 3 FASE DE LVARO DE CAMPOS PESSIMISMO- dissoluo do eu- a dor de pensar- conflito entre a realidade e o poeta- cansao, tdio, abulia- angstia existencial- solido- nostalgia da infncia irremediavelmente perdida (Raiva de no ter trazido o passadoroubado na algibeira!, Aniversrio)

    q TRAOS ESTILSTICOS- verso livre, em geral, muito longo- assonncias, onomatopeias (por vezes ousadas), aliteraes (por vezes ousadas)- grafismos expressivos- mistura de nveis de lngua- enumeraes excessivas, exclamaes, interjeies, pontuao emotiva- desvios sintcticos- estrangeirismos, neologismos- subordinao de fonemas

    E afinal o que quero f, calma/ E no terestas sensaes confusas.E eu vou buscar o pio que consola.

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 29

    RICARDO REIS O POETA DA RAZO

    A filosofia de Reis rege-se pelo ideal Carpe Diem a sabedoria consiste em saber-se aproveitar o presente, porque se sabe que a vida breve. H que noscontentarmos com o que o destino nos trouxe. H que viver com moderao, sem nosapegarmos s coisas, e por isso as paixes devem ser comedidas, para que a hora damorte no seja demasiado dolorosa.

    - A concepo dos deuses como um ideal humano- As referncias aos deuses da Antiguidade (neo-paganismo) greco-latina so umaforma de referir a primazia do corpo, das formas, da natureza, dos aspectos exteriores,da realidade, sem cuidar da subjectividade ou da interioridade - ensinamentos deCaeiro, o mestre de todos os heternimos- A recusa de envolvimento nas coisas do mundo e dos homens-

    Epicurismo- busca da felicidade relativa- moderao nos prazeres- fuga dor- ataraxia (tranquilidade capaz de evitar aperturbao)

    Estoicismo- aceitao das leis do destino (... a vida/passa e no fica, nada deixa e nuncaregressa.)- indiferena face s paixes e dor- abdicao de lutar- autodisciplina

    Horacianismo- carpe diem: vive o momento- aurea mediocritas: a felicidade possvelno sossego do campo (proximidade deCaeiro)

    Paganismo- crena nos deuses- crena na civilizao da Grcia- sente-se um estrangeiro fora da suaptria, a Grcia

    Culto do Belo, como forma de superar aefemeridade dos bens e a misria da vida Intelectualizao das emoes Medo da morte Quase ausncia de erotismo, emcontraste com o seu mestre Horcio

    Neoclassicismo- poesia construda com base em ideiaselevada- Odes (forma mtrica por excelncia)

    q CARACTERSTICAS ESTILSTICAS

    - Submisso da expresso ao contedo: auma ideia perfeita corresponde umaexpresso perfeita- Estrofes regulares de verso decasslaboalternadas ou no com hexasslabo- Verso branco- Recurso frequente assonncia, rimainterior e aliterao- Predomnio da subordinao

    - Uso frequente do hiprbato- Uso frequente do gerndio e doimperativo- Uso de latinismos (astro, nfero,insciente...)- Metforas, eufemismos, comparaes,imagens- Estilo construdo com muito rigor e muitodenso

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 30

    Ricardo Reis

    - Poeta clssico e epicurista

    - Classicismo erudito: - preciso verbal - recurso mitologia (crena e culto aos deuses) - princpios de moral e da esttica epicurista e estica - tranquila resignao ao destino

    - Epicurismo: - prazer do momento - Carpe Diem (caminho da felicidade, alcanada pela indiferena perturbao) - No cede aos impulsos dos instintos - ataraxia (tranquilidade sem qualquer perturbao) - calma, ou pelo menos, a sua iluso - ideal tico de apatia que permite a ausncia da paixo e a liberdade

    - Estoicismo: considera ser possvel encontrar a felicidade desde que se viva emconformidade com as leis do destino que regem o mundo, permanecendo indiferenteaos males e s paixes, que so perturbaes da razo

    - Poeta Intelectual, sabe contemplar: ver intelectualmente a realidade

    - Aceita a relatividade e a fugacidade das coisas

    - verdadeira sabedoria da vida viver de forma equilibrada e serena

    - Caractersticas modernas no poeta: angstia e tristeza

    - Linguagem e estilo: - privilegia a ode, o epigrama e a elegia. - usa a inverso da ordem lgica, favorecendo o ritmo das suas ideiasdisciplinadas - estilo densamente trabalhado, de sintaxe alatinada, hiprbatos,apstrofes, metforas, comparaes, gerndio e imperativo. - verso irregular e decassilbico

  • Portugus Prof. Pedro Pereira 31

    Fernando Pessoa Ortnimo e a Heteronmia

    Ricardo Reis

    - epicurismo: carpe diem edisciplina estica

    - indiferena cptica; ataraxia

    - semipaganismo; classicismo

    - vive o drama da fugacidadeda vida e da fatalidade damorte

    FERNANDOPESSOA

    Despersonalizao

    DissimulaoFragmentao

    Fingimento

    Alberto Caeiro

    - paganista existencial- poeta da Natureza e dasimplicidade- interpreta o mundo a partirdos sentidos- interessa-lhe a realidadeimediata e o real objectivoque as sensaes lheoferecem- nega a utilidade dopensamento; antimetafsico

    lvaro de Campos

    - decadentismo: o tdio, ocansao e a necessidade denovas sensaes- futurismo e sensacionismo:exaltao da fora, daviolncia, do excesso;apologia da civilizaoindustrial; intensidade evelocidade ( a euforiadesmedida)- intimismo: a depresso, ocansao e a melancoliaperante a incapacidade dasrealizaes; as saudades dainfncia

    Pessoa Ortnimo

    - tenso sinceridade/fingimento conscincia/inconscincia sentir/pensar

    - intelectualizao dossentimentos

    - Interseccionismo entre omaterial e o sonho, arealidade e a idealidade

    - uma explicao atravs doocultismo