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Curso de Formação em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça | GPP-GeR MÓDULO 1 | Políticas Públicas e Promoção da Igualdade UNIDADE 2 | Diversidade e igualdade 1 O ideário de igualdade na Declaração Universal de Direitos Humanos Somos todos/as iguais perante a Lei. Lei é só no papel? E o que falta para que seja incorporada ao cotidiano? O fim da II Guerra Mundial (1945) sensibilizou dirigentes de várias nações ao expor os horrores do holocausto contra o povo judeu e, em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Uni- das (ONU) aprovou a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (DUDH), mobilizando várias forças políticas com o objetivo de definir e defender estes direitos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), escrita em pleno período da escravização de africanos/as, não conse- guira o mesmo feito, segundo observam Abdias e Elisa Larkin do Nascimento: Mais que justa a reação de indignação do “mundo civilizado” ao holocausto dos judeus na Segunda Guerra. Porém, ela não alterava a indiferença secular ao holocausto de cente- nas de milhões de homens e mulheres que constituiu a epopeia da escravidão africana na construção de um chamado novo mundo nas terras há milênios ocupadas, de forma digna, pelos povos indígenas, cujo massacre genocida também havia sido, de forma geral, alvo da mais implacável indiferença do mesmo “mundo civilizado” (Nascimento & Nascimen- to, 1999:46). No artigo 4º da DUDH, encontra-se: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escra- vidão e o tráfico de escravos serão punidos em todas as suas formas”. Embora o foco esteja no indivíduo e não nos sujeitos coletivos, virá [...] o reconhecimento tardio do crime constituído pelo tráfico europeu de africanos, siste- ma escravagista sem precedentes que condenou a coletividade de milhões de homens e mulheres africanos não apenas à servidão, como aos “status” de objetos, negando-lhes a própria condição humana (Nascimento & Nascimento, 1999:47). DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (DUDH) Em 10 de dezembro de 1948, depois da 2ª Guerra Mundial, a ONU aprova a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com os direitos básicos e as liberdades fundamentais de todos os seres humanos, sem distinção de raça, cor, sexo, idade, religião, opinião política, origem nacional ou social, ou qualquer outra. São 30 artigos, que compreendem cinco categorias de direitos: civis, políticos, econômicos, sociais e culturais colocados no mesmo patamar de igualdade. Acesse a íntegra do documento, vídeos, versão popular, versão em cordel, vídeos e outros em: www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm

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texto da especialização em gestão pública, gênero e raça

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  • Curso de Formao em Gesto de Polticas Pblicas em Gnero e Raa | GPP-GeR

    MDULO 1 | Polticas Pblicas e Promoo da IgualdadeUNIDADE 2 | Diversidade e igualdade

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    O iderio de igualdade na Declarao Universal de Direitos Humanos

    Somos todos/as iguais perante a Lei. Lei s no papel? E o que falta para que seja incorporada ao cotidiano?

    O fim da II Guerra Mundial (1945) sensibilizou dirigentes de vrias naes ao expor os horrores do holocausto contra o povo judeu e, em 10 de dezembro de 1948, a Organizao das Naes Uni-das (ONU) aprovou a DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (DUDH), mobilizando vrias foras polticas com o objetivo de definir e defender estes direitos. A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (1789), escrita em pleno perodo da escravizao de africanos/as, no conse-guira o mesmo feito, segundo observam Abdias e Elisa Larkin do Nascimento:

    Mais que justa a reao de indignao do mundo civilizado ao holocausto dos judeus na Segunda Guerra. Porm, ela no alterava a indiferena secular ao holocausto de cente-nas de milhes de homens e mulheres que constituiu a epopeia da escravido africana na construo de um chamado novo mundo nas terras h milnios ocupadas, de forma digna, pelos povos indgenas, cujo massacre genocida tambm havia sido, de forma geral, alvo da mais implacvel indiferena do mesmo mundo civilizado (Nascimento & Nascimen-to, 1999:46).

    No artigo 4 da DUDH, encontra-se: Ningum ser mantido em escravido ou servido; a escra-vido e o trfico de escravos sero punidos em todas as suas formas. Embora o foco esteja no indivduo e no nos sujeitos coletivos, vir

    [...] o reconhecimento tardio do crime constitudo pelo trfico europeu de africanos, siste-ma escravagista sem precedentes que condenou a coletividade de milhes de homens e mulheres africanos no apenas servido, como aos status de objetos, negando-lhes a prpria condio humana (Nascimento & Nascimento, 1999:47).

    DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (DUDH)

    Em 10 de dezembro de 1948, depois da 2 Guerra Mundial, a ONU aprova a Declarao Universal dos Direitos Humanos, com os direitos bsicos e as liberdades fundamentais de todos os seres humanos, sem distino de raa, cor, sexo, idade, religio, opinio poltica, origem nacional ou social, ou qualquer outra. So 30 artigos, que compreendem cinco categorias de direitos: civis, polticos, econmicos, sociais e culturais colocados no mesmo patamar de igualdade.Acesse a ntegra do documento, vdeos, verso popular, verso em cordel, vdeos e outros em: www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.phpwww.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm

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    A ideologia da sociedade moderna nasce prenhe de

    contradio: ao mesmo tempo em que define que todos os homens nascem

    livres (Rousseau, Do Contrato Social, 1978:25), atribui exclusivamente a

    alguns membros do gnero masculino a capacidade

    e os atributos necessrios para participar e

    celebrar contratos.

    Outra incoerncia pode ser observada em relao ao gnero. Para a sociloga Berenice Alves de Melo Bento,

    A ideologia da sociedade moderna nasce prenhe de con-tradio: ao mesmo tempo em que define que todos os homens nascem livres (Rousseau, Do Contrato Social, 1978:25), atribui exclusivamente a alguns membros do gnero masculino a capacidade e os atributos neces-srios para participar e celebrar contratos. A diferena sexual engendrou diferenas polticas, gerou liberdade para alguns homens e sujeio para as mulheres. As mulheres foram excludas da categoria fundante das sociedades modernas: o indivduo (Bento, 2001: 185).

    No entanto, h que se reconhecer que, ao universalizar os direitos individuais, a DUDH deu margem reivindicao de direitos coletivos, especialmente para aqueles grupos historicamente discrimi-nados e excludos por se distanciarem do padro de normalidade. Ainda que haja questionamen-tos quanto ao carter normativo dos direitos humanos, inquestionvel que estes constituem um sistema objetivo de valores, formando a base tica da sociedade (Comparato, 1999: 14), tm bali-zado as legislaes nacionais e vm sendo utilizados junto com outras convenes internacionais.

    Vejamos um trecho do prembulo da DUDH:

    Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famlia humana e de seus direitos iguais e inalienveis o fundamento da liberdade, da justia e da paz no mundo,

    Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos brbaros que ultrajaram a conscincia da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crena e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspirao do homem comum [...] 1

    _ 1.ntegra da Declarao Universal dos Direitos Humanos em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

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    A estas consideraes primorosas seguem-se os artigos, dos quais destacamos dois:

    Artigo I - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. So do-tados de razo e conscincia e devem agir em relao uns aos outros com esprito de fra-ternidade.

    Artigo II - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades esta-belecidos nesta Declarao, sem distino de qualquer espcie, seja de raa, cor, sexo, idioma, religio, opinio poltica ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condio.

    A DUDH, no conjunto de seus 30 artigos, coloca a igualdade como princpio democrtico e enfatiza a universalidade, a indivisibilidade e a interdependncia dos DIREITOS HUMANOS; entretanto, os princpios ticos e polticos por ela anunciados no garantiram, nem garantem, aceitao plena por parte das diferentes naes, at mesmo das que deles foram signatrias. Haja vista que de 1964 a 1985 o Brasil viveu sob o regime da ditadura militar, e a violncia do perodo (sequestros, tortura, assassinatos) ocorria a despeito de ser um pas signatrio da DUDH.

    DIREITOS HUMANOS

    Piovesan destaca algumas caractersticas dos direitos humanos: imprescritibilidade: porque no se perdem pelo decurso de prazo; inalienabilidade: pois no h possibilidade de transferncia, a ttulo gratuito ou oneroso; irrenunciabilidade: pois no podem ser objeto de renncia, ou seja, no se pode abrir mo deste direito (gera-se uma questo polmica com alguns temas, como eutansia, aborto e suicdio); inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito sob pena de responsabilidade civil, admi-nistrativa e criminal; universalidade: sua abrangncia engloba todos os indivduos, independente de sua nacionalidade, sexo, raa, credo ou convico poltica e filosfica; efetividade: a atuao do Poder pblico deve ser no sentido de garantir a efetivao dos direitos e das garantias previstas; indivisibilidade: no devem ser analisados isoladamente (exemplo: o direito vida exige a segurana social, ou seja, a satisfao dos direitos econmicos).

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    Nos mais de 60 anos que se seguiram, a DUDH VEM EVOLUINDO em sua interpretao, como ao proclamar que os direitos das mulheres e das me-ninas so direitos humanos. Seguindo este exem-plo, atualmente se fala dos direitos humanos de crianas e adolescentes. Outro avano est em DECLARAES, CONVENES E PACTOS decorren-tes da DUDH, reconhecendo novos direitos e pro-pondo aes; vrias delas sero objeto de estudo em nosso curso.

    No Brasil, o princpio democrtico da igualdade est no cerne da Constituio de 1988, no Artigo 3 j abordado neste curso:

    Constituem-se objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidria; II - garantir o desenvolvimento nacio-nal; III - erradicar a pobreza e a marginali-zao e reduzir as desigualdades so-ciais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem pre-conceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de dis-criminao.

    O Artigo 5 refora este mesmo esprito ao afir-mar que

    Todos so iguais perante a lei, sem dis-tino de qualquer natureza, garantin-do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do Direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade [...].

    DUDH VEM EVOLUINDO

    A Conferncia Mundial dos Direitos Humanos aconteceu em 1993, em Viena. Esta Conferncia traz avanos expressi-vos nas questes de gnero e raa. Nos documentos, o termo homem para designar homens e mulheres substitudo por pessoa. O foco da Conferncia so os direitos de todas as pessoas sem distino de raa, sexo, idioma ou religio. H nas discusses e nos documentos uma grande preocu-pao com a violao de direitos das mulheres, vtimas de discriminao e violncia. Declara-se para o mundo que os direitos das mulheres so direitos humanos e estimulam-se os governos, as instituies governamentais e no-governa-mentais a intensificarem seus esforos em prol da proteo e da promoo dos direitos humanos da mulher e da menina.A ntegra da Declarao e do Programa de Ao da Confe-rncia Mundial de Direitos Humanos est em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instru-mentos/viena.htm

    DECLARAES, CONVENES E PACTOS

    Declaraes, Convenes e Pactos so proclamaes oficiais e internacionais. As Conferncias mundiais, como a III Con-ferncia Mundial de Combate ao Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e Discriminaes Correlatas, em Durban, que aconteceu em 2001 na frica do Sul, resultam em uma Declarao e um Plano de Ao. Veja a integra em: http://www.geledes.org.br/defenda-se-textos-relacionados/decla-racaodurban.htmlUm exemplo de Conveno Internacional n 111 sobre a Dis-criminao em Emprego e Profisso foi o resultado da Con-ferncia Geral da Organizao Internacional do Trabalho, convocada em Genebra pelo Conselho de Administrao da Repartio Internacional do Trabalho, em 1958. A ntegra est em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/empre-go/conv58.htm Um exemplo de pacto o Pacto Internacional sobre os Direi-tos Civis e Polticos de 1966, em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/pacto2.htm

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    ABOLIO FORMAL DA ESCRAVIDO

    A Lei urea foi assinada em 13 de maio de 1888 pela Princesa Isabel, extinguindo formalmente a escravido no Brasil. Esse foi o final de um processo que comeou com a proibio internacional do trfico negreiro entre a frica e o Brasil sob a presso da In-glaterra. Com o fim do trfico e o livre mercado de trabalho despontando no horizonte, o governo brasileiro tomou medidas para impedir o acesso dos/as ex-escravizados/as a terra, mantendo a mo-de-obra reprimida e alijada de seus meios de produo.

    A incluso do princpio da igualdade na lei mxima do pas, alm de ser resultado de um amplo processo de participao dos movimentos sociais, denunciou poca que, aps 40 anos da DUDH e 100 anos da ABOLIO FORMAL DA ESCRAVIDO, pouco se havia avanado rumo equidade. Por outro lado, externou a preocupao nacional de que a igualdade no continuasse a ser um ideal abstrato, mas que se tornasse uma norma garantida pelo Estado brasileiro.

    Como o conceito de igualdade expresso em leis, regimentos, acordos que regulamentam sua rea de atuao? Quais aes esto em curso em sua rea para que este princpio saia do papel?

    GLOSSRIO

    Holocausto Aps a II Guerra Mundial, o termo de origem grega passa a ser usado especificamente para designar o extermnio de milhes de pessoas pelo nazismo de Adolf Hitler. Durante o regime nazista, foram mortos milhes de judeus, alm de comunistas, homossexuais, ciganos/as, pessoas com deficincias motoras e mentais, entre outros. A palavra tem origem em rituais religiosos da Antiguidade, nos quais eram queimados plantas, animais e at seres humanos.

    Racismo institucional Mesmo que nos contatos face a face ns possamos reconhecer tratamen-tos igualitrios ou que buscam ser igualitrios, isto no altera a lgica discriminatria embutida na prpria forma de funcionamento das instituies. Quando tal discriminao, normativa ou apenas factual, incide sobre as caractersticas ditas raciais, estamos ento diante do racismo institucional.Consulte a ntegra da Declarao da III Conferncia Mundial contra o Racismo, a Xenofobia e for-mas correlatas de discriminao, acessando http://www.comitepaz.org.br/Durban_1.htm

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