Modo de produção da coisa julgada

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1 - Enumere e explique os trs diferentes modos de produo da coisa julgada. Quanto ao modo de produo, como se d a coisa julgada nas aes que versem sobre direitos transindividuais (coletivos e difusos)? E nas aes que versem sobre direitos individuais homogneos? Modo de produo da coisa julgadaA coisa julgada material, no ordenamento ptrio, possui trs regimes jurdicos distintos, dependendo de como a Lei disciplina seu modo de produo. Trata-se de assunto extenso sobre o qual daremos uma rpida panormica. So trs os modos de produo da coisa julgada material: - Coisa julgada pro et contra: nesse regime, a coisa julgada material produzida na deciso que resolve a lide, seja pela procedncia ou pela improcedncia do pedido; essa a regra geral, sendo que os outros dois casos s ocorrem quando a legislao expressamente determina. - Coisa julgada secundum eventum litis: nesse regime, a coisa julgada material produzida apenas na deciso que, resolvendo a lide, julga procedente a pretenso vertida na petio inicial se julgar improcedente, no se forma coisa julgada material, possvel ingressar novamente em juzo, com idntico pedido e causa de pedir. Tal ocorre, por exemplo, nas aes coletivas relativas direitos do consumidor, conforme dispe o art. 103, inciso III, do Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078/90), veja se: Nas aes coletivas de que trata este Cdigo, a sentena far coisa julgada: () erga omnes, apenas no caso de procedncia do pedido, para beneficiar todas as vtimas e seus sucessores, na hiptese do inciso III do pargrafo nico do art. 81. Coisa julgada secundum eventum probationis: nesse regime, a

princpio tanto as decises de procedncia quanto de improcedncia fazem coisa julgada material, mas com uma exceo se o pedido for julgado improcedente por falta de provas, no h formao de coisa julgada. Permite-se, assim, que o autor ingresse com nova ao, trazendo posteriormente novas provas para instruir seu pleito. Tal ocorre, por

exemplo, no caso de ao popular, pois o artigo 18 da Lei n 4.717/65 (Lei da Ao Popular) assim dispe: A sentena ter eficcia de coisa julgada oponvel erga omnes, exceto no caso de haver sido a ao julgada improcedente por deficincia de prova; neste caso, qualquer cidado poder intentar outra ao com idntico fundamento, valendo-se de nova prova. Tambm na ao civil pblica h coisa julgada secundum eventum

probationis, conforme dispe o art. 16 da Lei n 7.347/85: A sentena civil far coisa julgada erga omnes, nos limites da competncia territorial do rgo prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficincia de provas, hiptese em que qualquer legitimado poder intentar outra ao com idntico fundamento, valendo-se de nova prova. Por fim, o mesmo ocorre no mandado de segurana, conforme leciona Alexandre de Moraes: A deciso concessiva [de mandado de segurana] faz coisa julgada. Diversa, porm, a situao quando a deciso foi denegatria, pois, nessa hiptese, somente haver coisa julgada se a sentena, ao analisar o mrito do mandado de segurana, afirmou a inexistncia do direito lquido e certo a que se pretendia amparar. (Constituio do Brasil Interpretada, Atlas, 4 ed., 2004, p. 2577).

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Cognio, construo de procedimentos e coisa julgadaos regimes de formao da coisa julgada no direito processual civil brasileiroFredie Souza Didier Jnior Elaborado em 01/2002.Pgina 1 de 2

Ativar realce a A

Sumrio: 1. Intrito. 2. Digresso sobre a teoria da cognio judicial. 3. O regime comum de produo da coisa julgada e o regime de produo da coisa julgada secundum eventum litis. 4. Os regimes diferenciados de produo da coisa julgada: 4.1 Questo terminolgica; 4.2 A coisa julgada erga omnes e secundum eventum probationis. Repercusses no sistema recursal; 4.3 A coisa julgada na aes de investigao ou negatria de paternidade: tendncias jurisprudenciais e doutrinrias: 4.3.1 Generalidades; 4.3.2 A demanda de investigao de paternidade como procedimento de cognio exauriente secundum eventum probationis; 4.3.3 Coisa julgada pro et contra et non secundum eventum probationis nas demandas investigatrias. Possibilidade de resciso; 4.4 A coisa julgada nas aes de alimentos: o regime comum. 5. Concluses. 6. Referncias bibliogrficas.

1 IntritoDois assuntos tm recebido, ultimamente, ateno especial dos estudiosos do processo que se tm debruado sobre temas havidos como resolvidos ou proscritos, respectivamente: a coisa julgada e o procedimento. Aquela, objeto de empresa revisionista ou relativizadora; este, em pleno resgate dogmtico, com ntido intuito de revalorizao da sua importncia no processo. Este ensaio visa demonstrar o elo entre o fenmeno da coisa julgada e o procedimento em que medeia o estudo da cognio judicial, estabelecendo, para a primeira, um esboo de classificao dos regimes de sua produo necessrio para iluminar os caminhos de tantos quantos augurem estudar o assunto. Ei-lo, o nosso propsito.

2 Digresso sobre a teoria da cognio judicial.O regime de formao da coisa julgada est intimamente relacionado com o grau de cognio do magistrado a respeito das questes postas para a sua apreciao visto este fenmeno sob o aspecto vertical, de aco rdo com a diviso de KAZUO WATANABE, no livro diversas vezes citado ao longo deste ensaio.1

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A construo dos procedimentos, de sua banda, feita mediante a combinao das diversas modalidades de cognio; a partir desta manipulao, o legislador concebe os procedimentos diferenciados e adaptados s vrias especificidades do direito ou das pretenses materiais.2 Podem-se criar procedimentos de cognio sumria (ineptos para a produo de coisa julgada) ou procedimentos em que a cognio ser sempre exauriente (hbeis, assim, a, preenchidos outros requisitos, gerar a res iudicata). Deste modo, para que se possam estudar as tcnicas de produo de coisa julgada desenvolvidas para os diversos direitos, absolutamente indispensvel uma rpida digresso sobre a teoria da cognio judicial, tarefa para cuja soluo nos utilizaremos das preciosas lies de KAZUO WATANABE. Segundo o professor paulista, considera-se a cognio "prevalentemente um ato de inteligncia, consistente em considerar, analisar e valorar as alegaes e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questes de fatoe as de direito que so deduzidas no processo e cujo resultado o alicerce, o fundamento do iudicium, do julgamento do objeto litigioso do processo." 3 A importncia do seu estudo, conforme sntese de A ANTNIO CLUDIO DA COSTA MACHADO, para alm do aspecto da construo dos procedimentos, se revela nas circunstncias de ser a ponte de contato entre o direito material e o processo que se prope a realiz-lo, bem como porque a prpria classificao dos processos a distino ontolgica entre as trs espcies reside justamente no objeto cognoscvel e na forma que se o conhece.4 O fenmeno cognitivo pode ser visualizado em dois planos, ainda de acordo com o estudo de WATANABE.5 Em primeiro lugar, o plano horizontal, que diz respeito extenso e amplitude das questes que podem ser objeto da cognio (no direito brasileiro, o trinmio de categorias processuais: condies da ao, pressupostos processuais e mrito da causa).6 Aqui se definem quais as questes pode o magistrado examinar. A cognio, assim, poder ser: a) plena: no h limitao ao qu o juiz conhecer; b) parcial ou limitada: limita-se o qu o juiz pode conhecer. O procedimento comum pleno, na medida em que no h qualquer restrio da matria a ser posta sob apreciao; o rito da desapropriao, no entanto, de cognio limitada, porquanto no se possa, em seu bojo, discutir a validade do ato expropriatrio.

Em segundo lugar, o plano vertical (profundidade), que diz respeito ao modo como as questes sero conhecidas pelo magistrado. Aqui se responde pergunta: de que forma o rgo jurisdicional conheceu aquilo que lhe foi4 posto apreciao? Poder ser, portanto, exauriente ou sumria, conforme seja completo (profundo) ou no o exame. Combinam-se estas modalidades de cognio, conforme se anunciou, para a formao dos procedimentos. H aqueles de cognio plena e exauriente, os quais compem a regra, sendo principal exemplo o rito ordinrio. A soluo dos conflitos de interesses buscada atravs de provimento que se assente em procedimento plenrio quanto extenso do debate das partes e da cognio do juiz, e completo quanto profundidade desta mesma cognio. Decises proferidas aqui so, por exemplo, aquelas dos procedimentos comuns (ordinrio, sumrio ou o dos Juizados Especiais Cveis), passveis de produo de coisa julgada material. Prestigia-se o valor segurana. A cognio pode ser parcial e exauriente: a limitao ape nas do qu; quanto aos pontos e questes que podem ser resolvidos a cognio exauriente, de sorte que a sentena (julgado) tem aptido para produzir coisa julgada material. Ao estabelecer as limitaes, o legislador leva em conta (a) as peculiaridades do direito material, e/ou, (b) necessidade de tornar o processo mais clere. Ressalva se, todavia, o direito de questionar os pontos controvertidos excludos em ao autnoma. H o prestgio dos valores certeza e celeridade, na medida em que se permite o surgimento de uma sentena em um tempo inferior quele que seria necessrio ao exame de toda a extenso da situao litigiosa. So exemplos: a) converso da separao judicial em divrcio (art. 36, pargrafo nico, LF 6.515/77); b) embargos de terceiro (art. 1054); c) busca e apreenso da lei de alienao fiduciria; d) desapropriao. A cognio poder ser, ainda, plena e exauriente "secundum eventum probationis": sem limitao extenso da matria a ser debatida em juzo, mas com o condicionamento da profundidade da cognio existncia de elementos probatrios suficientes. Trata-se de tcnica processual para conceber procedimentos simples e cleres, com supresso da fase probatria especfica ou procedimento em que as questes prejudiciais so resolvidas ou no conforme os elementos de convico, ou, ainda, serve como instrumento de poltica legislativa, pois evita, quando em jogo interesse coletivo e indisponvel, a formao de coisa julgada material, a recobrir juzo de certeza fundado em prova insuficiente. A deciso da questo est condicionada profundidade da cognio que o magistrado conseguir, eventualmente, com base na prova existente dos autos (e permitida para o procedimento), efetivar. concluso de insuficincia, o objeto litigioso decidido sem carter de definitividade, no alcanando a autoridade de coisa julgada material. So exemplos: a) procedimento de inventrio, quando se

afirma que a questo prejudicial surgida ser decidida se o magistrado dispuser de elementos bastantes para o estabelecimento do juzo de certeza, caso contrrio, ser considerada questo de alta indagao, devendo ser remetida para os meios ordinrios (art. 1.000, CPC); b) mandado de segurana (STF 304; art. 15, LF 1.533/51); c) desapropriao, na fase de levantamento do preo, havendo dvida fundada sobre o domnio, o magistrado no deferir a nenhum dos litigantes a entrega do preo, determinando a soluo da controvrsia em a o prpria (art. 34, caput, e pargrafo nico, do Dec.-lei 3.365/41; d) a disciplina da ao popular e das aes coletivas, ambos, anuncie-se de logo, fundadas em direito indisponvel. Pode-se vislumbrar, ainda, a cognio eventual, plena ou limitada, e exauriente (secundum eventum defensionis): somente haver cognio se o demandado tomar a iniciativa do contraditrio, eis porque eventual. So exemplos: a) ao monitria e b) ao de prestao de contas. Quanto cognio sumria (possibilidade de o magistrado decidir sem exame completo), tem-se que permitida, normalmente, em razo da urgncia e do perigo de dano irreparvel ou de difcil reparao, ou da evidncia (demonstrao processual do direito) do direito pleiteado, ou de ambos, em conjunto. No plano vertical, a diferena entre as modalidades de cognio est ape nas na maneira como o magistrado enxerga as razes das partes (causa de pedir). Exemplo da possessria: o juiz, ao examinar a inicial, analisa, superficialmente, se houve posse (causa remota) e o esbulho (prxima). So ambientes propcios cognio sumria: a) processo de conhecimento que admite liminar no -cautelar; b) processo cautelar; c) processo de conhecimento com a tutela sumria de mrito genrica. So exemplos: a cognio utilizada nas medidas liminares, antecipatrias ou assecuratrias. Conduz aos chamados juzos de probabilidade e verossimilhana, ou seja, s decises que ficam limitadas a afirmar o provvel. Tem por objetivos assegurar a viabilidade da realizao de um direito ameaado por perigo de dano iminente (tutela cautelar); realizar antecipadamente um direito: a), em vista de uma situao de perigo (tutela de urgncia sumria satisfativa); b) em razo das peculiaridades de um determinado direito e em vista do custo do procedimento ordinrio; c) quando o direito do autor surge como evidente e a defesa abusiva (art. 273, II, CPC). Caracteriza-se, principalmente, pela circunstncia de no ensejar a produo da coisa julgada material. Deste painel pinam-se algumas concluses que nos sero teis: a) somente os procedimentos que ensejam pronunciamentos fundados em cognio exauriente do azo ao surgimento da coisa julgada material; b) a lei pode, caso a caso, estabelecer quando se considera completa (exauriente) a cognio, flexibilizando a produo da coisa julgada material; c) a regra, no entanto, a do procedimento comum, em que a cognio ser sempre completa, a ensejar a o surgimento do caso julgado.

3 O regime comum de produo da coisa julgada e o regime de produo da coisa julgada secundum eventum litis.O regime comum de produo de coisa julgada material, no direito brasileiro, est previsto no Cdigo de Processo Civil. Aplicam-se, em suma, as seguintes regras, j defendidas por CHIOVENDA, 7 no incio do sculo passado: a coisa julgada se opera inter partes et pro et contra. A coisa julgada somente se opera em relao queles que fizeram parte do processo, independentemente do resultado da demanda; uma vez preenchidos os outros requisitos analisados,8 sempre surgir, tanto para o vencedor como para o vencido. Eis o ponto de diferenciao com o outro sistema de produo de coisa julgada, diferenciado, denominado coisa julgada secundum eventum litis. Neste, a coisa julgada surgir ou no de acordo com o resultado da demanda. A lei, pelas mais variadas razes, pode entender que tal ou qual resultado (procedncia ou improcedncia) no autoriza a imunizao. o que acontece, por exemplo, nas demandas que dizem respeito aos direitos individuais homogneos, quando a coisa julgada ser erga omnes, apenas nos casos de procedncia do pedido.9 O regramento comum se extrai das duas regras-me de nosso sistema: os artigos 468 e 472 do Cdigo de Processo Civil Brasileiro. Nenhum seno, nenhuma ressalva foi feita pelo legislador brasileiro, que considera o seguinte: vencido o procedimento em contraditrio, necessariamente se ter ensejado ao magistrado a possibilidade de um exame completo da causa, permitindo, assim, que sobre o seu pronunciamento de mrito incidam as qualidades da autoridade e da imutabilidade. Sentena fundada em falta de prova faz, tambm, coisa julgada, pois, por este sistema, sendo a prova do fato constitutivo nus do autor, "actore non probante, reus absolvitur." A limitao subjetiva aos participantes da causa, a limitao objetiva aos precisos extremos da lide e a sua inevitabilidade (coisa julgada non secundum eventum litis) so as principais caractersticas deste sistema. Concebido como um cdigo apto tutela de direitos individuais e patrimoniais, nada mais razovel que assim procedesse. Entrementes, o desenvolvimento dos estudos sobre os direitos coletivos (transindividuais), o prestgio que certos direitos da personalidade tm adquirido, reclamando um repensar dos institutos fundamentais do processo civil, bem como a percepo emprica das injustias que se vinham ou poderiam vir a ser cometidas,10 tudo isso forou o legislador e os operadoresdo direito a elaborar novas tcnicas de produo de coisa julgada. Havia de se adequar o processo s caractersticas de certos direitos materiais, precipuamente quanto imutabilidade de suas decises.11

Examinemo-las, as tcnicas.12

4 OS REGIMES DIFERENCIADOS DE PRODUO DA COISA JULGADA4.1 Questo terminolgica. Ao utilizarmos as expresses "comum" e "diferenciado", conforme pde ser visto no item anterior, referimo-nos aos regimes de produo da coisa julgada, e no a esta propriamente dita. Os adjetivos dizem respeito ao modo como a coisa julgada surge, pois o produto coisa julgada sempre o mesmo, com as mesmas caractersticas, no havendo que se falar em "comum" ou "diferenciada". O recurso tem fins didticos, entretanto, pois desvia a ateno para aquilo que consideramos importante: os modos de produo so distintos; obtmse o fenmeno da imutabilidade, mas por tcnicas diferentes. A primeira, referente generalidade das situaes e por isso denominada comum; a segunda, gnero de que so espcies algumas tcnicas diferenciadas de forma o do caso julgado, com derrogaes das regrascomuns, e que, por isso, podem ser englobadas sob o rtulo coisa julgada diferenciada. O estudo destas tcnicas diferenciadas o objeto deste item. 4.2 A coisa julgada erga omnes Repercusses no sistema recursal. e secundum eventum probationis.

Conforme j se disse, nosso sistema veda, como regra, a formao secundum eventum probationis da coisa julgada. O exaurimento ou no das vias probatrias irrelevante para que a imutabilidade opere sobre o julgado de mrito do qual no caiba mais recurso algum. A improcedncia por falta de provas, segundo tais regras, to apta imutabilidade quanto um julgamento pela procedncia com o esgotamento de todos os meios de prova em direito permitidos. Do mesmo modo, restringe-se a coisa julgada ao objeto do processo esta se opera nos limites da lide posta sob apreciao, o que implica dizer que no poder afetar a quem no tiver participado do debate (limitao subjetiva). Este regime, conforme acentuamos, no se preocupa com a natureza do direito material tutelado, tendo sido criado em abstrato, ao pressuposto de que os direitos so individuais e patrimoniais perfeitamente adaptado regra que prev a coincidncia entre o legitimado para a causa e o titular da pretenso material. A necessidade de uma melhor tutela jurdica dos direitos transindividuais gerou a percepo de que as regras vetustas de coisa julgada no poderiam ser aplicadas. Haveriam de ser criados novos mecanismos de sua produo , agora sob a tica coletiva, pois os relativos individual se tornaram, em relao quela, absolutamente imprestveis. Alm de reformular o sistema da legitimidade para agir pois os direitos transindividuais no possuem titular determinado, antes

pertencem a uma comunidade ou grupo, o que inviabiliza a aplicao das tradicionais concepes sobre a identidade do titular do direito com o legitimado para a causa,13 alterou-se, profundamente, o sistema de produo da coisa julgada material. Basicamente, trs foram os pontos atingidos: a) a limitao subjetiva, b) a ampliao do objeto do processo, com o transporte in utilibus da coisa julgada e c) a consagrao da coisa julgada secundum eventum probationis. A anlise da coisa julgada coletiva, neste momento, no ser exaustiva; objetiva se, to-somente, apontar as derrogaes das regras comuns, demonstrando, com isso, como certos direitos possuem regime diferenciado de produo da coisa julgada. Duas so as regras bsicas que regulam a matria: art. 18, LF 4.717/65, Lei de Ao Popular,14 e o art. 103, LF 8.078/90, Cdigo de Defesa do Consumidor.15 Os interesses essencialmente coletivos (difusos e coletivos) so indivisveis, no sentido de serem insuscetveis de partio em quotas atri buveis a determinada pessoa individualmente considerada. A satisfao (ou no) de um implica, de uma s vez, a satisfao (ou no) de todos quantos se encaixem naquela situao; esta caracterizao se opera no plano material. O processo, rendendo hosa nas ao princpio da adequao,16 no poderia furtar-se a tutelar devidamente esta situao. Assim, surgiu a necessidade de ampliao dos limites subjetivos da coisa julgada, que passam a atingir at quem no foi parte na relao jurdica material.17 Desenvolve-se a tcnica da coisa julgada erga omnes ou ultra partes; ampliam-se, consideravelmente, os limites subjetivos da demanda. A diferena entre coisa julgada erga omnes e ultra partes, para alm da terminolgica, est na circunstncia de aquela diz respeito aos direitos difusos (portanto, sem qualquer possibilidade de reduo da amplitude subjetiva) e, esta, aos direitos coletivos, situao em que a eficcia restringir-se- ao grupo, categoria ou classe; a eficcia ultra partes, se poderia afirmar, menos ampla do que a erga omnes.18 Outra alterao significativa do regime est na ampliao, ope legis, do objeto do processo nas aes coletivas (aes civis pblicas), de modo a autorizar o transporte in utilibus da coisa julgada para as demandas individuais. o que dispe o 3 do art. 103 do CDC, quando afirma: "Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, no prejudicaro as aes de indenizao por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Cdigo, mas, se procedente o pedido, beneficiaro as vtimas e seus sucessores, que podero proceder liquidao e execuo dos termos dos arts. 97 a 100." O transporte da coisa julgada, resultante de sentena proferida na ao civil pblica para as aes individuais de indenizao por danos pessoalmente sofridos, se opera secundum eventum litis, ou seja, s h transporte nas hipteses de procedncia. No entanto, frise-se, a coisa julgada coletiva no secundum eventum litis; ela se opera pro et contra, mas apenas quando houver exausto da

prova; o que est de acordo com o evento da causa a extenso da coisa julgada s lides individuais, que apenas se opera em hiptese de procedncia.19 O que autoriza o transporte da coisa julgada coletiva para a esfera individual daqueles que foram prejudicados pela violao do direito transindividual, segundo a lio de ADA PELLEGRINI GRINOVER, a ampliao, por obra da lei, do objeto do processo e a incluso, na coisa julgada coletiva, do dever de indenizar assim como ocorre no dano ex delicto, em que a deciso sobre o dever de indenizar integra o julgado penal. Ou seja, acolhido o pedido na ao coletiva, no sentido de determinar a paralisao de certa obra de garimpo, por exemplo, que estava contaminando o rio com mercrio, podero os prejudicados se aproveitar desta deciso, para j a partir da propor as suas respectivas aes individuais; possibilita-se s vtimas e a seus sucessores o benefcio da demanda coletiva, sem necessidade de nova sentena condenatria, passando incontinenti s liquidao e execuo da sentena.20 Por fim, consagra-se, no plano coletivo, a coisa julgada secundum eventum probationis. As demandas coletivas (versam sobre direitos coletivos lato sensu), de que so exemplos a ao popular e as que versam sobre direitos difusos, sempre envolvem altssimo interesse pblico, com a disputa de, por vezes, vultosas quantias monetrias j seria o bastante para ensejar uma busca mais sequiosa da verdade, esgotando-se todas as possibilidades probatrias. A par disso, a possibilidade de conluio entre autor (cidado ou ente legitimado) e ru da demanda sempre existe, e a propositura intencional de uma ao mal formulada, com o objetivo de p-la, mediante a rejeio do pedido, a salvo de futuros ataques, h de ser combatida. Mas no se poderia furtar destas demandas a possibilidade de produo da coisa julgada, inclusive quando fossem improcedentes. A segurana jurdica disputada, assim, como em um cabo de guerra, por dois vetores em sentidos opostos: de um lado, a necessidade de pr-se fim controvrsia definitivamente; de outro, o cuidado extremo que tais causas merecem. Eis o que afirma BARBOSA MOREIRA, em lio anterior ao CDC, mas totalmente aplicvel em tempos hodiernos: "Em suas linhas gerais, bastante conhecido o problem a, alis comum extensa classe de aes, de que a ao popular brasileira apenas um (mais bem caracterstico) exemplo. Ele concerne sobretudo hiptese de improcedncia do pedido, na qual se faz necessrio afastar, ou pelo menos abrandar, os riscos das solues extremas. De um lado, se se limitar o mbito de atuao da coisa julgada ao cidado que props a ao popular, expem -se o ato discutido a uma srie teoricamente indefinida de impugnaes idnticas, como manifesto detrimento para a economia processual e sensvel prejuzo para a atividade de pessoa jurdica de que ela emanou, sujeita que fica perturbao e ao desconforto de sucessivas investidas."21

Para a soluo do problema, no se adotou a frmula da coisa julgada secundum eventum litis, porquanto invivel tendo em vista a indivisibilidade do objeto (imagine-se, com BARBOSA MOREIRA, a hiptese em que se julgue, inicialmente, improcedente um pedido para um determinado autor e, no futuro, esse mesmo pedido, feito por outro legitimado, seja julgado procedente: como o objeto indivsivel, tambm em relao ao primeiro autor a deciso do segundo processo beneficiaria; ter-se-ia um conflito de coisas julgadas contraditrias); a coisa julgada coletiva, uma vez produzida, se opera pro et contra.22 Adotou o legislador, nos dispositivos retromencionados, soluo interessante: condicionou a formao da coisa julgada ao esgotamento das instncias probatrias: a coisa julgada somente surge, a favor ou contra, se houver suficincia de prova. Nas demandas transindividuais (em que se inclui a ao popular), correto afirmar, "portanto, que pode haver sentena de improcedncia de cognio no exauriente, ou melhor, sentena de improcedncia com carga declaratria insuficiente para a produo de coisa julgada material. Nas aes coletivas que tutelam direitos transindividuais, assim, a sentena de improcedncia de cognio exauriente e a sua conseqncia, que a formao de coisa julgada material, ocorrem secundum eventum probationis."23 Assim, podem ocorrer as seguintes situaes: a) demanda procedente: faz coisa julgada material erga omnes; b) a demanda julgada improcedente, por insuficincia de provas: no faz coisa julgada material erga omnes, autorizada nova propositura, fundada em novas provas, por qualquer legitimado, inclusive aquele que perdeu a causa originria; c) a demanda julgada improcedente, com suficincia de provas: a demanda produz coisa julgada material erga omnes. Este regime diferenciado de coisa julgada repercute, sem dvida, no sistema recursal do Cdigo de Processo Civil. Analisemos os casos da apelao e dos embargos infringentes. Diz-se, costumeiramente, em sede doutrinria, que no cabem embargos infringentes se a divergncia, no acrdo, se deu na fundamenta o; fundamentos diferentes, com concluso semelhante, no autorizam a interposio do mencionado recurso. A divergncia deve dizer respeito concluso do voto, ao decisum. Se a deciso for unnime, ainda que por motivos diferentes, no h divergncia; se a concluso a mesma, em nada ajuda o autor a prevalncia do voto vencido.24 Esta concepo se justifica no regime comum de produo da coisa julgada material: como a fundamentao irrelevante para a coisa julgada, pouco importa a sua rediscusso, pois seria absolutamente intil. De modo semelhante o que ocorre com a apelao: no se apela para discutir ape nas a fundamentao; a irresignao tem que estar centrada no que foi decidido, pois sobre ele que o manto da coisa julgada cair. H, tambm aqui, falta de interesse. No isto o que acontece, entretanto, com as demandas coletivas, em que a coisa julgada secundum eventum probationis.

Por certo, haver oportunidades em que a discusso da fundamentao (embora o recorrente concorde com a concluso) ser da mais alta relevncia, pois uma improcedncia por falta de provas no gera as mesmas conseqncias de uma improcedncia comum. Confira-se o exemplo de um acrdo unnime na deciso de improcedncia, mas por maioria quanto ao exaurimento das vias pr obatrias (prevaleceu a tese de que no houve esgotamento da prova): aquele que venceu ter interesse recursal na interposio dos embargos infringentes, de modo a que prevalea o entendimento pela possibilidade de produo da coisa julgada. Mutatis mutandis, em se tratando de apelao. Eis porque, no particular, as lies antigas sobre tais recursos ho de ser revistas. Mostra-se, assim, tambm aqui, o impacto deste regime diferenciado de coisa julgada no ordenamento jurdico.25 4.3 A coisa julgada nas aes de investigao e negao de paternidade: tendncias jurisprudenciais e doutrinrias. 4.3.1 Generalidades. Questo que tem atormentado os operadores jurdicos a que diz respeito coisa julgada nas aes de paternidade, notadamente em razo do desenvolvimento tecnolgico que permitiu, hoje em dia, que se possa saber, com certeza quase absoluta, a existncia biolgica do vnculo de filiao. Alm da questo jurdica, est em jogo importante questo s ocial, tendo em vista a prtica disseminada, em cantes deste pas, do no -reconhecimento oficial da paternidade. possvel que uma deciso possa transformar em pai quem no o seja, ou vice-versa? Aplica-se a regra romana de que a coisa julgada faz do branco, preto, e do quadrado, circular? possvel rescindir -se uma sentena de paternidade, aps o lapso de tempo para a rescisria, tendo por base a prova cabal do exame gentico (DNA)? possvel aceitar-se, hoje em dia, que um feito desta natureza possa ser decidido por outro meio de prova que no o pericial (DNA)? Construes doutrinrias e jurisprudenciais tm sido desenvolvidas de modo a, dogmaticamente, resolver o problema. Como estas demandas versam sobre direitos indisponveis, sero expostas a sntese das correntes de pensamento sobre o assunto, de modo a completar o painel que ora se monta. 4.3.2 A demanda de investigao de paternidade como procedimento de cognio exauriente secundum eventum probationis. Considera-se que, nas aes investigatrias, somente se produzir a coisa julgada material se houver exaurimento de todos os meios de prova admitidos em direito, principalmente o exame de correspondncia do cdigo gentico. Capitaneada por BELMIRO WETER, 26e27 esta corrente, embora bemconstruda, no menciona a tcnica procedimental da cognio exauriente secundum eventum probationis, alm de possuir algumas contradies em seus termos.28

Tambm pensa deste modo CNDIDO DINAMARCO 29 , que prope uma relativizao da coisa julgada, desenvolvendo a figura da coisa julgada inconstitucional (imunizao de decises aberrantes de valores, princpios, garantias e normas constitucionais). Este critrio de relativizao da coisa julgada "deve aplicar-se tambm a todos os casos de aes de investigao de paternidade julgadas procedentes ou improcedentes antes do advento dos modernos testes imunolgicos (HLA, DNA), porque do contrrio a coisa julgada estaria privando algum de ter como pai aquele que realmente o , ou impondo a algum um suposto filho que realmente no o ..." O problema deste posicionamento que a tcnica procedimental tem de estar prevista legalmente ela plenamente aceitvel em nosso ordenamento, conforme visto em itens precedentes, mas tem de estar consagrada em lei. N o se pode alterar a formao da coisa julgada, sem que haja alterao legal na construo do procedimento. Ao garantir-se a prevalncia de um valor, violar-seiam outros, como a segurana e a certeza estes que, como vimos, tambm informam o processo jurisdicional. Bem se posiciona HUMBERTO THEODORO JR: "Acontece que este tipo de subtrao da sentena autoridade de coisa julgada, no todo ou em parte, somente pode provir da lei e no da vontade criativa do intrprete ou do juiz. E no h regra alguma, no direito positivo ptrio, que exclua a sentena da ao de investigao de paternidade do regime geral da res iudicata."30 No se nega, contudo, uma importante funo desta forma de pensar: esses posicionamentos ajudam a que se busque a necessria relativiz ao da coisa julgada, a qual, de fato, vem gerando inmeros imbrglios e tormentos. Segue, entretanto, uma soluo dogmtica mais aceitvel de lege ferenda:31 uma simples alterao legislativa, at mesmo acrescentando -se um pargrafo ao Cdigo de Processo Civil ou na Lei de Investigao de Paternidade (LF 8.560/92), dispondo que, em demandas de investigao de paternidade, o exame gentico obrigatrio, o quanto basta.32 mais ou menos o quanto previsto no Projeto de Lei n 116, de 2001, de autoria do Sem. Valmir Amaral, que, embora com algumas imperfeies tcnicas, assim dispe: "Art. 1. A ementa da Lei n. 8560/92 passa a ter a seguinte redao: Regula a investigao de paternidade. Art. 2 O art. 8 da Lei n. 8560/92 passa a ter a seguinte redao: (...) Pargrafo nico - A ao de investigao de paternidade, realizada sem a prova do pareamento cromossmico (DNA), no faz coisa julgada. Art. 3. Esta lei entra em vigor na data de sua publicao. 33 4.3.3 Coisa julgada pro et contra e non secundum eventum probationis nas demandas investigatrias. Possibilidade de resciso. Em um meio termo, plenamente consentneo com a nossa legislao processual, colocam-se outros doutrinadores, que admitem a formao da coisa julgada

material pelo regime comum pro et contra, produzindo-se a favor ou contra autor e ru, independentemente do material probatrio investigado e do resultado da demanda, mas trazem vrios argumentos que autorizariam um futura resciso do julgamento, acaso no se tenham esgotado os meios de prova aplicveis espcie. Tudo, no se duvida, em razo da revoluo cientfica ocasionada com o surgimento do exame de DNA. A concepo sobre a busca da verdade, relativizada com a constatao de que os fatos so apresentados no process o de acordo com as impresses de cada um dos sujeitos e, portanto, deformados por seus preconceitos, sua ideologia, seus traumas, sua condio social etc. , teve de ser repensada, na medida em que, pelo avano tecnolgico, se podem atingir nveis de certeza praticamente absoluta com o exame gentico. Existente uma prova capaz de atingir a verdade real, ou o mais prximo possvel dela (em se tratando da inteligncia humana), poderia o juiz ficar aqum disso na investigao dos fatos trazidos ao processo? E se esta demanda versar sobre um direito constitucionalmente tutelado, tido por imprescritvel e indisponvel, e que compe a clula mater da sociedade (famlia)? Em uma demanda de investigao de paternidade, na qual h uma prova o exame de DNA cujo ndice de verossimilhana 99,99% (noventa e nove vrgula noventa e nove por cento), alcanando-se, assim, quase a verdade real, pode o magistrado julgar com base em outras provas, as quais no tm as mesmas capacidade e idoneidade para o conhecimento dos fatos submetidos sua perquirio, como, por exemplo, testemunhas e fotos? Autorizada est a sua resciso? Este posicionamento foi recentemente defendido por HUMBERTO THEODORO JR Elencam-se como possveis hipteses de rescindibilidade destas decises a violao a literal disposio de lei (CPC 485 V), por prova falsa (CPC 485 VI) e por fora de documento novo (CPC 485 VII). No tm, os argumentos, a mesma fora; fato. H de se interpretar a lei, nestas hipteses, com certa indulgncia e boa vontade. Nosso direito objetivo no estava (est) preparado para esta revoluo, cabendo aos operadores do direito a busca de uma soluo dogmaticamente aceitvel para o problema, de acordo com as tcnicas de integrao consagradas.34 A enumerao dos argumentos se justifica, entretanto, pelos fins a que este ensaio se destina. Primeiramente, os argumentos em prol da resciso por violao a literal disposio de lei. Cogita-se de violaes aos artigos 226, caput e 7, e 227, caput, todos da Constituio Federal de 1988. Com o advento da Lei Fundamental de 1988, a percepo sobre o direito de famlia e, sobretudo, a prpria famlia mudou. As idias de antanho no foram recepcionadas com a elevao da entidade familiar categoria de feixe de direitos e obrigaes protegido constitucionalmente, merecendo especial ateno do Estado. A famlia, e tudo o que dela decorrer, foi

protegida de modo cuidadoso no texto magno, traando-se um novo modelo para esta anosa instituio social. Com a proteo constitucional, um dos vnculos presentes em quase toda entidade familiar foi assegurado de modo especial: a filiao. De fato, com a Constituio de 1988, extirparam -se discriminaes existentes na legislao infraconstitucional (mormente na legislao civil), no concernente aos filhos. Acabaram os filhos "legitimados", "esprios", "ilegitimados", "adulterinos", "incestuosos", "adotivos", enfim, feneceram as ignominiosas nomenclaturas postas no texto da codificao civil. Para a Constituio, s o todos filhos. Erigiu-se, ainda, o princpio da paternidade responsvel, concretizado no artigo 226, 7, da Carta Republicana de 1988. Deve-se entender tal princpio no como uma orientao s para a questo do planejamento familiar, como parece antever aps a primeira leitura do artigo anteriormente aludido, mas, precipuamente, como um dever do Estado e de todos perante o trato da instituio famlia e da paternidade. Assim que no pode o Estado determinar que algum ou no pai de outrem sem um grau de certeza quase que absoluto, obtenvel pelo exame de DNA. No pode o prprio Estado, no exerccio da sua atividade judicante, olvidar do princpio posto na Lei Fundamental de 1988, para, de modo tbio, atribuir a paternidade a algum sem a mais absoluta certeza possvel. Embora outrora isto se justificasse, em razo da insipincia do conhecimento sobre a gentica, atualmente isto se mostra absolutamente inadmissvel no se justificam mais sentenas que declarem a paternidade com base em semelhana fsica (?!), testemunhos (?!), cartas (?!). Vai-se alm. Indicar erroneamente o pai transgredir o dever do Estado em assegurar criana a sua devida dignidade, como determina o artigo 227, caput, da Carta Poltica de 1988. 35 A depender do caso concreto, poder-se-ia cogitar de outra causa de rescindibilidade; se fosse negada a um dos demandantes a possibilidade de produo do exame pericial, haveria infrao expressa ao artigo 5, inciso LV, da Constituio Federal de 1988, consagrador da regra do contraditri o e da ampla defesa. Tais princpios derivam, em nosso sistema constitucional, do princpio do devido processo legal (due process of law). Representam ambos uma pequena parcela de uma srie de princpios e garantias postos tanto na Constituio quanto nas leis ordinrias, que, somados e interpretados harmoniosamente, constituem os meandros do rio que conduz as partes a desembocar na ordem jurdica justa. Interessa-nos, agora, o princpio do contraditrio, cujo um dos corolrios o direito prova. O princpio do contraditrio possui natureza bifronte, porquanto no consiste to s em uma atuao do autor do processo, mas, tambm, na participao do ru na formao do convencimento do magistrado sobre as alegaes feitas na demanda. Ensina NELSON NERY JR.: "O princpio do contraditrio, alm de fundamentalmente constituir-se em manifestao do princpio do estado de direito,

tem ntima ligao com o da igualdade das partes e o do direito de ao, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditrio e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ao, quanto o direito de defesa so manifestao do princpio do contraditrio."36 Surge, assim, o direito prova, como consectrio do contraditrio.37 Uma vez tendo sido requerida a produ o de prova fundamental como o o exame gentico nestas causas, surge o direito subjetivo prova, a ensejar eventual resciso se o julgado o desrespeitar. Estas hipteses de rescindibilidade com base no texto constitucional trazem consigo a condescendncia interpretativa que tem prevalecido ultimamente na exegese do inciso V do art. 485, CPC, quando diante de texto constitucional.38 Um outro fundamento de rescindibilidade, tambm levantado por BELMIRO WELTER, a da transgresso ao artigo 27 do Estatuto da Criana e Adolescente, em caso de julgado proferido sem o exame de DNA. Este dispositivo norma de ordem pblica, cujo contedo impe uma srie de caractersticas ao direito ao reconhecimento do estado filiao. Pela letra da lei,39 extraem -se os seguintes caracteres do direito de filiao, segundo BELMIRO PEDRO: "Ora, a perfilhao direito natural e constitucional de personalidade, sendo esse direito indisponvel, inegocivel, imprescritvel, impenhorvel, personalssimo, indeclinvel, absoluto, vitalcio, indispensvel, oponvel contra todos, intransmissvel, constitudo de manifesto interesse pblico e essencial ao ser humano, ou, no do dizer de CARLOS ALBERTO BITTAR, os direitos de personalidade so dotados de constituio especial, para uma proteo eficaz da pessoa, em funo de possuir, como objeto, os bens mais elevados do homem. Assim, o ordenamento jurdico no pode consentir que o homem deles se despoje, conferindo -lhes carter de essencialidade: so, pois, direitos intransmissveis e indispensveis, extrapatrimoniais, imprescritveis, impenhorveis, vitalcios, necessrios e oponveis erga omnes, sob raros e explcitos temperamentos, ditados por interesses pblicos. Em vista desses predicados, no se pode aceitar que a personalidade de algum seja reconhecida apenas com base em verdade formal, denominada fico jurdica, mas, sim, deve ser buscada, incansavelmente, a verdade material, ou seja, a verdadeira filiao biolgica, alis, exigncia fincada na Constituio Federal de 1988 (artigo 227) e Estatuto da Criana e Adolescente (artigo 27)."40 Talvez o mais forte dos argumentos a favor da resciso da sentena (julgado), nestas hipteses, seja o da violao ao art. 130 do CPC. Enfraquece -se, a cada dia, a noo dispositiva do processo civil; o juiz no mais um mero espectador do embate, no fica mais sentado mesa, observando a batalha entre as partes. Assume uma postura mais ativa, dirigindo o processo de modo a tornar efetivo o acesso justia. Emblemtica, em relao a esta mudana de perspectiva, a posio de THEODORO JR: "Quero comear e sta exposio confessando que irei proceder reviso de uma posio doutrinria que esposei e venho defendendo desde a primeira edio de meu manual de direito processual civil, fato ocorrido h

mais de vinte anos. Trata-se do problema relativo ao carter dispositivo do processo civil brasileiro em cotejo com os poderes de iniciativa do juiz na conduo do processo e, particularmente, na instruo probatria."41 Nota-se, ento, nas palavras do mestre mineiro, a aspirao da moderna doutrina processual, que confere ao magistrado, com base no art. 130 CPC, amplos poderes instrutrios, qualquer que seja a natureza do litgio, mxime e isto induvidoso, se versar sobre direitos indisponveis. como afirma JOS ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE "As partes podem perfeitamente manter o pleno domnio sobre os interesses em litgio; mas jamais sobre o desenvolvimento tcnico e formal do processo. A maneira como a jurisdio realiza seu mister no pertence esfera de disponibilidade das partes, pois o processo no pode ser visto apenas como um instrumento de composio de conflitos, de pacificao, mas meio pelo qual se busca a justia substancial."42 Esta a concluso a doutrina processual moderna: busca-se a verdade mais prxima o possvel da real e, para tanto, conferem-se ao magistrado amplos poderes instrutrios. Em se tratando de direito indisponvel, ento, o destemor na produo da prova mais se justifica; em sendo direito indisponvel de fundo constitucional , tanto melhor; havendo a possibilidade de atingimento da certeza, dela no se poder prescindir.43 e 44 Do mesmo modo, para o caso de o julgado fundar-se em prova testemunhal ausente o exame pericial, poderia haver a resciso com base na violao do art . 400, II, do CPC. Considerando que, para a proficiente imposio do vnculo filiao, seria necessrio provar a existncia de uma relao sexual (normalmente, pois possvel inseminao artificial, p. ex.) e, alm disso, de fenmenos biolgicos internos, cuja percepo humana no se d sem aparelhos tcnicos prprios, testemunhas e fotos seriam meios de prova idneos? Nas demandas de investigao de paternidade, atualmente, a produo da prova testemunhal h de ser indeferida (artigo 400, II, do CPC), por quanto s o exame do DNA pode comprovar a existncia do vnculo de filiao. A prova testemunhal no tem o condo, por absoluta impossibilidade fsica, de comprovar a paternidade, fato que somente pode ser constatado com a prova tcnica. A prova testemunhal, aqui, s poderia ser aceita, como indiciria, falta de outros elementos. So estes os principais argumentos que autorizariam uma rescisria de um julgado por violao a literal disposio de lei (CPC 485 V), segundo expe a doutrina O Tribunal de Justia do Esprito Santo, no entanto, conforme lembrana de THEODORO JR, chegou a admitir a possibilidade de rescisria por fora de documento novo (o exame de DNA). Baseou-se na dificuldade de acesso e de compreenso da prova gentica pela parte ao tempo da instruo da investigatria. Embora bem intencionado, estamos com autor mineiro, quando afirma que "no h como tratar um exame pericial posterior coisa julgada como documento novo."45

H ainda o argumento da resciso por prova falsa. Ensina HUMBERTO THEODORO JR: "De minha parte, penso que, conforme as circunstncias da ao primitiva, o posterior exame do DNA pode servir de meio para demonstrar que a sentena da ao de paternidade se lastreou em falsa prova. De fato, se os elementos de convico do processo autorizavam a concluso a que chegou o sentenciante, e se prova tcnica posterior evidenciou, com certeza plena, que a verdade dos fatos era em sentido oposto, no difcil afirmar o defeito do substrato probatrio do julgamento res cindendo."46 Trata-se de um bom argumento. Eis, assim, resumidamente, o elenco dos argumentos possivelmente utilizveis para a resciso de um julgado, em ao investigatria, que se no tenha baseado em prova gentica; trata-se de construo que, antes de tudo, visa salvaguardar o direito filiao, indisponvel em essncia, e que merece, portanto, a lembrana em qualquer painel que verse sobre a coisa julgada e estes direitos. A necessria adaptao do processo ao direito material (e tambm realidade) impe, entretanto, uma imediata reforma legislativa, de modo a que se consagre, de lege lata, a tcnica da coisa julgada secundum eventum probationis para as demandas de paternidade. As peculiaridades deste direito (indisponvel e constitucionalmente protegido) conspiram, tambm, a favor da diferenciao da tutela. 4.4 A coisa julgada na ao de alimentos: o regime comum. Consoante bem pondera A ADROALDO FURTADO FABRCIO, circula na doutrina nacional, com certa desenvoltura, a idia de que o provimento juris dicional na ao de alimentos no faz coisa julgada material, apenas formal.47e48 A fora desta tese adquiriu fumos de legalidade com a promulgao da Lei Federal 5.478/68, que, em seu artigo 15, expressamente dispe: "A deciso judicial sobre alimentos no transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista em face da modificao da situao financeira dos interessados."49 De outro lado, se apregoa, com razo, que a obrigao alimentar, ao menos em razo do parentesco, exemplo de direito indisponvel, conforme letra expressa do art. 404, do Cdigo Civil. Assim, sem examinar a fundo a enorme discusso sobre o assunto, pela impertinncia em relao ao tema deste trabalho, cabem algumas indagaes: o regime da coisa julgada na ao de alimentos diverso em relao s demais aes? Alguns doutrinadores entendem que as sentenas proferidas em relaes jurdicas continuativas no produzem coisa julgada. Asseveram que a modificabilidade a todo tempo da sentena de alimentos no se poderia compatibilizar com a idia da imutabilidade nsita no conceito de coisa julgada.50 Essa concluso pode ser

resultado, tambm, do quanto previsto no art. 471, I, CPC. Por um motivo ou por outro, trata-se, entretanto, de concepo equivocada. Consideram-se relaes jurdicas continuativas "aquelas reguladas por regras jurdicas que projetam no tempo os prprios pressupostos, admitindo variaes dos elementos quantitativos e qualificativos."51 Para dar atuao a tais regras, a sentena atende aos pressupostos do tempo em que foi proferida, sem extinguir a relao jurdica, que continua sujeita a variaes dos seus elementos constitutivos. A lei admite a reviso da sentena, embora transitada em julgado, por haver sobrevindo modificao no estado de fato ou de direito, por meio da chamada ao de reviso. A nova sentena no desconhece nem contraria a anterior. Sucede que toda sentena proferida em tais situaes contm em si a clusula rebus sic standibus, adaptando-a ao estado de fato e ao direito supervenientes. A sentena far coisa julgada material normalmente. Trata-se de duas normas individuais concretas que regulam situaes diversas. A ao de reviso que poder ser interposta uma outra ao (elementos distintos), porque fundada em outra causa de pedir; a nova sentena, nesta demanda, alteraria ex nunc a regulao jurdica da relao, nem de perto tocando na primeira. A sentena proferida no segundo processo no ofender, sequer substituir, a que fora proferida no primeiro, que tem a sua eficcia condicionada permanncia das situaes de fato e de direito imaginar que a primeira sentena no ficaria acobertada pela coisa julgada, seria o mesmo de defender que ela estaria desprotegida do influxo de lei nova, por exemplo.52 No h, assim, regime jurdico diferente para a coisa julgada na ao de alimentos. Tambm no se justifica a terminologia coisa julgada rebus sic standibus",53 pois a coisa julgada sempre operar naquelas circunstncias especficas o que rebus sic standibus a deciso, que em seu bojo traz esta clusula. Estes esclarecimentos, aparentemente ociosos, tm por objetivo compor o quadro normativo sobre os regimes de produo da coisa julgada no direito brasileiro. A diferenciao da tutela alimentar no se efetiva por alterao no regime da produo da coisa julgada material, que segue o padro de toda e qualquer sentena que regule relao jurdica continuativa guarda, interdio etc., sentena esta que tambm submete-se ao regime comum. A concluso de A ADROALDO FURTADO FABRCIO, assim, absolutamente correta, n os servindo como arremate: "A verdade que nada j de particular ou de especial com as sentenas determinativas, ou mais restritamente com as de alimentos, e com sua aptido para a constituio de coisa julgada. No h excluso ou sequer, como algumas vezes sugerido, atenuao do princpio geral, submetendo -se essas decises ao regime comum dos julgamentos de mrito no que concerne res iudicata."54

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/3202/cognicao-construcao-de-procedimentos-ecoisa-julgada#ixzz1uUADo2ih

5. CONCLUSESI. Os procedimentos so construdos a partir da combinao das diversas tcnicas de cognio. II. A coisa julgada material possui, como requisitos fundamentais para a sua ocorrncia: natureza jurisdicional do provimento, cognio exauriente, anlise de mrito e precluso mxima (coisa julgada formal). III. A coisa julgada comum caracteriza-se pela limitao inter partes de seus efeitos, pela inevitabilidade e por ser pro et contra. IV. As demandas coletivas versam possuem regime de produo da coisa julgada material prprio, sendo pro et contra, secundum eventum probationis, erga omnes e com possibilidade de extenso, in utilibus e secundum eventum litis, pela ampliao ope legis do objeto do processo, dos efeitos da deciso, nas demandas coletivas em aes civis pblicas, para as causas individuais. V. O regime da coisa julgada material nas demandas de paternidade o comum, a despeito da existncia de exame gentico de DNA. VI. possvel, entretanto, a resciso de julgado, em demanda investigatria ou negatria, que se no tenha valido do exame gentico pericial, com fundamento em violao a literal disposio de lei, ou por prova falsa. No possvel a resciso com base em documento novo. VII. indispensvel, de le ge ferenda, que se imponha s demandasinvestigatrias o regime da coisa julgada secundum eventum probationis, como homenagem ao princpio da adequao. VIII. O regime da coisa julgada material na ao de alimentos o comum, produzindo-se normalmente, devendo ser desconsiderada a literalidade do art. 15 da Lei Federal 5.478/68. (Cidade do Salvador, Bahia, julho de 2001).

questo 2 - Enumere e explique as trs diferentes categorias de coisa julgada quanto aos limites da coisa julgada nas aes que versem sobre direitos transindividuais? E nas de direitos individuais homogneos?

1) A coisa julgada instituto protegido pela Constituio, que, ao lado dos institutos do direito adquirido e do ato jurdico perfeito, previstos como direitos fundamentais do ordenamento jurdico brasileiro, consagra os princpios constitucionais da segurana e da certeza jurdicas. Importa ressaltar, inclusive, que disposta entre os direitos fundamentais do Estado de Direito, a coisa julgada constitui clusula ptrea, no podendo ser abolida por Emenda Constitucional. 2) A coisa julgada uma exigncia de ordem social, poltica, prtica, por ser imperioso dar soluo situao de incerteza, devendo prevalecer uma delas, a fim de que haja certeza nas relaes jurdicas. A coisa julgada cobre os defeitos dos atos processuais. Nas causas da jurisdio da Justia do Trabalho, somente podem ser opostas, com suspenso do feito, as excees de suspeio ou incompetncia. As demais excees sero alegadas como matria de defesa. Das decises sobre excees de suspeio e incompetncia, salvo quanto a estas, se terminativas do feito, no caber recurso, podendo, no entanto, as partes aleg-las novamente no recurso que couber da deciso final (artigo 799 da CLT). Os limites objetivos da coisa julgada residem nas questes abrangidas por ela. Esto no dispositivo da sentena. E a coisa julgada se estende s questes resolvidas implicitamente. Os limites subjetivos da coisa julgada so as partes no processo. Dizem respeito s pessoas vinculadas coisa julgada material, que resultou da soluo da lide entre as partes. No atingem a esfera jurdica de terceiro, isto , no h benefcio a terceiros, mas pode haver prejuzo a estes.

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Coisa julgada nas aes coletivasGiselle Istschuk dos Santos

Sumrio: Introduo. 1. Da coisa julgada. 1.1. Consideraes iniciais. 1.2. Conceito. 1.3. Coisa julgada formal e material. 1.4. Efeitos positivo e negative. 1.5. Limites da coisa julgada. 1.5.1. Limite objetivo. 1.5.2. Limite subjetivo. 1.5.3. Limite temporal. 1.6. Reexame necessrio. 2. Da tutela coletiva. 2.1. Evoluo histrica. 2.1.1. mbito internacional. 2.1.2. mbito nacional. 2.2.

Conceito. 2.3. Princpios do processo coletivo. 2.3.1. Princpio do acesso justia. 2.3.2. Princpio da universalidade de juri sdio. 2.3.3. Princpio da participao. 2.3.4. Princpio da ao e do impulso oficial. 2.3.5. Princpio da economia processual e da instrumentalidade. 3. Dos direitos coletivamente tutelados. 3.1. Direitos difusos. 3.2. Direitos coletivos em sentido estr ito. 3.3. Direitos individuais homogeneous. 3.4. instrumentos processuais de tutela. 3.5. Legitimidade ativa. 3.5.1. Ministrio Pblico. 3.5.2. Associaes civis. 3.5.3. Defensoria Pblica. 3.5.4. Legitimados no Mandado de Segurana Coletivo e na Ao Popular. 3.5.5. Da Representao adeuqada. 4. Da coisa julgada coletiva. 4.1. Generalidades. 4.2. Regime jurdico conforme a natureza do direito tutelado. 4.3. A eventualidade na coisa julgada coletiva. 4.3.1. Segundo o resultado da lide ou o resultado da prova.4.3.2. Transporte in utilibus da coisa julgada coletiva. 4.3.3. Coisa julgada coletiva no modelo norte-americano. 4.4. Limites da coisa julgada coletiva. 4.4.1. Limites subjetivos. 4.4.2. Limites objetivos. 4.4.3. Limitao territorial imposta pela Lei 9 494/97. 4.5. Litispendncia e as aes coletivas. 4.5.1. Entre aes coletivas. 4.5.2. Entre aes coletivas e aes individuais. Concluso. Referncias. Introduo A[1] jurisdio processual sempre foi estruturada para atender as demandas individuais, isto , para solucionar lides estabelecidas entre indivduos, sejam eles pessoas fsicas ou jurdicas. Com este propsito foi projetado o Cdigo de Processo Civil de 1973, de ntida inspirao liberal, bem como foram moldados os principais institutos que incidem sobre as relaes jurdicas processuais, dentre eles a coisa julgada. Entretanto, a evoluo social e poltica passou a requerer tratamentos mais amplos no que tange tutela dos direitos e

interesses

materialmente

previstos,

em

especial

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promulgao da Constituio da Repblica de 1988. O surgimento, ou a percepo, de direitos que ultrapassam o mbito do indivduo, demonstrou a necessidade de uma tutela jurisdicional diferenciada, visto que direitos como aqueles relativos a conflitos de massa ou ao meio ambiente, por no pertencerem ao indivduo mas sim a uma coletividade, no so passveis de tutela nos moldes at ento delineados no sistema. Em ateno a esta nova realidade, advieram as aes coletivas para tutela de direitos e interesses transindividuais, bem como, posteriormente, de direitos individuais homogneos. Para que a tutela coletiva pudesse se tornar efetiva, institutos basilares do processo civil foram reestruturados e adequados aos ditames do processo coletivo. A coisa julgada representa um dos institutos que mereceu adaptaes a esse novo modo de tutela processual, em especial porque a coisa julgada que vem acarretando um dos principais problemas quando se trata de aes coletivas, qual seja: a dicotomia entre a efetividade dos direitos coletivos lato sensu e os princpios elementares do ordenamento, como o da segurana jurdica. Tal problemtica est diretamente relacionada com a possibilidade de extenso subjetiva dos efeitos do julgado a todos aqueles interessados no resultado da demanda, em oposio limitao inter partes da tutela individual. Prope-se neste trabalho a anlise do fenmeno da coisa julgada coletiva, correlacionando a coisa julgada, do modo como foi tratada no processo individual, com todos os aspectos diferenciadores caractersticos das aes coletivas, na qualidade de instrumentos de tutela coletiva de direitos.

Busca-se esclarecer quais as respostas encontradas no sistema legislativo vigente e nos estudos doutrinrios clssicos e contemporneos para a questo da adequao e insero do instituto da coisa julgada coletiva no ordenamento brasileiro. Para tanto, estruturou-se o trabalho em quatro captulos. Em um primeiro momento procurou-se demonstrar os principais caracteres do instituto da coisa julgada no mbito do Cdigo de Processo Civil. Para tratar da tutela coletiva, dada a amplitude da matria, utilizou-se dois captulos. No segundo captulo tratou-se, exclusivamente, da tutela ou jurisdio coletiva, no captulo seguinte fez-se um estudo dos direitos coletivamente tutelados. Por ser de fundamental importncia realizou-se no terceiro captulo uma anlise abrangente dos instrumentos de tutela processual coletiva, bem como uma anlise mais aprofundada da legitimidade ativa nas aes coletivas, momento em que se tratou das divergncias quanto espcie de legitimidade adotada, de cada um dos entes legitimados e do atual contexto do instituto da representao nacional. Os captulos referentes s aes coletivas basearam-se, em grande parte, na anlise sistemtica da Lei da ao civil pblica, L ei da ao popular e do Cdigo de Defesa do Consumidor, os quais formam o microssistema processual coletivo nacional, com aplicao subsidiria do Cdigo de Processo Civil. Comentou-se, ademais, previses constantes do Anteprojeto de Cdigo brasileiro de processos coletivos, elaborado por vrios dos doutrinadores que embasaram o presente estudo. O ltimo captulo tratou da coisa julgada coletiva e seus elementos diferenciadores, demonstrando-se as diversas adaptaes sofridas pelo instituto da coisa julgada aps sua insero no mbito das aes coletivas. adequada norte-americana no ordenamento

Iniciou-se esclarecendo as diferenas principais existentes entre a coisa julgada individual e a coletiva, assim como se demonstrou as principais justificativas para tais diferenciaes. Cuidou -se, em seguida, das variaes da coisa julgada conforme a espcie de direito tutelado e conforme o resultado do processo, representada pela coisa julgada secundum eventum litis e a coisa julgada secundum eventum probationis, acrescidas da possibilidade de transporte in utilibus da coisa julgada coletiva. Por derradeiro, apresentou-se uma anlise dos limites do instituto, os quais abrangem a coisa julgada erga omnes e ultra partes; e examinouse a questo da litispendncia envolvendo aes coletivas, por conta de sua estrita ligao com o tema. 1. 1.1. DA COISA CONSIDERAES JULGADA INICIAIS

O instituto da coisa julgada, ou res iudicata, est legalmente disciplinado no Captulo VIII, Seo II, do Cdigo de Processo Civil, que em seu artigo 467 define coisa julgada material como a eficcia, que torna imutvel e indiscutvel a sentena, no mais sujeita a recurso ordinrio ou extraordinrio; bem como no artigo 6, 3 da Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657/42, atualizado pela Lei 12.376/10[2]), que chama de coisa julgada ou caso julgado a deciso judicial de que j no caiba recurso. O instituto encontra ainda assento em nossa Constituio Federal, possuindo hierarquia de garantia constitucional oferecida s partes, conforme artigo 5, inciso XXXVI, que torna imune a alteraes legislativas futuras o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada[3]. Quanto importncia da coisa julgada em nosso sistema jurdico, destaca-se o ensinamento de Nery Junior: H determinados institutos no direito, de natureza material ( v.g., decadncia, prescrio) ou processual (v.g., precluso), criados

para propiciar segurana nas relaes sociais e jurdicas. A coisa julgada um desses institutos e tem natureza constitucional, pois [...] elemento que forma a prpria existncia do estado democrtico de direito (CF 1. caput). Sua proteo no est apenas na Constituio Federal 5. XXXVI, mas principalmente na norma que descreve os fundamentos da Repblica (CF 1.). O estado democrtico de direito (CF 1. caput) e um de seus elementos de existncia (e, simultaneamente, garantia fundamental Constituio Federal 5. XXXVI), que a coisa julgada, so clusulas ptreas em nosso sistema constitucional (CF 60 4. I e IV), porquanto bases fundamentais da Repblica Federativa do Brasil[4]. Dada a relevncia do instituto, doutrinariamente divergem os grandes estudiosos acerca de sua concepo, a qual tem evoludo e se modificado ao longo dos tempos. Assim, a coisa julgada j foi concebida como simples presuno de verdade, mera fico ou mera verdade formal. A identificao do fenmeno da coisa julgada com a descoberta da verdade, ou presuno desta, foi uma das idias estampadas no Digesto Romano, bem como defendida por Ulpiano em escritos da Idade Mdia. Entendia-se que, se a finalidade do processo era a busca da verdade, a sentena refletia tal fim - res iudicata pro veritate habetur - e por isso adquiria autoridade de coisa julgada, mesmo na hiptese de apresentar-se injusta e em desacordo com a verdade real[5]. Tal entendimento evoluiu com Savigny quando formulou a teoria da fico, na qual a verdade apresentada pela sentena, que mesmo injusta formava coisa julgada, no consistia em nada alm de uma verdade aparente[6], ou, conforme o entendimento contemporneo, uma verdade processual ou formal.

Marinoni, ao tratar da identificao da verdade com a coisa julgada, assevera que a coisa julgada no se liga, ontologicamente, noo de verdade, acrescentando que o legislador pode optar pela certeza jurdica ou pela estabilidade, nos seguintes termos: Pode privilegiar a certeza, buscando incessantemente descobrir como as coisas aconteceram, autorizando sempre e a qualquer tempo a reviso da deciso prolatada, e fazendo infinita a soluo da controvrsia. em Ou pode fazer prevalecer um a fim estabilidade, prestao colocando, determinado momento,

jurisdicional [...]. Nenhuma das alternativas, porm, adotada de forma radical por qualquer desses sistemas, sempre se buscando o equilbrio ideal entre elas.[7] Superada, ento, a noo de verdade como fundamento do instituto da coisa julgada, encontram-se, de fato, nos estudos de Liebman e Chiovenda as teses que embasaram as futuras discusses quanto ao tema. Chiovenda entendia o processo como um instituto pblico,

destinado atuao da vontade da lei, que culminava na emanao de um ato de vontade reconhecendo ou desconhecendo um bem da vida a uma das partes, explicando-se a coisa julgada na exigncia da segurana para fruio desses bens. Acrescentava, ainda, que a sentena a afirmao ou negao da vontade do Estado, e por meio dela se consegue a certeza da existncia de tal vontade e a incontestabilidade do bem reconhecido ou negado.[8] Liebman, por sua vez, inovou no que tange ao instituto, ao defender que a coisa julgada no se consubstanciava em um efeito da sentena, mas sim em uma autoridade destes efeitos e da prpria sentena[9]. A reunio dessas concepes possibilitou a descoberta dos fundamentos e conceitos de coisa julgada formulados pela doutrina moderna.

Assim, os fundamentos da coisa julgada esto relacionados com a inegvel necessidade social, reconhecida pelo Estado, de evitar a perpetuao dos litgios, em prol da segurana que os negcios jurdicos reclamam,[10] ou na necessidade de pacificao social. A esses fundamentos cabe ainda acrescentar aqueles observados por Porto e j trazidos em Chiovenda: um de natureza filosfica, representado pela estabilidade, e outro de natureza jurdica, presente na busca pela verdade subjetiva processual[11]. Segundo o autor, os fundamentos da coisa julgada radicam na finalidade inata do ato sentencial de regular definitivamente certa relao jurdica (eficcia), o qual, por fora da vontade do Estado, pode ser imposto, perante todos (autoridade).[12] Assim, a estabilidade e vontade do Estado fundamentam a coisa julgada, que, por sua vez, d azo ao Princpio da Segurana Jurdica, um dos princpios gerais de Direito abordado com propriedade por Bandeira de Mello, in verbis: O Direito prope-se a ensejar uma certa estabilidade, um mnimo de certeza na regncia da vida social. Da o chamado princpio da segurana jurdica, o qual, bem por isto, se no o mais importante dentre todos os princpios gerais de Direito, , indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. Os institutos da prescrio, da decadncia, da precluso (na esfera processual), do usucapio, da irretroatividade da lei, do direito adquirido, so expresses Direito.[13] Dos fundamentos jurdicos e filosficos do instituto da c oisa julgada decorre a sua conceituao doutrinria, que vem complementar e ajustar os conceitos legais previamente citados. 1.2. CONCEITO concretas que bem revelam esta profunda aspirao estabilidade, segurana, conatural ao

Conforme j explicitado, foi da concepo de coisa julgada formulada por Liebman, inspirada na depurao realizada por Chiovenda, que partiram os grandes doutrinadores modernos para elaborao de seus prprios conceitos. A teoria de Chiovenda representou um retorno concepo romana de res iudicata e trouxe, como principais contribuies, a depurao do conceito e fenmeno da coisa julgada de fenmenos afins; a distino da coisa julgada da simples precluso; a distino entre coisa julgada substancial e coisa julgada formal e a limitao da autoridade da coisa julgada deciso que decide o mrito da ao[14]. O emrito autor entendeu por bem conceituar coisa julgada como uma afirmao indiscutvel e obrigatria para os juzes de todos os processos futuros, de uma vontade concreta da lei, a qual reconhece ou nega um bem da vida a uma das partes[15]. Liebman, por sua vez, parte do pressuposto de que a eficcia da sentena deve lgica e praticamente define coisa distinguir-se julgada da como sua a imutabilidade[16]. Assim

indiscutibilidade ou imutabilidade da sentena e dos seus efeitos, aquele atributo que qualifica e potencializa a eficcia que a sentena naturalmente produz, segundo a sua prpria essncia de ato estatal[17]. Nesse sentido, renomado autor ainda esclarece que a autoridade da coisa julgada consiste na imutabilidade do comando (eficcia) emergente de uma sentena, no se identificando simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato, mas com uma qualidade que reveste o ato e seu contedo, tornando-o imutvel juntamente com seus efeitos[18]. Hodiernamente, convergem de forma majoritria os doutrinadores para a concepo de coisa julgada como uma qualidade da

sentena e de seus efeitos, a despeito do que dispe o artigo 467 do Cdigo de Processo Civil. Dinamarco relaciona a coisa julgada com a estabilidade e

imunizao das relaes jurdicas, definido-a como a imutabilidade da sentena e de seus efeitos que ocorre depois que a sentena se torna irrecorrvel.[19] Marinoni, de forma semelhante, descreve coisa julgada como a imutabilidade decorrente da sentena de mrito, que impede sua discusso posterior[20], podendo ser complementado por Porto quando este afirma que a coisa julgada representa, efetivamente, a indiscutibilidade da nova situao jurdica declarada pela sentena e decorrente da inviabilidade recursal[21]. Assim, pode se entender coisa julgada como uma qualidade atribuda s sentenas transitadas em julgado, isto , das quais no cabem mais recursos ordinrios; que as tornam imutveis perante as partes, ressalvados casos especficos, e indiscutveis perante quaisquer outros juzos. A coisa julgada, na qualidade de instituto complexo, pode ser formal ou material, segundo o grau de definitividade e abrangncia da deciso proferida. 1.3. COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL A coisa julgada material a coisa julgada por excelncia, ao ponto de, quando usada a expresso isoladamente, estar-se significando coisa julgada material[22]. a responsvel por trazer segurana jurdica ao Estado Democrtico de Direito, apresentando-se como o centro de todos os objetivos do direito processual civil, pois tem a fora de criar a intangibilidade da pretenso de direito material que foi deduzida no processo e resolvida pela sentena de mrito transitada em julgado[23].

Quanto coisa julgada formal, corresponde precluso mxima dentro do processo, identificando-se, de fato, com o fim da prestao jurisdicional em determinada demanda. De qualquer modo, ambas se formam quando da deciso extintiva do processo j no caiba mais recurso algum[24]. A coisa julgada formal refere-se indiscutibilidade da sentena dentro do processo em que foi proferida, sendo por isso chamada de endoprocessual[25] ou intraprocessual[26]. Trata-se da precluso definitiva das questes propostas, quando no pro cesso se obteve uma sentena no mais sujeita a impugnaes[27] e, portanto, ocorre quando tiver havido precluso temporal, consumativa ou lgica para a interposio de qualquer recurso contra a sentena (ou acrdo) proferida[28]. Essa impossibilidade de interposio de recursos decorre de diferentes razes: a lei no mais os admite; foram interpostos todos os recursos admissveis; deixou-se transcorrer in albis os prazos legalmente estipulados; o recorrente desistiu do recurso interposto; ou a parte renunciou sua interposio[29]. Incide sobre todas as sentenas que encerrem o processo, existindo sozinha em determinados casos - como nas sentenas terminativas ou sem resoluo do mrito -, e ser sempre pressuposto da coisa julgada material, pois toda sentena para transitar em julgado materialmente deve passar em julgado formalmente[30]. A coisa julgada material, ou substancial, consiste na

indiscutibilidade da sentena fora do processo em que foi proferida, ou seja, extraprocessual[31]. Sob a tica processual, a imunidade da sentena de mrito a novos questionamentos depois de haver se tornado irrecorrvel[32], e impe-se no apenas demanda que encerra, mas a todas as outras que possam referir-se s mesmas partes, pedido e causa de pedir (artigo 301, inciso VI, 1 e 2, do Cdigo de Processo Civil[33]). Ir incidir,

sempre e necessariamente, nas sentenas definitivas, isto , as que apreciam o mrito da lide[34]. Seguindo nesse entendimento, decises concernentes a aspectos processuais ou substanciais, de fato ou de direito, ou que possuam carter preparatrio deciso de mrito, no esto abrangidas pela coisa julgada material[35]. Desse modo, por no importarem em soluo de lide, no esto sob a incidncia da coisa julgada material: os despachos de expediente e as decises interlocutrias; as sentenas em procedimento de jurisdio voluntria ou em processo de execuo, e as sentenas cautelares. As sentenas proferidas no processo de jurisdio voluntria ou de execuo so baseadas em cognio rarefeita, no visando em essncia produzir definitividade[36]. Quanto ao processo cautelar, este no possibilita ao julgador a formao de uma cognio exauriente das provas e fatos e, por isso, no passvel da imunizao das decises judiciais nele proferidas, derivada da coisa julgada material[37]. Exceo referida regra encontra-se, apenas, no artigo 810 do Cdigo de Processo Civil e no artigo 15 da Lei 8.397/92[38]. Ressalte-se, no entanto, que as sentenas previamente proferidas em processos de jurisdio voluntria ou cautelar podem sofrer modificaes ou reapreciaes na hiptese de alterao ftica superveniente[39]. Isso porque, nas palavras de Liebman, de certo modo todas as sentenas contm implicitamente a cl usula rebus sic stantibus, que atenua a fora do instituto da coisa julgada[40]. 1.4. EFEITOS POSITIVO E NEGATIVO Do contedo e conceito de coisa julgada, seja em seu sentido formal ou material, decorrem naturalmente alguns efeitos ou funes, responsveis pela eficcia do instituto. Tais efeitos,

admitidos majoritariamente pela doutrina, seriam o positivo e o negativo. O efeito negativo caracteriza-se como um impedimento ou

proibio de que se volte a discutir no futuro questo j decidida por sentena de mrito transitada em julgado. J o efeito positivo impe s partes obedincia ao julgado e obriga a autoridade judiciria a ajustar-se a ela[41], vinculando os futuros juzes declarao proferida. O artigo 467 do Cdigo de Processo Civil[42] trata da

indiscutibilidade e imutabilidade da sentena, referindo -se a primeira proibio s partes de proporem ao idntica em que se estabeleceu coisa julgada efeito negativo; e a segunda impossibilidade do juiz reexaminar ou rejulgar a causa efeito positivo[43]. O efeito negativo se perfaz no processo por meio da exceo de coisa julgada, ou exceptio rei judicatae, entendida por Chiovenda como uma exceo de natureza especial que se prope a excluir no s uma deciso contrria precedente, mas simplesmente uma nova deciso sobre o que j foi julgado[44]. Pode constituir preliminar da contestao (artigo 301, inciso VI, Cdi go de Processo Civil[45]), bem como exceo oposta em qualquer fase do processo ou grau de jurisdio, sendo possvel, at mesmo, sua declarao ex officio pelo juiz, dado referir-se matria de interesse pblico. Entretanto, para que possa ser acolhida exceo de coisa julgada em qualquer processo, essencial que existam, entre a causa julgada e a futura, identidade de partes, pedido e causa de pedir (artigo 301, 2, Cdigo de Processo Civil)[46]. Ou seja, conforme ressaltado quando se tratou da coisa julgada material, a imutabilidade apenas se manifestar entre as mesmas partes e

enquanto permanecerem intocadas as circunstncias fticas e jurdicas[47]. Quanto de trplice ou identidade exigida de legalmente, fatos Marinoni

esclarece que no h necessidade de alterao completa da causa pedir, seja, ocorrncia absolutamente desvinculados dos anteriormente alegados, para se considerar como nova determinada ao. Basta a alterao de parcela da causa de pedir, em sua causa prxima ou remota, para que exista nova ao e a impossibilidade de acolhimento da exceptio rei judicatae[48]. Na hiptese de alterao parcial da causa de pedir com a existncia de questes velhas (j decididas) e questes novas, no haver a extino prematura do processo. O que ocorre neste caso o acatamento pelo juiz, como ponto de partida, da certeza e indiscutibilidade da situao jurdica estabelecida pela coisa julgada, e a apreciao das questes novas, de modo a respeitar o que j se acha definitivamente julgado[49]. Como acrscimo ao exposto, vlidas as palavras de Baptista da Silva citado por Porto[50] quanto a tais efeitos: o efeito negativo da coisa julgada opera sempre com exceptio rei judicatae, ou seja, como defesa, para impedir novo julgamento daquilo que j fora decidido na demanda anterior. O efeito positivo, ao contrrio, corresponde utilizao propriamente em seu contedo, tornando-o imperativo para o segundo julgamento. Enquanto a exceptio rei judicatae forma de defesa, a ser empregada pelo demandado, o efeito positivo da coisa julgada pode ser fundamento de uma segunda demanda. Ressalte-se que os efeitos positivo e negativo no representam os nicos efeitos que decorrem da coisa julgada. Ao lado destes, outros efeitos so tratados pela doutrina, como o substitutivo,

definido como um efeito especial da coisa julgada material pelo qual a sentena proferida e j transitada em julgado substitui todas as atividades das partes e do juiz praticadas no processo, abarcando as nulidades e anulabilidades porventura ocorridas durante o procedimento[51]. Assim, elucidados os efeitos decorrentes da coisa julgada, resta a anlise de seus limites, isto , o mbito de incidncia da autoridade da coisa julgada. 1.5. LIMITES DA COISA JULGADA O aspecto dos limites da coisa julgada analisa quem est sujeito autoridade da coisa julgada, sobre o que ela efetivamente incidir e quando ou at que momento se estar submetido sua autoridade. Assim, possvel afirmar que o caso julgado est limitado objetivamente, subjetivamente e temporalmente[52]. Inicialmente, essencial esclarecer que os limites incidem sobre a autoridade da coisa julgada, e no sua eficcia. Calamandrei citado por Liebman afirmava que nem todos os efeitos jurdicos que a lei atribui sentena podem relacionar-se com a vontade nela formulada e colocar-se sob o instituto do julgado. Ou seja, da sentena decorrem efeitos principais e secundrios ou indiretos, sendo estes acessrios ou conseqentes aos principais, e, por isso, esto excludos da autoridade da coisa julgada[53]. Tais efeitos da sentena podem ainda ser denominados efeitos naturais e efeitos reflexos[54], respectivamente. Ainda no que tange relao entre coisa julgada e os diferentes efeitos da sentena (declaratrio, mandamental, constitutivo, condenatrio e executivo), sabe-se que a coisa julgada j foi identificada com a declarao obrigatria e indiscutvel que a sentena produz[55], entendimento hoje superado pela concepo da coisa julgada como uma qualidade e no um efeito.

Entretanto, ainda possvel afirmar que nem todos os efeitos citados tornam-se imutveis em decorrncia da coisa julgada. claro que todas as sentenas tm algum contedo declaratrio, haja vista que a declarao jurisdicional sobre uma situao de fato o objetivo principal do processo. No obstante, se a declarao representa a certificao dada pela jurisdio a respeito da pretenso de direito material exposta pelo autor, somente o efeito declaratrio que pode tornar-se imutvel em decorrncia da coisa julgada. Este entendimento fundamenta -se no fato de que todos os demais efeitos podem no se realizar em vista da atuao das partes ou circunstncias externas ao processo[56]. 1.5.1. Limite objetivo Os limites objetivos da coisa julgada esto legalmente dispostos nos artigos 467 e 468 do Cdigo de Processo Civil[57], de onde se infere que a coisa julgada atinge apenas a parte dispositiva da sentena. Porm, a parte dispositiva entendida no no sentido formalista, mas no substancial; de modo que abranja no s a fase final da sentena, como tambm qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido sobre os pedidos das partes[58]. Chiovenda conclui afirmando que[59]: o objeto do julgado a concluso ltima do raciocnio do juiz, e no as premissas; o ltimo e imediato resultado da deciso, e no a srie dos fatos, das relaes ou dos estados jurdicos que, no esprito do juiz, constituram os pressupostos de tal resultado. Tal raciocnio explicitado no artigo 469, que exclui

expressamente da abrangncia da coisa julgada os motivos e verdade dos fatos que integram o fundamento da sentena, bem como as questes prejudiciais incidentemente decididas. Os motivos referem-se atividade desenvolvida pelo julgador para preparar e justificar a deciso, limitando-se, portanto, ao plano

lgico da elaborao do julgado. A verdade dos fatos abrange as questes de fato e de direito, que se entrelaam para formar a causa de pedir da demanda[60]. O inciso III do artigo supracitado, refere-se s questes prvias ou pontos controvertidos que o juiz deve apreciar antes de analisar o mrito da lide. So questes que precedem a pretenso exposta em juzo, podendo ser de duas naturezas: preliminares e prejudiciais[61]. As preliminares so aquelas questes de carter processual cuja apreciao repercute na possibilidade ou no do exame do mrito, por exemplo, a existncia de determinada condio da ao ou pressuposto processual[62]. Quanto s questes prejudiciais[63], dizem respeito ao mrito e vo repercutir no acolhimento ou no do pedido[64]. So relativas a vontades concretas de lei, as quais poderiam constituir objeto dum processo autnomo e ensejar, nele, a coisa julgada [65]. Prejudicial a questo relativa outra relao ou estado que se apresenta como mero antecedente lgico da relao controvertida, sobre a qual o juiz exerce apenas a cognitio, poder implcito no poder de jurisdio, e no a judicium, exercida em relao lide.[66] As questes implicitamente decididas no processo, por sua vez, recebem tratamento diferenciado, constituindo a chamada eficcia preclusiva da coisa julgada, inserida no artigo 474 do Cdigo de Processo Civil[67]. Este dispositivo legal estabelece o princpio do deduzido e do dedutvel, ou seja, a autoridade da coisa julgada se estende sobre o que foi deduzido e aquilo que poderia ter sido deduzido mas no foi[68], sendo aplicvel tanto ao pedido do autor como defesa do ru. Trata-se, em verdade, de um efeito impeditivo de qualquer novo julgamento, no mesmo ou em outro

processo

que

possa

redundar

em

prejuzo

da

situao

de

indiscutibilidade e imutabilidade da sentena[69]. Considere-se, no entanto, que a eficcia preclusiva no abrange questes no relativas causa de pedir, conforme ensina Marinoni[70]: a precluso, capaz de operar em razo do art. 474 do Cdigo de Processo Civil, diz respeito apenas s questes concernentes mesma causa de pedir. Somente as questes internas causa determinada, relativas ao proposta e, portanto, referentes s mesmas partes, ao mesmo pedido e mesma causa de pedir que sero apanhadas por esse efeito preclusivo, de forma a torn las no dedutveis em demanda diversa. Tal precluso especial gerada pela coisa julgada tambm no atinge pedidos no formulados pela parte ou no apreciados pelo juiz[71]. 1.5.2. Limite subjetivo Quanto ao aspecto subjetivo, a coisa julgada limitada, pela regra geral do artigo 472 do Cdigo de Processo Civil[72], s partes entre as quais dada. O prprio artigo reconhece que a coisa julgada no se estender aos terceiros que venham a sofrer prejuzo jurdico em face da sentena, isto , que tenha algum direito por ela negado ou restringido[73]. Ressalte-se, contudo, que todos, sem distino, se encontram sujeitos aos efeitos da sentena, os quais se produziro efetivamente para todos aqueles cuja posio jurdica tenha qualquer conexo com o objeto do processo, porque para todos contm a deciso a atuao da vontade da lei no caso concreto[74].

Entretanto, resta claro, que para as partes, quando a sentena passa em julgado, os seus efeitos se tornam imutveis (autoridade), ao passo que para os terceiros isso no acontece [75], admitindo-se excees conforme a existncia de interesse jurdico do terceiro no litgio. Aos sucessores, substitudos e cessionrios que passem a atuar no processo estende-se, por equiparao, a autoridade da coisa julgada, pois representam verdadeiros titulares do direito posto em causa[76]. Quantos aos demais, so considerados efetivamente terceiros, classificados por Betti como: juridicamente indiferentes ou juridicamente interessados, estes podendo estar sujeitos ou no a exceo de coisa julgada[77]. Os terceiros juridicamente no interessados, ou indiferentes, sofrem os efeitos naturais da sentena, inafastveis e imutveis, estando submetidos autoridade da coisa julgada e, por essa razo, no tm legitimidade para ingressar no processo sob qualquer condio. Os terceiros juridicamente interessados, por outro lado, possuem interesse jurdico, mas no so partes no litgio, e assim, no podem ser atingidos pela coisa julgada, sendo apenas alcanados pelos efeitos reflexos da sentena. Possuem legitimidade para ingressar no processo na qualidade de assistentes simples, manifestar oposio[78] ou, no caso dos processos executivos, propor embargos de terceiro. Ainda quanto disciplina dos limites subjetivos da coisa julgada, cabe acrescentar que a mesma vem sofrendo alteraes, principalmente em decorrncia da crescente necessidade de sua vinculao natureza do direito posto em causa. Com efeito, tais alteraes se consubstanciam na aplicao prtica de idias j difundidas por grandes pensadores, como Chiovenda, ainda no fim da dcada de 60. Em uma de suas obras, renomado processualista j reconhecia a existncia de relaes jurdicas que

no podem existir apenas em face de dois plos de um vnculo sem existir para todos os demais. Assumiu, nesse caso, que quando um direito de tal natureza declarado existente na relao entre dois indivduos, deve o juiz, sucessivamente, reconhec-lo existente para terceiro indivduo, e assim por diante, no por extenso do julgado, nem porque os terceiros estivessem causa, mas pela natureza do direito[79]. Quanto ao tema, discorreu[80]: a regra, portanto, de que uma sentena no pode ter importncia relativamente s aes de terceiros, sofre alguma limitao, decorrente da natureza especial de alguns direitos. So estes os correspondentes s relaes em que diversos titulares de direito esto todos sujeitos ao ato que se vai mudar, e, por conseqncia, se acham ligados por essa qualidade comum entre eles, como sucede a todos os que esto sujeitos aos atos de uma mesma autoridade (Estado, municpio, sociedade). Somente podem manter-se ou anular-se tais atos com respeito a todos. O estarem diversas pessoas sujeitas ao mesmo ato coloca-se numa condio comum, que explica como so prejudicadas por uma sentena proferida em relao a um qualquer entre os que se encontram naquela condio, se bem que sejam terceiros no tocante a essa sentena, e no representados no processo. Tal entendimento representa fundamento relevante para o tema do presente estudo, e seus aperfeioamentos acabaram por originar a atual teoria dos direitos coletivos, a ser tratada no prximo captulo. 1.5.3. Limite temporal Alm das limitaes objetivas e subjetivas, a coisa julgada tambm apresenta limites temporais. Conforme artigo 471 do Cdigo de Processo Civil[81], tais limites referem-se hiptese das relaes representados na

continuativas, ou seja, as relaes alimentares e tributrias, decididas por meio das sentenas ditas determinativas. Ainda, a eficcia temporal no est vinculada apenas situao substancial normada ou na identificao do termo a quo, pois envolve tambm as condenaes para o futuro, onde a deciso projeta sua eficcia para alm do imediato, disciplinando previamente as conseqncias de comportamento posterior[82]. Tal hiptese trata-se, claramente, de exceo regra da coisa julgada, pois o julgamento sobre as obrigaes futuras, ou ainda inexigveis, carece de ao por falta do interesse-necessidade. A lei, todavia, buscando acelerar a tutela jurisdicional, possibilita que sejam objeto de ao e julgamento obrigaes futuras que de algum modo estejam entrelaadas com obrigaes existentes e exigveis no presente[83]. Nas aes de alimentos somente quanto s prestaes futuras poder sobrevir nova declarao sobre sua existncia ou valor, pois quanto s j vencidas a incidncia da coisa julgada plena e nada tem de peculiar[84]. Todavia, tambm as relaes no marcadamente continuativas esto sujeitas s variaes temporais, haja vista que toda relao possui, em maior ou menor intensidade, a presena da clusula rebus sic stantibus[85]. Para concluso do estudo sobre coisa julgada, passar-se- a tratar do reexame necessrio, condio de eficcia de sentenas proferidas em face do Poder Pblico. 1.6. REEXAME NECESSRIO O reexame necessrio, tambm chamado de remessa ex officio ou remessa necessria, definido por Nery Junior como uma manifestao do efeito translativo no processo civil, por meio do

qual se transfere ao tribunal superior o conhecimento integral da causa, com a finalidade de estabelecer controle sobre a correo de sentena do primeiro grau[86]. Foi disciplinado pela Lei 10.352/01, que alterou o artigo 475 do Cdigo de Processo Civil, nos seguintes termos: Art. 475. Est sujeita ao duplo grau de jurisdio, no

produzindo efeito seno depois de confirmada pelo tribunal, a sentena: I proferida contra a Unio, o Estado, o Distrito Federal, o Municpio, e as respectivas autarquias e fundaes de direito pblico; II que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos execuo de dvida ativa da Fazenda Pblica (art. 585, VI). As sentenas contra a Fazenda Pblica, para fins de reexame necessrio, compreendem apenas as de julgamento de mrito, no havendo duplo grau obrigatrio na hiptese de sentena terminativa, ainda que vencida a Fazenda Pblica[87]. O inciso I expressamente inclui as autarquias e fundaes de direito pblico, no possuindo mais validade a Smula 620 do STF[88]. Do mesmo modo estaro sujeitas ao reexame necessrio as decises que julgarem procedentes os embargos execuo fiscal, sem atingir, no entanto, os embargos de outras execues contra a Fazenda Pblica, segundo entendimento jurisprudencial do STJ[89]. Conforme dispe o 2 do artigo colacionado[90] o reexame necessrio no deve ocorrer quando a condenao, ou o di reito controvertido, for de valor certo no excedente a sessenta salrios mnimos