Modulo 1 - 02 Fundamentos Historicos Teoricos e Metodologicos Do Servico Social

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Mdulo FUNDAMENTOS HISTRICOS, TERICOS E METODOLGICOS DO SERVIO SOCIAL

Professor Esp. Jorge Oliveira Rocha Professora Laura Mrcia Rosa dos Santos

Unidade Didtica Fundamentos Tericos e Metodolgicos do Servio Social

ApresentaoOl, acadmico(a)! Ao abordarmos os fundamentos histricos e metodolgicos do Servio Social II, ns acompanharemos o sculo XX e seus grandes acontecimentos e a partir desses, analisaremos e desenvolveremos alguns mtodos aplicveis ao nosso trabalho social. De 1900 a 1950 houve na Europa a primeira e segunda guerra mundial e ainda, a revoluo russa e a revoluo espanhola. Foram os maiores conflitos vivenciados pela humanidade moderna. Acompanhar e entender esses fatos ocorridos em menos de 50 anos num mesmo continente, nos levar a entender o absurdo das aes humanas e o sofrimento conseqente. De 1959 aos dias atuais o crescimento econmico constante, mas a grande maioria, aquela quem mais contribui para esse desenvolvimento permaneceu esquecida e desamparada. O crescimento da economia a qualquer preo ou ao custo do sofrimento humano apresenta a seguinte questo: Onde est a dignidade humana? A Amrica Latina passou pela ditadura de militares, inclusive o Brasil (1964 a 1978) e hoje excepcionalmente Cuba ainda vive sob esse regime com Fidel Castro (1926) que permanece no poder desde 1959. A partir dos anos 50 uma grande desigualdade social se faz notar, assim como o surgimento de grandes latifundirios. O sofrimento humano causado pela injustia social da Amrica Latina entre os anos 60 e 70, no est longe de uma soluo. Atualmente vivemos na democracia, mas ainda h regies de extrema pobreza. Assim sendo acadmicos (as), vocs que j estudaram vrias disciplinas como a filosofia, a sociologia, a antropologia e psicologia social, tero agora condies de analisar os problemas sociais e aptos a desenvolverem projetos de curto e longo prazo, voltados ao resgate da dignidade humana e melhoraria da qualidade de vida das pessoas. Boa sorte e vamos ao trabalho! Professor Esp Jorge Oliveira Rocha Professora Laura Mrcia Rosa dos Santos

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AULA 1 As Origens Tericas das Cincias Sociais

AULA ____________________AS ORIGENS TERICAS DAS CINCIAS SOCIAISContedo Revoluo Francesa: O Iluminismo A Repblica Francesa Auguste Comte: A Sociologia e o Positivismo A fenomenologia Karl Marx: O Marxismo Competncias e habilidades Compreender os problemas sociais poca da Revoluo Francesa Identificar as condies da populao poca do surgimento da Sociologia e do Positivismo de August Comte Compreender a situao scio-poltica e econmica que levaram ao surgimento do Marxismo e sua influncia no Servio Social Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal Verificar texto disponibilizado no Portal, na Galeria da Unidade Didtica Durao 2 h/a via satlite com o professor interativo 2 h/a presenciais com o professor local 6 h/a mnimo sugerido para auto-estudo

INTRODUO: A CONSTRUO DO CONHECIMENTO

As condies de emergncia do Servio Social, de modo geral, conduziram a uma profisso de carter interventivo sem grande recurso a referenciais tericos no seu incio, mas que, ao longo do tempo, se apropriou de uma rica referncia terica vinda das cincias sociais. Mas isso no constitua um pilar para a construo do conhecimento, uma vez que Kameyama (1998, p. 35) assinala que a formao dos assistentes sociais como profissionais, dado o seu

carter interventivo, privilegiou fundamentalmente o aspecto tcnico-operativo, em detrimento da produo do conhecimento. Nesse contexto, a profisso se insere na diviso scio-tcnica do trabalho, desenvolve um processo de trabalho que implica a delimitao de um objeto especfico: as mltiplas expresses da Questo Social. Pois, a ela exigida a capacidade de resposta imediata a questes urgentes, no sendo assim reconhecida a necessidade, nem a legitimidade, de ela participar do estudo das condies e contradies sociais e pol-

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ticas no seio das quais se desenvolvia a sua prtica, conduzindo ao seu quase afastamento dos domnios da produo terica. Assim sendo, o assistente social intervinha sobre o social sem que esse processo o conduzisse elaborao de um discurso analtico e crtico ou a uma prtica que levasse em conta as antinomias estruturais em que operava. Nessa perspectiva de apresentar o rumo que as aes do servio social seguiram do ponto de vista terico e metodolgico, demonstraremos os acontecimentos histricos que deram origem s teorias das cincias sociais que, posteriormente tornaram-se a base terica do servio social.REvOlUO fRANCESA: O IlUMINISMO

filosfico no decorrer do sculo XVIII, chamado de Sculo das Luzes. Pode ser considerado um esforo consciente de valorizao da razo e abandono de preconceitos tradicionais, especialmente, no que diz respeito liberdade de pensar. a passagem do pensamento humano da tutela da f religiosa para a razo natural, dando origem a uma nova postura filosfica e uma nova postura cientfica. Immanuel Kant une esses dois caminhos (da f e da razo) dizendo que o conhecimento um ato nico com duas dimenses uma emprica outra terica. O iluminismo teve representantes das mais variadas correntes, humanistas, naturalistas e criticistas, entre eles Voltaire, Diderot e Kant.A REPblICA fRANCESA

Com o crescimento econmico da Inglaterra, a Frana, que demorou mais a assumir a industrializao, entrou em crise com a concorrncia dos produtos ingleses. Uma estiagem vem agravar a situao, diminuindo a produo interna francesa de alimentos chegando, a fome, a misria. O povo sofre com o pagamento dos pesados impostos e com os abusos do absolutismo do rei Luis XVI (1754/1793). Os burgueses detm o poder econmico, mas perdem as disputas polticas para a nobreza e o clero que se aliaram. A burguesia almeja o poder poltico, a liberdade econmica e a ascenso social e, estimulada pelos ideais do iluminismo, revolta-se contra a dominao da minoria (nobreza e clero). A ideologia liberal burguesa considerada responsvel pela queda deste sistema colonial, absolutista e de controle do Estado sobre as atividades produtivas, o que vem a criar um ambiente propcio ao surgimento de idias iluministas, que reforam a proposta liberal e falam em igualdade de direitos sociais. Filsofos como Voltaire, Rousseau, Diderot anunciam um mundo novo baseado na vontade da maioria, na igualdade perante a lei e na liberdade individual, o que desencadeia um processo de modificaes polticas que culminam com a Revoluo Francesa.O IlUMINISMO

O iluminismo uma doutrina de natureza mstico-religiosa que se tornou um movimento cultural-

O poder absoluto do rei sufocava a nao. No havia liberdade religiosa, liberdade de imprensa e era adotada a tortura. O princpio da desigualdade imperava. O alto clero era constitudo exclusivamente de nobres. A nobreza gozava de numerosos privilgios. Suas propriedades conservavam, ainda, os direitos feudais (contribuio em gnero ou trabalho, pagamento pelo uso de moinhos, fornos, e outros). A populao se envolvia em revoltas em Paris e no interior, desencadeadas pelo aumento do preo do po, que culminaram com a queda da Bastilha, priso smbolo do absolutismo, em 14 de julho de 1789. Grande parte da nobreza emigra e, em 4 de agosto do mesmo ano a Constituinte suprime o sistema feudal. Ainda sob o impacto dos acontecimentos de julho, a Assemblia Nacional Constituinte aprovou, em 26 de agosto de 1789, a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, segunda a qual todos os homens possuem direitos naturais, inalienveis e sagrados liberdade, propriedade, segurana e resistncia a opresso, o que pode ser considerada a grande conquista da Revoluo francesa. Em setembro de 1791 fica pronta a Constituio que institui a monarquia parlamentar, a igualdade civil. Confisca os bens da Igreja e probe greves e associaes operrias. Luiz XVI tenta reverter a situao, mas preso e, em 20 de setembro de 1792, Marat, Robespierre e Danton assumem o governo.

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O ideal de liberdade, igualdade e fraternidade proclamado pela Revoluo Francesa abre caminho para o capitalismo industrial francs, garantido na Constituio de 1795, que consolida as aspiraes da burguesia centrada em garantir a propriedade do rico, a existncia do pobre, o usufruto do homem industrioso e a segurana de todos. As idias iluministas trazem para a sociedade da poca uma nova viso de mundo, libertando o pensamento humano da tutela da f religiosa e dando espao para a razo.AUgUSTE COMTE: A SOCIOlOgIA E O POSITIvISMO

Auguste Comte (1798-1857) nasceu em Montpellier, Frana. Era de famlia catlica e monarquista. Viveu a infncia na Frana napolenica. Estudou no colgio de sua cidade e depois em Paris, na Escola Politcnica. Tornou-se discpulo de Saint-Simon, de quem sofreu forte influncia. Devotou seus estudos filosofia positivista, considerada por ele uma religio, da qual era pregador. Segundo sua filosofia poltica existia 03 estados: um teolgico; outro metafsico; e um positivo. Este ltimo representava o coroamento do progresso da humanidade. Distinguia as cincias de abstratas e concretas, sendo a mais complexa e profunda a sociologia, cincia que batizou em sua obra Curso de Filosofia Positiva, em seis volumes, publicada entre 1830 e 1842. Publicou tambm: Discurso sobre o conjunto do positivismo, Sistema de poltica positiva; Catecismo positivista; Sntese subjetiva Identificou na sociedade dois movimentos vitais: chamou de dinmico o que representava a passagem para formas mais complexas de existncia, como a industrializao; e de esttico o responsvel pela preservao dos elementos permanentes de toda ORGANIZAO SOCIAL. As instituies que mantm a coeso e garantem o funcionamento da sociedade, por exemplo, famlia, religio, propriedade, linguagem, direito, etc.,

seriam responsveis pelo movimento esttico da sociedade. Comte relacionava os dois movimentos vitais de modo a privilegiar o esttico sobre o dinmico, a conservao sobre a mudana. Isso significava que, para ele, o progresso deveria aperfeioar os elementos da ordem e no destru-los. Assim se justificava a interveno na sociedade sempre que fosse necessrio assegurar a ordem ou promover o progresso. A existncia da sociedade burguesa industrial era defendida tanto em face dos movimentos reivindicativos que aconteciam em seu prprio interior quanto em face da resistncia das sociedades agrrias e pr-mercantis em aceitar o modelo industrial e urbano. O Positivismo de Comte foi a primeira corrente terica sistematizada de pensamento sociolgico; a primeira a definir precisamente o objeto, a estabelecer conceitos e uma metodologia de investigao. Alm disso, o positivismo, ao definir a especificidade do estudo cientfico da sociedade, conseguiu distinguir-se de outras cincias estabelecendo um espao prprio cincia da sociedade. O positivismo derivou do cientificismo, isto , da crena no poder exclusivo e absoluto da razo humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob a forma de leis naturais. Essas leis seriam a base da regulamentao da vida do homem, da natureza como um todo e do prprio universo. Seu conhecimento pretendia substituir as explicaes teolgicas, filosficas e de senso comum por meio das quais at ento o homem explicava a realidade. poca histrica: Rpida evoluo do conhecimento das cincias sociais fsica, qumica e biologia. Visvel sucesso de suas descobertas no incremento da produo material e controle das foras da natureza atraram os primeiros cientistas sociais para o seu mtodo de investigao. Essa filosofia social positivista se inspirava no mtodo de investigao das cincias da natureza, assim como procurava identificar na vida social as mesmas relaes e princpios com os quais os cientistas explicavam a vida natural. A sociedade era concebida como um organismo constitudo de partes integrantes como um orga-

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nismo constitudo de partes integradas e coesas que funcionavam harmonicamente, segundo um modelo fsico ou mecnico. Por isso o positivismo foi chamado de ORGANICISMO. O primeiro princpio terico : A tentativa de constituir seu objeto, pautar seus mtodos e elaborar seus conceitos luz das cincias naturais, procurando dessa maneira chegar mesma objetividade e ao mesmo xito nas formas de controle sobre os fenmenos estudados. O positivismo no apenas afirma a unidade do mtodo cientfico e o primado desse mtodo como instrumento cognoscitivo, mas tambm, exalta a cincia como o nico meio em condies de resolver, ao longo do tempo, todos os problemas humanos e sociais que, at ento, haviam atormentado a humanidade. Conseqentemente, a era do positivismo poca perpassada por otimismo geral, que brota da certeza de progresso irrefrevel, por vezes concebido como fruto da engenhosidade e do trabalho humano e, por vezes, ao contrrio, visto como necessrio e automtico rumo condies de bem-estar generalizado em uma sociedade pacfica e penetrada pela solidariedade humana.A fENOMENOlOgIA

De acordo com Silva (2004), a fenomenologia teve sua origem na Filosofia de Husserl e entre seus seguidores pode-se citar Heidegger, Jaspers, Sartre e Merleau-Ponty. Husserl estava interessado em estudar a intencionalidade e como ela integra a conscincia e o objeto. Para ele a intencionalidade o ato de dar um significado, um sentido, encontrar uma referncia de ligao, o elo entre o ser e a realidade, isto ocorre na conscincia do indivduo. O fenmeno integra a conscincia e a realidade, e a fenomenologia o estudo que quer saber como o indivduo percebe o fenmeno. Se o fenmeno integra a conscincia do indivduo e a realidade (mundo exterior), a fenomenologia est interessada em saber tambm como o indivduo se percebe. Em funo da somatria de percepes que o indivduo tem da realidade ele formar o que os fenomenologistas chamam

de campo perceptual. Husserl estava interessado em entender as coisas atravs do mundo sensvel e no supra-sensvel, em entender as coisas a partir das vivncias dos indivduos e como esses estabeleciam os significados para suas vivncias. A realidade est dada. O ser humano, com os componentes essenciais de seu sistema nervoso como a memria, o raciocnio hipottico dedutivo, a imaginao, a criatividade, suas emoes, suas intuies e os limites do seu conhecimento acumulado, procura exatamente a compreenso da realidade. A ignorncia o torna inseguro quando a realidade lhe provoca um novo desafio para aprender. Ele, muita vezes, enxerga esse desafio como ameaa. Essa forma de encarar aprendizagem substancialmente fenomenolgica, subjetiva. O que subjetividade? Inicialmente penso em propor o que essa subjetividade dentro da tica do nosso discurso e sua relao com certa denominao de objetividade. O ser humano o ser vivo mais complexo do planeta. Seu comportamento multideterminado. Essa afirmao de que o ser humano multideterminado apresenta j em si uma parte dessa complexidade. Quando se fala de determinao quer se encontrar exatamente objetividade. A cincia que se construiu nesses ltimos sculos queria e quer exatamente ser a mais objetiva possvel, e para isso desenvolve uma metodologia capaz no somente de explicar os fenmenos, mas de control-los. E para control-los seria preciso conhecer seus processos, funcionamentos, ou em alguns casos as leis que regem sua ordenao. O comportamento humano, com toda sua variabilidade, sntese das motivaes internas e externas (de cunho social) alvo de uma cincia que procura construir leis que possam explicar muito bem seu funcionamento (SILVA, 2004). Mas, na formulao desse projeto cientfico, ao formular algumas leis, restringe-se ou parcializa essa mesma explicao. Em todas as correntes de pensamento cientfico continham esse fim, e, o apogeu dessa forma de pensar o comportamento humano ocorreu no final do sc. XIX e comeo do sc. XX nas teorias positivistas de Pavlov, Wundt, Skinner, Watson, Binet e Thorndike. Esses pesquisadores aproveitaram o modelo das cincias naturais para

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poder construir um conhecimento que tivesse um status a altura dessas cincias. Para isso construram laboratrios e procuraram encontrar o que mensurvel e constante no comportamento humano. O conceito de objetividade nas cincias formais requer sempre o uso de uma lgica, e essa lgica quer estabelecer uma ordem. Ou seja, todo pensamento intuitivo deve ser descartado (SILVA, 2004). O que se precisa na cincia de construes hipotticas cada vez mais prximas da realidade dos fenmenos. Outros autores influenciados tambm pelo positivismo, pensando aqui o positivismo como uma preocupao em construir, empiricamente e quantitativamente uma cincia do comportamento humano, no se preocuparo com mensurao, ou um laboratrio no sentido clssico do termo, mas foram buscar uma compreenso dos mecanismos mentais e sua relao com o meio. William James, psiclogo americano, afirmava que eram necessrios diferentes modelos para investigar diferentes tipos de comportamentos e seus resultados. James estava interessado na conscincia e seu funcionamento (SILVA, 2004). Silva (2004) informa que, para ele o pensamento fruto das percepes humanas e de como se elabora, atravs do prprio conhecimento, essas mesmas percepes. Segundo James o pensamento humano multideterminado e flui em diferentes posies, o que permanece com um fluxo de constncia mais permanente seria a dinmica da personalidade humana. Para James, vida subjetiva seriam exatamente a fluidez da conscincia e toda sua singularidade. Outro fator primordial para James seria o papel das escolhas no desenvolvimento mental. A mente est em constante processo de seleo entre as percepes que mantm. Essas escolhas individuais so as caracterizaes das subjetividades, as snteses da conscincia em relao s aes humanas. A cincia que tem como objetivo encontrar as determinaes esbarraria exatamente nessa subjetividade. As resistncias ou as predisposies para mudanas na forma de pensar e agir estariam envolvidas num conjunto de fatores que esto extremamente envolvidos e no apenas identificando uma nica causa que estaramos identificando ou controlando um compor-

tamento. Para James, o ser humano se comporta a partir de hbitos que se arraigam dinmica de funcionamento da mente criando rotinas no fluxo da conscincia e produzindo a necessidade de identidade de todo ser humano (SILVA, 2004). Um aspecto essencial para a construo da subjetividade em James, seria o conceito de vontade. Como o ser humano desenvolve sua vontade e como estabelece suas metas marcaro sua personalidade. Quando as pessoas sabem lidar com as suas vontades, elas tm mais chances de encontrar um equilbrio mental (SILVA, 2004). A fenomenologia est tambm em uma das mais importantes correntes de pensamento, o humanismo. O humanismo essencialmente fenomenolgico. Os humanistas no compreendem o ser humano a partir de uma viso mecanicista. Compreende o ser humano como um ser que evolui, procurando construir valores, realizao pessoal e bem-estar no mundo. Rogers, Maslow e Combs so os representantes maiores dessa corrente de pensamento (SILVA, 2004).KARl MARx: O MARxISMO

Karl Marx fundou o materialismo histrico, a corrente mais revolucionria do pensamento social nas conseqncias tericas e na prtica social que prope. tambm um dos pensamentos mais difceis de compreender, explicar ou sintetizar, pois Marx produziu muito, suas idias se desdobraram em vrias correntes e foram incorporadas por inmeros tericos. Nasceu em Trier, em 15 de maio de 1818, pai advogado e me dona de casa, de origem judaica. Porm, entre 1816-1817, devido s leis anti-semitas em vigor na Rennia, seu pai teve de escolher entre a religio e a profisso de advogado, escolheu a profisso. Fez seus estudos secundrios em Trier e depois foi para Bonn estudar leis e, devido vida que levava, seu pai o transferiu para a Universidade de Berlim. Doutorou-se em Filosofia com a tese Diferena entre a filosofia da natureza de Demcrito e a de Epicuro. Depois de laureado, Marx pensou em obter a livre-docncia em Bonn, onde ensinava seu amigo

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Bruno Bauer. Mas Bauer, o Robespierre da teologia, foi logo afastado da universidade. E, assim, como Bauer no podia apoi-lo, encerrou-se a carreira acadmica de Marx. Assim, Marx passou ao jornalismo, tornando-se redator da Gazeta Renana, rgo dos burgueses radicais da Rennia, onde escreviam homens como Herwegh, Ruge, Bruno Bauer e seu irmo Edgar, bem como Moses Hess. Em pouco tempo, Marx tornou-se redator-chefe do jornal. Entretanto, em 21 de janeiro de 1843, o jornal foi oficialmente interditado. Nesse perodo, Marx estudou Feuerbach, e ficou entusiasmado. No vero de 1843, escreveu a Crtica do direito pblico de Hegel, cuja introduo foi publicada em Paris, em 1844, nos Anais franco-alemes, fundados por Ruge, que convidou Marx para ser co-diretor. Em Paris, Marx entrou em contato com Proudhon e Blanc, encontrou Heine e Bakunin e, sobretudo, conheceu Friedrich Engels, que seria seu amigo e colaborador por toda a vida. De 1844 so seus Manuscritos econmico-filosficos (publicados em 1932). Nesse meio tempo, colaborou com o Vorwarts (Avante), jornal dos artesos comunistas, difundido na Alemanha. E precisamente por essa colaborao pagaria o preo de ser expulso da Frana (11 de janeiro de 1845). Entrementes, amadurecia seu afastamento da esquerda hegeliana. Em 1845 escreveu A sagrada famlia, trabalho em colaborao com Engels e dirigido contra Bruno Bauer e os hegelianos de esquerda. Ainda contra eles, Marx e Engels escreveram em Bruxelas (onde Marx se havia refugiado depois de sua expulso da Frana) A ideologia alem. As teses sobre Feuerbach remontam a 1845 (mas Engels s as tornou pblicas em 1888), ao passo que A misria da filosofia, resposta filosofia da misria de Proudhon de 1847, escrito no qual Marx ataca o socialismo utpico em nome do socialismo cientfico. Marx permaneceu na Blgica at 1848. E foi em janeiro de 1848 que ele ditou, juntamente com Engels, o famoso Manifesto do partido comunista, a pedido da Liga dos comunistas (REALE; ANTISERI, 2003). Desencadeado o movimento de 1848, Marx voltou por breve perodo a Colnia, onde fundou a Nova Gazeta Renana, que, porm, foi obrigada

quase que imediatamente a suspender suas publicaes (REALE; ANTISERI, 2003). De Colnia voltou para Paris, mas, tendo-lhe sido proibida a permanncia na capital francesa, Marx partiu para a Inglaterra, l chegando em 24 de agosto de 1849. Na Inglaterra, Marx se estabeleceu em Londres, onde, entre dificuldades de toda sorte, conseguiu, com a ajuda financeira do seu amigo Engels, levar a bom termo todas aquelas pesquisas de economia, histria, sociologia e poltica que constituem a base de O Capital, cujo primeiro volume saiu em 1867, ao passo que os outros dois foram publicados postumamente por Engels, respectivamente em 1885 e em 1894. Em 1859, sara sua outra obra fundamental, a Crtica da economia poltica. Empenhado na atividade de organizao do movimento operrio, Marx conseguiu fundar em 1864, em Londres, a Associao internacional dos trabalhadores (a primeira Internacional), que, depois de vrios contrastes e peripcias, dissolveu-se em 1872 (ainda que, oficialmente, sua dissoluo s tenha sido decretada em 1876). A ltima dcada da vida de Marx tambm foi perodo de intenso trabalho (REALE; ANTISERI, 2003). Em 1875 publicou a Crtica ao programa de Gotha, tomando como alvo as doutrinas de Lassalle. Mas, mais do que qualquer outra coisa, trabalhou em O Capital. Karl Marx morreu em 14 de maro de 1883, sendo sepultado trs dias depois no cemitrio londrino de Highgate (REALE; ANTISERI, 2003). Para Marx, o homem no alienado; ele vive humanamente, quando pode humanizar a natureza, junto com os outros, conforme uma idia sua prpria. O que distingue o pior arquiteto em relao melhor abelha, conforme em O Capital o fato de que o arquiteto construiu o casulo em sua cabea antes de constru-lo de cera. O capitalismo, que se funda sobre a propriedade privada, faz do operrio uma mercadoria nas mos do proprietrio. A alienao do trabalho consiste antes de tudo no fato de que o trabalho externo ao operrio, ou seja, no pertence a seu ser e, portanto, em seu trabalho ele no se afirma, mas se nega, sente-se no satisfeito mas infeliz, no desenvolve livre energia fsica e espiritual, mas desgasta seu corpo e destri seu esprito (REALE; ANTISERI, 2003).

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O Materialismo histrico a teoria segundo a qual a estrutura econmica determina a superestrutura das idias. De acordo com Marx, O moinho movido a gua vos dar a sociedade com o senhor feudal, e o moinho a vapor a sociedade com o capitalista industrial. Ou ainda: No a conscincia dos homens que determina seu ser, mas , ao contrrio, seu ser social que determina sua conscincia. Isto escreveu Marx no Prefcio a Para a crtica da economia poltica. E, por ltimo, as idias dominantes de uma poca, afirmam Marx e Engels, sempre foram apenas as idias da classe dominante (REALE; ANTISERI, 2003). No Materialismo dialtico, Marx inverte a dialtica hegeliana, pondo-a em p. Hegel aplicava o movimento dialtico ao processo do pensamento; Marx o remete ao mundo da histria real e concreta, a das necessidades econmicas e sociais, dos homens. A dialtica a lei de desenvolvimento da realidade histrica e exprime a inevitabilidade da passagem da sociedade capitalista para a comunista (REALE; ANTISERI, 2003). A Teoria da Mais-valia, criada por Marx, um dos conceitos fundamentais da economia marxista e um eixo de toda a construo terica de Marx. O capitalista adquire sobre o mercado, alm do capital constante (maquinrios, matrias-primas, etc.), tambm o capital varivel, isto , a fora-de-trabalho. O valor da fora-de-trabalho o valor dos meios de subsistncia necessrios para a conservao do possuidor da fora-de-trabalho. O uso da fora-de-trabalho o prprio trabalho. O produto do trabalho propriedade no do trabalhador, mas do capitalista. Ora, se o proletrio trabalha doze horas e em seis horas produz o tanto para cobrir o quanto o capitalista despende para o salrio, o produto das outras seis horas de trabalho valor do qual o capitalista se apropria. Este valor que passa para as mos do capitalista a mais-valia (REALE; ANTISERI, 2003). Para Marx, a estrutura econmica determinou a estrutura, o conjunto e outras estruturas: religiosas, morais, polticas, jurdicas, entre outras. Em outras palavras, para Marx, a economia determina tudo o que

ocorre na sociedade. Para Marx, existe um problema gravssimo na troca de valor entre o trabalho realizado (mo-de-obra) e o que pago para quem detm a mo-de-obra. Em muitos casos, paga-se a mo-deobra pelo tempo (hora-servio) e no pela mo-deobra em si mesma (REALE; ANTISERI, 2003). Com isso, a mo-de-obra torna-se barata diante do produto que produz, assim o lucro fica na indstria (com o industrial). O operrio recebe uma troca pela sua mo-de-obra, o necessrio mnimo para a sobrevivncia de si e de sua famlia. A mode-obra ou a fora de trabalho ir produzir a mais valia. O lucro real que existe entre a mo-de-obra, Marx chama de mais valia, o industrial investe na sua indstria, assim a indstria cresce cada vez mais porque acumula a riqueza deixada pelo operrio. Essa riqueza acumulada, Marx chamou de mais valia. Para Marx, a nica soluo pra sair desse circulo onde s o industrial agrega lucros a revoluo das massas, onde os operrios, unidos, iro lutar pelos seus direitos (REALE; ANTISERI, 2003). Importante As informaes ora apresentadas referentes ao Positivismo, Fenomenologia e ao Marxismo so apenas tpicos introdutrios que sero aprofundados no decorrer da explanao da disciplina. Atividade Em grupo de no mximo cinco pessoas trocar idias sobre estes pontos. O importante poder entender cada realidade a partir de hoje. 1. Iluministas, quem foram, qual o papel dessas idias? 2. Por que houve a Revoluo Francesa? Quem foram os protagonistas dessa Revoluo? 3. O que fenomenologia? Qual a contribuio dessa corrente de pensamento para Servio Social? 4. O que marxismo? Ser que as idias de Marx tm podem ensinar-nos alguma coisa? As idias de Marx ainda sobrevivem?

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____________________ALGUNS ELEMENTOS TERICOSContedo Encclica Rerum Novarum: Papa Leo XIII Neotomismo mile Durkheim: Coero social O mtodo sociolgico de Durkheim Competncias e habilidades Compreender a influncia e a importncia da Encclica Rerum Novarum na formulao de polticas protetivas aos trabalhadores Compreender que as funes do tomismo na formao de magistrados, homens polticos, diretores de obras sociais Conhecer a filosofia de Durkheim e sua influncia na sociologia Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal Verificar texto disponibilizado no Portal, na Galeria da Unidade Didtica Durao 2 h/a via satlite com o professor interativo 2 h/a presenciais com o professor local 6 h/a mnimo sugerido para auto-estudo

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ENCClICA RERUM NOvARUM: PAPA lEO xIII

Em 1891, quando a Rerum Novarum foi escrita, o mundo presenciava a Revoluo Industrial, que se espalhava pela Europa, Amrica e sia: Blgica, Frana, Alemanha, Estados Unidos, Itlia, Japo, Rssia. Cresce a concorrncia, a indstria de bens de produo se desenvolve, as ferrovias se expandem; surgem novas formas de energia, como a hidreltrica e a derivada do petrleo. O transporte tambm se revoluciona, com a inveno da locomotiva e do barco a vapor.

A Revoluo Industrial concentrou os trabalhadores nas fbricas. O aspecto mais importante, que trouxe radical transformao no carter do trabalho, foi esta separao: de um lado, capital e meios de produo (instalaes, mquinas, matria-prima); de outro, o trabalho. Os operrios passaram a ser assalariados dos capitalistas (donos do capital). Uma das primeiras manifestaes da Revoluo foi o desenvolvimento urbano. Londres chegou ao milho de habitantes em 1800. O progresso deslocou-se para o norte; centros como Manchester

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AULA 2 Alguns Elementos Tericos

abrigavam massas de trabalhadores, em condies miserveis. Os artesos, acostumados a controlar o ritmo de seu trabalho, agora tinham de submeter-se disciplina da fbrica. Passaram a sofrer a concorrncia de mulheres e crianas. Na indstria txtil do algodo, as mulheres formavam mais de metade da massa trabalhadora. Crianas comeavam a trabalhar aos 06 anos de idade. No havia garantia contra acidente nem indenizao ou pagamento de dias parados neste caso. A mecanizao desqualificava o trabalho, o que tendia a reduzir o salrio. Havia freqentes paradas da produo, provocando desemprego. Nas novas condies, caam os rendimentos, contribuindo para reduzir a mdia de vida. Uns se entregavam ao alcoolismo. Outros se rebelavam contra as mquinas e as fbricas, destrudas em Lancaster (1769) e em Lancashire (1779). Proprietrios e governo organizaram uma defesa militar para proteger as empresas. A Revoluo Industrial aconteceu na Inglaterra na segunda metade do sculo XVIII e encerrou a transio entre feudalismo e capitalismo, a fase de acumulao primitiva de capitais e de preponderncia do capital mercantil sobre a produo. Completou ainda o movimento da revoluo burguesa iniciada na Inglaterra no sculo XVII. Aps a Revoluo Industrial, os trabalhadores no eram mais os donos do processo. Eles passaram a trabalhar para um patro como operrios ou empregados. A matria-prima e o produto final no lhes pertenciam mais. Esses trabalhadores passaram a controlar mquinas que pertenciam ao empresrio, dono dos mecanismos de produo e para o qual se destinava o lucro. Pelo trabalho ser realizado com mquinas ficou conhecido por mquino-fatura. A Revoluo Industrial trouxe grandes transformaes e muitas conquistas no desenvolvimento da produo, mas tambm, proporcionou aos trabalhadores uma espcie de escravismo, no qual o trabalhador era ferido em sua dignidade, por causa das condies sub-humanas a que eram submetidos. Diante dessas circunstncias, a Igreja sentiu-se desafiada a lutar contra a opresso capitalista, em defesa dos trabalhadores. Assim, surge a Rerum

Novarum, em 15 de maio de 1891, escrita pelo Papa Leo XIII, criticando enfaticamente a falta de tica e justia social na vida industrial e scio-econmica, visto que tambm discorre sobre uma melhor distribuio de riquezas. A partir da Rerum Novarum, a Igreja passou a se preocupar com as condies de trabalho, cujas orientaes expressas reforam o empenho de animao crist da vida social, que se manifestou no nascimento e na consolidao de numerosas iniciativas de alto carter civil, com o surgimento de centros de estudos sociais, associaes, sociedades operrias, sindicatos, cooperativas, entre outros, que por sua vez, impulsionou a legislao trabalhista proteo dos operrios, principalmente, das mulheres e crianas, na instruo e melhora dos salrios e da higiene. A Rerum Novarum enumera os erros que provocam o mal social, exclui o socialismo como remdio e expe a opinio da doutrina catlica sobre o trabalho, sobre o direito de propriedade, sobre o direito dos fracos, sobre a dignidade dos pobres e sobre as obrigaes dos ricos, entre outras coisas, tornando-se a carta magna da atividade crist no campo social. Seu tema central a instaurao de uma ordem social mais justa. No sem motivo que os princpios firmados pela Rerum Novarum foram retomados e aprofundados pelas encclicas sociais sucessivas, como a Quadragesimo Anno e outras.NEOTOMISMO

A situao de extrema misria e explorao, decorrente da industrializao precipitada no desenvolvimento do capitalismo, leva a Igreja Catlica a se posicionar em defesa dos excludos, tendo em vista sua misso de encaminhar o homem conquista da felicidade eterna e cumprir sua tarefa de dar glria Deus. Segundo a Encclica Rerum Novarum de Leo XIII, a Igreja aponta como causa da situao trgica e decadente do povo o liberalismo e o socialismo. O liberalismo pelo individualismo que prega e o socialismo pela exortao luta de classes.

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Unidade Didtica Fundamentos Tericos e Metodolgicos do Servio Social O erro do capital na questo presente crer que as duas classes so inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado (Rerum Novarum, n 11, p. 16 e 17).

Com base na filosofia tomista a Igreja prope-se a enfrentar a situao. Tomismo a filosofia expressa por Santo Toms de Aquino no sculo XIII, tambm chamada de Filosofia Crist ou Filosofia Perene. Baseado em Aristteles, que defendia a idia de que so duas as situaes de existncia existir em ato ou em potncia, isto , a criana criana em ato e adulto em potncia ou, a rvore existe em potncia na semente e em ato na planta Santo Toms considera que a criao divina exatamente a responsvel pela existncia das coisas, que existiam apenas potencialmente, enquanto pensamento divino. Considera, ainda, Santo Toms que o homem naturalmente um animal social. Ligada definio de homem como ser social est, tambm, a de sociedade. Para Santo Toms a sociedade deve visar o bem comum e toda forma de autoridade deriva de Deus, respeit-la respeitar a Deus; toda forma de governo, desde que garanta os direitos da pessoa e o bem da comunidade, boa [...]. O Estado deve respeitar a Igreja, no deve existir conflito entre f e razo. Depois de marcar por muito tempo a histria filosfica do homem, o tomismo perdeu sua fora e s no final do sculo XIX e incio do sculo XX retornou na chamada Corrente Progressista. Fazem parte desta corrente: Mercier, Sertillanges e Jacques Maritain. Mercier recebe do Papa Leo XIII a responsabilidade pela cadeira de Filosofia Tomista na Universidade de Louvain e, atravs dessa universidade o tomismo comea a irradiar sua fora. O tomismo tinha a funo de ir alm do crculo eclesistico e formar, no s padres, mas tambm magistrados, homens polticos, diretores de obras sociais. Esses progressos foram chamados de neotomismo. Foi tambm o Cardeal Mercier que levou a filosofia de Santo Toms para o campo social, atravs do Cdigo de Malinas elaborado pela Unio Cat-

lica Internacional de Estudos Sociais, fundada em 1920, pelo Cardeal Mercier em Malinas Blgica. O Cdigo de Malinas contribuiu para a restaurao do neotomismo que marcou sua presena na ao social desenvolvida pelos cristos. O principal objetivo da Unio Catlica Internacional de Estudos Sociais era o estudo dos problemas sociais luz da moral catlica. O Cdigo Considera: a) o homem criado imagem e semelhana de Deus; b) o homem um ser social, no se basta sozinho; c) o filsofo cristo deve ater-se, fortemente, dignidade da pessoa humana e necessidade da sociedade para seu desenvolvimento integral; d) a economia e a moral esto ligadas. Assim, a Igreja, como guarda da moral, deve exercer uma fiscalizao legtima sobre a vida econmica. Da, os primeiros assistentes sociais, marcados pela filosofia de Santo Toms, manterem a posio de no questionar a ordem vigente e a preocupao em controlar a vida econmica das pessoas por eles atendidas.EMIlE DURKHEIM: COERO SOCIAl

Evidentemente que o que une as cincias humanas exatamente seu objeto de estudo comum que o ser humano em suas diversas dimenses. A antropologia, a psicologia, a histria, a lingstica, a economia e a sociologia formam campos especficos de anlise das questes referentes ao homem. De um modo geral o humano como objeto de investigao cientfica tem cinco sculos de histria. Nasceu com o humanismo no sculo XV e perpassou pelo positivismo no sculo XIX e o historicismo do final do sculo XIX e incio do sculo XX. A sociologia, entretanto, permaneceu embrionria durante um longo perodo, talvez pela percepo tradicional dos pensadores de que a sociedade era basicamente um produto da ao humana, fruto, pois da arte e da reflexo das pessoas. Havia um certo consenso em relao a este pressuposto racionalista em que o coletivo seria uma construo

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deliberada de um grupo segundo Rousseau, ou obra de um s segundo Hobbes. A percepo de Aristteles de que a sociedade deveria ser vista e estudada como um fato natural, e, portanto, deveria ser regida pelas mesmas leis da natureza, apenas foi encontrar eco significativo com Montesquieu em meados do sculo XVIII. Contudo, apenas no sculo XIX e principalmente a partir do trabalho de Augusto Comte que so fundadas propriamente as bases da sociologia. Segundo Comte, as leis sociais so fundamentalmente leis naturais. A partir desta pressuposio advoga que a sociedade uma espcie de organismo vivo e os fenmenos sociais, sendo em sua essncia fatos naturais, devem poder ser analisados luz das leis e mtodos naturais. Assim como existe a fsica da natureza, deve haver uma fsica social que explique o comportamento do agregado dos indivduos que a sociedade e esta fsica social seria exatamente a sociologia. Comte prope o estudo cientfico da sociedade a partir dos procedimentos, mtodos e tcnicas empregados pelas cincias da natureza (biologia, qumica, fsica). Entretanto trabalha em uma perspectiva evolucionista da humanidade, pois entende que o progresso da humanidade/sociedade no tempo constitui a principal matria da sociologia. Parte da premissa de uma constante evoluo geral do gnero humano e o objetivo da sociologia seria de determinar a ordem de tal evoluo. Utiliza os conceitos de humanidade e sociedade simultaneamente e com significados semelhantes. A perspectiva positivista de Comte originou por um lado a psicologia positivista, a qual afirma que seu objeto no o psiquismo enquanto conscincia, mas enquanto comportamento e que portanto pode ser tratado com o mtodo experimental das cincias naturais, e por outro lado a sociologia positiva, a qual tem em mile Durkheim seu principal expoente e que estuda a sociedade a partir dos fatos sociais como eles se apresentam na prtica o que tambm possibilita a utilizao dos mtodos das cincias naturais para anlise dos fenmenos sociais. Finalmente, merece destaque a contribuio de Albert Schaeffle, um cientista alemo que empresta

muitas idias Durkheim. Segundo Schaeffle, a sociedade no pode ser analisada como uma simples coleo de indivduos, ela possui dinmica prpria, tem, portanto, vida prpria, conscincia e interesses no necessariamente idnticos ou prximos mdia dos interesses dos seus constituintes. Preocupou-se em estudar os fatos sociais como eles ocorrem na realidade e trabalhou na perspectiva de anlise (decomposio do fenmenos em suas partes constituintes) e sntese (reconstruo em que se seleciona o significativo do acessrio) dos fatos sociais. Feito este apanhado geral, e criminosamente resumido, acerca da histria da sociologia, pode-se compreender melhor a contribuio do francs mile Durkheim (1858 1917) propriamente sociologia. Como foi referido anteriormente, Durkheim parte da idia fundamental de Comte de que a sociedade deve ser vista como um organismo vivo. Tambm, concordava com o pressuposto de que as sociedades apenas se mantm coesas quando de alguma forma compartilham sentimentos e crenas comuns. Entretanto, critica Comte na sua perspectiva evolucionista, pois entende que os povos que sucedem os anteriores no necessariamente so superiores, apenas so diferentes em sua estrutura, seus valores, seus conhecimentos, sua forma organizacional. Entende que a seqncia das sociedades adapta-se melhor a analogia de uma rvore cujos ramos se orientam em sentidos opostos que uma linha geomtrica evolucionista. Alguns pontos fundamentais para compreender o pensamento de Durkheim, cuja base assenta-se em alguns pressupostos ou noes fundamentais a serem detalhadas adiante: Os fatos sociais devem ser tratados como coisas. A anlise dos fatos sociais exige reflexo prvia e fuga de idias pr-concebidas. O conjunto de crenas e sentimentos coletivos so a base da coeso da sociedade. Destaca o estudo da moral dos indivduos. A prpria sociedade cria mecanismos de coero internos que fazem com que os indivduos aceitem de uma forma ou de outra as regras

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estabelecidas (a explicao dos fatos sociais deve ser buscada na sociedade e no nos indivduos os estados psquicos, na verdade, so conseqncias e no causas dos fenmenos sociais). Durkheim viveu entre 1858 e 1917, perodo que compreendeu o pice e a primeira grande crise interna do capitalismo monopolista europeu. Compreendia o quadro perturbador colocado pela emergncia da questo social, mas discordava essencialmente do contedo de solues que comeava a ser proposto pelo pensamento socialista. Em suas convices ele defendia que os problemas sociais vividos pela sociedade europia eram de natureza moral e no de fundo econmico e que estes decorriam devido fragilidade decorrente de uma longa poca de transio. No interior da sociedade europia no mbito das relaes entre a burguesia e a classe trabalhadora, o desenrolar do processo social levava a radicalizao dos conflitos que redundariam na sada socialista russa e no advento posterior do Welfare State. Durkheim entendia que a sociedade predominaria sobre o indivduo, uma vez que ela que imporia a ele o conjunto de normas de conduta social. Seu esforo foi voltado para a emancipao da sociologia em relao s filosofias sociais, tentando constitu-la como disciplina cientfica rigorosa, dotada de mtodo investigativo sistematizado, preocupando-se em definir com clareza o objeto e as aplicaes dessa nova cincia, partindo dos paradigmas e modelos tericos das cincias naturais. Durkheim diferenciou-se do pensamento sociolgico de Comte e Sint-Simon, uma vez que seu aparato conceitual foi alm da reflexo filosfica, constituindo um corpo elaborado e metdico de pressupostos tericos sobre a problemtica das relaes sociais. Os estudos sociolgicos de Durkheim ganharam relevncia para as cincias da sociedade, tornandose parmetros para vrios ramos de pesquisa sociolgica at nossos dias. Para ele a Sociologia deveria ser um instrumento cientfico da busca de solues para os desvios da

vida social, tendo, portanto, uma finalidade dupla: alm de explicar os cdigos de funcionamento da sociedade, teria como misso intervir nesse funcionamento da sociedade por meio de aplicao de antdotos que pudessem inibir os males da vida social. Em sua compreenso, a sociedade, como qualquer outro organismo vivo passaria por ciclos vitais com manifestao de estados normais e patolgicos, ou seja, saudveis e mrbidos. O estado saudvel seria o de convivncia harmnica da sociedade consigo mesma e com as demais sociedades, harmonia que se faria pelo consenso social. O estado mrbido, doentio, seria caracterizado por fatos que colocassem em risco essa harmonia, os acordos de convivncia e, portanto, a adaptao e a evoluo histrica natural da sociedade; Os cdigos de funcionamento da sociedade para Durkheim seriam os fatos sociais que foram elevados por ele categoria de objeto de estudo. Sua busca pela compreenso destes deles direcionada para o favorecimento da normalidade do curso da vida social, transformando-se, dessa maneira, em um tipo de tcnica de controle social voltada para a manuteno da ordem estabelecida pelo sistema social vigente. A definio de fato social em Durkheim : toda maneira de agir fixa ou no, suscetvel de exercer sobre o indivduo uma coero exterior, que geral na extenso de uma sociedade dada, apresentando uma existncia prpria, independente das manifestaes individuais que possa ter. Na sociologia durkheimiana, o todo (sociedade), apesar de ser composto por suas inmeras partes (indivduos), prevalece sobre elas. Desse modo, o fato social teria a faculdade de constranger, de vir de fora e de ter validade para todos os membros da sociedade. Durkheim defendeu uma postura de absoluto rigor e no envolvimento frente ao objeto de estudo da Sociologia. Para ele, o comportamento do cientista social deveria ser de distanciamento e sua posio, de neutralidade frente aos fatos sociais. Apenas essa atitude que garantiria objetividade de

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sua anlise e, portanto, suas bases cientficas. Esses fatos deveriam ser encarados como coisas, objetos exteriores ao pesquisador. Cabia-lhes apenas a observao, a medio e a comparao dos fenmenos sociais, no importando o que o prprio pesquisador ou os indivduos cogitassem ou afirmassem sobre sua natureza. O interesse cientfico durkheimiano era inteiramente voltado para a compreenso do funcionamento das chamadas formas padronizadas de conduta e pensamento, definidas por ele como conscincia coletiva, que configurariam a moral adotada pela sociedade. Nesse sentido ele pode ser visto como o primeiro dos socilogos funcionalistas. Para Durkheim, o seu mtodo sociolgico tinha trs caractersticas bsicas que o distinguiam de seus antecessores na sociologia, como Comte e Spencer: 1. Ele um mtodo independente de toda a filosofia. Ou seja, ele no tem que ter uma vinculao com qualquer viso filosfica ou ideolgica do mundo. Ele no precisa afirmar nem a liberdade nem o determinismo; a sociologia, assim, no ser nem individualista, nem comunista, nem socialista, no sentido que se d vulgarmente a estas palavras (idem, p. 174). 2. um mtodo objetivo. Segundo Durkheim, ele um mtodo inteiramente dominado pela idia de que os fatos sociais so coisas e como tais devem ser tratados (idem, p. 148). 3. exclusivamente sociolgico. Ou seja, no deriva da forma da filosofia tratar a sociedade, nem da psicologia, e nem das cincias naturais, uma vez que afirma que a sociedade tem uma natureza prpria, que no derivada nem da natureza humana, nem das conscincias individuais, nem das constituies orgnicas dos indivduos.O MTODO SOCIOlgICO DE DURKHEIM Idias centrais do mtodo sociolgico de Durkheim

Pode-se dizer que o mtodo sociolgico de Durkheim apresenta algumas idias centrais, que percorrem toda a extenso de sua viso sociolgica.

So elas: 1) Contraposio ao conhecimento filosfico da sociedade: A filosofia possui um mtodo dedutivo de conhecimento, que parte da tentativa de explicar a sociedade a partir do conhecimento da natureza humana. Ou seja, para os filsofos o conhecimento da sociedade pode ser feito a partir de dentro, do conhecimento da natureza do indivduo. Como a sociedade formada pelos indivduos, a filosofia tem a prtica de explicar a sociedade (e os fatos sociais) como uma expresso comum destes indivduos. De outro lado, se existe uma natureza individual que se expressa coletivamente na organizao social, ento pode-se dizer que a histria da humanidade tem um sentido, que deve ser a contnua busca de expresso desta natureza humana. Para Adam Smith, por exemplo, dado que o homem , por natureza, egosta, motivado por fatores econmicos e propenso s trocas, a sociedade de livre mercado seria a plena realizao desta natureza. Para Hegel, a histria da humanidade tendia a crescentemente afirmar o esprito humano da individuao e da liberdade. Para Marx, a histria da sociedade era a histria da dominao e da luta de classes, e a tendncia seria a afirmao histrica, por meio de sucessivas revolues, da liberdade humana e da igualdade, por meio do socialismo. Para Durkheim, estas concepes eram insuportveis, pois eram dedues e no tinham validade cientfica, eram crenas fundamentadas em concepes a respeito da natureza humana. Durkheim acreditava que o conhecimento dos fatos sociolgicos deve vir de fora, da observao emprica dos fatos. 2) Os fenmenos sociais so exteriores aos indivduos: a sociedade no seria simplesmente a realizao da natureza humana, mas, ao contrrio, aquilo que considerado natureza humana , na verdade, produto da prpria sociedade. Os fenmenos sociais so considerados por Durkheim como exteriores aos indivduos, e devem ser conhecidos no por meio psicol-

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gico, pela busca das razes internas aos indivduos, mas sim externamente a ele na prpria sociedade e na interao dos fatos sociais. Fazendo uma analogia com a biologia, a vida, para Durkheim, seria uma sntese, um todo maior do que a soma das partes, da mesma forma que a sociedade uma sntese de indivduos que produz fenmenos diferentes dos que ocorrem nas conscincias individuais (isto justificaria a diferena entre a sociologia e a psicologia). 3) Os fatos sociais so uma realidade objetiva: ou seja, para Durkheim, os fatos sociais possuem uma realidade objetiva e, portanto, so passveis de observao externa. Devem, desta forma, ser tratados como coisas. 4) O grupo (e a conscincia do grupo) exerce presso (coero) sobre o indivduo: Durkheim inverte a viso filosfica de que a sociedade a realizao de conscincias individuais. Para ele, as conscincias individuais so formadas pela sociedade por meio da coero. A formao do ser social, feita em boa parte pela educao, a assimilao pelo indivduo de uma srie de normas, princpios morais, religiosos, ticos, de comportamento, etc. que balizam a conduta do indivduo na sociedade. Portanto, o homem, mais do que formador da sociedade, um produto dela. Nas palavras do prprio Durkheim fato social toda a maneira de fazer, fixada ou no, suscetvel de exercer sobre o indivduo uma coero exterior; ou ainda, toda a maneira de fazer que geral na extenso de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existncia prpria, independente de suas manifestaes individuais (Durkheim, 1999, p. 13).

Ou aindaO fato social tudo o que se produz na e pela sociedade, ou ainda, aquilo que interessa e afeta o grupo de alguma forma (Idem, p. XXVIII).

Os fatos sociais, para Durkheim, existem fora e antes dos indivduos (fora das conscincias indivi-

duais) e exercem uma fora coercitiva sobre eles (ex. as crenas, as maneiras de agir e de pensar existem antes dos indivduos e condicionam coercitivamente o seu comportamento). Durkheim argumenta, contrariando boa parte do pensamento filosfico, que somos vtimas da iluso que nos faz crer que elaboramos, ns mesmos, o que se impe a ns de fora (Idem, p. 5). E, respondendo queles que no crem nesta coero social que sofrem os indivduos porqu no se pode senti-la, argumenta que o ar no deixa de ser pesado embora no sintamos seu peso. Para Durkheim, o fato social um resultado da vida comum, e ele prope isol-los para estud-los. Desta forma, a sociologia deveria preocupar-se essencialmente com o estudo dos fatos sociais, de forma objetiva e cientfica. Para Durkheim, a cincia deveria explicar, no prescrever remdios. Este, para ele, era o problema da filosofia, ela tentava entender a natureza humana, pois a, tudo o que estivesse de acordo com esta natureza era considerado bom, e tudo o que no estivesse era considerado ruim. Para Durkheim, a observao dos fatos sociais deveria seguir algumas regras, tais como: a) Os fatos sociais devem ser tratados como COISAS. Para Durkheim, coisa tudo aquilo que dado, e que se impe observao. Nem a existncia da natureza humana, nem o sentido de progresso no tempo, como admitia Comte, por exemplo, fazia sentido, segundo Durkheim, dentro do mtodo sociolgico. Eles so uma concepo do esprito. Durkheim, neste sentido, essencialmente objetivista, empirista e indutivista, ao contrrio de Comte, o fundador da sociologia, que era considerado por ele como subjetivista e filosfico. b) Uma segunda concepo importante no mtodo sociolgico de Durkheim de que, para ele, o socilogo ao estudar os fatos sociais, deveria despir-se de todo o sentimento e toda a pr-noo em relao ao objeto. c) Terceiro, o pesquisador deveria definir precisamente as coisas de que se trata o estudo a

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fim de que se saiba, e de que ele saiba bem o que est em questo e o que ele deve explicar. d) E quarto, a sensao, base do mtodo indutivo e empirista, pode ser subjetiva. Por isto, dever-se-ia afastar todo o dado sensvel que corra o risco de ser demasiado pessoal ao observador.Sobre a distino entre normal e patolgico

a prtica, sem deixar de ser fiel ao seu prprio mtodo (p. 51).

Uma questo de fundamental importncia no pensamento de Durkheim, que d o tom do seu positivismo e funcionalismo, a concepo de que existem estados normais e estados patolgicos entre os fatos sociais. Ou seja, existem fatos sociais que so normais e fatos que so patolgicos, ou mrbidos como tambm ele denomina estes ltimos. Para ele, fatos normais so aqueles que so o que devem ser, enquanto os patolgicos deveriam ser de outro modo. Portanto, dentro desta perspectiva, poderamos encontrar estados de sade e doena social. Assim, a sade seria boa e desejvel, ao passo que a doena ruim e deveria ser evitada (Idem, p. 51). Partindo deste pressuposto, Durkheim pensava ter encontrado uma forma objetiva de dar um propsito prtico, ou normativo, sociologia, sem deixar de ser uma cincia explicativa e objetiva. Segundo ele, at ento havia duas formas de pensamento: (a) a cincia puramente explicativa, sem fins prticos e no normativa, que tendia a tornar-se intil; e (b) o mtodo ideolgico, que era dedutivo, baseado na idia do prprio autor, no conhecimento filosfico, normativo, mas no cientfico (ele cita a filosofia e a economia por exemplo, e tambm alguns socilogos, como Spenser). Nenhuma destas concepes era satisfatria; a primeira era intil, pois no poderia lanar luz sobre a ao humana, ao passo que a segunda no era objetiva e, portanto, era no cientfica. Desta forma, Durkheim acreditava queSe encontrarmos um critrio objetivo, inerente aos fatos mesmos, que nos permita distinguir cientificamente a sade da doena nas diversas ordens de fenmenos sociais, a cincia ser capaz de esclarecer

O grande problema, agora, para Durkheim, era definir sade e doena em sociologia. E, neste ponto, ele lana mo de todo um repertrio de comparaes com a medicina e com os organismos vivos. Assim, ele define sade como a perfeita adaptao do sujeito ao seu meio, e doena como tudo o que perturba esta adaptao. Mas, com base em que critrio poderia se dizer que um mtodo de se adaptar mais perfeito do que outro. Segundo ele, no poderia ser pelo que compromete a sobrevivncia ou pelo que debilita o organismo (comparando com a medicina, a velhice, a menstruao e o parto implicam em riscos e debilitam o organismo, mas no so doenas). Da mesma forma, no poderia ser pela funcionalidade (comparando novamente, certas disposies anatmicas, como o apndice, por exemplo, no so funcionais, mas nem por isto so doenas). Cabe observar, porm, que, embora descartando a funcionalidade como critrio objetivo para se dizer se um fato normal ou patolgico, ele d bastante nfase, em todo o seu trabalho, funcionalidade dos fatos sociais normais. Em um pargrafo ele at mesmo se contradiz afirmando que doena social quando perturba o desempenho normal das funes. Mas, descartando, a princpio, estas duas possibilidades, Durkheim permite uma abertura ao subjetivismo. Segundo ele, para o socilogo mais complicado do que para a medicina, definir estados doentes e saudveis. Assim,Na falta desta prova de fato, nada mais possvel seno raciocnios dedutivos cujas concluses s podem ter o valor de conjecturas subjetivas. Demonstrar-se- no que tal acontecimento enfraquece efetivamente o tecido social, mas que ele deve ter este efeito (Idem, p. 56).

Fundamental, portanto, para Durkheim, era definir o que normal. O que um Estado Normal? O normal, salienta ele, um estado relativo. Assim como na biologia a idia de normal relativa espcie, a tipos dentro da espcie e idade do ser,

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tambm na sociologia devemos considerar que a idia de normal relativa ao tipo de sociedade, a variaes dentro da sociedade (selvagem ou mais civilizada) e ao estgio de desenvolvimento da sociedade. Desta forma, somente podemos comparar fatos sociais em sociedades distintas respeitando esta relatividade. Deve-se, assim, identificar os tipos normais por meio da observao. A medicina estuda as funes do organismo mdio, e com a sociologia deveria ocorrer a mesma coisa. Dentro da concepo de Durkheim, normal tambm tem uma concepo de generalidade. Ou seja, se um fato social encontrado em todas as sociedades de todos os tempos, ento ele normal. Ou ento, se encontrado em todas as sociedades daquele mesmo tipo social (sociedades semelhantes). Ele d o exemplo do crime para ilustrar esta assertiva. Segundo ele, o crime existe em todas as sociedades, de todas as espcies, e no tende a diminuir. No poderia ser normal a ausncia de crime, pois um fato que no observado em nenhuma situao no poderia ser considerado normal. A ausncia de crime seria impossvel em uma sociedade, portanto, no poderia ser considerada normal. Obviamente que existem graduaes de crime; ou seja, ele poderia aumentar a um ponto de se tornar patolgico, ou seja, comprometer o tecido social. O crime seria tambm til. Segundo o prprio Durkheim, o crime necessrio; ele est ligado s condies fundamentais de toda a vida social e, por isto mesmo, til; pois as condies de que ele solidrio so elas mesmas indispensveis evoluo normal da moral e do direito (idem, p. 71). Assim, se o crime considerado normal, ento ele inevitvel ainda que lastimvel. A idia de normal e patolgico, segundo Durkheim, tambm tinha um outro fim prtico: prevenir-nos de buscar utopias que se afastam na medida em que avanamos, e concentrar-nos nas coisas normais para cada sociedade em seu tempo.Sobre a construo de tipos sociais

dades em tipos sociais, segundo a sua semelhana. Para o mtodo sociolgico, no interessava nem a perspectiva dos historiadores, que viam na histria uma diversidade de sociedades muito grande, nem a filosfica, que agrupava toda a evoluo histrica na idia de humanidade, pela qual perpassava a realizao da natureza humana. Segundo Durkheim, escapamos a esta alternativa to logo se reconhea que, entre a multido confusa das sociedades histricas (a infinidade de sociedades diferentes descrita pelos historiadores) e o conceito nico, mas ideal, de humanidade (dos filsofos), existem intermedirios que so as espcies sociais. A constituio destes tipos sociais, de suma importncia para a sociologia uma vez que Durkheim afirmava que a concepo de normal e patolgico relativa a cada tipo social, deveria seguir um mtodo: (a) estudar cada sociedade individualmente; (b) constituir monografias exatas e detalhadas; (c) compar-las achando semelhanas e diferenas; (d) classificar os povos em grupos, segundo estas semelhanas e diferenas. Este seria, para Durkheim, um mtodo somente admissvel para uma cincia da observao. O estudo e a representao destes tipos sociais foi descrita por ele como uma rea especfica da sociologia, denominada Morfologia Social, numa clara aluso aos estudos semelhantes na biologia.Sobre a explicao dos fatos sociais

Uma outra questo importante no mtodo de Durkheim, parte da necessidade de agrupar socie-

Durkheim afirmava que seus antecessores na sociologia (Comte e Spencer) explicavam os fatos sociais pela sua utilidade. Assim, para Comte, o progresso existe para melhorar a condio humana, ou para Spencer, para tornar o homem mais feliz. A famlia, para Spencer, se transformara pela necessidade de conciliar cada vez mais perfeitamente o interesse dos pais, dos filhos e da sociedade. Assim, os socilogos tendiam a normalmente deduzirem o fato dos fins, ou seja, a explicao suprema da vida coletiva consistiria em mostrar como ela decorre da natureza humana em geral. Para Durkheim, porm, este mtodo era errado. Segundo ele

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AULA 2 Alguns Elementos Tericos Mostrar como um fato til no explica como ele surgiu nem como ele o que (Idem, p. 92). Para explicar um fenmeno social preciso pesquisar separadamente a causa eficiente que ele produz e a funo que ele cumpre (Idem, p. 97). Apesar disto, para explicar um fato de ordem vital no basta explicar a causa da qual ele depende, preciso tambm ao menos na maior parte dos casos, encontrar a parte que lhe cabe no estabelecimento desta harmonia geral (Idem, p. 99).

Para Durkheim, ao invs de buscar a causa dos fatos sociais nos fins ou na funo que ele desempenha, a causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais antecedentes, e no entre os estados de conscincias individuais. Por outro lado, a funo de um fato social deve sempre ser buscada na relao que ele mantm com algum fim social (Idem, p. 112).Sobre a relao de causalidade

Como se pode observar, o mtodo para se estabelecer a causalidade em sociologia, para Durkheim, seria a Experimentao Indireta ou Comparao. Comte tambm utilizava o mtodo da comparao, mas a este ele adicionou o mtodo histrico, pois ele tinha que buscar a finalidade e a evoluo dos fenmenos, ou seja, o sentido de progresso. Isto, para Durkheim, no tinha sentido em sociologia. Segundo a sua concepo de causalidade, a um efeito corresponderia sempre uma mesma causa. Assim, se um fato tem mais de uma causa, ento ele no um fato nico. Durkheim d o exemplo do suicdio: se o suicdio depende de mais de uma causa, porque, na verdade, existem vrias espcies de suicdio (ele identificou trs tipos, que decorriam de causas distintas, o suicdio egosta, o altrusta e o anmico). Atividade Em grupos de no mximo cinco pessoas discutir estas idias e ver o que elas tm a ver conosco hoje. 1. O que Rerum Novarum? Analisa o que? Neotomimo o que ? Hoje em dia tem alguma influncia na sociedade? 2. Quais so as idias centrais de Durkheim? Como esse autor via e analisava a sociedade? Quais so as influncias para o nosso trabalho como Assistente Social?

Dado que do fato social primeiro deve se buscar as causas para depois explicar-lhe as conseqncias (ou seja, no se pode deduzir a causa da sua conseqncia), deve-se Ter, ento, rigor cientfico na explicao causal. Assim, para DurkheimS existe um meio de demonstrar que um fenmeno causa de outro: comparar os casos em que eles esto simultaneamente presentes ou ausentes e examinar se as variaes que apresentam nessas diferentes combinaes de circunstncias testemunham que um depende do outro (p. 127).

Ora, este um mtodo que advoga a observao e o estudo estatstico do fato e dos fatores que hipoteticamente podem lhe ser causadores, para que se possa estabelecer correlao entre eles. Para Durkheim, em razo da natureza dos fatos, os mtodos cientficos que decorriam desta concepo dividiam-se em dois grupos: (a) Experimentao, quando os fatos podem ser artificialmente produzidos pelo observador; e (b) Experimentao Indireta ou Comparao quando os fatos se produzem espontaneamente e no podem ser produzidos pelo observador.

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ANOTAES

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AULA ____________________POSITIVISMOContedo Positivismo, o que ? Principais correntes A influncia no Servio Social Competncias e habilidades Capacidade de criar e desenvolver idias pessoais, a partir da filosofia positivista, para organizar princpios nas diversas realidades do Servio Social Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal Verificar texto disponibilizado no portal, na Galeria da Unidade Didtica Durao 2 h/a via satlite com o professor interativo 2 h/a presenciais com o professor local 6 h/a mnimo sugerido para auto-estudo

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POSITIvISMO, O QUE ?

O Positivismo o movimento de pensamento que dominou parte da cultura europia em suas expresses no s filosficas, mas tambm polticas, pedaggicas e literrias, desde 1840 at o incio da Primeira Guerra Mundial. Os traos socioculturais interpretados pelo Positivismo so: uma substancial estabilidade poltica e o processo de industrializao e desenvolvimento da cincia e da tecnologia. Para o Positivismo, o nico conhecimento vlido o cientfico; o nico mtodo vlido para adquiri-lo o das cincias naturais, que consiste no encontro de leis causais e em seu controle sobre os fatos, que tambm deve ser aplicado ao estudo das sociedades, ou seja, da sociologia, como nico meio capaz de resolver, no curso do tempo, todos os problemas humanos

e sociais anteriormente sofridos pela humanidade e a est a sua ligao com o Servio Social.PONTOS CENTRAIS DA fIlOSOfIA POSITIvISTA

O Positivismo apresenta traos comuns que nos permitem sua identificao como movimento de pensamento. 1) Diversamente do Idealismo, o Positivismo reivindica o primado da cincia: ns conhecemos somente aquilo que as cincias nos do a conhecer, pois o nico mtodo de conhecimento o das cincias naturais. 2) O mtodo das cincias naturais (identificao das leis causais e seu domnio sobre os fatos) no vale somente para o estudo da natureza, mas tambm para o estudo da sociedade.

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AULA 3 Positivismo

3) Por isso, entendida como cincia dos fatos naturais que so as relaes humanas e sociais, a sociologia fruto qualificado do programa filosfico positivista. 4) O positivismo no apenas afirma a unidade do mtodo cientfico e o primado desse mtodo como instrumento cognoscitivo, mas tambm exalta a cincia como o nico meio em condies de resolver, ao longo do tempo, todos os problemas humanos e sociais que at ento haviam atormentado a humanidade. 5) Conseqentemente, a era do Positivismo poca perpassada por otimismo geral, que brota da certeza de progresso irrefrevel (por vezes concebido como fruto da engenhosidade e do trabalho humanos e, por vezes, ao contrrio, visto como necessrio e automtico), rumo a condies de bem-estar generalizado em uma sociedade pacfica e perpetrada pela solidariedade humana. 6) O fato de que a cincia seja proposta pelos positivistas como o nico fundamento slido da vida dos indivduos e da vida associada, de ela ser considerada como a garantia absoluta do destino progressista da humanidade e de o Positivismo se pronunciar pela divindade do fato, induziu alguns estudiosos a interpretarem o Positivismo como parte integrante da mentalidade romntica. Apenas, no caso do Positivismo, seria exatamente a cincia a ser infinitizada. 7) Essa interpretao, porm, no impediu que outros intrpretes (por exemplo, Geymonat) vissem no Positivismo temas fundamentais tomados da tradio iluminista, como a tendncia de considerar os fatos empricos como a nica base do verdadeiro conhecimento, a f na racionalidade cientfica como soluo dos problemas da humanidade, ou ainda a concepo leiga da cultura, entendida como construo puramente humana, sem dependncias em relao a pressupostos e teorias teolgicas. 8) Sempre em linha geral, o Positivismo (neste caso, John Stuart Mill exceo) caracteriza-

se pela confiana acrtica e, amide, leviana e superficial, na estabilidade e no crescimento sem obstculos da cincia. Essa confiana acrtica na cincia chegou a se tornar fenmeno de costume. 9) A positividade da cincia leva a mentalidade positivista a combater as concepes idealistas e espiritualistas da realidade, concepes que os positivistas rotulavam como metafsicas, embora mais tarde tenham cado em metafsicas igualmente dogmticas. 10) A confiana na cincia e na racionalidade humana, em suma, os traos iluministas do Positivismo induziram alguns marxistas a considerarem insuficiente e at reducionista a usual interpretao marxista, que s v no Positivismo a ideologia da burguesia da segunda metade do sculo XIX.Principais representantes

Os representantes mais significativos do Positivismo so: Auguste Comte (1798-1857) na Frana; John Stuart Mill (1806-1873) e Herbert Spencer (1820-1903) na Inglaterra; Roberto Ardig (18281920) na Itlia; Jacob Moleschott (1822-1893) e Ernst Haeckel (1834-1919) na Alemanha.* AUGUSTE COMTE

Auguste Comte (1798-1857) autor do Curso de filosofia positiva (1830-1842, em seis volumes); aqui que ele formula sua famosa lei dos trs estgios, segundo a qual a humanidade, assim como a psique dos indivduos particulares, passa por trs estgios: (a) estgio teolgico; (b) estgio metafsico; (c) estgio positivo. No estgio teolgico os fenmenos so interpretados como produtos da ao direta e contnua de agentes sobrenaturais, mais ou menos numerosos; no estgio metafsico os fenmenos so explicados com referncia a essncias, idias, foras abstratas como a simpatia, a alma vegetativa etc.; no estgio positivo, o homem procura descobrir, com o uso bem combinado do raciocnio e da observao, as leis efetivas de sucesso e de semelhana que presidem ao acontecimento dos fenmenos.

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O objetivo da cincia, para Comte, a pesquisa das leis, e isso por causa do fato de que apenas o conhecimento das leis dos fenmenos [...] pode evidentemente levar-nos na vida ativa a modific-los para nossa vantagem (REALE; ANTISERI, 2003, p. 290). Cincia, de onde previso; previso, de onde ao. Na esteira de Bacon e de Descartes, Comte afirma que ser a cincia previso que fornecer ao homem o domnio sobre a natureza. Por conseguinte, indispensvel conhecer a sociedade. Eis, ento, que Comte prope a cincia da sociedade, a sociologia, como fsica social, que tem como tarefa a descoberta das leis que guiam os fenmenos sociais, assim como a fsica estabelece as leis dos fenmenos fsicos e faz isso por meio de observaes e comparaes. A fsica social ou sociologia divide-se em esttica social e dinmica social. A esttica social estuda as condies comuns que permitem a existncia das diversas sociedades no tempo: a sociabilidade fundamental do homem, a famlia, a diviso do trabalho e a cooperao nos esforos etc. A lei fundamental da esttica social a da ligao entre os diversos aspectos da vida social (poltico, econmico, cultural etc.). A dinmica social compreende o estudo das leis de desenvolvimento da sociedade. A lei fundamental da dinmica social a dos trs estgios. Eis um exemplo: o feudalismo o estgio teolgico; a revoluo (que comea com a Reforma protestante e termina com a Revoluo Francesa) o estgio metafsico; e a sociedade industrial o estgio positivo. Entre as cincias, a sociologia a: mais complexa, uma vez que na hierarquia estabelecida por Comte e que quer ter uma ordem lgica, histrica e pedaggica pressupe a biologia, a qual pressupe a qumica, que, por sua vez, pressupe a fsica. Nesta perspectiva, a filosofia deve determinar exatamente o esprito de cada cincia, descobrir suas relaes, reassumir, se possvel, todos os seus princpios prprios em nmero mnimo de princpios comuns, conforme o mtodo positivo.* JOHN STUART MILL

fesa da liberdade dos indivduos. Mill construiu um conjunto de teorias lgicas e tico-polticas que marcaram a segunda metade do sculo XIX na Inglaterra e que se constituem at hoje, pontos de referncia e etapas obrigatrias, tanto para o estudo da lgica da cincia, como para a reflexo dos campos tico e poltico. A lgica, afirma Mill, a cincia da prova, do modo correto de inferir proposies de outras proposies. A tese fundamental de Mill a de que toda inferncia de particular para particular. Todos os conhecimentos e verdades so de natureza emprica e se fundam na induo. Para distinguir as circunstncias essenciais das no-essenciais, Mill prope o que ele chama de os quatro mtodos da induo: o mtodo direto da concordncia, o mtodo da diferena, o mtodo dos resduos e o mtodo das variaes concomitantes. Mtodo direto da concordncia: Se duas ou mais instncias de um fenmeno sob investigao tm somente uma circunstncia em comum, a circunstncia, a qual todas as instncias concordam, a causa (ou efeito) do dado fenmeno. Para ser uma condio necessria, uma propriedade deve estar sempre presente quando o efeito estiver presente. Obviamente, qualquer propriedade no presente quando o efeito estiver presente, no pode ser uma condio necessria ao efeito. Simbolicamente, o mtodo direto da concordncia pode ser representado como: A B C D ocorrem junto com w x y z A E F G ocorrem junto com w t u v Conseqentemente A a causa de w. Mtodo da diferena: Se um fenmeno ocorre em uma instncia e no em uma outra, e as duas instncias tm todas as circunstncias em comum exceto uma, e a circunstncia em que as duas instncias diferem est presente na primeira e no na segunda, a tal circunstncia o efeito, a causa, ou, necessariamente, parte da causa do fenmeno. Se um conjunto de circunstncias leva a um dado fenmeno, e outro conjunto de circunstncias no leva, e os dois conjuntos diferem em apenas um fa-

O pensamento de Mill constitui uma etapa fundamental na histria da lgica e na histria da de-

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tor, que presente no primeiro conjunto, mas no no segundo, ento o fenmeno pode ser atribudo a esse fator. Simbolicamente, o mtodo da diferena pode ser representado como: A B C D ocorrem junto com w x y z B C D ocorrem junto com x y z Conseqentemente A a causa, ou o efeito, ou uma parte da causa de w. Mtodo dos resduos: Reduzindo-se de um fenmeno as partes previamente conhecidas como sendo efeitos de certos antecedentes, os resduos do fenmeno so os efeitos dos antecedentes remanescentes. Se um conjunto de fatores so conhecidos como as causas de um conjunto de fenmenos, e todos os fatores, exceto um, esto associados a todos os fenmenos, exceto um, ento o fenmeno remanescente pode ser atribudo ao fator remanescente. Simbolicamente, o mtodo dos resduos pode ser representado como: A B C ocorrem junto com x y z B conhecido como a causa de y C conhecido como a causa de z Conseqentemente A a causa de x. Mtodo das variaes concomitantes: Quando um fenmeno varia de uma maneira especfica sempre que outro fenmeno varia, de sua maneira especfica, as variaes so causa ou efeito uma da outra. Se um conjunto de circunstncias leva a um fenmeno e alguma propriedade do fenmeno varia juntamente com algum fator existente nas circunstncias, ento o fenmeno pode ser atribudo a esse fator. Por exemplo, suponha que vrias amostras de gua, contendo sal e chumbo, foram verificadas que so txicas. Se o nvel de toxicidade variar em conjunto com o nvel de chumbo, poder ser atribuda toxicidade a presena do chumbo. Simbolicamente, o mtodo das variaes concomitantes pode ser representado como (com representando um aumento):

A B C ocorrem junto com x y z A B C resulta em x y z. Conseqentemente A e x so conectadas. No livro VI do Sistema de lgica, Mill trata da lgica das cincias morais, em que reafirma a liberdade do querer humano. A defesa dessa liberdade tratada no ensaio Sobre a liberdade, escrito com a colaborao de sua mulher. Para Mill, direito do indivduo viver como quiser; a liberdade civil implica liberdade de pensamento, de religio e de expresso; a liberdade de gostos e liberdade de projetar nossa vida segundo nosso carter; e a liberdade de associao. Trata-se de uma obra de elevada sensibilidade moral, na qual ele defende a liberdade da mulher, cujas idias encontraram ressonncia na Inglaterra, no seio do movimento feminista pelo sufrgio universal.* HERBERT SPENCER

Em 1852, ou seja, sete anos antes que Darwin publicasse o seu Sobre a origem das espcies, por meio da seleo natural, Herbert Spencer (1820-1903) propusera uma concepo evolucionista prpria em A hiptese do desenvolvimento. De 1855 so os Princpios de psicologia, nos quais se d amplo espao teoria evolutiva. Os primeiros princpios foram publicados em 1862: nessa obra, a teoria ltima evolutiva se apresenta como grandiosa metafsica do universo. J no primeiro captulo da obra, Spencer enfrenta o problema e o universo da relao entre religio e cincia. Pois bem, uma e outra afirma Spencer nos fazem compreender que a realidade ltima incognoscvel e que o universo um mistrio: enquanto a tarefa das religies consiste em manter vivo o sentido do mistrio, a tarefa da cincia a de impulsionar sempre mais para a frente o conhecimento do relativo, sem jamais presumir capturar o absoluto. Entre religio e cincia, a filosofia, para Spencer, o conhecimento do mais alto grau de generalidade, o que significa que a filosofia compreende e consolida as mais amplas generalizaes da cincia. A filosofia , portanto, a cincia dos primeiros prin-

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cpios. Por conseguinte lembra Spencer ela deve partir dos princpios mais elevados a que a cincia chegou e que, a seu ver, so: (a) a indestrutibilidade da matria; (b) a continuidade do movimento; (c) a persistncia da fora. Tais princpios se referem a todas as cincias e encontram sua unificao no principio mais geral que seria o da redistribuio contnua da matria e do movimento. A lei de tal incessante e geral mudana a lei da evoluo, cujas caractersticas essenciais so as de ser: (a) uma passagem de uma forma menos coerente para uma mais coerente; (b) uma passagem do homogneo para o heterogneo; (c) uma passagem do indefinido para o definido. A evoluo em biologia, na viso de Spencer, uma resposta por parte dos organismos ao desafio do ambiente por meio da diferenciao dos rgos (e isto Laplace) e uma seleo natural desses organismos mudados que favorece a sobrevivncia do mais adaptado (e aqui Spencer est de acordo com Darwin). Spencer concebe uma sociologia orientada para a defesa do indivduo, sustentando que a sociedade existe para os indivduos e no vice-versa e que o desenvolvimento da sociedade determinado pela realizao dos indivduos. A tica de Spencer uma tica naturalista-biolgica. Princpios ticos, normas e obrigaes morais so instrumentos de melhor adaptao do homem s condies de vida.*ROBERTO ARDIG

Na Itlia, o Positivismo, com sua particular ateno ao desenvolvimento e aos mtodos das cincias e com sua averso s metafsicas da transcendncia, deu seus melhores frutos na reflexo sobre a criminologia com Cesare Lombroso (1836-1909), na pedagogia com Aristides Gabelli (1830-1891) e Andr Angiulli (1837-1890), em historiografia e metodologia da historiografia com Pasqual Villari (18201918), em medicina e metodologia da clnica com Salvatore Tommasi (1813-1888) e, sobretudo, com Augusto Murri (1841-1932).

A figura mais representativa do Positivismo italiano Roberto Ardig (1828-1920). Sacerdote, deixou o sacerdcio depois de uma crise profunda; em 1881 foi nomeado professor na Universidade de Pdua, onde ensinou at 1908. Permanece famoso seu Discurso sobre Pietro Pomponazzi, de 1869. Outras obras de Ardig so: A moral dos positivistas (1879); A razo (1894); A doutrina spenceriana do incognoscvel (1899). A perspectiva positivista de Ardig afunda suas razes no naturalismo italiano do sculo XVI: (com Pomponazzi, ele refora a autonomia da razo; e com Bruno a divindade do universo); ligase diretamente s concepes positivistas e, com isso, pe o fato como pedra angular da prpria filosofia. O fato tem uma realidade prpria em si, uma realidade inaltervel, que somos forados a afirmar tal e qual dada e a encontramos, com a absoluta impossibilidade de cortar ou acrescentar nada a ela; portanto, o Fato divino. Toda a realidade natureza; e o nico conhecimento vlido o cientfico. Mas, se toda a realidade natureza, certamente cognoscvel cognoscvel pela cincia, embora os esforos da cincia jamais alcanaro a meta final. E, se assim esto as coisas, Spencer errou, e no precisar falar de incognoscvel, mas de desconhecido: desconhecido tudo aquilo que ainda no conhecido pela cincia, mas que, em princpio, poder ser por ela conhecido. E, ainda diversamente de Spencer, que via a evoluo como passagem do homogneo para o heterogneo, Ardig concebe a evoluo como passagem do indistinto para o distinto; assim, por exemplo, do indistinto, que a sensao, brotam as distines entre esprito e matria, eu e no-eu, sujeito e objeto. Toda a realidade natureza; o homem natureza; o pensamento fruto da evoluo da natureza, assim como a tica; os ideais e as normas ticas so, conforme Ardig, respostas dos homens associados a acontecimentos e aes consideradas danosas para a sociedade e que, depois, se fixam como normas morais implicando sanes na conscincia dos indivduos. O poltico Ardig foi um liberal, antimaom, crtico do marxismo, em sua componente de materialismo histrico, e com uma propenso para o socialismo.

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AULA 3 Positivismo O POSITIvISMO NA AlEMANHA

Na Alemanha, o Positivismo toma a direo de um rgido Materialismo, cujas teses de fundo foram a batalha contra o dualismo de matria e esprito e a luta contra as metafsicas da transcendncia. Os representantes de maior vulto do Positivismo materialista alemo so: Karl Vogt, Jacob Moleschott, Ludwig Bchner e Ernst Haeckel. Karl Vogt (1817-1895), zologo, decididamente contrrio idia criacionista e ao relato bblico sobre a histria da terra e a origem da vida, reforou contra Rudolf Wagner sua averso idia de imortalidade da alma. Jacob Moleschott (1822-1893), professor primeiro em Heidelberg e depois em Zurique, aps a unificao da Itlia, passou a ensinar fisiologia em Turim e depois em Roma. Paladino de uma cultura leiga e anticlerical, Moleschott sustentou que No h pensamento sem queimar as pestanas e que a vida um processo que, por meio da dissoluo, regenera-se continuamente. Por isso, provocando escndalo, Moleschott chegou a afirmar que nos cemitrios, onde o terreno mais frtil, dever-se-ia semear trigo. Ludwig Bchner (1824-1899) em um livro de grande sucesso, Fora e matria (1855), afirmou que o Materialismo era a hiptese doravante a concluso inevitvel de um estudo imparcial da materialista natureza baseado sobre o empirismo e a filosofia. Para ele, a nica possvel ao do crebro era anloga de uma mquina a vapor. Ernst Haeckel (1834-1919), sustentador da teoria darwiniana, props a lei biogentica fundamental, na qual se estabelece que, para o homem, a onto-

gnese, ou seja, o desenvolvimento do indivduo uma breve e rpida repetio (uma recapitulao) da filognese ou evoluo da estirpe a que ele pertence, isto , dos precursores que formam a cadeia dos progenitores do prprio indivduo, repetio determinada pelas leis da hereditariedade e da adaptao. Seu monismo materialista que, a seu ver, estabeleceria a lei em grau de resolver os enigmas do mundo Haeckel o confiou ao livro Os enigmas do mundo, publicado em 1899, e do qual foram vendidos 400.000 exemplares. Concluindo A principal influncia do Positivismo nas cincias sociais foi a utilizao de termos que permitiram a compreenso da realidade, o que provocou a apropriao da linguagem de variveis para especificar atributos e qualidades do objeto de investigao. O Positivismo possibilitou o surgimento da Sociologia, cujo objeto a humanidade, em que se renem o positivismo religioso, a histria do conhecimento e a poltica positiva. O objeto prprio da sociologia a humanidade e necessrio compreender que a humanidade no se reduz a uma espcie biolgica: h na humanidade uma dimenso suplementar a histria o que faz a originalidade da civilizao (da cultura, diriam os socilogos do sculo XIX). O Positivismo e seus mtodos permitem estudar as condies da evoluo da sociedade: do estado teolgico ao estado positivo na ordem intelectual, do estado militar ao industrial na ordem prtica do estado de egosmo ao de altrusmo na ordem afetiva.

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AULAUnidade Didtica Fundamentos Tericos e Metodolgicos do Servio Social

____________________KARL MARX E SUAS INFLUNCIASContedo A dialtica O capital Karl Heinrich Marx Marxismo Competncias e habilidades Levar o(a) acadmico(a) a conhecer e a entender Marx, o marxismo, o capitalismo e o seu desenvolvimento, bem como a realidade scio-politica da atualidade Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal Vida e obra de Karl Marx Ps-Marxismo Marxismo e Cotidianidade: o impasse da formao acadmica em frente das prticas do Servio Social nas instituies hospitalares Durao 2 h/a via satlite com o professor interativo 2 h/a presenciais com o professor local 6 h/a mnimo sugerido para auto-estudo

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A DIAlTICA

A dialtica hegeliana se remete dialtica clssica descoberta pelos gregos, mas lhe confere movimento e dinamicidade, e o corao da dialtica se torna, assim, o movimento circular ou em espiral, com ritmo tridico, dividido em trs momentos: a tese, momento abstrato ou intelectivo; a anttese, momento dialtico em sentido estrito ou negativamente racional; e a sntese, momento especulativo ou positivamente racional. No primeiro momento, a tese, refere-se atividade do intelecto que, para Hegel,

[...], em geral, consiste em conferir ao seu contedo a forma da universalidade: mais precisamente, o universal posto pelo intelecto universal abstrato, que, como tal, mantido solidamente contraposto ao particular, mas que, desse modo, ao mesmo tempo, tambm determinado por seu turno como particular. medida que opera em relao a seus objetos separando e abstraindo, o intelecto o contrrio da intuio imediata e da sensao, que, como tal, relaciona-se inteiramente com o concreto e nele permanece parada. (REALE e ANTISERI, 2003, p. 107)

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AULA 4 Karl Marx e Suas Influncias

Assim, a filosofia no pode prescindir do intelecto e de sua obra, devendo, ao contrrio, comear exatamente pelo trabalho do intelecto. O pensamento filosfico, portanto, deve ir alm dos limites do intelecto. No segundo momento da dialtica, a anttese, o ir alm dos limites do intelecto peculiaridade da razo, que tem um momento negativo e um positivo. O momento negativo, que Hegel chama de dialtico em sentido estrito, consiste em remover a rigidez do intelecto e de seus produtos, o que importa o esclarecimento de uma srie de contradies e oposies de vrios tipos, sufocadas no enrijecimento do intelecto. Desse modo, toda determinao do intelecto transforma-se na determinao contrria (e vice-versa). Por isso, escreve Hegel:a dialtica esse ultrapassar imanente no qual a unilateralidade e a limitao das determinaes do intelecto se expressam por aquilo que so, isto , como sua negao. Todo finito superao de si mesmo. A dialtica, portanto, a alma motriz do procedimento cientfico, sendo o nico princpio pelo qual o contedo da cincia adquire um nexo imanente ou uma necessidade; assim, em geral, nele que se encontra a verdadeira elevao, no extrnseca, para alm do finito (isto , para alm de cada simples determinao do finito). (REALE e ANTISERI, 2003, p. 107)

O terceiro momento, a sntese, a sntese dos opostos, que contm em si como superadas aquelas oposies nas quais se detm o intelecto. Esse o momento bsico, movimento circular que nunca tem fim. A dialtica de Hegel entendida como a sntese dos contrrios e ela assumida por Marx, s que invertida. Para Hegel, o processo do pensamento, que ele transforma at em sujeito independente, com o nome de idia, para Marx nada mais do que o elemento material transferido e traduzido no crebro dos homens. Marx inverte a dialtica hegeliana, colocando-a de p, ele a transporta das idias para a histria, da mente para os fatos, da conscincia infeliz para a realidade social em contradio. Em sua opinio, todo momento histrico gera contradies em seu seio e essas contradies constituem a mola do desenvolvimento histrico.

Explicando melhor, Marx afirma que o modo pelo qual a produo material de uma sociedade realizada constitui o fator determinante da organizao poltica e das representaes intelectuais de sua poca. Se realidade no esttica, mas dialtica, e est em transformao pelas suas contradies internas, assim, a base material ou econmica constitui a infra-estrutura da sociedade, que exerce influncia direta na superestrutura, ou seja, nas instituies jurdicas, polticas (as leis, o Estado) e nas ideolgicas (as artes, a religio, a moral) da poca. A luta de classes existente nessa sociedade a contradio presente no processo histrico dialtico, ou seja, se a base material ou econmica constitui a infra-estrutura e essa infra-estrutura inf