MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

40
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS ESMU – ESCOLA DE MÚSICA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PRINCÍPIOS E RECURSOS PEDAGÓGICOS EM MÚSICA MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS: ABORDAGEM SEMELHANTE À ADOTADA NO PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃO INFANTIL ZÉLIA PIMENTA DA SILVA BELO HORIZONTE 2009

Transcript of MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

Page 1: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ESMU – ESCOLA DE MÚSICA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PRINCÍPIOS E

RECURSOS PEDAGÓGICOS EM MÚSICA

MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS:

ABORDAGEM SEMELHANTE À ADOTADA NO

PROCESSO

DE MUSICALIZAÇÃO INFANTIL

ZÉLIA PIMENTA DA SILVA

BELO HORIZONTE

2009

Page 2: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS

ABORDAGEM SEMELHANTE À ADOTADA NO PROCESSO

DE MUSICALIZAÇÃO INFANTIL.

Por

Zélia Pimenta da Silva

______________________

Monografia submetida ao Curso de Pós-Graduação da Universidade do Estado de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Princípios e Recursos Pedagógicos em Música. Orientadora: Professora Betânia Parizzi.

Belo Horizonte 2009

Page 3: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar a Deus que me fortaleceu, transmitindo a confiança necessária para prosseguir, mesmo diante das adversidades que surgiram.

À minha família pelo carinho e atenção durante todo o processo, em especial

minha mãe, Maria Zózima da Cunha, pelo apoio incondicional.

À Professora Betânia Parizzi pela orientação, direção e confiança e à Professora Gisele Marino pelas sugestões enriquecedoras.

À direção do Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical e à Professora Simone

Teles Lopes pela paciência durante o trabalho de campo nas aulas de musicalização que embasaram esta pesquisa.

Por fim, àqueles que de uma forma ou de outra colaboraram efetivamente para

a finalização desta monografia.

Page 4: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

Toda teoria pedagógica tem seus

fundamentos baseados num sistema filosófico.

É a filosofia que, expressando uma concepção de

homem e de mundo, dá sentido à Pedagogia,

definindo seus objetivos e determinando os

métodos da ação educativa. Nesse sentido, não

existe educação neutra. Ao trabalhar na área de educação,

é sempre necessário tomar partido, assumir posições.

E toda escolha de uma concepção de educação é,

fundamentalmente, o reflexo da escolha

de uma filosofia de vida.

Hayd

Page 5: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

RESUMO

A observação que se tem feito é que a tradicional forma de inserção do adulto nos

estudos musicais tem sido um pouco “rude” ao longo do tempo e, na maioria das

vezes, sem um prévio processo de musicalização. Esse processo é priorizado na

fase infantil, na qual os resultados, em sua maioria, têm provado o quanto é

imprescindível e eficaz no fazer musical de todo musicista. Essa pesquisa

investiga como uma proposta de abordagem semelhante à adotada num

processo de musicalização infantil pode influenciar na descontração e

espontaneidade de alunos adultos numa experiência de musicalização. O jogo é o

facilitador da abordagem dos conteúdos e o aspecto lúdico o suporte para tornar

essa iniciação musical mais atraente e motivadora. O objetivo é tentar encontrar

uma orientação pedagógica estimulante para essa faixa etária. O adulto traz

consigo facilidades em relação à criança tais como assimilação rápida e agilidade

no raciocínio que proporcionam maior velocidade, reduzindo quase que pela

metade o tempo do aprendizado. Fatores diversos explicam isso, cognição é um

deles. As adaptações acontecem pelas naturais diferenças. A reflexão sobre a

forma tradicional de inserção do adulto na música toma proporções ainda maiores,

frente aos resultados alcançados com essa pesquisa. A metodologia utilizada para

a realização dessa pesquisa foi a observação de oito aulas de musicalização de

duas turmas de crianças, nível I (iniciantes) e nível II. Todas as aulas foram

registradas e, posteriormente, ministradas a uma turma de adultos para que fosse

possível verificar o alcance dessa abordagem. Os resultados apontaram que a

proposta pedagógica adotada na musicalização infantil mostra-se eficaz no

contexto de ensino de música para adultos. A hipótese de que a descontração e

espontaneidade dos adultos são influenciadas positivamente é validada, com

resultados relevantes. Entre eles, a surpreendente elevação da auto-estima dos

participantes ao se sentirem aptos a aprender o que é proposto de forma simples.

Portanto, a sugestão é que se priorize também o processo de musicalização na

fase adulta e nos moldes do infantil, nos quais o jogo e o aspecto lúdico, aliados à

descontração e espontaneidade são fatores primordiais para garantir motivação no

aprendizado, pois musicalizar é construir a base para uma melhor competência

musical.

Palavras-chave: Adulto, Musicalização, Abordagem, Descontração,

Espontaneidade, Motivação.

Page 6: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 08 CAPÍTULO 1 - COMPARAÇÃO ENTRE AS PROPOSTAS PEDAGÓGI CAS DE JACQUES DALCROZE, EDGAR WILLEMS, HANS JOACHIM KOELLREUTTER E MURRAY SCHAFER 1.1 - Introdução..................................................................................................11

1.2 - Jacques Dalcroze......................................................................................11

1.3 - Edgar Willems............................................................................................13

1.4 - Hans Joachim Koellreutter.........................................................................14

1.5 - Murray Schafer ..................................................................................16

1.6 - Quadro Comparativo dos Métodos de Propostas de Educação Musical..17

CAPÍTULO 2 - MUSICALIZAÇÃO, COGNIÇÃO NA FASE ADULTA E APRENDIZADO 2.1 - Musicalização ...........................................................................................18

2.2 - Cognição na Fase Adulta ........................................................................ 21

2.3 - Aprendizado ..............................................................................................23

CAPÍTULO 3 - ATIVIDADES DO PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃ O INFANTIL E SUA FORMA DE ABORDAGEM 3.1 - Delineamento Metodológico .................................................................... 25 3.2 - Síntese das Aulas de Musicalização ....................................................... 26 3.3 - Considerações Gerais ............................................................................. 30

CAPÍTULO 4 - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS - ABORDAGEM SEMELHANTE À ADOTADA NO PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃO INFANTIL 4.1 - Introdução ................................................................................................ 32

Page 7: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

4.2 - Musicoterapia e Atividades de Relaxamento............................................ 33

4.2.1 - Descrição e Esquema das Sessões de Musicoterapia ......................... 33

4.3 – Resultados............................................................................................... 34

4.4 - Metodologia de Ensino de Música para Adultos .......................................34 4.5 - Considerações Finais ...............................................................................36 CAPÍTULO 5 – CONCLUSÃO .........................................................................37

Page 8: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

8

INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo, educadores musicais têm abordado a importância do

processo de musicalização, porém, com ênfase na maioria das vezes, na fase

infantil. O que se nota é uma dissociação da importância dessa etapa, quando

o indivíduo inicia os estudos de música na fase adulta. Em virtude disso,

observa-se que uma grande maioria não teve a chance de vivenciá-lo.

Tampouco, os que tiveram não o experimentaram através de uma didática

diferenciada, como no processo de musicalização infantil. Contudo, mesmo que

de forma ainda lenta, a musicalização já tem sido defendida por muitos

educadores como etapa essencial da formação musical, independentemente

da faixa etária em que se encontra o aluno.

O processo de musicalização infantil normalmente é desenvolvido através de

uma abordagem metodológica criativa, onde o jogo favorece a mesma, tendo

no aspecto lúdico um suporte essencial para transformar a aprendizagem num

processo mais agradável e atraente. Todavia, o que se percebe, é que a

descontração1 e a espontaneidade2 das crianças surgem como fortes aliados

para que se atinjam os bons resultados alcançados com essa metodologia. No

caso do adulto, essa descontração e espontaneidade ficam supostamente

comprometidas em decorrência de vários fatores. Com base nesse detalhe,

pressupõe-se que se utilizasse uma metodologia que influenciasse na

descontração e espontaneidade do adulto ao iniciar os estudos de música –

sendo o processo de musicalização o ponto de partida – a iniciação musical

nessa fase seria, provavelmente, tão motivadora quanto na fase infantil.

Na suposição da viabilidade dessa metodologia na fase adulta, será

investigado como uma proposta de abordagem semelhante à adotada no

processo de musicalização infantil – promovida pelo Núcleo Villa-Lobos de

Educação3, em Belo Horizonte – poderia influenciar na descontração e

1 Desembaraço; desenvoltura; falta de constrangimento. 2 Naturalidade; simplicidade; originalidade. 3 Escola que, há 38 anos, oferece um trabalho de educação musical para crianças e jovens de Belo Horizonte, sendo pioneira no ensino de música para crianças menores de cinco anos.

Page 9: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

9

espontaneidade de alunos adultos durante um processo de musicalização e

conseqüentemente o grau de motivação alcançado com essa experiência. Esse

interesse partiu da percepção adquirida ao longo dos anos, do quanto é “rude”

a forma tradicional de inserção do adulto nos estudos musicais, tornando-se, às

vezes, desestimulante, levando muitos a desistirem precocemente dos estudos.

Portanto, o objetivo dessa pesquisa é tentar encontrar caminhos que possam

contribuir para uma orientação pedagógica voltada para essa faixa etária, e

principalmente, que esses caminhos sejam tão motivadores como no processo

infantil.

O primeiro capítulo dessa monografia traz uma comparação das propostas

metodológicas de educação musical, surgidas ao longo do século XX e

desenvolvidas pelos educadores musicais Dalcroze, Willems, Koellreutter e

Schafer que muito contribuíram para a evolução do ensino da música,

promovendo reflexões para uma nova prática pedagógica no campo musical,

desde o final do século XIX.

O segundo capítulo traz considerações sobre o tópico musicalização que

incitam a uma reflexão sobre a importância de tal processo e a abrangência

que se alcança com ele, proporcionando objetivos outros que vão aquém dos

parâmetros musicais beneficiando de forma relevante todos aqueles que o

vivenciam. Na seqüência é abordada a cognição na fase adulta, aspecto

merecedor de atentas observações por parte de todos aqueles preocupados e

envolvidos com a responsabilidade de ensinar. Em seguida, encerra-se o

capítulo com informações importantes sobre o aprendizado como processo

fundamental no desenvolvimento humano.

No terceiro capítulo são descritas algumas atividades aplicadas no processo de

musicalização infantil, os objetivos propostos em cada uma e a respectiva

abordagem adotada com um grupo de crianças entre sete e nove anos de

idade, realizada no Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical, onde através de

um trabalho de campo, foram registrados detalhes que dariam embasamento

ao tema da pesquisa, identificando aspectos que fossem típicos da

metodologia utilizada nesse processo, quais os recursos para a abordagem dos

Page 10: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

10

assuntos e os resultados alcançados com a criança para posterior comparação

entre as duas faixas etárias.

O quarto capítulo é o foco da pesquisa. São descritas as mudanças

necessárias e possíveis ocorridas durante a experiência de maneira que

tornasse mais viável o seu desenvolvimento. Em seguida, ter-se-á a explicação

das razões pelas quais tiveram que acontecer tais mudanças e entre elas, o

porquê da inserção e utilização do tópico Musicoterapia - de maneira

coadjuvante - como mais um recurso didático que contribuísse para uma

importante base da pesquisa. Serão apresentados os resultados dessas

mudanças e um esboço de uma metodologia de ensino de música voltada para

uma população adulta, visando proporcionar-lhes melhor nível de qualidade no

processo de musicalização. E, por fim, a impressão derivada dos fenômenos

psicológicos, sucedidos com o indivíduo, com a experiência emocional ao se

expor diante do grupo.

O quinto e último capítulo traz as conclusões gerais da pesquisa. Serão

mencionados os objetivos atingidos e se houve validação da principal hipótese

durante todo o trabalho. Contudo, pode-se adiantar que essa investigação

contribuirá para uma maior reflexão por parte dos educadores musicais sobre a

importância da musicalização também na fase adulta, porém, com a mesma

preocupação de oferecer ao adulto o que tem sido oferecido, quase que

exclusivamente, às crianças: uma iniciação musical estimulante e motivadora.

Page 11: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

11

CAPÍTULO 1

COMPARAÇÃO ENTRE AS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DE JACQUE S

DALCROZE, EDGAR WILLEMS, HANS JOACHIM KOELLREUTTER E

MURRAY SCHAFER.

1.1 – Introdução

Nos estudos de música, por vários séculos, o ensino musical tinha como

principal objetivo o virtuosismo em detrimento da formação de músicos. Ainda

hoje, persiste tal tendência. Todavia, com o surgimento de novos pensamentos,

correntes filosóficas, psicológicas, e novos paradigmas que apareceram ao

longo do século XX, ainda presentes nos dias de hoje, contribuiu

decididamente para influenciar o ensino musical do novo século, pois a

vivência dos elementos musicais foi resgatada (CAMPOS apud COMINI, 2005, p. 07).

Este capítulo tem como objetivo descrever os métodos de educação musical de

alguns dos principais pedagogos dos últimos tempos. O texto trará também

considerações sobre suas origens, principais idéias metodológicas e os

objetivos propostos por cada um. Ao término, será inserido um quadro, onde se

poderão comparar as principais idéias de cada proposta.

1.2 – Jaques Dalcroze

Dalcroze nasceu na Suíça em 1865 e faleceu em 1950. Sua proposta

metodológica foi denominada de ‘Eurritmia’ ou ‘Ginástica Rítmica’. Essa

proposta teve início a partir das experiências desenvolvidas por ele no

Conservatório de Genebra, após a confirmação de que o ensino musical

mantinha duas vertentes; um ensino de música em escolas primárias, atuando

como um “passatempo” e um ensino nas escolas de música que enfatizava o

virtuosismo, leitura e a escrita, a análise e a classificação, os exercícios de

harmonia, ‘corretos, mas estereotipados’ (DALCROZE, 1967 apud GUIA;

FONSECA, p. 06). Com a constatação dessas duas vertentes, o educador

concluiu que isso “gerava uma prática mecânica, desprovida de um efetivo

Page 12: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

12

desenvolvimento da sensibilidade e da imaginação auditiva” (GUIA; FONSECA,

1995, p.06).

Assim sendo, a proposta é que se baseie a educação musical na audição

compreendendo que é através de todo o corpo, da ativação do sistema

nervoso, que essa se opera no cultivo de “sensações táteis e auditivas

combinadas” (GUIA; FONSECA, 1995, p.06-07). Dalcroze acreditava que os

”sons são percebidos por outras partes do organismo humano além do ouvido”

(GUIA; FONSECA, 1995, p.07).

No método Dalcroze, a consciência rítmica é fundamental, tanto que a meta da

‘Eurritmia’ seria desenvolver as sensações no lugar das conceituações, dando

ao aluno através da vivência corporal a oportunidade de sentir no lugar de

dizer: eu sei (GUIA; FONSECA, 1995, p.07). A ‘Eurritmia’ se caracteriza da

seguinte forma: expressão e conscientização do ritmo natural de cada um,

porém antes da abordagem dos ritmos externos; expressão da música através

do corpo, segundo as relações do ‘espaço, tempo e energia’, sendo uma

experiência individual; representação dos fenômenos musicais utilizando o

corpo; capacidade de criação e de resposta à criação de outros (GUIA;

FONSECA, 1995, p.07).

Jaques Dalcroze com sua proposta, “exerceu influência direta em inúmeras

pessoas ligadas ao trabalho corporal, ao ensino de dança e a métodos de

musicalização como o de Willems, Orff e outros elaborados no Brasil”

(PEREIRA e MIGNONE apud GUIA; FONSECA, 1995, p.07). O grande anseio

de Dalcroze era que um dia os professores de música dessem mais

importância ao despertar das emoções vitais e na consciência de estados

mentais, apoiando menos na análise abstrata (GUIA; FONSECA, 1995, p. 07).

Page 13: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

13

1.3 – Edgar Willems (1889-1978)

Edgar Willems nasceu na Bélgica, no dia 13 de outubro de 1889, e faleceu aos

89 anos em 1978. Formou-se primeiramente em Artes Plásticas. Aprendeu

música, inicialmente de forma autodidata, formalizando mais tarde seus

estudos no Conservatório de Música em Genebra, onde se tornou professor no

ano de 1929 (GUIA; FONSECA, 1995, p.02).

Nesse período, surge na Europa uma nova pedagogia com intuito de combater

o materialismo, apontando para a necessidade de unir o desenvolvimento

intelectual ao desenvolvimento sensorial. Em conseqüência, a música passa a

ser considerada fator cultural indispensável, por lidar com questões sensíveis

do homem. Por essas razões, o que era denominado ‘ensino da música’ é

substituído por educação musical. Essa substituição ocorreu devido às

influências diretas que vieram por parte da psicologia e em especial a de

Freud. A música também teve a sua importante contribuição nessas mudanças,

pois estava passando por grandes transformações nessa época. Willems,

preocupado com a questão humana na educação musical, passa a enfocá-la,

não priorizando, portanto, a performance (Idem, p.02).

O método Willems tem como ponto de partida canções tonais que são

utilizadas como recurso didático e o desenvolvimento auditivo, que é

trabalhado com a utilização de recurso material sensorial apropriado (GUIA;

FONSECA, 1995, p.02). No seu método, o educador enfatiza que as canções:

Desempenham o papel mais importante na educação musical de principiantes; agrupa de maneira sintética - ao redor da melodia - o ritmo e a harmonia; é o melhor meio de desenvolver o ouvido interno, chave de toda verdadeira musicalidade (WILLEMS, 1956, p. 24).

Ele criou uma teorização sobre percepção musical e estabeleceu três domínios

distintos: 1) Nível sensorial; que tem como característica a atividade do órgão

auditivo em reação ao som. 2) Nível afetivo; pela relação existente, segundo

ele, entre a afetividade e os intervalos de uma melodia. 3) Nível da inteligência

Page 14: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

14

auditiva; reconhecimento intelectual de acordes, funções harmônicas,

polifonias, etc. (GUIA; FONSECA, p.02).

O argumento é de que os princípios de ação educativa não mudam, por isso se

torna importante segui-los. Basta uma adaptação do ensino por cada professor,

porém, partindo de elementos de vida [...] (ROCHA, 1990, p.16 apud COMINI,

2005, p.14-15). Ao apoiar seu método nos princípios psicológicos e filosóficos,

estabelecendo com isso relações entre os elementos fundamentais da música

e os da natureza humana, Willems propõe o seguinte esquema4, ilustrado no

quadro abaixo:

MÚSICA RITMO MELODIA HARMONIA

HOMEM VIDA FISIOLÓGICAAÇÃO

VIDA AFETIVASENSIBILIDADE

VIDA MENTALCONHECIMENTO

Quadro 1

Entre vários pontos importantes no método de Willems, um dos mais relevantes

é que a vivência deve sempre preceder o conhecimento teórico. Segundo ele:

“a vida precede a consciência” (GUIA; FONSECA, 1995, p.02). Ele trouxe

enorme contribuição para a educação musical quando compreendeu que não

deveríamos separar a natureza humana da natureza musical. O próprio autor

concluiu que:

A educação, bem entendida, não é somente uma preparação para a vida; é em si mesma, uma manifestação permanente e harmoniosa da vida. Deveria ser assim para todo estudo artístico e particularmente para a educação musical, que apela para a maioria das faculdades sensoriais do ser humano (Willems, 1956, p.11).

1.4 – Hans Joachim Koellreutter (1915)

4 Retirado do material elaborado por Maria Betânia Parizzi e Rosa Lúcia Mares Guia para Curso de Formação de Professores em Educação Musical do Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical.

Page 15: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

15

Hans J. Koellreutter nasceu na Alemanha, em 1915. Compositor, regente,

concluiu seus estudos no Conservatório de Musique, Genebra. Em 1937 chega

ao Rio de Janeiro. Passado um ano da sua chegada, “realiza seu primeiro

recital no Brasil, no Conservatório Mineiro de Música, em Belo Horizonte,

ministrando nessa mesma instituição um curso de interpretação musical”

(KATER, et al, 1997, p. 09). Para Koellreutter, na sociedade moderna, a arte,

como arte funcional, envolve o homem e deixa sua marca na vida diária.

Segundo suas próprias palavras:

Somente um tipo de educação e ensino musical é capaz de fazer justiça a essa situação: aquela que aceita como função a tarefa de transformar critérios e idéias artísticas numa nova realidade resultante de mudanças sociais. Surgirá um tipo de ensino musical para o treinamento de musicistas que, futuramente, deverão estar capacitados a encarar sua arte como arte aplicada, isto é, como um complemento estético aos vários setores da vida e da atividade do homem moderno. Acima de tudo, musicistas que deverão estar preparados para colocar suas atividades a serviço da sociedade (Idem, p. 39).

A sua proposta pedagógica é conhecida como ”educação musical funcional”.

Proposta que idealiza uma integração entre arte e sociedade, conscientizando

o artista que sua função é também social. Ele afirma que:

Enquanto os nossos estabelecimentos de ensino musical ainda se orientarem pelas normas e pelos critérios em que estavam baseados os programas e currículos dos conservatórios europeus do século passado, servindo a outros interesses que não aos culturais de nosso país, as chances profissionais para os alunos serão escassas (p. 39).

A sugestão como alternativa a esse problema é um programa de extensão na

Universidade para aqueles que se interessam por atividades musicais sem a

pretensão de praticá-las como profissional. Como por exemplo, a criação de

um centro independente, contendo animações e criatividade musical [...]. Um

verdadeiro local para se aprender música através de atividades lúdicas, com

características populares, onde se fizesse música sem limites ou restrições,

valorizando mais as atividades e o processo do que o resultado em si. E ainda,

ensinar instrumentos mais populares apenas com a teoria básica musical para

Page 16: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

16

dar ao jovem a oportunidade de se dedicar exclusivamente à música popular

(Kater et al, 1997, p. 41).

1.5 – Murray Schafer

Murray Schafer nasceu em Ontário, Canadá, em 1933. Mesmo tendo grande

interesse pelas artes plásticas, dedicou a maior parte do seu tempo ao ensino

de música. Com sua proposta, Schafer transforma não apenas o mundo da

música, mas o mundo sonoro de forma geral. Através de uma pesquisa ampla

e minuciosa intitulada de ‘The World Sound Scape’, ele propõe uma nova

maneira para ‘ouvir’, na verdade:

Um desafio para um novo ‘olhar’ sobre o mundo, que seja capaz de se deter nas mínimas e inesperadas sonoridades e que se alimente tanto dos ruídos estridentes das metrópoles, quanto dos silêncios dos lugares escondidos, do som da neve, das folhas, do badalar dos sinos, dos sons primordiais da natureza – do ar, da água, da terra, do fogo – e também da recuperação de sons que hoje estão esquecidos (GUIA; FONSECA, 1995, p. 01).

Schafer, ao término de sua pesquisa, chega à conclusão que se torna urgente

uma postura cuidadosa e crítica quanto à paisagem sonora do atual mundo em

que vivemos. Dessa forma será possível alcançar consciência quanto a esse

problema, capacitando-nos a encontrar uma solução para tal. Ele sugere

“clariaudiência nas escolas para eliminar a audiometria nas fábricas. Limpeza

de ouvidos, em vez de entorpecimento de ouvidos” (SCHAFER, 1991, p. 14).

Murray Schafer não trata da educação musical em termos de música tonal. A

proposta pedagógica de Schafer propõe um trabalho que pode abranger o

ensino formal ou informal de música. Conforme Schafer:

O principal objetivo de seu trabalho tem sido o fazer musical criativo, e embora seja distinto das principais vertentes da educação, concentradas, sobretudo no aperfeiçoamento das habilidades de execução de jovens músicos, nenhuma dessas atividades pode ser considerada substituta da outra (SCHAFER, 1991, p. 280).

Page 17: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

17

Ele direciona a sua proposta pedagógica para três campos de ação:

• Descoberta do potencial criativo das crianças, com objetivo de torná-

las independentes no fazer musical;

• Apresentação dos sons do meio ambiente, tratando a paisagem

sonora como uma composição musical, sendo o homem o seu

principal compositor, fazendo com que ele o critique para que assim

possa melhorar a sua qualidade;

• Encontrar um ponto de união onde todas as artes se encontrem e se

desenvolvam harmoniosamente (GUIA; FONSECA, 1995, p. 01).

1.6 – Quadro Comparativo dos Métodos de Propostas d e Educação

Musical 5.

OBJETIVOS CENTRO DA AÇÃO PEDAGÓGICA

ELEMENTOS EXTRAMUSICAIS

DALCROZE

Proporcionarvivência corporaldos fenômenosmusicais.

Corpo Movimento

WILLEMS

Musicalizar a criança,respeitando as relaçõespsicológicas entre amúsica e a criança.

Material sensorialapropriado

Canção

SCHAFER

Propiciar um trabalhomusical criativodentro ou fora do ensi-no formal de música;conscientizar atodos de sua respon-sabilidade pelo ambi-ente sonoro em quevivemos.

Paisagem Sonora Ambiente Sonoro

Educar o ser humanoatravés da música.

Utilizar tudo que possa soar.

Criação e improvisação

Willems era contraa utilização de ele-mentos extramusi-cais.

Criação de texto,representação tea-tral e visual.

Integração das Artes

Quadro 2

5 Extraído do material produzido por Maria Betânia Parizzi e Rosa Lúcia Mares Guia para o Curso de Formação de Professores em Educação Musical do Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical, 1998.

Page 18: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

18

CAPÍTULO 2

MUSICALIZAÇÃO, COGNIÇÃO NA FASE ADULTA E APRENDIZAD O

2.1 – Musicalização

Musicalização segundo Gainza é “tornar o indivíduo sensível e receptivo ao

fenômeno sonoro, promovendo nele, ao mesmo tempo, respostas de índole

musical” (GAINZA, 1988, p.101). Depois de garantido o vínculo, a música

naturalmente fará a maior parte do processo de musicalização, penetrando no

homem, transpondo barreiras diversas, permitindo a abertura de canais de

expressão e comunicação a nível psicofísico, causando através das suas

próprias estruturas internas alterações relevantes no mental humano. Gainza

acredita que a partir de uma “mobilização primária, movimento como sinônimo

de vida, de crescimento”, as respostas não serão “apenas de índole musical e

sonora – posto que nisso consiste a função educativa da música” (Idem).

Já conforme Penna “a musicalização é um momento de educação musical, e

mesmo que inserida em uma formação mais prolongada [...] tem importante

significado próprio [...] (PENNA, 1990, p. 37). E defende que essa

musicalização “em si mesma é significativa e necessária, indispensável ao

desenvolvimento de uma competência musical sólida“ (Idem). Com isso conclui

que “a musicalização é um processo educacional orientado que [...] efetua o

desenvolvimento dos instrumentos de percepção, expressão e pensamento

necessários à decodificação da linguagem musical [...]”. O que se visa com isso

é maior participação do sujeito na cultura socialmente produzida, capacitando-o

a apreender de forma crítica os diversos estilos musicais disponíveis em seu

ambiente (PENNA, 1990, p. 37). Na concepção da autora:

[...] Este é o objetivo final da musicalização, onde a música é o material para um processo educativo e formativo mais amplo, dirigido para o pleno desenvolvimento do indivíduo, enquanto sujeito social (Idem).

Os procedimentos racionais para a musicalização, capazes de orientar práticas

pedagógicas flexíveis e diferenciadas conforme as necessidades, são revistas

Page 19: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

19

no campo da psicologia, da pedagogia e da própria educação musical. Os

estudos de Jean Piaget, sobre o desenvolvimento cognitivo, e de Jerome

Bruner, que propôs a ‘aprendizagem pela descoberta’, conforme Penna:

Evidenciaram a importância da atividade sobre o meio na formação de estruturas de pensamento e na aquisição de conhecimentos, indicando, para a musicalização, a necessidade de fundamentar sua prática sobre a atuação ativa do aluno, no contato com o material sonoro (PENNA, 1990, p.46).

Para Piaget (apud PENNA), “as funções do processo adaptativo, que regem a

interação do indivíduo com seu ambiente – a assimilação (do novo ao velho) e

a acomodação (do velho ao novo)” – são características que abrangem todas

as idades (PENNA, 1990, p. 45-46). Sendo assim:

O sujeito é concebido como uma entidade sempre organizada que acomoda seus esquemas (unidades básicas desta organização) à realidade exterior, à medida que assimila a realidade dos esquemas (FLAWELL, 1975, p.267 apud PENNA, 1990, p.46).

O contato com a música proporciona a formação dos conceitos e o

aperfeiçoamento dos esquemas perceptivos, fundamentando o entendimento

do discurso musical. O domínio do código, antes perpassa pelo aprendizado

dos conceitos, promovendo uma comparação progressiva das estruturas

musicais, percebidas inicialmente de forma geral, adquirindo com o tempo mais

complexidade.

Sendo a percepção o principal fator para que ocorra a mudança dos esquemas

perceptivos, é necessário que a descoberta dos conceitos aconteça

internamente, através da própria percepção do aluno. Cabendo nesse caso ao

professor promover atividades que o levem a essa descoberta, dando a

orientação cabível no processo de conscientização da aquisição do conceito e

de sua formulação, facilitando ainda mais ao fornecer a terminologia própria

para designá-lo. Penna afirma que:

O planejamento das atividades no campo da percepção deve ser capaz de indicar focos seletivos para a atenção do indivíduo necessários para desencadear os processos

Page 20: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

20

mentais de tratamento da informação captada sensorialmente (PENNA,1990, p. 48).

Delimitar os conceitos fundamentais mais amplos que revelem a estrutura da

linguagem musical, é uma forma que o educador musical possui de facilitar

para o aluno a descoberta desses conceitos (PENNA, 1990, p. 48). “Quanto

mais fundamental ou básica for a idéia (conceito) que tenha aprendido, maior

será a amplitude de sua aplicação a novos problemas” (RONCA E ESCOBAR,

1980, p.27 apud PENNA, p. 48), “a novas experiências musicais” (Idem).

Os conceitos musicais são [...] os conteúdos da musicalização, enquanto

procedimento educativo e formativo. Esses conceitos estão relacionados à

questão metodológica que dará a forma da ação pedagógica, selecionando e

organizando conteúdos e por sua vez, planejando atividades para sua

aquisição (PENNA, 1990, p. 49). A autora diz que:

Para os objetivos da musicalização, a representação simbólica necessária ao domínio dos conceitos pode ser respondida por diversos tipos de simbolização – gráfica, gestual etc – que podem (e devem) preparar para o aprendizado da notação, principalmente na escola especializada.

Segundo Penna, “a musicalização se baseia na vivência do fato sonoro, na

experiência musical concreta”, formando os conceitos, “como referenciais para

a apreensão das estruturas musicais enquanto elementos musicais” (PENNA,

1990, p. 52). Se a musicalização for realizada através de uma ação

pedagógica, é possível prever, planejar e realizar as experiências necessárias

que impulsionem todo o processo. Compreender como se dá o domínio do

código da linguagem musical e da formação dos conceitos é imprescindível

para a construção de uma pedagogia orientada de forma racional, com

embasamento nas diversas áreas de conhecimento existentes.

Penna na procura de “alternativas metodológicas diversificadas, capazes de

atender às necessidades de cada situação”, encontrou o que denominou de

“eixo básico comum”, delineado por ela da seguinte forma:

Page 21: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

21

- A base é a vivência musical, que permite a ”atividade perceptiva” (Piaget);

- A direção é a formação dos conceitos fundamentais da linguagem musical, o reconhecimento e identificação dos elementos básicos da música;

- As atividades devem promover a formação de imagens auditivas e de representações simbólicas;

- As atividades de expressão são necessárias, como aplicação dos conceitos formados (PENNA, 1990, p. 53).

A musicalização segue os mesmos princípios para qualquer faixa etária, com

suas devidas adaptações quanto à linguagem, motivação, repertório, entre

outros, sendo necessário considerar também as experiências de cada faixa e a

capacidade de abstração, que depende do estágio cognitivo que se encontra

(PENNA, 1990, p. 53).

Um processo pedagógico de musicalização antes dos estudos de teoria

musical pode construir gradativamente as condições, até então pressupostas,

que possibilitariam maior eficiência aos mencionados estudos. Se toda

formação musical tem como objetivo musicalizar, nesse caso a escola

especializada poderia promover uma educação mais ampla, [...] apurando cada

vez mais o código, possibilitando a apreensão de forma mais aprimorada da

linguagem musical e assim sucessivamente. Mas para isso, as metodologias

que ainda perduram no ensino da notação, da teoria, da técnica instrumental,

entre outras, teriam que passar por transformações, da mesma forma que as

concepções que as fundamentam. Os estudos desses conteúdos teriam que

ser vistos como meios de musicalizar, e não como finalidade por si mesmos

[...], servindo-lhes o processo educativo de musicalização como base, sem

pretender a transformação do sistema geral (PENNA, 1990, p. 58).

2.2 – Cognição na Fase Adulta

Cognição é derivada da palavra latina cognitione, que significa a aquisição de um conhecimento através da percepção. Oriunda da psicologia cognitiva em que pode haver, pelos indivíduos, uma visão unitária dos processos mentais, onde o aprendizado se dá pela apreensão dos dados e do conhecimento imediato de um objeto mental. É o conjunto dos processos mentais usados no pensamento e na percepção, também na classificação, reconhecimento e compreensão

Page 22: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

22

para o julgamento através do raciocínio para o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas (Wikipedia, 20066).

Os processos de construção de conhecimento e de aprendizagem dos adultos

são [...] pouco explorados na literatura psicológica, quando comparados ao das

crianças e adolescentes. Palácios (Apud OLIVEIRA, p. 01) em um artigo que

sintetiza a produção em psicologia a respeito do desenvolvimento humano

após a adolescência, comenta como a idade adulta tem sido tradicionalmente

vista de forma estabilizada e com ausência de mudanças, e aponta a

importância de se considerar a vida adulta como uma continuidade do

desenvolvimento. Releva também a influência de fatores culturais na definição

das características dessa fase [...] (PALACIOS, 1995, p. 315 apud OLIVEIRA,

1999, p. 1-2). No que diz respeito ao funcionamento intelectual do adulto, o

mesmo autor afirma que:

As pessoas humanas mantêm um bom nível de competência cognitiva até uma idade avançada (desde logo, acima dos 75 anos). Os psicólogos evolutivos estão, por outro lado, cada vez mais convencidos de que o que determina o nível de competência cognitiva das pessoas mais velhas não é tanto a idade em si mesma, quanto uma série de fatores de natureza diversa. Entre esses fatores pode-se destacar, como muito importantes, o nível de saúde, o nível educativo e cultural, a experiência profissional e o tônus vital da pessoa (sua motivação, seu bem estar psicológico...). É o conjunto de fatores e não a idade cronológica per se, o que determina boa parte das probabilidades de êxito que as pessoas apresentam, ao enfrentar as diversas demandas da natureza cognitiva (PALACIOS, 1995, p. 312, idem, p. 02).

Mesmo faltando uma boa psicologia do adulto e a construção desse fator esteja

de certa forma, muito ligada a fatores culturais, podem-se relacionar algumas

características da etapa da vida adulta que distinguiriam, de maneira geral, o

adulto da criança e do adolescente. O adulto faz parte de um contexto

diferenciado, trazendo consigo uma história mais longa [...] de experiências

diversas, com conhecimentos acumulados sobre o mundo em geral, sobre si e

sobre os outros. Quando num processo de aprendizagem, as diferenças dessa

etapa da vida promovem habilidades e dificuldades (em relação à criança) e,

6 Web site <http://pt.wikipedia.org./wiki/cognicao>

Page 23: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

23

provavelmente maiores condições de reflexão sobre o conhecimento e seus

próprios processos de aprendizagem (OLIVEIRA, 1999, p.02).

2.3 – Aprendizado

No processo do desenvolvimento humano o aprendizado aparece como processo fundamental, pois por ele é que o ser humano transforma as suas possibilidades de ação em formas ajustadas, que o assimilem ao grupo cultural. Por isso não hesita Dashiell em afirmar que nenhum outro aspecto apresenta maior relevância, no estudo da natureza humana, que o do aprendizado (AMORIM e VITA, 1956, p. 74).

Certamente o aprendizado é um processo de ajustamento gradativo por parte

do indivíduo, frente a uma situação problemática, na qual os obstáculos que

possam surgir sejam vencidos pela utilização direta de comportamentos

preexistentes, naturais e já adquiridos. Os resultados são evidenciados,

quando esse indivíduo, em situações similares, apresente maior eficácia para

lidar com tais situações, agindo assim, com sensível diferença (Idem, p. 74).

Conforme AMORIM e VITA “dessa concepção geral [...] decorrem os grandes

problemas do aprendizado” sendo:

a) motivação, ou força ativa, que leve ao exercício e ajustamento final; b) ajustamento primário, ou inicial, por ensaios, com variabilidade de respostas ou acomodação; c) eliminação de reações perturbadoras ao ajustamento final, com maior adequação de todo o comportamento; d) fixação ou retenção, com possibilidade do aproveitamento das mesmas formas de ação, ou de formas similares, em novas situações, idênticas ou próximas da situação inicial considerada (p. 74).

A motivação abrange um grande capítulo da Psicologia geral e não somente da

Psicologia Pedagógica, e através dele se tenta explicar todos os

comportamentos, em se tratando de suas causas ou condições [...]. A

motivação deve ser encarada como um processo circular: a necessidade que

leva a agir, que muda o organismo, tornando-o diferente, quando diante de

novas situações similares (AMORIM; VITA, 1956, p. 74-75). Devido à

motivação inicial, se considera o aspecto variabilidade de respostas. Segundo

Dashiell (apud AMORIM; VITA, 1956, p. 75), o organismo motivado:

Page 24: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

24

Desde que encontre um obstáculo, despende maior e mais variada atividade, até que, por meio de uma dessas variações, chegue a vencê-lo; a atividade expressa cessa, mas o comportamento futuro se apresentará modificado, no sentido desse ajustamento; e em face de situações similares, o ajustamento individual revelará, então, níveis crescentes de direção e de eficiência, com economia de esforço e de tempo (p.75).

Esses processos conduzem o indivíduo à eliminação o mais rápido quanto

possível, das reações perturbadoras, para maior integração de todo o

comportamento [...]. Para Lourenço Filho (Apud AMORIM; VITA, 1956, p. 76),

“o aprendizado pode ser compreendido como processo de modificação do

comportamento, pela experiência, com um sentido de adaptação progressiva,

ou de valor positivo na integração de todo organismo” (AMORIM; VITA, 1956,

p.75-76).

A partir daí, são observados os “resultados de estabilização, fixação,

conservação, retentiva das novas relações de comportamento encontradas”

(Idem, p.76). Para embasar tal situação, não se deve esquecer da “própria

origem do termo: aprender vem de apreender, apanhar, adquirir, conservar

para si” (p.76). Segundo os autores, tais resultados são apreciados, agora,

como:

Expressões de memória, hábito, associação, condicionamento, inclinações ou tendências adquiridas, complexos de expressão individual, atributos culturais, personalidade [...]. O aprendizado é um ato novo, em cada instante ensaiado sob nova modalidade, sempre que necessário (AMORIM e VITA, 1956, p. 76).

Page 25: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

25

CAPÍTULO 3

ATIVIDADES DO PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃO INFANTIL E SUA

FORMA DE ABORDAGEM

3.1 – Delineamento metodológico

Essa pesquisa teve o propósito de observar, registrar e analisar, durante oito

semanas, as aulas de musicalização infantil, dos níveis I e II, aplicadas a um

grupo de alunos de sete a nove anos de idade, realizada no Núcleo Villa-Lobos

de Educação Musical, situado em Belo Horizonte.

A turma de nível I iniciou a musicalização no ano de 2006 e a turma de nível II

teve a continuidade dos trabalhos iniciados em 2005. Essas aulas têm como

suporte para os alunos, uma apostila denominada Caderno de apoio às

atividades de escrita, leitura e automatismos. Sendo a escrita o último passo do

processo, pois só depois da vivência musical é que passam a praticá-la. Todo

esse trabalho qualitativo proporcionou às crianças uma experiência sensorial

de apoio, pulsação, ritmo, reconhecimento de som curto e longo, forte e piano e

a memorização do nome das notas através de vários tipos de automatismos.

Normalmente, depois da etapa sensorial os alunos passam a conhecer os

devidos conceitos daquilo que aprenderam através da vivência.

Essas oito aulas de musicalização foram apenas observadas, sem nenhuma

participação ativa. Contudo, algumas interferências foram necessárias, devido

às dúvidas que surgiam no decorrer dos trabalhos. As atividades foram

registradas de forma sistematizada para que as mesmas fossem

posteriormente revisadas. Todas as informações foram coletadas com os

seguintes objetivos:

• Adquirir embasamento para o tema da pesquisa, observando o tipo

de metodologia utilizada no processo de musicalização infantil;

Page 26: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

26

• Verificar quais os recursos utilizados para a abordagem dos

conteúdos e se isso melhorava o nível natural de descontração e

espontaneidade que possui a criança;

• Analisar a eficácia dessa abordagem com a criança, para posterior

comparação entre as duas faixas etárias.

3.2 – Síntese das aulas de musicalização

A experiência vivida com essas aulas tornou-se primordial para a pesquisa,

pois através dela foi possível ter contato com uma abordagem diferenciada

num processo de musicalização infantil. Concluídas as observações, não

houve necessidade de relatar as aulas por níveis, pela semelhança de algumas

atividades e os objetivos almejados. Entretanto, algumas, por diferir a atividade

devido ao conteúdo, terão os níveis informados. Segue, pois, a seqüência de

forma sintética de todas as aulas acompanhadas das turmas de nível I e II, no

período de oito semanas, no Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical, em Belo

Horizonte.

Musicalização - aula nº 1

Nessas aulas, foram vários os conteúdos trabalhados com as crianças. Por

exemplo, duração do som, reconhecer sons curtos e longos. Para tal, a

professora dizia: “tu, tu, tu, tuu, tu” e repetia para que as crianças escutassem e

conferissem. Depois elas tinham que identificar se o que ouviam correspondia

ao que estava no gráfico da apostila utilizada por elas como suporte.

Concentração, prontidão, som e forma, automatismo de notas, movimento

sonoro, som grave e agudo, ritmo, pulsação, altura e leitura relativa (nível II)

também foram assuntos nessa aula. Foram utilizados pela professora como

recursos didáticos: voz, piano, aparelho de som, canção (Cachorrinho está

batendo) e cartas.

Page 27: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

27

Musicalização - aula nº 2

Nessas aulas, os assuntos abordados foram ritmo, prontidão, concentração,

memorização, intensidade, pulsação, automatismo de notas, altura, sons curtos

e longos e cânone. Foi informado pela professora, que algumas atividades

seriam aplicadas apenas para a turma do nível II, devido aos prévios

conhecimentos e dos conteúdos específicos do nível. Mesmo assim, eram

mantidas as atividades antigas a título de revisão da matéria. Foram usados os

seguintes recursos didáticos: piano, canção (Papagaio louro), madeiras de

vários tamanhos, cartas, pandeiro e xilofone.

Musicalização - aula nº 3

Nessa terceira aula a professora iniciou os trabalhos com a atividade de

cânone de movimento. Utilizando o pandeiro e com os alunos circulando pela

sala - depois de dividido os grupos - pediu ao primeiro grupo de crianças que

iniciassem um determinado movimento quando ela batesse forte no pandeiro,

em seguida um novo movimento, logo após esse procedimento, o segundo

grupo de crianças foi orientado a começar pelo primeiro movimento feito pelas

crianças do primeiro grupo e assim sucessivamente. Interessante foi perceber

que as crianças tinham bastante facilidade para memorização dos movimentos

a serem feitos. Os outros assuntos tratados foram movimento sonoro, grave e

agudo, ritmo, pulsação, percepção de timbre (violino), intensidade,

automatismo de notas, concentração, apreciação musical, leitura. Os recursos

didáticos usados foram: piano, canção (Marcha Soldado), aparelho de som,

cartas e instrumentos de percussão.

Musicalização - aula nº 4

Nessa aula foi apresentada uma nova atividade para os dois níveis. Foi pedido

aos alunos que formassem uma roda. Cada um deveria prestar bastante

atenção no colega da direita, pois o movimento corporal que ele fizesse, seria o

movimento a ser repetido, mas isso, só depois que esse colega tivesse

terminado completamente o movimento. Nessa atividade, enquanto se fazia os

Page 28: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

28

movimentos, cantava-se a música “Tic, tac, Popó” durante o exercício. O

objetivo foi trabalhar cânone, prontidão, concentração, coordenação, entre

outros. As crianças da primeira turma tiveram muita dificuldade e não

conseguiram acompanhar o que lhes foi proposto. Porém, foi esclarecido que,

por ser a primeira vez, essas dificuldades eram normais. Já a segunda turma,

apesar das dificuldades iniciais, de um modo geral, conseguiu assimilar mais o

que era pedido, naturalmente pelas experiências já adquiridas. Os outros

assuntos foram: som grave, médio e agudo, percepção de planos de altura,

leitura, pulsação, ritmo, automatismo de notas, orquestra de desenho, canção

(Atirei o pau no gato), som e forma. Os recursos didáticos utilizados foram:

piano, instrumentos de percussão e gráficos.

Musicalização - aula nº 5

Os trabalhos nessa quinta aula enfatizaram os assuntos pulsação e ritmo. A

professora utilizou como recurso para atingir tais objetivos a música “Sapo

jururu”. Para que se encontrasse a pulsação foi pedido aos alunos que

usassem a palma e para o ritmo que batessem palmas juntamente com a voz.

Depois a professora separou dois grupos para que um marcasse a pulsação na

perna e o outro marcasse o ritmo com a palma. Foram invertidas as funções

para que todos vivenciassem os dois parâmetros. Outra atividade muito

interessante foi a “orquestrinha”, na qual as crianças demonstraram bastante

interesse em participar. As crianças de nível I usam partitura com desenhos

dos instrumentos. Essa partitura tem quatro compassos quaternários,

contendo, em cada compasso, o desenho dos instrumentos de percussão a

serem tocados. Nessa atividade os alunos fizeram o acompanhamento da

música “Atirei o pau no gato”, tocada pela professora. Essa atividade priorizava

concentração, ritmo, compasso, pulsação, intensidade. Outros temas

apresentados nessa aula para ambos os níveis foram composição e

apreciação. Para tal foi utilizada a peça de Mozart “Sonata em C”. Os alunos de

nível II tiveram, pela primeira vez, a apresentação das claves de Sol e Fá e

lhes foi informado que, a partir daquele momento, os dois símbolos

determinariam o nome das notas na pauta. Foram tópicos dessa aula também:

som grave, médio e agudo, movimento sonoro, altura relativa, automatismo de

Page 29: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

29

notas e ditado rítmico. Os recursos didáticos usados foram: piano, instrumentos

de percussão, aparelho de som e cartas.

Musicalização - aula nº 6

A primeira atividade dessa aula foi o reconhecimento por parte das crianças de

som grave e agudo. Utilizando um agogô, a professora pediu para os alunos

que andassem para frente ao ouvirem o som grave e para trás o som agudo.

Elas não tiveram nenhuma dificuldade nesse exercício. Outra atividade foi o

enfileiramento, por altura do grave para o agudo, de sete sinos, cada um com

uma altura – detalhe: a diferença entre as alturas era mínima, mas a percepção

dos alunos foi muito satisfatória. O objetivo foi trabalhar reconhecimento de

alturas. Assuntos como: pulso, pulsação, ritmo, automatismo escrito, prontidão,

alternância de pulso para pulsação (nível II) e ditado melódico foram

mencionados. Recursos utilizados nessas aulas: Agogô, sinos, cartas e bola.

Musicalização - aula nº 7

A atividade inicial dessa aula foi “O cego em busca do seu guia”. Alguns alunos

caminhavam pela sala tocando um instrumento de percussão, enquanto outros,

de olhos fechados, guiados apenas pelo som, tinham que encontrar esse

colega que estava tocando. Concentração e timbre eram os objetivos propostos

para essa atividade. Foi apresentada para a turma I a pausa de semínima

através de um exercício em que batiam palmas depois que falavam alguns

números, com a palma enfatizando o silêncio. Foram trabalhados também,

automatismo ascendente e descendente, prontidão, coordenação motora,

memorização, altura e escrita. Recursos dessas aulas: instrumentos de

percussão, voz, corpo, gráficos, canção (Ao clarão da lua).

Musicalização - aula nº 8

Essa aula teve início com uma atividade chamada “morto-vivo”, o objetivo era o

reconhecimento de som grave e agudo. Utilizando o piano, a professora tocava

em várias regiões, sempre dando ênfase ao grave e ao agudo. Quando os

Page 30: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

30

alunos ouvissem o som grave tinham que deitar e ao ouvirem o som agudo

tinham que levantar. Em outro momento, com a canção “Grilo saltador”, a

professora trabalhou pulsação e pausa de semínima. Houve também a

apresentação da pauta bigrama - conjunto de duas linhas sobrepostas - para a

turma do nível I, com objetivo de automatismo de linha e espaço e leitura

relativa. Para a turma de nível II a novidade foi uma colcheia pontuada seguida

de uma semicolcheia, um novo padrão rítmico. Outros assuntos foram: altura,

grafia, ditado de altura, notas no pentagrama (nível II), apreciação musical,

escrita na pauta e leitura relativa. Foram usados os seguintes recursos: piano,

canção, gráfico e corpo.

3.3 – Considerações Gerais

A abordagem nesse processo de musicalização teve sempre como referência

algum jogo e no aspecto lúdico o ponto principal das atividades. O estímulo das

crianças para aprender tornou-se evidente ao longo de todo o processo. O

material didático utilizado oferece recursos diversos para que o aluno possa

assimilar o aprendizado necessário, tornando a memorização, via associação,

internalizada. A linguagem utilizada para facilitar essa memorização é simples

e criativa. No caso de denominar as figuras e pausas, por exemplo, utilizam-se

apelidos. Chama-se a semínima de “vou”, duas colcheias de “corro”, quatro

semicolcheias de “ligeirinho” e a pausa da semínima de “Zé calado” . Nas

atividades de automatismos, usa-se o termo “Vou subir, vou descer” . No jogo

de cartas, a palavra “chefe” (tônica) usa-se para determinar uma nota como

sendo a principal nos exercícios de automatismos, entre outros. Mesmo os

alunos já dominando alguns conceitos, a professora mantinha os apelidos, o

que não implicava no objetivo das atividades. Pelo contrário, isso reforçava a

memorização dos conteúdos.

As aulas tinham duração total de uma hora e durante esse período eram dadas

apenas três atividades para cada nível, devido ao possível cansaço e facilidade

de dispersão por parte da criança. Os detalhes descontração e espontaneidade

nessa fase são extremamente naturais. Contudo, o tipo de abordagem

utilizada, evidenciou o aumento desses dois aspectos atingindo um grau

Page 31: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

31

satisfatório para se alcançar os bons resultados. Outra evidência é que as

crianças, durante as atividades, não demonstram constrangimento com erros,

provavelmente por não possuírem senso de julgamento. Isso certamente

proporciona-lhes maior liberdade para aprender sem culpa ou vergonha.

Porém, um detalhe importante de se registrar, é que a criança menos

espontânea para aprender, parecia possuir consciência desse senso de

julgamento, pois em determinadas atividades demonstrava um suposto medo

de errar. Mas, no geral, a maioria assimila com bastante facilidade, devido à

eficiente metodologia aplicada. Contudo, a descontração e espontaneidade são

pontos essenciais para resultados tão positivos.

Page 32: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

32

CAPÍTULO 4

MUSICALIZAÇAO DE ADULTOS – ABORDAGEM SEMELHANTE À

ADOTADA NO PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃO INFANTIL

4.1 – Introdução

Necessário se faz um constante questionamento sobre educação. Para isto, o

educador deve estar mais aberto, inquieto, vivo, poroso, ligado, refletindo sobre

o cotidiano pedagógico e se perguntando sobre o seu futuro [...]. Rever velhos

problemas ou novas dúvidas, que sejam vistas em uma nova perspectiva,

preocupações pendentes de todos aqueles envolvidos em educação; pais,

educadores, estudantes [...] e, sobretudo, professores [...] (HOWARD, 1963, p.

05). Segundo Howard, “o único compromisso do educador é com a dinâmica e

que uma postura estática é a garantia do não crescimento daquele a quem se

propõe educar (Idem, 1963, p. 05)”. É importante que tenhamos consciência

dos propósitos da Educação e também, da sua abrangência. Kemp afirma que:

A Educação não é uma disciplina unitária. O seu estudo conduz naturalmente às áreas da filosofia, da psicologia e da sociologia, além da antropologia, da história e dos estudos comparados, que podem contribuir com esclarecimentos importantes. Os educadores musicais vêem-se solicitados muitas vezes em áreas cada vez mais alargadas, isto porque a música também possui o seu corpo de disciplinas (KEMP, 1992, p. 13).

Este capítulo é o foco da Pesquisa e os dados colhidos no trabalho de campo

foram utilizados como suporte para o seu desenvolvimento. As oito aulas

descritas e assistidas no Núcleo Villa-Lobos foram aplicadas com os adultos,

aproveitando os mesmos conteúdos, porém com suas devidas adaptações.

Não foi observada nenhuma implicação ou dificuldade relevante, quanto à

realização dos objetivos propostos. Todavia, em relação ao foco principal,

houve a necessidade da inserção de um outro recurso didático que

contribuísse para um melhor rendimento da experiência com os adultos.

Page 33: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

33

Essa necessidade surgiu da observação, quanto ao receio de exposição por

parte da maioria que participava da experiência. Isso trouxe à consciência que,

antes de qualquer atividade, seria necessário utilizar algum recurso que

trabalhasse a confiança do grupo, proporcionando assim, uma base importante

para a pesquisa. A partir daí, trinta minutos antes do início das aulas de

musicalização, aplicava-se um trabalho de “relaxamento”, tendo como recurso

a Musicoterapia. Contudo, recurso aplicado de maneira coadjuvante.

O objetivo principal desse procedimento foi promover melhor interação e

comunicação entre eles, para que adquirissem confiança uns nos outros,

confiança essa que foi o elo principal percebido entre as crianças, que

conservou a descontração e espontaneidade natural das mesmas durante o

processo de aprendizagem. Foram feitos também outros delineamentos

metodológicos para que o nível de qualidade no processo de aprendizagem

dessa faixa etária não fosse afetado.

4.2 – Musicoterapia e Atividade de Relaxamento

Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) [...] com um cliente ou grupo, num processo para facilitar e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais, e cognitivas. A musicoterapia objetiva desenvolver potenciais e/ou restabelecer funções do indivíduo para que possa alcançar uma melhor integração intra e/ou interpessoal [...] (REVISTA BRASILEIRA DE MUSICOTERAPIA Nº 2, 1996).

4.2.1 – Descrição e Esquema das Sessões 7 de Musicoterapia

A cada encontro - 30 minutos antes do início das aulas de musicalização -

eram feitas as sessões de relaxamento, tendo como critério os seguintes

procedimentos:

7 Essas sessões foram adaptadas e baseadas nas sessões de relaxamento realizadas por Leonita Becker e Sidirley de Jesus Barreto, aplicada a um grupo de alunos para avaliar o rendimento e a melhoria num processo de aprendizagem.

Page 34: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

34

• Organização do grupo para as boas vindas;

• Colocação de cada participante de forma confortável no grupo;

• Início da audição da música escolhida;

• Conduzir a respiração para relaxamento;

• Observação de como se comportava cada um durante a sessão;

• Retorno ao estágio inicial, conduzido com calma e serenidade;

• Relatos espontâneos sobre a experiência vivida.

4.3 – Resultados

No início dos trabalhos com o adulto, percebeu-se que ele traz consigo atuante

senso crítico, principalmente quando inserido numa dinâmica de grupo, na qual

surge a suposição de que será colocada em teste sua capacidade intelectual.

As crianças, ao contrário, quando se encontram se expressam exatamente

como são, surgindo daí uma confiança mútua, quase que instantânea, levando

a inferir que a interação entre elas é quase automática. Sendo assim, as

atividades de musicalização podem ser aplicadas imediatamente sem nenhum

outro recurso didático prévio.

Já com o adulto isso difere devido à sua suposta faculdade de julgar. Todavia,

os resultados alcançados com as sessões de musicoterapia foram satisfatórios

dentro dos propósitos objetivados. Houve uma melhora na interação e

comunicação dentro do grupo. Os procedimentos durante cada sessão

dependiam dos acontecimentos do momento, mas em cada uma o foco era

mantido para que o grupo não dispersasse. Foi notável maior liberdade entre

eles, a cada encontro, contribuindo bastante para o resultado final.

4.4 – Metodologia de Ensino de Música para Adultos

Foram necessárias e possíveis as seguintes metodologias de ensino no

processo de musicalização dos adultos: Atividade (adaptação); Linguagem

Intercalada; Quantidade de Atividades.

Page 35: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

35

Atividades (adaptação) – Essas adaptações ocorreram basicamente em

alguns movimentos corporais existentes em algumas atividades - morto-vivo,

por exemplo - que no caso da criança em nada implica por ela possuir uma

massa corpórea mais leve e ágil em comparação à do adulto, podendo assim,

adaptar-se facilmente a praticamente todos os tipos de movimentos corporais

propostos nos exercícios. As atividades que tinham como objetivo o

reconhecimento do som grave, o movimento de “deitar”, foi alterado para “bater

palma” e o reconhecimento do som agudo, ao invés de “levantar”, foi

substituído para “balançar a cabeça”. Essa adaptação foi considerada a mais

significativa, por ter alertado, quanto aos cuidados que devem ser tomados na

utilização de movimentos corporais com adultos.

Intercalando Conceito versus Vivência

Devido à maior capacidade de abstração do adulto, foi possível intercalar

informações na maioria das atividades. Ao ser utilizada a abordagem

semelhante à do processo infantil, intercalavam-se imediatamente os conceitos

versus vivência durante a atividade. Nos exercícios de automatismo, por

exemplo, o “vou subir e descer” intercalou-se versus ascendente e

descendente e a palavra “chefe”, versus tônica, a nota principal. No de ritmo,

os apelidos “vou”, “corro” e “ligeirinho” versus semínima, colcheia e

semicolcheia e o “Zé calado” versus pausa da semínima, entre outros. Com

isso, obviamente, acelerou-se o processo, não sendo necessário esperar o

tempo que se espera com a criança para conceituar o que se está vivendo.

Quantidade de Atividades

Com as crianças, em média, eram aplicadas três tipos de atividades por hora.

Já com os adultos, foi possível dobrar essa quantidade e em algumas

situações, dependendo do parâmetro a ser trabalhado, foi possível ampliar um

pouco mais essa quantidade. Os parâmetros como prontidão, concentração,

memorização, jogo de automatismo e ritmo são algumas das atividades que

permitem essa ampliação pela facilidade de assimilação dessa faixa etária.

Page 36: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

36

4.5 – Considerações Finais

O recurso musicoterápico utilizado para as sessões de relaxamento

proporcionou a base para uma melhor interação, comunicação e confiança

entre os participantes. Auxiliou, da mesma forma, na redução do

constrangimento, fator principal manifestado pela maioria, no decurso das

atividades. As situações constrangedoras mais notáveis ocorriam no âmbito da

cognição, sendo as mais comuns: a perda clara do raciocínio; a perturbação de

idéias e o esquecimento de informações importantes, previamente reportadas.

No campo de ação do controle corporal, raramente aconteciam situações de

embaraço merecedoras de algum destaque.

O mais evidente, durante as atividades lúdicas, era a diminuição do

constrangimento por parte do grupo e, conseqüentemente, o aumento da

descontração e espontaneidade de todos. Todavia, parece que o nível de

descontração e espontaneidade, manteve-se justamente com o aspecto lúdico

e a abordagem semelhante utilizada no processo de musicalização infantil.

Quando os jogos eram iniciados, havia o momento de maior descontração e

espontaneidade das aulas, a ponto, inclusive, de encorajar algum participante a

caçoar do próprio erro na ocasião do mesmo. Tal postura causava euforia,

conscientizando o grupo que erros fazem parte de qualquer processo de

aprendizagem. O auge da experiência transcorria nas atividades do parâmetro

duração em que os apelidos correspondentes às figuras rítmicas eram

mencionados, tais como: “vou” (semínima), “corro” (duas colcheias),

“ligeirinho” (quatro semicolcheias) e “Zé calado” (pausa da semínima).

Nessa conjuntura, pode-se admitir por hipótese, que o adulto, ao envolver-se

totalmente com as brincadeiras, parece “resgatar uma criança adormecida

dentro de si”, que atenua, perceptivelmente, o constrangimento e a dificuldade

de aceitar os próprios limites, quando expostos para alguma, presumida,

avaliação.

Page 37: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

37

CAPÍTULO 5

CONCLUSÃO

A proposta dessa pesquisa partiu, primeiramente, da suposição de que a

inserção do adulto nos estudos musicais acontece de forma muito “rude”. A

partir disso, considerou-se a hipótese de que se o adulto experimentasse um

processo de musicalização, nos moldes do infantil, a descontração e

espontaneidade poderiam influenciar de forma positiva no processo de

aprendizagem, proporcionando uma iniciação musical mais agradável e

estimulante para essa faixa etária. Para tal, foi investigado como uma proposta

de abordagem semelhante à adotada no processo de music alização

infantil - promovida pelo Núcleo Villa-Lobos - influenciaria nessa descontração

e espontaneidade dos adultos envolvidos na experimentação e quais

resultados seriam alcançados.

Com isso, concluiu-se que a musicalização de adultos é viável e eficaz com a

proposta de abordagem semelhante à do processo infantil, que tem no jogo um

facilitador dessa abordagem e no lúdico a contribuição para um aprendizado

mais estimulante. Porém, é possível, desde que sejam feitas as devidas

adaptações. Essas adaptações, em nada afetaram a principal hipótese

levantada nessa pesquisa de que a metodologia adotada influenciaria nos

aspectos descontração e espontaneidade dessa faixa etária. Pelo contrário,

ficou evidenciado que o adulto responde plenamente a esse tipo de

abordagem. Inclusive, alcançando um grau de motivação que pode ser

considerado bem positivo num âmbito geral, incitando à necessidade de refletir

sobre a inserção tradicional do adulto nos estudos musicais.

As dúvidas começaram a surgir após a constatação de que o fator confiança do

grupo não era o bastante para que as atividades fluíssem naturalmente como

fluem no infantil. A partir disso, sentiu-se a necessidade da inserção das

sessões de relaxamento - recurso musicoterápico - como auxílio para uma

melhor interação entre os participantes, na tentativa de aumentar a confiança

entre eles. A importância da inserção desse recurso não deixou dúvidas do

Page 38: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

38

quanto foi relevante para o melhor rendimento da experiência. Sem confiança -

entre adultos envolvidos nesse tipo aprendizagem - inevitavelmente os

aspectos descontração e espontaneidade ficam comprometidos e

conseqüentemente a qualidade do que se propõe a realizar. Por outro lado,

constatou-se que existem outras formas para se atingir esse objetivo,

dependerá muito do conhecimento e da criatividade do Educador Musical.

As propostas dos educadores musicais mencionados estiveram todas de

alguma forma influenciando a metodologia adotada nesse trabalho de

musicalização. A vivência corporal dos fenômenos musicais, proposta de

Dalcroze foi bem explorada. Todavia, a vivência constituiu-se em fator principal

da musicalização, proposta criada pelo educador Edgar Willems. Mesmo que

tenha sido ela direcionada à criança, sua aplicação demonstrou grande eficácia

com o adulto, pois a canção tonal é um recurso didático extremamente rico que

possibilita trabalhar vários parâmetros musicais com qualquer faixa etária.

Sabe-se que estudar música requer muita disciplina, determinação e

persistência, porém, se ao início de tudo, se constrói uma base bem

estruturada, tendo na musicalização o ponto de partida, as dificuldades naturais

que surgirão nas próximas etapas, certamente serão superadas com mais

facilidade. Assim, lacunas tão comuns observadas na formação de muitos

musicistas que poderiam ter sido preenchidas com um processo de

musicalização bem estruturado, poderiam ser evitadas.

Em síntese, pode-se ampliar a conclusão dessa pesquisa inferindo que a

metodologia tradicional utilizada para a iniciação musical dos adultos, na

maioria das vezes, sem um prévio processo de musicalização, além de lhes

provocar certo desconforto para aprender, ainda contribui para uma errônea

conclusão de que não existe uma forma mais motivadora de iniciação musical.

Com os adultos que vivenciaram essa experiência, o que ficou bem explícito,

foi uma elevação da auto-estima por se sentirem aptos a aprender o que era

proposto de forma simples, mesmo tendo eles que superarem suas

inseguranças ao longo do processo.

Page 39: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

39

Portanto, o que se sugere ao término dessa pesquisa é que se priorize também

o processo de musicalização na fase adulta, da mesma forma que na fase

infantil, obviamente com suas devidas adaptações. Porém, tendo os jogos

como facilitadores da abordagem dos conteúdos e no lúdico o suporte eficaz

para proporcionar a essa faixa etária uma alfabetização musical diferente do

que tem sido até hoje, muitas vezes, desestimulante. O adulto também é

merecedor de uma educação musical abrangente e quem sabe, porventura, em

conformidade com que é justo.

Que fique a reflexão: Em se tratando de aprendizagem, alunos, são sempre

alunos: Sem “rótulos”.

Page 40: MONOGRAFIA - MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS por Zélia Pimenta - UEMG

40

REFERÊNCIAS: AMORIN, Zita Alves de e VITA, Luis Washington. Introdução à Pedagogia Musical: São Paulo: Ricordi, 1956. BARRETO, Sidirley Jesus; BECKER, Leonita. REVISTA Recrearte n. 03. A Importância da Musicoterapia na Redução do Estresse Escolar. <http://www.iacat.com/revista/recrearte/recrearte03/musicoterapia2.htm> Arquivo capturado em 01 de Setembro de 2006. COMINI, Doalcei José Benício. As aulas de musicalização e suas aplicações no processo de ensino - aprendizagem de um instrumento musical. Monografia submetida ao curso de Licenciatura em Música da Universidade do Estado de Minas Gerais, 2005. FONSECA, Maria Betânia Parizzi e GUIA, Rosa Lúcia dos Mares. Apostila de Atividades para o Curso de Formação de Professores em Educação Musical, promovido pelo Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical; Material não publicado, 1993 – 2003. GAINZA, Violeta Hemsy. Estudos de Psicopedagogia Musical. Sammus Editorial, São Paulo, 1982. HOWARD, Walter. A Música e a Criança; Sammus Editorarial, 1963. HOUAISS, Instituto Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. Editora Objetiva Ltda. Rio de Janeiro, 2001. KATER, Carlos. Educação Musical: Cadernos de Estudo número 06. Belo Horizonte: Atravez Escola de Música: Federal/SEA/Fapemig, 1997. KEMP, Anthony. Introdução à investigação em Educação Musical: Ed. da fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, 1995. OLIVEIRA, Marta Kohl. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. <http://scholar.google.com/scholar> Arquivo capturado em 14 de Julho de 2006. PENNA, Maura L. Reavaliações e Buscas em Musicalização. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 1990. REVISTA Brasileira de Musicoterapia n. 02, 1996. Definição de Musicoterapia. <http://www.angelfire.com/biz6/agamusi/defmt.htm> Arquivo capturado em 01 de Setembro de 2006. SCHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. Editora UNESP, São Paulo, 1991. WIKIPEDIA, Enciclopédia. Cognição. <http://pt.wikipedia.org./wiki/cognicao> Arquivo capturado em 17 de Julho de 2006. WILLEMS, Edgar. Las Bases Psicológicas de La Educacion Musical. EUDEBA Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1956.