na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a...

28
Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República César Augusto B. Queirós 1 Resumo Este artigo procura analisar o processo de construção das identidades operárias durante as greves ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando a questão da heterogeneidade da classe operária e de sua postura no decorrer dos movimentos paredistas, busca analisar a luta de classificações que acontecia entre as associações operárias e seus interlocutores preferenciais – Estado e patronato. Palavras-Chave: Identidades. Classe Operária. Greves. Abstract This article tries to analyse the process of construction of the working identities during the strikes occurred in Rio Grande do Sul during the First Republic, more specifically between the years of 1917 and 1919. Considering the question of the heterogeneity of the working class and his posture in the course of the striking movements, it looks to analyse the struggle of classifications that was happening between the working associations and his main interlocutors – State and patronage. Keywords: Identities. Working Class. Strikes. Introdução Conflitos. Identidades. Rivalidades. Os momentos de ascenso mobilizatório das classes trabalhadoras estão repletos de disputas que não se limitam às questões meramente econômicas – como ganhos salariais e melhora das condições de vida e trabalho. Estão, também, permeados por uma série de lutas simbólicas nas quais os lados envolvidos procuram respaldar e legitimar suas posições através de uma verdadeira disputa simbólica pela explicação do real. A confrontação de posições antagônicas nesses momentos resulta em rivalidades, em desavenças entre os membros da classe, em disputa pelas posições de liderança de suas associações, na emulação pela legitimidade de seus princípios e classificações sobre o real. Nesse sentido, elites e operários – além de buscarem afirmar seus interesses 2 Dez/2007 Identidade

Transcript of na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a...

Page 1: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

Cultura e identidade(s):

as disputas simbólicas sobre a identidade operária

na Primeira República

César Augusto B. Queirós1

Resumo Este artigo procura analisar o processo de construção das identidades operárias durante as greves ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando a questão da heterogeneidade da classe operária e de sua postura no decorrer dos movimentos paredistas, busca analisar a luta de classificações que acontecia entre as associações operárias e seus interlocutores preferenciais – Estado e patronato. Palavras-Chave: Identidades. Classe Operária. Greves. Abstract This article tries to analyse the process of construction of the working identities during the strikes occurred in Rio Grande do Sul during the First Republic, more specifically between the years of 1917 and 1919. Considering the question of the heterogeneity of the working class and his posture in the course of the striking movements, it looks to analyse the struggle of classifications that was happening between the working associations and his main interlocutors – State and patronage. Keywords: Identities. Working Class. Strikes.

Introdução

Conflitos. Identidades. Rivalidades.

Os momentos de ascenso mobilizatório das

classes trabalhadoras estão repletos de

disputas que não se limitam às questões

meramente econômicas – como ganhos

salariais e melhora das condições de vida e

trabalho. Estão, também, permeados por

uma série de lutas simbólicas nas quais os

lados envolvidos procuram respaldar e

legitimar suas posições através de uma

verdadeira disputa simbólica pela

explicação do real. A confrontação de

posições antagônicas nesses momentos

resulta em rivalidades, em desavenças

entre os membros da classe, em disputa

pelas posições de liderança de suas

associações, na emulação pela legitimidade

de seus princípios e classificações sobre o

real. Nesse sentido, elites e operários –

além de buscarem afirmar seus interesses

2 Dez

/200

7 Identidade

Page 2: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

100

em uma disputa no campo econômico por

meio das pressões resultantes das seguidas

greves – digladiavam-se em uma

confrontação simbólica na qual

procuravam desqualificar a postura de seu

contendor perante o governo e a opinião

pública, enunciando visões de mundo e

promovendo construções identitárias entre

os envolvidos.

Assim, neste artigo pretendo analisar

os conflitos e as identidades construídas

pelos e para os operários porto-alegrenses

entre os anos de 1917 e 1919, período de

intensa agitação na história social gaúcha

no qual ocorreu a eclosão de três greves

gerais e dezenas de outras localizadas.

Contudo, antes de abordar os elementos

constitutivos do que se poderia chamar de

uma identidade operária, deve-se ressaltar

sua natureza heterogênea e multifacetada,

em função de constituir-se de elementos

variados tanto no que concerne ao gênero,

etnia e religião quanto a aspectos como

preferências pessoais e políticas. Dito isso,

atenta-se para o fato de que, como

observou Ginzburg, a dita cultura popular é

intensamente marcada pela oralidade,

fazendo com que os historiadores precisem

servir-se de fontes escritas e, em geral, de autoria de indivíduos, uns mais outros menos, abertamente ligados à cultura dominante. Isso significa que os pensamentos, crenças, esperanças dos camponeses e artesãos [e dos operários, acrescento] do passado chegam até nós através de filtros e intermediários que os deformam2.

Portanto, as fontes escritas que

chegam ao alcance do pesquisador são

mediadas por pessoas mais ou menos

ligadas à cultura dominante e a grande

maioria dos operários e camponeses não

nos deixa nenhum registro escrito, uma vez

que, como Thompson já salientara em A

Formação da Classe Operária Inglesa, “as

maiorias sem linguagem articulada, por

definição, deixam pouco registro de seus

pensamentos”3. Isso conduz o historiador –

sobretudo aquele que pesquisa a classe

operária – a trilhar o caminho que suas

fontes permitem, ou seja, o caminho que

leva ao movimento operário organizado,

institucionalizado, ao mundo dos

sindicatos, dos partidos, das federações e

de seus líderes. Esta abordagem acaba por

privilegiar um grupo restrito dentro da

classe operária – o de suas lideranças – o

que pode induzir o historiador a incorrer

em generalizações como a de tomar o

conjunto da classe apenas por intermédio

de seus líderes. Conforme Silva Jr., “as

lideranças operárias, mesmo as

anarquistas, estão também ‘em cima’ –

onde, como de costume, os pesquisadores

colocam apenas a classe dominante e/ou o

Estado”4. O autor salienta que “o sindicato

não é simplesmente uma associação, mas

uma associação de dominação, e que sua

legitimidade não é somente aferida por sua

Page 3: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

101

penetração na categoria, mas também pela

capacidade de obter obediência às ordens

produzidas”5. E para obter essa atitude de

obediência, acaba usando de mecanismos e

estratégias punitivas e coercitivas a fim de

fazer valer a sua posição. Ou seja, mesmo

entre aqueles que se encontram em uma

posição subalterna diante do capital existe

uma relação de poder, o exercício de uma

pequena – ou não – dominação exercida

por aqueles que conseguem estabelecer

uma liderança sobre o proletariado.

Desse modo, o poder não pode ser só

entendido quando relacionado à dominação

capitalista ou ao poder do Estado, o poder

encontra-se na vida cotidiana, em cada

espaço de convivência e de sociabilidade,

as relações sociais se apresentam –

freqüentemente – de modo assimétrico e

heterogêneo, a distribuição dos diferentes

tipos de capital não é igual nem mesmo

entre aqueles que se encontram em uma

posição subalterna. Essas relações de poder

encontram-se entrelaçadas a outros tipos de

relações – gênero, classe, etnia, parentesco

– e geram condições gerais de dominação

em determinados meios.

Essa concepção induz a uma

apropriação estática das relações de

produção e proporciona o que Thompson

chama de uma ‘política de substituição’ na

qual a classe é substituída por suas

lideranças, uma “vanguardia que sabe

mejor que la clase misma cuáles deben ser

los verdaderos intereses (y conciencia) de

ésta”6, considerando o ato de aderir à greve

como automático, natural, e que os

operários só não aderiam porque não

sabiam o que era melhor para eles. Há

nessa visão uma inversão do paternalismo:

os operários continuam sendo julgados

incapazes de decidir o que é melhor para

eles, mas nesse caso são as lideranças

operárias – e não o Estado – o agente de

seu bem-estar. Muitas vezes, estas

lideranças nem sequer pertenciam à classe

operária e sim a camadas médias urbanas.

Na greve de 1919 de Porto Alegre, um dos

principais oradores e articulistas dos

jornais era o advogado Álvaro Masera.

Segundo Aravanis – que no segundo

capítulo de sua tese fez uma breve

caracterização da militância gaúcha

incluindo algumas notas biográficas sobre

alguns dos principais militantes operários –

alguns membros da militância operária do

estado não eram oriundos da classe

operária e sim advogados, intelectuais e

jornalistas, membros de ‘fora’ da classe

que compunham uma minoria com

linguagem articulada7. Ocorre, desse

modo, uma expropriação da voz (ou de

outras vozes) do operariado que passa a ser

percebido somente por meio de “porta-

vozes” da classe que recebem uma

‘procuração’ para representar, quer dizer,

Page 4: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

102

para mostrar e fazer valerem os interesses

do grupo e estão habilitados a “agir como

uma pessoa moral, isto é, como substituto

do grupo”8. Nesse sentido, há uma espécie

de “antinomia inerente ao político que se

deve ao fato de os indivíduos só poderem

se constituir (ou serem constituídos)

enquanto grupo [...] na medida em que se

despossuírem em proveito de um porta-

voz”9. Os indivíduos acabam por abrir mão

de sua ‘individualidade’, de uma posição

mais ativa, para poderem sair do silêncio

atomístico ao qual são submetidos fora do

grupo. Assim, os indivíduos enfrentam o

paradoxo de terem que correr o risco da

alienação política para escapar da

alienação política e, apesar de constituir o

grupo, perder o controle sobre o mesmo10

uma vez que “quanto mais despossuídas

são as pessoas, sobretudo culturalmente,

mais elas se vêem obrigadas e inclinadas a

confiar em mandatários para ter voz

política”11.

Hobsbawm observa que “a história

operária tendeu [...] a identificar-se com a

história dos movimentos operários, se não

até com a história da ideologia desses

movimentos”12. E é natural, compreensível

que seja assim, uma vez que a maioria dos

recursos e registros disponíveis ao

historiador está ligada de alguma forma a

esse mundo associativo e sindical.

Todavia, Hobsbawm faz o alerta de que “o

mundo dos militantes e dos líderes e

ideólogos nacionais não era o mesmo

mundo da maioria”13, apontando para o

risco de se tomar a classe operária como

um todo homogêneo e para possíveis

conclusões generalizantes. Contudo, se

essa afirmação traz consigo uma reflexão

necessária, deve-se considerar que, em

grande medida, ambos os “mundos”

compartilham de um mesmo universo de

representações e práticas cotidianas

construído a partir das experiências dos

operários no campo do trabalho (e mesmo

fora dele), ou seja, de suas vivências de

classe. Não se pode pressupor uma

homogeneidade entre todos os

trabalhadores mas sim compreender que a

sua inserção no campo social lhes

possibilita uma série de experiências em

comum. Nesse sentido, “as fontes

produzidas pelo movimento operário

organizado, e qualquer estudo sobre a

militância operária, trazem informações

sobre as classes trabalhadoras, ou seja, se a

parte não pode ser tomada pelo todo, há na

parte elementos do todo”14.

Porém, a expressão escrita nos

jornais operários é restrita a uma pequena

minoria de líderes e um grande número de

operários sequer participa de sindicatos e

associações. Não há também uma

militância homogênea: existem líderes,

militantes e operários que só aparecem nos

Page 5: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

103

momentos de afluxo da organização

operária. Como afirma Batalha, “pretender

que exista uma militância operária

homogênea é um grave equívoco”15. Sobre

a heterogeneidade da militância operária, o

autor salienta que:

Apenas uma minoria chega a escrever nos jornais operários e tem uma atuação que transcende os limites de sua categoria profissional; esses podem ser considerados como as lideranças operárias. Um grupo um pouco maior participa ativamente da vida da categoria, integra direções de associações, assina manifestos, mas raramente escreve sobre sua prática e muito menos produz teoria. O terceiro, e certamente maior grupo, é composto por aqueles que apenas exercem uma militância eventual, que são a base de todas as organizações, que estão presentes nos momentos de ascenso dos movimentos e os abandonam nos momentos de refluxo.16

Assim, em volta de um núcleo central

composto nas diversas associações por

uma restrita militância operária – que

Hoggart ironicamente definiu como uma

“minoria interessada” ou uma “minoria dos

salvadores”17 – gira um corpo de

trabalhadores “flutuantes”, que não toma

parte das decisões políticas das

associações, não escreve em suas

publicações e só põe em prática seu

engajamento nos momentos de afluxo do

movimento operário, e um grupo

silencioso, do qual faz parte a maioria dos

trabalhadores, que normalmente não

participa das greves e não se envolve com

as questões dos sindicatos, considerados

aqui como um aparelho de mobilização nos

variados campos de luta que formam o

mercado de trabalho e que podem ou não

passar por um processo de unificação18. Ou

seja, os particularismos locais e os

aparelhos de luta podem vir a se unificar

em um determinado contexto,

desencadeando uma greve geral conforme

o maior ou menor valor estratégico – ou

simbólico – do setor em luta ou podem

permanecer isolados. E o grau de

unificação de uma greve – setorial,

municipal, estadual ou nacional – também

pode ser bastante variável. Rodrigues, em

um estudo sobre os trabalhadores de uma

grande empresa automobilística de São

Paulo em 1963, já problematizava a fraca

proporção de sindicalizados e o

desinteresse quase total pelas atividades

associativas entre os trabalhadores

estudados19.

Desse modo, definem-se por

oposição dois grandes grupos no seio da

classe operária: de um lado, os operários

militantes ou que nos momentos de

ascenso mobilizatório integravam os

movimentos grevistas; e, de outro, os

operários que se recusavam a aderir às

greves, uma legião de trabalhadores que

não se envolviam com os sindicatos ou

associações, que não participavam das

paredes e que deixavam poucos registros

escritos que sirvam de base para que o

Page 6: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

104

historiador possa reintroduzi-los na cena

cotidiana da história. É interessante

observar que essa posição de não adesão

por parte de um segmento da classe reforça

e confere certa legitimidade ao patronato

ao mesmo tempo em que enfraquece a

posição dos grevistas. Quanto maior o

número de trabalhadores que não cessam o

trabalho, menor será o poder de negociação

dos sindicatos e seus delegados. Para

Bourdieu, “uma das sutilezas da relação de

força dominantes/dominados é que nesta

luta, os dominantes podem utilizar a luta

que ocorre entre os dominados”20. Essa

luta se corporifica nas relações entre os

operários grevistas e os trabalhadores que

não aderiam às paredes.

A postura de não adesão ao

movimento é utilizada pela grande

imprensa – de acordo com Bourdieu,

representante da esfera ‘dominante’ – com

o objetivo de deslegitimar a posição dos

paredistas e criar heróis, modelos a serem

seguidos pelos operários, referenciais de

coragem e honestidade os quais se

recusavam a seguir as orientações de

elementos estrangeiros que estariam

abusando da ingenuidade do verdadeiro

operário. Esses corajosos operários –

enfrentando a intimidação e a coerção

exercida pelos grevistas para que parassem

o trabalho – constituem-se em uma

construção identitária instrumentalizada no

sentido de enfraquecer a posição do

movimento paredista em uma luta

simbólica pela representação do real.

Chalhoub já apontara para uma

diferença explícita entre duas concepções

sobre a relação patrão e empregado pois,

enquanto uma parcela da classe operária se

identifica claramente com a defesa dos

interesses do patronato, outro segmento da

classe revela “uma consciência nítida de

que os interesses dos patrões não são os

seus”21. A coexistência dessas duas visões

de mundo no ambiente laboral acaba por

provocar uma nítida “controvérsia entre

trabalhadores que percebem a relação

patrão-empregado basicamente como uma

relação de cooperação paternalista, e

aqueles que a concebem como uma relação

conflituosa”22, criando, assim, por esse e

outros motivos, uma cisão no seio da

classe operária, uma cicatriz que a divide

em dois grupos nitidamente antagônicos.

Contudo, é evidente que a não adesão de

uma parcela considerável dos operários às

greves não se explica somente por uma

visão de mundo que compreende a relação

patrão-empregado como uma ‘relação de

cooperação paternalista’ e que outros

fatores influem e interferem nessa posição.

Assim, é necessário que se proceda a

uma reflexão acerca da natureza do

militantismo operário. Por que razões uma

parcela da classe adere às greves, associa-

Page 7: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

105

se aos sindicatos, exerce uma militância

efetiva enquanto os demais operários

permanecem indiferentes a tudo isso? Que

motivos teriam esses operários para entrar

em greve apesar dos custos inerentes a tal

engajamento? Os custos relacionados à

decisão de engajar-se (ou não) em um

movimento grevista podem ser

excessivamente elevados, sobretudo no

período analisado neste trabalho onde

predomina o privatismo nas relações entre

capital e trabalho característico da

ortodoxia liberal da República Velha

brasileira23 quando a inexistência de uma

legislação trabalhista específica levava a

que o operário grevista ficasse totalmente

desguarnecido, arriscando-se a ser

demitido, podendo ficar sem emprego –

inclusive em outros estabelecimentos uma

vez que uma das estratégias patronais era

justamente a de não empregar

trabalhadores grevistas, havendo a

produção de “cadernetas” que

identificavam esses operários – e, nos dias

de greve, sem remuneração, o que a

tornava sempre uma opção perigosa.

Por que, então, a despeito de tudo,

tais trabalhadores aderiam às greves e

associavam-se aos sindicatos quando seria

muito mais cômodo manter-se afastados e

indiferentes? Nesse sentido,

o curso racional de ação [...] seria agir independentemente, ficar de braços

cruzados e aproveitar os benefícios gerados pela ação de outras pessoas24.

Essa postura pouparia o indivíduo

dos custos do engajamento ao mesmo

tempo em que ele usufruiria, do mesmo

modo, as retribuições materiais

conquistadas por outros uma vez que

você já é um membro do sindicato que está negociando um acordo que trará maiores salários para você, mesmo que você não entre em greve [...]”25.

Nesses momentos de greve, portanto,

ocorre uma cisão na classe operária, uma

nítida distinção entre um grupo de

operários que adere às greves e um outro

grupo que, apesar de não ter aderido,

gozará dos benefícios conquistados pelo

movimento grevista – se é que algum

resultado será atingido.

Entretanto, o resultado da ação

coletiva – em termos de êxito no

atendimento das reivindicações – é apenas

um elemento a ser considerado neste

contexto uma vez que, como afirma

Hirschman, lutar pelo bem público “não

pode ser separado claramente de possuí-

lo”26. A luta política em torno de uma

causa constitui-se por si só em um

benefício, uma conversão de signos na qual

o que normalmente seria um custo torna-se

uma experiência agradável, uma

“felicidade pela busca”, uma satisfação

decorrente de um pertencimento, de uma

pertinência a um grupo onde ocorre uma

transformação dos meios – a participação,

Page 8: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

106

o uso do que Hirschman chama de “voz” –

em um fim em si mesmo.27

A participação no movimento

grevista possui, portanto, “um valor

simbólico” e cria uma identificação entre

seus participantes, construindo uma

identidade. Essa pertinência torna-se um

resultado da ação, uma retribuição

imaterial da ação coletiva, e é uma espécie

de confirmação de identidade de operário

grevista. Segundo Pizzorno,

a participação nessa ação, e não o resultado dela, é necessária para confirmar sua identidade coletiva e a renovada eficácia do círculo de pessoas no âmbito do qual você pode continuar a agir, assim como continuar a ser visto como a mesma pessoa28.

Essa identidade, contudo, pode ou

não ser desejada como tal por seus

participantes uma vez que a identidade

coletiva não é um objetivo que a pessoa

tenha procurado conscientemente alcançar,

mas é solidificada ao longo do processo da

ação conjunta entre as partes envolvidas e

cria uma distinção identitária através de

seus “efeitos de agregação”. Nesse ponto,

cabe proceder a uma breve discussão

teórica acerca do conceito de identidade.

Polack, considera identidade como sendo

o sentido da imagem de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros29.

Afirmando ainda que sua construção

“é um fenômeno que se produz em

referência aos outros, em referência aos

critérios de aceitabilidade, de

admissibilidade, de credibilidade, e que se

faz por meio da negociação direta com

outros” 30. Da mesma forma, Mendes

salienta que “o indivíduo forma sua

identidade não da reprodução pelo idêntico

oriunda da socialização familiar, do grupo

de amigos, etc., mas sim do ruído social,

dos conflitos entre os diferentes agentes e

lugares de socialização”31. Portanto, as

identidades são construídas e percebidas a

partir do confronto com o diferente, com o

outro, estabelecendo distinções e atributos

que afastam e/ou aproximam. Desse modo,

ao mesmo tempo em que a identidade é

auto-atribuída mediante de um conjunto de

símbolos que integram indivíduos, são

construídas e atribuídas identidades

exteriores aos demais grupos, aos

diferentes32 uma vez que, “no processo de

construção das identidades, explicita-se a

produção destas pela diferença” pois, como

afirma Guaresci,

o processo de construção das identidades sempre se refere a um ‘outro’, ou seja, ‘eu sou algo a partir daquilo que eu não sou’, ou ‘eu não sou o que o outro é’. As pessoas constroem suas identidades a partir das diferenças do que ‘eles e elas não são’ e do que ‘eles e elas não possuem’33.

Page 9: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

107

Assim,

a formação da identidade modifica o agente individual É o resultado de um processo que, ao mesmo tempo, dá origem ao sistema de reconhecimento dessa identidade e que, portanto, possui significado para o agente, bem como para o observador34.

Desse modo, explicar a participação

na ação coletiva através de incentivos

seletivos (no sentido olsoniano) coloca a

questão de que estes possuem um caráter

de benefício individual e que podem ser

distribuídos de forma desigual, gerando

tensões e conflitos entre esses diferentes

interesses – o que poderá atrapalhar a ação

coletiva.

Se a ação coletiva durar, só pode ser porque a ação está se tornando um fim em si mesma para as novas identidades que está formando35.

Portanto, além da busca utilitária por

retribuições materiais, vemos que a

construção de uma identidade de operário

grevista retro-alimenta a ação militante,

proporcionando um reconhecimento social

e uma retribuição imaterial significativa.

Essas identidades atuam em um

círculo de reconhecimento, no qual

valores e conceitos são agregados e

reconhecidos, promovendo uma distinção

em relação ao outro grupo. Ademais, deve

se considerar que a identidade de operário

grevista – ou não grevista – é uma entre as

várias outras que constituem o indivíduo,

de modo que as identidades étnicas,

raciais, e de gênero são minimizadas para

que a identidade classista assuma uma

posição de identidade em destaque

(detached identities)36. Naquele momento,

as características de pertinência que devem

ser consideradas são as relacionadas com a

posição de classe e com a adesão ou não ao

movimento grevista.

Para Bourdieu, a visão de mundo dos

dominados pode ser caracterizada pela

imposição do princípio de realidade que se

traduz em um profundo realismo o qual

implica uma aceitação tácita de posição e

um instinto de conservação socialmente

constituído que os leva

a tomarem o mundo social tal como ele é, a aceitarem-no como natural, mais do que a rebelarem-se contra ele, a oporem-lhe possíveis diferentes [...]37.

Um realismo que se materializa em

uma “pressão conformista”, manifestada

em uma descrença generalizada e/ou em

uma “aceitação fatalista das coisas como

elas são”. Esse “profundo realismo”

identificado por Bourdieu talvez explique

em parte a postura dos operários que não

aderiam aos movimentos paredistas, um

realismo que acaba resultando em uma

resignação/aceitação frente à posição

ocupada no espaço social.

É claro que a divisão grevistas e não

grevistas é muito flexível e imprecisa, uma

vez que um operário pode optar por aderir

à greve no curso da mesma ou voltar ao

trabalho antes do término da parede ou

Page 10: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

108

mesmo aderir em uma ocasião e não

participar na seguinte. Pode-se citar, como

exemplo dessa afirmação, o caso do

operário da Viação Férrea João Guimarães

que, segundo testemunhos de seus colegas,

havia sido um dos “cabeças da greve”

anterior e que, na de 1917, não teria

aderido ao movimento, havendo inclusive

ferido um operário grevista após uma

discussão em um bar (este caso será

analisado com mais detalhes

posteriormente)38. Porém, para fins

analíticos, essa divisão torna-se válida uma

vez que, a partir dela, se constroem

identidades e rivalidades, antagonismos e

solidariedades tendo por base interesses

momentaneamente opostos.

Segundo Chartier, as identidades

constroem-se a partir de um “trabalho de

classificação e de recortes que produz

configurações intelectuais múltiplas pelas

quais a realidade é contraditoriamente

construída pelos diferentes grupos que

compõem uma sociedade”39 e, no caso da

classe operária, um dos elementos

contraditórios constituintes de identidade

passa a ser justamente a postura individual

diante das paralisações do trabalho.

Assim, existe, de um lado, uma

militância muito heterogênea, composta

tanto pelos agentes produtores dos

discursos e imagens que instrumentalizam

a luta simbólica dos trabalhadores

formando uma minoria articulada que

assume uma posição de destaque nas

associações operárias e jornais – quanto

pelo restante da militância e dos

trabalhadores que se envolvem só

eventualmente nas questões políticas de

classe; de outro lado, há uma legião de

trabalhadores que não se envolvem com os

sindicatos ou associações, não participam

das greves e acabam deixando poucos

registros escritos que sirvam de base para

que o historiador possa reintroduzi-los no

cotidiano da história.

Partindo da premissa de que as

construções identitárias emergem a partir

do confronto com o diferente, com o outro,

analisaremos a instrumentalização desta

identidade que ocorre na ocasião em que a

tomada de posição durante a emergência

de movimentos grevistas acarreta uma

cisão no seio da classe operária, quando se

constroem identidades diferentes entre

grevistas e não grevistas e essas

construções são instrumentalizadas e

utilizadas na luta simbólica – e classista

acima de tudo – entre operários e

empregadores. Deve-se salientar que a

identidade da classe é somente uma dentre

as diferentes identidades que os agentes

assumem ao longo de sua vida e, portanto,

não é definitiva. Gênero, raça, etnia,

religião, relações de parentesco, são

algumas identidades que co-existem e

Page 11: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

109

“habitam” neste sujeito fragmentado.

Entretanto, os “estudos sobre o mundo do

trabalho tenderam a ignorar os modos

pelos quais tanto o gênero como a raça

foram constitutivos das identidades de

classe”40. Em função do predomínio de

certo marxismo de viés determinista e

economicista, os estudos sobre o

movimento operário tenderam a tomar a

classe social como tendo uma existência a

priori e a identidade classista como a única

efetivamente importante. Segundo Silver,

“Marx esperava que o processo de

proletarização aos poucos produzisse uma

classe trabalhadora cada vez mais

homogênea, com experiências, interesses e

consciências convergentes”41. Contudo, o

autor considera que “Marx estava errado

ao concluir que, só porque os capitalistas

tratam seus trabalhadores como

intercambiáveis, os próprios trabalhadores

abririam mão de todas as suas bases

identitárias, exceto a de classe”42. Nesse

sentido, emergem espaços significativos

nos quais as diferentes identidades

dialogam e se inter-relacionam, podendo,

inclusive, acarretar o que podemos chamar

de “subidentidades”. É inviável e

impreciso falar de “uma” identidade de

classe. O que existem são identidades de

classe, no plural. Uma categoria fabril,

mesmo que pertencendo à classe operária,

distingue-se nitidamente de outras,

possuindo características que lhe conferem

certa peculiaridade. Somente a forma como

um sujeito se insere no mercado de

trabalho, na condição de vendedor da força

de trabalho no setor industrial, não permite

que se proceda a uma homogeneização.

Esse é um fator importante, agregador,

contudo não pode ser o único elemento

explicativo da análise.

Assim, na emergência dos conflitos

sociais, a postura de uma parte dos

trabalhadores de não aderirem às paredes

engendra uma nítida distinção entre “nós”

e “eles”, a construção de duas identidades

antipodais instrumentalizadas no processo

de luta de classes para servir como meio

legitimador e mobilizador da ação. Assim,

“os interesses diretamente envolvidos na

luta pelo monopólio da expressão legítima

da verdade do mundo social tendem a ser o

equivalente específico dos interesses dos

ocupantes das posições homólogas no

campo social”43. Essas representações

construídas a partir de uma posição

específica no espaço social destinam-se

simultaneamente ao aparato estatal e ao

patronato enquanto campo mandatário, do

qual partem as políticas de mando e onde

se situa a esfera de decisões, e à classe de

modo geral, a fim de instituir elementos de

convencimento e legitimidade que possam

produzir aceitação não só entre aqueles que

o aceitam mas também entre aqueles que o

Page 12: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

110

rejeitam, sobretudo se considerar-se que a

visão de mundo dos dominados, segundo

Bourdieu, está sujeita a aceitar como

naturais as classificações sobre o real

produzidas pela esfera dominante que é

quem detém os instrumentos de produção

das representações simbólicas.

Reúnem-se, dos dois lados,

qualidades e defeitos, características

constituintes dos dois grupos em questão,

configurando uma disputa pela construção

das suas identidades. Essas identidades

entram, então em choque, em disputa.

Nesse sentido, os operários grevistas,

através de seus jornais e outros meios de

divulgação, enaltecem a figura do militante

ao passo que desqualificam a do

“carneiro”. Fica difícil analisar a recepção

dessas zombarias e ofensas por parte dos

não grevistas, uma vez que eles raramente

deixavam algum registro escrito –

conforme exposto anteriormente –

desconsiderando alguns casos

excepcionais, quando o antagonismo entre

estes dois grupos acarretava conflitos

físicos que transgrediam a ordem pública e

a ‘normalidade’ e resultavam em processos

por agressão física ou homicídio. De outra

parte, observa-se em paralelo uma

construção favorável à identidade de não

grevista por parte do Estado e da grande

imprensa que utilizavam um campo de

representações que objetivava deslegitimar

a atitude dos grevistas e, com isso, debelar

os movimentos paredistas. Desse modo,

analisar-se-á, agora, o processo de

construção identitária de grevistas e de não

grevistas tanto pelos militantes quanto pela

grande imprensa.

1.Carneiros e paredistas: uma

ambivalência intra-classe:

É necessário considerar que a greve

só faz sentido enquanto um instrumento de

luta política e/ou econômica quando

a re-situamos no campo das lutas do trabalho, estrutura objetiva das relações de força definida pela luta entre trabalhadores, de quem ela constitui a principal arma, e empregadores, juntamente com um terceiro ator – que talvez não seja um – o Estado44.

Uma greve consiste

na cessação coletiva, combinada e voluntária do trabalho, por iniciativa dos trabalhadores rompendo a relação funcional habitual entre patrão e empregado, com o objetivo de terem atendidas reivindicações não satisfeitas”45

como instrumento de luta e pressão dos

operários sobre o patronato, seja no sentido

de verem algumas reivindicações atendidas

ou no de promover uma revolução social

que vise à transformação da sociedade.

Lênin afirma que:

durante uma greve, o operário proclama em voz alta suas reivindicações, lembra aos patrões todos os atropelos de que tem sido vítima, proclama seus direitos, não pensa apenas em si ou no seu salário, mas pensa também em todos os seus companheiros, que abandonaram o

Page 13: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

111

trabalho junto com ele e que defendem a causa operária sem medo das provocações46.

Entretanto, uma significativa parcela

dos operários opta pela não participação

nos movimentos grevistas, colocando em

risco as possibilidades de sucesso do

mesmo. Essa posição de não adesão por

parte de um segmento da classe reforça e

confere certa legitimidade ao patronato ao

mesmo tempo em que enfraquece a

posição dos grevistas e representando uma

forte ameaça aos seus interesses: quanto

maior o número de trabalhadores que não

cessam o trabalho, menor será o poder de

negociação dos sindicatos e de seus

delegados. A continuidade do trabalho por

parte de um grupo de operários representa

um risco que ameaça os êxitos do

movimento paredista e essa situação

acarretava um antagonismo, um conflito de

interesses. Antes colegas de trabalho e

agora rivais, encontravam-se e acabavam

levando suas diferenças para fora da esfera

em que elas foram produzidas, gerando

conflitos e altercações visíveis hoje através

de processos-crime que mostram a

intensidade dessas disputas.

Torna-se necessário, pois, para o

sucesso do movimento, que os

trabalhadores sejam convencidos ou

impedidos de continuar o serviço do

mesmo modo que se constroem imagens e

representações que visavam a mobilizar e

incentivar os grevistas, conferindo-lhes

qualidades distintivas, de honra e

dignidade, a fim de estabelecer uma coesão

simbólica ao grupo, um sentimento de

pertencimento. Essas imagens e

representações eram instrumentalizadas

com este objetivo: incentivar os grevistas a

permanecer na luta e coagir e constranger

os operários que continuavam a trabalhar,

por isso taxados de covardes, carneiros e

bêbados, pois “apesar de todas essas

calamidades, os operários desprezam os

que se afastam de seus companheiros e

entram em conchavos com o patrão”47.

Assim, cada um dos dois grupos

estudados estabelecia um conjunto de

visões explicativas sobre o real que

estivesse adequado a seus interesses sociais

ou individuais e produzia uma auto-

imagem em contraposição à imagem do

outro – também criada através dessas

representações contraditórias e

demarcatórias, repletas de insinuações

pejorativas. Essas representações

contraditórias e antagônicas sejam elas

mediadas por inscrições textuais,

imagéticas ou produzidas pelos indivíduos

oralmente, acabavam por constituir uma

“luta de classificações como luta

propriamente simbólica (e política) para

impor uma visão do mundo social ou,

melhor, uma maneira de construí-la, na

Page 14: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

112

percepção e na realidade.”48 Mediante

essas representações os operários grevistas

reafirmavam sua posição e construíam uma

identidade diferente daquela dos que não

aderiam às greves (mesmo que

pertencendo à mesma classe) reivindicando

uma distinção moral sobre aqueles a quem

chamavam de traidores, covardes, canalhas

e cachaceiros.

As práticas cotidianas de diversos

grupos operários incluem, como indicam

alguns autores, a constituição de um

contexto de “relações jocosas” em que o

ato de brincar durante o serviço tem a

função de construir condições de

suportabilidade na rotina diária de labuta.

Os padrões de sociabilidade característicos

dessa subcultura operária se manifestam

em uma lógica na qual “a busca constante

de brincadeira e de gozação com os

companheiros de trabalho faz parte de um

jogo humano de trabalho vivo no contexto

do trabalho morto”49. Essa recriação do

ambiente laboral por parte dos operários

pode representar uma

microfísica da resistência que se exerce desde a reação e a resposta ao despotismo da hierarquia da administração fabril, até a reinterpretação e reambientação criativas das duras condições de trabalho50.

A própria sociabilidade de vários

segmentos das classes subalternas é

permeada por certa “agressividade

intrínseca à manifestação da capacidade

pessoal masculina”, uma relação na qual a

identidade do trabalhador está

indissociavelmente ligada à do homem51.

Mesmo as brincadeiras realizadas são

revestidas de um tom de jocosidade e

provocação. Uma agressividade derivada

de uma “sensibilidade embrutecida” que,

segundo Hoggart, seria uma das

características marcantes da cultura

operária e estaria relacionada a uma vida e

a um ambiente de trabalho pouco propícios

à delicadeza, o que gera uma relação física

agressiva52. Todavia, deve-se fazer a

ressalva de que a agressividade que

permeia o comportamento masculino não

pode ser vista como um elemento inato, de

características biológicas, uma vez que a

masculinidade é uma construção social,

portanto histórica, cultural e relacional.

Aliás, o correto seria usar a expressão no

plural – masculinidades – uma vez que

existem diferentes ‘estilos de

masculinidade’ mesmo que em

determinado momento um surja como

hegemônico subordinando os demais53.

Esta agressividade – que apresenta

uma aparência de violência latente – pode

ser entendida como uma encenação, um

jogo de cena, no qual os limites estão

subliminarmente estabelecidos por códigos

e padrões claramente definíveis de modo

que – em situações de normalidade – o

conflito latente raras vezes transforma-se

em conflito instaurado. Percebe-se uma

Page 15: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

113

transposição dos limites estabelecidos

nessa representação nos momentos de lazer

em que o consumo de bebidas alcoólicas

pode reforçar ou justificar excessos.

Assim, as brincadeiras e apelidações

já estão presentes no universo operário

mesmo nos momentos de “normalidade” –

considerados aqui como os períodos em

que as greves e mobilizações não estão

ocorrendo – e representam uma atitude de

recriação do ambiente de trabalho, de

ressocialização e de transformação das

condições para tornar a rotina mais

tolerável aos olhos dos próprios operários,

simbolizando uma silenciosa microfísica

da resistência sob a ótica dos dominados.

Entretanto, no ascenso do movimento

operário, quando a greve transformava

colegas de trabalho em rivais, opondo

interesses e visões de mundo antagônicas,

esta prática – já internalizada e

reconhecida pelos operários – assumia uma

faceta diferente, uma resignificação, em

que a oposição entre “nós” e “eles”

construía-se a partir do contraste das

posições individuais assumidas durante a

greve.

A agressividade verbal e a apelidação

pejorativa eram utilizadas, nesse caso, para

deslegitimar a posição de um grupo, para

coagi-lo a aderir à atitude considerada

correta pelos operários grevistas. Aqui, a

microfísica da resistência, descrita por

Leite Lopes, dá lugar a uma nova

microfísica do poder entre os dominados,

uma hostilidade latente entre dois grupos

que construíam suas identidades, um em

oposição ao outro.

Essas construções identitárias

constituíam-se em um “fenômeno de

classificação e valoração substantivado ou

reificado em formatos ‘sociológicos’ ou

‘institucionais’”54, partiam, portanto, de

uma atribuição de valores e classificações

distintivas e subordinadas a elementos

relacionados a um nível simbólico e

estruturados por uma linguagem própria.

Nesse sentido, a greve exercia o papel de

um instrumento de violência real que tem efeitos simbólicos através da manifestação, da afirmação da coesão do grupo, da ruptura coletiva com a ordem que ela produz”55.

A imprensa operária é uma

importante fonte de análise da construção

da identidade do trabalhador não grevista

pelos paredistas e dos recursos utilizados

por eles para deslegitimar sua posição,

utilizando um arsenal de expressões

depreciativas que atacavam a dignidade e a

honra dos operários que não aderiam à

greve. Essas construções sociais

identitárias constituíam-se a partir de

elementos que transformavam o

trabalhador não grevista em um inimigo da

classe, merecedor do desprezo e da repulsa

dos demais operários – lutadores corajosos

que se entregavam a uma causa que não

Page 16: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

114

era individual apesar dos riscos e ameaças

– e que tinha sua própria vida pessoal

atacada. Deve-se considerar que a

inexistência de uma legislação trabalhista

específica decorrente da política

liberalizante adotada na República Velha56,

que preservava o privatismo nas relações

entre capital e trabalho, levava a que o

operário grevista ficasse totalmente

desguarnecido, arriscando-se a ser

demitido, podendo ficar sem emprego –

inclusive em outros estabelecimentos, pois

havia a produção de “cadernetas” que

identificavam esses operários.

Então, o grupo de trabalhadores que

não participava das greves – e que era

denominado pejorativamente de ‘fura-

greves’ ou ‘carneiros’ – passava a ser alvo

de uma série de classificações identitárias

na imprensa operária e mesmo na relação

quotidiana com os operários grevistas,

sendo motivo de escárnio, chacota e

desprezo por parte dos últimos. A

existência de operários dispostos a

trabalhar mesmo em uma ocasião de

parede, da qual eles poderiam se

beneficiar, era vista pelos grevistas como

uma ameaça ao sucesso do movimento e

como uma traição.

Furar uma greve era considerado pela esmagadora maioria dos trabalhadores um ato desonroso, covarde, deslealdade que deveria ser punida com escárnio e severidade”57.

Diversas classificações pejorativas

eram atribuídas a esses operários – o

constrangimento moral tornava-se, além de

elemento constituinte da identidade do

outro, um recurso utilizado pelos grevistas

para coagir esses trabalhadores a aderirem

à greve. Uma das formas de constranger

moralmente os operários não grevistas,

denegrindo sua imagem, era acusando-os

de beber demais. Isso também ocorria nas

polêmicas entre socialistas e anarquistas.

Em 1911, para desautorizar a posição de

Waldomiro Padilha, favorável à adoção da

greve como instrumento para conseguir a

redução da jornada de trabalho, Francisco

Xavier da Costa escreveu um artigo no

Correio do Povo afirmando que, mesmo

sabendo dos prejuízos do vício do

alcoolismo, W. Padilha “não se furtava ao

desejo natural de afogar os dissabores da

vida num copo de Pelotense ou

Pernambucana verdadeira”58.

Um exemplo representativo das

classificações pejorativas utilizadas pelos

grevistas para deslegitimar a posição dos

operários que não aderiam às greves e para

impor-lhes uma identidade antagônica é a

Canção dos ‘Fura-Greves’ ou Hino dos

‘Carneiros’, publicada no periódico O

Syndicalista – órgão da Federação

Operária do Rio Grande do Sul – durante a

greve de 1919, transcrita a seguir:

Page 17: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

115

“Canalhas todos em redor

Do garrafão reunidos Os fura-greves exaltai, Os cabras destemidos.

A quem está sempre ao trabalho disposto

Oh, como esse traguinho dá gosto REFRÃO

Viva a cana!!! Viva a carraspana!!!

E com o justo apreço dar A nossa ação sabemos

Convictos vamos, já, jurar: Canalhas sempre seremos.

REFRÃO

A canalhice hoje é Tratada com afago Em sua honra, oleré

Tomemos mais um trago

REFRÃO

Canalhas somos e por tais Nós mesmos nos tivemos Desprezo e ódio gerais

Por isso merecemos

REFRÃO

Canalhas, levantai a voz, Dizei em altos brados

Que dos filhos do país sois vós Agora os mais estimados

REFRÃO

E quem nas greves se mostrou

Canalha e desbriado A benemérito passou

E é o mais amado

REFRÃO

O brinde de honra, pois, levantai À saúde da canalha

E um ‘burro porre’ apanhai Ou coisa que o valha.”59

Nessa canção, a atribuição de epítetos

pejorativos aos trabalhadores que não

aderiam às greves é a tônica. Além de

chamá-los de “canalhas” e “merecedores

de desprezo e ódio gerais”, tenta-se atribuir

aos não grevistas a pecha de bêbados,

fazendo assim uma condenação ao uso do

álcool através da articulação entre o

consumo deste tipo de bebida e a falta de

caráter e hombridade, expressa na traição

aos companheiros de classe. Aravanis

defende que a condenação ao consumo de

álcool deriva da busca pela construção de

um corpo operário fisicamente apto aos

embates da classe, sendo que o seu

consumo acarretaria males físicos e morais

que impossibilitavam uma atuação de luta

e uma consciência crítica e transformadora

do social60. Assim, é criada uma nítida

distinção moral entre os operários grevistas

– portadores de uma postura irrepreensível

em termos éticos e morais, sem vícios

como o álcool e o jogo – e os que

adotavam uma posição de meros

“espectadores mudos e inconscientes” que

agiam como uma “roda inconsciente do

mechanismo social que os outros

movem”61 e que estariam tomados pelo

vício do álcool.62

Entretanto, Batalha salienta que

“salta aos olhos de qualquer observador o

contraste entre uma postura puritana de

condenação do álcool [...] de uma parte da

militância e as formas de lazer da maioria

dos trabalhadores”63. Percebe-se que este

discurso puritano não se sustenta na prática

e um operário grevista não se distingue

tanto de um trabalhador não engajado no

Page 18: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

116

que se refere aos hábitos de lazer e à vida

cotidiana, visto que

se certamente há diferenças entre os militantes e o trabalhador comum, parece improvável que não exista nada em comum entre os primeiros e os últimos”64.

Deve-se ter em mente que

discurso e prática nem sempre caminham juntos, na maioria das vezes não caminham juntos. Artigos teóricos em jornais e muitas das resoluções de congressos têm uma função mais didática [...], são mais recomendações do que resoluções65.

Aravanis salienta o quanto o

consumo de bebidas alcoólicas era um

fator real no meio operário, inclusive entre

a parcela militante e constata que mesmo

nas festas promovidas pelas entidades de

resistência seu consumo se faz presente66.

O consumo de álcool era tão presente no

universo operário que, em alguns locais de

trabalho – como a Fundição Alberto Bins e

a Fábrica de Chapéus de Oscar Teichmann

– havia bares que vendiam bebidas

alcoólicas. O consumo de álcool pelos

operários durante o expediente de trabalho

chegou a despertar a preocupação dos

patrões que enviaram uma proposta de

regimento fabril para o ‘Sindicato dos

Marceneiros e Classes Anexas’ no qual se

tornava proibida a sua ingestão durante o

horário de expediente67.

Para Thompson, esses bares –

considerados “fortalezas de Satanás” –

constituíam-se em

espaços autônomos de sociabilidade que, embora conflitivos e plurais, possibilitavam o desenvolvimento de fortes noções de coletividade e a formulação de valores diferenciados dos padrões oficiais”68.

Nesses espaços, forjavam-se noções

de identidade, laços de solidariedade e se

desenvolvia em parte o aprendizado e a

experiência que apontavam para a

formação de uma noção de classe.

Tendo em vista a afirmação de que

na “cultura do povo o boteco é um

mundo”69, percebe-se que os operários

grevistas também faziam parte deste

mundo, a despeito da condenação ao

‘traguinho’ destacada na Canção dos

‘Fura-Greves’. Apesar de se atribuir aos

não grevistas a pecha de amantes do

álcool, as evidências demonstram que esta

era uma prática que perpassava tanto

grevistas quanto não grevistas. Um

incidente ocorrido entre um operário

grevista e os trabalhadores não grevistas da

Viação Férrea, em 1917 (que será

analisado a seguir), aconteceu na saída de

um boteco em Gravatahy, onde Vasquez e

Honorato tomavam um ‘traguinho’70. No

caso do padeiro Leopoldo Silva, na noite

anterior ao assassinato de um não grevista

durante a greve dos padeiros em 1919, o

réu estava no

Beco do Oitavo em um Cabaret, conhecido por ‘Bolevard’, bebendo com outros companheiros, saindo pela madrugada um pouco embriagado em um auto [e] na noite anterior a esta o acusado estivera em um

Page 19: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

117

Cabaret à rua S. Pedro, onde bebera regularmente em companhia de outros grevistas”71.

Enfim, a prática da apelidação

pejorativa, além de ser um elemento

constituinte da cultura de certos grupos

operários, era utilizada para moldar a

identidade atribuída aos não grevistas,

estabelecendo uma distinção moral entre

“nós” e “eles”, sendo usada ainda como

um recurso para coagir moralmente os

trabalhadores a aderirem à parede. À

atribuição de expressões como ‘canalhas’,

‘covardes’, ‘traidores’ e ‘sem brios’,

somava-se a acusação de que os mesmos

mostravam-se propensos a abusos do

consumo de álcool o que, como foi

analisado, pode ser verificado tanto entre

os trabalhadores não grevistas quanto entre

os grevistas72.

2.Os grevicultores e o verdadeiro

operário

Os operários grevistas utilizavam-se

de representações sociais e construções

identitárias para distinguir grevistas e não

grevistas com a finalidade de promover e

incentivar a greve enaltecendo as

qualidades dos paredistas e, ao mesmo

tempo, coagir e constranger aqueles que

continuavam exercendo suas funções para

que aderissem às paralisações pois sua

continuidade representava uma ameaça ao

sucesso das mesmas. Enquanto isso, os

patrões e o Estado – por meio da imprensa

diária, estabeleciam um conjunto de

classificações que visava a deslegitimar a

posição dos grevistas, condenando as

paredes e elogiando a postura dos

operários que continuavam seu serviço,

pois esses seriam os ‘verdadeiros

operários’.

Desse modo, sempre que eclodiam as

greves as autoridades que representavam o

poder no Estado tratavam logo de

desqualificar estes movimentos, atribuindo

sua eclosão tão somente à “tácita e

inconsciente submissão à influência de

extrangeiros anarchistas”73 ou a um

“simples espírito de imitação”74 em relação

aos demais movimentos paredistas que se

espalhavam pelo país e pelo mundo sendo

considerado o resultado do “desvario

criminoso de elementos anarquistas,

explorando a boa fé do verdadeiro

operariado” 75. Verifica-se, então, uma

nítida distinção entre, de um lado, os

grevistas, que seriam elementos

estrangeiros com idéias anarquistas que se

aproveitavam e exploravam o operariado

nacional, e, de outro, o ‘verdadeiro

operariado’, que não se metia em greves e

que não se deixava influenciar por esses

exploradores. O jornal A Federação –

órgão oficial do Partido Republicano Rio-

Grandense – tratava os operários paredistas

Page 20: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

118

como sendo “grevicultores”76, elementos

“que procuram levedar e implantar no

proletariado nacional a sua ação subversiva

e perigosa. Trata-se de anarquistas

estrangeiros professos e confessos”77.

Vistos como estrangeiros – apesar de

observarmos um predomínio do operariado

nacional no estado – eram tidos como

“elementos estranhos ao nosso meio

social” e acusados de serem “falsos amigos

e insidiosos conselheiros”78.

Este periódico, além de criticar a

atuação dos elementos estrangeiros no

movimento sindical e de condenar “o

delírio que se está apoderando das nossas

classes operárias mal conduzidas pela

espuma maximalista”, buscava ressaltar

que no Rio Grande do Sul não haveria

motivos de reclamações pois “nossa pátria

liberal e justiceira não reconhece

privilégios nem encampa injustiças

sociais”79. Não existiriam aqui, portanto,

condições que justificassem a eclosão de

greves e protestos tendo em vista que,

diferentemente do Velho Mundo, o

operariado viveria em uma situação

relativamente mais fácil. Outro periódico,

O Independente, aproveitando-se das

agruras provocadas pela guerra, chegara a

fazer, no decorrer da greve geral de 1918,

na cidade de Porto Alegre, um “appelo

patriótico” aos operários para que não se

deixassem influenciar “por espíritos

anárchicos que talvez existam em seu

seio”80, elementos estrangeiros que

defendiam “idéias baloufas geradas por

cérebros ocos, fora de senso, inimigos da

estabilidade interna”81. Apelando para o

“civismo do operariado porto-alegrense”

que, segundo o jornal, sentia um “grande

amor por este torrão bendito”. O referido

jornal orientava para que esses

trabalhadores não se deixassem “imbuir de

idéias anárquicas trazidas por inimigos de

seus ideaes e da pátria”82. Nesse sentido, o

fomento das greves foi atribuído

novamente a elementos estrangeiros que

exploravam a boa fé do operariado

nacional. Ademais, o jornal aproveitando-

se da conjuntura internacional marcada

pela participação brasileira na guerra,

acusava os grevistas de serem “camaleões,

assalariados por mãos ocultas”,

inimigos do Brasil tomados do desejo de entravar a paz interna, levantando o nobre proletariado, para a sublevação da ordem”83.

A greve geral era interpretada não

como uma tentativa de minorar a carestia

de vida mas sim como um complô

internacional arquitetado pelos inimigos da

nação, por agentes de uma “espionagem

multiforme”84, para levar à ruína a

concórdia entre o povo e o governo. Seria a

greve uma conspiração internacional

levada a cabo por agentes dos governos

estrangeiros? Enfim, O Independente

Page 21: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

119

insinuava abertamente essa possibilidade,

procurando suscitar a desconfiança e a

dúvida sobre o operariado nacional já tão

afetado pela guerra.

A prática de atribuir a eclosão de tais

fenômenos à influência do elemento

imigrante não perpassava tão somente as

autoridades gaúchas e é, segundo Pinheiro,

um fenômeno nacional uma vez que

até quando se pode retroceder na história republicana [...] se pode constatar uma insistência do Estado e das classes dominantes em pretenderem se livrar dos maus elementos das classes subalternas, em fazer desaparecer os elementos estranhos aos meios populares, naturalmente sadios85.

Segundo Fausto, principalmente nas

primeiras décadas da imigração, a

população estrangeira possuía uma série de

“características criminógenas”, por ser

constituída majoritariamente de homens

jovens e solteiros86. Ademais, ocorria

nacionalmente uma “discriminação relativa

aos organizadores do movimento operário,

através da associação das figuras do

‘alienígena’ e do ‘agitador’”87.

O próprio poder legislativo assumiu a

responsabilidade de livrar o proletariado

nacional do proselitismo revolucionário

dos agitadores estrangeiros e, em 7 de

janeiro de 1907, foi aprovada a lei nº 1.641

– conhecida como Lei Adolpho Gordo –

que regulamentava a expulsão de operários

estrangeiros envolvidos em agitações. Esta

lei em seu artigo 1º determinava que “o

estrangeiro que, por qualquer motivo,

comprometer a segurança nacional ou a

tranqüilidade pública pode ser expulso de

parte ou de todo o território nacional”.

Assim, disponibilizava ao governo os

meios para se livrar de qualquer

estrangeiro que fosse considerado

pernicioso ou prejudicial à ordem local.

Revista em 1912, revogou de seu texto os

artigos 3, 4 e 8 da lei de 1907 que

impediam a expulsão de estrangeiros

casados com brasileiras, residentes há mais

de dois anos no país ou viúvos com filhos

brasileiros. Justificando a proposta de

alteração constitucional, em discurso

proferido na Câmara dos Deputados em 29

de novembro de 1912, Gordo afirmava que

“são funções essenciais do Estado velar

pela segurança das pessoas e da

propriedade e manter a ordem pública e

para que bem possa desempenhar a sua

missão, é evidente que deve ter o direito de

remover os embaraços que perturbem a

sua ação” destacando que “o estrangeiro

que recebe a hospitalidade tem também o

dever de se conformar com as leis e

instituições do país que o acolhe e de não

se constituir um perigo para a ordem e

tranqüilidade públicas”. Segundo essa

visão, as garantias legais que permitiam a

permanência dos imigrantes no país seriam

embaraços à ação do Estado no sentido de

Page 22: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

120

promover as ordem pública e garantir a

segurança.

O autor da lei chega a propor “fazer

uma liga com as nações sul-americanas a

fim de termos a mesma lei e termos o

mesmo procedimento”. Esta lei teria a

finalidade de

armar o governo com um instrumento de defesa contra agitadores estrangeiros profissionais que vêm ao nosso país com o intuito exclusivo de perturbar a ordem pública, provocando desordens, conflitos e crimes”88.

De acordo com Claudio Batalha,

entre os anos de 1908 e 1921 ocorreram

556 expulsões com base nesta lei89. No ano

de 1919, por exemplo, 71 estrangeiros

foram expulsos sendo 31 portugueses, 19

italianos, 18 espanhóis, 1 polaco, 1

argentino e 1 sírio90. O próprio presidente

da República, Epitácio Pessoa, solicitava

que o Legislativo votasse leis que

“resguardem da influência maléfica dos

‘sem pátria’, dos que se insinuam em seu

seio para explorar-lhe o espírito de classe”

aprovando um projeto que regulasse a

entrada de estrangeiros em nosso território,

a fim de evitar que as portas da nação

ficassem “escancaradas à invasão do

rebutalho humano, que as outras nações

rejeitam e expellem do seu seio”91.

No Rio Grande do Sul, esta tendência

de criticar a atuação dos elementos

estrangeiros no movimento sindical e de

atribuir as greves à sua ação no meio

operário também é verificada. O governo

do Estado, além de denunciar “o delírio

que se está apoderando das nossas classes

operárias mal conduzidas pela espuma

maximalista”, buscou ressaltar não haveria

motivos de reclamações pois “nossa pátria

liberal e justiceira não reconhece

privilégios nem encampa injustiças

sociais”92. Não haveria aqui, portanto, as

condições que justificassem a eclosão de

greves e protestos tendo em vista que aqui,

diferentemente do Velho Mundo, o

operariado viveria em uma situação

relativamente mais fácil.

Para os grevistas, porém, a presença

de estrangeiros no movimento era encarada

como natural uma vez que o Brasil é um

país em que o elemento imigrante das mais

diversas nacionalidades estava presente em

todos os setores da sociedade, inclusive

entre os patrões. Para eles,

as manifestações operárias são deturpadas, mistificados os seus intuitos e não raro atribuídas a anarchistas extrangeiros e isso com o fim visível de torná-las antipáthicas aos ignorantes e justificar as ferozes repressões a que sempre estão promptos a fazer os governos contra o trabalhador que reclama o seu direito e defende a sua vida93.

Para os grevistas, apesar de deturpado pelo

governo e pela grande imprensa, o

movimento era legítimo e justificado pela

precária condição e pela exploração a que

estavam submetidos uma vez que

nenhuma collectividade obreira tenha declarado em algum tempo greve para

Page 23: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

121

luxo. Todos sabem que uma greve representa o grito de agonia em que se debate a classe operária94.

Consideravam que, ao atribuir aos

estrangeiros a responsabilidade pelas

agitações sociais, os governantes estariam

se utilizando de um artifício para justificar

sua ação coercitiva.

Analisando a greve de 1906 em Porto

Alegre, Joan Bak problematiza o uso das

imagens de gênero pela imprensa durante

este movimento paredista. Segundo a

autora, os periódicos criavam uma

identificação das atitudes das operárias

grevistas com posturas consideradas

‘pouco femininas’ – como a participação

nas greves e passeatas. Por oposição,

idealizavam as mulheres que permaneciam

em seus postos, onde a “boa mulher era

retratada como a boa trabalhadora”95. A

idealização chegava a ponto de buscar

condutas exemplares, como a de uma moça

que permanecera trabalhando em uma

fábrica têxtil a despeito das ameaças e

intimidações dos grevistas e terminara seu

relacionamento com seu namorado por ele

não aceder a seus pedidos de retornar ao

trabalho, desmanchando seus planos de

casamento. Transformada em heroína

cívica, a moça tornou-se útil aos interesses

do patronato que se utilizava de sua

“influência moral e tradicional sobre os

homens para tentar frear o comportamento

desordeiro masculino”96. Entretanto, essas

são imagens selecionadas de gênero, que se

contrapunham às das mulheres que

aderiam às greves e que enfrentavam o

patronato ao lado de seus companheiros.

Essas imagens socialmente aprovadas de

ordem e dever contrapunham-se à imagem

das operárias grevistas e eram publicadas

para servir aos interesses dos empresários,

das elites e do Estado, instrumentalizadas

no sentido de exaltar as virtudes dos

trabalhadores que não aderiam às greves.

A guisa de conclusão:

Nesse artigo, procurou-se analisar o

processo de construção das identidades

operárias durante as greves ocorridas no

Rio Grande do Sul durante a Primeira

República, mais especificamente entre os

anos de 1917 e 1919 quando ocorre um

forte impulso no movimento organizatório

da classe trabalhadora no estado.

Destacou-se que a classe operária é

constituída de modo bastante heterogêneo

e que, nas ocasiões em que ocorriam os

movimentos grevistas, a postura individual

perante os mesmos determinava uma cisão

no seio da classe, colocando frente a frente

um grupo que aderia às paredes e outro que

– por não tomar parte do movimento –

constituía uma ameaça a seu sucesso.

Page 24: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

122

Assim, ocorria uma construção

identitária instrumentalizada destes dois

grupos, na qual os grevistas, através da

imprensa operária, boletins, folhetos ou

pilhérias, buscavam desqualificar os não

grevistas e construir uma distinção moral

para o operário que entrava na luta contra o

capital, considerado corajoso e solidário –

enquanto que o não grevista (tratado como

‘carneiro’ ou fura-greve) era tido como

covarde, egoísta, traidor e bêbado.

Argumentou-se que essas construções

tinham o objetivo de agregar os militantes,

incentivando-os para o conflito e, ao

mesmo tempo, coagir e constranger

aqueles que continuavam a trabalhar.

De outro lado, patrões e Estado

buscavam, do mesmo modo, deslegitimar a

posição dos grevistas e incentivar a

permanência na labuta daqueles que não

haviam aderido às greves dando-lhes uma

demonstração de aprovação e apreço.

Assim, os paredistas eram mostrados como

sendo agitadores estrangeiros, anarquistas

aproveitadores da boa fé do operariado

nacional e este, sim, seria o verdadeiro

operariado, aquele que não se metia em

greves e que não se deixava iludir por

esses elementos. O jogo de identidades, no

qual cada agente social, segundo seus

interesses, procurava atribuir um conjunto

de características a determinado grupo em

oposição a outro, configura-se em uma

disputa simbólica pela explicação do real a

qual estabelece um confronto de

significados e significâncias, de signos e

sinais distintivos de uma mesma realidade

na qual se instrumentalizam identidades e

classificações a partir de estratégias para

conseguir alcançar o êxito em cada um dos

casos. Por fim, é a luta de classes levada ao

plano do simbólico. Corajosos e covardes.

Traidores e companheiros solidários.

Estrangeiros e nacionais. Todos eles

estavam – voluntária ou involuntariamente

– tomando parte dessa disputa, todos eles

eram – de algum modo – “nós” e “eles”.

Notas

1Doutorando em História pela UFRGS sob orientação do Prof. Benito B. Schmidt. Mestre em História pela UFRGS/2000. Graduado em História (Bacharelado e Licenciatura) pela PUC/RS – 1997. Autor do livro O Positivismo e a Questão Social na Primeira República (1895-1919), lançado em 2006, entre outros artigos e publicações. Professor da Faculdade União das Américas (UNIAMÉRICA/PR). Atualmente é professor da rede pública estadual.

2 GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Cia das Letras, 1987. p. 18.

3THOMPSON, E.. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1987. vol. I, p. 57.

4 SILVA JR., Adhemar Lourenço da Silva Jr.

Contribuição a uma história dos “de baixo” do sindicalismo. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUC-RS, jul/1995. V. XXI. n.º 1. p. 79.

5 SILVA JR., Adhemar Lourenço da. “Povo”! Trabalhadores!: tumultos e movimento operário. In: ÁVILA, Maria de Fátima (org.). Porto Alegre: Dissertações e Teses. Unidade Editorial Porto

Page 25: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

123

Alegre: Porto Alegre, 1996. Cadernos Ponto & Vírgula 13. p. 44.

6 THOMPSON, Edward P.. Lucha de clases sin clases?. In: Tradición, Revuelta y Conciencia de Clase. Barcelona: Editorial Crítica, 1979. p. 35.

7 ARAVANIS, Evangelia. O corpo em evidência nas lutas dos operários gaúchos (1890-1917). Porto Alegre: UFRGS, 2005. Tese de Doutorado. P. 107.

8 BOURDIEU, Pierre. A Delegação e o Fetichismo Político. In: Coisas Ditas. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2004. 189.

9 BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. 2004. P. 189.

10 BOURDIEU, Pierre. La delegation et le fetichisme politique. Actes de la recherche en sciences sociales, 1984, n° 52-53, pp. 49-55. P. 49.

11 Bourdieu, Op. Cit. 2004. p,191-192.

12 HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho. 2ªed, Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1988. p. 18.

13 Idem, 253.

14 BATALHA, Cláudio. Vida Associativa: por uma nova abordagem da história institucional nos estudos do movimento operário. Anos 90. Porto Alegre: UFRGS, dez. 1997. N.º 8. p. 94.

15 BATALHA, Cláudio. Op. Cit., 1997. p. 93.

16 Idem, p. 93.

17 HOGGART, Richard. As Utilizações da Cultura. Lisboa: Editorial Presença, 1973. vol. II. p. 192 e 197.

18 BOURDIEU, Pierre. A Greve e a Ação Política. In: Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. p. 195.

19 RODRIGUES, Leôncio Martins. Industrialização e Atitudes Operárias: estudo de um grupo de trabalhadores. São Paulo: Brasiliense, 1970. p, 115.

20 BOURDIEU, Pierre. A Greve e a ação política. In: ___________. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco |Zero, 1983. p. 199.

21 CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de

Janeiro da Belle Époque. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.105.

22 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 1986. p. 107.

23 Ver VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 1999. Segundo esse autor, na República Velha entre os anos de 1891 e 1919 “segue-se a mais rigorosa e consciente ortodoxia liberal. Com a Constituição [de 1891], isenta-se o mercado de trabalho de influências provenientes da política e da organização social”. p. 76. O modelo positivista, defendido pelos parlamentares do estado. seguia a orientação de promover o privatismo nas relações entre capital e trabalho incentivando as negociações entre patrões e empregados sem recorrer a medidas legislativas. No primeiro capítulo de minha dissertação de mestrado analisei a postura do PRR em relação à questão social. Essa postura se caracteriza pela condenação à intervenção do Estado na resolução de conflitos sociais através de “ leis compressivas” destacando o papel de conciliador em “casos de urgência decisiva”. QUEIRÓS, César Augusto B.. O Governo do Partido Republicano Rio-Grandense e a Questão Social (1895-1919). Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 43-61. FAUSTO também destaca a contrariedade da bancada gaúcha em aprovar alguma regulamentação estatal do campo do trabalho uma vez que “as restrições artificiosas à liberdade individual deveriam ser condenadas e a incorporação dos operários à sociedade seria feita através do processo educativo”. FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1986. p. 231. VARGAS faz uma análise da posição da bancada gaúcha nas discussões sobre a regulamentação das relações capital/trabalho no terceiro capítulo de seu livro O trabalho na ordem liberal. VARGAS, João Tristan. O Trabalho na Ordem Liberal: o movimento operário e a construção do Estado na primeira república. Campinas: UNICAMP, 2004.

24 PIZZORNO, Alexandre. Algum tipo diferente de diferença: uma crítica das teorias da “escolha racional”. In: FOXLEY, A., McPHERSON, M. e O´DONNEL, G. (Org.). Desenvolvimento e Política e Aspirações Sociais: o pensamento de Albert Hirschman. São Paulo: Vértice, Editora da Revista dos Tribunais. P. 372.

25 PIZZORNO, Op. Cit. P. 374.

26 HIRSCHMAN, Albert. De la Economia a la Política y más allá. México: Fondo de Cultura Econômica, 1984. p. 272.

Page 26: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

124

27 HIRSCHMAN, A. Op. Cit., p. 274.

28 PIZZORNO, Op. Cit. P. 373.

29 POLACK, Michaell. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, 1992/1. nº 10. CPDOC/FGV. p. 5.

30 POLACK, Michaell. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, 1992/1. nº 10. CPDOC/FGV. p. 5.

31 MENDES, José Manuel Oliveira. O Desafio das Identidades. In: SANTOS, Boavenura de Souza (org.). A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. p. 504.

32 Em sua tese de Doutorado Bilhão faz uma análise do processo de construção identitária dos operários porto-alegrenses entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX a partir das relações de reconhecimento, distinção e pela reivindicação de uma memória comum entre os operários. BILHÃO, Isabel. Identidade e Trabalho: análise da construção identitária dos operários porto-alegrenses (1896-1920). Porto Alegre: UFRGS, 2005. Tese de Doutorado.

33 GUARESCHI, Neuza et all. As relações raciais na construção das identidades. Psicologia em Estudo. Vol. 7. nº 2. Maringá.. Jul.dez 2002. p. 5

34 Idem, p. 375

35 Ibidem, p. 375

36 TILLY, Charles. Social Movements (1768-2004). London: Paradigm Publishers, 2004. p. 263.

37 BOURDIEU, Pierre. Espaço Social e Gênese das Classes. In: O Poder Simbólico. 6ª ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 141.

38 ESTADO do Rio Grande do Sul. APERGS. Processo Crime nº 833. Porto Alegre: 1917. p. 75.

39CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. Estudos Avançados, Vol 5 Nº 11, (jan. 1991). p. 183.

40 SILVER, Beverly J.. Forças do Trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870. São Paulo: Boitempo, 2005. (mundos do trabalho). P. 36.

41 SILVER, B. Op. Cit. P. 37.

42 Idem, p. 37.

43 BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. 2003. p, 155.

44 BOURDIEU, Pierre. A Greve e a Ação Política. In: Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. p. 195.

45 CASTRO, Pedro. Greve: fatos e significados. São Paulo: Ática, 1986. p, 13.

46 LENIN, Vladimir. Sobre as Greves. In: Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980. p, 132.

47 LENIN, Op. Cit. 1980. p, 134.

48 BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas. Campinas: Papirus, 1997. p. 26.

49 LOPES, José Sérgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das chaminés. São Paulo: Marco Zero, 1988. p. 83.

50 LOPES, Op. Cit., 1988. p, 81.

51 DUARTE, Luís Fernando Dias. Identidade social e padrões de agressividade verbal em um grupo de trabalhadores urbanos. In: LOPES, José Sérgio Leite (Coord.). Cultura e Identidade Operária: aspectos da cultura da classe trabalhadora. Rio de Janeiro: UFRJ/Marco Zero, s/d. p. 194.

52 HOGGART, Richard. As Utilizações da Cultura. Lisboa: Editorial Presença, 1973. p.110.

53CECCHETTO, Fátima Regina. Violência e estilos de masculinidade. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 57.

54 DUARTE, Luiz Fernando Dias. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. 2ªed. Rio de Janeiro: Zahar/CNPq, 1988. p. 12.

55 BOURDIEU, Op. Cit. 1983. p. 201.

56Ver VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 1999. Segundo esse autor, na República Velha entre os anos de 1891 e 1919 “segue-se a mais rigorosa e consciente ortodoxia liberal. Com a Constituição [de 1891], isenta-se o mercado de trabalho de influências provenientes da política e da organização social”. p. 76. O modelo positivista, defendido pelos parlamentares do estado. seguia a orientação de promover o privatismo nas relações entre capital e trabalho incentivando as negociações entre patrões e empregados sem recorrer a medidas

Page 27: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

125

legislativas. No primeiro capítulo de minha dissertação de mestrado analisei a postura do PRR em relação à questão social. Essa postura se caracteriza pela condenação à intervenção do Estado na resolução de conflitos sociais através de “ leis compressivas” destacando o papel de conciliador em “casos de urgência decisiva”. QUEIRÓS, César Augusto B.. O Governo do Partido Republicano Rio-Grandense e a Questão Social (1895-1919). Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 43-61. FAUSTO também destaca a contrariedade da bancada gaúcha em aprovar alguma regulamentação estatal do campo do trabalho uma vez que “as restrições artificiosas à liberdade individual deveriam ser condenadas e a incorporação dos operários à sociedade seria feita através do processo educativo”. FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1986. p. 231. VARGAS faz uma análise da posição da bancada gaúcha nas discussões sobre a regulamentação das relações capital/trabalho no terceiro capítulo de seu livro O trabalho na ordem liberal. VARGAS, João Tristan. O Trabalho na Ordem Liberal: o movimento operário e a construção do Estado na primeira república. Campinas: UNICAMP, 2004.

57 Estudando os trabalhadores em Santos, Silva analisa dois casos exemplares: em um deles até mesmo as mulheres dos trabalhadores que se recusaram a se manterem em greve os trataram como subservientes animais; e em outro algumas crianças apedrejaram motorneiros de bonde que não haviam aderido à parede. SILVA, Fernando Teixeira da. Operários sem patrões: os trabalhadores da cidade de Santos no entreguerras. Campinas: Unicamp, 2003. p. 139.

58 ARAVANIS, Op. Cit., p. 186.

59O Syndicalista. Porto Alegre: 03/09/1919. nº7. p. 04.

60 Idem, p.186.

61O Syndicalista. Porto Alegre: 1º/04/1919. nº 1, Anno I. p, 1.

62 No primeiro capítulo de sua tese de Doutorado, Bilhão analisa os elementos constituintes de uma identidade operária marcada pela virtude, destacando a importância da instrução, da higiene e a condenação ao álcool e ao jogo para a construção desta identidade. BILHÃO, Isabel. Identidade e Trabalho: análise da construção identitária dos operários porto-alegrenses (1896-1920). Porto Alegre: UFRGS, 2005. Tese de Doutorado.

63 BATALHA. Op. Cit. 1997. p. 92.

64 BATALHA, Op. Cit. 1997. p. 94.

65 BATALHA, Op. Cit. 1997. p. 93.

66 Aravanis, Op. Cit. P. 188.

67 Idem, p. 193.

68 FORTES, Alexandre. "Miríades por toda a eternidade": a atualidade de E. P. Thompson. Tempo social. São Paulo, v. 18, n. 1, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702006000100011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 13 Set 2006. doi: 10.1590/S0103-20702006000100011.

69CHAUÍ, Marilena. ‘Notas sobre Cultura Popular’. In: _______. Cultura e Democracia. 3ª ed., São Paulo: Moderna, 1982. Coleção Contemporânea. p. 68.

70 Processo-Crime n.º 833. Porto Alegre: 1917. p. 21.

71 Processo-Crime n.º 1016. Porto Alegre: 1919. p. 73.

72 crumiro

73 - RELATÓRIO apresentado pelo Chefe de Polícia Interino Eurico de Souza Leão Lustosa ao Presidente do Estado Borges de Medeiros. 1920 / Biblioteca Pública do RS. P. 355-357.

74RELATÓRIO apresentado Ao Exmo Sr. Dr. A. A. Borges de Medeiros pelo Dr. Protásio Alves em 30 de agosto de 1921.

75MENSAGEM do Presidente do Estado à Assembléia dos Representantes. Porto Alegre, 1920. p. 16.

76O Fim de Greve. A Federação. Porto Alegre: 10/03/1911. p. 01.

77- Os Anarquistas e a Ação do Governo. A Federação. Porto Alegre: 26/03/1917. p.03.

78 A Federação. Porto Alegre, 22/07/1918. p. 6.

79 A Federação. Porto Alegre, 08/09/1919. p. 3.

80 O Independente. Porto Alegre, 1º/07/1918.

Page 28: na Primeira República - Biblioteca Rede La Salle · ocorridas no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, mais especificamente entre os anos de 1917 e 1919. Considerando

MOUSEION, v.1, n.2, Jul.-Dez./2007

Identidade/ Cultura e identidade(s): as disputas simbólicas sobre a identidade operária na Primeira República

126

81 O Independente. Porto Alegre, 03/07/1918.

82 O Independente. Porto Alegre, 03/07/1918.

83 O Independente. Porto Alegre, 03/07/1918

84 O Independente. Porto Alegre, 03/07/1918.

85 PINHEIRO, Paulo Sérgio. A gandaia e a repressão: piruetas de um chefe de polícia na Primeira República. Almanaque: Cadernos de Literatura e Ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1979. nº 10. p. 61.

86 FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 60.

87 FAUSTO, Boris. 1984, Op. Cit., p.68.

88 http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/gordo.html acesso em 20/04/2007.

89 BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

90 Relatório da Secretaria da Fazenda e das Relações Interiores. 1920.

91 Mensagem apresentada ao Congresso Nacional na abertura da 3ª sessão da 10ª Legislatura pelo Presidente da República Epitácio Pessoa. Rio de Janeiro, 1920. p. 101-103.

92 A Federação. Porto Alegre, 08/09/1919. p. 3.

93 - Aos Pedreiros e Ajudantes. Anexo 16.

94 - A Voz da Razão – ao povo, aos soldados e operários. Manifesto da FORGS. 07/09/1919. Anexo 11 do Processo Crime 1016.

95 BAK, Joan. Classe, etnicidade e gênero no Brasil: a negociação de identidades dos trabalhadores na greve de 1906 em Porto Alegre. Métis. Caxias do Sul: EduCS. jul/dez 2003. , V. 2. p. 216. 96 BAK, Joan. Op. Cit. 2003. p. 216.