Napoli & Caramaschi (1998) Boletim do Museu Nacional - [Hyla araguaya e H. cerradensis].pdf

12
BOLETIM DO MUSEU NACIONAL NOVA SÉRIE RIO DE JANEIRO - BRASIL ISSN 0080-312X ZOOLOGIA N o 391 20 DE AGOSTO DE 1998 DUAS NOVAS ESPÉCIES DE HYLA LAURENTI, 1768 DO BRASIL CENTRAL AFINS DE H. TRITAENIATA BOKERMANN, 1965 (AMPHIBIA, ANURA, HYLIDAE) 1 (Com 14 figuras) MARCELO FELGUEIRAS NAPOLI 2 ULISSES CARAMASCHI 3 Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro As espécies do grupo de Hyla rubicundula têm ampla distribuição no território brasileiro, ocorrendo nas regiões sudeste, centro-oeste, nordeste e norte, sempre relacionadas a ambientes de cerrado. As espécies do grupo são caracterizadas por compartilharem tamanho pequeno (comprimento total nos machos 16,025,5mm; nas fêmeas 16,625,9mm), coxas imaculadas e superfícies dorsais esverdeadas em vida e rosadas ou violáceas em espécimes preservados. Este grupo é constituído por H. rubicundula Reinhardt & Lütken, 1862, H. tritaeniata Bokermann, 1965 e H. anataliasiasi Bokermann, 1972. Hyla tritaeniata (Figs.1-4) se distribui nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e Minas Gerais. Amostras populacionais dessas regiões demonstram um grau elevado de diferenciação morfológica, revelando que H. tritaeniata constitui um complexo de espécies, caracterizadas por compartilharem o menor tamanho para o grupo, padrão de colorido dorsal singular (listra sacral única) e habitar cabeceiras de riachos (BOKERMANN, 1965), ou ambientes formados por brotamento de água de infiltração (JIM, 1980). O presente trabalho tem por objetivo descrever duas novas espécies de Hyla afins de H. tritaeniata, ambas da região central do Brasil. 1 Entregue em 30/06/1998. Aceito em 12/08/1998. 2 Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES). 3 Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Transcript of Napoli & Caramaschi (1998) Boletim do Museu Nacional - [Hyla araguaya e H. cerradensis].pdf

  • BOLETIM DO MUSEU NACIONAL NOVA SRIE

    RIO DE JANEIRO - BRASIL

    ISSN 0080-312X

    ZOOLOGIA No 391 20 DE AGOSTO DE 1998

    DUAS NOVAS ESPCIES DE HYLA LAURENTI, 1768 DO BRASIL CENTRAL AFINS DE H. TRITAENIATA BOKERMANN, 1965

    (AMPHIBIA, ANURA, HYLIDAE) 1

    (Com 14 figuras)

    MARCELO FELGUEIRAS NAPOLI 2

    ULISSES CARAMASCHI 3 Museu Nacional

    Universidade Federal do Rio de Janeiro As espcies do grupo de Hyla rubicundula tm ampla distribuio no territrio brasileiro, ocorrendo nas regies sudeste, centro-oeste, nordeste e norte, sempre relacionadas a ambientes de cerrado. As espcies do grupo so caracterizadas por compartilharem tamanho pequeno (comprimento total nos machos 16,025,5mm; nas fmeas 16,625,9mm), coxas imaculadas e superfcies dorsais esverdeadas em vida e rosadas ou violceas em espcimes preservados. Este grupo constitudo por H. rubicundula Reinhardt & Ltken, 1862, H. tritaeniata Bokermann, 1965 e H. anataliasiasi Bokermann, 1972.

    Hyla tritaeniata (Figs.1-4) se distribui nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Gois, So Paulo e Minas Gerais. Amostras populacionais dessas regies demonstram um grau elevado de diferenciao morfolgica, revelando que H. tritaeniata constitui um complexo de espcies, caracterizadas por compartilharem o menor tamanho para o grupo, padro de colorido dorsal singular (listra sacral nica) e habitar cabeceiras de riachos (BOKERMANN, 1965), ou ambientes formados por brotamento de gua de infiltrao (JIM, 1980).

    O presente trabalho tem por objetivo descrever duas novas espcies de Hyla afins de H. tritaeniata, ambas da regio central do Brasil.

    1 Entregue em 30/06/1998. Aceito em 12/08/1998. 2 Bolsista da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES).

    3 Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq).

    napoliEste arquivo foi convertido para PDF a partir da matriz original gentilmente cedida pela respectiva Comisso de Publicaes. A eventual substituio de alguns caracteres se deve a no disponibilidade de certas fontes.

  • M.F.NAPOLI & U.CARAMASCHI 2

    MATERIAL E MTODOS O material examinado encontra-se depositado nas colees herpetolgicas do Museu Nacional-Rio de Janeiro (MNRJ), Museu de Zoologia, Universidade de So Paulo (MZUSP), Museu de Histria Natural, Universidade Estadual de Campinas (ZUEC) e United States National Museum, Smithsonian Institution, Washington, D.C. (USNM). Somente machos adultos foram examinados, visto a ausncia de fmeas e juvenis nas amostras examinadas.

    Dezoito caracteres morfomtricos utilizados seguem DUELLMAN (1970): CT (comprimento total), CC (comprimento da cabea), LC (largura da cabea), DO (dimetro do olho), DIO (distncia interorbital), LPS (largura da plpebra superior), DIN (distncia internasal), DT (dimetro do tmpano), e CTB (comprimento da tbia). Quatro medidas utilizadas seguem HEYER et al. (1990): CBR (comprimento do brao), CAB (comprimento do antebrao), CMA (comprimento da mo), CX (comprimento da coxa). Outras cinco mensuraes so: DON (distncia olho-narina: distncia entre o bordo anterior da abertura orbital e a margem posterior da narina), DNF (distncia narina-ponta do focinho: distncia entre a margem anterior da narina e a ponta do focinho), DD3 (dimetro do disco do terceiro dedo), CP (comprimento do p: distncia entre o calcanhar e a ponta do quarto artelho), e DA4 (dimetro do disco do quarto artelho). A frmula da palmatura das mos e ps segue SAVAGE & HEYER (1967). O teste paramtrico de t foi utilizado a fim de se comparar mdias aritmticas entre dois caracteres morfomtricos do mesmo animal (SOKAL & ROHLF, 1981).

    Hyla araguaya sp.n. (Figs.5-9)

    Holtipo BRASIL, MATO GROSSO, Municpio de Alto Araguaia (ca. 17o18S, 53o12W, 692m de altitude), MZUSP 66803, macho adulto em bom estado de conservao, J.P.Caldwell col., 20/III/1989.

    Partipos MNRJ 17240-17241, MZUSP 66796-66802, 66804-66806, machos adultos, coletados juntamente com o holtipo; GOIS, Municpio de Santa Rita do Araguaia (ca. 17o19S, 53o12W, 691m de altitude), MZUSP 66719-66721, machos adultos, J.P. Caldwell col., 07/III/1989. Todos os exemplares em bom estado de conservao.

    Diagnose Espcie caracterizada pela seguinte combinao de caracteres: (1) listra sacral nica; (2) duas listras anteriores, paralelas ou divergentes, bem marcadas e pouco fragmentadas, partem do bordo posterior de cada rbita e chegam at o tero posterior do corpo; (3) porte robusto, quando comparado a H. tritaeniata e formas afins; (4) membros posteriores esbeltos e compridos; (5) cabea com forma geral arredondada; (6) focinho, visto de cima, acuminado, arredondado ou truncado, e visto de lado, protrudente a truncado.

    Comparao com outras espcies: Hyla araguaya sp.n. distingue-se de H. rubicundula e H. anataliasiasi por apresentar listra sacral nica (dupla nas outras

    Bol. Mus. Nac., N.S., Zool., Rio de Janeiro, n.391, p.1-12, ago.1998

  • DUAS NOVAS ESPCIES DE HYLA LAURENTI, 1768 DO BRASIL CENTRAL...

    3

    duas espcies). Hyla araguaya sp.n. difere de H. tritaeniata por apresentar porte mais esbelto, focinho mais largo, cabea com forma geral mais arredondada e colorido geral mais intenso em espcimes preservados.

    Descrio Estatstica descritiva fornecida na tabela 1. Cabea mais comprida do que larga (t = 4,03; n = 16, P < 0,0001), sua largura cabendo cerca de 3,3 vezes no comprimento total; distncia internasal maior que a distncia olho-narina (t = 11,94; n = 16, P < 0,0001), e menor que o dimetro do olho (t = 24,46; n = 16, P < 0,0001), sendo este ltimo maior que a distncia olho-narina (t = 35,16; n = 16, P < 0,0001); focinho, visto de cima, acuminado, arredondado, ou truncado; focinho, visto de lado, protrudente a truncado; canto rostral reto; regio loreal oblqua, perpendicular ou levemente cncava; olhos grandes, mas pouco salientes; tmpano distinto e circular, seu bordo superior podendo estar levemente encoberto por uma prega supra-timpnica pouco pronunciada; narinas superolaterais, no vrtice do focinho, podendo estar sobre pequenas elevaes, mas no o suficiente para formar um sulco na regio internasal; dentes vomerianos, quando presentes, em duas fileiras transversais entre as coanas; lngua cordiforme, arredondada ou ovide; saco vocal nico, subgular. Antebrao pouco mais robusto que o brao, sendo o primeiro mais comprido que o segundo (t = 25,18; n = 16, P < 0,0001). Disco adesivo do terceiro dedo aproximadamente de mesma largura que o do quarto artelho (t = 1,85; n = 16, P < 0,07); tubrculos subarticulares arredondados; tubrculo subarticular distal do terceiro e quarto dedos podem ser bfidos; tubrculos supranumerrios distintos e numerosos; tubrculo palmar pode estar distinto; preplex distinto; frmula palmar modal, I 3 - 3 II 2+ - 3,25 III 3- - 2+ IV. Pernas moderadamente robustas; coxa pouco menos robusta que a tbia, ambas aproximadamente de mesmo comprimento (t = 1,04; n = 16, P < 0,30); soma dos comprimentos da coxa com a tbia menor que o comprimento total (t = 3,40; n = 16, P < 0,0001). Artelhos com tubrculos subarticulares arredondados; tubrculos supranumerrios distintos; tubrculo plantar indistinto; prehlux distinto; frmula plantar modal, I 2 - 2,5 II 1,5 - 3 III 2- - 3+ IV 3 - 1,25 V.

    Colorao em preservativo Superfcies dorsais com colorao violcea. Dorso com duas listras castanho escuro (93,8 %), paralelas (57,1 %) ou divergentes (42,8 %), da margem posterior da rbita at pouco mais da metade do comprimento do corpo, levemente fragmentadas (85,7 %) ou contnuas (14,2 %), seguidas de uma listra sacral nica de mesma cor e tonalidade (100 %); ausncia de listra vertebral; canto rostral delimitado inferiormente por uma faixa castanho escuro e superiormente por outra mais clara que a cor de fundo; regio loreal com diferentes intensidades de melanizao; flancos com faixa lateral castanho escuro, no muito larga, desde a regio posterior da rbita at prximo regio inguinal, sempre marginada superiormente por outra mais clara que a cor de fundo, podendo ser vestigial; coxa com colorao castanho claro, imaculada; margens anterior e posterior da tbia com faixas castanho escuro, marginadas por outra mais clara que a cor de fundo (a faixa posterior pode estar ausente), podendo ainda ocorrer pontos castanho escuro distribudos sobre a mesma. Superfcies ventrais despigmentadas.

    Bol. Mus. Nac., N.S., Zool., Rio de Janeiro, n.391, p.1-12, ago.1998

  • M.F.NAPOLI & U.CARAMASCHI 4

    Medidas do holtipo (mm) CT 19,8; LC 6,0; CC 6,2; DO 2,2; LPS 1,5; DIO 2,2; DON 1,3; DIN 1,7; CX 9,6; CTB 9,9; DT 0,9; DNF 1,1; CBR 5,6; CAB 3,7; CMA 5,9; DD3 0,8; CP 14,0; DA4 0,7.

    Etimologia O nome especfico, um nome em aposio, refere-se rea de ocorrncia da espcie, s margens do rio Araguaia.

    Distribuio geogrfica Conhecida das localidades do holtipo e partipos, situadas no Domnio Morfoclimtico do Cerrado (ABSABER, 1977), nos Estados de Mato Grosso e Gois.

    Hyla cerradensis sp.n. (Figs. 10-14)

    Holtipo BRASIL, MATO GROSSO DO SUL, Municpio de Ribas do Rio Pardo (ca. 20o26S, 53o45W, 369m de altitude), localidades de Pedreira e Crrego da Areia, ZUEC 06733, adulto em bom estado de conservao, A.S.Abe col., 04/XII/1986.

    Partipos MNRJ 17293, ZUEC 06734-06737, adultos em bom estado de conservao, coletados juntamente com o holtipo.

    Diagnose Espcie caracterizada pela seguinte combinao de caracteres: (1) listra sacral nica; (2) duas listras anteriores, sempre divergentes, bem marcadas e fragmentadas posteriormente, formando uma linha de pontos, partem do bordo posterior de cada rbita e chegam at o tero posterior do corpo; (3) porte esguio, quando comparado a H. tritaeniata e formas afins; (4) membros posteriores esbeltos, mas curtos; (5) cabea com forma geral fusiforme; (6) focinho, visto de cima, acuminado, e visto de lado, protrudente.

    Comparao com outras espcies Hyla cerradensis sp.n. distingue-se de H. rubicundula e H. anataliasiasi por apresentar listra sacral nica (dupla nas outras duas espcies). Hyla cerradensis sp.n. difere de H. tritaeniata por apresentar as duas listras dorsais anteriores divergentes (paralelas em H. tritaeniata) e interrompidas posteriormente, formando uma linha de pontos (contnuas em H. tritaeniata), focinho mais largo e cabea mais fusiforme. Hyla cerradensis sp.n. difere de Hyla araguaya sp.n. por apresentar porte mais esbelto, listras dorsais anteriores divergentes (paralelas em H. araguaya sp.n.), cabea mais estreita e fusiforme (mais larga e arredondada em H. araguaya sp.n.) e membros posteriores ligeiramente mais curtos.

    Descrio Estatstica descritiva fornecida na tabela 1. Cabea to larga quanto longa (t = 0,37; n = 6, P < 0,71), sua largura cabendo cerca de 3,3 vezes no comprimento total; distncia internasal maior que a distncia olho-narina (t =4,79; n = 6, P < 0,0001) e menor que o dimetro do olho (t = 14,93; n = 6, P