NAU Newsletter 05 (Jan 2009)

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n e w slette r #5 janeiro/fevereiro 2009 Pedro Bandeira David Adjaye

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Newsletter feita pelo Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do ISCTE-IUL

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newsletter#5 janeiro/fevereiro 2009

Pedro Bandeira

David Adjaye

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Índice

FOTOGRAFIA

PEDRO BANDEIRANota e Deriva sobre o Barco de João Luís Carrilho da Graça

AGENDA

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DAVID ADJAYEEntrevista 09

[email protected]

VIAGEM AO SULFoto Reportagem 04

Agradecimentos da Adjaye Associates a:Tim Soar, Ed Reeve, Lyndon Douglas e Michael Strasser pelas fotogra�as cedidas.

Agradecimentos de Pedro Bandeira:ao atelier JLCG Arquitectos Lda. e Fernando Guerra/FG+SG – Fotogra�a de Arquitectura pelas imagens gentilmente cedidas

O NAU-ISCTE também agradece a colaboração e disponibilidade de todos os participantes nesta edição.

Fotogra�a da Capa © Lyndon Douglas - Dirty House (2002)

Colaboradores David Adjaye, Christina Bianchi, Akushika Akiwuni-Thompson, Rita Palma, João Morgado, Tim Soar, Ed Reeve, Lyndon Douglas, Michael Strasser, Eva Ebersberger, PedroBandeira, Maria Timoteo, JLCG, Arthur Péquin e Fernando Guerra.

Os artigos assinados são da inteira responsabilidade dos seus autores. Interdita a reprodução de textos e imagens por quaisquer meios sem prévia autorização.

NOTÍCIAS03

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Notícias

Siza Veira premiado pela RIBA O arquitecto português Álvaro Siza Veira foi premiado com medalha de ouro pela Royal Institute of British Architects. Tendo como vencedores no passado arquitectos como: Herzog e de Meuron, Toyo Ito, Frei Otto e Frank Gehry, este prémio (inaugurado pela Rainha Victoria em 1948) pretende homenagiar arquitectos que tenham prestado um contributo importante para a arquitec-tura. Aprovado pessoalmente pela Rainha Isabel II, o prémio será entregue em Fevereiro numa cerimónia em Londres. No comunicado o�cial feito pelo presidenta da RIBA é referido que Siza Vieira é “simplesmente um arquitecto profundamente completo e que desa�a a categorização (...) ele manipula as suas interpretações do local em formas esculturais que nunca são previsíveis ou comuns (...), ele é, e sempre foi, um professor empenhado”. É assim agraciado com a medalha de ouro “pelo trabalho inspirador e instrutivo que produziu ao longo de 40 anos, e pela sua tremenda contribuição através do diálogo e do ensinamento”.

Embaixada galardoado com o prémio ContractWorld 2009O atelier Embaixada foi premiado na Alemanha com o Contract.World.award 2009 pelo seu projecto da Casa dos Cubos - CMIA de Tomar. Trata-se da reconversão de um antigo edifício do Estado e que pretendia revitalizar uma zona de Tomar esquecida. Apenas o exterior do edifício foi mantido unindo no seu interior os novos elementos esculturais que trans-formaram por completo a vivência daquela pré-existência que, através da sua materialidade (lisa e clara) contrasta com a materialidade das novas formas (escuras e rugosas).No veredicto do júri é referido que “aparte da alteração funcional do seu uso, a reconversão do seu interior possibilitou uma experiência espacial fantástica”.

Carrilho da Graça distinguido com Prémio Pessoa 2009Após Eduardo Souto de Moura, o arquitecto José Luís Carrilho da Graça (autor da Escola Superior de Comunicação Social, Museu do Oriente, Pavilhão do Conhecimento, a recuperação das ruínas da Igreja de São Paulo em Macau, entre outras obras) tornou-se o segundo arquitecto a ser distinguido com o Prémio Fernando Pessoa. Foi referido por Francisco Pinto Balsemão que o prémio pretende enaltecer "uma obra coerente, que se adequa ao ambiente onde é instalada (...) a clareza e a limpidez das formas (...) além da capacidade de criar obra nova e recuperar obra antiga, uma função altamente criativa”.Sobre a arquitectura ainda disse: “"É uma área fundamental em que, tal como na Ciência, há toda uma geração nova de portugueses que está a distinguir-se cá e lá fora e isso também é uma palavra de apreço e de estímulo para essa geração mais nova". JLCG

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Foto Reportagem

viagem ao sul nov08 por João Pedro Borba

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Auto Europa, 2005, Francisco Vieira de Campos, Palmela

Casal Figueiras, 1975-79, Gonçalo Byrne, Setúbal

Bairro da Bela Vista, 1971, José Chartes Monteiro, Setúbal

Escola Superior de Educação, 1986-94, Álvaro Siza Vieira, Setúbal

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Centro de Artes de Sines, 2005, Manuel e Francisco Aires Mateus, Sines

Unidade Residencial da Estrada de Lisboa, 1987, Raul Hestnes Ferreira, Beja

Unidade Residencial João Barbeiro, 1984, Raul Hestnes Ferreira, Beja

Casa da Cultura da Juventude, 1985, Raul Hestnes Ferreira, Beja

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Liceu de Beja, 1931, Cristino da Silva, Beja

Capela, 1991, Vitor Figueiredo, Albergaria dos Fusos

Vila Romana, Século II d.C., São Cucufate

Aldeia da Luz, 1999-2002, Miguel Figueira e outros, Mourão

Foto Reportagem feita aquando da viagem realizada ao sul de Portugal, nos dias 27, 28 e 29 de Novembro de 2008, organizada pelo DAU-ISCTE e com o apoio do NAU-ISCTE.

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Entrevista a

David Adjaye

Nascido na Tanzânia em 1966, David Adjaye formou-se na Royal College of Art (Londres) em 1993 e trabalhou para David Chipper�eld e Eduardo Souto de Moura em 1991.

Criou o seu próprio escritório em 1994 (reorganizado em 2000).

Tornou-se professor de Arquitectura na Harvard’s Graduate School of Design.

Conta com dois livros publicados e uma série de participações televisivas e radiofónicas para a BBC, tendo entrevistado Oscar Niemeyer numa dessas ocasiões.

Reconhecido como um dos arquitectos mais bem reputados da sua geração no Reino Unido, esteve em Lisboa (Parque das Nações) e no Porto (Casa da Música), em Maio de 2008 para duas conferências organizadas pela Ordem dos Arquitectos.

© Lyndon Douglas - Elektra House (Londres, 2000)

por Hugo Oliveira

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No início da sua carreira consi- deravam-no um artista do espaço. Porém, prestando atenção à palestra dada há minutos, �ca-se com a forte ideia de que as condições e compromis-sos sociais são tão ou mais importantes que a qualidade espacial. Na apresen-tação foi possível ver mais imagens de pessoas, de sítios, de in�uências, que propriamente de desenhos técnicos. Quando é que se apercebeu de que não estava apenas a lidar com o espaço físico mas também com outras questões a nível social, económico e até emocional?

Para mim, nunca houve uma evolução que me levasse a esta posição. Foi antes o inicio do meu reconhecimento acerca do que a arquitectura realmente era. A arqui-tectura para mim foi uma espécie de epifania que surgiu através do meu irmão mais novo que é de�ciente motor e mental e que frequenta uma escola especial. Lembro-me da primeira vez que fui à escola dele e de ter �cado chocado ao aperceber-me como a arquitectura afectava a sua vida. Como é que de forma tão pobre ela afectada a vida dele. E então apercebi-me qual é o propósito de tudo isto. De que temos de melhorar este cenário, mas não só do ponto de vista

Como foi a experiência de trabalhar com David Chipper�eld e Eduardo Souto de Moura no espaço de um ano?

Para mim foi incrivelmente importante porque, como estudante via muitos arqui-tectos apresentar e eram sempre acon-tecimentos muito fantásticos e encanta-dores em certa medida. Mas trabalhar nos estúdios destes arquitectos - por quem tinha um grande respeito – con�rmava a possibilidade de se puder praticar a arqui-tectura de uma forma que não era insana. Pelo contrário, era antes uma busca intelectual e um estilo de vida. Especial-mente com o Eduardo. Quando trabalhei no estúdio do Eduardo reparei que a prática poderia ser um estilo de vida e uma busca intelectual pública para além da técnica. Era uma paixão para a vida. Nunca teria compreendido isso senão tivesse trabalhado com ele e era isso que gostava no Eduardo.

Existiu algum momento em que tenha pensado que poderia abrir o seu próprio estúdio com o intuito de conseguir expressar as suas ideias de forma mais clara?

Bem, nunca foi algo assim tão deliberado. Basicamente, quando regressei do Japão

individual mas de um ponto de vista mais abrangente, da sociedade. Por isso, o meu primeiro projecto acabou por ser um projecto para ele. Estava muito motivado por esta questão social. O que se sucedeu foi que posteriormente comecei por fazer casas para artistas pois eles foram os primeiros a estarem interessados pelo meu trabalho. Desta forma, era natural que as pessoas achassem que eu estava interessado na abstracção espacial mas isso… foi apenas um pormenor do meu percurso.

Concorda com a ideia de que os arqui-tectos são moderadores técnicos e culturais do desenvolvimento urbano?

Não concordo de todo com essa ideia de “moderadores”. Penso que são escritores. Penso que a economia e as �nanças, assim como a idade em que vivemos escrevem os argumentos para as cidades em que vivemos. Mas na verdade, a arqui-tectura imagina e visualiza estas coisas. E através deste tipo de abordagem na arquitectura consegue-se dar um contributo muito mais poderoso, pois podemos escolher ser complacentes neste diagrama ou escolher manipular o mesmo para outros �ns.

© Ed Reeve - Sunken House (Londres, 2007)

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em 1993 – depois de ter passado um ano em Quioto – instalei-me de novo em Londres. O Blair tinha acabado de ganhar as eleições, não existia nenhum trabalho e estava a dar aulas numa universidade devido a essa escassez de trabalho em Londres. Teria que sair da cidade para ter projectos e não o queria fazer. E, a partir do meu trabalho académico comecei a conhecer pessoas que me pediam para desenhar mobiliário e fazer pequenas extensões. Por isso, no início a minha prática começou no meu quarto – de forma não deli- berada – era apenas trabalho. Depois o trabalho passou para a minha sala onde algumas pessoas me ajudavam, e depois passou para a minha garagem que se converteu num estúdio. Posteriormente movi-me mesmo para um estúdio. Tudo isto quando tinha quase trinta anos.

Considera-se um jovem professor ou um velho estudante?

Um jovem professor. Gostaria de ser um velho estudante, mas não penso que o seja...

Numa entrevista o Richard Rogers disse isto sobre si: “Ele consegue falar, consegue escrever, consegue construir… e de forma mais concreta ele consegue desenhar.” São estas quatro capacidades igualmente importantes quando se cria e transmite um pensamento arquitectónico?

Na minha opinião penso que no �nal o edifício é o mais importante. Existem duas coisas que valorizo cada vez mais. O primeiro – claro – construir. E pensava que apenas se resumia a isso. Mas, neste momento valorizo muito a publicação de livros. Fazer livros tornou-se muito importante. São duas possibilidades de transmitir as ideias sobre arquitectura: através de construções e de livros.

Qual é a importância da forma na manifestação de ideias através de edifícios públicos? Não estamos a construir templos egípcios cheios de hieróglifos que signi�cam algo, mas continua a ser a mensagem expressa através da morfologia.

Penso que tudo se resume a esta fase em que estamos a viver. Estamos realmente numa era económica onde a arquitectura já não é feita tendo em conta esta ideia de “vida civil”. É feita para suportar esta máquina capitalista da idade que estamos a atravessar. A arquitec-tura torna-se um motor para o comércio. Desta forma,penso que o comércio baseia-se fundamentalmente na mudança e na �exibilidade. Por isso, não é nenhuma ironia que estejamos a viver num tempo em que tudo tem de ser �exível. Flexível, �exível, �exível, �exível, �exível! Já que tudo terá de estar preparado para responder. E a única coisa que hoje em dia parece não responder a qualquer tipo de coreogra�a é a pele. Ela torna-se em algo perverso e para mim a arquitectura é sobre resistência, não sobre assimilação. Porque a arquitectura modera entre os desejos culturais que estão a emanar e uma certa ideia de civilização. Nesse sentido é um moderador. Assim, para mim a arquitectura tem de intervir em muito mais que apenas na superfície. Tem de

© João Morgado

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© João Morgado

questionar radicalmente o que é a �exibilidade. E tem de ser inteligente o su�ciente para oferecer melhores modelos do que aquele que a máquina nos pede em termos de �exibilidade. Não se trata de pensar apenas em forma, mas antes na procura de uma correcta mani-festação física tendo em conta os tempos em que vivemos. Terá de ser assim. Prende-se com a busca, apenas isso.

Até porque a arquitectura funciona-lista mostrou que se pensarmos unica-mente na função muito provavelmente o edifício não sobreviverá mais do que 10 anos.

Se tanto.

Portanto a �exibilidade não é de todo um ponto-chave na prevenção destes cenários. Se apenas pensarmos nos fenómenos sociais (tendo em conta a forma como rapidamente aparecem e desaparecem) provavelmente estar--se-á a cometer um tremendo erro, não?

Existem dois tipos de arquitectura. Pode-remos dizer que a �exibilidade opera de forma a dar longevidade. Poderemos argumentar de duas formas: uma igreja é algo muito estático, no entanto pode ser transformada num auditório ou noutra coisa qualquer. Mas inerentemente está a essência do que realmente é, de certa forma encapsulada. Uma casa é – podere-

© Tim Soar - Nobel Peace Centre (Oslo, 2005)

© Ed Reeve - Rivington Place (Londres, 2007)

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mos dizer – algo muito �exível. Mas apenas é �exível no sentido em que, a sua �exibilidade tem a ver com a sua econo-mia. Se construirmos uma casa normal, não é �exível. Se construirmos uma casa de produção, é altamente �exível devido à sua materialidade. Portanto existe uma espécie de mito sobre como a �exibili-dade melhora a vida. Na verdade não a melhora necessariamente porque cada geração encontra na arquitectura os mecanismos apropriados para trans�gu-rar e mudar. Portanto, não creio que seja função da arquitectura a de pré-�gurar qual vai ser a �exibilidade de uma nova geração. Simplesmente não sabemos! Devem ser as pessoas a decidir, até porque daqui cem anos, cinquenta anos ou vinte anos, a �exibilidade pode ser algo completamente diferente. Não será a �exibilidade da mudança. Poderá ser a �exibilidade do ambiente ou de outra coisa qualquer. Assim penso que poder-se-á estar a tomar uma falso rumo ou uma justi�cação para um trabalho que, no �nal, não o justi�ca de todo. De facto esta obsessão poderá coxear a arquitectura.

Porque acha que a Dirty House se tornou num ícone tão poderoso?

Penso que a Dirty house conseguiu apreender uma certa disposição de uma determinada geração. Penso que por um mero acaso defrontei-me com uma disposição.

Tal como com o projecto Pitch Black.

Sim, Pitch Black é outra versão disso mesmo… É de novo re�exo de uma disposição. Penso que as casas têm de ser alianças para os seus utilizadores do ponto de vista do trabalho, e não tanto pensar o que elas poderão ser. Por isso, a Dirty House foi para mim o momento em que simplesmente decidi que não iria trabalhar da forma como os outros gostariam que eu trabalhasse, mas que iria usar uma estratégia que se aproxi-masse mais da estratégia das artes plásti-cas. Era a possibilidade de manifestar algo que se ia desenvolvendo e cujo resultado �nal eu não conhecia à partida. Envolvi-me no processo de forma a descobrir o produto �nal por mim próprio.

É mais interessante quando não sabe-mos até onde nos leva o processo. A materialidade é algo muito evidente no seu trabalho. Pensa nos materiais desde do inicio do processo ou é algo que tenta reforçar depois de uma fase mais conceptual do projecto?

Trata-se de um processo que percorre todo o projecto. As questões relacionadas com a materialidade quase que começam

© Lyndon Douglas - Dirty House (Londres, 2002)

© Tim Soar - Pitch Black (Nova Iorque, 2006)

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não tanto pensar o que elas poderão ser. Por isso, a Dirty House foi para mim o momento em que simplesmente decidi que não iria do Rio de Janeiro, ou Soweto…

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-venção. Porém, isso não é bem verdade, correcto? De facto as questões sociais e económicas são fortemente tratadas em locais como as favelas do Rio de Janeiro, ou Soweto…

Penso que teremos que ver esta questão de vários pontos de vista. Não podermos olhar para isto como sendo algo bom ou mau, pois

paraíso. Esta não é a realidade do nosso mundo e nunca irá ser. Poderá ser um discurso utópico, mas é na realidade uma forma ingénua de olhar as coisas.

Mas qual vai ser a importância no futuro de cidades como estas?

Penso que a realidade será feita com todas estas coisas mas mais comprimidas e em maior quantidade. Existe esta ideia de que tudo irá -

ção humana é que se articula entre o alto e o baixo, em qualquer momento, pois existe sempre uma grelha de poder. Nós não temos ideais. A cidade romana não era ideal, as cidades-jardim não são ideais, as vilas nigerianas também não. Nenhuma delas é ideal. Todas são resíduos, que por sua vez são informais. O que eu acho fascinante nas favelas ou outros bairros degradados é o facto de não conseguirem propor uma arquitectura de objectos. Antes propõem uma rede de espaços. Por exemplo, como arquitecto senti algum pudor quando fui a Kalisha – ou algum outro sítio

© Ed Reeve - Museum of Contemporary Art (Denver, 2007)

© Lyndon Douglas - Stephen Lawrence Centre (Londres, 2007)

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semelhante – porque nunca pensei existir tanta complexidade num sistema destes. De que haveria uma comunidade que poderia ter em mente uma rede de comunidades ainda maior. E tudo isto baseado na pobreza!

A necessidade por vezes permite-nos ser criativos.

Verdadeira invenção! Estamos demasiado ocupados com um pensamento racional – que está poluído por condicionantes económicas e de desenvolvimento – e por isso não conseguimos sair desta jaula que nos é dada. Por isso, para mim é uma arquitectura que eu admiro tremendamente. Não a considero depravação económica. Está economicamente corrompida! Claro que está! E com isto não quero dizer que não ter água é algo bom. Mas como modelo, e do ponto de vista de um arquitecto, acho que é fantástico. Mais original que muita arquitectura que conheço.

O Bob Geldof esteve aqui há umas semanas atrás. A�rmou que a Angola era gerida por criminosos e que as casas mais ricas do mundo estão localizadas na baía de Luanda. Tal como outros países africanos, a Angola tem um potencial enorme devido aos seus recursos naturais. Há quem diga que até poderá in�uenciar a China nas suas decisões. Qual pensa que poderá ser o papel de países europeus (mais concretamente aqueles que tiveram colónias em África) no desenvolvimento das cidades africanas?

Existe uma dupla agenda. As cidades africanas precisam de ser libertadas dos seus mestres coloniais de forma a conseguirem brotar os seus próprios destinos. Existe esse problema. Mas, ao mesmo tempo, porque existe uma história comum, ambas as partes não se podem separar. Não existe nenhuma tábula rasa na vida. Somos a soma de todas as coisas que fazemos. E existe uma relação de 500 anos – para bem ou para mal – entre a África e a Europa. Assim, é quase impossível dizer que se consegue prosseguir com ou sem o outro. Existe uma relação recíproca. Penso que o mais impor-tante é reajustar os termos: como é que se poderá levar a cabo essa mudança? Já não é aceitável entrar no jogo do: “nós sabemos mais, vocês não sabem nada. É assim que é.” Tem de ser uma renegociação do processo. O problema com África é o facto de ter de agora pensar muito rapidamente – num mundo que se move de forma muito rápida – sobre si mesma. De outra forma �cará uma névoa no meio deste processo de desenvolvimento de veloci-dade global que está a decorrer. Está a acontecer em todos os lugares. Sei que estes tipos, estes políticos estão a questionar: “Então quem somos nós no meio deste processo de globalização?”Mas penso que é impossível continuar neste vácuo. Têm de aprender com a Europa e compreender o que a Europa fez. Mas também têm de compreender o que são. Porque se tentam importar o modelo Europeu à África… não será sustentável, não funcionará. Entrará em colapso. Porque depois no �nal será necessária uma quantidade enorme de fundos para se sustentar.

© João Morgado

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Ainda se lembra da primeira questão?

Sim, sim… E lembro-me qual foi a sua resposta.

Qual foi?

Perguntei-lhe o que é que ainda o interes-sava sobre a arquitectura.

E o que é que ainda o interessa a si sobre a arquitectura?

Ainda existem muitas questões, muitas mesmo. Porque para mim, o que é interes-sante sobre a arquitectura é o facto de vivermos num tempo em que temos tantas oportunidades, e por isso penso que representa uma magní�ca possibili-dade de encontrar o futuro. Por isso, no meu mundo os políticos de�nem o seu mundo legislativamente. Para mim, a arquitectura permite de�nir o que o futuro poderá ser. E isso comove-me profundamente.

22 de Junho de 2008, Lisboa

seguir os reis ingleses – Richard Rogers, high-tech, pós-modernismo, James Sterling). Todos fantásticos, mas ele foi o único a dizer: “existe uma outra agenda aqui a qual me interessa mais”. E nós �camos surpreendidos. “Wow. O que é isto?”. Desconhecíamos aquilo tudo! Não sabíamos onde encontrar estes livros. E o David sabia! O David recolhia estes livros todos, conhecia as pessoas… E por isso todos nós gravitámos em torno disto. Também não queríamos toda esta outra herança.

Ser professor

Para mim trata-se de dar continuidade. E de certa forma, o que há de bom nas coisas que aprendemos e conhecemos senão as partilhamos e as vemos repro-duzidas e modi�cadas e desenvolvidas em coisas diferentes?

Fica surpreendido com os seus alunos?

Sim! Eu faço coisas e eles respondem com outras coisas e eu �co a pensar: “Oh meu Deus!”

Entrevistar Oscar Niemeyer

O Oscar Niemeyer foi fantástico. Eu só queria conhecer uma pessoa que fosse contemporânea de Le Corbusier. Queria conhecer uma pessoa… até porque tinham todos desaparecido. Aliás, já todos desapareceram! E aos cem anos, o Oscar é o último fragmento do inicio do movimento moderno. Por isso queria muito conhecê-lo.

Cada projecto dá-nos uma experiência e conhecimento mais aprofundado na resolução de alguns problemas e são também in�uências no percurso arqui-tectónico de cada um. Irei mencionar alguns acontecimentos passados e gostaria que dissesse qual a importân-cia no seu percurso.

Viver no Médio Oriente e em África

Viver no Médio Oriente e em África permitiu-me compreender que existe uma forma de pensar a cidade que não se baseava em objectos mas no espaço. As cidades do Médio Oriente são construídas por não-objectos. Trata-se de uma estra-tégia espacial. Por isso, quando se olha para imagens dessas cidades apenas vemos muralhas, pequenas ruas, pátios e outros vazios. Mas a experiência de viver numa cidade assim… é um pouco estra-nha. Isto porque viver numa cidade europeia é compreender objectos e o espaço. Mas viver numa cidade islâmica é compreender as pessoas no espaço! Corpos no espaço, a coreogra�a de corpos no espaço.

Trabalhar com David Chipper�eld

Foi bom porque o David expôs-me a mim e a minha geração – de uma forma quase solitária – à Europa e à Arquitectura. Foi através do David que nós descobrimosPortugal, Espanha, Itália, Alemanha… tudo através dele. Isto porque a Inglaterra era uma espécie de ilha, e existia um forte movimento pró-high-tech que tinha a sua própria cultura. E o David era um dospoucos arquitectos que não estava a

© Michael Strasser (T-B A21) - David Adjaye & Olafur Eliasson: Your black horizon art pavilion (Lopud/Croácia, 2005)

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Re�exão

Pedro Bandeira

Numa recente conferência (1) na Escola de Arquitectura da Universidade do Minho João Luís Carrilho da Graça referiu-se ao interior do auditório de Poitiers (2000-2008) como um “barco”. Uma fotogra�a da maqueta e uma outra da inauguração enfatizam esta imagem – a de um objecto �utuante num espaço neutro, um casco de madeira de cantos arredondados, com proa e popa, onde músicos tripulantes, acusticamente isolados, sequestram um público da complexa realidade exterior. Um barco perdido ou refugiado na noite escura sob o cúmplice silêncio do mar e o auditório mais belo que recordo neste momento.

Nota e Derivasobre o Barco

de João Luís Carrilho da Graça

Teria que escrever algo sobre isto, mesmo que apressadamente, não sobre a so�sticação estética do projecto acústico e do modo como a forma ainda segue a função mas, simples-mente, sobre a imagem proposta de um barco com música lá dentro.

Aviso já que me vou perder.

Filmogra�a:Titanic (1997) de James CameronFitzcarraldo (1982) de Weber HerzogLa leggenda del pianista sull'oceano (1998) de Giuseppe TornatoreE la Nave Va (1983) de FelliniMy Architect (2003) de Nathaniel Kahn

(1) conferência de João Luís Carrilho da Graça ocorreu no dia 31 de Outubro de 2008 no auditório da Escola de Arquitectura da Universi-dade do Minho (Guimarães).

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A primeira imagem de tão massi�cada só poderia ser de Titanic. O excesso de zelo de uma orquestra que não abdica em qualquer circunstância do cumprimento rigoroso da sua função. O melancólico “Nearer My God to Thee" ou "Autumn" um hino episcopal de um acidente com banda sonora que leva ao limite a relação entre o espaço e a sua música. Existe uma música para cada espaço. Existe também o silêncio mas desde John Cage que não deixará de ser música.

A segunda imagem prende-se com Fitzcarraldo, esse amante de Enrico Caruso, que procura na imensidão da Amazónia o negócio da borracha para construir uma Ópera na cidade peruana de Iquitos. E vemo-lo subir o rio Pachitea e conquistar os índios mais perigosos e selvagens com o seu gramofone e a voz de Caruso e vemo-lo subir o barco, já com a ajuda dos índios, por uma montanha de lama para chegar a um outro rio de nome Ucayali de outro modo inacessível. Fitzcarraldo por Klaus Kinski no �lme de Werner Herzog, vestido de branco, com chapéu branco, na proa de uma barco branco e o ruído branco da selva misturado com o ruído branco da agulha que se gasta no �m do disco de vinil ou cobre do tempo dos gramofones.

e nem por isso as máquinas hesitam alimentadas pelos diferentes timbres e palmas que competem à desgarrada. A quinta imagem é de Nathaniel Kahn em visita ao barco que o seu pai (Louis) desenhou para a orquestra de música �utuante dirigida por Cathleen e Robert Boudreau sob a cobertura amovível constituída por um conjunto de peças de plástico com baixos-relevos de meias esferas ou pirâmides supostamente após a viagem ao Egipto…

Mas chega!

Claro que houve uma frase que, inadverti-damente ou não, originou todas estas imagens. E o barco de Carrilho da Graça deriva agora em todos os mares.

Perseguiu-me essa imagem e a memória destes �lmes até à apresentação da Escola Superior de Música de Lisboa (1998-2008).

A terceira imagem é a do melhor pianista de sempre, o lendário 1900 que humilhou Jelly Roll Morton no tempo em que o espaço do Jazz era New Orleans. O �lme de Giuseppe Tornatore conta-nos a história desse pianista que sempre viveu a bordo do transatlântico SS Virginian sem nunca pôr os pés em terra: “la terra... è una nave troppo grande per me. È una donna troppo bella. È un viaggio troppo lungo. È un profumo troppo forte. È una musica che non so suonare. Non scenderò dalla nave”. 1900, o mesmo pianista que se recusou a gravar em disco porque não concebia a possibilidade de se poder ouvir a sua música sem que ele estivesse presente. E por isso restou a perseverança de 1900 até morrer, lentamente, com o barco esquecido e abandonado num qualquer porto sob o som grutesco (de gruta e não grotesco) de gotas de água a cair e ecoar nas paredes de gigantes naves de ferro vazias.

A quarta imagem é do �lme “E La Nave Va” de Fellini. E vemos a casa das máquinas do navio com atarefados homens suados em carvão a alimentar as hélices de bronze e depois vemos estes homens serem interrompidos por um excêntrico grupo de intérpretes de ópera que lá acedem a cantar sob o barulho e ritmo ensurdece-dor das máquinas de vapor. E os trabalha-dores param respeitosamente para ouvir

© Arthur Péquin - Auditório Teatro de Poitiers (2000-2008)

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O contexto de uma paisagem urbana da cidade quase periférica de crescimento quase avulso numa imagem em que o fotógrafo Fernando Guerra mostra a volumetria de branco imaculado sobres-sair do per�l descontrolado das caixas de elevador e marquises de Lisboa. Lá está a Escola de Música a �utuar sobre a cidade como um barco. Uma ordem alienígena errante, sem lugar, sem porto de abrigo. E isto evoca-me a audácia da arquitectura modernista, igualmente condenada a uma existência objectual, isolado na vastidão de um mar crispado sem promessa de retorno.

E é necessária a naturalidade da condição autoral e solitária de 1900, a convicção e paixão de Fitzcarraldo ou a excentricidade surrealista de Fellini para se fazer ouvir para lá da cacofonia.

Porque esta continua a ser uma arquitectura de excepção. Porque mesmo aquilo que nós arquitectos dizemos “moda” (seja o amarelo Dior; ou o preto Prada…) continua a ser excepção que con�rma a desregra. Se calhar ainda bem. Teremos sempre como recompensa a imagem romântica da incompreensão e do velho lobo do mar.

Depois da conferência tive a oportunidade de falar com o João Luís Carrilho da Graça. Falei-lhe do seu barco e destes �lmes, não me parece que lhe tenha interessado particularmente, mas lá me confessou que o seu primeiro projecto, com treze anos de idade, foi de um barco que construiu em Portalegre, cidade sem rio a 190 km do mar. Imagino-o a assobiar a música do Verão Azul.

Pedro Bandeira, Dezembro de 2008.

© João Luís Carrilho da Graça - Escola Superior de Música de Lisboa (1998-2008)

© FG+SG - Fotografia de Arquitectura - Escola Superior de Música de Lisboa (1998-2008)

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Fotogra�a

1Edifício America’s Cup Veles Vents

Valência (2005-2006) David Chipper�eld

Hugo Coelho (2008)

2Atmosferas de Macau

Nuno de Assis (2008)

3Pavilhão Cidades da Água em

Saragoça (2008)Italo Rota

Flávia Falcão (2008)

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3

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Agenda

40 Cartazes em Exposição, 1994-2008, de Michel François | Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian | até 22/Fev | 21 782 38 00 | Entrada LivreA exposição reúne 40 cartazes de grande dimensão, impressos ao longo de 14 anos, distribuídos e a�xados em diferentes cidades. Michel François tem vindo a trabalhar com o artista belga Richard Venlet na criação de um dispositivo de apresentação destas quarenta imagens. É este conjunto tornado obra que agora se mostra.Para a exposição em Lisboa será impressa uma nova imagem a distribuir aos visitantes, que será também visível em 30 moopies espalhados pela cidade de Lisboa.

BESart - Colecção BES - O Presente: Uma dimensão in�nita | Museu Colecção Berardo | até 25/Jan | 21 361 2400Colecção que constitui o mais signi�cativo acervo de fotogra�a contemporânea em Portugal, desde os históricos da modernidade até aos mais jovens criadores. Um percurso pela evolução técnica do modo de representar fotográ�co: do retrato à paisa-gem, da �cção à realidade.

Cildo Meireles | Tate Modern | 11/Jan | +44 (0) 20 7887 8008 | [email protected]“O meu trabalho aspira a uma condição de densidade, grande simplicidade, frontalidade, abertura de lingua-gem e interacção”. Nascido em 1948 no Rio de Janeir, Cildo Meireles é um dos artistas brasi-leiros mais politica-mente activos, com obras �loso�camente intrigantes.Com uma grande economia de meios consegue trans-mitir uma grande carga de complexas ideias através dos seus objectos e das suas instalações.

Isaac Julien Western Union: Small Boats | Museu do Chiado | até 1/Fev WESTERN UNION: Small Boats de Isaac Julien encerra a trilogia de instalações audiovisuais iniciadas com True North (2004) e continuada com Fantôme Afrique (2005). Estes trabalhos exploram o impacto da localização – tanto cultural como física – através de um retumbante efeito de justaposição de regiões globais em oposição.Este novo trabalho de Isaac Julien, WESTERN UNION: Small Boats, aborda as viagens através do mar Mediterrâneo dos chamados “clandestinos”, que partem da Líbia, fugindo das guerras e da fome. Podem ser vistos como trabalhadores migrantes da economia, tais como outros europeus - “Anjos” na terminologia de Walter Benjamin -, testemunham o fracasso da esperança e dos sonhos da modernidade e erram agora através dos oceanos, alguns sem nunca chegarem, nem regressarem.

Juan Muñoz | Museu Serralves | até 31/Jan | [email protected] exposição documenta o carácter extraordinariamente inovador e abrangente da obra de Muñoz em domínios vários – escultura, instalação e desenho. Entre outras séries, serão exibidos os esboços da famosa série Raincoat Draw-ings [Desenhos em impermeável].

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