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11º CONCURSO DE MONOGRAFIA “LEVY & SALOMÃO ADVOGADOS” NECESSIDADE E CONVENIÊNCIA DA SUBSTITUIÇÃO DA LEI DE ARBITRAGEM Pedro Luiz Pessoa de Carvalho Universidade Presbiteriana Mackenzie (Campus Higienópolis – SP) 5º ano

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11º CONCURSO DE MONOGRAFIA “LEVY & SALOMÃO ADVOGADOS”

NECESSIDADE E CONVENIÊNCIA DA SUBSTITUIÇÃO DA LEI DE

ARBITRAGEM

Pedro Luiz Pessoa de Carvalho

Universidade Presbiteriana Mackenzie (Campus Higienópolis – SP)

5º ano

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RESUMO

A presente monografia tem por objetivo analisar a conveniência e necessidade

de substituição da Lei de Arbitragem brasileira ora em vigor, discorrendo sobre questões

jurídicas que devem ser repensadas de modo a melhorar a aplicação da arbitragem no

país. Trataremos, pois, sobre as principais alterações propostas no Projeto de Lei nº

7.108/2014, que dispõe sobre a reforma da atual legislação arbitral, avaliando o cabimento

e a necessidade de tais alterações no que se refere à disciplina da arbitragem no Brasil.

ABSTRACT

This monography aims to examine the desirability and need for replacement

of the brazilian Arbitration Law now in force, discussing legal issues that must be

rethought in order to improve the enforcement of arbitration in Brazil. Therefore, we’ll

discuss the main changes proposed in the Draft Law nº 7.108/2014, which reforms the

current brazilian Arbitration Law, assessing the appropriateness and necessity of these

changes regarding the arbitration enforcement in Brazil.

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SUMÁRIO

Introdução .......................................................................................................................... 4

1. Ampliação do âmbito de aplicação da arbitragem ........................................................ 5

2. Poderes dos árbitros ...................................................................................................... 8

3. Convenção arbitral como cláusula estatutária no Direito Societário .......................... 12

4. Sugestões complementares quanto à reforma da legislação arbitral ........................... 15

Conclusão ........................................................................................................................ 18

Bibliografia.

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4

INTRODUÇÃO.

A arbitragem vem sendo vista como um dos principais meios de resolução de

controvérsias envolvendo direitos patrimoniais, em razão das várias vantagens que

apresenta em comparação aos processos instaurados perante o Poder Judiciário, como,

por exemplo, a celeridade, a liberdade de escolha dos árbitros, a flexibilização das regras

procedimentais, a presença mais evidente da oralidade entre partes e árbitros etc. Trata-

se de tema em evidência no Direito, em âmbito nacional e internacional, dada sua

contemporaneidade e eficácia para a solução de conflitos.

Atualmente em vigência, a Lei nº 9.307/1996 trata da instituição da

arbitragem no direito brasileiro, dispondo sobre suas características jurídicas e regras de

instituição e condução procedimental por parte dos árbitros e das partes envolvidas no

conflito. Em que pese a boa recepção e funcionamento da lei arbitral no Brasil até o

momento, tal não é perfeita, de modo que revelaram-se, ao longo dos anos, diversas

lacunas normativas referentes a questões jurídicas de muita recorrência e relevância

prática, como, por exemplo, no que diz respeito ao âmbito de cabimento e aplicação da

arbitragem, à real extensão dos poderes dos árbitros na condução do procedimento

arbitral, dentre outras questões. Boa parte dessas lacunas vem sendo integrada por meio

de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, mas a imperatividade destes não é

absoluta, de modo que a questão estará sempre facilmente aberta a inúmeros debates e

posicionamentos diversos enquanto as lacunas não forem devidamente afastadas por meio

da positivação legal pertinente.

Surge a necessidade, pois, de uma alteração na Lei de Arbitragem ora em

vigor, de modo que esta seja complementada com disposições legais que afastem dúvidas

quanto a questões hoje sem resposta clara na lei. A necessidade de substituição da atual

lei também justifica-se na dinamicidade do estudo da arbitragem, que vem atualizando-

se e desenvolvendo-se mais a cada dia.

De forma a melhorar a aplicação da arbitragem no Brasil, foi apresentado à

votação do Congresso Nacional, há pouco tempo, o Projeto de Lei nº 7.108/2014 (com

origem no PLS nº 406/2013), tendo sido aprovado pela Câmara dos Deputados, com uma

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única emenda, encontrando-se atualmente no aguardo de apreciação por parte do Senado

Federal. O referido projeto complementa boa parte das lacunas até então vislumbradas,

esclarecendo os reais limites de abrangência da arbitragem quanto a matérias de direito,

bem como pontos sobre os poderes dos árbitros e outras medidas inerentes à instituição e

condução do processo arbitral.

No presente trabalho, serão analisadas a necessidade e a conveniência da

substituição da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) ora em vigor, abordando as principais

mudanças previstas no Projeto de Lei nº 7.108/14, que dispõe sobre modificações quanto

à disciplina legal da arbitragem atualmente dispensada pelo direito brasileiro.

1. AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM.

O Projeto da Nova Lei de Arbitragem vem sendo bem recebido pela

comunidade jurídica brasileira, resolvendo questões importantes antes imprevistas

quando da edição da Lei nº 9.307/96. Dentre elas, encontra-se, primeiramente, a

elucidação quanto à extensão da aplicabilidade material da arbitragem, notadamente no

que diz respeito à instituição de procedimento arbitral para resolução de conflitos

envolvendo a Administração Pública, contratos individuais no Direito do Trabalho, bem

como contratos de adesão e de consumo. Trata-se de tema cuja abordagem legislativa se

faz necessária nos tempos atuais.

Destarte, no que tange às causas envolvendo o Estado – direta ou

indiretamente -, tem-se que tais sempre têm gerado discussão quanto à possibilidade ou

não de se submeterem ao crivo arbitral, apesar do importante e histórico precedente em

que o Supremo Tribunal Federal julgou não ser possível impedir a União de submeter à

solução arbitral questão que possa ser objeto de transação entre as partes1. A Suprema

Corte, à época, fundamentou sua decisão no sentido de que “a arbitragem sempre teria

sido admitida em nosso ordenamento, mesmo nas causas que envolvem a Fazenda;

depois, na autonomia contratual do Estado, que só poderia ser negada se este agisse como

Poder Público (hipótese em que não haveria margem para a disposição do direito)2”. Com

1 STF - RE: 71467 GB, Relator: BILAC PINTO, Data de Julgamento: 14/11/1973, TRIBUNAL PLENO,

Data de Publicação: DJ 15-02-1974) 2 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, p. 45. 3ª ed., Editora Atlas. São Paulo, 2009.

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efeito, segundo Carlos Alberto Carmona, “quando o Estado pratica atos de natureza

privada, alheios à sua condição de entidade pública, não se pode pretender a

aplicabilidade das normas próprias dos contratos administrativos, pois, se o Estado pode

contratar também na óptica privada, nada obsta a possibilidade de se firmar compromisso

arbitral para a solução de conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.”3

O PL nº 7.108/14 afasta de vez a dúvida quanto à possibilidade de instituição

de arbitragem envolvendo interesses do Estado, estipulando a inclusão de dois parágrafos

ao art. 1º da Lei nº 9.307/964, de modo a incluir a possibilidade de utilização da arbitragem

pela Administração Pública, direta ou indireta, quando a natureza do direito em conflito

e as demais circunstâncias jurídicas assim autorizarem. Estabelece, inclusive, regras de

competência à autoridade pública para a instituição de convenção arbitral.

No tocante aos contratos individuais sob a guarida do Direito do Trabalho,

também são previstas alterações. Também sem previsão na atual lei arbitral, as questões

trabalhistas suscitam debates, mas nada que impeça, em tese, que sejam submetidas ao

crivo arbitral, segundo parte da doutrina (Carlos Alberto Carmona, p. ex.5).

Porém, há vertente doutrinária que a repudia, principalmente os

juslaboralistas, baseando seus argumentos no princípio da indisponibilidade e

irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas do trabalhador. Sustentam, pois, que o

empregado estaria à mercê do empregador, ao ter de submeter seus direitos à

possibilidade de transação e de apreciação pelo juízo arbitral, ainda que indisponíveis e

irrenunciáveis. Tal entendimento privilegia os princípios do Direito do Trabalho em

detrimento da instituição da arbitragem para a solução de conflitos decorrentes de

contratos individuais de trabalho6. De acordo com Maurício Godinho Delgado, “a

compatibilização da arbitragem ao Direito do Trabalho se mostra complicada, em razão

3 Vide nota nº 2. 4 Art. 1º Os arts. 1º, 2º, 4º, 13, 19, 23, 30, 32, 33, 35 e 39 da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996,

passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º (...) § 1º A Administração Pública direta e indireta poderá

utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 2º A

autoridade ou o órgão competente da Administração Pública direta para a celebração de convenção de

arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”. 5 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, p. 44. 3ª ed., Editora Atlas. São Paulo, 2009. 6 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, p. 40. 3ª ed., Editora Atlas. São Paulo, 2009.

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da diferente disciplina principiológica dada ao referido ramo jurídico, em comparação

com o Direito Civil e Comercial.”7

Oportunamente, o Projeto da Nova Lei de Arbitragem prevê a possibilidade

da instituição da arbitragem em meio a conflitos trabalhistas inerentes aos contratos

individuais de trabalho, dirimindo a controvérsia doutrinária. Para tanto, o legislador

estipulou um critério subjetivo para a validade da convenção arbitral em tais casos, qual

seja: a condição de que o empregado parte no contrato individual de trabalho ocupe

função de administrador ou diretor estatutário8. Assim, ao prever que o empregado parte

no contrato individual de trabalho deva ocupar cargo de administração ou diretoria

estatutária, a alteração estipulada no PL nº 7.108/2014 busca proteger a figura do

empregado hipossuficiente, viabilizando a arbitragem envolvendo contratos individuais

somente quando o empregado possuir um cargo de real relevância, presumindo-se assim

sua capacidade para atuar em maior paridade econômica com o empregador em meio ao

processo arbitral.

No entanto, tal condição de cunho subjetivo, na prática, tornaria muito restrita

e rara a utilização da arbitragem em matéria trabalhista, uma vez que, em regra, o

empregado se encontra em situação econômica bem menos privilegiada do que o

empregador e, como bem se sabe, a arbitragem é um procedimento geralmente caro, com

custos e despesas de porte que, muitas vezes, vai além da capacidade financeira do

homem médio brasileiro. Pensamos, pois, que poderiam ser feitas ainda mais

considerações no tocante à arbitragem aplicada ao Direito do Trabalho, como, por

exemplo, a possibilidade de anuência em apartado do empregado em aderir à instituição

de cláusula arbitral– como é feito para contratos de adesão e de consumo - para resolução

de conflitos decorrentes do contrato individual de trabalho, independentemente do cargo

que o trabalhador ocupe.

Com relação aos contratos de adesão e de consumo, o PL nº 7.108/2014 faz

um esclarecimento literal da exegese contida no art. 4º, §2º, da Lei nº 9.307/06, de modo

7 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho p. 1455. 6ª ed., LTr, São Paulo, 2007. 8 (Projeto de Lei nº 7.108/2014.) Art. 1º (...) “Lei nº 9.307/96 - Art. 4º (...) §4º Desde que o empregado

ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário, nos contratos individuais

de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a

iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição.”

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que, além de dispor sobre as condições de instituição de convenção arbitral em meio a

contratos de adesão, deixa-se claro que o mesmo se aplica aos contratos com base em

relações de consumo, atribuindo ao consumidor a iniciativa de instituição da arbitragem

e a faculdade de concordar com sua instituição, hipótese em que a anuência terá de ser

feita expressamente, com visto especialmente para a cláusula arbitral9. Tal disciplina

inerente aos contratos de adesão já é prevista na atual Lei de Arbitragem, mas com o

Projeto da Nova Lei, deixa-se clara a aplicação dessa sistemática às relações de consumo.

Arnoldo Wald tece consideráveis elogios sobre as novas propostas

legislativas, asseverando que o referido Projeto de Lei “ampliou, assim, o campo de

incidência da arbitragem, mas o fez com moderação e com as cautelas necessárias,

aprimorando o texto da lei atualmente em vigor, sem romper com as nossas tradições. É

um texto que representa, para o nosso direito, uma evolução construtiva, e não uma

revolução10”.

É necessária, pois, a reforma da Lei de Arbitragem ora em vigor, de modo a

se promover a devida elucidação legal acerca da real extensão do âmbito material de

aplicação da arbitragem, e, no momento, tal necessidade encontra-se bem atendida e

representada pelo Projeto de Lei nº 7.108/2014, ora em trâmite no Congresso Nacional.

2. PODERES DOS ÁRBITROS.

O PL nº 7.108/2014 também prevê uma reforma quanto à disciplina inerente

aos poderes dos árbitros na condução do procedimento arbitral. Dispõe-se, com maior

propriedade do que o faz a Lei nº 9.307/96, sobre a aplicação de medidas cautelares e de

urgência com relação à arbitragem, bem como sobre a possibilidade de expedição de carta

arbitral pelos árbitros aos órgãos do Poder Judiciário, para fins de cumprimento de

determinados atos. O projeto de lei pretende, assim, positivar uma cooperação saudável

9 (Projeto de Lei nº 7.108/2014.) Art. 1º Os arts. 1º, 2º, 4º, 13, 19, 23, 30, 32, 33, 35 e 39 da Lei nº 9.307,

de 23 de setembro de 1996, passam a vigorar com a seguinte redação: ‘(...) Art. 4º (...) § 2º Nos contratos

de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em documento apartado.

§ 3º Na relação de consumo estabelecida por meio de contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá

eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua

instituição.” 10 WALD, Arnoldo. A Reforma da Lei de Arbitragem (uma primeira visão), p. 18. Revista de Arbitragem

e Mediação, RArb. 40ª ed., Ano 11, Janeiro-Março de 2014.

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entre o árbitro ou tribunal arbitral e o Poder Judiciário, prezando-se por uma melhor

condução procedimental.

A temática da aplicação de medidas cautelares e de urgência na arbitragem

não é assunto novo no ordenamento jurídico brasileiro, como também não o é a questão

de cooperação entre os árbitros e o Poder Judiciário para a eficácia e sucesso do

procedimento arbitral em si considerado. Porém, é conveniente que venham a existir

disposições legais mais explícitas e inequívocas em nosso Direito para que tais pontos

sejam aplicados de forma mais eficaz. Necessária se faz, portanto, a reforma da atual Lei

de Arbitragem também no que diz respeito aos poderes dos árbitros na condução do

processo arbitral.

Destarte, a Lei nº 9.307/96 não possui amplo conteúdo no que diz respeito à

concessão de medidas cautelares e de urgência no âmbito da arbitragem, mas apenas de

forma elíptica, atribuindo ao árbitro a possibilidade de solicitar a aplicação de medidas

coercitivas e cautelares ao juiz togado11. Contudo, não é a insuficiência de previsão legal

atual que impede a aplicação de tais medidas em meio à arbitragem, pois, como bem

leciona Carlos Alberto Carmona, “no curso do processo arbitral – ou antes mesmo da

instauração do tribunal arbitral – pode tornar-se imprescindível a concessão de medida

que evite dano irreparável ou que torne inútil a decisão que será proferida. É preciso

analisar o delicado relacionamento entre árbitros e juízes no que concerne a tutela cautelar

e a antecipação de tutela.”12

O PL nº 7.108/2014 prevê a instituição de disposições propriamente

destinadas à questão das medidas cautelares e de urgência em meio ao processo arbitral.

Com efeito, a pretendida reforma legislativa estipula expressamente a possibilidade de as

partes recorrerem ao Poder Judiciário, antes da instituição da arbitragem, para fins de

obtenção de concessão de medidas liminares. Entretanto, seguindo-se a mesma lógica

aplicável ao processo judicial, a medida cautelar ou de urgência eventualmente concedida

pelo Poder Judiciário a uma das partes perderia seus efeitos caso a instituição da

11 Art. 22, §§ 2º e 4º, Lei nº 9.307/96 12 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, p. 322/323. 3ª ed., Editora Atlas. São Paulo, 2009.

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arbitragem não seja feita em até 30 (trinta) dias após a concessão da medida e de sua

efetivação13.

Mas não é só. O projeto da nova lei atende também à necessidade da

positivação de matéria no que tange à extensão do poder dos árbitros com relação às

medidas cautelares e de urgência no procedimento arbitral já instituído. Assim o faz ao

prever a inclusão do art. 22-B na Lei nº 9.307/96, de forma a conferir poder discricionário

aos árbitros para manter, modificar ou revogar medidas liminares concedidas pelo Poder

Judiciário a uma das partes da arbitragem, além de prever que, uma vez instituído o juízo

arbitral, tais medidas deverão ser requeridas diretamente aos árbitros14. Dessa forma, o

PL nº 7.108/14 propõe mudanças significativas no tocante ao tema, verificando-se a

extensão do poder de cautela também aos árbitros, e não somente aos juízes togados,

embora o poder de determinar a execução coercitiva das medidas cautelares e de urgência

continue sendo de competência exclusiva do Poder Judiciário.

Entendemos que a reforma nesse sentido é bem vinda e contribui para o

ajustamento da prática arbitral no Brasil com a realidade em que vivemos atualmente.

Nessa esteira, tem-se que, caso o projeto da nova lei seja definitivamente aprovado e a

reforma legislativa promulgada, os poderes dos árbitros estarão melhor delineados, com

uma maior margem de discricionariedade no tocante à disciplina das medidas cautelares

e de urgência no âmbito da arbitragem. Isso sem negar, é claro, o papel essencial do Poder

Judiciário na execução de tais medidas.

Outro ponto relevante em meio à prática da arbitragem é a comunicação

processual feita entre o árbitro ou tribunal arbitral e o Poder Judiciário, agindo em

conjunto para o fim de se garantir uma boa, segura e eficaz sentença arbitral ao fim do

procedimento. Trata-se de tema delicado no direito brasileiro em matéria arbitral.

13 (PL nº 7.108/14) Art. 2º. A Lei nº 9.307, de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 22-A e

22-B, compondo um Capítulo IV-A, e do seguinte art. 22-C, compondo um Capítulo IV-B: “Art. 22-A.

Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medidas

cautelares ou de urgência. Parágrafo único. Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte

interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da

efetivação da respectiva decisão.” 14 (PL nº 7.108/14) Art. 2º (...) “Art. 22-B. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou

revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário. Parágrafo único. Estando já

instituída a arbitragem, as medidas cautelares ou de urgência serão requeridas diretamente aos árbitros.”

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Com efeito, a interação entre o juízo arbitral e o estatal para fins de resolução

do conflito submetido à arbitragem atualmente encontra certos entraves, por haver, na

prática, o risco de interferência na função jurisdicional do Poder Judiciário, especialmente

no que diz respeito a homologações de sentenças arbitrais.

O Projeto do Novo Código de Processo Civil, bem como o Projeto de Lei nº

7.108/2014, criam um novo instituto processual de altíssima importância para o tema da

cooperação entre juízos: a carta arbitral. Com tal instrumento, será possível ao árbitro ou

tribunal arbitral solicitar aos órgãos do Poder Judiciário que pratiquem ou determinem o

cumprimento de certos atos dentro de suas competências jurisdicionais, em favor da

solução do conflito submetido à arbitragem.15

A questão da cooperação jurisdicional entre árbitros e juízes togados se

relaciona bastante com a temática das medidas cautelares e de urgência nas arbitragens,

já abordada acima. Tem-se, destarte, que a Lei nº 9.307/96 prevê a possibilidade da

realização de solicitações dos árbitros aos juízes estatais para fins de efetivação de

medidas cautelares e outras de natureza coercitiva, sem, contudo, dispor sobre a

metodologia de sua veiculação prática. A carta arbitral, portanto, se efetivamente

instituída em nosso ordenamento jurídico, representará um importante avanço quanto aos

poderes dos árbitros na condução da arbitragem. A legislação arbitral ora em vigência,

assim, deve ser reformada também no que tange à questão da cooperação entre o juízo

arbitral e juízo estatal, de modo a melhorar a forma de diálogo entre tais órgãos

jurisdicionais, bem como a forma de instrumentalização dos procedimentos arbitrais de

uma maneira geral.

Frise-se ainda, por oportuno, que não deve ser ignorado o caráter de sigilo do

processo arbitral, mesmo no tocante à cooperação de juízos. Desse modo, a

instrumentalização das cartas arbitrais deverá ser feita cuidadosamente, de forma que não

15 (PL nº 8.046/2010 – NCPC) Art. 237. Será expedida carta: (...) IV – arbitral, para que órgão do Poder

Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato objeto de

pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela

antecipada.

(PL nº 7.108/2014). Art. 2º (...) “22-C. O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral, para

que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência

territorial, de ato solicitado pelo árbitro. Parágrafo único. No cumprimento da carta arbitral será observado

o segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem.”

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sejam “vazadas” ao público informações inerentes ao conflito trabalhado em sede de

arbitragem.

Em suma, ante à necessidade de reforma legislativa com relação à extensão e

instrumentalização dos poderes dos árbitros, tem-se que os projetos das novas leis

(Projeto do Novo CPC e Projeto de Lei nº 7.108/14) mostram-se, no momento,

satisfatórios, principalmente no tocante às questões envolvendo a concessão de medidas

cautelares e de urgência, bem como no que se refere à cooperação entre juízos arbitrais e

estatais.

3. CONVENÇÃO ARBITRAL COMO CLÁUSULA ESTATUTÁRIA NO

DIREITO SOCIETÁRIO.

A inserção de convenção arbitral sob a forma de cláusula em contrato ou

estatuto social de sociedades empresárias representa uma intrincada e relevante questão

no que se refere à utilização da arbitragem no direito brasileiro. Destarte, as principais

controvérsias a respeito da cláusula compromissória em atos constitutivos de sociedades

dizem respeito ao ingresso de novos sócios no quadro societário da empresa e ao direito

de retirada dos sócios que não concordarem com a estipulação da cláusula. Notadamente,

a cláusula compromissória estipulada em estatutos sociais de sociedades anônimas

apresenta a maior problemática, já que estas, decerto, representam o tipo societário que

costuma fazer o maior uso da arbitragem para resolução de conflitos, por disporem de

mais recursos financeiros para custear o procedimento.

A doutrina brasileira já assinala que, embora a estipulação de cláusula

compromissória no estatuto social seja possível por expressa previsão legal (art. 109, §3º,

Lei nº 6.404/76), sua inclusão deverá ser feita por votação em assembleia geral, com os

votos do quórum necessário para tanto, em respeito ao princípio da votação majoritária,

da autonomia das partes e da voluntariedade na eleição da arbitragem como meio de

resolução de conflitos.

Com efeito, no que tange às sociedades anônimas, a doutrina faz uma relação

comparativa entre a cláusula compromissória inserida no estatuto social e aquela

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estipulada em contratos de adesão e consumo, salientando que não há semelhanças entre

tais hipóteses.

Conforme abordado anteriormente, nos contratos de adesão a concordância

com a instituição da cláusula compromissória depende de expressa anuência do aderente

ou de iniciativa deste, através de documento apartado ou por meio de disposição em

negrito no próprio negócio de adesão, com assinatura ou visto especialmente para a

cláusula. Porém, ainda que o tratamento legal dado ao aderente seja louvável, não tem

sido essa a razão aplicável no tocante à questão envolvendo a inserção de cláusula

compromissória em estatutos sociais e os acionistas que desejarem ingressar no quadro

societário após a inserção da cláusula no ato constitutivo da companhia, uma vez que “o

funcionamento das sociedades anônimas está baseado no princípio da maioria votante, de

modo que ao ingressar livremente em uma companhia o acionista opta por se submeter

às regras corporativas, dentre as quais está a prevalência da vontade das maiorias.”16

Desse modo, os sujeitos que pretenderem se tornar novos acionistas de

sociedade anônima que já possua cláusula compromissória em seu ato constitutivo não

devem assinar um documento em apartado para expressar sua concordância à adoção da

arbitragem como forma de resolução de conflitos decorrentes de relações societárias

internas. Isso porque não se aplica aos estatutos sociais tratamento semelhante àquele

dado aos contratos de adesão no tocante ao tema, tendo em vista ser possível ao novo

acionista, de antemão, verificar se a companhia conta ou não com uma cláusula arbitral

no estatuto social antes mesmo de se subscrever alguma ação. A concordância, quando a

cláusula já estiver inserta no estatuto, dar-se-á com a efetiva subscrição das ações emitidas

pela sociedade anônima.

Dessa forma, de acordo com Pedro Batista Martins, citado por Daniel Ber

Cukier, “o contrato de sociedade tem natureza distinta dos típicos contratos de adesão, os

quais são o foco de atenção do legislador e das restrições impostas pela lei de arbitragem.

Não é o caso das relações existentes entre os acionistas e a companhia. Os sócios se

encontram em posição parelha na sociedade e ao adquirirem ações tem ciência, por

suposto, dos termos e condições que regem a organização e o funcionamento da empresa.

16 CUKIER, Daniel Ber. “A arbitragem aplicada ao Direito Societário”, p. 231. Revista de Arbitragem e

Mediação, RArb. 40ª ed., Ano 11, Abril-Junho de 2014.

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Assim como os acionistas não tem a oportunidade, sponte própria, de modificar qualquer

das estipulações constantes do estatuto, o mesmo ocorre com o pacto arbitral. Não há

como, no direito societário, o sócio ou o adquirente de ações fazer qualquer tipo de reserva

quanto à sujeição a determinadas condições estatutárias17”.

Com relação ao direito de retirada de sócios, tal assunto ganha grande

relevância na hipótese de não concordância, por um ou mais sócios, quanto à estipulação

de cláusula compromissória no ato constitutivo da sociedade após o ingresso deles no

quadro societário. Por não haver, ainda, disposição legal dispondo especificamente sobre

a matéria, o PL nº 7.108/14 prevê expressamente a possibilidade de o sócio se retirar da

sociedade em face da instituição de convenção arbitral no corpo do estatuto social da

companhia, se com ela não concordar. Com efeito, o referido projeto prevê a inclusão do

art. 136-A18 na Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), dispondo expressamente

que a cláusula compromissória obrigará a todos os acionistas da companhia, sendo

concedido o direito de retirada aos sócios dissidentes, com o respectivo reembolso do

valor de suas ações.

A nova disposição estipulada no aludido projeto de lei é benéfica com relação

à arbitragem, de modo que a instituição desta terá eficácia vinculante com relação a todos

os acionistas da companhia, em decorrência do princípio da maioria votante no que tange

às decisões societárias tomadas em assembleia. No entanto, do ponto de vista societário,

tal mudança poderá gerar uma certa insegurança ao acionista minoritário. Com efeito,

caso a pretendida reforma entre em vigor e, em determinado caso concreto, o acionista

minoritário dissidente não queira ou não possa se retirar da sociedade em face da inserção

17 CUKIER, Daniel Ber. “A arbitragem aplicada ao Direito Societário”, p. 232. Revista de Arbitragem e

Mediação, RArb. 40ª ed., Ano 11, Abril-Junho de 2014. 18 (Projeto de Lei nº 7.108/2014) Lei nº 6.404/76, Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de

arbitragem no estatuto social, observado o quórum do art. 136, obriga a todos os acionistas da companhia,

assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de

suas ações (art. 45).

§ 1º A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação

da ata da Assembleia Geral que a aprovou.

§ 2º O direito de retirada previsto acima não será aplicável:

I– caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores

mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de

valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco

por cento) das ações de cada espécie ou classe;

II– caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas

ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do

art. 137 desta Lei.

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de cláusula compromissória no estatuto social, é bem possível que ele sofra um forte

desestímulo para demandar direito frente a outros acionistas ou à companhia, ao verificar

que o processo arbitral por si só já sairia mais caro do que o próprio direito por ele

pretendido.

Não obstante, os incisos I e II do projetado art. 136-A constituem exceções

ao direito de retirada dos acionistas dissidentes em face da estipulação de cláusula

compromissória no estatuto social da companhia. Assim, não será possível ao sócio

exercer o direito de retirada quando a cláusula compromissória apresentar condição à

negociação de valores mobiliários no mercado de capitais com exigência de dispersão

acionária mínima de 25% das ações de cada espécie ou classe, bem como quando tal

cláusula for estipulada em estatuto social de sociedade anônima aberta cujo capital social

seja formado por ações com liquidez e dispersão no mercado. Pode-se ver, diante de tais

disposições, que o direito de retirada não é absoluto quanto à inclusão de cláusula

compromissória no estatuto social, especialmente em se tratando de companhias abertas.

Em suma, a eventual aprovação final da reforma proposta no PL nº 7.108/14,

com sua posterior promulgação, seria conveniente à evolução do tratamento dado à

arbitragem em matéria societária, fortalecendo o princípio da votação majoritária e o

poder de vinculação das decisões tomadas em assembleia, ao mesmo tempo em que seria

respeitado o direito de retirada dos sócios dissidentes, com um par de exceções. Porém, é

crível que venham a ocorrer diversos debates no tocante à situação dos acionistas

minoritários, diante do desestímulo que poderão sofrer quanto ao ato de demandar, em

sede de juízo arbitral, direitos subjetivos eventualmente violados.

4. SUGESTÕES COMPLEMENTARES QUANTO À REFORMA DA

LEGISLAÇÃO ARBITRAL.

Ademais, ainda há questões que podem ser solucionadas por meio da inclusão

de novos dispositivos normativos a respeito da arbitragem. Discorrendo sobre tal

necessidade, Arnoldo Wald oportunamente apresenta mais propostas, além daquelas

previstas no Projeto de Lei nº 7.108/2014. Com efeito, as sugestões se referem,

respectivamente, à validade da cláusula compromissória estipulada por referência e a

solução de conflitos de competência entre o Poder Judiciário e o juízo arbitral.

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As atividades empresariais apresentam, atualmente, inegável complexidade

geográfica e operacional, em razão da globalização da economia mundial e da

dinamicidade de tais atividades no mundo contemporâneo. Diante disso, muito se vê, na

prática, a atuação de partes envolvidas em diversas transações comerciais ao mesmo

tempo, principalmente no tocante aos contratos internacionais.

Dessa forma, não raro se verifica a intersecção de normas jurídicas em meio

às negociações e, em face da “multiplicação recente de regulamentos profissionais

aplicáveis internacionalmente a determinadas espécies de negociações, tem-se dado

ensejo à utilização de cláusulas compromissórias por referência, que decorrem da

remissão que os contratos fazem a tais regulamentos, nos quais consta a cláusula

compromissória e até, algumas vezes, a sua regulamentação ou a competência das

Câmaras para dirimir os litígios decorrentes das atividades no setor.”19 Em outras

palavras, a complexidade de certas operações comerciais pode acarretar na submissão

indireta de conflitos ao crivo do juízo arbitral, ainda que no contrato em si não esteja

pactuada a escolha da arbitragem como meio de resolução de controvérsias, mas sim em

regulamento referido por alguma das cláusulas previstas no contrato.

Com relação a essa questão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já teve

oportunidade de se manifestar em certas ocasiões. Em um primeiro caso20, a Corte

Superior entendeu ser válida a estipulação de cláusula compromissória por referência, por

falta de contestação da parte requerente em momento oportuno, fato este que acabou

tornando, no entendimento dos magistrados, prevento o juízo arbitral para dirimir o litígio

no caso concreto. Em outra oportunidade21, o STJ firmou entendimento no sentido de se

decretar a invalidade de tal cláusula, pois, em sua convicção, tratava-se no caso de um

contrato de adesão, além do fato de que a cláusula compromissória não teria sido pactuada

de acordo com os requisitos legais.

19 WALD, Arnoldo. A Reforma da Lei de Arbitragem (uma primeira visão), p. 20. Revista de Arbitragem

e Mediação, RArb. 40ª ed., Ano 11, Janeiro-Março de 2014. 20 STJ - SEC 856/EX, L’Aiglon x Têxtil União, Corte Especial, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,

j. 18.05.2005, DJE 28.08.2005. 21 STJ – SEC 978/GB, Indutech x Algocentro, Corte Especial, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 17.12.2008,

DJE 05.03.2009.

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Assim, em face das controvérsias existentes com relação ao tema, bem como

diante da ausência de disposição legal específica a respeito, o ilustre processualista

Arnoldo Wald sugere, como solução, a inclusão de um novo artigo na legislação arbitral

brasileira, que disponha ser “válida e vinculatória a cláusula compromissória decorrente

de referência ou remissão a regulamento aceito expressa ou tacitamente pelas partes ou a

outro contrato por elas firmado22”, embora o referido autor não faça menção às razões

pelas quais considera válida a estipulação da cláusula em tal ocasião.

Outra questão apontada por Arnoldo Wald se refere ao conflito de

competência entre o Poder Judiciário e o juízo arbitral no que tange à solução de

determinado litígio. Com efeito, o referido autor propõe que tais conflitos de ordem

processual sejam submetidos ao crivo jurisdicional do STJ23, aplicando-se o quanto

disposto no art. 105, I, “d”, da Constituição Federal e no art. 117 do Código de Processo

Civil. Tal posicionamento, conforme mencionado pelo referido jurista, é pacificado pelo

próprio STJ, tendo este consolidado o entendimento no sentido de que, “uma vez sendo a

sentença arbitral equiparada àquela prolatada pelos juízes togados, os conflitos de

competência verificados entre o Poder Judiciário e os tribunais arbitrais devem, com

efeito, ser resolvidos pelo STJ24”.

Não obstante, a leitura dos textos legais constitucionais e infraconstitucionais

também permite uma interpretação nesse sentido, de modo que, por razões pragmáticas,

se não for veiculada a norma processual já em uso em nosso ordenamento jurídico, correr-

se-á o risco de se prolongar, excessivamente, o tempo para a prolação de decisão tão

somente de cunho processual.

Em síntese, tratam-se essas de sugestões complementares também

importantes à reforma da atual legislação arbitral, ainda que se refiram a questões

secundárias, se comparadas às demais matérias tratadas no cerne do Projeto de Lei nº

7.108/2014.25

22 WALD, Arnoldo. A Reforma da Lei de Arbitragem (uma primeira visão), p. 21. Revista de Arbitragem

e Mediação, RArb. 40ª ed., Ano 11, Janeiro-Março de 2014. 23 Vide nota nº 22. 24 Vide nota nº 22. 25 WALD, Arnoldo. A Reforma da Lei de Arbitragem (uma primeira visão), p. 22. Revista de Arbitragem

e Mediação, RArb. 40ª ed., Ano 11, Janeiro-Março de 2014.

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CONCLUSÃO

A arbitragem representa um dos expoentes da moderna resolução de conflitos,

ao lado da conciliação e mediação, sendo cada vez mais utilizada no Brasil para a solução

de controvérsias envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, principalmente em meio a

relações comerciais de alto calibre econômico. Entretanto, a legislação arbitral ora em

vigor, apesar de ter apresentado bons resultados de aplicação até então, não atende a todos

os anseios da realidade jurídica verificada na prática, sendo necessária sua reforma para

a integração de certas lacunas normativas.

O Projeto de Lei nº 7.108/2014, há pouco tempo aprovado pela Câmara dos

Deputados e aguardando votação por parte do Senado Federal, bem como o Projeto do

Novo Código de Processo Civil, pretendem suprir as atuais necessidades com relação à

arbitragem, de forma a fortalecer sua aplicação no ordenamento jurídico pátrio. Visa-se,

portanto, o aprimoramento de certos aspectos da arbitragem no Brasil, como, por

exemplo, a cooperação jurisdicional entre os juízos arbitrais e estatais, a elucidação sobre

a real extensão do âmbito de aplicação da arbitragem e dos poderes dos árbitros, além de

promover uma integração interdisciplinar entre a arbitragem e o Direito Societário, no

que tange especificamente à estipulação de cláusula compromissória em estatutos sociais

de sociedades anônimas.

Tratando-se a arbitragem de uma instituição jurídica tão em evidência, que

vem sendo avidamente estudada pelas comunidades jurídicas do mundo todo e sobre a

qual vem sendo produzido cada vez mais conhecimento, inegável a necessidade e

conveniência de sempre se manter a legislação arbitral pátria atualizada, de modo a

acompanhar o ritmo global de aplicação da arbitragem.

Por fim, tem-se que a reforma prevista para a legislação arbitral em nosso

ordenamento jurídico, se definitivamente aprovada e promulgada, fortalecerá a aplicação

da arbitragem no país, complementando as regras ora vigentes, elucidando questões

duvidosas e viabilizando a realização de soluções mais eficazes para conflitos que versem

sobre direitos patrimoniais disponíveis.

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Bibliografia.

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed., Editora Atlas. São Paulo,

2009;

CUKIER, Daniel Ber. “A arbitragem aplicada ao Direito Societário”. Revista de

Arbitragem e Mediação, RArb. 40ª ed., Ano 11, Abril-Junho de 2014;

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed., LTr, São Paulo,

2007;

WALD, Arnoldo. A Reforma da Lei de Arbitragem (uma primeira visão). Revista de

Arbitragem e Mediação, RArb. 40ª ed., Ano 11, Janeiro-Março de 2014;

Lei Federal nº 9.307/1996 (disponível em

“http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm”);

Projeto de Lei nº 7.108/2014 (disponível em

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606030);

Projeto de Lei nº 8.046/2010 (disponível em

“http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267”)

Superior Tribunal de Justiça (STJ) – “www.stj.jus.br”;

Supremo Tribunal Federal (STF) – “www.stf.jus.br”.