Negociação Coletiva Tese Dari Krein
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Para
Os que lutam pela transformao social
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A G R A D E C I M E N T O
O presente trabalho resultante de uma interao coletiva que construmos nos ltimos
anos com dois grupos de pessoas extremamente centrais na minha vida. A tarefa de dar conta
da tese s foi possvel com a ajuda dos/as amigos/as e companheiros/as de caminhada. Comeo
manifestando minha imensa gratido ao grupo de convivncia diria no Cesit e no Instituto de
Economia, pelas reflexes partilhadas, pelos espaos de pesquisa fomentados e pelo estmulo
discusso e elaborao em torno do tema do trabalho. Uma ajuda que foi fundamental para
amadurecer muitas das reflexes expostas na tese, mas tambm para viabilizar as condies de
sua realizao, partilhando aulas, criando espao de pesquisa, liberando-me da coordenao do
curso de especializao e de outras tarefas e projetos sob minha responsabilidade para fazer o
esforo final de concluso de um estgio na trajetria, pois o trabalho no est esgotado, mas
procura ser um passo a mais no desbravamento do tema. Nesse sentido, sinto-me fazendo parte
de um projeto que procura construir um balano da questo social e do trabalho no Brasil. Por
isso, meu profundo agradecimento toda a equipe do CESIT, Prof. Carlos Alonso Barbosa de
Oliveira, orientador e mestre na nossa trajetria, Paulo Baltar, Anselmo Santos, Marcelo Proni,
Jos Ricardo Gonalves, Cludio Dedecca, Davi Antunes, Mrcio Pochmann, Eduardo
Fagnani, Eugnia Leone, Alexandre Gori, Alice, Susete, Licrio, Thiago, alm de Denis
Maracci e Amilton Moretto, com quem, junto com a Josiane, tive o prazer de trilhar o mesmo
caminho na ps-graduao, comeando e terminado junto o mestrado e o doutorado. A opo
de no adjetivar a imensa contribuio de cada um dos membros do Cesit tem uma razo muito
simples: apesar do imenso esforo, cometeria inevitavelmente injustias. verdade que alguns
so mais do que colegas ou amigos, e que outros foram, em muitos momentos, co-orientadores
desse trabalho.
Quero destacar minha gratido ao conjunto dos funcionrios e professores do Instituto,
nas pessoas do nosso diretor Mrcio Percival e da Cida e Alberto, tanto pela acolhida como
pela contribuio no desenvolvimento do estudo e do trabalho.
O meu agradecimento se estende, tambm, de forma muito especial, a trs equipes com
as quais partilhei pesquisas fundamentais para o presente trabalho. Do projeto que estudou as
relaes de trabalho nas micro e pequenas empresas, sob a coordenao de Anselmo, destaco,
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alm dos colegas do CESIT, Magda Biavaschi, que deu uma imensa contribuio na reta final,
lendo e interagindo com o material que estava em elaborao, alm de Mariana Mei,
Hildelberto, Ana Maggi, Cssio Calvete e Viviane. O segundo grupo foi o que desenvolveu
uma pesquisa sobre tendncias nacionais e internacionais das relaes de trabalho, sob a
coordenao de Dedecca e Baltar. Como foi a pesquisa mais recente, muita coisa est
incorporada na tese, por isso minha imensa dvida para com os/as colegas: Andria Galvo,
Darcilene, Sidharta, Sandra e Ricardo. O terceiro grupo de pesquisa estudou o sindicalismo e
as relaes de trabalho no setor tercirio, em conjunto com o Dieese, no qual partilhei a
coordenao do projeto com Jos Ricardo, contando com a contribuio de Clber, Agildo,
Milena, Joana, Samira, Lvia, Breno e Emilie. bvio que os problemas so de minha
responsabilidade, mas muitas das informaes e reflexes so desses coletivos com que
trabalhei conjuntamente nos ltimos anos.
difcil fazer o agradecimento, pois no d para ficar espichando a lista nem cometer
injustia. Mas o compromisso de ter uma atuao social sempre foi um motivador para o
desenvolvimento do trabalho. Quero agradecer as pessoas com quem partilho uma perspectiva
de vida. Destaco poucas, que representam o conjunto de trabalhadores/as em busca de um
mundo melhor, agradecendo e destacando os que tiveram uma participao mais direta no
presente trabalho. Meu especial agradecimento a Marilane, companheira de muitas jornadas e
muitas contribuies, ao Csar e Moema, ao Wilmar e Juracilda. O meu agradecimento a
todos/as que partilharam reflexes e informaes, proporcionando muitos exemplos no
decorrer da tese. A todas vocs, externo o meu profundo agradecimento nas pessoas do Artur,
da Ana Trcia e da Darlene.
Por ltimo, mas no menos importante, quero agradecer a inestimvel ajuda nessa
trajetria das pessoas de minha famlia. No foi s compreenso ou aturao pela tenso na
elaborao da tese, mas foi uma partilhar concreto de tarefas, ajudando a fazer clculo, a
revisar texto ... O agradecimento no se limita a contribuio para elaborao da tese, mas pelo
sentido que vocs tm na minha vida. Muito obrigado do fundo do corao aos meus amores,
Lucia, Ana, Andr, Ana Iria e Nicolau. A vida com vocs fica mais cheia de graa.
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Resumo
A presente tese tem como objetivo fazer um balano da regulao do trabalho no Brasil a partir da dcada de 1990, observando as transformaes ocorridas tanto em relao ao contedo como em relao aos espaos de normatizao. No que tange ao contedo privilegia-se uma anlise dos aspectos centrais da relao de emprego: formas contratao, remunerao e jornada de trabalho. Aspectos que sofreram diversas alteraes pontuais, mas que caminham na mesma direo, de ampliar a flexibilizao das relaes de trabalho, em um mercado de trabalho historicamente pouco estruturado, marcado pelo excedente estrutural de fora de trabalho, alta informalidade, baixos salrios, pequena proteo social e acentuado desrespeito aos direitos vigentes. uma flexibilidade histrica, que se amplia a partir da dcada de 1990, dentro do contexto de baixo crescimento econmico, estreitamento do mercado de trabalho e da prevalncia de uma ordem econmica dominada pela financeirizao e sob hegemonia do neoliberalismo. Na anlise das diversas medidas busca-se verificar a efetividade e o seu impacto no mercado de trabalho.
Em relao aos espaos normativos, a anlise buscar apreender as alteraes advindas a partir das mudanas legais, do processo de negociao coletiva e pela dinmica do mercado e/ou pelo poder discricionrio do empregador em estabelecer de forma unilateral novas normas e regras que vo determinar as condies de uso, contratao e remunerao do emprego. As alteraes se complementam nos trs espaos, ocorrendo inmeras medidas legais, mas o efeito mais substantivo sobre a vida dos trabalhadores no ocorre pela desregulamentao, mas pela dinmica do mercado de trabalho. O conjunto de mudanas tende a fragilizar a regulao pblica do mercado de trabalho, reforando a lgica de mercantilizao da fora de trabalho e deixando o trabalho ainda mais inseguro, instvel e precrio.
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Abstrat
The present thesis aims to draw a balance of labour regulation in Brazil from the beginning of the 90s to the present days, observing the changes both related to the regulation content and its range. Concerning regulation content, the analyses focuses central aspects of employment relation: sorts of labour contracts, earnings and working hours. These aspects have suffered lots of punctual changes, yet they all had the same tendency to strengthen flexibility in labour relations, within a country characterized by a labour market historically weakly structured and marked by a structural excessive supply of labour, high rates of informality, low wages, poor social protection and significant disrespect for actual rights. It is a historical flexibility, increasing since the 90s, within a context of low rates of economic growth, labour market narrowing and prevalence of an economical order dominated by finances and the hegemony of neoliberalism. When analyzing the changes, the effort is to verify their effectiveness and impact on labour market.
Concerning the range of regulation, the analyses aims to perceive the changing resulting from legal altering, from collective bargaining, from the market dynamics and/or the discretionary power of the employer to establish new rules and norms which determine the conditions of using, contracting and remunerating the work force. The changes complement themselves in these three aspects, although the most considerable effect over the workers lives does not come from the deregulation itself but from the dynamics of the labour market. The set of changes tends to weaken the public regulation of the labour market, strengthening the mercantilization of the labour force logic and leaving labour even more insecure, unstable and precarious.
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Lista de grficos, tabelas e quadros Lista de Grficos Pg. Grfico 1.1 evoluo do nmero de sindicatos de trabalhadores Brasil 54 Grfico 2.1 Evoluo do emprego formal por tipo de contrato, 1990-2005 115 Grfico 2.2 - A incidncia dos contratos com prazo determinado (ativos) entre 1990-2005
117
Grfico 2.3 - Evoluo dos servidores demissveis, entre 1995 e 2005 122 Grfico 2.4 - Contratao por tempo determinado, leis nas trs esferas de governo, 2005 Brasil.
123
Grfico 2.5 - Evoluo dos contratos temporrios, 1990-2005 Brasil 127 Grfico 2.6 - Evoluo dos contratos por obra certa e prazo determinado, 1995- 2005 Brasil
131
Grfico 2.7 - Evoluo total dos contratados com prazo predeterminado e obra certa por setor econmico, emprego urbano, 1995-2005.
132
Grfico 2.8 - Evoluo dos contratos por prazo determinado nos anos de 1999, 2002 e 2005 Brasil.
135
Grfico 2.9 Distribuio dos ocupados por jornada de trabalho, - Brasil 138 Grfico 2.10 - Evoluo do total de assegurados pela bolsa qualificao, entre 1999-2005 - Brasil-
141
Grfico 2.11 - Evoluo do contrato aprendiz, 1999, 2002 e 2005- Brasil 146 Grfico 2.12 - Tempo de permanncia no emprego dos desligados por faixa (meses), entre 1996-2005 Brasil
148
Grfico 2.13 - PIB, fluxo dos admitidos/desligados e Desemprego 1997-2005 153 Grfico 2.14 - Grfico 2.14 - Evoluo e distribuio setorial das empresas sem empregados - Brasil.
163
Grfico 2.15 - Formas e preferncia de contratao, profissionais de informtica 1997, 1998 e 2004
164
Grfico 2.16 - - Cooperativas de trabalho e total de cooperativas filiadas OCB, 1990-2005
169
Grfico 2.17 - n de estagirios contratados pelas empresas por intermdio do CIEE - Brasil
176
Grfico 4.1 Percentual de empresas sem PLR, 2000 a 2004 268 Grfico 4.2 PLR mdio por setor de atividade, 2000 e 2004 (valores nominais) 270 Grfico 4.3 - Percentual dos reajustes salariais iguais ou superiores ao INPC/IBEGE, 1996-2005
281
Grfico 4.4 - Piso salarial por faixa de salrio mnimo - entidades sindicais de SP 287
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Lista de Tabelas Pgs
Tabela 2.1 Renda mdia dos empregados por vnculo temporrio ativo e todos os vnculos, Brasil 1999 -2004 (em R$)
129
Tabela 2.2 Renda mdia dos empregados com contrato por prazo determinado e todos os vnculos, Brasil 1999- 2003 (em R$)
136
Tabela 2.3 - Renda mdia dos contratados para aprendizagem e todos os vnculos, Brasil 1999-2003
147
Tabela 2.4. Sindicatos com clusulas referentes a contratos atpicos e sua incidncia sobre o total de documentos 1998/2004.
150
Tabela 2.5 Distribuio dos profissionais pesquisados, em 2004 165 Tabela 2.6 Formas de pagamento, 2004 166 Tabela 2.7 Distribuio dos postos de trabalho gerados por empresa, segundo formas de contratao. Regies Metropolitanas, 1989, 1999 e 2004
185
Tabela 2.8 Trabalhadores terceirizados, Brasil 1994 e 2004 189 Tabela 3.1 - Horas Semanais Trabalhadas pelos Ocupados e pelos Assalariados no Trabalho Principal Demais Municpios da Regio Metropolitana de So Paulo 1990-2005
245
Tabela 4.1 PLR mdia sobre o salrio mdio, setores selecionados 2000 e 2004
272
273 Tabela 4.2 Evoluo da folha de salrios bruta, a receita lquida e da PLR e participao da PLR na folha de salrios e na receita lquida (2000 = 100%) Tabela 4.3 Percentual da PLR em relao folha bruta de salrios, 2000 e 2004
274
Tabela 4.4 - Distribuio Percentual do Valor Adicionado aos Empregados 1999-2005, no setor bancrio Brasil
275
Lista de Quadros
Quadro 3.1 - Comparativo da Remunerao e Benefcios da Telefnica x Empresas Contratadas
195
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Lista de abreviaes e siglas ABRACOOP - Associao Brasileira para o Desenvolvimento do Cooperativismo; ACCs Acordo Coletivo de Trabalho; ADIN Ao Direta de Inconstitucionalidade APINFO Associao dos Profissionais de Informtica; ASSERTTEM Associao Brasileira de Empresas de Servios Terceirizveis e Trabalho Temporrio. CIEE Centro de Integrao Empresa Escola CIPA Comisso Interna de Preveno de Acidentes CLT Consolidao das Leis do Trabalho CNQ Confederao Nacional dos Qumicos; CPD Contrato por Prazo Determinado; DRT Delegacia Regional do Trabalho ECA Estatuto da Criana e Adolescente FENAJ Federao Nacional dos Jornalistas FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio FIESP Federao das Industrias do Estado de So Paulo; IAPAS Instituto de Administrao Financeira da Previdncia e Assistncia Social LRF Lei de Responsabilidade Fiscal; OCB Organizao das Cooperativas do Brasil; OIT Organizao Internacional do Trabalho ONG Organizao No Governamental; PAEP - Pesquisa da Atividade Econmica Paulista PDV Programa de Demisso Voluntria PEA Populao Economicamente Ativa, PED Pesquisa Emprego e Desemprego; PIB Produto Interno Bruto; PIS Programa de integrao Social PNPE Programa Nacional de Primeiro Emprego; RH Recursos Humanos SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas; SNO Secretaria Nacional de Organizao da CUT; STF Supremo Tribunal Federal SINDEEPRES Sindicatos dos Empregados em Empresas de Prestadores de Servios e Terceiros do Estado de So Paulo.
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Sumrio Introduo__________________________________________________________________1 Captulo 1 _________________________________________________________________21 O mercado de trabalho e o padro de regulao do trabalho no Brasil ________________21
1. Caractersticas estruturais do mercado de trabalho______________________________ 25 2. A regulao do trabalho no Brasil_______________________________________________ 37 3. Avanos e limites da regulao pblica na dcada de 80 ____________________________ 50
3.1 A regulao pela negociao coletiva __________________________________________________55 3.3. Avano da regulao social do trabalho pela ampliao da legislao e fortalecimento das instituies pblicas _____________________________________________________________________________61
4. Os anos 90: avano da flexibilizao e fragilizao das instituies pblicas__________ 63 4.1. As negociaes coletivas nos anos 90 __________________________________________________72 4.2. Estado e regulao pblica do trabalho _________________________________________________77 4.2.1 O governo FHC: ampliao da flexibilizao __________________________________________79 4.3 A Justia do Trabalho: resistncia x flexibilizao _________________________________________83 4.4 O sistema de fiscalizao e vigilncia do trabalho _____________________________________93 4.5. Ministrio Pblico do Trabalho _______________________________________________________97
5. O debate recente sobre reforma trabalhista e flexibilizao_________________________ 100 Captulo 2 ________________________________________________________________107 As formas de contratao flexvel no Brasil______________________________________107
2. As formas atpicas de contratao vigentes no Brasil ______________________________ 111 2.1 As formas atpicas de contratao no Brasil _____________________________________________114 2.2. Servidor demissvel: a flexibilizao da contratao no setor pblico _________________________121 2.3. As formas atpicas clssicas de contratao no Brasil _____________________________________126 2.4 As novas formas atpicas de contratao________________________________________________133 2.5. Contratos atpicos voltados para grupos vulnerveis no mercado de trabalho _______________142 2.6 Contrato de experincia ________________________________________________________147 2.7 Trabalho voluntrio (contratao especial) ____________________________________________148 2.8 A negociao coletiva e as formas atpicas de contratao______________________________149
3. A flexibilidade no rompimento do contrato de emprego____________________________ 151 4. Relao de emprego disfarada ________________________________________________ 158
4.1 Contratao como pessoa jurdica (PJ) _____________________________________________160 4.2 Cooperativas de Contratao de trabalho: as cooperativas de mo-de-obra _________________167 4.3 Trabalho estgio ______________________________________________________________174 4.4 Os autnomos e a relao de emprego disfarada_____________________________________178 4.5 Trabalho em domiclio e teletrabalho ______________________________________________181 4.6 Anlise da relao de emprego disfarada __________________________________________183
5. Terceirizao e relaes de trabalho _________________________________________ 188 5.1. A terceirizao como mecanismo de rebaixamento salarial e dos benefcios trabalhistas ______193 5.2. A terceirizao como relao de emprego triangular __________________________________195 5.3. A terceirizao expressa na informalidade __________________________________________196 5.4. Terceirizao como expresso de servio especializado________________________________198 5.5. Regulamentao da terceirizao e formalizao do emprego ___________________________198 5.6. Os impactos da terceirizao na ao sindical e nas negociaes coletivas _________________203
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Captulo 3 ________________________________________________________________207 Flexibilizao do tempo de trabalho ___________________________________________207
2. As modificaes na regulao social do tempo de trabalho _________________________ 210 3. A regulamentao do tempo de trabalho ________________________________________ 218 3.1. O avano da flexibilizao da jornada de trabalho_______________________________ 220
3.1.1. Banco de horas _________________________________________________________________221 3.1.2. Compensao individual da jornada _________________________________________________228 3.1.3. Liberao do trabalho aos domingos no comrcio ______________________________________229 3.1.4. Turnos ininterruptos de revezamento ________________________________________________234 3.1.5. O descanso intra-jornada (horrio de almoo)__________________________________________237 3.1.6 Outras alternativas de flexibilizao da distribuio/extenso do trabalho ____________________238
4. A discusso sobre mudanas na durao da jornada ______________________________ 241 4.1 A jornada extensiva e as horas-extras __________________________________________________243
5. Tempo social x tempo de trabalho ___________________________________________ 248 6. A sofisticao do controle do tempo = intensificao_______________________________ 250 Captulo 4____________________________________________________________________ 253
Mudanas no padro de remunerao _________________________________________253 1. As mudanas na regulamentao da remunerao no Brasil ________________________ 253 1. As mudanas no paradigma da remunerao __________________________________ 258 4. Anlise da evoluo e papel da PLR ____________________________________________ 265
4.1 A expanso da PLR________________________________________________________________266 4.2 Avano da remunerao varivel _____________________________________________________269 4.3 PLR e produtividade _______________________________________________________________275 4.4 Metas e tipo de participao _________________________________________________________276 4.5 Distribuio do bnus______________________________________________________________278 4.6 Descentralizao da negociao ______________________________________________________279
5. As negociaes salariais ps Plano Real _________________________________________ 280 6. O salrio mnimo e a determinao dos rendimentos do trabalho _________________ 285
Consideraes finais________________________________________________________289 Referncias Bibliogrficas ___________________________________________________307
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Introduo _________________________________________________________________________
O Brasil incorpora, de forma tardia e singular, a agenda da flexibilizao1 das relaes
de trabalho. Tardia em relao aos pases centrais,2 pois ela aparece com intensidade nos anos
90,3 no contexto de uma crise econmica, abertura comercial e financeira com valorizao
cambial, redefinio do papel do Estado, reestruturao produtiva e opo poltica pelo
neoliberalismo. Singular, pois as especificidades nacionais do nosso capitalismo tardio
mostram que o Brasil sempre teve um mercado de trabalho flexvel, especialmente depois da
ditadura militar, permitindo ao empregador ajustar o volume e o preo da fora de trabalho s
diferentes conjunturas econmicas. Portanto, diferentemente dos pases centrais, aqui a
regulao social do trabalho no alcanou o mesmo grau de proteo.
Na sua essncia, a flexibilizao uma tendncia presente em praticamente todos os
pases capitalistas centrais e em desenvolvimento, com diferentes intensidades e
temporalidades, forjada a partir da crise dos anos 70, que, na viso conservadora e hegemnica,
seria necessrio ocorrer um ajuste das relaes de trabalho nova ordem social, econmica e
poltica. A flexibilizao aparece como resposta a um ambiente em que tende a se
intensificar a concorrncia intercapitalista, num contexto de instabilidade e baixo dinamismo
do produto, crescente importncia do capital financeiro (financeirizao), prevalncia de
polticas econmicas restritivas voltadas ao controle da inflao e elevao do desemprego.
Nesse sentido, ela poderia proporcionar graus adicionais de liberdade s empresas para
ajustarem o volume do pessoal empregado s flutuaes da demanda por seus produtos. O
objetivo de reduo dos custos do trabalho seria atingido evitando-se a sub-utilizao de
trabalhadores em fases recessivas os custos unitrios do trabalho poderiam ser ajustados ao
1 A preferncia pelo conceito de flexibilidade justifica-se por ser este mais ajustado realidade brasileira, que no conheceu, com exceo da previdncia e dos servidores pblicos, uma desregulamentao de direitos, mas assistiu introduo de novas regulamentaes que ampliaram a flexibilidade nos elementos centrais da relao de emprego. 2 O tardio da agenda liberal, como lembra Ricardo Antunes (2006), precisa ser visto como algo positivo, pois expressa a existncia de um movimento de resistncia da sociedade. 3 Oliveira, C.A. (1994) chama a ateno para o fato de que os conservadores no defenderam, no processo Constituinte (entre 1986 e 1988), uma desregulamentao completa da legislao trabalhista no Brasil.
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Introduo 2
volume da produo que o mercado pode absorver a cada momento (LEAL FILHO, 1994,
p.39).
Ento, na ordem econmica e poltica hegemnica no capitalismo a partir dos anos 80
nos pases centrais e dos anos 90 no Brasil, a flexibilidade apresenta dois sentidos bem
definidos. Primeiro, possibilitar maior liberdade s empresas na determinao das condies de
uso, de contratao e de remunerao do trabalho. Em segundo lugar, possibilitar ajustes no
volume e no preo da fora de trabalho na perspectiva de reduzir seu custo no cenrio descrito
acima. Essas duas finalidades concretizam-se, por um lado, por meio da supresso de
benefcios e de direitos advindos da legislao e/ou de normas coletivas, o que significa a
eliminao, diminuio ou afrouxamento da proteo trabalhista e social vigente em cada pas.
Por outro lado, pela introduo de novas legislaes ou normas coletivas que permitam adaptar
os direitos trabalhistas lgica apontada acima, especialmente em relao a quatro temas
bastante comuns em diversas experincias nacionais: remunerao, jornada, formas de
contratao e alocao do trabalho4.
No mesmo sentido, h, tambm, a tentativa de modificao da relao entre as fontes da
proteo na perspectiva da prescindncia dos preceitos legais pela negociao coletiva ou a
dos acordos coletivos pelos individuais (URIARTE, 2002, p.9). Em outros termos, no
primeiro caso, ter-se-ia a prevalncia do negociado sobre o legislado e, no segundo, a
imposio do poder discricionrio do empregador por sua vontade unilateral.5 Ou seja, a
supresso das normas que regulam as relaes de trabalho, deixando que o mercado se
encarregue de estabelecer livremente o tratamento dos assuntos desregulamentados
(MENEZES, 2000, p.05) ou re-regulamentados sob uma perspectiva flexibilizadora. Assim, na
4 A definio da alocao do trabalho no foi objeto de regulao pblica no Brasil, pois os empresrios sempre tiveram ampla liberdade de definir as funes e carreiras no interior de seus estabelecimentos. 5 Um projeto de lei que, a partir da incluso de um pargrafo no artigo 618 da CLT, introduziria a prevalncia do negociado sobre o legislado, transformando a lei em fonte supletiva do direito, acabou sendo aprovado pela Cmara dos Deputados em 2001 e encaminhado ao Senado Federal. Em 2003 saiu da pauta do Senado, sob a justificativa de que a matria seria objeto de negociao entre os atores sociais no Frum Nacional do Trabalho. Acaso tivesse sido aprovado, as clusulas dos acordos ou convenes coletivas poderiam afastar a incidncia das normas de proteo ao trabalho inscritas na CLT, abrindo a possibilidade de uma maior flexibilizao de direitos. Uma anlise do significado da medida pode ser encontrada no Captulo 1.
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Introduo 3
sua essncia, busca derrogar ou minimizar a regulao6 pblica do trabalho,7 que foi fruto de
uma construo social histrica.
A questo colocada com a flexibilizao8 a de contrapor-se a um padro de proteo
social do trabalho vigente anteriormente, pois, como observa Javillier, o Direito do Trabalho
sempre foi flexvel para cima. A ordem pblica trabalhista ou a ordem pblica social sempre
admitiu sua modificao por normas heternomas ou autnomas, coletivas ou individuais, mas
favorveis aos trabalhadores. Por isso, na verdade, o que hoje se chama de flexibilidade , em
geral, a flexibilidade para baixo (URIARTE, 2002, p.10).
A regulao social do trabalho,9 apesar das grandes diferenas nacionais, foi construda
tendo dois pressupostos bsicos: 1) os mercados de trabalho so marcados por desequilbrios
estruturais (entre capital e trabalho), onde o lado mais dbil desta relao (dos que vendem a
sua fora de trabalho) necessita de uma proteo especial; 2) os mercados de trabalho no
podem receber o mesmo tratamento dos demais mercados devido sua funo social10 de gerar
renda para a manuteno da grande maioria dos lares a noo de que o trabalho no uma
mera mercadoria constituiu-se em um dos princpios bsicos e fundadores da OIT
6 Regulao o ato ou efeito de regular (conforme as regras, as leis, as praxes, a natureza). Regulamentao o conjunto das medidas legais ou regulamentares que regem um assunto, uma instituio, um instituto. (Cf. Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa, in www.uol.com.br/biblioteca, 2006). Nesse sentido, a regulamentao tem relao direta com as leis, instituies e normas coletivas, enquanto a regulao permite construir um sentido mais amplo que abarca a realidade social com suas mltiplas formas de dispor e de ordenar (DAL ROSSO, 2003). Portanto, o termo desregulamentao ser utilizado no sentido de expressar a busca de reduzir ou derrogar as normas coletivas e/ou a legislao na perspectiva de fragilizar a regulao pblica. 7 Baglioni (1994) define relaes industriais (trabalho) como o conjunto de normas (formais ou informais, gerais ou especficas, genricas ou precisas) que regulamentam o emprego dos trabalhadores (salrio, horrio e muitos outros institutos); bem como os diversos mtodos (contratao coletiva, lei etc.) atravs dos quais as ditas normas so estabelecidas e podem ser interpretadas, aplicadas e modificadas; mtodos escolhidos ou aceitos pelos atores sociais (organizaes e representaes dos trabalhadores, empregadores e sua organizaes, o Estado e suas agncias institucionais especficas) que, por meio de tais relaes, interagem, com base em processos nos quais encontram-se diferentes graus de cooperao e de conflitualidade, de convergncia e de antagonismo (apud DAL ROSSO, 2003, p.16). 8 Uriarte (2002) destaca que, no debate europeu, h uma diferenciao entre flexibilizao e flexibilidade. Enquanto a flexibilidade estaria relacionada ao processo de desregulamentao unilateral por parte do empregador, a flexibilizao implicaria alguma negociao com contrapartidas entre os atores para adaptar as relaes de trabalho nova realidade produtiva e econmica. Mas, no presente trabalho, os termos sero usados como sinnimos, pois constituem dois movimentos que tendem a fragilizar a regulao social pblica do trabalho na sociedade. 9 Por regulao social, entende-se o conjunto de normas e instituies que foram criadas num determinado pas no sentido de reduzir o desequilbrio presente na relao capital-trabalho. 10 Alm disso, h outra peculiaridade na relao de emprego, pois, apesar de o contrato de trabalho estar relacionado ao trabalhador como indivduo, a realizao do trabalho envolve a fora de trabalho como uma colectividade o que Marx designou por trabalhador colectivo(HYMAN, 2005, p.19).
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Introduo 4
(Organizao Internacional do Trabalho).11 Nesse sentido, os direitos do trabalho, o sistema de
proteo social e os sindicatos (com sua conseqente funo de contratar normas coletivas),
tais como hoje so concebidos, esto na raiz do pacto social que sustentou a contratualidade
da sociedade moderna, dando legitimidade esfera pblica aqui constituda (ABRAMO,
2000, p.2). Em outros termos, o processo de desmercantilizao12 do trabalho foi resultante
de uma construo scio-poltica. Pela poltica, foi construda uma regulao pblica do
trabalho, por meio da introduo, por um lado, dos direitos trabalhistas e de sistemas de
proteo social e, por outro lado, do reconhecimento dos sindicatos e de seu poder de
contratao coletiva. Nesse mesmo sentido, Oliveira (1994) indica que a democratizao das
relaes de trabalho e a elevao dos padres de vida dos assalariados no resultam de suposta
racionalidade econmica: adequao do padro salarial e de consumo frente estrutura
produtiva. Na verdade, os arranjos institucionais favorveis aos trabalhadores foram
encaminhados atravs de conflitos polticos, so resultados de luta de classes (OLIVEIRA,
C.A 1994, p.212).
Sendo um processo resultante de uma construo poltica, as diferenas nacionais so
bastante expressivas.13 Mas a tendncia que prevaleceu no ps-guerra foi (1) a ampliao da
proteo social do trabalho e (2) a legitimao de instituies que tinham como finalidade
reduzir a assimetria de poder na relao entre capital e trabalho.
Coerente com o processo de desregulao econmica, de maior concorrncia e de
hegemonia poltica neoliberal, comea a prevalecer uma agenda de flexibilizao das relaes
e do mercado de trabalho que procura romper com a lgica da ordem anterior no campo
econmico, poltico e, particularmente, do trabalho. De fato, os anos 80 representaram a
ruptura de um padro de regulao social do mercado e das relaes de trabalho,
restabelecendo a autonomia das empresas na contratao e na determinao das regras de uso
da mo-de-obra. A formao desse caleidoscpio deu-se, indiscutivelmente, sob a gide da
11 Marx chama a ateno para o fato de que o trabalho em si no uma mercadoria, sendo transacionado no mercado apenas a fora de trabalho do trabalhador, o que tende a ter um carter impreciso, pois o contrato no consegue abarcar todas as questes implicadas na relao. Por exemplo, no consegue definir com preciso a quantidade de energia dispensada pelo trabalho, a capacidade de iniciativa, a descrio de todas as atividades realizadas na vigncia do contrato. 12 Expresso emprestada de Esping-Andersen (HYMAN, 2005). 13 Para entender as diferenas nacionais do sistema de proteo social do trabalho, a contratao coletiva e o sindicalismo, conferir Streeck, 1992; Baglioni,1994; e Dedecca, 1999. Os autores da Escola Neocorporativista e os institucionais privilegiam trabalhos de pesquisa que classificam os sistemas dos diversos pases.
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Introduo 5
desregulamentao econmica e social e sob o imprio da lgica do mercado (DEDECCA,
1999, pp.193 e 237).
O avano da flexibilizao no s vai colocando em xeque um padro de relaes de
trabalho construdo historicamente como aponta na perspectiva de fortalecer a lgica de
mercadorizao14 da fora de trabalho (HYMAN, 2005),15 permitindo que o mercado auto-
regulvel determine a relao de emprego. Nesse sentido, uma tentativa de despolitizao da
relao entre capital e trabalho que procura acentuar, nesta relao, trs elementos estruturais
do capitalismo: reduo da dependncia da fora de trabalho, ampliao da subordinao, ou
subjuno e diminuio do custo de contratao.
Em ltima instncia, o que est em questo a imposio de um padro,
preferencialmente determinado pela negociao direta16 entre as partes (trabalhador e
empregador) consideradas livres e iguais -, que fosse capaz de resolver os conflitos de
interesses presentes na relao de emprego. Em outros termos, as relaes sociais estariam
sujeitas ao mercado, portanto, buscando reconstituir junto com o neoliberalismo o
neocontratualismo,17 o que significa uma busca de aproximao, ao mximo possvel, entre
regulao e leis do mercado (auto-regulvel), j que no crvel a existncia de um padro
absolutamente sem regulao do trabalho, pois de alguma forma so estabelecidas as condies
sob as quais se realiza o trabalho. Como chama a ateno Gobin (2006, p.04), as novas normas
criadas tendem a perseguir a subordinao das regras sociais ordem econmica
concorrencial: elas podem ser complementares s regras se contribuem ao bom funcionamento
do mercado interior, mas no podem ser contraditrias e menos ainda antagnicas, sob pena de
se tornar entraves a serem suprimidos.18
A flexibilizao inclui outras duas dimenses. Por um lado, fortalecer a
descentralizao da contratao por empresa ou por pessoa fsica. Em organizaes complexas
e grandes, o estabelecimento de regras coletivas na unidade ou na firma tem um lado funcional 14 Polanyi (1980) chama a ateno para o fato de a sociedade de mercado no ser uma construo totalmente natural, mostrando que os mercados livres so criaturas do poder do Estado e s subsistem enquanto tal. 15 A viso de que a humanidade estava caminhando para um processo de desmercadorizao da fora de trabalho, na expresso de Esping-Andersen, perde sentido, pois leva a uma fragilizao de todo o sistema de proteo social e de construo de polticas especficas na rea do trabalho. 16Na viso clssica, leva o seguinte dito popular: a roupa sob encomenda tende a ficar mais ajustada do que a comprada pronta. 17A expresso, emprestada de Belluzzo, foi proferida em palestra no curso de extenso do IE para juzes do trabalho, em 05/03/2006. 18 A anlise do autor refere-se Unio Europia.
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Introduo 6
que facilita a gesto da fora de trabalho. Mesmo reconhecendo a funcionalidade da
contratao, entretanto, a lgica de contestar (derrogar ou minimizar) as contrataes
centralizadas e gerais, que estabelecem um padro de regulao social para todo o segmento.
Ou seja, o espao privilegiado para a definio das normas tende a ser a empresa.
Por outro lado, a adaptabilidade das normas coloca a demanda pela existncia de
procedimentos que facilitem a alterao das condies que regem o trabalho, pois na lgica de
um capitalismo financeirizado e flexvel prevalece a dimenso do curto prazo. Segundo
Sennett (1999), a exigncia da flexibilidade est associada ao imprio do curto prazo. Em um
capitalismo flexvel, sob a hegemonia do capital financeiro, tende a prevalecer a fluidez e a
efemeridade, que passam a no s reger a produo de bens como tambm a influenciar os
valores da sociedade. Nessa ordem, a confiana, a lealdade, o senso objetivo e o compromisso
mtuo so valores corrodos pelo fim do longo prazo. A prpria gesto da fora de trabalho
segue os preceitos dos valores associados ao curto prazo: a flexibilidade, o gosto pelo risco, a
cooperatividade superficial e a adaptabilidade (SENNETT, 1999).
Na segunda metade dos anos 90, parecia que a tese da flexibilizao perderia fora nos
pases centrais, pois estudos da OCDE (Organization for Economic Co-operation and
Development) mostravam que a flexibilizao no apresentou os efeitos esperados, especialmente sobre o nvel de emprego.19 Dubler (2000) chegou a apontar que estava em
curso na Europa um processo de re-regulao das relaes de trabalho, identificado-o, por
exemplo, a partir da introduo do salrio mnimo na Inglaterra; da negociao tripartite na
Espanha, em 1998, que estimulou a adoo de contratos por tempo indeterminado; da
resistncia na Itlia (2001), que impediu a alterao do Estatuto do Trabalhador; e da reduo
da jornada de trabalho na Frana para 35 horas.20 Na mesma lgica, aparece a OIT, que busca
responder, timidamente, tendncia de um mercado mais desregulado.21
19 Estudo da OCDE, clube dos 29 pases mais ricos, no encontrou qualquer evidncia de que aes sindicais com base em poder de negociao assentado em leis resultem em menos empregos. Sem essas aes, por outro lado, aumentam a pobreza e as desigualdades (CARLOS, 1998: 97). 20 Os fatos tambm indicam que a teoria liberal-conservadora sobre o emprego encontra dificuldades na sua afirmao; do contrrio, como explicar, na concepo acima, a coincidncia entre a reduo da jornada de trabalho, o crescimento econmico e a reduo do desemprego na Frana aps a adoo de uma jornada menor? Como explicar que, na Espanha, coincidentemente, aps a celebrao de um Acordo Interconfederal de Estabilidade no Emprego, em 1998, para incentivar o contrato de longa durao, o desemprego, curiosamente, abaixa e o crescimento econmico se eleva a patamares considerveis (aps 1999) (KREIN, 2001). 21 Na OIT, a partir da segunda metade dos anos 90, ganha fora a formulao de que necessrio estabelecer parmetros para evitar a concorrncia predatria no campo do trabalho com o avano da globalizao, por meio de um conjunto de orientaes que ser designado como trabalho decente. O conceito de trabalho decente se apia
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Introduo 7
Mas a tese da flexibilizao volta a adquirir fora, depois de um pequeno perodo em
que parecia arrefecida em diversos pases. Por um lado, ela continua tendo centralidade na
agenda dos organismos internacionais,22 que reafirmam e recomendam aos seus pases
membros, inclusive ao Brasil, a necessidade de uma reforma trabalhista.23 Por outro lado, na
Europa aparecem duas novidades (tendncias): em primeiro lugar, uma forte presso pela
flexibilizao funcional (nas empresas), especialmente por meio de contratos coletivos que
aumentam a jornada sem elevao do salrio ou uma simples reduo da remunerao em troca
da manuteno de um certo nvel de emprego. Na mesma perspectiva, h uma crescente
presso das entidades empresariais francesas pela alterao da lei das 35 horas (CESIT/MTE,
2006). A segunda novidade, considerada a coqueluche do momento, ganha expresso atravs
do conceito de flexisecurity, que significa flexibilizar as relaes de trabalho sem, no entanto,
destituir todo o sistema de proteo social, como forma de garantir a competitividade dos
pases desenvolvidos e, ao mesmo tempo, manter um patamar de seguridade social. A grande
referncia o modelo construdo na Dinamarca, por meio da introduo de diversos contratos
flexveis sem eliminar toda a proteo social. Neste caso, descontextualiza-se novamente a
discusso para vender um modelo, que, em ltima instncia, promove uma flexibilizao das
relaes de trabalho, pois adota o princpio do estmulo pessoal ou da concorrncia como
fator de explicao da dinmica do mercado de trabalho.24
em quatro pilares genricos: os direitos e princpios fundamentais no trabalho, a promoo do emprego de qualidade, a extenso da proteo social e o dilogo social. So princpios gerais, que apresentam alguma concretude somente em relao ao trabalho escravo e infantil. So formulaes que reagem, ainda que genrica e timidamente, lgica da concorrncia absoluta que a globalizao est estabelecendo. Na verdade, a OIT est sendo incapaz de estabelecer parmetros para reduzir a competitividade entre as naes por meio do preo pago fora de trabalho. No caso do Brasil, a presso da OIT para a adoo de polticas pblicas no combate ao trabalho escravo e na erradicao do trabalho infantil forou o governo federal a adotar programas especficos e desenvolver um trabalho de fiscalizao. 22 Para a OCDE, o Banco Mundial e o FMI, as causas conjunturais do desemprego se combatem com polticas macroeconmicas ajustadas, e as estruturais esto relacionadas com a pouca flexibilidade do mercado de trabalho, que impede o seu funcionamento satisfatrio. Conferir Gimenez, 2007 e Krein, 2001. 23Para o FMI, o tamanho do governo do Brasil muito grande atualmente. E no h outro remdio: para diminuir a arrecadao, preciso gastar menos, e para gastar menos necessrio reduzir o tamanho da mquina estatal. Alm de reforma tributria, Rato tem recomendado as reformas da Previdncia, trabalhista, fiscal, flexibilidade no oramento, mais concorrncia no setor financeiro, martelando algo que no palatvel para boa parte dos apoiadores de Lula (MOREIRA, 2007). 24 A questo da flexisecurity est sendo considerada por diversos pensadores que se dizem de esquerda e defensores do sistema de proteo social, pois acabam resignando-se ao moinho satnico da globalizao.
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Introduo 8
Essas novidades so reaes a dois fenmenos de avano da lgica de globalizao e
dos rumos da Unio Europia a partir do tratado de Maastricht (1992).25 Por um lado, o cenrio
de baixo crescimento europeu e de incorporao na Unio Europia dos pases do Leste (fora
de trabalho qualificada com baixos salrios) e, por outro, a invaso dos produtos asiticos
(especialmente da China) colocam presso sobre as companhias que produzem em outras
partes do mundo, o que se traduz em demanda por uma nova rodada de flexibilizao como
condio para manter a competitividade em diversos segmentos. uma flexibilizao que vem
sob a ameaa de transferncia da unidade produtiva ou do local em que a empresa far os
investimentos para ampliar a produo ou produzir novos bens ou servios. Um parntese: os
EUA, dada a sua condio de potncia hegemnica, optaram em sacrificar boa parte da sua
indstria nacional, reduzindo a 11% o emprego nesse segmento, como forma de manter uma
ordem que lhe favorece. Alm disso, no setor de servios, a globalizao traz como novidade a
possibilidade, segundo Giddens (2006), de externalizar para outras naes 20% dos postos de
trabalho das economias ocidentais. Portanto, alm do fenmeno da transferncia da produo
para outras regies, h o deslocamento eletrnico, que tende a incidir de maneira bem mais
profunda do que os call centers (GIDDENS, 2006, p.2).26
As mudanas na ordem econmica, facilitadas pelas inovaes tecnolgicas, por sua
vez, permitiram s empresas participar do jogo de pressionar trabalhadores, sindicatos e
Estados nacionais para uma flexibilizao das relaes de trabalho como condio para a
instalao ou manuteno de uma unidade. Nesse sentido, tanto internamente (guerra fiscal)
como internacionalmente aumentou o poder de presso das empresas. Giddens (2006) destaca
que um fenmeno novo o deslocamento (no sentido de deslocalizao), como base do atual
25 Cf. A avaliao de Gobin (2006, p. 3) sobre a Unio Europia destaca que esta teria negligenciado trs grandes princpios consensuais que deveriam constituir o corao da poltica social da Europa: apoio ao mercado de forma a criar o crculo virtuoso crescimento e emprego; alto nvel de proteo social; e o desenvolvimento do dilogo social. Este trip deveria, ao mesmo tempo, balizar a regulao da economia pelo poder poltico o papel dos interlocutores scio-profissionais (sindicatos e instituies semelhantes). Entretanto, o essencialismo dos procedimentos esvazia a questo dos meios e polticas a se adotar para atingir esses objetivos; nega o conflito que ocorre em toda sociedade a respeito da partilha e da redistribuio de recursos. Torna-se, portanto, suficiente entregar-se boa vontade de cada um e s regras no obrigatrias. Dessa forma, o estatuto que estabelece os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, adotado em 1989, no tem valor obrigatrio. 26 Para ser deslocado, um lugar de trabalho em servios deveria ter as seguintes quatro caractersticas: prever um uso intensivo de tecnologia de informao, referir-se a um produto transmissvel via TI, incluir funes que podem ser codificadas e requerer pouca ou nenhuma interao direta entre os interessados. Obedecendo a estes critrios, 20% dos postos de trabalho das economias ocidentais poderiam ser classificados como deslocveis (GIDDENS, 2006:02).
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Introduo 9
paradigma da globalizao.27 um deslocamento tanto das atividades manufatureiras como dos
servios (deslocamento eletrnico). A ameaa de transferncia da unidade vem acompanhada
de uma nova diviso globalizada do trabalho, em que praticamente no h mais espao nas
economias avanadas ou com melhor remunerao para a produo de bens e servios
passveis de deslocamento que exigem baixa qualificao da fora de trabalho , caso no
haja alguma poltica de proteo explcita por parte de seus respectivos estados nacionais. Mas
o deslocamento tambm est atingindo setores mais qualificados da fora de trabalho.28
A concorrncia entre trabalhadores passa a afetar as formas de contratao, a
remunerao e o tempo de trabalho, entre outros aspectos, de um conjunto de profissionais de
um determinado segmento econmico. Nos segmentos mais qualificados, h uma mudana no
prprio sentido do trabalho, em que o emprego est sendo substitudo por projetos e
campos de trabalho em um capitalismo flexvel (SENNETT, 1999), mas os trabalhadores
continuam atuando de forma subordinada lgica do capital. Tudo bem que esse nvel de
deslocamento eletrnico ainda marginal, mas aponta para uma tendncia de fortalecer a atual
ordem econmica globalizada.
A lgica da flexibilizao, no contexto da globalizao neoliberal, coloca em
questionamento o Estado e os sindicatos, instituies historicamente de referncia para a
mediao que viabiliza a regulao social do trabalho. Elas apresentam crescente dificuldade,
em grande parte dos pases, de serem referncia para a construo da regulao que amplia a
proteo social. No caso do Estado, a discusso no se h mais ou menos interveno, mas
qual o carter dessa interveno. Carlos Alonso Oliveira (1994) lembra que no h
incompatibilidade entre interveno do Estado e livre funcionamento do mercado, como pode
ser observado no caso chileno e brasileiro no perodo da ditadura militar. Belluzo (2006)
aponta que o Estado atua, no cenrio atual, no sentido de viabilizar os negcios das empresas,
27 Num certo ponto de vista, pode-se dizer que a globalizao um conjunto de distintos processos de atribuio do preo das mercadorias e dos servios das atividades econmicas. Com o incio do sculo dezenove, a drstica reduo do custo do transporte implicou que os bens no precisassem mais ser produzidos prximo ao lugar onde eram consumidos. Aproximadamente dos anos setenta em diante, o salto ulterior na simplificao das comunicaes e do transporte tornou possvel desvincular e realizar em lugares diversos as vrias fases do processo manufatureiro (GIDDENS, 2006). 28 Um taxista londrino ganha mais do que um taxista de Manila, no porque desenvolva melhor seu trabalho, e sim porque a prpria natureza do ato de guiar um txi no torna este trabalho passvel de ser realizado em outro lugar. O mesmo no vale, no entanto, em absoluto para uma srie de encargos de trabalho nos escritrios, nos hospitais ou nos bancos, mantidos at agora ao respaldo da concorrncia direta dos trabalhadores de outras regies do mundo (GIDDENS, 2006, p.03).
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Introduo 10
havendo uma total inverso no seu papel, pois permite a subordinao da poltica economia.
Em termos mais concretos, grande parte das medidas que viabilizaram a desregulao
econmica e a flexibilizao vieram dos governos, em consonncia com as expectativas do
mercado, assim como o seu processo de desestruturao e privatizao contribuiu para a perda
de referncia na estruturao do mercado de trabalho e da sociedade. Portanto, h uma
redefinio do papel Estado na ordem econmica e poltica hegemnica nos ltimos 30 anos,
como expresso de uma relao de foras presente na sociedade.
Os sindicatos tambm sofreram um processo de fragilizao, passando a ter menor
capacidade de interveno na regulao e nos rumos da sociedade. Como lembra Baglioni
(1994), na ordem do ps-guerra, os sindicatos tiveram um importante papel na estruturao de
um perodo particular do desenvolvimento do capitalismo. Na era da globalizao financeira,
os sindicatos perdem fora, dada a vigncia de um contexto desfavorvel, da mudana do perfil
da classe trabalhadora e de uma crise de representao da instituio. As estratgias de ao,
nesse cenrio, foram absolutamente variadas, dependendo das concepes polticas, do grau de
organizao e da capacidade de preservao de sua fora. Mas, no geral, as diferentes
estratgias no foram capazes de segurar a tendncia de flexibilizao, apesar de terem
ocorrido movimentos de resistncia (de diferentes ordens), de negociao das mudanas e at
de resignao, que legitimaram o processo em curso. A questo, assim, no se h ou no
sindicato, mas qual o carter dessa instituio, pois ele pode ser til tanto no sentido de
contribuir na organizao do processo de trabalho como no de constituir uma forma de
contestao e de preservao da regulao social do trabalho. Em geral, nos pases centrais,
com algumas excees, os sindicatos perderam fora. O ponto em discusso, que no objeto
da presente tese, se essa crise estrutural ou conjuntural.29
A questo eliminar ou reduzir os entraves para o livre funcionamento do mercado de
trabalho (ANDERSON, 1994), retirando o papel exercido pelos sindicatos e pelo Estado na
regulao salarial e das condies de trabalho. As opes polticas mais gerais vo claramente
na perspectiva de fortalecer a lgica da flexibilizao, o que contribui para induzir certos
comportamentos nas pessoas, nos agentes econmicos e nas instituies em relao regulao
do trabalho.
29 Cf, Rodrigues (1999) e Boito Jr. (2003), que expressam com clareza essa polmica.
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Introduo 11
Nesse sentido, a flexibilizao uma agenda imposta pela lgica das transformaes no
capitalismo, sendo, portanto, uma agenda que vem do corao dinmico do sistema capitalista.
Ou melhor, um ponto da agenda contempornea do capitalismo que perpassa praticamente
todos os pases inseridos, apesar das muitas especificidades nacionais. uma agenda que afeta
as bases da sociabilidade da sociedade contempornea, redefinindo o papel do Estado e o perfil
da classe trabalhadora, com importantes impactos nas instituies, especialmente no
sindicalismo.
No Brasil, como afirmado acima, essa agenda aparece com fora nos anos 90, como
contraposio ao movimento ocorrido na dcada de 80, quando o pas, diferentemente
inclusive da tendncia internacional, avana na perspectiva de ampliar a regulao do trabalho,
o que est expresso na Constituio Federal de 1988 e, em menor grau, no resultado das
negociaes coletivas. Mas, nos anos 90, chama a ateno o fato de a pauta proposta para o
ajuste das relaes de trabalho ser muito similar de outros pases, particularmente os pases
da Europa e da Amrica Latina. Similar no s na concepo como tambm nos temas sobre os
quais concentram-se as investidas para flexibilizao: a forma de contratao, a alocao, o
tempo de trabalho e a remunerao. Essa a principal razo para focalizar esses aspectos na
anlise das tendncias recentes. Apesar de os pontos serem bastante similares, h uma srie de
particularidades nacionais na abordagem de cada um dos temas, alm de outros que aparecem
com fora na sociedade brasileira, tais como a discusso sobre os encargos sociais30 e a
tentativa de fragilizao das instituies pblicas que atuam na rea do trabalho.
Quando se observa o balano do conjunto das mudanas nos anos 90, fica evidente que
prevaleceu a orientao flexibilizadora, fortalecendo a regulao privada das relaes de
trabalho.31 Ela advm tanto das mudanas legais, com a redefinio do papel do Estado na
sociedade, quanto dos processos de negociao e do aumento do poder discricionrio do
empregador, num contexto de estreitamento do mercado de trabalho. A combinao de
polticas recessivas com insero internacional passiva e com valorizao cambial teve um
efeito deletrio sobre o mercado de trabalho, especialmente com a exploso do desemprego, do
30Estudo sobre custos do trabalho e encargos sociais, conferir em Santos, 2005 e 2006. A discusso sobre os encargos sociais no ser feita na presente tese, pois j foi realizada pelo autor citado. 31 Cf. Krein, 2001; Veras, 2002; Oliveira, 2002; Freitas, 2003; e Pochmann, 2001.
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Introduo 12
aumento da informalidade, do trabalho por conta prpria e da gerao de ocupaes em
pequenos negcios.32
Nesse cenrio de maior instabilidade e de exposio concorrncia, as grandes
empresas tendem a realizar uma reestruturao produtiva33 que tem como finalidade ampliar
a sua flexibilidade e buscar reduzir custos, dada a importncia adquirida pela dimenso
financeira na valorizao do capital. O conjunto de inovaes tecnolgicas e organizacionais
contribui para impulsionar a flexibilidade tanto numrica como funcional. A numrica pode ser
observada na estratgia das grandes empresas e do setor pblico de adotar a terceirizao e
outras formas de contratao com o objetivo de racionalizar custos e facilitar o rompimento do
contrato. Parte das pequenas, pressionada pelas grandes e num cenrio de demanda reduzida,
utilizou-se da informalidade como estratgia de sobrevivncia no mercado. Do ponto de vista
funcional, ocorreram alteraes na alocao (polivalncia), na remunerao e no tempo de
trabalho.
Tal processo foi facilitado pela peculiaridade do nosso padro de regulao do
emprego. Apesar da existncia de uma extensa legislao, as empresas tiveram liberdade para
fazer os ajustes aos diferentes momentos do processo da industrializao brasileira e s
diversas conjunturas econmicas. Essa condio de adaptabilidade est relacionada com a
flexibilidade j existente na legislao, com o descumprimento das normas pblicas e
coletivas, ou, ainda, com as restries atuao das entidades sindicais (organizao sindical
no interior da empresa e limitado papel histrico da contratao coletiva, especialmente nos
segmentos mais dbeis da estrutura econmica), em um contexto de estreitamento do mercado
de trabalho, aprofundando-se algumas de suas caractersticas histricas tais como a
heterogeneidade, o excedente estrutural de fora de trabalho e a concorrncia predatria entre
os/as trabalhadores (OLIVEIRA C.A.,1998).
Trata-se de um cenrio, portanto, propcio para a adoo da flexibilizao das relaes
de emprego, dado o menor poder de barganha dos trabalhadores, combinando-se mudanas nos
trs espaos de normatizao da relao de emprego (Estado, negociaes e empresa). 32 Cf. Santos, 2006; Baltar (2003); e Pochmann (1999). 33 A reestruturao produtiva envolve 5 dimenses: 1) as inovaes nos equipamentos e materiais; 2) a mudana na relao entre empresas (por um lado, fuses, joint venture, compartilhamento de projetos etc e, por outro, externalizao e horizontalizao da empresa); 3) novos mtodos de organizao da produo (just in time, kanban, qualidade total, manuteno preventiva etc); 4) novos mtodos de organizao do trabalho (trabalho em grupo, polivalncia etc); e 5) inovaes na gesto do trabalho (adoo de mtodos participativos e de envolvimento do trabalhador com a empresa). Cf. Salerno, 1992; e Krein, 1996.
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Introduo 13
Mas o debate sobre a flexibilizao aparece de forma tardia, como afirmado acima,
refletindo a presena de um movimento de resistncia na sociedade, que parece no aceitar a
reduo de direitos e, em particular, a oposio das instituies pblicas na rea do trabalho ao
processo de desconstruo de direitos, como nos lembra Antunes (2006). A resistncia impediu
uma desestruturao do sistema de direitos e de proteo social, fazendo com que as mudanas
ocorressem de forma pontual e por meio do mercado (processo chamado de flexibilizao a
frio por Cardoso, 2003). A desestruturao do mercado de trabalho serviu para minar as
resistncias que continuam presentes, deixando a questo da reforma trabalhista em evidncia
na agenda poltica nacional, sem, no entanto, um desfecho previsvel sobre os seus
desdobramentos. No entanto, no cenrio de estreitamento do mercado de trabalho e de
hegemonia neoliberal, mudanas significativas ocorreram na perspectiva de tornar o trabalho
mais inseguro e precrio, fazendo com que seja muito difcil encontrar um setor onde no haja
sinais evidentes de flexibilizao e de precarizao do trabalho (ANTUNES, 2006).
Considerando esse quadro mais geral, a presente tese pretende fazer um balano das
transformaes na regulao do trabalho ocorridas a partir dos anos 90 no Brasil, privilegiando
uma anlise da forma como se expressa a flexibilizao das relaes de emprego (alocao,
remunerao, jornada de trabalho e formas de contratao). Tambm sero verificadas a
efetividade e o impacto das medidas flexibilizadoras no mercado de trabalho e o papel
desempenhado pelas instituies pblicas na rea do trabalho.
Parte-se de duas hipteses. Na primeira, verifica-se que o atual processo de
flexibilizao, como parte de um movimento de mudanas profundas que esto em curso na
ordem capitalista, tende a fortalecer a lgica de mercantilizao da fora de trabalho,
buscando torn-la uma mercadoria qualquer. Isso significa fragilizar ou derrogar a regulao de
proteo social do trabalho, permitindo que a determinao das suas condies de uso,
contratao e remunerao seja feita preferencialmente pelo mercado. Desse ponto de vista, as
mudanas so expressivas e indicam uma fragilizao da regulao pblica, apesar de ser
mantida grande parte das normas, especialmente as legais.
A segunda de que o avano da flexibilidade ocorre tanto pelas mudanas
institucionais introduzidas recentemente como, principalmente, pela dinmica da economia e
do mercado. Ou seja, nem sempre se d por meio da mudana legal ou negociada, mas os
agentes econmicos aproveitam as brechas existentes em um mercado de trabalho marcado
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Introduo 14
pelo excedente estrutural de fora de trabalho, heterogeneidade, concorrncia predatria, frgil
sistema de proteo social e profundas mudanas na sua forma de controle e organizao.
Assim, as alteraes podem ser observadas nas normas legais, na negociao coletiva e,
tambm, no aumento do poder do empregador em estabelecer, de forma unilateral e
discricionria, as condies que regem o uso do trabalho.
A preocupao caracterizar as tendncias recentes, na perspectiva da ampliao do
grau de flexibilidade das relaes de trabalho, o que significa fortalecer uma regulao via
mercado, que favorece a posio patronal na relao de emprego.34 Apesar de a anlise
concentrar-se nos anos 90, quando novas polticas e iniciativas so desenhadas, sero
discutidos os elementos flexveis j anteriormente existentes no nosso padro de regulao.
Da mesma forma, faz-se necessrio considerar os movimentos de resistncia presentes
na sociedade, pois o desenho das condies que regem o uso do trabalho definido
socialmente, em cada momento histrico. um processo que traz tenses na sociedade e nas
instituies que atuam na rea do trabalho (sindicato, Justia do Trabalho, Ministrio Pblico
do Trabalho e Fiscalizao). Essas instituies so permeadas pelos rumos que vo sendo
impostos pela sociedade. Ou seja, elas tambm acabam, apesar das tenses e dos movimentos
contraditrios, sendo influenciadas pela lgica poltica, social e econmica hegemnica em
cada momento histrico.
No presente trabalho, sero discutidas trs formas de flexibilidade: (1) a numrica, (2) a
funcional e (3) a jurisprudencial. Ou seja, a flexibilidade na gesto da fora de trabalho
abrange, no caso brasileiro, quatro dimenses: da remunerao, do tipo de vnculo, da jornada
de trabalho e do papel das instituies pblicas.
Por flexibilidade numrica ou do mercado de trabalho externo compreende-se o
processo de ampliar a liberdade dos agentes econmicos para empregar e despedir de acordo
com as suas necessidades de produo, dentro de uma estratgia de diminuio de custos e de
riscos, em um ambiente econmico mais instvel. A flexibilizao pode acontecer tanto para
34Segundo Uriarte (2002), no existe sistema de relaes de trabalho que seja absolutamente rgido. Todos, at pela sua concepo, apresentam algum grau de flexibilidade. Por exemplo, no Brasil, a Constituio Federal/1988 possibilita que o salrio e a jornada sejam objeto de negociao coletiva, inclusive para reduzir a remunerao e o tempo de trabalho. No entanto, de acordo com o conceito apregoado atualmente, flexibilizao significa a possibilidade de derrogar direitos e benefcios. Por isso, o conceito ficou associado precarizao e desregulamentao.
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Introduo 15
trabalhadores j empregados, com a terceirizao e sub-contratao, como para trabalhadores
novos, por meio de contratos atpicos (trabalho temporrio, parcial, auto-emprego,
consultoria, em domicilio etc), de relao de emprego disfarada e at de contratao informal
(sem registro em carteira) ou de trabalho clandestino no registrado (trabalho estrangeiro,
escravo e em casa)35. A flexibilizao da contratao pode ser denominada de flexibilidade
numrica externa, pois possibilita os ajustes que as empresas buscam por meio da reduo de
custos e riscos (LEAL FILHO, 1994).
Por flexibilidade funcional compreende-se a flexibilidade introduzida no mercado
interno de trabalho com o objetivo de possibilitar o ajuste do uso da fora de trabalho, o que
pode ocorrer de forma independente e paralela alterao via negociao coletiva ou lei. Todo
esse processo redefine a forma da relao capital e trabalho e do envolvimento do trabalhador
na empresa. Com as pessoas que sobrevivem ao processo de reestruturao, as empresas
procuram ajustar a organizao do trabalho, mexendo na forma de estruturar as funes
(adoo da polivalncia) dos trabalhadores e em disposies que permitam uma maior
mobilidade interna, assim como buscam flexibilizar a forma de remunerao e do uso do tempo
do trabalho, por meio de: a) flexibilidade da jornada e das funes, que possibilita
sincronizar o nvel de produo com a demanda de trabalho e fazer ajustes para uma
administrao dos horrios, da modalidade das tarefas e evoluo das responsabilidades, tendo
presentes os objetivos da empresa. Com isso, a empresa procura livrar-se das horas-
extraordinrias e racionalizar a utilizao do tempo de trabalho durante uma jornada
anualizada; b) flexibilidade salarial, que permite a flutuao do salrio em funo do nvel de
atividade e de outros mecanismos (prmios, sugestes etc), com tendncia de descentralizao
e individualizao de sua determinao. Geralmente, procura-se estabelecer uma remunerao
fixa mais baixa, ficando uma parte importante dos vencimentos na dependncia do
cumprimento de metas pr-estabelecidas. A flexibilidade funcional ser tratada nos captulos 2
e 3.
No caso do Brasil, ainda h uma flexibilidade procedimental, que advm das alteraes,
nos anos 90, na forma de soluo dos conflitos de trabalho, especialmente com a introduo
das Comisses de Conciliao Prvia (CPPs) e o incentivo mediao e arbitragem privada.
So mudanas nos procedimentos de soluo dos conflitos, na perspectiva de abrir espao para
35 Vide a situao dos trabalhadores bolivianos na rea de confeco em So Paulo.
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Introduo 16
uma soluo privada em detrimento dos espaos pblicos e estatais. Nesse tpico, tambm se
destaca o posicionamento da Justia do Trabalho, que tende a sofrer influncia do contexto
poltico dos anos 90, apesar de tambm ser uma fonte de resistncia.
A regulao das relaes de trabalho ocorre, esquematicamente, em trs dimenses,
pelo menos. O primeiro nvel diz respeito s relaes que se estabelecem entre empregadores
e trabalhadores no interior das unidades econmicas. No segundo, em mbito setorial ou de
categoria, trabalhadores e empresrios relacionam-se por meio de seus sindicatos e
organizaes patronais. Finalmente, em regimes democrticos, esses agentes sociais podem
expressar-se por meio de centrais sindicais ou partidos polticos, o que imprime uma
dimenso social e poltica s relaes entre capital e trabalho (Oliveira, 1994:210).
Considerando a fonte de produo da norma, a flexibilizao pode ocorrer de trs modos
distintos. Em cada um deles podem-se produzir normas que fortalecem uma perspectiva de
flexibilizao ou de ampliao da proteo:
1) Heternoma, quando se d a partir da interveno do Estado, especialmente por
meio da desregulamentao de direitos positivados e do estabelecimento de novas leis
que venham ampliar a liberdade do empregador na determinao das condies de uso,
contratao e remunerao do trabalho. A mudana do estatuto legal pode ser fruto de
uma negociao com atores sociais ou imposta contra a sua vontade. Na condio
heternoma encontra-se ainda a possibilidade da flexibilidade jurisprudencial, por meio
de sentenas normativas da Justia do Trabalho, como ser analisado no Captulo 1. Na
anlise do caso brasileiro, fundamental consider-la, pois o Estado teve papel
fundamental tanto na construo da regulao vigente como na induo de uma pauta
flexibilizadora nos anos 90. A anlise no pode considerar somente a norma, mas a sua
efetividade e a capacidade de interferir nas condies de uso do trabalho.
2) Autnoma, quando introduzida pela autonomia coletiva por meio de uma
negociao entre os atores sociais que fica expressada em algum instrumento
normativo.36 Ela pode ser condicionada ou incondicionada (URIARTE, 2002, p.11). Na
condicionada, a introduo da norma flexibilizadora compensada por alguma
36 A Autnoma aquela introduzida pela norma coletiva. Segundo assinala Uriarte, na Europa a legislao negociada tende a ser uma mistura de autonomia e heteronomia, na qual a primeira fonte legitima a segunda e fixa os seus limites.
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Introduo 17
vantagem ao trabalhador.37 Ou seja, h uma barganha de direitos. Por exemplo, a
introduo do banco de horas em algumas empresas foi condicionada manuteno do
nvel do emprego por um certo perodo. A incondicionada ocorre quando o
trabalhador/sindicato aceita a introduo de flexibilidade ou desregulamentao sem
garantias de contraprestao por parte da empresa, ficando unicamente a expectativa ou
a esperana de que a renncia do direito traga benefcios indiretos. Por exemplo, o
trabalhador aceita alguma regra flexvel na esperana de manter o emprego. Na anlise,
faz-se necessrio considerar o papel da negociao coletiva na atual tendncia de
fortalecimento da flexibilizao. Muitas das questes da agenda da flexibilizao
passam, na negociao coletiva, pela afirmao de regras ou pela omisso de normas
sobre o tema, deixando maior liberdade ao empregador.
3) Imposta unilateralmente pelo empregador, a partir do seu poder discricionrio. No
contexto de um mercado de trabalho desfavorvel e sob hegemonia do neoliberalismo, a
tendncia, como colocado nas hipteses, ter ocorrido um aumento do poder do
empregador na determinao das condies de uso e remunerao do trabalho,
considerando, ainda, que no existe organizao sindical no local de trabalho nem
mecanismos que inibam a dispensa imotivada. O poder no est s na alterao da
norma, mas na sua adequao conforme a demanda.
A incluso dessa ltima maneira fundamental para entender as tendncias de
flexibilizao na realidade brasileira a partir dos anos 90. tambm necessrio destacar que
vrias dessas medidas unilaterais, que resvalam para o descumprimento das normas, so objeto
de controvrsias, o que acabou por gerar tenses e movimentos de contestao em alguns
setores do Estado.
A tese parte de uma anlise mais geral sobre o padro de regulao da relao de
emprego para depois destacar trs elementos em que se concentram as mudanas: as formas de
contratao, a remunerao e o tempo de trabalho. Na experincia dos pases centrais ainda
aparece o tema da alocao do trabalho, mas ele no objeto de regulao coletiva.
37 A flexibilidade condicionada, bilateral ou sinalagmtica, se d quando h renncia ou perda de direitos e vantagens pelos trabalhadores com uma compensao correspondente de parte do empregador e, eventualmente, do Estado. Ou seja, direitos e benefcios so cedidos em troca de obrigaes assumidas pelo empregador ou Estado, sendo que o no cumprimento dessas obrigaes faz renascer o direito clssico, renunciado ou cedido.
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Introduo 18
No presente estudo, a anlise das tendncias recentes nas relaes de emprego focaliza
apenas o setor urbano.38 Alm da introduo e das consideraes finais, a tese est estruturada
em 4 captulos.
No primeiro captulo, realizada uma anlise do mercado e do padro de regulao do
trabalho vigente no pas, destacando as suas caractersticas gerais para observar as mudanas
ocorridas a partir dos anos 90. Nessa anlise, que faz um balano a partir dos anos 80, com
nfase na dcada de 90, so considerados quatro elementos: 1) o contexto econmico e
poltico; 2) a dinmica do mercado de trabalho; 3) as mudanas na regulao do trabalho; e 4) a
atuao e o papel das instituies pblicas (sindicatos, fiscalizao, Justia do Trabalho e
Ministrio Pblico do Trabalho). Ou seja, h uma preocupao em no s discutir o contedo
da regulao na relao do emprego, mas tambm inseri-lo no contexto concreto do mercado
de trabalho, observando o seu impacto. Alm disso, busca-se ter uma percepo sobre a forma
como so produzidas as normas e as transformaes ocorridas nas instituies que atuam na
rea do trabalho tanto na regulao como na aplicao da legislao e das normas coletivas,
pois se compreende que a regulao social do trabalho implica a existncia de regras, normas e
instituies que abrangem uma teia complexa de processos sociais e um terreno de resistncia
e luta real ou potencial (HYMAN, 2005, p.22).
No captulo 2, a anlise concentra-se na flexibilizao da contratao no emprego
urbano, mostrando a grande diversidade presente na realidade nacional, pois engloba 4
dimenses distintas: 1) a facilidade de o empregador romper o vnculo de emprego
unilateralmente e sem precisar justificar; 2) as diversas formas de contratao atpicas
previstas no arcabouo legal, destacando na anlise as clssicas e as novas, introduzidas nos
anos 90, com a finalidade de enfrentar o problema do desemprego. Alm disso, destacam-se
outras duas dimenses, alm da informalidade e do servidor demissvel, em que o avano da
flexibilizao foi mais intenso; 3) a relao de emprego disfarada ou simulada; e 4) a
terceirizao. Em cada modalidade de contratao sero observadas as mudanas ocorridas
recentemente e a sua incidncia no mercado de trabalho. Alm disso, pretende-se mostrar que a
sua principal contribuio ampliar a insegurana e a precariedade do mercado de trabalho.
38 Dado o tamanho da presente tese e a complexidade do seu objeto, as formas de contratao no campo no sero abordadas. Este um tema para outra tese.
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Introduo 19
No capitulo 3, o foco do estudo incide sobre as transformaes do padro de
determinao do tempo de trabalho, destacando-se, por um lado, a relao entre as mudanas
na forma de organizao do trabalho e o controle da jornada de trabalho. Nessa perspectiva,
observa-se que h uma crescente invaso do tempo social, passando este a se confundir com o
tempo de trabalho em muitos setores da economia. Por outro lado, so analisadas as alteraes
na forma de organizao da jornada de trabalho, realizadas seja por meio da utilizao do
banco de horas, seja pelo trabalho aos domingos, turno de revezamentos e horas-
extraordinrias, seja por outros expedientes. So alteraes que tendem a aumentar o controle e
a flexibilizar e racionalizar o tempo de trabalho, constituindo importantes impactos na vida das
pessoas.
No captulo 4, so discutidas as mudanas ocorridas no padro de remunerao, com o
fim da poltica salarial, a introduo da livre negociao, a regulamentao da PLR
(Programa de Participao nos Lucros e/ou Resultados) e o papel do salrio mnimo na
determinao dos vencimentos. Constata-se, nesse ponto, que a tendncia prevalecente foi
avanar na perspectiva de tornar a remunerao mais varivel nas grandes empresas. Ao
mesmo tempo, a poltica do salrio mnimo tem importncia na definio dos pisos salariais e
da remunerao dos setores com menor qualificao profissional e produtividade. Alm disso,
destaca-se a evoluo da negociao salarial aps o Plano Real, em dois perodos distintos: 1)
at 2003, caracteriza-se pela dificuldade de recompor o poder de compra do salrio passado; 2)
nos dois ltimos anos, os resultados so melhores aos trabalhadores. A questo central que,
enquanto nos setores mais estruturados e com tradio sindical tende a prevalecer um novo
padro de remunerao, com o crescimento do componente varivel na composio do
rendimento total do trabalho, ao mesmo tempo, h uma valorizao do salrio mnimo que
incide nos pisos e na determinao dos salrios dos que esto na base da estrutura ocupacional.
Por ltimo, busca-se, nas consideraes finais, evidenciar a tese do avano da
flexibilizao, articulando o conjunto de mudanas e mostrando que elas apresentam, com
pequenas excees, a tendncia de fortalecer uma regulao descentralizada em que as
empresas apresentam maior peso na determinao das condies de uso e remunerao do
trabalho. A lgica da flexibilizao busca, tanto quanto possvel, fazer com que a fora de
trabalho seja considerada uma mercadoria qualquer, o que tende a fortalecer a insegurana e a
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Introduo 20
precariedade. Ao mesmo tempo, destacam-se sinais de resistncia, pois a regulao do trabalho
fruto de uma construo social.
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Captulo 1
O mercado de trabalho e o padro de regulao do trabalho no Brasil _________________________________________________________________________
A agenda de flexibilizao da relao de emprego ganha destaque no cenrio nacional a
partir dos anos 90, no contexto particular de insero financeira do pas no processo da
globalizao, baixo crescimento econmico, reestruturao produtiva, desestruturao do
mercado de trabalho, fragilizao dos sindicatos e hegemonia de reformas liberalizantes.
Conquistando adeptos no mundo da poltica e da academia,39 a defesa da flexibilizao
passa a ser feita por entidades de empregadores, por algumas organizaes de trabalhadores e
pelo governo como soluo para o crescente problema do desemprego, ao permitir s empresas
fazerem ajustes na perspectiva de reduzir custos e, conseqentemente, obter maior
produtividade e competitividade, num ambiente econmico de exposio concorrncia com
valorizao cambial e abertura indiscriminada , de baixo e instvel crescimento e sob a
hegemonia do capital financeiro.40 Trata-se da internalizao, de forma tardia,41 de um debate
ocorrido nos pases centrais, especialmente na Europa, e propagado pelos principais
organismos internacionais. , portanto, uma discusso feita a partir de um olhar determinado
pelo que est ocorrendo nos outros pases, sem considerar com profundidade as
particularidades do padro de regulao e do mercado de trabalho vigentes na sociedade
brasileira.
Do ponto de vista do padro de regulao, apesar da extensa legislao e da formatao
de instituies pblicas na rea do trabalho (sistema de fiscalizao, Justia do Trabalho e
reconhecimento formal dos sindicatos e do processo de negociao coletiva), que trazem,
concretamente, uma regulao social do trabalho e constituem um sistema de direitos e
proteo social, as empresas sempre tiveram a liberdade de fazer ajustes nos elementos centrais 39 No campo da academia, a questo da flexibilidade das relaes de trabalho defendida pelos conservadores, tais como Pastore, 1994 e 2005, Zylbertajn, 2002a, Amadeo e Camargo, 1996 e Urani, 1996. Anlises das correntes tericas podem ser encontradas em Cardoso (1997 e 2003), Ferreira e Fracalanza (2006) e Leal Filho, 1994. Uma anlise crtica desses autores pode ser encontrada em Cardoso, 1998 e 2003; Galvo, 2003; Pochmann, 2001; Baltar e Proni, 1996; e Krein, 2001. 40 Cf. Galvo (2003) faz uma boa retrospectiva do posicionamento dos agentes sociais e do governo federal no debate sobre flexibilizao. 41 Cf. Antunes, 2006.
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O mercado de trabalho e o padro de regulao do trabalho no Brasil 22
da relao de emprego. Isso significa dizer que h um padro flexvel da regulao do
trabalho, como ser analisado abaixo.
Na perspectiva do mercado de trabalho, h dois movimentos simultneos que precisam
ser considerados na anlise. Por um lado, o processo de industrializao, a partir dos anos 30 e
com maior nfase a partir da industrializao pesada, foi viabilizando uma estruturao do
mercado de trabalho que passou a incorporar um contingente cada vez mais expressivo de
pessoas no assalariamento, inclusive com acesso aos direitos trabalhistas e sociais. A trajetria
de crescimento sustentado e acelerado, de rpida industrializao e urbanizao e de elevao
do emprego industrial e urbano foi alterando a cara do mercado de trabalho. O pas chega em
1980 com o assalariamento de 2/3 dos ocupados urbanos e com um nmero crescente de
empregados com registro em carteira, portanto com o acesso aos direitos trabalhistas e sociais
garantido na lei (BALTAR, DEDECCA, 1991).
Por outro lado, apesar da crescente incorporao das pessoas no assalariamento, o
mercado de trabalho brasileiro pode ser caracterizado pelo excedente estrutural de fora de
trabalho, pela concorrncia predatria, pelos baixos salrios e pelo alto fluxo de desligamento e
contratao, combinando-se estes elementos com um elevado grau de heterogeneidade,
especialmente expressa na informalidade, no significativo nmero de empregos presentes nas
micro e pequenas empresas e no trabalho por conta prpria. Essas caractersticas, por si s,
evidenciam, historicamente, o alto grau de flexibilidade nas condies de uso e de remunerao
do trabalho. No momento de maior expanso do assalariamento, em 1980, h um contingente
muito significativo de pessoas trabalhando por conta prpria, sem registro em carteira, em
ocupaes precrias ou em setores no organizados. Nos anos 80, o processo de ampliao do
assalariamento perde dinamismo, apesar de no ocorrer uma desestruturao do mercado de
trabalho.42 Tais caractersticas, contudo, acentuaram-se na dcada de 90, agravadas com o
aparecimento do desemprego como um fenmeno de massa (POCHMANN 2000).
Apesar da legislao social, a persistncia de um mercado de trabalho assim
caracterizado indica o carter flexvel do sistema de relaes de trabalho. Ou seja, a regulao
42 Baltar (2003a) e Santos (2006) observam que h um certo congelamento do mercado de trabalho na dcada de 80. Depois da crise de 81-83, h uma retomada do emprego, chegando-se ao final da dcada com um ndice baixo de desemprego e um pequeno crescimento das ocupaes nos pequenos negcios e por conta prpria.
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O mercado de trabalho e o padro de regulao do trabalho no Brasil 23
social do trabalho apresenta limites e tem um grau de incidncia muito menor do que o da
experincia do ps-guerra ocorrida nos pases centrais, especialmente na Europa.
Nos anos 80, no processo de redemocratizao e numa economia j industrializada,
integrada e urbanizada, mas em crise, emerge como fora poltica o sindicalismo (Sader, 1988).
Na perspectiva de recuperar o atraso na questo social e da distribuio de renda, coloca-se
para a sociedade a necessidade de ampliar o padro de regulao do trabalho e de proteo
social. O avano desse padro ocorre no contexto da crise da dvida externa marcada pela
elevao da inflao, estagnao econmica, baixo nvel de investimento, fragilizao do
Estado do ponto de vista fiscal e perda de dinamismo do mercado de trabalho, o que traz
restries para a consolidao dos avanos obtidos tanto no campo da negociao coletiva
como na Constituio Federal. Mas a emergncia do sindicalismo e de foras polticas
progressistas faz com que o pas caminhe, nessa dcada, na contramo da maioria dos pases
centrais e de parte expressiva das naes em desenvolvimento, na perspectiva de ampliar a
regulao pblica do trabalho.
No contexto dos anos 90, h uma contra-reao aos resultados da regulao social
construda nos anos 80 e ao prprio arcabouo de direitos existente no pas, sob a justificativa
de modernizar as relaes. Mas trata-se de um movimento que amplia a liberdade do
empregador na determinao das condies de uso, contratao e remunerao da fora de
trabalho.
O Brasil conformou um padro de regulao do trabalho que encontrou dificuldade de
se efetivar e no conseguiu contribuir para a construo de uma sociedade mais homognea do
ponto de vista social. certo que, sem ele, o pas poderia conhecer a barbrie no seu processo
de desenvolvimento. Mas as limitaes do sistema no so desprezveis, dadas as
caractersticas do mercado de trabalho, a priorizao, por parte dos agentes pblicos, da
viabilizao do desenvolvimento econmico em detrimento da questo social e a prpria
natureza da regulao e das instituies pblicas. Depois de sua constituio, nos anos 30/40,
houve, em dois momentos histricos, indicaes de que o pas poderia caminhar para um
padro de regulao social do trabalho mais progressista e similar ao que estava em curso em
outros pases desenvolvidos e em desenvolvimento.
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O mercado de trabalho e o padro de regulao do trabalho no Brasil 24
O primeiro momento se deu no bojo das disputas colocadas na sociedade brasileira nos
anos que antecederam 1964. No decorrer dos anos 50 e incio da dcada de 60, dentro do
projeto do nacional-desenvolvimentismo, com a discusso sobre crescimento econmico,
distribuio de renda e reformas de base, houve a emergncia do movimento sindical como
agente poltico na sociedade. Os trabalhadores, de forma peculiar, comeavam a participar do
jogo poltico; por um lado, pressionando na perspectiva de efetivar a regulao legal vigente e,
por outro, participando de um movimento mais geral para garantir o desenvolvimento com
distribuio de renda e a incorporao das questes sociais na agenda nacional. Mas esse
movimento foi interrompido pela ditadura militar, que (1) reprimiu e controlou a atividade
sindical; (2) retirou a autonomia da Justia do Trabalho; (3) controlou os salrios,
subordinando-os poltica econmica; e (4) promoveu reformas que flexibilizaram o mercado
de trabalho, em especial com o fim do estatuto da estabilidade e a contratao temporria, o
que contribuiu, como mostra Baltar (2003), para agravar as desigualdades sociais e a
concentrao de renda, num contexto de forte ampliao do assalariamento.
O segundo momento ocorreu na dcada de 80, quando, no contexto da
redemocratizao e de um sentimento geral de que se fazia necessrio satisfazer as demandas
sociais reprimidas pela ditadura e enfrentar o problema da concentrao de renda, emerge um
movimento social e poltico que vai buscar ampliar as polticas sociais, dando-lhes carter
universal, e garantir melhores condies de trabalho e renda. Esse movimento consegue obter
alguns avanos no decorrer da dcada, que aparecem sintetizados essencialmente na
Constituio Federal de 1988, mas tambm nos contratos coletivos. Durante a dcada de 80,
apesar dos limites (que sero explorados abaixo), houve um avano na perspectiva da
ampliao da regulao pblica do trabalho e da proteo social. Mas, quando parecia que o
pas caminharia, com a redemocratizao e o revigoramento do sindicalismo, na perspectiva de
alcanar um novo padro de proteo social e regulao do trabalho, assistiu-se a emergncia
de um movimento de contestao desse pequeno avano, que foi inviabilizado por no
conseguir encaminhar o desenvolvimento econmico, fazendo com que as foras liberais
ganhassem expresso poltica na sociedade. Ao invs de caminhar para a consolidao e
ampliao do que fora conquistado na dcada de 80, estabeleceu-se uma tenso entre a defesa
da regulao social construda e uma redefinio do papel do Estado no desenvolvimento
social e econmico do pas e, particularmente no campo do trabalho, adotou-se a defesa da
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O mercado de trabalho e o padro de regulao do trabalho no Brasil 25
flexibilizao e da reduo da proteo social como alternativa para enfrentar os problemas do
mercado de trabalho e ajustar o gasto social realidade fiscal; tenso que permanece
a