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Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 1
Negócios, contratos e a administração fiscal nas Minas Gerais: os conflitos
de jurisdição e os poderes locais (1780-1815)
Cláudia Maria das Graças CHAVES
Universidade Federal de Ouro Preto
É bastante conhecida a afirmação de Fernão Cardim no final do século XVI em seu
Tratados da Terra e Gente do Brasil1, sobre a América ser um espaço distinto, “um outro
Portugal”. Dizia não ser referir ao clima mais temperado e mais sadio, nem à falta de
comodidades das habitações, nem às distâncias que dificultavam o comércio, mas sim a um
abundante território que propiciava as mais diversas ocupações e produções. A distinção de
Portugal era perceptível e as diferenças espaciais se acentuam para administração portuguesa
à medida que a colonização interiozava e adentrava os territórios americanos. No século
XVIII é reconhecido no Império português um contexto de medidas de centralização político-
administrativa e de unificação jurisprudencial paulatina.
Esse processo, no entanto, depende de um conjunto de ponderáveis que não nos
permitem pensar o modelo deste Estado como centralizado. O Poder real coexistiria com
outros poderes como o poder da Igreja, de conselhos, de instituições, famílias, etc. Ainda que
dispusesse de prerrogativas sobre os estados e seus domínios, as demais esferas de poder
também o detinham. A Igreja, por exemplo, detinha outras importantes prerrogativas sobre os
fiéis e suas famílias2. Não existiria nenhuma forma de domínio ou conhecimento sobre a
população que não passasse pelo controle do clero que possuía os registros batismais, de
matrimônio e testamentos. Os registros paroquiais eram, sem o efetivo controle do Estado,
algumas das poucas fontes de dados para o controle do espaço. Hespanha diz que as decisões
políticas tinham, muitas vezes, que se sujeitar às normas religiosas3.
Poderíamos dizer que os aspectos materiais e morais dão ampla vantagem ao poder
clerical, mas consideramos relevante também pensar no poder legal e na manutenção de
direitos canônicos após as reformas pombalinas. Analisamos aqui, alguns dos aspectos desse
1 Fernão CARDIM. Tratados da Terra e Gente do Brasil. Rio de Janeiro: J. Leite, 1925. pp.106 segs.
2 António Manuel HESPANHA. As estruturas políticas em Portugal na época moderna. UNL, 2003.
www.unl.pt acessado em 11/04/2011. 3 Idem.
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reformismo nas áreas periféricas do império português, ou mais particularmente na América
portuguesa.
A discussão sobre a ausência de normas e/ou estratégias coloniais levava, é claro, à
discussão sobre o princípio de uma normatização ou formação de código colonial por parte da
metrópole ou mesmo da aplicação dos códigos ou ordenações do reino em todo o império sem
a intermediação do espaço. Segundo Hespanha era um princípio do direito comum europeu o
dar preferência às normas particulares e depois as normas gerais (como lei ou doutrina
jurídica)4. Assim, as normas jurídicas puderam ser criadas dentro do império e isso era
compreendido como parte das funções do governo ultramarino. As recentes discussões
historiográficas acerca das dinâmicas políticas da monarquia portuguesa nos finais do Antigo
Regime, no entanto, observam os enfoques coloniais. Entre o final do século XVII e o início
do século XIX o Estado português teve que se preocupar com sua posição política e suas
alianças européias para a defesa e fortalecimento do seu império5 e isso implicava fortalecer
também seu espaço colonial.
Ana Cristina Nogueira da Silva diz que a organização de territórios no século XVIII
viria a se materializar a partir das reformas pombalinas na década de 1770 com a idéia de
uniformização de jurisdições administrativas, entre outras providências6. Essa ação, que
poderia ser considerada como idéia voluntarista de reforma e racionalização, viria a se opor a
uma “ordem natural” de constituição dos territórios e dos poderes com suas respectivas
divisões populacionais e administrativas vigentes no Antigo Regime. Para a autora, até o
século XVIII dominava em Portugal a percepção de mundo fundado em uma ordem natural e
não pautado pela vontade humana. Essa ordem natural estabelecia as bases para o respeito e a
tradição. O direito comum ditava o princípio de que a jurisdição deveria aderir ao território, e
não o contrário7. Assim, um mesmo território poderia ser administrado por mais de um poder
e ser fracionado de forma distinta. Segundo Ana Cristina as divisões jurisdicionais poderiam
ter características sui generis tais como: a) a irregularidade e desigualdade das circunscrições
em termos de superfície e população; b) descontinuidade geográfica e diversidade de estatutos
jurídico-políticos das unidades territoriais e; c) sobreposição das circunscrições
administrativas, fiscais e judiciais. Esses poderes deveriam coexistir com o poder da coroa.
Além disso, os poderem senhoriais e eclesiásticos deveriam, por sua vez, dar origem às suas
4 Idem.
5 Ver: Valentim ALEXANDRE. Os Sentidos do Império: A questão nacional e questão colonial na crise do
Antigo Regime Português. Lisboa:Afrontamento, 1993. 6 Ana Cristina Nogueria da SILVA. O Modelo Espacial do Estado Moderno. Lisboa: Estampa, 1998. pp. 72.
7 Ana Cristina Nogueria da SILVA. Cit. pp. 51
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próprias circunscrições8. A autora destaca que a ausência de um projeto global de divisão de
território neste modelo não havia suscitado até fins do século XVIII grandes reflexões sobre a
necessidade de reformá-lo. A imposição de novas divisões administrativas, centralidade
jurisdicional e “racionalidade” seriam na verdade a adesão aos pressupostos políticos que
indicavam as reformas administrativas empreendidas por outras monarquias européias. Essa
adesão poderia ser considerada tardia se fossemos pensar pela lógica de um amplo e
inexorável movimento ilustrado na política européia desde o início do século XVIII9. No
entanto, poderíamos discutir as implicações dessa “racionalidade” tanto para o reino de
Portugal quanto para o seu império que ainda era um dos maiores das dinastias européias.
Vejamos o exemplo das reformas pombalinas aplicadas à administração fazendária
após a criação do Erário Régio e a atuação de seus magistrados na Capitania de Minas Gerais.
Para nos determos nos registros ou postos fiscais, alfândegas onde se deveriam registrar todo
ouro que entrasse ou saísse da região das minas, pagar os Direitos de Entradas, e demais
tributos relativos à circulação de mercadorias e ou pessoas. Interessa-nos aqui a relação entre
contratadores e a administração fazendária no período estudado, isto é, 1780 a 1815.
Importante, no entanto, compreender um breve histórico desse processo. A primeira
tentativa de controle fiscal relativo aos “desvios” e contrabandos na região das minas foi
converter o direito de cobrança das entradas, reservado às Câmaras, em Contrato Real a partir
do ano de 1718. Eles ficariam à cargo de contradores, os quais deveriam registrar em livros o
balanço da movimentação mercantil que passava pelos postos fiscais pelos quais seriam
responsáveis. Para isso dispunham dos Fiéis, funcionários régios e de destacamentos militares
– tropas de dragões - para a segurança das passagens. Esses postos muitas vezes eram as
únicas fronteiras que delimitavam as áreas geográficas da região das minas e, por isso,
poderiam ter a sua posição alterada, dependendo da conveniência. Entretanto, a extensão do
território e os constantes conflitos levam à emancipação da Capitania das minas do ouro em
1720. No que concernia aos contratos, a tendência foi a sua unificação a partir de 1727 e, a
partir de 1728, os mesmos passaram a ser realizados no Conselho Ultramarino. No que dizia
respeito às jurisdições territoriais a questão continuava muito mais complicada.
Nesse período, o caso dos descobertos de São Matheus são bastante ilustrativos. Em
fins da década de 1720 disputavam a sua jurisdição as Capitanias de Minas e da Bahia. Os
moradores solicitavam o pertencimento à Comarca de Ilhéus até 1765, mas em consulta ao
Conselho Ultramarino, o Vice-Rei inclinava-se por Minas devido à lucratividade dos
8 Ana Cristina Nogueria da SILVA. Cit. pp. 511
9 Franco VENTURI. Utopia e Reforma no Iluminismo. São Paulo: Edusc, 2003.
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negócios. A jurisdição se estabeleceria em termos fiscais. O Conde de Assumar admitia em
seu discurso que acima de qualquer interesse privado, estavam os interesses da Real
Fazenda10
. O conflito que se seguiu nas décadas seguintes só foi resolvido em 1757 com a
definitiva transferência de Minas Novas para a jurisdição da Capitania de Minas Gerais, bem
como a criação dos postos fiscais de Minas Novas, Itacambira, Suaçui, e Rio Pardo.
Esse caso, apesar da distinção do período que pretendemos abordar em nossa pesquisa,
ilustra bem o que queremos demonstrar. Os contornos geográficos, administrativos, e os
negócios que se estabeleceram na Comarca do Serro Frio, ao longo da primeira metade do
século XVIII, passaram por uma longa batalha de jurisdição e, parte expressiva das decisões,
foi tomada no Conselho Ultramarino tendo em vista os interesses fiscais. Na segunda metade
do século XVIII temos, a princípio, um cenário diferente. Do ponto de vista institucional
foram grandes as modificações, bem como as formas de regulamentação dos contratos.
Entretanto, o que parecia organizar e racionalizar a confusão da máquina fazendária, não
resiste ao intrincado jogo de excepcionalidades.
Nas Minas o Alvará de 3 de dezembro de 1750 que reinstituía as casas de fundição e
acabava com a cobrança da capitação, ordenava a cobrança das entradas impondo maior rigor
com controle da Real Fazenda. Na prática um número maior de postos fiscais foi criado a
partir dessa data. Além disso, o conjunto de livros existentes a partir desse período foi
incomparavelmente maior do que o das décadas passadas. Isso tinha uma justificativa: o
referido Alvará determinava expressamente esse controle não apenas no Registro, mas nas
saídas no Rio de Janeiro e Bahia, como nas entradas em Lisboa. De acordo com a lei, o
comércio em grosso nas minas poderia ser feito em barras, enquanto o miúdo seria feito com
ouro em pó a ser recolhido nos Registros. Esse Alvará, que é seguido por uma série de
decretos para a regulamentação da atividade dos contratadores (1752, 53), antecede em uma
década a grande obra de centralização da reforma pombalina na administração fiscal11
.
O Alvará de 22 de dezembro de 1761 extinguiu a Casa dos Contos e criou o Erário
Régio como forma de manter o máximo controle sobre as rendas do Estado, pelo menos era
esse o objetivo. Baseando-se em experiências administrativas similares na Europa, o Erário
Régio foi estruturado a partir de quatro contadorias: a primeira relativa à Corte e à
Estremadura ficaria responsável pela entrada dos valores repassados por todos os
corregedores, provedores, juízes, almoxarifes, tesoureiros, recebedores, contratadores das
10
Ver: Thiago Luiz MAGALHAES. A fronteira fiscal norte da Capitania de Minas Gerais: 1720-1765. Belo
Horizonte: UFMG, 2009. (Dissertação de Mestrado). 11
Ver: Francisco António REBELO [1751]. Erário Régio. Edição fac-símile. (Org. por Tarquínio de Oliveira).
Brasília: ESAF, 1976.
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rendas e direitos Reais da Corte e Estremadura; a segunda deveria receber os direitos e rendas
das correições, provedorias, tesourarias, recebedorias e contratos das províncias do Reino e
das Ilhas dos Açores e Madeira; a terceira ficaria por conta do recebimento das rendas das
provedorias, das recebedorias e dos contratos da África Ocidental, do Maranhão e das
Comarcas do território pertencentes à relação da Bahia; finalmente a quarta ficava com a
entrada dos produtos das provedorias, tesourarias, recebedorias e contratos do território e
governos pertencentes ao Rio de Janeiro, África Oriental e Ásia.
Quando observamos essa divisão imaginamos à princípio que todas as arrecadações da
Capitania de Minas estavam vinculadas à quarta contadoria, uma vez que a criação do
Tribunal da Relação do Rio de Janeiro em 1751 chama para àquela competência a jurisdição
das comarcas de Minas Gerais. Entretanto, não é bem assim que estão divididos os livros das
contadorias, e os Registros do extremo norte ficaram ao encargo da Relação da Bahia.
De acordo com Alzira Teixeira L. Moreira12
, as adaptações às necessidades da Casa de
Bragança foram aos poucos criando novas reformulações. Primeiro foi a criação da Tesouraria
Geral das Tropas, que para desonerar as contadorias do Reino, passou para as contadorias do
ultramar. Depois foram criados cofres de correntes – independentes – em cada contadoria,
seguido do cofre de confiscados – com bens seqüestrados. Na contadoria da Bahia foi criada a
Casa das Senhoras Rainhas, bem como as rubricas de retiradas para o serviço Real para o qual
não se “dará conta”. Os valores do subsídio voluntário – cobrado em toda a atividade
mercantil fixa e volante - passou para o controle da contadoria da Bahia a partir de 1780, isto
é para a Relação da Bahia e controle de seus desembargadores. Assim como esses “cofres
especiais” outros não especificados aqui foram criados e muito contribuíram para tornar o
sistema de cobrança do Erário Régio um verdadeiro emaranhado, complexo e pesado.
Exatamente o oposto do que se pretendia. Além disso, como apresentamos em nossa hipótese,
o poder econômico ficava cada vez mais sob controle de determinados grupos, dentro e fora
da administração, que concentravam cargos administrativos importantes ou se beneficiavam
diretamente de seu poder. Essa situação só foi modificada com a transferência da Corte e a
extinção das chamadas contadorias do ultramar.
Aqui apresentamos um exemplo da administração fazendária, através do estudo do
Desembargador da Bahia e Intendente do Ouro em Vila Rica, Inácio José de Sousa Rebelo.
Em nossa pesquisa, acompanhamos a trajetória Juiz de Fora e Desembargador e sua atividade
na administração fazendária tem nos ajudado a entender algumas práticas do mercado
12
Alzira T. L. MOREIRA. Inventário do Fundo Geral do Erário Régio: Arquivo do Tribunal de Contas. Liboa:
Tip. Minerva, 1977. Introdução.
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colonial. Bacharel, formado pela Universidade de Coimbra, tornou-se Juiz de Fora e Juiz dos
órfãos da Cidade de Mariana e seu termo inicialmente entre os anos de 1776 a 1789. Inácio
José de Sousa Rebelo também foi Juiz de Fora em Vila Rica em 1814, mas nesse intervalo foi
Intendente do Ouro e Desembargador da Relação da Bahia. E em 1822 aparece solicitando
aposentadoria para o cargo de Desembargador de Agravos da Casa de Suplicação. Também
foi nomeado Ouvidor de Angola em 1800. É longa a ficha de ofícios e solicitações feitas por
Rebelo em 1820 para “aposentadorias” e “reconduções” de cargos. Em 1811 ele envia a
seguinte solicitação para a mesa do Paço:
Diz o Bacharel Ignacio Jose de Souza Rebello, Intendente do Ouro de Vila Rica, com
predicamento de primeiro Banco, que tendo servido a VAR por mais de doze anos no lugar de
Juiz de Fora de Mariana com zelo e interesse da Real Fazenda, como na administração da
justiça aqueles povos, servindo ainda de Procurador da Real Fazenda, como consta dos
documentos juntos ; como também se ter prestado com o maior donativo para as despesas e
necessidades do Estado, e sem ter ainda aquele despacho que a Carta Regia prometia, como
faz vez dos documentos; e ter exercido o lugar de intendente com zelo e maior trabalho nas
permutas, como VAR pode ser presente pelo informe do Governador e Capitão General que se
acha nessa Corte: Pelo que desejava que VAR houvesse de reconduzi-lo no lugar de
Intendente do Ouro de Vila Rica, fazendo o lugar de Desembargador da Bahia a que está a
caber, ou naquele lugar que haja de substituir o Intendente13
.
Ao que sabemos Rebelo não só foi reconduzido ao cargo de Intendente do Ouro em
Vila Rica como desejava, as também continuou com o cargo de Desembargador da Relação
da Bahia. Além disso, assumiu em 1814, o posto de Juiz de Fora em Vila Rica. Curiosamente
esse posto seria um degrau na ascensão dos magistrados e não um cargo a ser assumido após a
condição de Desembargador, sobretudo da Relação da Bahia.
O interesse pela sua atuação não foi fortuita, pois sua atuação como intendente do
Ouro e Procurador da Fazenda fez com que tivesse atuação decisiva sobre a jurisdição das
comarcas centrais das Minas. Diversas vezes ele foi chamado a atuar como Desembargador
do Conselho Ultramarino na Emissão de pareceres em conflitos jurisdicionais. No testamento
conjunto feito após o falecimento de sua esposa em 182814
, d. Antônia Constança da Rocha -
Filha do Coronel de Regimento de Cavalaria Ligeira Auxiliar, Antonio Gonçalves Torres –
soubemos que ele havia nascido em Monção, no Minho, “filho de Francisco de Sousa Costa e
sua mulher” e não tinha deixado filhos. Era Cavaleiro da Ordem de Cristo e irmão da Ordem
Terceira de São Francisco nas Minas. Pelo seu inventário, sabemos de informações muito
13
C-133,011 Fundo Minas Gerais. Seção de Manuscritos. Biblioteca Nacional. 14
Inventário e Testamento de Inácio J. S. Rebelo e esposa Antonia Constância da Rocha. Cx: 133 Auto 2695 2°
ofício- 1830. Arquivo da Casa Setecentista, Mariana-MG.
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importantes acerca de suas relações de parentesco e de sua fortuna. Deixou para seu sobrinho
Manoel Inácio de Mello e Sousa, o futuro Barão do Pontal, sua casa na Rua Direita em
Mariana e solicitou doar seu patrimônio calculado em 55 contos de réis. Deixava três ações
que possuía no Banco do Brasil para as sobrinhas e declarava que havia dado cartas de
liberdade a duas “senhorinhas” e uma a outra crioula havia dado liberdade, mas ainda não
havia dado carta e a outros dois crioulos também. Além disso, somente deixava estipulada
uma quantia para auxiliar na construção de um hospital. Nada mais podemos dizer ainda
sobre sua fortuna, que não devia ser pequena devido a sua posição social naquela sociedade.
Sobre sua atuação política, o que podemos dizer inicialmente é que possuía fortes
amizades políticas, a começar pelo Governador d. Rodrigo José de Meneses, que foi
considerado o mais ilustrado administrador das Minas e o que mais se interessou pela
expansão de suas bases territoriais. Parecia também gozar de um bom prestígio junto a d. João
VI a partir da transferência da Corte, tanto pelos cargos consolidados, quanto pela indicação
de seu sobrinho para o cargo de Ouvidor para a Comarca do Rio das Mortes. Manoel Inácio
de Mello e Sousa era Português, como o tio, também formado em Coimbra, e recém chegado
em Minas. Em 1821 já presidiu a primeira Junta Governativa da Província e pouco depois
tornou-se efetivamente Presidente da Província.
Rebelo era Juiz de Fora em Vila Rica em 1816, quando o Brasil foi elevado à condição
de Reino Unido à Portugal e Algarves e a referida Câmara se apressou em enviar as
felicitações a d. João VI, dizendo que a partir daquele momento o dia 16 de dezembro entraria
para o calendário comemorativo daquela casa. Embora o Ofício tenha sido escrito pelo
Capitão-Mor Antônio Eulálio Brandão, o nome de Inácio Rebelo encabeçava e lista dos
signatários15
. Tal como fazia o contratador João Rodrigues de Macedo, temos indicação de
estudantes encaminhados por Rebelo para a Universidade de Coimbra. Um deles, foi Luis
José Godóes Torres, formado em medicina, o qual prescreveu tratamentos e licença para o
Desembargador cuidar de sua saúde em terras mais quentes e se ausentar de Ouro Preto16
.
Sabia bem criar laços de compromissos. Rebelo foi casado com d. Antonia do Gualaxo e,
segundo Caio Boschi, havia uma estreita relação entre d. Antonia, o contratador João
Rodrigues de Macedo e o Intendente o intendente que se retirara das Minas, o Dr. José João
Teixeira Coelho antes da chegada do Dr. Inácio Rebelo. Segundo Boschi, d. Antonia se casou
quando já era viúva e “tinha idade superior a quarenta anos”. Boschi diz que em 1779
15
Correio Braziliense, v. 17, 1816, p. 555. 16
BN, Seção de Manuscritos. I-10,16;014,n001.
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Rodrigues de Macedo fazia remessa de uma frasqueira por intermédio de d. Antônia à
Teixeira Coelho. Nessa época, já casada com Inácio Rebelo. Segundo correspondências de
Macedo, Antônia do Gualaxo gozava de certa intimidade com o Intendente, o qual possuía
diversos negócios com o contratador. Com o seu retorno para Portugal e o imediato
casamento de d. Antônia com Rebelo parece que há certa inferência do autor sobre uma
pareceria de negócios entre os três. É possível que existissem laços mais fortes entre Rebelo e
Teixeira Coelho, pois ambos nasceram na mesma vila em Portugal e percorreram os mesmos
caminhos, isto é, Rebelo parecia seguir exatamente a trilha deixada por Teixeira Coelho,
exceto pelo fato que ele efetivamente se casara em terras coloniais e não planejava retornar ao
reino.
Particularmente nos interessou o volume de correspondências no acervo da Casa dos
Contos em que sua ação como Desembargador da Real Fazenda aparece mais claramente. Ele
escreveu diversas instruções a Ouvidores, Juízes de fora, intendentes e contratadores sobre a
cobrança do subsídio voluntário, um dos “cofres especiais” que ficou a cargo da contadoria da
relação da Bahia. O subsídio, instituído como temporário a partir do terremoto em Lisboa,
acabou tornando-se permanente e incidia diretamente sobre a atividade comercial. Nos
Registros cobrava-se pelas cargas (escravos, gado vacum, cavalar, vinho, aguardente) e nas
vilas e arraiais, cobra-se pelas lojas e vendas mensalmente.
Como Intendente do Ouro em Vila Rica e responsável pela arrecadação do Subsídio
voluntário, Rebelo tinha forte atuação nos postos fiscais, bem como possuía influência sobre
os administradores dos Registros das entradas. Suas correspondências demonstram o vasto
alcance de sua atuação, entretanto, interessa-nos aqui uma região que particularmente se
transformava no final do século XVIII, o sul da capitania. Nessa região ele passou a atuar
mais freqüentemente devido a um novo conflito de jurisdição e que afetava uma comarca em
franca expansão, a Comarca do Rio das Mortes.
Como dissemos acima, consideramos bastante curioso o retorno à condição de Juiz de
Fora por parte de Sousa Rebelo, no entanto é exatamente através desse posto que temos uma
das mais interessantes defesas das jurisdições territoriais da Capitania. Em 181417
Rebelo
fazia a defesa da criação da Freguesia de Franca em Minas e argumentava sobre as razões
dessa nova freguesia não pertencer à Capitania de São Paulo. No Início do documento
lembrava que todo o território do sul da Capitania das Minas havia passado por mudanças
pelas quais ele havia se empenhado - as primeiras freguesias de Baependi, Pouso Alto,
17
II-36,06,028 Fundo Minas Gerais. Seçao de Manuscritos. Biblioteca Nacional.
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Aiuruoca, Baixa do Funil, Jacui, Cabo Verde vincular-se-iam à nova Vila da Campanha da
Princesa, conforme determinação do Conselho Ultramarino e não à Vila de São João Del Rei.
Lembrava também que Jacuí e Baependi haviam se tornado Vilas também de acordo Alvará
de 1814. Jacuí, que antes havia sido um julgado, tinha sido uma reivindicação dos moradores
e administradores logo após a criação de Campanha, devido a sua extensão foi elevada à
condição de Vila. Isso acabou criando a necessidade de definir o seu termo, dotando assim a
condição de freguesia à Franca e termo de Jacuí. Defendia o seu pertencimento à Capitania de
Minas pelo seguinte argumento:
Sempre que alguns novos colonos penetram e cultivam os matos virgens infestados de gentios,
ficam sendo fregueses da mesma freguesia por onde entravam, assim muitos se foram
estendendo os termos das vilas que pertenciam aquelas freguesias e, por conseqüência as
capitanias. E por essa mesma razão deve a nova freguesia de Franca ser do termo de Jacui e
desta Capitania. Veja-se no mapa de população incluso, onde quase todos a quem se declara a
naturalidade são das freguesias desta Capitania e da Comarca do Rio das Mortes que
certamente por entrarem aqueles matos não os foram penetrando pela Capitania de São Paulo.
É interessante observamos aqui a lógica centrífuga. As Minas se expandem e existe
um “direito” dado aos colonos fregueses da mesma freguesia que dela partem, cultivassem e
protegessem a terra.
Além disso, ele alegava que havia uns mapas e documentos autênticos que
demonstravam que Franca ficava aquém do Rio Pardo e que os Oficiais do Regimento de
linha atestavam que essa era a divisão das capitanias e por isso sempre utilizaram esse
princípio para patrulhar o território. Enfim, não havia precisão, mas uma boa lógica de
argumentação.
No caminho “velho” ou caminho das Minas pela Capitania de São Paulo, foram
instalados os seguintes Registros: Capivari, Itajubá, Jacuí, Jaguarí, Mandu, Ouro Fino, Picu,
Rio Grande, Sapucaí e Sapucaí Mirim. O Registro do Capivari ficava situado no antigo
caminho que ligava Guaratinguetá da Capitania de São Paulo à Vila de São João Del Rei. Na
segunda metade do século XVIII teria existido um arraial de Capivari no chamado caminho
do Picu e daí o nome do Registro. Os Registros de Itajubá, Jacuí, Jaguarí e Mandu são todos
da segunda metade do século XVIII e todos de regiões limítrofes com a Capitania de São
Paulo. Como Registro de fronteira com a Capitania de São Paulo, Jacuí demonstra bem a
diversidade dos produtos “importados” que entravam pela passagem. Eram eles: açúcar, aço,
ferro, cobre, chumbo, enxofre, vinho, escravo, cavalos além de secos e molhados que não
temos como distinguir a não ser como comestíveis e não comestíveis.
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Nos demais Registros da região a composição de produtos era bem semelhante.
Mandu funcionou até a década de 1770 e foi tranferido para o Jaguari e funcionavam
respectivamente nos atuais municípios Pouso Alegre e Camanducaia. O Registro do Ouro
Fino começou a funcionar na década de 1760 na região onde hoje seria o município
homônimo do sul de Minas. Segundo Waldemar de Almeida Barbosa, a Capela de São
Francisco de Paula de Ouro Fino foi elevada à condição de freguesia pela autoridade
arquidiocesana de São Paulo em 1749, mas no ano seguinte as autoridades civis e
eclesiásticas da capitania mineira apelaram ao Rei e tomaram posse do arraial de Ouro Fino.
Em 1765 a freguesia passou ao bispado de Mariana. Isso não resolveu definitivamente os
problemas de limites na região, como veremos a criação da Vila de Campanha da Princesa
redefinirá melhor os contornos dos limites entre as duas capitanias e as áreas de influencia
política dos arraiais da região que ainda estavam vinculados à Vila de São João del Rei. A
disputa em torno da freguesia de Ouro Fino desdobrou ainda numa retomada de sua posse
pela Diocese de São Paulo em 1775. Isso levou à mudança no posicionamento do Registro em
1777 para a “Ponte Nova” do Rio Jaguarí próximo hoje do atual município de Bragança
Paulista. No ano seguinte uma nova mudança restitui o Registro dentro dos limites da
Capitania mineira.
No ano de 1779 o novo contrato já indicava a mudança administrativa e política do
Registro.
Aos vinte três dias do mês de outubro de mil e setecentos e setenta e nove tomei conta da
Administração deste registro de Ouro Fino do Capitão Domingos Pereira do Amaral Coutinho
por ordem do caixa e administrador do Real contratato o capitão João Rodrigues de Macedo e
para constar fiz este termo e assino 23/10/1779
Jose do Carmo Saraiva
Diogo de Vasconcelos descreve da seguinte maneira esses conflitos: “O governo de
Minas não proibia a entrada dos paulistas, nem lhes negava o direito de lavrarem suas terras.
O que não queria era que um pedaço do nosso território se separasse também do encargo das
cem arrobas”. Para a cobrança dos quintos e das entradas nas Minas seria fundamental manter
as fronteiras expandidas.
O Registro do Picu situava-se como os demais em complexas regiões fronteiriças e,
por essa mesma razão sua instituição é tardia. A definição sobre o domínio da região e o seu
pertencimento se reporta à criação da Vila Nova da Campanha da Princesa no final do século
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XVIII, mais precisamente 1799. Antes de prosseguir, podemos dizer que o mesmo pode ser
dito para os Registros de Rio Grande, Sapucaí e Sapucaí Mirim. A região compreendida por
esses registros estavam política e geograficamente se desmembrando da influência da Vila de
São João del Rei, mais próxima à região mineradora central e distante dos interesses dos
criadores de gado, produtores de fumo e de algodão da região do sul de Minas. Estes se
vinculavam, tanto politicamente, quanto geograficamente aos moradores das vilas de São
Paulo e seus caminhos, como era o caso de Picu. Para Marcos de Andrade18
, essa região do
sul de Minas ganhou tão grande destaque econômico e político ao final do século XVIII e
início do século XIX que a construção de uma estrada para ligá-la à Corte no Rio de Janeiro
tornou-se imprescindível. Os proprietários tomaram para si próprios a tarefa de construí-la. O
caminho seguia pelo arraial de Três Corações, atravessando a Serra da Mantiqueira, o arraial
de São Tomé das Letras, Vila de Airuoca, Resende, Rio Preto, Vila da Posse (Barra Mansa),
Venda Grande e São Cristóvão até a Corte do Rio de Janeiro. Todo o percurso seria de 64
léguas19
.
O Registro de Itajubá entre os anos de 1765 a 1783 registrou 1670 entradas totalizando
um volume de mais de 14 contos de alfândega. Sua movimentação assemelha-se mais a do
Jacuí pela natureza dos produtos importados que entraram e pelo fato de não ser freqüentado
apenas por produtores/ mercadores das regiões próximas transportando produtos de
abastecimento. Apesar da aguardente e rapadura ter uma presença expressiva, são os produtos
importados de metais, escravos e sal que representam o maior volume das alfândegas. Além
disso, o Registro tem como característica entradas com grandes volumes de mercadorias
diversas que entraram aqui como outros. Trata-se da dificuldade de inserir numa mesma
entrada as denominações de todos os produtos que entram numa mesma carregação e em
pequenas quantidades. Nesse caso, elas foram todas anotadas nos campos de observação.
18
Marcos Ferreira ANDRADE. Elites Regionais e a formação do Estado Imperial Brasileiro. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional: 2008. pp. 152. 19
Idem. p.155.
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Registro de Itajubá de 1765-1783 – Nº de Entradas
Produto Entrada
aguardente e rapadura 102
aguardente 237
aguardente, café e rapadura 14
aguardente, molhado e seco 30
aguardente, rapadura e açúcar 24
aguardente, rapadura e sal 93
aguardente, rapadura e seco 8
sal 333
Escravo 159
escravo e seco 7
gado cavalar 21
Molhado 161
sal e escravo 24
metais (aço, ferro, cobre, chumbo) e ferramentas 38
sal, seco, metais (aço, ferro, cobre, chumbo) e ferramentas 40
escravo, sal, seco metais e ferramentas 11
vinho, aguardente, rapadura, sal, e seco 19
vinho, metais e ferramentas 17
fardos e caixas, metais e ferramentas 4
outros* 328
Esse livro de registro também informa as localidades de destino. Aqui neste caso como
podemos observar são todas as localidades da Comarca do Rio das Mortes o que pode indicar
realmente o destino final ou entreposto para re-distribuição das mercadorias. Entretanto,
parece-nos mais provável ser o destino final das mercadorias introduzidas pelo fato de ser um
momento de expansão territorial e político da região.
Negócios, contratos e a administração fiscal nas Minas Gerais: os conflitos de jurisdição e os poderes locais (1780-1815)
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Destinos Entradas
Vilas
Campanha da Princesa 741
Sabará 3
São João Del Rei 5
Localidades
Cabo Verde 5
Caldas 35
Camanducaia 5
Campanha 12
Itajubá 735
Mandu 11
Pouso Alegre 112
Santa Catarina 91
São Gonçalo 69
Toda a modificação geográfica e econômica da Capitania nesse período está
indissociavelmente ligada à atividade mercantil e à produção rural, bem como a definição
política dependia de um intrincado jogo entre a Real Fazenda e os principais da terra.
Procurar entender parte dessa trama, é o objetivo principal desse projeto.
José João Teixeira Coelho em Instrução para o Governo da Capitania de Minas
Gerais, editado em 1782 analisava alguns aspectos interessantes que já apresentamos aqui.
Como já dissemos anteriormente temos fortes suspeitas dos vínculos estabelecidos entre
Teixeira Coelho e Sousa Rebelo, mas ainda não temos dados suficientes para comprovar essa
relação. Por essa razão a memória de Coelho e o seu contexto de produção tornaram-se mais
importantes. Acentua-se em sua Instrução a idéia de que o território minerador precisava ser
melhor administrado e fiscalizado, além disso, a mineração era apenas uma parte da economia
da região. Assim sendo dissociava a idéia de rebeldia e insubordinação dos mineiros à de
contrabandos ao Erário Régio20
. Afinado com o pensamento pragmático e racionalista dos
administradores reformistas, Teixeira Coelho redigiu sua memória afinado com todos os
modelos prescritos pela Real Academia de Ciências de Lisboa. O pragmatismo e tecnicismo
20
Ver: Caio BOSCHI. Estudo Crítico. In: Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais. José João
Teixeira Coelho. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2007. (Coleção Mineriana). p. 36. Ana Rosa Cloclet
Silva. Minas no contexto da “acomodação”: as relações de poder, as práticas políticas e as tessituras das
identidades. Revista Aulas: Dossiê Identidades Nacionais, n. 2, p.9, 2006.
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aliado à experiência daquele que se propunha a instruir e apresentar propostas a problemas
concretos de uma dada realidade, era isso que se requeria de um memorialista. Teixeira
Coelho possuía vasta experiência, havia começado como a “esmagadora maioria de letrados
dava início a sua carreira”, tornou-se Juiz de Fora em Vila do Conde no Minho21
. Caio
Boschi diz que ao ser nomeado para a Intendência do Ouro em Vila Rica demonstrou grande
distinção, pois significava um cargo nuclear da administração imperial. Cargo que ele ocupou
durante onze anos e que mais tarde foi ocupado por Inácio Rebelo – cargo de grande prestígio,
mesmo no pós-Inconfidência mineira.
Como Intendente do Ouro e Procurador da Real Fazenda, Coelho teve liberdade para
reformular a partir das determinações atribuídas ao seu cargo com a criação do Erário Régio,
a estrutura fiscal da Capitania. Isso lhe conferia não apenas grande poder, mas também
prestígio entre a elite local. É exatamente esse o nosso maior interesse na obra e atividade de
Teixeira Coelho. Boschi diz que havia um aparente paradoxo entre uma concepção fazendária
racionalista no sentido de combater os descaminhos e, ao mesmo tempo abrir caminhos para
uma elite local conduzir o processo político e econômico que se revelava principalmente nas
arrematações de contratos22
. Dessa maneira, os homens de negócio portugueses entendidos
por Kenneth Maxwell como “imigrantes”, precisavam aprofundar e enraizar seus negócios de
maneira inseparável do ambiente e dos bons da terra23
. Lembrando também uma observação
de Russell-Wood que se aplica muito bem, tanto ao Dr. Teixeira Coelho quanto a Sousa
Rebelo, havia uma “inevitável correlação entre o prestígio pessoal e a posição na sociedade,
inerentes ao cargo desempenhado” características intrínsecas aos funcionários da
administração fazendária24
.
Apesar de toda a inserção de Teixeira Coelho na sociedade mineradora, ele não
permanece na América e retorna ao Reino para seguir sua carreira, como, aliás, faziam
tradicionalmente os magistrados no auge da sua vida profissional25
. De maneira diferente,
Sousa Rebelo permanece e se insere de maneira mais vigorosa. Ainda que tenha deixado bens
em Portugal não parecia ter desejo de retornar à terra natal, pois manifestou a vontade de ser
21
Caio BOSCHI. Cit. pp. 93. O interessante é que Boschi diz que Coelho vem rapidamente para o Ultramar
antes de passar por outras esferas da magistratura no Reino, o fato de ter sido indicado para Intendente nas Minas
quer dizer que o cursus honorum foi quebrado e ele desvencilhou-se rapidamente das ligações com a Casa de
Bragança. O que dizer então de Inácio Rebelo? 22
Caio BOSCHI. Cit. pp 107. 23
Caio BOSCHI. Cit. pp 107 Apud. Kennedy Maxwell. A devassa da Devassa: A Inconfidência Mineira: Brasil
Portugal (1750-1808). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 114. 24
J. R. A. Russel-Wood. A dinâmica Social: Governantes e agentes. In: Francisco Bethencourth e Kirti Chauduri
(Org.). História da Expansão Portuguesa. V. 3. Lisboa: Circulo de Leitores, 1998, pp. 183. 25
J. R. A. Russel-Wood. Cit. pp. 182
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enterrado na Capela da Ordem Terceira de São Francisco. É claro que os tempos eram outros
e ele se revelou um árduo defensor do projeto do império Luso-brasileiro. No tocante à
carreira de magistrado seu percurso foi quase tradicional. Como dissemos, estranhamos o fato
de ter solicitado retornar à função de Juiz de Fora, mas como era de se imaginar ascendeu à
função máxima de Desembargador da Casa de Suplicação, tendo antes passado pela Relação
da Bahia. Sendo uma exceção à regra como podemos entender pelos estudos de Russel-Wood
e de Schwartz, Souza Rebelo optou pelo envolvimento emocional e financeiro com a terra
local.
Mesmo para os que escolhiam prosseguir ao serviço do Rei existiam mecanismos sociais
insidiosos, mas poderosos que exerciam uma pressão integradora sobre o funcionário da
Coroa, tal como a escolha do local para a residência, o orgulho pela posse de uma propriedade,
o prestígio social associado à eleição para a Santa Casa da Misericórdia, para uma Ordem
Terceira ou para a Irmandade do Santíssimo Sacramento ou até a honra altamente pessoal que
era concedida a um funcionário da Coroa quando lhe pediam que fosse padrinho de um recém-
nascido. Nada disso era proibido, nem sequer para os membros da magistratura, pela Coroa.
Para esses funcionários, mas em particular para os Juízes da Coroa que ignoravam as
proibições reais de confraternização e que casavam com mulheres locais que tinham uma
família ou que entravam em sociedades comerciais, era inevitável que os seus investimentos
emocionais e financeiros na localidade tivessem algum impacto sobre as capacidades de
decisão26
.
Estas palavras parecem ter sido escritas para Rebelo. Possuía casa na principal rua da
cidade de Mariana, a Rua Direita. Casa que deixou de herança para o seu sobrinho, o futuro
Barão do Pontal e que foi sempre descrita como a mais bela e bem ornada casa da Cidade, a
única com rendilhado em pedra sabão. As generosas contribuições que fazia, inclusive para a
futura construção de um hospital em Vila Rica certamente devido ao seu prestígio na Santa
Casa de Misericórdia. O pertencimento à Ordem Terceira de São Francisco, destinada aos
mais ricos e influentes membros da sociedade local, e que atraiam os reinóis que queriam se
integrar numa Ordem protetora. Consideradas importantes instituições hierárquicas do Antigo
Regime, as Ordens Terceiras possuíam a prerrogativa de ser detentora dos privilégios
canônicos (como as ordens mendicantes) e seus membros eram reconhecidos pela alta
distinção27
. Ainda que não tenhamos informações precisas, sabemos que indiretamente que
Rebelo apadrinhou crianças na Cidade de Mariana. Casou-se com uma natural da terra, como
26
J. R. A. Russel-Wood . Cit.pp. 187. E, também, Stuart Schwartz. Sovereignty and Society in Colonial Brazil.
The High Court of Bahia and its judges, 1609-1751. Berkeley: California University Press, 1973. 27
Ver: Caio Cesar BOSCHI. Os Leigos e o Poder (Irmandades Leigas e Política Colonizadora em Minas
Gerais).São Paulo: Ática, 1986.
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já dissemos a d. Antônia do Gualaxo, ainda que tenha recebido autorização do Conselho
Ultramarino para o matrimônio28
.
Essa caracterização tem sido fundamental para nossa compreensão dos agentes
fazendários e a organização mercantil no território americano num contexto em que se
buscava a centralização administrativa, sobretudo que se apostava na atuação mais rigorosa
dos magistrados e dos “negociantes estatais”29
. Neste ponto gostaria de citar ainda o trabalho
apresentado por Alexandre Mendes Cunha sobre o “cameralismo” como uma prática
administrativa bem sucedida. Este autor nos diz que apesar de ser difícil precisar o
“cameralismo” é imprescindível estudá-lo no contexto da centralização administrativa
portuguesa. O termo deriva da expressão alemã Cameralwissenschaft e da ação “gute Polizei”
ou da própria “ciência de polícia em si” (Polizeiwissenschaft), mas não é facilmente
traduzido, ou pelo menos não pode ser traduzido com o sentido que o termo “polícia” adquire
contemporaneamente30
. Segundo Alexandre a influência do pensamento político e econômico
alemão influenciou a atuação da administração pombalina. O Erário Régio foi um ótimo
exemplo da prática do “cameralismo”. A Real Fazenda tomando para si o exercício e
vigilância das rendas do Estado. Contaria para isso com um corpo técnico altamente
especializado e um grupo de negociantes, poderia se dizer, devotado. Em suas próprias
palavras:
A política pombalina partia assim da convicção de que o estado poderia se beneficiar com a
recorrência a certos elementos da prática mercantil, mas ao mesmo tempo, de que, à realidade
presente do império português, essa atividade só poderia desenvolver plenamente suas
potencialidade e conduzir os esperados pomos dourados aos cofres reais com o reforço da ação
do Estado. (...) Mais que isto, uma qualificação importante da especificidade do Erário Régio
em Portugal pode ser percebida na largueza de suas capacidades na organização contábil-
administrativa das rendas, não só do Reino mas no Império português como um todo, posto
que desde o momento de sua criação lhe são submetidas todas as contas da monarquia de
forma integrada, reino e colônias, integradas dentro das quatro contadorias em uma estratégia
de subdivisão fiscal e não necessariamente de contigüidade geográfica. O caminho efetivo da
centralização na administração das finanças e da fiscalidade em Portugal é assim o da
28
Ainda que não tenha sido possível empreender toda a pesquisa de arquivo, sabermos que foi feita a consulta
ao Conselho e ao que tudo indica foi aprovado o matrimônio. AHU – Cons. Ultram. – Brasil/MG – Cx.: 123,
Doc.: 79. 29
Ver: Nuno MADUREIRA. Mercados e Privilégios. Lisboa: Ed. Estampa, 1997. 30
Ver: Alexandre Mendes CUNHA. O lugar do cameralismo no pensamento económico português: reflexões
sobre sua influência na centralização das finanças do Reino na segunda metade do século XVIII. V Encuentro
Iberico de Historia del Pensamiento Econmico. Madrid, 2007. O autor lembra que Sérgio B. De Holanda em
seu famoso artigo “Sobre uma doença infantil da historiografia” de 1973 já citava esse problema de tradução. p.
12.
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centralização das estruturas de administração direta dos tributos e rendas do Estado, ao qual se
alinham as instâncias políticas e do contencioso jurídico, e não o contrário31
.
Ora, se levássemos a termo toda essa eficácia e devoção, teríamos um sistema perfeito.
Sabemos a extensão dos territórios, o conjunto de excepcionalidades criadas nas contadorias,
o acúmulo de cargos com a conseqüente concentração de poderes e círculos de amizades que
colocavam à prova a eficiência, determinação e interesses de seus funcionários. Além disso,
os conflitos de jurisdição territorial, comuns na dinâmica da organização fiscal, impunham
suas próprias demandas. Tornava-se, portanto difícil acreditar numa solução lógica e coerente
que, como diz Alexandre Cunha, levaria a um caminho de centralização que alinhava
perfeitamente em seu percurso as instâncias políticas e de litígio jurídico. Por outro lado,
também não é possível dizer que não houvesse controle por parte do Erário Régio e de seus
funcionários, bem como da consciência dos grandes negociantes dos benefícios e
contrapartidas de um aparato burocrático que lhes dessem garantias, como foi o caso da Junta
de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação que, em 1788, é elevada à condição de
tribunal.
31
Alexandre Mendes CUNHA. Cit. pp. 18-20.