NELSON EIZIRIK - quebradecontrato.com.br · para Cálculos da Justiça Federal, desde quando...
Transcript of NELSON EIZIRIK - quebradecontrato.com.br · para Cálculos da Justiça Federal, desde quando...
NELSON EIZIRIKA d y o g a d o
COMPANHIA ABERTA. DEVER DE DIVULGAR. DECISÃO JUDICIAL QUE
CONSTITUI FATO RELEVANTE
Parecer solicitado pela Mendes Júnior
Engenharia S.A. e elaborado por Nelson
Eizirik
Rio de Janeiro, 21 de maio de 2008.
parecer balanço-transparência (21.05.08 f)
NELSON EIZIRIKAdvogado
1- A CONSULTA
2
Narra-nos a Mendes Júnior Engenharia S.A., doravante denominada
Consulente, Construtora ou simplesmente Mendes Júnior, os seguintes fatos:
A Mendes Júnior assinou os contratos CT-I-227.820 e CT-I-227.281,
em 3 de abril de 1981, frutos do procedimento de concorrência pública junto à
Companhia Hidro Elétrica do São Francisco - CHESF, visando à realização de obras
de terraplanagem e estruturas de concreto do "Aproveitamento Hidroelétrico de
Itaparica" (Usina Hidroelétrica de Itaparica), no Rio São Francisco.
Entretanto, devido ao inadimplemento, pela CHESF, de sua obrigação,
qual seja, o pagamento dos valores devidos como contra-prestação contratual, a
Construtora teve de custear parte da referida obra pública. Tal custeio implicou a
captação de recursos no mercado financeiro, trazendo ônus para o capital de giro e
implicando custos extracontratuais, suportados pela Consulente.
A Mendes Júnior ajuizou ação declaratória contra a CHESF, pleiteando
o reconhecimento do direito ao ressarcimento completo e atualizado dos valores
relativos a juros de mercado e encargos financeiros em que incorreu em razão do
financiamento da obra.
A referida demanda tramitou perante a 4a Vara Cível do Foro da
Comarca de Recife (autos de nO 00188006131-7), sendo julgada improcedente em
Primeiro Grau. Contudo, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
3
Pernambuco, em sessão realizada em 03.04.90, deu provimento, por unanimidade,
ao recurso da Consulente (autos de nO 816/89), e reformou a sentença recorrida,
consignando que:
"Não será enfadonho se realçar que a Apelada [CHESF], que
se revelou impontual, por largos períodos, no cumprimento das
obrigações pactuadas, há de arcar com a responsabilidade de sua
conduta ilegal, reparando os danos causados à parte ex
adversa.
Pelos fundamentos aqui aduzidos, voto dando provimento à
apelação para o fim de declarar a exístência de uma relação de
crédito da Apelante [Mendes Júnior] contra a Apelada [CHESF],
assegurando à vencedora completo ressarcimento, com
atualização dos valores relativos a juros de mercado e encargos
financeiros em decorrência do financiamento da construção da
Usina Hidroe/étrica de Itaparica, na forma requerida, invertido o
ônus da sucumbência e reduzida a verba honorária que fixo em 10%
sobre o valor atribuído à causa." (grifamos)
o referido acórdão transitou em julgado em 08.06.92.
Em 2000, a Construtora ajuizou ação de cobrança n°
2000.83.00.014864-7 contra a CHE8F, requerendo:
a condenação da ré a pagar à autora a importância decorrente
dos referidos juros de mercado, a ser aferida por perícia, para
confronto dos valores apresentados pelas mencionadas auditorias, a
qual deverá ser atualizada também por encargos de mercado até o
seu efetivo pagamento, conforme judicialmente decidido."
NELSON EIZIRIKAdvogado
5
(Lei nO 10.406/2002), quando o percentual deverá ser de 1,0% (um
por cento).
5) Apurado o crédito da autora na forma dos itens acima, deve haver
abatimento dos benefícios auferidos pela acionante por meio de:
- Incidência de correção monetária e juros de mora (capitalizados) de
1% (um por cento), ao mês de atraso de pagamento;
- Indenização pelos custos adicionais decorrentes do andamento
anormal da obra;
- Eliminação de carência para o cálculo da correção monetária e para
os vencimentos das faturas de correção monetária;
- Atualização dos valores das faturas de correção monetária
('correção de correção) que tenham sido pagas com atraso pelo
valor histórico;
- Alteração do período de reajustamento de preços contratados e
- Reajustamento dos preços complementares com base no IGP-DI-
FG V, entre a data de apresentação da fatura até o vencimento (30
dias), e correção monetária desses valores pela OTN.
6) Os benefícios mencionados no item 5 também deverão ser
atualizados monetariamente na forma do Manual de Procedimentos
para Cálculos da Justiça Federal, desde quando trouxeram
acréscimos patrimoniais à autora.
7) Calculado o crédito na forma dos itens 1 a 4, deverão ser abatidos
os valores mencionados no item 5, atualizados monetariamente na
forma do item 6, encontrando-se assim o montante devido à
MENDES JÚNIOR ENGENHARIA S/A."
A Consulente, irresignada com a decisão que no seu entendimento
viola coisa julgada na ação declaratória, opôs embargos de declaração, buscando
efeito modificativo, ainda pendentes de julgamento.
NELSON EIZIRIK 6A d o g d o
Narrados os fatos e encaminhados os documentos pertinentes1, a
Consulente formula os seguintes quesitos:
'(1) Tendo em vista o trânsito em julgado do acórdão na ação
declaratória movida pela Mendes Júnior, deveria a CHESF ter
incluído em suas demonstrações financeiras provisão e nota
explicativa a respeito do reconhecimento na ação declaratória do
direito da Mendes Júnior ao completo ressarcimento dos valores
relativos aos custos financeiros que suportou em razão do
financiamento da obra de /taparica ?
2) A decisão na referida ação declaratória deveria ter sido divulgada
ao mercado mediante fato relevante?
3) A sentença na ação de cobrança alterou o dever da CHESF de
informar ao mercado, através de suas demonstrações financeiras, a
existência do crédito da Mendes Júnior?"
1 1) Parecer do Prof. Humberto Theodoro Júnior sobre: Coisa Julgada Ação Declaratória seguida de açãocondenatória, de 14 de julho de 1995; 2) Parecer dos Profs. Eliseu Martins e Ariovaldo dos Santos quanto àconceituação da expressão "Juros de Mercado" na decisão prolatada na ação declaratória movida por MendesJúnior Engenharia S/A contra Companhia Hidrelétrica do São Francisco S/A - CHESF. Dezembro/97; 3) Parecerdos Profs. Eliseu Martins e Ariovaldo dos Santos em relação a questões levantadas na ação declaratória movidapor Mendes Júnior Engenharia S/A contra Companhia Hidrelétrica do São Francisco S/A - CHESF. Abril/99; 4)Parecer dos Profs. Eliseu Martins e Ariovaldo dos Santos os conceitos utilizados em Parecer Técnico n°006/2005, datado de 02 de junho de 2005, da lavra da 5" Câmara de Coordenação e Revisão (PatrimônioPúblico Social) do Ministério Público Federal - MPF. Maio/2006; 5) José Rogério Cruz e Tucci - Prof. Titular daFaculdade de Direito da USP. Parecer: Ação declaratória seguida de ação condenatória - identidade de partes ede cauda de pedir - eficácia preclusiva determinante do julgamento da demanda sucessiva - violação do art. 474do CPC - enriquecimento indevido. 1° Abri1/2008; 6) Ada Pellegrini Grinover - Prot" Titular da Faculdade deDireito da Universidade de São Paulo. Parecer elaborado em 14 de abril de 2008; 7) Prof. Miguel Reale Jr.Parecer elaborado em 11 de Junho 2007; 8) Parecer do Prof. José Alexandre Tavares Guerreiro sobreContingência - Demonstrações Financeiras - Omissão de registro de contingências nas demonstraçõesfinanceiras - Reserva e provisão para contingências - Nota Explicativa - Requisitos de divulgação decontingências por parte de companhias abertas. Elaborado em 15 de abril de 2005; 9) Demonstrações contábeisda Mendes Júnior Engenharia S.A referentes aos exercicios findos em 31 de dezembro de 2007 e 2006 eParecer dos Auditores Independentes; 10) Embargos de Declaração com efeitos infringentes opostos pelaMendes Junior Engenharia S.A no Processo nO 2000.83.00.01.014864-7, em 17 de março de 2008; 11) Acórdãoda Primeira Câmara Cível do tribunal de Pernambuco na Apelação Cível n0816/89. Apelante: ConstrutoraMendes Júnior S/A, Apelada: Companhia Hidrelétríca do São Francisco/Chesf. Datado de 21 de novembro de2000; 12) Sentença proferida pelo Juízo da 12" Vara Federal de Pernambuco, na Ação Ordinária n°2000.83.00.014864-7. Autor: Mendes Júnior Engenharia S/A, Réu: Companhia Hidrelétrica do São Francisco eoutro, datada de 05 de março de 2008.
NELSON EIZIRIKAdvogado
11 - O PARECER
A. O PRINCípIO DA TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE INFORMAR
7
Como as companhias abertas encontram-se em estado permanente de
oferta de seus valores mobiliários2, entende-se que o público investidor deve ser
dotado, continuamente, de informações a seu respeito.
Com efeito, como ressalta a própria Exposição de Motivos da Lei das
"Toda a companhia que faz apelo - por m/n/mo que seja à
poupança pública, cria, ao ingressar no mercado de capitais,
relações que não existem na companhia fechada e que exigem
disciplina própria para a proteção da economia popular e no
interesse do funcionamento regular e do desenvolvimento do
mercado de valores mobiliários". (grifamos)
Trata-se da consagração do princípio fundamental que informa o
funcionamento do mercado de capitais: o tull disclosure ou transparência, que
estabelece a ampla divulgação de informações4.
2 FÁBIO KONDER COMPARATO. Competência privativa do conselho de administração para designação dediretores, em companhia aberta - Ineficácia de cláusula do contrato social da holding, ou de eventual acordo deacionistas, para regular a matéria. In: Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro:Forense, 1981. p.95.3 Exposição de Motivos nO 196, de 24.06.1976.4 NELSON EIZIRIK. Questões de direito societário e mercado de capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.62 e ss.
NELSON EIZIRIKAdvogado
8
A questão do full disclosure vem sendo amplamente discutida na
doutrina, principalmente norte-americana, a partir da crise da Bolsa de Valores de
Nova Iorque em 1929. Nesta ocasião, ficou inquestionável a premente necessidade
de se criar mecanismos que protegessem, de maneira adequada e efetiva, o
investidor do mercado de valores mobiliários.
A propósito, vale ressaltar a recomendação do Presidente Franklin
Roosevelt, por ocasião da elaboração do Securities Act:
"I reeommend to the Congress legislation for Federal supervision of
traffie in investment seeurities in interstate eommeree ...
There is ... an obligation upon us to insist that every issue of new
securities to be sold is interstate eommerce shal/ be aeeompanied by
fuI/ publieity and information, and that no essential/y important
e/ement attending the issue shal/ be eoncealed from the buying
public.
This proposal adds to the aneient rule of eaveat emptor, the further
doetrine 'Iet the sel/er also beware'. It puts the burden of telling the
who/e truth on the sel/er. /t should give impetus to honest dealing in
seeurities and thereby bring baek publie eonfidenee.
The purpose of the legislation I suggest is to proteet the publie with
at least possible interferenee to honest business"5. (grifamos)
Nessa perspectiva, Louis Loss, em sua obra clássica, intitulada
"Securities Regulation", narra o que ele designou de a "batalha das filosofias", que
antecedeu a elaboração do Securities Act.
5 ROOSEVELT apud WILLlAM E KNEPPER. Liability of corporate officers and directors. 3'd ed. [S.I.] TheAllen Smith Company. p. 341 e 342.
---------- -------"
NELSON EIZIRIKA u v o g fi U o
9
Por um lado, poderia o legislador optar pela tese dos que lutavam pela
redução do poder de decisão dos administradores e pela imposição de sanções
cada vez mais rígidas para as faltas que cometessem, seguindo, assim, a diretriz
prevista nas chamadas "blue sky laws", adotadas pela quase totalidade de Estados
da América do Norte. Nesta hipótese, entretanto, deparar-se-ia com o risco de se
ensejar a ineficiência dos negócios honestos.
Do lado contrário estavam os que defendiam a preservação da
liberdade do gestor, mediante, contudo, a consagração de um dever de divulgação.
Esta última opção foi adotada de forma precursora pelos norte
americanos, em 1934, com a concepção da "Securities and Exchange Comission"
(SEC) e a edição do "Securities Act", sendo nítida a influência do livro "Other
People's Money" de L. Brandeis, conforme relata Loss:
"(. ..) Congress opted for the British disclosure philosophy over the
native merit philosophy of the blue sky laws. (. ..) Congress was
conscious also of Louis D. Brandeis's statement seventy years later
in Other People's Money, strongly urging publicity as a remedy for
social and industrial diseases general/y and for excessive
underwriter's charges specifical/y. 'Sunlight is said to be the best of
disinfectants; electric Iight the most efficient policeman.' (. ..) He cited
the Pure Food Law as an example: It does not guarantee quality or
prices, but it does help the consumer to judge quality by requiring the
disclosure of ingredients.
(. . .)
NELSON EIZIRIKAdvogado
10
In short, Congress did not take away from the citizen 'his inalienable
right to make a fool of himself.' /t simply attempted to prevent others
from making a fool of him.'iJ (grifamos)
Percebe-se, pois, que o entendimento de Brandeis de que tia luz do sol
é o melhor dos desinfetantes" e tia luz elétrica o mais eficiente policial" denota a
importância fundamental da filosofia do tidisclosure" para a segurança e bom
funcionamento do mercado.
Isso porque a publicidade dos acontecimentos relevantes ocorridos na
sociedade evita a fraude, além de constituir uma garantia indispensável para o
investidor que pretende alocar seus recursos no mercado de capitais.
Entre nós, a observância do "full disclosure" vem sendo imposta desde
o advento da Lei n° 4.728/1965 e da hoje revogada Resolução do Conselho
Monetário Nacional n° 88/1968, que exigia das companhias cujos títulos fossem
negociados no mercado o compromisso de revelarem imediatamente ao público as
decisões relevantes que pudessem afetar sua cotação.
Atualmente, além de consubstanciado no artigo 157, § 4° da Lei das
Sociedades Anônimas, o princípio do disclosure encontra-se consagrado, ainda, na
Lei n° 6.385/1976, que, em diversos dispositivos, faz referência à política da ampla
transparência das informações (artigo 4°, VI, artigo 19, artigo 20), especialmente ao
6 LOUIS LOSS. Fundamentais of Securities Regulation. 2 ed. Boston: Little, Brown & Company, 1988. p. 3133.
NELSON EIZIRIKAdvogado
11
delegar à CVM o poder de fiscalizar a veiculação de informações relativas ao
mercado de capitais (artigo 8°, 111).
Ademais, a Lei n° 6.385/1976 fixou, de maneira clara, a competência
normativa da CVM relativamente: à natureza e periodicidade das informações
prestadas pelas companhias abertas; aos relatórios da administração das
companhias; aos padrões de contabilidade e pareceres dos auditores
independentes; à divulgação de deliberações da assembléia geral ou dos órgãos de
administração (artigo 22, § 1°).
Em vista de tais poderes, a CVM editou a Instrução n° 31/1984, que
tratava da divulgação e do uso de informações sobre o ato ou fato relevante relativo
às companhias abertas. Tal Regulamentação foi revogada pela Instrução n°
358/2002, que foi posteriormente alterada pelas Instruções CVM n° 369/2002 e
449/2007, que atualmente disciplinam a matéria.
A filosofia do disclosure pode ser assim resumida: uma vez
adequadamente provido das informações relevantes sobre a companhia e sobre os
títulos que ela emite, o investidor tem condições de avaliar o mérito do
empreendimento e a qualidade dos papéis.
Dessa forma, o postulado básico da regulação do mercado de capitais
é de que o investidor estará protegido na medida em que lhe sejam prestadas todas
as informações relevantes a respeito das sociedades com os títulos publicamente
negociados. As informações financeiras sobre as companhias abertas devem ser
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
12
fidedignas, refletindo, portanto, a real situação financeira, e comparáveis,
seguindo, na sua elaboração e apresentação, os mesmos critérios.
A propósito, salientava a l\Iota Explicativa CVM n° 28/19847 que:
"o objetivo primordial do sistema de divulgação (. ..) é propiciar ao
investidor uma decisão consciente, embasada numa ampla gama de
informações que espelhem fidedignamente a situação da
companhia. (. ..) Só assim se promoverá a confiabilidade do
investidor no mercado de valores mobiliários". (grifamos)
Como ressaltado, a importância do disclosure reside na presunção de
que, uma vez divulgadas as informações relevantes a respeito das companhias, o
público investidor tem condições de avaliar, de maneira adequada, o mérito do
empreendimento e a qualidade dos papéis ofertados8.
Neste sentido, um dos principais deveres dos administradores e
acionistas controladores de companhias abertas constitui o dever de informar,
previsto no artigo 157, § 4° da Lei das S.A. e nos artigos 2° e 3° da Instrução CVM
n° 358/2002, que lhes impõe a obrigação de divulgar fatos relevantes.
Tais dispositivos determinam, expressamente, que seja divulgada,
através de anúncio de fato relevante, qualquer decisão do acionista controlador,
deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia
7 Tal Nota Explicativa refere-se à Instrução CVM n° 31/1984, que dispunha sobre a divulgação e o uso deinformações sobre atos e fatos relevantes relativos às companhias abertas antes da edição da Instrução CVM n°358/2002, posteriormente alterada pela Instrução CVM n° 369/2002, que atualmente trata da matéria.8 NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais.1 a Ed. Rio de Janeiro: Renovar,1987., p. 62 e ss.
NELSON EIZIRIKA d v o g u d o
13
aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político - administrativo, técnico,
negociai ou econômico - financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que
possa influir de modo ponderável:
I - na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta
ou a eles referenciados;
II - na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles
valores mobiliários;
111 - na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes
à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles
referenciados.
Dessa forma, visando a garantir a eficiência do mercado, impõe-se a
pronta e imediata divulgação dos fatos relevantes. Em outras palavras, deve haver o
"timely disclosure", isto é, as informações devem ser divulgadas tão logo a
administração da companhia tenha verificado a relevância da situação que deva ser
de conhecimento público9.
o "timely disclosure" confere a todos o acesso igualitário às
informações relevantes da companhia, já que lhes possibilita o conhecimento dos
fatos relevantes ao mesmo tempo. Objetiva o disclosure, em última análise, "anular
9 Neste sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. v. 3. 3. ed. rev. eatuai. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 337 e ROBERT CHARLES CLARK. Corporte Law. Boston: Litlle, Brown andCompany, 1986, p. 271, que afirma que "there should be no lags between the ripeness and the publicannouncement of the news" .
NELSON EIZIRIKAdvogado
14
ou reduz;r as vantagens dos insiders sobre os outsiders e o púbUco em geral"1O,
garantindo a todos iguais oportunidades de negociação no mercado de valores
mobiliários11.
Por essa razão, a doutrina enfatiza que o dever de informar assegura a
eqüidade no mercado de capitais, protegendo os acionistas minoritários:
"A dísclosure, ou o dever de ínformar é, país, o principio da
aequitas, posto em norma de conduta acionária, para afirmar a
igualdade do direito de todos e quaisquer acionistas e de todos
os investidores no mercado de ações. Todos têm díreíto às
ínformações concernentes às deliberações socíaís ou fatos
relevantes capazes de alterar o valor de ações, e delas usar,
lucrando ou preveníndo perdas. ,,12. (grífamos)
De fato, a prestação de informações é tão importante que o Código
Penal prevê, no artigo 177, o crime de ocultação de informação relevante, nos
seguintes termos:
"Art. 177 - Promover a fundação de socíedade por ações, fazendo,
em prospecto ou em comunícação ao públíco, ou à assembléía,
afírmação falsa sobre a constítuíção da socíedade, ou ocultando
fraudulentamente fato a ela relatívo:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constítuí
críme contra a economía popular.
10 EDUARDO DE SOUSA CARMO. Relações jurídicas na administração da S.A. Rio de Janeiro: Aide, 1988.~. 137-138.1 FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. p. 248.
12 EDUARDO DE SOUSA CARMO. Relações Jurídicas na Administração da S.A.. Rio de Janeiro: Aide,1988, p. 137.
NELSON EIZIRIKA~vOglldo
15
§ 10- Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra
a economia popular:
I - o diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações que, em
prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou
à assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições
econõmicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo
ou em parte, fato a elas relativo; ( ..)". (grifamos)
Da leitura deste dispositivo, verifica-se que o que se exige basicamente
dos administradores de companhias abertas é que, no seu relacionamento com os
investidores e o público em geral, ajam de boa-fé, leal e honestamente. Neste
sentido, a divulgação de falsa informação pode ser considerada quebra do seu dever
fiduciário em relação aos acionistas.13
A respeito da relevância dos atos ou fatos que devam ser divulgados,
esclarece a Nota Explicativa CVM n° 28/1984, referente à Instrução CVM n°
31/1984, que dispunha acerca da matéria, que:
"A relevância da informação resulta do efeito que o ato ou fato que
lhe dá conteúdo poderá ter sobre o mercado e sobre os investidores
que nele atuam. Assim, os critérios a serem utilizados para medir a
relevância da informação foram estabelecidos na Instrução tendo por
base a sua potencialidade de vir a influir na cotação dos valores
mobiliários de emissão da companhia, ou na decisão dos
investidores de negociarem com aqueles valores mobiliários, ou na
determinação de os investidores exercerem quaisquer direitos
13 ROBERT W. HAMILTON. The law of corporations. 5th ed. 51. Paul, Minn.: West Group, 2000. p. 499.
NELSON EIZIRIKA d • o g a d o
16
inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela
companhia.
(. ...)
Determinada a relevância do ato ou fato ocorrido nos negócios da
companhia impõe-se a sua imediata divulgação ao mercado."
(grifamos)
Assim, caberá à administração da própria companhia avaliar a
relevãncia dos fatos ocorridos no âmbito da sociedade, cumprindo ao diretor de
relações com investidores sua imediata divulgação, como estabelece o artigo 3° da
Instrução CVM n° 358/2002:
"Art. 30. Cumpre ao Diretor de Relações com Investidores divulgar e
comunicar à CVM, e se for o caso, à bolsa de valores e entidade do
mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de
emissão da companhia sejam admitidos à negociação, qualquer ato
ou fato relevante ocorrido ou relacionado aos seus negócios, bem
como zelar por sua ampla e imediata disseminação,
simultaneamente em todos os mercados em que tais valores
mobiliários sejam admitidos à negociação. "
Em outras palavras, a partir do momento em que ocorre a
concretização de decisões, fatos e atos relacionados com a companhia, caberá a
seus administradores analisarem se estes podem impactar o mercado de valores
mobiliários e, caso verifiquem sua relevância, devem providenciar sua ampla e
imediata divulgação ao mercado, mediante comunicado à CVM e à Bolsa de
Valores ou entidade do Mercado de Balcão organizado e a publicação oportuna na
Imprensa Oficial e em jornais de grande circulação utilizados habitualmente pela
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
17
companhia (artigo 157, §4° e artigo 3°, § 4° da Instrução CVM n° 358/2002,
combinados com o artigo 289 da Lei das S.A.).
Além de oportunas, as informações devem ser prestadas de maneira
precisa e objetiva, de modo que o público investidor tenha condições de avaliá-Ias
adequadamente. É o que determina o § 5° do artigo 3° da Instrução CVM n°
358/2002, que tem a seguinte redação:
"Art. 3° - (. ..)
§ 5° - A divulgação e a comunicação de ato ou fato relevante (. ..)
devem ser feitas de modo claro e preciso, em linguagem acessível
ao público investidor'. (grifamos)
Neste sentido, destaque-se que, em Portugal, o Código de Sociedades
Comerciais estabelece que a informação prestada deve ser "verdadeira, completa e
elucidativa" (artigos 181°,214° e 290°).
A informação é verdadeira quando fornece ao público o "real
conhecimento de um facto da vida social"14. A propósito, esclarece Carlos Maria
Pinheiro Torres que:
"a informação há-de ser verdadeira, isto é, numa aproximação
conceitual, não deve conter elementos inexactos ou não
conformes com a realidade, nem, no seu conjunto, induzir em erro
acerca da existência ou do conteúdo dos factos a que se respeita. A
veracidade da informação deve aferir-se pelo juízo que um homem
14 RAúL VENTURA. Sociedades por quotas: comentários ao código das sociedades comerciais. 2. ed.Coimbra: Almedina, 1993. v. 1. p. 293.
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
18
de cultura média formaria em presença da sua efectiva prestação. 1115
(grifamos)
Acrescenta, ainda, o autor que:
"a informação deve ser elucidativa, isto é, deve remover e
esclarecer as dúvidas ou o desconhecimento acerca de factos
ou razões ou justificações para a sua prática. 1116 (grifamos)
As informações, ademais, não podem apresentar ambigüidades ou
omissões, hipóteses em que se entende que foram prestados de forma, no mínimo,
negligente, como ressalta Modesto Carvalhosa:
"As informações não podem ser negligentemente prestadas. Serão
consideradas negligentes quando omissas, desconexas, lacunosas,
demonstrando pouco cuidado na forma de comunicação ao público
sobre a relevância do fato.
Difícil distinguir a informação falsa da negligentemente formulada.
Daí ser presumivelmente fraudulenta toda a informação dada pelos
administradores que não refletir precisa e objetivamente os fatos que
devem reve/ar'17. (grifamos)
A ampla transparência exigida pela legislação societária e pela
regulamentação da CVM é, ainda, fundamental para garantir a confiança dos
investidores no mercado de capitais.
15 CARLOS MARIA PINHEIRO TORRES. o direito à informação nas sociedades comerciais. Coimbra:Almedina, 1998. p. 208.16 CARLOS MARIA PINHEIRO TORRES. O direito à informação nas sociedades comerciais. Coimbra:Almedina, 1998. p. 209.17 MODESTO CARVALHOSA. Comentários a Lei de Sociedades Anônimas. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.v.3. p. 339-340.
NELSON EIZIRIKA d v O g a d o
A propósito, ressalta a Nota Explicativa CVM n° 28/1984 que:
19
"O desenvolvimento do mercado de valores mobiliários encontra-se
condicionado à confiança que o seu funcionamento possa inspirar ao
público investidor. O elemento confiança será estimulado a partir da
garantia de que as informações disponíveis a uma das partes, ao
negociar com valores mobiliários, devem, também, ser conhecidas
pela outra parte. Tal objetivo somente poderá ser alcançado através
de imediata, completa e precisa divulgação dos atos ou fatos
relevantes ocorridos nos negócios da companhia aberta". (grifamos)
Convém, ainda, destacar que o dever de divulgação corresponde ao
direito dos acionistas à informação, que "inclui-se entre os essenciais, previstos no
art. 109 da lei, qual seja o de fiscalizar. Trata-se de prerrogativa que não admite
restrição,,18.
o direito à informação dos acionistas é, ainda, inderrogável e
irrenunciável19, isto é, os acionistas não podem renunciar a tal direito, nem dele ser
privados por disposição estatutária ou deliberação assemblear, uma vez que
consiste em um direito inerente à própria condição de sócios de uma sociedade
anônima.
o direito à informação constitui, ademais, um direito subjetivo dos
acionistas, isto é, se não forem fornecidas de acordo com a lei, as informações são
exigíveis, inclusive judicialmente, de quem tem o dever de prestá-Ias.
18 MODESTO CARVALHOSA. Comentários a Lei de Sociedades Anônimas. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.v.3. p. 325.19 Nesse sentido, verifica-se a lição de CARLOS MARIA PINHEIRO TORRES. O direito à informação nassociedades comerciais. Coimbra: Almedina, 1998. p. 296.
NELSON EIZIRIKAdvogado
20
A Lei das S.A., em diversas passagens, cuidou de reforçar a
importância de os acionistas serem devidamente informados a respeito dos negócios
da companhia, quando, por exemplo, determinou que os acordos de acionistas
fossem arquivados na sede da companhia (artigo 118); as assembléias gerais de
acionistas fossem convocadas com a indicação da ordem do dia (artigo 124); e
fossem disponibilizados aos acionistas uma série de documentos antes da
realização da assembléia geral ordinárias (artigo 133). O direito à informação
possui, portanto, várias vertentes, compreendendo não apenas o direito de obter
informações, como também o direito de, dentro dos limites legais, consultar e
inspecionar livros e documentos da companhia2o.
Ressalte-se que o direito à informação possui nítida feição
instrumental, não tendo um fim em si mesmo, mas sendo um meio de permitir que o
acionista exerça outros direitos que lhe são inerentes, tais como, votar, impugnar
deliberações sociais e propor ações judiciais em face dos administradores e
controladores da companhia21. As informações, portanto, consistem no meio para o
acompanhamento da vida da sociedade e da sua gestã022.
Na realidade, Lamy, citando Garrigues, afirma que junto ao direito
subjetivo do acionista de ser informado a respeito do andamento dos negócios
sociais e dos fatos relevantes ocorridos no âmbito da sociedade encontra-se um
20 FLÁVIA PARENTE. o Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:Renovar, 2005. pp. 211-212.21 Sobre a matéria, ver, ainda, RAÚL VENTURA. Sociedades por quotas: comentários ao código dassociedades comerciais. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1993. v. 1. pp. 275-306 e ESTELLE SCHOLASTIQUE. LeDevoir de diligence des administrateurs de sociétes - droit trançais et angfais. Paris: L.G.D.J.,1998.~Bibliothéque de droit privé, t. 302). p.212-225.2 CARLOS MARIA PINHEIRO TORRES. O direito à informação nas sociedades comerciais. Coimbra:
Almedina, 1998. p. 21.
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
21
t.
dever, mais amplo, que consiste na obrigação dos administradores de companhias
abertas de fornecer informações ao público, que tem o direito de saber o que
ocorre no seio de uma determinada companhia.
Por fim, registre-se que além de ter como objetivo fornecer subsídios
para que o público decida, com conhecimento de causa, a respeito da conveniência
de aplicar seus recursos no mercado de capitais, o disclosure visa, ainda, a coibir a
utilização de informações relevantes por parte de pessoas que, em virtude de suas
atividades profissionais, estão "por dentro" das atividades desenvolvidas pelas
companhias, a fim de negociar com os valores mobiliários de sua emissão antes que
tais informações tornem-se de domínio público.
B. AS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS E O DEVER DE INFORMAR
As demonstrações financeiras das companhias abertas devem ser
fidedignas, refletindo sua real situação financeira de forma que os investidores do
mercado de capitais estejam protegidos e que lhes sejam prestadas todas as
informações relevantes a respeito das sociedades com os títulos publicamente
negociados.
o Conselho Federal de Contabilidade, através da Resolução CFC nO
530/1981, posteriormente revogada pela Resolução n° 750/1993, erigia entre os
princípios fundamentais de contabilidade (ou princípios geralmente aceitos) o da
informação:
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
22
"O princípio da informação requer que as demonstrações
financeiras revelem a quem de direito, todos os fatos que
possam influir, significativamente, na sua interpretação.
As demonstrações financeiras, de uma forma geral, identificam em
uma data-base a posição patrimonial e financeira de uma dada
entidade e o resultado das operações por ela realizadas durante um
certo período. "23(grifamos)
Com a edição da Resolução CFC nO 750/1993, o princípio da
informação foi revogado; todavia, outros princípios e convenções contábeis
permanecem garantindo que as demonstrações financeiras sejam elaboradas de
forma a retratar a situação real da companhia , tal como o Princípio da
Oportunidade, que exige o reconhecimento, o registro e o relato de todas as
variações sofridas pelo patrimônio de uma Entidade, no momento em que elas
ocorrem:
"Art. 6° - O Princípio da Oportunidade refere-se, simultaneamente, à
tempestividade e à integridade do registro do patrimônio e das
suas mutações, determinando seja feito de imediato e com a
extensão correta, independentemente das causas que as
originaram. "(grifamos)
Ou seja, o princípio da oportunidade determína não apenas que as
demonstrações financeiras sejam prestadas oportunamente, tão logo ocorram as
variações patrimoniais, mas também que seja efetuado o registro integral do
23 WILLlAM ATTIE. Auditoria: conceitos e aplicações. zaed. São Paulo: Atlas, 1984. p.Z9.
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
23
.,
patrimônio, devendo as mutações patrimoniais ser refletidas em toda a sua
extensão.
Cumprido tal preceito, as demonstrações financeiras de uma empresa
espelharão com precisão e veracidade o máximo de dados sobre o seu patrimônio,
constituindo, assim, uma representação fiel e completa da sua situação patrimonial
atual.
Outro princípio contábil fundamental a ser observado na elaboração
das demonstrações financeiras é o da Prudência (ou do Conservadorismo), que
determina a adoção do menor valor para os componentes do Ativo e do maior valor
para os do Passivo, sempre que se apresentem alternativas igualmente válidas para
a quantificação das mutações patrimoniais que alterem o patrimônio líquid024.
O Princípio da Prudência "impõe a escolha da hipótese que resulte
menor patrimônio Iíquido,,25 e sua aplicação "ganha ênfase quando, para definição
dos valores relativos às variações patrimoniais, devem ser feitas estimativas que
envolvem incertezas de grau variáve,,26.
A tendência da Contabilidade para escolher a menor das avaliações
para o Ativo e a maior para o Passivo não deve ser confundida com uma ferramenta
que possibilite a manipulação de resultados contábeis, mas sim como uma maneira
de melhor informar o mercado, conforme ressalta o próprio Instituto Brasileiro de
24 Artigo 10 da Resolução CFC nO 750/1993.25 § 1° do artigo 10 da Resolução CFC nO 750/1993.26 §30 do artigo 10 da Resolução CFC nO 750/1993.
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
24
Contadores - IBRACON, em pronunciamento aprovado pela Deliberação CVM nO
29/1986:
" Esse entendimento não deve ser confundido nem desvirtuado com
os efeitos da manipulação de resultados contábeis, mas encarado à
luz da vocação de resguardo, cuidado e neutralidade que a
Contabilidade precisa ter, mormente perante os excessos de
entusiasmo e de valorizações por parte da administração e dos
proprietários da entidade. Não nos esqueçamos de que,
principalmente no caso das companhias abertas, sua principal
obrigação é perante o mercado e os investidores. ,,27 (grifamos)
A Lei das S.A., por sua vez, determina que as demonstrações
financeiras das companhias contenham avaliações dos elementos do passivo,
incluindo as obrigações, encargos e riscos, conhecidos ou calculáveis,
computados pelo valor atualizado até a data do balanço (artigo 184, §1°).
Assim, a companhia deve informar no seu balanço não apenas as
obrigações e encargos assumidos, mas também a existência de riscos calculáveis,
como por exemplo, a existência de processos judiciais envolvendo valores
relevantes, que possam alterar substancialmente a situação patrimonial da
companhia.
Quando há a possibilidade da companhia sofrer uma perda relevante,
deve a mesma constituir uma reserva para contingências (artigo 195 da Lei das
S.A.), destinando parte do lucro líquido à formação de reserva com a finalidade de
27 Item 6.3 do Pronunciamento do Instituto Brasileiro de Contadores - IBRACON, sobre "Estrutura ConceitualBásica da Contabilidade, aprovado pela Deliberação CVM nO 29/1986, in www.ibracon.com.br.
NELSON EIZIRIKAdvogudo
25
compensar, em exercício futuro, a diminuição do lucro decorrente de perda provável,
cujo valor possa ser estimado. A reserva para contingências pode ser revertida no
exercício em que as razões que justificaram sua constituição deixarem de existir.
Segundo o Pronunciamento IBRACON NPC nO 22, sobre provisões,
passivos, contingências passivas e ativas, de observância obrigatória para as
companhias abertas por força da Deliberação CVM nO 489/2005, uma contingência
passiva é: i) uma obrigação presente, cuja existência será confirmada somente pela
ocorrência ou não de um ou mais eventos futuros, que não estejam totalmente sob o
controle da entidade; ou ii) uma obrigação presente que surge de eventos passados,
mas que não é reconhecida porque é improvável que a entidade tenha que liquidá-Ia
ou o valor da obrigação não pode ser mensurado com suficiente segurança28.
Todavia, se uma saída de recursos ou perda tratada como contingência
passiva se tornar exigível, ao invés de remota, uma provisão deverá ser
reconhecida nas demonstrações financeiras do exercício em que ocorre a mudança
na estimativa de probabilidade.
Ainda segundo o Pronunciamento IBRACON NPC nO 22, a provisão
deve ser reconhecida quando: "a) uma entidade tem uma obrigação legal ou não
formalizada presente como conseqüência de um evento passado; b) é provável que
recursos sejam exigidos para liquidar a obrigação; e c) o montante da obrigação
possa ser estimado com suficiente segurança"29.
28 Item 6, "viii", do Pronunciamento IBRACON NPC nO 22, aprovado pela CVM através da Deliberação nO89/2005.29 Item 10 do Pronunciamento IBRACON NPC n° 22, aprovado pela CVM através da Deliberação nO 89/2005.
NELSON EIZIRIKA d • Q g u d o
26
Assim, compete à administração da companhia avaliar suas obrigações
e riscos, verificando a necessidade ou não de se realizar um provisionamento ou de
se criar uma reserva para contingências, de forma a divulgar ao mercado, da
maneira mais correta e clara possível, os riscos de variação patrimonial da
companhia.
Para tanto, as demonstrações financeiras devem ainda ser
complementadas por notas explicativas que esclareçam melhor a situação
patrimonial e os resultados do exercício (artigo 176, §4° da Lei das S.A.),
especialmente quando há criação de reservas para contingências ou provisão,
quando devem explicitar as causas da possível perda prevista, a natureza da
obrigação e as razões que levaram à sua criaçã03o.
Assim, a nota explicativa presta-se a esclarecer melhor a situação
patrimonial da companhia, elucidando os riscos e os ajustes necessários para
atender a perdas prováveis na realização de elementos do passiv031. É um
instrumento que deve ser utilizado para proporcionar maiores informações aos
acionistas e aos investidores, permitindo uma maior compreensão quanto à real
situação da companhia.
As demonstrações financeiras de uma companhia devem ser
elaboradas com fidedignidade, de forma a espelhar a sua realidade, divulgando
informações suficientes, de modo a permitir que os investidores possam avaliar a
3D Itens 68, 69 e 70 do Pronunciamento IBRACON NPC nO 22.31 Nota Explicativa da Instrução CVM nO 59/1986.
NELSON EIZIRIKAdvogado
27
natureza e a extensão dos riscos a que a sociedade está submetida naquele
período.
Daí a necessidade da adoção dos princípios contábeis
conservadores, inspirados na prudência e oportunidade, que devem pautar a
classificação dos riscos econômicos e financeiros, ameaçadores da solidez das
organizações empresariais, quando houver necessidade de se avaliar as
probabilidades de êxito ou fracasso de demandas judiciais, como ora em análise.
c. RESPOSTAS AOS QUESITOS
1° QUESITO: Tendo em vista o trânsito em julgado do acórdão na ação
declaratória movida pela Mendes Júnior, deveria a CHESF ter incluído em suas
demonstrações financeiras provisão e nota explicativa a respeito do
reconhecimento na ação declaratória do direito da Mendes Júnior ao completo
ressarcimento dos valores relativos aos custos financeiros que suportou em
razão do financiamento da obra de Itaparica?
RESPOSTA
Sim. O acórdão proferido pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de Pernambuco, em sessão realizada em 03.04.1990, deu provimento à
apelação da Consulente e inverteu o resultado da sentença, para: "resolvendo a
incerteza jurídica reinante entre as partes, declarar a existência de uma relação de
crédito da MENDES JÚNIOR contra a CHESF e que lhe assegure ressarcimento
NELSON EIZIRIKAdvogado
28
completo e atualizado dos valores relativos a juros de mercado e encargos
financeiros, decorrentes de financiamento da obra de Itaparica e, obtidos ante a falta
de pagamento, por parte da recorrida, na oportunidade contratual própria". O
acórdão referido transitou em julgado em 08.06.1992.
A partir do trânsito em julgado, isto é, a partir de 08.06.92, as
demonstrações financeiras da CHESF deveriam conter uma provisão para o
pagamento futuro desta obrigação reconhecida judicialmente e uma nota explicativa
esclarecendo as causas e justificando a provisão realizada.
Ainda que ao final do exercício de 1992 não houvesse um valor
determinado para que a CHESF efetuasse o ressarcimento devido, a obrigação
tornou-se certa e o valor era estimável.
Conforme esclarece o pronunciamento do IBRACON n° 22, uma
provisão deve ser reconhecida quando: tia) uma entidade tem uma obrigação legal
ou não formalizada presente como conseqüência de um evento passado; b) é
provável que recursos sejam exigidos para liquidar a obrigação; e c) o montante da
obrigação possa ser estimado com suficiente segurança"32.
Ora, no caso em análise, após o trânsito em julgado do Acórdão
referido, temos: a) a obrigação decorrente do evento passado (decisão judicial
definitiva); b) a certeza de que recursos serão exigidos para liquidar a obrigação; e c)
o montante da obrigação estimável (para tanto bastaria levantar os custos
32 Item 10 do Pronunciamento IBRACON NPC nO 22, aprovado pela CVM através da Deliberação nO 89/2005.
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
29
financeiros suportados com os empréstimos tomados no mercado e calcular sua
correção, ressaltando que não há obrigação, neste momento, de provisionar o valor
correto e exato a ser pago, bastando para tal uma estimativa do valor).
Tendo em vista os princípios contábeis da prudência e da
oportunidade, que devem nortear a elaboração das demonstrações financeiras, de
forma a refletir a situação patrimonial real da companhia e garantir informações
fidedignas aos investidores, era necessário o provisionamento relativo à obrigação
de ressarcir os custos suportados pela Mendes Júnior com os empréstimos
necessário à conclusão da obra contratada.
Assim, entendemos que, desde as demonstrações financeiras relativas
ao exercício de 1992, quando houve o trânsito em julgado do Acórdão da Primeira
Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco reconhecendo a existência de
uma relação de crédito da Mendes Júnior contra a CHESF e lhe assegurando
ressarcimento completo e atualizado dos valores relativos a juros de mercado e
encargos financeiros, decorrentes de financiamento da obra de ltaparica, deveria ter
sido incluída uma provisão para o pagamento futuro desta obrigação,
complementado ainda por uma nota explicativa clara, informando as razões e
justificativas para tal provisão, como determina a Lei das S.A. e os princípios e as
normas contábeis.
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
30
20 QUESITO: A decisão na referida ação declaratória deveria ter sido divulgada
ao mercado mediante fato relevante?
RESPOSTA
Como companhia aberta, a CHESF está submetida à regulação e à
permanente fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, devendo obedecer às
normas previstas na Lei das Sociedades Anônimas e na regulamentação expedida
pela CVM.
Por mobilizarem poupança popular, as companhias abertas devem
observar, permanentemente, o princípio da transparência, que lhes impõe a ampla
e imediata divulgação de todas informações que possam, de alguma forma, afetar a
decisão dos investidores de manterem seus investimentos ou de venderem ou
comprarem valores mobiliários de sua emissão.
A melhor maneira de se proteger o investidor no mercado de valores
mobiliários é garantir-lhe o acesso às informações, obrigando as companhias a
fornecer-lhe todos os dados relevantes relativos à sua situação econômica e
financeira. Dessa forma, os investidores têm a possibilidade de realizarem uma
avaliação correta dos títulos oferecidos.
Supõe-se que, uma vez informados, os investidores poderão assumir
conscientemente os riscos de seus investimentos, cabendo à CVM a regulação, a
promoção e a fiscalização do processo de divulgação de informações.
NELSON EIZIRIKAdvogado
31
As informações sobre a companhia devem ser prestadas ao público
não somente no momento em que estão distribuindo os valores mobiliários de sua
emissão, mas também durante toda a sua "vida". Trata-se de um compromisso de
prestação contínua de informações, que devem ser disseminadas de forma
instantânea e de maneira precisa e objetiva.
Neste sentido, o artigo 157, § 4° da Lei das S.A. e artigo 3° da
Instrução CVI\I1 nO 358/2002 determinam que seja divulgado, mediante anúncio de
Fato Relevante, qualquer deliberação dos órgãos da companhia ou qualquer ato ou
acontecimento que possa influir, de modo ponderável:
a) na cotação dos valores mobiliários; ou
b) na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar
títulos emitidos pela sociedade; ou
c) na determinação de os investidores exercerem quaisquer direitos
inerentes á condição de titulares de valores mobiliários emitidos pela sociedade.
o acórdão transitado em julgado em que foi reconhecido o direito da
Mendes Júnior ao completo ressarcimento dos juros e encargos incorridos em razão
do inadimplemento da CHESF constitui, sem dúvida, um fato capaz não apenas de
alterar a cotação dos valores mobiliários da CHESF, como também a decisão dos
investidores de comprarem, venderem ou manterem em suas carteiras valores
mobiliários de sua emissão.
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
32
Com efeito, trata-se de um crédito de considerável valor que já foi
reconhecido judicialmente e está protegido sob o manto da coisa julgada.
Em verdade, a CVM vem reconhecendo que não há necessidade de
alteração da cotação dos valores mobiliários para que determinada informação
necessite ser divulgada, mediante a publicação de fato relevante, bastando que se
verifique a potencialidade de que tal fato venha a afetar a decisão de investimento
do público. Neste sentido, confira-se o voto do Diretor Pedro Olívio Marcílio de
Sousa33, in verbis:
"46. Tanto a Lei 6.404í76 quanto a Instrução 358/02 apresentam
conceitos gerais (standards) a serem utilizados pela administração
da companhia aberta para, frente a um fato concreto, definir se está
diante de um fato relevante. Sobre esses textos normativos, é
importante perceber que eles consideram relevante um fato que
"pode" influenciar. Não se exige, portanto, a efetiva influência,
basta que tenha "força suficiente" para influenciar.
47. Dado que a decisão de publicar o fato relevante se dá, via de
regra, antes que ele seja de conhecimento do público39, na maioria
das vezes, o administrador deve fazer juízo de valor sobre a
probabilidade de que ele impacte a decisão de negociar valores
mobiliários emitidos pela companhia, sem, no entanto, poder
confirmar, antes da divulgação, se o fato realmente influenciará a
decisão dos investidores. É, por isso, que a análise é sobre a
"potência" de impacto e não sobre o real impacto.
48. Para o administrador, é mais fácil calcular essa
probabilidade quando o impacto do "fato" sobre os negócios da
companhia é direto. Por exemplo, a parada extraordinária de
atividade em uma linha industrial da companhia é relevante se essa
33 Processo Administrativo CVM nO 2006/4776.
NELSON EIZIRIKAdvogado
33
parada afetar significativamente as receitas, o resultado ou as
demais operações da companhia. Outro exemplo, o trânsito em
julgado de uma decisão judicial impondo uma perda ou um
ganho para a companhia será relevante se o montante do ganho
ou da perda for significativo em comparação ao patrimônio
líquido da companhia." (grifamos)
A existência do crédito da Mendes Júnior é inegável, tendo sido
proposta ação de cobrança, de procedimento ordinário condenatório, com a
finalidade de se apurar o quantum debeatur e obter o ressarcimento devido. Ou seja,
a Mendes Júnior ingressou com a referida ação para que fosse fixado o exato valor
do crédito por ela detido em face da CHESF, o qual já havia sido reconhecido por
acórdão transitado em julgado.
Na hipótese ora analisada, a CHESF não cumpriu com o seu dever de
divulgar informações relevantes, desrespeitando o disposto no artigo 157, § 4° da
Lei das S.A. e no artigo 3° da Instrução CVM n° 358/2002, uma vez que a
condenação ao pagamento à Mendes Júnior dos juros e encargos decorrentes do
financiamento da obra de Itaparica constitui fato que tem a potencialidade de alterar
a decisão do investidor de comprar, vender ou manter em sua carteira os valores
mobiliários emitidos pela CHESF.
Também sob a ótica do Direito Administrativo, o comportamento da
CHESF é censurável, uma vez que, sendo uma sociedade de economia mista, tem o
dever constitucional de observar o princípio da publicidade, que impõe a ampla
divulgação dos atos praticados, ressalvados, obviamente, os casos excepcionais
previstos em lei em que se deve manter o sigilo (artigo 37, caput da Constituição
Federal).
NELSON EIZIRIKA d v o g n d o
34
o princípio da publicidade garante aos administrados a acessibilidade
aos atos praticados pelo Poder Público, correspondendo ao chamado princípio da
transparência ou, mais especificamente, da visibilidade dos atos administrativos.
Dessa forma, conclui-se que a CHESF, ao deixar de divulgar sua
condenação ao pagamento do crédito à Mendes Júnior, desrespeitou os artigos 157,
§ 4 0 da Lei das Sociedades Anônimas e artigo 3° da Instrução CVM n° 358/2002,
que impõem a ampla divulgação de atos ou fatos relevantes, em atendimento ao
princípio do disclosure. Tal comportamento caracteriza, ainda, violação aos
princípios da publicidade, da legalidade e da moralidade, que norteiam a atuação da
Administração Pública.
Ou seja, a CHESF deveria ter divulgado fato relevante, com o seu
correspondente arquivamento na Comissão de Valores Mobiliários.
3° QUESITO: A sentença na ação de cobrança alterou o dever da CHE5F de
informar ao mercado, através de suas demonstrações financeiras, a existência
do crédito da Mendes Júnior?
RESPOSTA
A sentença proferida na ação de cobrança não alterou o dever da
CHESF de informar, através das suas demonstrações financeiras, a existência do
crédito da Mendes Júnior, reconhecido em decisão judicial anterior, transitada em
julgado.
NELSON EIZIRIKA d v o g a d o
35
Conforme análise e conclusão de ilustres processualistas34, a sentença
proferida na ação de cobrança é equivocada e ilegal, na medida em que altera o
conteúdo da decisão anterior transitada em julgado, afrontando a imutabilidade da
decisão precedente, motivo pelo qual a Consulente já propôs embargos
declaratórios com efeitos modificativos.
Ainda que assim não fosse, a sentença não teria o condão de alterar a
obrigação da CHE8F de informar ao mercado, através de suas demonstrações
financeiras e da divulgação de fato relevante, a existência da obrigação de ressarcir
os prejuízos da Consulente com os empréstimos tomados no mercado, a qual
nasceu no momento em que o Acórdão da Primeira Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de Pernambuco transitou em julgado, isto é, em 08.06.92.
É o nosso parecer.
34 Conforme pareceres solicitados aos Professores Ada Pellegrini Grinover e José Rogério Cruz e Tucci, que nosforam encaminhados.