Neo-sociedade alternativa

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5 | CADERNO DEZ! | SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 23/9/2008 MÚSICA Doces Cariocas faz uma MPB hippie com jeitão de anos 70 em belas composições sobre amor Neo-sociedade alternativa À frente do coletivo Doces Cariocas, Pierre Aderne e Alexia Bomtempo trocam pretensão moderna pelo melhor som revival setentista DIVULGAÇÃO VITOR PAMPLONA [email protected] Para se desvencilhar do passado dos medalhões da MPB, a moderna música brasileira adotou em anos recentes uma estratégia conhecida: a repaginada. Manteve-se a base melódica, porém embalada em pick ups, ruídos e eletrônica. Só que ficou chato ser moderno. O negócio, alguns perceberam, não era mais estar um passo à frente, mas dois atrás. O coletivo Doces Cariocas, do Rio de Janeiro, puxado pelo casal Pierre Aderne e Alexia Bomtempo, foi um dos que reabriram o baú das velharias. Depois de redescobrir o samba, se depender de Aderne e cia., o Brasil vai revisitar agora a MPB Doces Cariocas Doces Cariocas Abacateiro music R$ 23,90 Comentário Canções de paz e amor, do Brasil O amor está no ar. Junto com uma nostalgia meio “raribô” de uma época perdida no tempo, em que a vida unia música, poesia e bem-estar coletivo. E o resto do mundo podia ficar lá fora, sem fazer falta nenhuma. “Só o amor pode me ver”, repetem Pierre Aderne e Wilson Simoninha em Feito a Mão. “Quando a gente esquece, o amor se demora”, cantam Aderne e Ingrid Vieira em Olhos d’Água. Sensíveis e delicados, eles fazem samba [Quanto Tempo ], ensinam o sotaque nordestino aos Beatles [Blackbird e Asa Branca]e ecoam uma mineirice brejeira com O que será que te Excita?. Referências explícitas, Novos Baianos, Doces Bárbaros, Clube da Esquina e até Mutantes servem de exemplo, mais pela tradição do que pela música. Depois das dez faixas, têm-se um repertório com personalidade, começo, meio, fim e sentido. Sem querer, acertaram. HEADPHONE 1 2 3 4 5 PEDRO VERÍSSIMO, vocalista e compositor da Tom Bloch. A banda de Porto Alegre esteve em Salvador no último sábado, no projeto Remix-se, e dividiu o palco do Icba com Ronnei Jorge, e mostrou pop-rock eletrônico. Mais em tombloch.com.br. DAVID BOWIE ASHES TO ASHES Do primeiro disco nos anos 80, o meio do caminho entre o pop que vinha e a música conceitual que fez a fama nos 70. PRINCE KISS Muita gente só conhece pelo visual bizarro e pelo falsete, mas o cara é um gênio e essa música é exemplo disso. LAURIE ANDERSON – OH, SUPERMAN / Ela era contratada da Nasa para fazer experimentos musicais. Ouvindo esse disco, dá pra entender por quê. CAETANO VELOSO YOU DON´T KNOW ME O disco é de 72, mas soa mais atual do que a maioria das bandas de hoje. PIXIES GIGANTIC É a banda mais influente de uma geração inteira, mesmo pra quem acha que foi influenciado por Nirvana. JEFFERSON BERNARDES | FOLHA IMAGEM hippie dos anos 70, versão meio Doces Bárbaros, meio Clube da Esquina, com generosas pitadas da filosofia dos Novos Baianos. “Tudo começou no Réveillon de 2006 para 2007. Fomos com um grupo de amigos para Araras, região serrana do Rio. Choveu e verão virou inverno. Da relação de acordar juntos, cozinhar e trocar figurinhas por 15 dias, surgiram 10 ou 12 canções”, conta Aderne. De Araras, cinco delas pararam em Doces Cariocas, álbum cujo restante nasceu nos saraus que ele e Alexia começaram a fazer em casa, na lendária rua Nascimento Silva, eternizada por Vinicius de Moraes em Carta ao Tom. Nas reuniões, o baleiro abriu espaço para uma turma grande, desde compositores como Marcelo Costa Santos, Wilson Simoninha, Domenico e Alvinho Lancelotti a instrumentistas do quilate de Dadi Carvalho [ex-Novos Baianos]. Com espírito de “neo-sociedade alternativa”, como diz Aderne, os Doces Cariocas mostram apreço pela canção e pela poesia. Processo criativo, letras, melodias e arranjos, tudo surgiu em conjunto, numa espécie de brainstorm musical, ele define. E simplifica: “O que tem no disco é o sarau lá de casa”. NATAÇÃO – Filho de uma mineira com um português que fugiram de ditaduras na década de 60, Pierre nasceu em Toulouse [França], onde os pais se conheceram. Não veio ao mundo anteontem. Nos seus 42 anos, foi campeão de natação em travessias marítimas em Portugal, formou-se em educação fisica em Brasília, onde teve banda de rock, e depois largou tudo para tocar MPB no Rio de Janeiro. Sua música mais conhecida é Mina do Condomínio, fruto de parceria com Pretinho da Serrinha, Gabriel Moura e Seu Jorge, que a tornou sucesso radiofônico. “Música pra mim tem que transmitir verdade. E estamos fazendo o que é verdadeiro, agindo naturalmente”, diz Alexia, cujo trabalho solo [ela lançou o discoAstrolábio este ano] é elogiado como o de Pierre, mas quase obscuro além da Guanabara. Sem querer, os Doces Cariocas podem jogar luz nesta história.

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Matéria sobre a banda Doces Cariocas e seu primeiro CD, de 2008

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5| CADERNO DEZ! |SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 23/9/2008

MÚSICA ❚ Doces Cariocas faz uma MPB hippie com jeitão de anos 70 em belas composições sobre amor

Neo-sociedade alternativa

À frente do coletivo Doces Cariocas, Pierre Aderne e Alexia Bomtempo trocam pretensão moderna pelo melhor som revival setentista

DIVULGAÇÃO

VITOR PAMPLONAv p a m p l o n a @ g r u p o a t a rd e . c o m . b r

Para se desvencilhar do passadodos medalhões da MPB, a modernamúsica brasileira adotou em anosrecentes uma estratégia conhecida:a repaginada. Manteve-se a basemelódica, porém embalada empick ups, ruídos e eletrônica. Sóque ficou chato ser moderno.

O negócio, alguns perceberam,não era mais estar um passo àfrente, mas dois atrás. O coletivoDoces Cariocas, do Rio de Janeiro,puxado pelo casal Pierre Aderne eAlexia Bomtempo, foi um dos quereabriram o baú das velharias.

Depois de redescobrir o samba,se depender de Aderne e cia., oBrasil vai revisitar agora a MPB

Doces CariocasDoces CariocasAbacateiro musicR$ 23,90

ComentárioCanções de paz eamor, do BrasilO amor está no ar. Junto comuma nostalgia meio “raribô”de uma época perdida notempo, em que a vida uniamúsica, poesia e bem-estarcoletivo. E o resto do mundopodia ficar lá fora, sem fazerfalta nenhuma. “Só o amorpode me ver”, repetem PierreAderne e Wilson Simoninhaem Feito a Mão. “Quando agente esquece, o amor sedemora”, cantam Aderne eIngrid Vieira em Olhosd’Água. Sensíveis e delicados,eles fazem samba [QuantoTe m p o ], ensinam o sotaquenordestino aos Beatles[Blackbird e Asa Branca] eecoam uma mineirice brejeiracom O que será que teExcita?. Referências explícitas,Novos Baianos, DocesBárbaros, Clube da Esquina eaté Mutantes servem deexemplo, mais pela tradiçãodo que pela música. Depoisdas dez faixas, têm-se umrepertório compersonalidade, começo, meio,fim e sentido. Sem querer,acertaram.

H E A D PH O N E

1 2 3 4 5PEDRO VERÍSSIMO,vocalista e compositorda Tom Bloch. A bandade Porto Alegre esteveem Salvador no últimosábado, no projetoRemix-se, e dividiu opalco do Icba comRonnei Jorge, emostrou pop-rockeletrônico. Mais emt o m b l o c h . c o m . b r.

DAVID BOWIEASHES TO ASHES

Do primeiro disconos anos 80, omeio do caminhoentre o pop quevinha e a músicaconceitual que feza fama nos 70.

PRINCEKISS

Muita gente sóconhece pelovisual bizarro epelo falsete, mas ocara é um gênio eessa música éexemplo disso.

LAURIEANDERSON –OH, SUPERMAN /

Ela era contratadada Nasa para fazerexperimentosmusicais. Ouvindoesse disco, dá praentender por quê.

C A E TA N OVELOSOYOU DON´TKNOW ME

O disco é de 72,mas soa mais atualdo que a maioriadas bandas dehoje.

PIXIESGIGANTIC

É a banda maisinfluente de umageração inteira,mesmo pra quemacha que foiinfluenciado porNirvana.

JEFFERSON BERNARDES | FOLHA IMAGEM

hippie dos anos 70, versão meioDoces Bárbaros, meio Clube daEsquina, com generosas pitadas dafilosofia dos Novos Baianos.

“Tudo começou no Réveillon de2006 para 2007. Fomos com umgrupo de amigos para Araras,região serrana do Rio. Choveu everão virou inverno. Da relação deacordar juntos, cozinhar e trocarfigurinhas por 15 dias, surgiram 10ou 12 canções”, conta Aderne.

De Araras, cinco delas pararamem Doces Cariocas, álbum cujorestante nasceu nos saraus que elee Alexia começaram a fazer emcasa, na lendária rua NascimentoSilva, eternizada por Vinicius deMoraes em Carta ao Tom.

Nas reuniões, o baleiro abriuespaço para uma turma grande,

desde compositores como MarceloCosta Santos, Wilson Simoninha,Domenico e Alvinho Lancelotti ainstrumentistas do quilate de DadiCarvalho [ex-Novos Baianos].

Com espírito de “neo-sociedadealternativa”, como diz Aderne, osDoces Cariocas mostram apreçopela canção e pela poesia. Processocriativo, letras, melodias e arranjos,tudo surgiu em conjunto, numaespécie de brainstorm musical, eledefine. E simplifica: “O que tem nodisco é o sarau lá de casa”.

NATAÇÃO – Filho de uma mineiracom um português que fugiram deditaduras na década de 60, Pierrenasceu em Toulouse [França], ondeos pais se conheceram. Não veio aomundo anteontem. Nos seus 42

anos, foi campeão de natação emtravessias marítimas em Portugal,formou-se em educação fisica emBrasília, onde teve banda de rock,e depois largou tudo para tocarMPB no Rio de Janeiro.

Sua música mais conhecida éMina do Condomínio, fruto deparceria com Pretinho da Serrinha,Gabriel Moura e Seu Jorge, que atornou sucesso radiofônico.

“Música pra mim tem quetransmitir verdade. E estamosfazendo o que é verdadeiro,agindo naturalmente”, diz Alexia,cujo trabalho solo [ela lançou odiscoAstrolábio este ano] éelogiado como o de Pierre, masquase obscuro além da Guanabara.Sem querer, os Doces Cariocaspodem jogar luz nesta história.