Nervos #5

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OUTUBRO2011 CAPA DANIELA ARSÉNIO #5

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Outubro 2011

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A Nervos é uma revista de música portuguesa, nova, velha ou extinta. Sem compromissos de novidade, até porque só sai uma vez por mês.

OUTUBRO2011

TEXTOS ANA LIMÃO GONÇALO TRINDADE RAQUEL SILVAFOTOGRAFIA ANA LIMÃO (LULULEMON) RAQUEL SILVADESIGN LENHA

CAPA DANIELA ARSÉNIO www.ulooklikeabunny.blogspot.com www.dan-arsenio.pt.to

APOIOS

ÁRVORE DA VIDA FILHO DA MÃEENTREVISTA DREAMS GOBI BEARINFO FMI - FESTIVAL DE MÚSICA INDEPENDENTE

ÁRVORE DA VIDA GUILHERME CANHÃO ENTREVISTA LULULEMON AZEVEDO SILVACENAS QUE POUCA GENTE VÊ RENTRÉE BODYSPACE

CONTEÚDOS

DOOP DEE DOOPEsta edição, à semelhança de tantas outras que - esperamos - virão, não é sobre nada em específico. Até porque a ideia inicial não era bem dedicar as edições a temas, passava simplesmente por divulgar e mostrar bandas de que gostamos e que achamos que merecem destaque.

Feliz ou infelizmente, fomo-nos deixando levar pelo gosto por certos eventos e certas coincidências, e temos vindo a dar funções acrescidas a este espaço.

Este mês, aqui fica uma edição simples. Faz bem à saúde na mesma.

Nervos

ÁRVORE DA VIDA: Porque há pessoal com mais que uma banda.

No ano em que cheguei a Lisboa, tinha acabado de ouvir falar dos Lobster, Na faculdade diziam-me que o Gui andava lá, mas não fazia a mínima ideia de quem ele era, fisicamente. Passou-se talvez um ano de anti-sociedade, a ver um tipo pacato com t-shirts de Dead Combo e At the Drive-In, também a fazer o tempo passar nas caves

de Belas Artes, até ao dia em que o “Km0” da RTP2 me deu a conhecer a cara de Guilherme Canhão, o guitarrista dos Lobster. Aí, já sabia que, afinal, “o gajo dos Losbter” partilhava horas intermináveis comigo. Nessa altura, já não fui a tempo de travar amizades (mesmo que pudesse, provavelmente, não iria), mas quis a vida que

chegados ao dia de hoje, nos dessemos bem.

Pouco lhe falta para ser o meu guitarrista português favoritos, não tivessem existido esses Carlos Paredes e que tais, e era-o de certeza. Este espaço é dedicado a elogiar-lhe essencialmente o trabalho a solo, ‘86 e Chiado Terrasse, que nunca me foram dados

a conhecer ao vivo - terá sido a alguém? -, mas que mesmo com essa falha, é música boa para se ouvir enquanto se escreve sobre ela. É sem dúvida um talento de guitarra, modesto e com pouca preocupação ou esforço, que se alia não raras vezes a outros artistas de igual importância.

Uma guitarra esquerdina, tocada com a calma que o Gui parece transmitir fora de palcos, e longe de outros projectos mais ferozes. Parece. RS

GUILHERMECANHÃO

Os Lululemon são o Pedro Ledo, Tiago Sales e, mais recentemente, Luís Matos - para os amigos, Luca. Como o Sales está em estágio na Estónia, restou-me o Pedro e o Luca para conversar. E por mais vezes que eles já tenham falado destas coisas não se importaram de repetir, mais uma vez.

Naturais de Vale de Cambra, contam que antes de ensaiarem na terra natal, passaram pelo STOP, o ex-

Nós é tudo ao calhas, a nossa banda é assim...

centro comercial no Porto que agora vive das salas de ensaio.

Não se sentem impulsionadores da cena musical em Vale de Cambra, propriamente dita, mas dizem que talvez tenham ajudado pessoas individualmente. “Se responder que sim vou ser pretensioso. Sempre existiram bandas em Vale de Cambra mas agora nota--se que as pessoas estão

LULULEMONENTREVISTA

LULULEMON

em que já estávamos tão fartos de pensar, já nem sabíamos o que seria bom ou mau e depois surgiu este, soou bem e ficou, que se lixe. Foi uma cena espontânea sem qualquer significado”.

Quem conhece e já ouviu percebe que o EP Thee Ol’ Reliables se trata de blues, e, como já se espera, “fazer música blues foi uma coincidência, na altura quando começámos a banda nem ouvíamos muito blues”. Circunstância que acabou por se alterar com a entrada do Luca. Agora um trio, a banda, que sentia necessidade de criar algo novo e mais complexo, começou a germinar um novo embrião que sairá em Novembro, o longa-duração Perfectelephant.

Após um ano cheio de power, chegou a altura de inovar e ir um bocadinho mais além daquilo que já tinham alcançado. “Necessitávamos de mais um membro, queríamos criar uma coisa mais grave para dar mais um bocado de base à música e, para além de tudo, o Luca é nosso amigo e dá-se bem connosco”. O gosto especial que têm pelo formato EP, fez com que o álbum - que está quase a sair - pudesse ser visto como quatro EPs individuais num só disco, “nada disto foi pensado”, frisa Pedro Ledo. Este formato de apresentação de músicas, deve-se, e muito bem, à necessidade

que a banda tem sentido de mostrar sonoridades novas que num só álbum não fariam muito sentido. Assim, optaram por criar um álbum com quatro lados que deambulam entre o funk, surf rock, bossa nova, “coisas de rock mais agressivas, coisas mais portuguesas, mais calmas, o disco é uma volta ao mundo”.

Dois mil e onze foi ainda marcado pela passagem dos Lululemon pelo Palco Optimus do festival Optimus Alive!, em Oeiras. Isto tudo porque um amigo se

a gostar mais de música e existem mais iniciativas, existe até uma associação que promove a cultura - Vale de Pandora”.

Falam ainda de outras bandas locais, como os Catacombe, Looney Tones ou Joseph, e contam que “não na minha geração, mas as pessoas mais velhas dizem que anteriormente houve uma grande afluência de bandas e existiam muitas coisas, nos anos 90 eram concertos quase todos os fins-de-semana, as pessoas vinham do Porto para ir ver concertos, existiam muitos bares que acabaram por fechar, e isso desapareceu mas parece que agora está a voltar.”

Antes de serem os Lululemon, Pedro e Tiago tinham cada um a sua banda. Quando souberam que a cidade estava a promover um concurso de bandas, decidiram juntar-se para tocar covers e, quem sabe, conseguir ganhar o prémio no valor de €500. Sorte ou infortúnio o concurso nunca existiu mas eles continuaram a tocar e a ensaiar músicas de The White Stripes, Les Triple, Black Mekon e até The Black Keys; experiências atrás de experiências, surgiram assim os Lululemon.

O nome da banda surgiu do acaso, da forma mais aleatória possível depois de longas e longas listas de nomes “chegou a um ponto

lembrou de os inscrever no concurso Optimus Live Act no qual tanto o Pedro como Sales já se tinham sentido vencidos e nunca pensaram conseguir chegar à final. “Não sei como ganhámos, quando anunciaram o nome do vencedor nem saltámos de alegria, ficamos assim pasmados. Estávamos todos bêbados e já tínhamos pensado ir embora mais cedo porque achávamos que não íamos ganhar isto. Decidímos ficar até ao fim porque iam oferecer dois bilhetes para o Alive!, isso era altamente, vendíamos os bilhetes e íamos para

Paredes de Coura, a ideia era essa”.

Para além da participação no festival, ganharam ainda a oportunidade de gravar um EP pela Optimus Discos, a cargo de Henrique Amaro, mas para já não têm muita pressa para o fazer. “O EP será gravado com a colaboração da rapariga de Da Chick e ainda temos de esperar que o Sales regresse da Estónia . Temos de compor músicas e ensaiar e, mandando assim para o ar, só para o próximo ano é que será gravado, por volta de Janeiro/Fevereiro.”

Resta esperar até Novembro para poder ouvir as sete músicas do quatro-lados Perfectelephant.

Pedro e Luca não têm expectativas de ir aqui ou acolá, o que para já interessa é saber que o público ouvinte gosta das novas músicas e que, sobretudo, disfrutam do que ouvem.“Somos uma banda pouco premeditada e por isso vamos andando e vamos vendo.” AL

Sempre achei que a forma como uma pessoa conduz diz muito sobre ela. Azevedo Silva conduz de forma calma e relaxada, batendo com as mãos no volante ao som de Radiohead, na ida, a velocidade lenta de quem quer apreciar a paisagem enquanto passamos pela costa, e no regresso, de quem gosta de adrenalina ao descer uma das muitas

inclinadas (e raios, com tantas curvas!) estradas da serra. “Antes descia isto de bicicleta”, conta ele. “Mas depois deixei de fazer isso. Vais a uma velocidade ridícula, sem saber bem o que vai acontecer… Além disso, vinha sozinho e há sempre aquela coisa de não ter ninguém caso me desse alguma coisa. Mas era uma adrenalina espectacular,

sentias-te vivo”.

Azevedo Silva fala sempre de forma calma, com uma sabedoria curiosa que não é de alguém com apenas 29 anos, ora com um sorriso brincalhão ora com um ar sério mas nunca ameaçador. Tem um humor sarcástico e ácido, uma energia que não acaba, e uma honestidade que transparece em cada

AZEVEDO SILVA

ENTREVISTA

palavra ou gesto que faz. Quando lhe propus esta entrevista, foi ele quem sugeriu a ida a Sintra, com calma e sem problemas, ao longo da tarde. Quando naquele Domingo parou o carro ao pé das rochas da serra e começou a trepar, apercebi-me bem de que Azevedo é, de facto, uma caixinha de surpresas. Se já esperava uma excelente

Agora parece nome de velho. Mas vai chegar uma altura em que as pessoas vão dizer “Ah, faz sentido…” porque o Azevedo Silva vai ser mesmo um velho.

entrevista? Sim, sem dúvida. Se esperava que esta fosse feita literalmente no topo da serra, com uma vista monumental à nossa volta, deitados nas rochas e banhados pelo sol? Não. Até porque tenho vertigens. Mas Azevedo não parou de subir, e nós também não. E só lhe posso agradecer por isso.“Sou um bocado hiperactivo”, diz ele a certa altura. “É por isso que jogo ténis ou escalo pedras, e já deves ter reparado nisso pelaforma comodigoaspalavrasmuito rapidamente”. Que é desportista, disso ninguém duvida, e vê-lo a trepar faz--nos questionar se Azevedo é sequer humano. Agora que começo este artigo é que reparo que gravei acidentalmente alguns dos minutos da nossa longa subida pelas rochas. Há muitos “Agora é por onde?”, alguns “Vê lá rapaz, quando quiseres

paramos!”, e ainda um “COMO É QUE ELE FEZ AQUILO?!” e um “Isto vai correr mal!”.

E foi ali, deitado nas rochas no cimo da serra de um dos locais mais belos do país, que Azevedo (chamo-o assim para ser facilmente reconhecido pelo leitores; prefiro Luís) não defraudou as minhas altas expectativas.

Começámos por falar da diferença entre estar em palco sozinho ou acompanhado. “Nessa música que falavas, a “Carrossel”, prefiro tocar acompanhado, mas há outras que não. Há umas que dá mais pica tocar acompanhado porque estão a acontecer mais coisas ao mesmo tempo e isso dá mais energia ao público. E podes sempre falar e trocar opiniões com os músicos. Além de que eles são piores

que eu e eu dou sempre nas vistas… Nah, estou a brincar”. Diz que tudo é mais divertido por tocar com músicos não-profissionais (“É difícil encontrar o tempo certo, e às vezes nem sabemos que notas tocar”), e a partir daí, sabe-se lá como, chega-se à conclusão que os grandes discos vieram todos de bêbados ou drogados. “Pensa lá… Pink Floyd, The Beatles, Led Zeppelin…”.

“Tenho uma ambição musical, gosto muito de tocar, de andar a viajar… e não sei se isso dá para ser um pai presente. E daqui a seis ou sete anos, quando a crise for mesmo forte, vou ser pobre”, diz enquanto nos conta que não tenciona ter filhos. Trabalha desde novo, mas não acabou o curso. “Saí da faculdade, queria começar a comprar guitarras e essas coisas. Custava-me muito enganar os meus pais, que estavam a pagar as propinas… sim, já que há imensa gente que se queixa das propinas e depois não vai às aulas. Passava o dia a jogar pingue-pongue e então houve uma altura em que disse aos meus pais que simplesmente não era feliz ali, e que não valia a pena estarem a pagar as propinas”. Atitude honesta. “Lembro-me que tive de trabalhar um Verão inteiro para comprar uma pedaleira, num supermercado. Foi uma cena horrível. Horrível porque tinha de lidar com as pessoas, com o público…”.

Em novo ouvia os discos do pai, que fazia rádio em

Angola: “Ele lá fazia rádio, e cá continuou a cultivar isso. Tinha em casa coisas do Cohen, do Zeca Afonso…”. Ouviu muito Smashing Pumpkins, muito grunge, e diz que “Não era capaz de ir ver uma dessas bandas que voltam sem a formação original. O Roger Waters a tocar o The Wall, de que já falaste, por exemplo… São coisas que me fazem um bocado impressão. Os Alice in Chains, hoje em dia…”.

“Numa base diária pego na guitarra e começo uma composição qualquer ou

escrevo”, diz. “Mas não podes forçar as coisas. Não podes forçar uma paixão, por exemplo; não podes chegar à rua e dizer que agora amas aquela pessoa. E com a música também não podes chegar e dizer “Agora vou fazer um disco!””. Diz que é “bastante stressado. No sentido em que sou muito picuinhas, muito atento aos pormenores… verifico sempre os bolsos três vezes antes de sair de casa para ver se não me esqueci das chaves, coisas assim. Mas não sou

obsessivo-compulsivo… ainda”. Stressado, mas nada “tímido, nem anti-social nem nada disso. Mas por exemplo, fiz agora uma viagem pela Europa com o meu primo mais novo e eu andava todo stressado, a ver os sinais todos, as velocidades”. Uma excelente viagem, pelo mapa que me mostrou, que acabou por vir a ser importante em decisões quanto ao futuro. Admite, portanto, que é “um bocado control freak. Prefiro ter as coisas sob controlo a deixar que elas aconteçam quando depois já não posso

fazer nada. Há aquelas pessoas que adiam uma ida ao médico, por exemplo, e não percebo isso.”

Afirma que “Não sou uma pessoa depressiva, mas gosto mais de música depressiva… é estranho”, e não ouve muita coisa portuguesa. “Luís Costa, os Charlie Brown na fase anterior, quando eram os V. Economics… Tenho uma relação forte com os Common Fluid… Linda Martini. Adoro Linda Martini. Depois gosto da velha guarda como o Zeca Afonso

e o José Mário Branco, ou Carlos Paredes... É estranho, ou talvez não, mas não gosto de voltar hoje em dia aos Smashing Pumpkins, que ouvi muito mais enquanto crescia, e no entanto ainda adoro ouvir Carlos Paredes”. Teve aquela infância obsessiva de “Comprar o disco, ouvi-lo sete vezes por dia, sete semanas de seguida, descobrir as falhas, cheirar o vinil… Vocês agora são a geração do skip. Mas os discos a certa altura tornaram-se chatos… Houve uma altura em que eram trinta minutos, ouvias aquilo na boa. Mas depois houve aquela cena comercial de “Se no disco dá para pôr 60 minutos, vamos pôr 60 minutos. E depois banalizou--se tudo um bocadinho”.

Começou muito cedo a ir a festivais, e hoje em dia isso já o cansa. “São muitas horas em pé, apanhar vento, sol ou chuva… São muitos concertos, e quando chega o último concerto, que é o que quero ver, já estou exausto. Adormeci a ver Chemical Brothers no Sudoeste, a ver The Cure… Estava cansado. E depois sou uma pessoa muito hiperactiva, que gosta muito de brincar, nadar e correr e não sei quê. Quando ia ao Sudoeste acordava cedo e ia para a praia, para o canal, e quando chegava aos concertos já estava cansado…”. Aliás, começou a fartar-se mais com os concertos de Lisboa. “Havia aquela coisa “Ah, se não vais és uma merda”, e comecei a fartar-me disso”. Há ainda aquela possibilidade de num festival as bandas

serem mal recebidas “uma vez isso aconteceu-me num concerto de Madcab. Estava um bêbado no público que agarrava numa cadeira e dizia que a ia atirar, e eu como estava mais perto ia ser quem levava com ela de certeza. Mas acabou por não a atirar”.

Falámos de Madcab, claro, que inclui também Luís Costa, entrevistado da segunda edição. Facto: os membros de Madcab dão excelentes entrevistas. Conta que a banda acabou porque “Estava cansado. Foram cinco anos a compôr porque não tínhamos dinheiro para gravar. Não tínhamos meios, e as pessoas que contactávamos pediam demasiado dinheiro. Uns anos mais tarde, quando conseguimos, foi na altura do Black Sheep Studios,

quando se podia gravar por um preço razoável coisas com uma qualidade bastante aceitável. Foi nessa altura que começaram a aparecer os Linda Martini e todas essas bandas. Mas durante essas gravações, depois de tanta composição, de tantos concertos, muitos deles falhados… Simplesmente decidi estar sozinho. É muito mais fácil estar sozinho”. Fácil no sentido em que “é mais fácil preparar uma tour sozinho do que teres de levar quatro pessoas, com quatro mentalidades diferentes e diferentes desejos. E há o dinheiro, claro… 500€ para mim, a dividir por uma banda… São logo dois carros… Dá 50€ a cada um”.

A certa altura, começámos a ouvir gritos lá embaixo: “A minha infância foi à volta de

Sintra ser muito mística. Há bocado falámos em vir para aqui à noite, e ainda estou a pensar nisso”. Conversas sobre espíritos para cá e rituais satânicos para lá, a conversa vira--se para a religião. “Não consigo imaginar deixarmos de existir do nada”, digo. “Porque não?”, responde ele. “Mas consegues imaginar que antes de seres alguma coisa eras nada, certo? Vais passar mais tempo da tua vida morto que vivo. Vais passar para sempre morto”. É realista, diz, mas admite que também não consegue imaginar-se como… nada. “Claro que não consigo imaginar, é daquelas coisas que dão a volta a cabeça. Como imaginar o fim do universo, por exemplo”.

Via muito cinema em puto,

filmes que não prestavam, diz ele, como o Ghostbusters e Top Gun. Eventualmente cresceu e começou a ver “mais coisas do Woody Allen. Foi uma pequena influência. Essas coisas vão sendo pequenas influências. Gosto muito de documentários sobre os mais variados assuntos… tenho uma pancada pela Segunda Guerra Mundial, como a humanidade chegou àquele ponto e depois voltámos a lá chegar”, referindo-se ao massacre na Bósnia.

Disse, na viagem de carro, algo que talvez reflicta bem quem é Azevedo: “Hoje em dia as pessoas dizem que é tudo genial. Para mim, genial é um gajo surdo que compôs uma sinfonia há séculos atrás… Isso é que é genial!”Nunca ligou à parte fanática e exaustiva do cinema, de saber nomes dos realizadores ou dos produtores. Em música é semelhante. “Nunca fui muito de ligar a isso. Um amigo meu consegue dizer que naquele ano os Guns’n’Roses usavam na guitarra as cordas tal... Oh pá, não ligo nada a isso”.

Diz que já se cansou um pouco de tocar pela capital. “Já toquei em todo o lado… Agora o passo natural seria uma coisa maior, um São Luiz, um Coliseu… Mas isso vai demorar a acontecer. Sou demasiado realista e pragmático para achar que alguma vez hei-de tocar num Coliseu. Se lá fosse iam trinta pessoas ou assim… Não tenho os meios para chegar a uma coisa dessas”.

Fizemos uma aposta em como daqui a cinco anos está a tocar numa sala como o Coliseu.

Perto de hora e meia de conversa no topo da serra, deitados nas rochas, o estômago deu horas, e foi altura de descer (confirma--se: a descer, todos os santos ajudam). Lanchámos travesseiros.

De seguida parámos algures por Sintra, onde decorreu a meia-hora mais relaxada da entrevista, quando o Sol já se estava a pôr, o dia estava a chegar ao fim, e, diga-se, já estava mais que ganho. Foi aqui que quis falar mais um pouco sobre Madcab. “Sinto falta de Madcab, tanto que vamos regressar. Quer dizer… não vamos voltar como Madcab, mas vamos voltar todos ao rock”. Não vão voltar a tocar coisas de Madcab porque acham isso “uma perda de tempo. Mas não é uma hipótese impossível… É uma hipótese estúpida, mas… Já tivemos ensaios, arranjámos um estúdio… Já tivemos esse procedimento todo. Nesta fase sou eu e o Luís [Costa] que estamos a compôr as coisas. Percebemos no passado que as coisas não funcionam se só as deixarmos andar”. Conta que a fase de Madcab em que tentavam fazer todos música em estúdio foi a fase em que “basicamente não fizemos música”, e parece que desta vez está tudo bem encaminhado. Além disto, uma belíssima novidade: “O próximo disco de Azevedo vai ter muito

mais guitarra eléctrica que qualquer outro. Sinto mesmo agora essa tendência de voltar ao rock”. Tudo isto graças àquela tal viagem pela Europa, em que “ouvi muito rock, e comecei a sentir falta de estar a tocar e estar todo a suar e a saltar e ter gente a saltar e a esfaquear-se… foi uma espécie de epifania. Tocar rock, o feeling é completamente diferente. E o Luís é uma besta que toca mesmo muito bem bateria e muito alto, e isso só me dá vontade de fazer mais barulho”.

Diz que acaba por se fartar das suas próprias canções, por causa “do processo de composição, em que tens de arranjar uma letra boa, encontrar bons acordes… Depois tens de mostrar essa música a outra pessoa, ensaiá-la antes de ir para estúdio, fazer não sei quantos takes em estúdio até a acertares. Depois vem a pós-produção, a masterização, ouvir o disco todo para ver se não tem nenhum erro… depois vêm mais ensaios, concertos, e no final de tudo já estou farto da música”. Concorda com a sensação de que nada bate o início da canção, quando ela surge pela primeira vez, e conta que “Tinha a mania de gravar tudo, para não se perder nada. Hoje em dia desleixei--me nisso, e agora faço música mesmo má…”. Não o elogio por aí além em relação aos arranjos espectaculares que tem em cada música porque disse logo, perto do início da tarde,

que não lidava muito bem com elogios… mas digo-lhe que realmente os arranjos parecem muito trabalhados. “Não, não, a coisa é… eu sou um génio e sai-me logo tudo bem! Ok, não… A verdade é que me sai muito naturalmente. Depois de entrar no processo, eu e as pessoas com quem trabalho - o Filipe e o Fernando - entramos um bocado no perfeccionismo porque normalmente gostamos de criticar as outras pessoas, no sentido de… Pensas numa obra de arte de merda e pensas “Isto passou por uma pessoa, que a mostrou a outra pessoa, e que se sentaram à mesa e disseram “Não, é mesmo isto que queremos”. Como temos sempre essa auto-crítica presente, tentamos ser prefeccionistas. Então

nas letras… Vi agora recentemente que a PJ Harvey escreve primeiro os textos, e depois vê o que é que eles lhe dizem em termos de música. Eu faço sempre ao contrário, mas agora o que estamos a fazer é a transformar as músicas numa espécie de soundtrack para aquilo que as pessoas devem sentir quando ouvem a letra. Tento descobrir que tipo de música é que as pessoas querem ouvir com aquela letra. E antes eu compunha uma parte mais agressiva e cantava de forma muito soft, e agora já não faço isso. Para mim isto só se tornou mais óbvio a partir daquela canção que lancei recentemente, a “Torto””.

Por esta altura peço-lhe para me dar a mim o gravador,

para não ter ele o trabalho de o segurar, e responde--me com um “Não, eu gosto. Também já fiz rádio”. Tinha o Contrabando, o óptimo programa que é agora do nosso grande amigo Hugo Rodrigues. “O programa foi-me passado. Era rádio amadora, universitária. Sinto falta, mas é uma questão de prioridades, não posso fazer tudo”.

Diz que as temáticas da cidade e do seu ambiente negro estão presentes na sua música… o que é completa verdade. “Associo muito uma doença como a depressão a uma grande cidade. Penso muito mais em tristeza quando penso numa cidade do que quando penso numa vila, onde as pessoas se conhecem todas e sabem todas da vida umas

das outras”. Já viveu em Sintra, em pequeno, e em Lisboa, Queluz e Cascais. “Tenho a mania que sou um bocado observador, e gosto de observar as pessoas e pensar nas pessoas. A viver em Queluz e a fazer a linha de comboio, é impossível não veres as pessoas e perceberes que elas estão infelizes… que não estão a viver a vida de sonho delas. Vê-se que são pessoas contrariadas, tristes e sós, e vão nos comboios a pensar nas suas vidas que… não são merda, mas são vida-trabalho… isso entra tudo na minha música. A pobreza, o racismo… Imagino que isso são temas que acontecem mais numa grande cidade, são mais urbanos”.

Tem medo da rotina (não temos todos?) mas “por outro lado tudo vai ser rotina, é por aí que tenho pena que se me tornar profissional de música ela também se vai tornar rotina e vou ter de dar concertos que não quero dar, entrevistas que não quero dar… Agora tenho 29 anos, ainda tem piada pegar no carro para dar um concerto num sítio, voltar no mesmo dia às três da manhã, e depois ir trabalhar. Aos quarenta não sei se vai ter piada, e se depois aos quarenta a minha vida for só trabalho-casa vou suicidar--me. Ou meter-me no álcool, ou desaparecer e nunca mais dar notícias. Mas por outro lado somos feitos de rotinas… Depende do tipo de rotina que se cria também. É estranho”.

Nunca pensou em ser um

grande músico, ao ponto de fazer grandes digressões mundiais, e diz que isso seria rotina, mas “era bom por um lado, porque me faria sentir realizado. Desde que mantivesse o controlo da minha carreira… Se calhar podia ter dado já um salto mas preferi manter alguma liberdade criativa. Posso ser uma pessoa independente, dar os meus próprios passos… Gosto de controlar, mas gostava que a minha carreira crescesse mais rapidamente. Mas não se isso significasse que ela acabava mais rapidamente. Quero ter uma cena longa, chegar a um período da minha vida em que Azevedo Silva vai fazer mais sentido, porque agora parece nome de velho. Mas vai chegar uma altura em que as pessoas vão dizer “Ah, faz sentido…” porque o Azevedo Silva vai ser mesmo um velho”. Ainda não, mas lá chegará.

Algures pelo meio desta conversa, vem um homem pedir-nos 20 cêntimos para comer (supostamente) e Luís dá-lhe o euro que poupámos no parquímetro. “Ia dizer que só tinha 15 cêntimos, mas depois reparei que tinha 4€ na mão… Tinha prometido que não dava mais dinheiro, porque é óbvio que aquilo não vai para comida, mas… Se ele se quiser drogar, que seja! Só quero é que as pessoas sejam felizes!”. De seguida grita “Droga-te à vontade!”. “É incrível como eu posso comprar um carro novo, lavá-lo, abastecê-lo, fazer uma viagem pela Europa e ainda

ficar com mais poupanças que milhões de pessoas do outro lado do Mundo, que têm de fazer 30 km a pé para ir buscar água e não morrerem de sede. E ainda assim custa-nos dar 1€ e queixamo-nos de quão difícil é a nossa vida.”

Não lida bem com elogios, mas terá de os aturar por agora. Luís Azevedo Silva, além de me ter proporcionado pessoalmente uma entrevista que irei lembrar por muito tempo, é um músico notável que vive com os pés assentes na terra, que cobre com um humor severo e uma simpatia espectacular.

Avizinha-se agora mais rock na sua vida (e, logo, na nossa), um regresso de Madcab a tocar coisas do presente e não do passado, uma troca da guitarra acústica pela eléctrica, e música como aquela a que sempre nos habitou: magnífica. Azevedo já é, apesar de não o saber, um dos grandes actualmente... além de um tipo cinco estrelas. O dia terminou já fora da serra, longe do topo e do vento e com a boca coberta de açucar, mas o dia foi sempre o mesmo: passado todo bem lá em cima, nas nuvens. Ele, como bem disse, gosta de trepar coisas… e é o que está a fazer, de forma lenta (merecia poder fazê-lo de forma mais rápida…), calculada, e sempre à sua maneira.

E eu não perco apostas. GT

REOUVIR

lululemon

perfectelephant

preview Ainda há quem ligue aos blues. Os Lululemon mostraram que o estilo não morre facilmente durante o EP Thee Ol’ Reliables (agora a ser reeditado com o novo Perfectelephant) e voltam a provar que Portugal não se faz só de estilos novos.

Durante Perfectelephant podem ouvir-se os traços já característicos da banda de Vale de Cambra, mas nota-se também a evolução do - agora - trio, que passa bastante despercebido perante o público (excepto quando sobem ao palco principal de um qualquer grande festival), uns toques de surf rock a querer também dar de si.

A ter de escolher um ponto alto, a última “Psycho Fox” - a única que não se liga com nenhuma outra - trata mais que bem aqueles que até ela chegam. Uma recompensa de um caminho longo mas agradável, do início ao fim.

Surf’s up!

azevedo silva

carrossel

É raro haver gente que escreve tão bem, canta tão bem, e toca de forma igualmente espectacular. Azevedo Silva já não é novidade nenhuma, e quem andar atento (e tiver bom gosto) já o segue há pelo menos um bom par de anos.

Voz melodiosa, letras íntimas e frequentemente tristes, arranjos impressionantes, que mostram um cuidado notável na forma como cada canção é vestida (veja-se, claro, a canção que dá nome ao disco: “Carrossel”). Tudo está mais bem conjugado que nunca, tendo sempre como guia aquela (excelente) voz e a sua guitarra acústica; basta só ouvir “Manuel Cruz e a Canção da Canção Triste”, música que encerra o disco, para se ver bem a forma como cada instrumento se complementa, e como o que é cantado é feito sob uma autêntica camada sonora.

Azevedo Silva é, efectivamente, um dos melhores por cá, e este Carrossel é o seu melhor trabalho até agora. Ou seja: ou é genial, ou anda lá bem perto.

if lucy fell

zebra dance

Zebra Dance é a herança mais preciosa que os If Lucy Fell nos deixaram, quando decidiram hiatificar (não tirando mérito a You Make Me nervous, já que “What if She Fell” é deus). O álbum foi feito com vontade, e nota-se: bateristas devidamente espancadas, baixos indiscutivelmente violentos, guitarras a tentar manter a calma e uma voz que se apodera de um corpo que não sabe onde se enfiar de tão enérgico.

No início “Fire Exits” e no final “She Lives/She Dies” tratam das hostes da festa. Porque é isso que este disco é, uma festa em cujos álbuns de fotografias tropeçamos de vez em quando e nos deixam horas a sorrir. Por agora, consolam-nos algumas paragens do hiate, para descarregar. Não há coisa mais bonita que ver uma banda favorita a acenar, depois de uma longa viagem.

crisis

gamma virginids

Electrónica com camada de rock (os fãs de Crystal Castles vão encontrar aqui coisas para gostar), para gente de barba rija.

O sintetizador está sempre tal como devia estar (“True Colours” é o exemplo perfeito), as vozes ouvem-se sempre fortes e agressivas, e tudo soa a novo e original, num EP que consegue em seis faixas impressionar com uma fusão de estilos absolutamente vertiginosa (metal, screamo, está aqui tudo), sempre feita da melhor forma possível. Bandas com este sabor a originalidade são raras; bandas com esse sabor e uma qualidade por si só louvável ainda o são mais.

Para saltar, gritar, e fazer moche sempre de ouvidos bem abertos para a forma como tudo encaixa tão bem. Música muito bem feita que, ao vivo, deve arrancar quilos de suor.

utopium

conscience perscience

Nunca é fácil avaliar um álbum nesta categoria: a dos pesos pesados.

O EP de Utopium não é excepção. Passamos o disco todo a imaginar cenas de guerra, destruição e circle pit gigantes. O único momento de decência é a sample do início da “Sever the Root”, que fica abafada pelo resto da berraria e pelas seguintes “For the Sake” ou pela cover de Nasum por último. Álbuns destes são alta pressão e alta tensão, que precisa de cautela ao tocar, e ao ouvir.

Talvez possam ser equiparados a outros projectos nacionais, mas têm o toque da distinção que faz de Conscience Perscience um suportável peso nos ouvidos e uma valente sova no estômago.

Cuidado com este bicho...

katabatic

vago ep

O que os Katabatic fazem com este Vago, seu EP, é o que muitos tentam e falham: a criação de paisagens e emoções através de guitarradas. Um quarteto espectacular, bem coordenado entre si (em particular entre a guitarra e o baixo, absolutamente fundamentais), que toca com tanto talento quanto minúcia.

Todas as cinco faixas (nenhuma delas abaixo dos cinco minutos) deste rock instrumental parecem planeadas e treinadas até à exaustão, repletas de pequenos pormenores (a voz, em modo coro, surge sempre nos momentos certos; veja-se logo “03:17:00”, a primeira faixa) que tornam o EP numa tapeçaria sonora, repleta de camadas.

Música para sentir na alma, reveladora de um potencial novo grupo de culto para o público português (e não só).

Sem falhas, e francamente impressionante.

Mais uma festa do bodyspace em Lisboa, mais uma sala vazia. As pessoas parecem ainda não ter percebido que há, de facto, coisas a acontecer da melhor maneira em Portugal.

Fiquem sabendo, os SAUR estrearam-se na Galeria Zé dos Bois, e espera-se que para muitas vezes lá voltar. Foi um concerto bonito, de pés assentes no chão.

Éramos 20, e só nós é que sabemos o que é que vocês perderam.

RENTRÉE BODYSPACE

AGENDA1 Out More Than a Thousand + Devil in Me - Hard Club, Porto Mão Morta - TMN ao Vivo, Lisboa Noiserv - Cine-teatro de Estarreja, Estarreja Veganário Fest (Albert Fish, Shape, stevenseagal) - Faculdade de Letras, Lisboa Carlos do Carmo & Bernardo Sassetti - CCB, Lisboa Tiguana Bibles - FNAC Guimarães, Guimarães 4-8 Out OUT.FEST 2011 (Sunflare, Norberto Lobo, Sei Miguel) - Várias salas, Barreiro6 Out Mão Morta - TGAV, Coimbra7 Out The Parkinsons - Club Noir, Lisboa Carlos do Carmo & Bernardo Sasseti - Casa da Música, Porto You Can’t Win, Charlie Brown - Teatro Municipal S. Luiz, Lisboa8 Out Noiserv - Teatro Municipal S. Luiz, Lisboa The Parkinsons - States Club, Coimbra10 Out Cavalheiro - Biblioteca Municipal, Barcelos13 Out Tiago Sousa - Teatro da Trindade, Lisboa14 Out More Than a Thousand, Before the Torn, Blame the Skies - Capricho Setubalense, Setúbal15 Out Men Eater - Plano B, Porto Sintra Misty (Dead Combo) - Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra20 Out Moe’s Implosion - República da Música, Lisboa22 Out Throes + The Shine - MusicBox, Lisboa Men Eater - Bafo de Baco, Loulé 23 Out Sintra Misty (The Legendary Tigerman) - Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra28 Out Mr. Miyagi, Pussu Hole Treatment, The Skrotes - Santiago Alquimista, Lisboa Old Jerusalem - MusicBox, Lisboa Lions Unleashed Tour - Bar Marginália, Portimão28-30 Out Festival Ecos do Sado - Várias salas, Setúbal29 Out Lions Unleashed Tour - In Live Caffé, Moita Mão Morta - Casa das Artes, Vila Nova de Famalicão Capitão Fantasma - Vaatão, Castelo Branco30 Out Lions Unleashed Tour - ADAC, Pombal31 Out Mata-Ratos + Prayers of Sanity - Espaço Celeiros, Évora Alek Rein - Botequim da Graça, Lisboa Capitão Fantasma - Armazém do Chá, Porto

2011