Neuropatologia II - Prof. Washington Santos

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1 Neuropatologia II 2015.1 Prof. Washington Santos DOENÇAS CEREBROVASCULARES O cérebro pesa 2% do peso do indivíduo, consome 15-20% do débito cardíaco (órgão ávido por sangue) e é formado em sua maior parte por líquido. Condições que podem fazer o sangue parar de ir para o cérebro : parada cardíaca (levando ao choque e à hipóxia difusa do cérebro), obstrução de vasos, herniações (compressão de vaso áreas de infarto cerebral), ruptura de vasos hemorragia. Hemorragia e infarto hemorrágico não são a mesma coisa! Hemorragia pode ser secundária a um TCE. Principais causas de lesão de vasos cerebrais: Hipertensão arterial e diabetes. HAS: responsável por 50% dos casos de hemorragias cerebrais; principal causa de obstrução de vasos cerebrais. Mecanismos pelos quais a HAS e o diabetes lesam o vaso cerebral: HAS - aumento de pressão estresse mecânico (?). DM - vai causar dislipidemia e algumas lípidas de baixa densidade ativam o endotélio e causam disfunção endotelial; o endotélio expressa moléculas de adesão e isso leva à adesão de monócitos que passam para a camada íntima do vaso (a nutrição desta camada é feita por embebição, enquanto que a parte externa do vaso é nutrida pela vasa vasorum). Se tem dislipidemia, temos lípidas no interior do vaso que vão sendo capturadas por macrófagos (espumosos) que, por sua vez, produzem citocinas que ativam as células T, disso resulta um processo inflamatório e a formação de uma placa de ateroma. O processo inflamatório evolui e os vasos da vasa vasorum migram em direção à placa de ateroma que pode sangrar. Ateroesclerose: condição que está na base de várias doenças e da principal causa de morte no Brasil relacionada à doença cerebrovascular. Além disso, HAS e DM levam à lesão de pequenos vasos (arterioesclerose). Resumindo: HAS e DM contribuem para a obstrução de vasos que nutrem o SNC levando a infartos e alteram as características das paredes dos vasos cerebrais facilitando a ocorrência de hemorragias. Outras condições que podem levar à lesão de vasos cerebrais: rompimento de aneurisma de Charcot (também relacionado à HAS e DM), vasculite, etc. CASO 01 : Paciente com lesão no couro cabeludo, diabético, hipertenso (PA = 160x100 mmHg), tabagista, portador de fibrilação atrial (FA) e estenose mitral. Foi encontrado caído no banheiro.

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Neuropatologia II – 2015.1 Prof. Washington Santos

DOENÇAS CEREBROVASCULARES

O cérebro pesa ≅ 2% do peso do indivíduo, consome 15-20% do débito cardíaco (órgão

ávido por sangue) e é formado em sua maior parte por líquido.

Condições que podem fazer o sangue parar de ir para o cérebro: parada cardíaca

(levando ao choque e à hipóxia difusa do cérebro), obstrução de vasos, herniações

(compressão de vaso áreas de infarto cerebral), ruptura de vasos hemorragia.

Hemorragia e infarto hemorrágico não são a mesma coisa! Hemorragia pode ser

secundária a um TCE.

Principais causas de lesão de vasos cerebrais: Hipertensão arterial e diabetes.

HAS: responsável por 50% dos casos de hemorragias cerebrais; principal causa de

obstrução de vasos cerebrais.

Mecanismos pelos quais a HAS e o diabetes lesam o vaso cerebral: HAS - aumento de

pressão estresse mecânico (?). DM - vai causar dislipidemia e algumas lípidas de

baixa densidade ativam o endotélio e causam disfunção endotelial; o endotélio expressa

moléculas de adesão e isso leva à adesão de monócitos que passam para a camada

íntima do vaso (a nutrição desta camada é feita por embebição, enquanto que a parte

externa do vaso é nutrida pela vasa vasorum). Se tem dislipidemia, temos lípidas no

interior do vaso que vão sendo capturadas por macrófagos (espumosos) que, por sua

vez, produzem citocinas que ativam as células T, disso resulta um processo inflamatório

e a formação de uma placa de ateroma. O processo inflamatório evolui e os vasos da

vasa vasorum migram em direção à placa de ateroma que pode sangrar. Ateroesclerose:

condição que está na base de várias doenças e da principal causa de morte no Brasil

relacionada à doença cerebrovascular. Além disso, HAS e DM levam à lesão de

pequenos vasos (arterioesclerose). Resumindo: HAS e DM contribuem para a

obstrução de vasos que nutrem o SNC levando a infartos e alteram as

características das paredes dos vasos cerebrais facilitando a ocorrência de

hemorragias.

Outras condições que podem levar à lesão de vasos cerebrais: rompimento de aneurisma

de Charcot (também relacionado à HAS e DM), vasculite, etc.

CASO 01: Paciente com lesão no couro cabeludo, diabético, hipertenso (PA =

160x100 mmHg), tabagista, portador de fibrilação atrial (FA) e estenose mitral.

Foi encontrado caído no banheiro.

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Hipóteses diagnósticas: AVE isquêmico - paciente com FA, forma trombos que se

deslocam para o SNC; FA também pode causar síncope e esse paciente pode ter caído e

batido com a cabeça; AVE hemorrágico – paciente é diabético e hipertenso, pode ter

uma hemorragia cerebral; A lesão no couro cabeludo pode estar associada a uma

hemorragia epidural ou subdural Em crianças, às vezes, as artérias meníngeas

rompem sem ter fratura associada. Em adultos, em geral, quando temos fratura de crânio

essas artérias se rompem. ATENÇÃO: às vezes a ruptura de vasos subdurais não forma

coleção de sangue imediatamente, podendo demorar até 48 horas para aparecer A

hemorragia subdural é diferente da hemorragia subaracnóide, por que naquela o sangue

não se estende para dentro dos giros cerebrais. TCE – lesão óssea, do tecido cerebral e

hemorragias; pode ocorrer em situações relativamente banais, como quedas em banheiro

– lesões glióticas na região anterior e posterior, lesões de golpe e contragolpe. Além das

hemorragias superficiais (epidural e subdural), pode ter hemorragia no cérebro

propriamente dito: causa distúrbios focais ou pode não ter manifestação clínica

nenhuma ou mínima (lesões nos lobos temporais); lesões no tronco cerebral causam

sérios déficits, transsecção da medula – o indivíduo pode ficar paralítico.

Essa é uma lesão muito característica da HAS e do DM: arterioesclerose hialina,

deposição de material do plasma na parede do vaso luz reduzida, parede espessada

menos resistente à pressão, fazendo com que o vaso se rompa mais facilmente. É por

isso que indivíduos hipertensos podem ter pequenas áreas de hemorragia ou obstruções

de vasos e, consequentemente, áreas de gliose no cérebro. Às vezes o indivíduo tem

picos hipertensivos, com uma mínima acima de 160 mmHg, e faz um episódio de

hipertensão maligna desenvolvendo esse tipo de alteração no vaso. É uma condição

extremamente grave e ilustra o que está acontecendo nos vasos desse indivíduo: pode

ter hemorragia cerebral, petéquias na superfície do cérebro, edema – quadro de

encefalopatia hipertensiva.

Hipóxia cerebral difusa – pode ser causada por parada cardíaca, intoxicação por

monóxido de carbono, etc. Na prática vamos encontrar mais hipóxia focal que pode ser

transitória (apenas por espasmo vascular), pode ser assintomática ou pode ter sinais bem

definidos como hemiplegia. Do ponto de vista anatomopatológico, a hipóxia focal pode

não ter alteração evidente, ter o aspecto hemorrágico ou não hemorrágico. Os infartos

hemorrágicos em geral tem uma associação com embolia e os infartos não

hemorrágicos tem uma associação com eventos trombóticos. Isso não é definitivo.

A primeira alteração que vemos no infarto é o edema e a palidez no tecido

cerebral. Às vezes ocorre o infarto, o tecido cerebral morre (por isquemia) e depois o

êmbolo que causou a obstrução se desloca para outra área, fazendo com que a área

recém-infartada seja reperfundida. O sangue sai do vaso e o infarto adquire

características hemorrágicas.

Hemorragia ≠ Infarto hemorrágico Hemorragia – o vaso se rompe e a pessoa

sangra. No infarto hemorrágico acontece o infarto, o tecido cerebral morre, é

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reperfundido e a área se torna hemorrágica. Importância clínica: não tratar com

anticoagulante uma pessoa que está sangrando.

A primeira alteração que vemos na região lesada é a alteração dos neurônios. Acontece

com os neurônios aquilo que acontece em toda a célula que necrosa: perde a basofilia

citoplasmática e começa a ter em torno dele um halo claro que é o edema citotóxico.

Aparece em torno de 12-24 horas do infarto.

O indivíduo infartou e sobreviveu: À medida que o infarto progride, no curso da

primeira semana, ele adquire um aspecto gelatinoso, começa o processo de necrose de

liquefação. Isso ocorre entre 2-10 dias, a partir daí começa a surgir cavitação desse

infarto. Tem muito magrófago e células da micróglia fagocitando neurônios. Se tiver

hemorragia, o sangue vai penetrar nesse tecido e vai adquirindo características cada vez

mais hemorrágicas ficando difícil distinguir de uma hemorragia.

Foto de um indivíduo que tinha uma placa de ateroma que rompeu; o colesterol

da placa foi liberado e fez embolia gordurosa causando obstrução de vários

vasos cerebrais. Com a progressão do infarto, vai existir uma cavitação desse

local. O tecido cerebral não faz fibrose. O indivíduo sobreviveu ao infarto,

ficou com uma cavitação no cérebro e uma área de gliose em torno desta.

Na isquemia cerebral focal, no infarto cerebral, até 48 horas só vamos perceber

palidez e tumefação do tecido nervoso. Vai ter edema, degeneração, neurônios

vermelhos... Entre 2 e 10 dias o cérebro vai ficar friável e com aspecto gelatinoso.

Macrófagos e células da micróglia vão fagocitar a mielina. Entre 10 dias e 3 semanas

vai ocorrer o processo de cavitação do tecido cerebral. Se o indivíduo fez o infarto

hemorrágico, vai ter a mesma sequência de eventos, só que os macrófagos também vão

conter hemossiderina.

Caso em questão: é um indivíduo que tem estenose mitral, hipertensão, diabetes e é

tabagista.

- DM + HAS + hábito de fumar disfunção endotelial com ateroesclerose e

arterioeslerose hialina.

- HAS + arterioesclerose + estenose mitral remodelamento atrial, distúrbio do

sistema de condução e fibrilação atrial. Etilismo também pode contribuir para a FA. É

possível que com a fibrilação atrial ele tenha feito um trombo atrial, que foi levado até o

cérebro e provocou o infarto cerebral.

Coisas na história que podem sugerir hemorragia cerebral: trauma + hipertensão arterial

+ aneurisma de Charcot Bouchard.

A hemorragia intracerebral frequentemente envolve os gânglios da base (60%), mas

pode ser lobar – geralmente quando rompe vasos penetrantes do cérebro. Principais

causas: HAS, amiloidose, vasculites. HAS: alterações hialinas ou proliferativas e os

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aneurismas de Charcot Bouchard hemorragia intraparenquimatosa, hipóxia cerebral,

compressão do tecido – distúrbios de consciência com perda dos reflexos.

CASO 02: Cefaleia de forte intensidade (10/10), “pior dor de cabeça da vida”,

associada a vômitos.

Provavelmente uma ruptura de aneurisma sacular hemorragia subaracnoidiana.

Aumento da pressão intracraniana; são aneurismas saculares que ocorrem

predominantemente nas proximidades do polígono de Willis, nas bifurcações dos

grandes vasos cerebrais, a maior parte ocorre na artéria cerebral anterior. São congênitos

e relativamente frequentes (2% da população). A maior parte deles nunca vai se

apresentar. Na região do aneurisma o vaso é extremamente enfraquecido, pois não tem

tecido muscular – a camada íntima se encontra com a adventícia. Quanto maior o

aneurisma, maior o risco de rompimento. Se uma pessoa tem um aneurisma com 1 cm

de diâmetro, o risco dele romper em um ano é de 50%. O que favorece o crescimento de

um aneurisma: HAS, hábito de fumar (enfraquece mais ainda a parede do vaso) e

determinadas condições genéticas como rins policísticos (mutação na proteína PKD1) e

doenças que afetam o tecido conjuntivo (síndrome de Marfan).

Aproximadamente 50% das pessoas que tem um rompimento de aneurisma morrem no

ato do rompimento, outros morrem cinco dias depois da intervenção cirúrgica por uma

inflamação/irritação da região ou novo sangramento. Exame de imagem: sangue entre

os sulcos cerebrais – o que diferencia de uma hemorragia subdural. Não é a única causa

de hemorragia subaracnóide. Em indivíduos jovens a causa mais frequente é má

formação; outra causa também são as arterites. Sintomatologia: forte cefaleia + perda de

consciência + vômitos.

Mini-testes

(V) As hemorragias subaracnoides espontâneas estão geralmente associadas a

aneurismas saculares.

(V) Os vasos mais comumente acometidos nas hemorragias subaracnoides estão no

Polígono de Willis.

(F) As hemorragias intraparenquimatosas do SNC são comuns em hemisférios e

raras nos núcleos da base.

(F) A amiloidose e hipertensão arterial são as principais causas de hemorragia

subaracnóide.

(V) Embolia está geralmente associada à infartos cerebrais hemorrágicos.

Sobre os aspectos macroscópicos dos infartos cerebrais:

(V) Nas primeiras 48 horas o tecido cerebral se torna pálido e edemaciado.

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(V) Entre 2 e 10 dias o infarto se torna gelatinoso e friável.

(V) A necrose de liquefação torna-se evidente na segunda e terceira semana.

(V) O infarto hemorrágico apresenta-se inicialmente com o aspecto de lesões

petequiais.

(V) O tratamento do infarto cerebral hemorrágico com anticoagulantes pode

levar à formação de hematomas.

Sobre os aspectos histológicos dos infartos cerebrais:

(F) As alterações histológicas marcantes tornam-se evidentes nas primeiras seis

horas de lesão irreversível.

(V) Neurônios vermelhos, edema citotóxico são evidentes após 12 horas da

lesão.

(V) Há crescente acúmulo de células fagocíticas nas primeiras duas - três

semanas.

(V) Caracteristicamente neutrófilos não se acumulam nos infartos cerebrais. –

Tem neutrófilos no início, mas não é a célula mais importante.

(F) Ao final do segundo mês a lesão é substituída por tecido fibroso.