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Jaqueline Abrantes Pêgo O TRABALHO REALIZADO EM UTIP COM BEBÊS PRÉ-TERMOS E SUAS MÃES: contribuições ao método clínico fonoaudiológico Mestrado: Fonoaudiologia PUC/SP São Paulo 2005

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Jaqueline Abrantes Pêgo

O TRABALHO REALIZADO EM UTIP COM BEBÊS PRÉ-TERMOS E

SUAS MÃES: contribuições ao método clínico fonoaudiológico

Mestrado: Fonoaudiologia

PUC/SP São Paulo

2005

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Jaqueline Abrantes Pêgo

O TRABALHO REALIZADO EM UTIP COM BEBÊS PRÉ-TERMOS E SUAS MÃES: contribuições ao método clínico fonoaudiológico

Mestrado: Fonoaudiologia

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência para obtenção do Título de Mestre em Fonoaudiologia.

PUC/SP

São Paulo 2005

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Jaqueline Abrantes Pêgo

O TRABALHO REALIZADO EM UTIP COM BEBÊS PRÉ-TERMOS E

SUAS MÃES: contribuições ao método clínico fonoaudiológico

Mestrado: Fonoaudiologia

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência para obtenção do Título de Mestre em Fonoaudiologia, sob a orientação da Profa. Dra. Suzana Magalhães Maia.

PUC/SP São Paulo

2005

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Pêgo, Jaqueline O trabalho realizado em UTIP com bebês pré-termos e suas mães:

contribuições ao método clínico fonoaudiólogico/ Pêgo Jaqueline. – São Paulo, 2005.

vii, 137f. Tese (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa

de Pós-graduação em Fonoaudiologia. Título em inglês: The work performed in the PICU with premature babies

and their mothers: contributions to the speech therapist clinical approach. 1. Unidade de terapia intensiva pediátrica. 2. Pré-termo. 3. Alimentação. 4.

Vínculo mãe/bebê. 5. Conceito Bobath. 6. Winnicott. 7. Neurociência.

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NOME DA UNIVERSIDADE: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. NOME DO DEPARTAMENTO: Pós Graduados em Fonoaudiologia. Coordenadora do Curso de Pós-graduação: Profa. Dra. Beatriz C. Novaes

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Jaqueline Abrantes Pêgo

O TRABALHO REALIZADO EM UTIP COM BEBÊS PRÉ-TERMOS E SUAS MÃES: contribuições ao método clínico fonoaudiológico

Presidente da banca: Profa Dra. Suzana Magalhães Maia

BANCA EXAMINADORA

Prof. (a) Dr. (a) ___________________________________

Prof. (a) Dr. (a) ___________________________________

Prof. (a) Dr. (a) ___________________________________ Aprovada em: ____ / ____/ ________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução

total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou

eletrônicos.

Assinatura:

Data:

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Dedicatória À memória do meu querido irmão Beto (Roberto Abrantes Pêgo). Do ausente, recrio o olhar de agora, está em mim a tua tão forte presença, o

sorriso, a amizade, a proteção! O irmão, as tuas imagens, sabê-lo em nós!

Sensação bem-vinda, pois é você, no presente!

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Agradecimentos Desejo agradecer a todos os que me disponibilizaram, seu tempo e sua boa

vontade para que o meu trabalho fosse realizado:

À mãe e ao bebê que conheci no CTIP, que confiou em mim e muito me

ensinaram,

À Profa. Dra. Suzana Magalhães Maia, por sua orientação cuidadosa, apoio

sempre generoso e por assim ensinar, fez-me totalmente absorta e arrebatada

pela pesquisa,

À equipe do Centro de Terapia Intensiva, do Berçário e da Unidade Pediátrica, do

Hospital Governador Israel Pinheiro do Instituto da Previdência dos Servidores do

Estado de Minas Gerais-IPSEMG, pela oportunidade valiosa durante todo o

percurso, pela confiança e apoio na realização da pesquisa,

Ao Dr. Reynaldo Gomes de Oliveira, Dr. Alexandre Rezende Fraga e Dr. Cristóvão

de Castro Xavier, por terem colaborado com a realização desta pesquisa no setor

da Pediatria do Hospital Governador Israel Pinheiro do Instituto da Previdência dos

Servidores do Estado de Minas Gerais-IPSEMG

À Daniela Moreira Nery pela valiosa contribuição no momento da pré-qualificação,

Às colegas de turma, pelos momentos felizes que passei durante esse percurso,

e às de viagem Flávia Ribeiro, Mônica Heringer, Renata Pereira e Raquel Buzelin

pelo companheirismo e amizade,

À Marli Domingues, pela atenção, interesse e delicadeza em atender-me em todos

os momentos,

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Ao Prof. Dr. Saul Cypel e Profa. Dra.Beatriz Novaes, por aceitar participar da

minha banca examinadora, pela disponibilidade e interesse na pesquisa,

À Cláudia Perrota, que compartilhou comigo sua valiosa capacidade de pensar

criativamente a redação do meu texto, trilhando junto o caminho da escrita, por

sua contribuição inestimável,

À Vera Cerruti, pelo carinho, ajuda e acolhida generosa,

Ethel Battikha, pelo afeto e por todo o cuidado com a busca de referências,

À Helenice Soares de Lacerda, pelas leituras dos textos, estudos, seguidas de

valiosas sugestões e palavras de incentivo, durante a realização desta pesquisa,

À Elô Lacerda, grande amiga e profissional, a sua constante presença e ajuda,

pode nutrir o ânimo por todo o percurso deste trabalho,

Aos amigos Letícia e João Ferraz, pela amizade que nos uni, por terem viabilizado

o dia a dia da Ada, quando me ausentava,

À minha mãe, pela presença e ajuda constante,

Aos meus irmãos ao amor que nos une,

A minha filha Ada, pelo sentido que da à minha vida, por ter se concentrado nos

seus afazeres e pelo carinho,

Ao meu marido André, por ter sido muitos, por amor e admiração inesgotável.

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Agradecemos à Capes (Processo número ) pelo subsídio recebido, o que viabilizou a realização da pesquisa.

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SUMÁRIO Dedicatória v

Agradecimentos vi

Listas de Abreviatura e Siglas x

Resumo xii

INTRODUÇÃO 1

Percurso histórico: necessidade do fonoaudiólogo na equipe neonatal 2

Percurso pessoal: conceito Bobath e importância do vínculo mãe/bêbe 5

Objetivo 11

1.CONCEITO BOBATH DE TRATAMENTO NEUROMOTOR 12

Mudança de paradigma no entendimento das disfunções neuro-motoras 12

O entendimento do desenvolvimento normal e anormal no Tratamento

Neuroevolutivo 14

Modelo reflexo-hierárquico e os Bobath 16

Perspectivas de tratamento no conceito Bobath 18

Técnica de manuseio: perspectiva atual no tratamento neuroevolutivo 20

O conceito Bobath na Fonoaudiologia 26

2.BASES TEÓRICAS PARA O ATENDIMENTO FONOAUDIOLÓGICO EM UTIPs 32

Estrutura teórica para a intervenção no neuropsicodesenvolvimento em UTIP 32

Fundamentação da teoria síncrono-ativa 32

Homeostase 33

Teoria Síncrono-ativa 35

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Princípios 35

O sistema regulatório 36

O poder das experiências precoces e o papel das emoções no

neurodesenvolvimento 37

3. BEBÊS DE ALTO RISCO, PROBLEMAS DE ALIMENTAÇÃO E O

TRATAMENTO FONOAUDIOLÓGICO NA UTIP 43

Comportamento oral intra-útero 44

O recém nascido a termo e o seu desenvolvimento natural 45

O impacto do nascimento pré-termo: o bebê de risco, o ambiente de UTIP e o

tratamento Fonoaudiológico 47

Fatores de risco para incidência de problemas alimentares 50

Comportamento motor do RN pré-termo como fator de risco para a adequada

SSDR 53

4. A IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE NO DESENVOLVIMENTO DO RECÉM-

NASCIDO 57

A mãe como ambiente facilitador 58

Preocupação materna primária e primeira mamada teórica 61

Coesão psicossomática: tendência natural à integração 64

5.MÉTODO 70

Local de realização do estudo e procedimentos para a sua viabilização 70

Opção metodológica e critérios para a escolha do caso clínico 72

Rotina de cuidados fonoaudiológicos com os bebês internados e inserção da

pesquisadora na equipe multiprofissional 74

Dados do caso clínico selecionado e freqüência dos atendimentos 76

Apresentação do caso clinico 80

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6.ESTUDO DE CASO 81

Histórico da admissão no CTIP e evolução clínica 81

Inicio do atendimento fonoaudiológico: primeiras informações colhidas junto a

equipe 82

Atendimento fonoaudiológico: cuidados com a mãe e com o bebê 87

Do primeiro ao sexto atendimento: busca da estabilidade fisiológica do bebê

e das condições para que a mãe começasse a dele cuidar 87

Análise 94

Do sétimo ao décimo segundo atendimento: as experiências com a

amamentação 96

Análise 107

Do décimo terceiro ao décimo oitavo atendimento: a efetivação da

amamentação e o engajamento da equipe para a alta hospitala 112

Análise 122

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 127

8.BIBLIOGRAFIA 131

Abstract

Anexo

x

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIG Adequado para a idade gestacional AVD Atividades da vida diaria

BP Baixo peso CTIP Centro de terapia intensiva pediátrica

DBP Displasia bronco-pulmonar

FC Freqüência cardíaca

FR Freqüência respiratória

GIP Grupo de Intervenção Precoce

IG Idade gestacional

IGC Idade gestacional corrigida

IPSEMG Instituto da Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais

LM Linha média

MMII Membros inferiores

MMSS Membros superiores

NDT Neuro-developmental therapy

NDTA-USA North American Neuro-Developmental Association O2 Oxigênio PC Paralisia cerebral

PIG Pequeno para a idade gestacional

PN Peso de nascimento

RGE Refluxo gastro-esofágico

RN Recém-nascido

RNPT Recém nascido pré-termo

RNPTEs Recém-nascidos pré-termo extremos

RNT Recém-nascido a termo SN Sucção nutritiva

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SNC Sistema nervoso central

SNE Sucção nutritiva eficiente SNN Sucção não-nutritiva

SNG Sonda nasogástrica

SOG Sonda orogástrica

SSDR Sincronia entre sucção, deglutição e respiração TNADM Teoria Neuromaturacional Aplicada ao Desenvolvimento Motor

US Ultra-som

UTIN Unidade de terapia intensiva neonatal

UTIPs Unidades de terapia intensiva pediátricas VM Ventilação mecânica

VO Via oral

VPP Ventilação por pressão positiva

xii

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RESUMO Pêgo JA.O trabalho realizado em UTIP com bebês pré-termos e suas mães: contribuições ao método clínico fonoaudiológico. São Paulo; 2005. [Dissertação de Mestrado-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP].

Este trabalho teve como objetivo delinear princípios e técnicas do

atendimento fonoaudiológico a recém-nascidos pré-termos, desde o momento da

sua internação no Centro de Terapia Intensiva Pediátrico (CTIP), até a alta

hospitalar, incluindo especificidades do enquadre envolvendo a mãe e a equipe

multiprofissional. Para tanto, foi utilizada a metodologia clínico-qualitativa e

realizado um estudo de caso de um recém-nascido pré-termo muito baixo peso,

com dificuldades alimentares e em uma condição de alto risco para problemas no

desenvolvimento, na alimentação e na constituição do vínculo mãe/bebê. A

pesquisa foi feita no CTIP, no Berçário e na Unidade Pediátrica do Hospital

Governador Israel Pinheiro do Instituto da Previdência dos Servidores do Estado

de Minas Gerais (IPSEMG), em Belo Horizonte. Os pressupostos teórico-

metodológicos que embasaram este estudo advém das articulações estabelecidas

entre fundamentos da Neurociência, da Psicanálise winnicottiana e também os

advindos do Tratamento Neuroevolutivo-“Conceito Bobath” e da Teoria Síncrono-

ativa, importantes para a compreensão do trabalho fonoaudiológico voltado ao

recém-nascido de risco. Deu-se destaque à importância da mãe como primeiro

ambiente de um bebê, fundamental, portanto, em sua constituição como pessoa.

Pode-se concluir, a partir da análise do caso, que esse tipo de trabalho

fonoaudiológico exige que o profissional esteja sintonizado com o bebê, com a

mãe e também com a equipe hospitalar. Nesta perspectiva, é possível acolher a

dupla mãe/bebê, humanizar o ambiente de UTIP e favorecer ao pequeno paciente

que conquiste as aquisições deste período inicial da vida.

Palavras-chaves: pré-temo,Winnicott, alimentação, vínculo mãe/bebê, Conceito Bobath, Neurociência.

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xiii ABSTRACT Pêgo JA. The work performed in the PICU with premature babies and their mothers: contributions to the speech therapy clinical approach. São Paulo; 2005. [Dissertação de Mestrado-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP]. The purpose of this issue was to outline principles and techniques of the speech

treatment of premature babies, since the moment of its hospital internment at the

Pediatric Intensive Care Unit (PICU) until its discharge; along with the mother and

the staff members who take care of the child. To achive that aim, the qualitative-

clinical methodology was used. A case study of an under-weight premature new-

born who had feeding difficulties and was in a high risk condition concerning

development, feeding and the establishment of a mother-baby bound was also

discussed. The research took place in the PICU, the nursery and at Pediatric Unit

of the Hospital Governador Israel Pinheiro do Instituto da Previdência dos

Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), in the city of Belo Horizonte,

Brazil. The theoretical-metodological bases of this study originated from the joint

established among the foundations of the Neuro-science, the Winnicott psycho-

analisys, Neuro-Developmental Treatment- “Bobath Approach” and Synactive

Theory. All of them are very important for the understanding of the speech therapy

work performed with the new-born in risk. The importance of the mother as the

first environment a baby was also reinforced due to the baby’s constituion as

“person”. From the analisys of this case we can come to the conclusion that this

type of speech therapy work demands that the professional be in connection with

the baby, the mother and also members of the hospital staff. In this perspective, it

is possible to receive the mother-child bound, humanize the PICU environment and

provide the little patients with tools that allow them to achieve a healthy and

satisfactory development in its first period of life.

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Key wurds: premature, Winnicott, feeding, mother-baby bound, Bobath Approach,

Neuro-science

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INTRODUÇÃO A clínica fonoaudiológica hospitalar voltada para bebês considerados de

alto risco surgiu no Brasil no início dos anos 80, a partir de uma necessidade

imperativa de atendimento aos problemas de alimentação desses pacientes.

Nessa ocasião, houve também um grande investimento na área de terapia

intensiva (tecnológico e científico), que culminou na criação de mais leitos e na

inauguração de Unidades de Terapia Intensiva Pediátricas (UTIPs).

Hoje, presenciamos um crescimento significativo nessa área, que vem

resultando em novas pesquisas por parte dos fonoaudiólogos. Cada vez mais,

estes têm procurado desenvolver parâmetros que possam nortear o cuidado com

esses pacientes.

Um dos exemplos dessa preocupação são os estudos desenvolvidos por

Xavier (1998, p. 272), que contemplam o “processo de alimentação como sendo

essencial para o funcionamento do bebê e posteriormente para o desenvolvimento

global” e abordam aspectos como: avaliação baseada nos critérios de normalidade

funcional, sendo esse o parâmetro usado para a identificação de possíveis

anormalidades; intervenção clínica objetivando a funcionalidade do sistema

estomatognático através da realização da sucção não nutritiva e da sucção

nutritiva, sem desconsiderar a evolução e os aspectos clínicos do paciente.

Já Hernandez (2003), baseando-se no modelo teórico da organização

neurocomportamental formulado por Als (1986), chama a atenção para a

necessidade de reconhecermos a disponibilidade ou não do lactente para

responder às demandas do meio, observando que o funcionamento dos seus

sistemas ocorre de forma interligada. A autora descreve os fatores que podem

interferir no desenvolvimento da função de alimentação e faz referência, ainda,

aos “princípios do desenvolvimento global” como sendo os mesmos elementos

para o desenvolvimento do sistema estomatognático. Menciona ser relevante no

tratamento as estratégias de intervenção no desenvolvimento global através do

manuseio e do posicionamento.

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E mais recentemente, considerando que a relação mãe/bebê é um aspecto

central na abordagem de tratamento nos recém-nascidos de alto risco que

apresentam problemas na alimentação, temos a dissertação de mestrado de

Ferraz (2003), que se baseia em pressupostos winnicottianos1. A pesquisa

ressalta que o atendimento fonoaudiológico deve ter início no primeiro dia de vida

do bebê, visando possibilitar o vínculo dele com a mãe e a adequação ambiental,

para que, assim, torne-se viável o desenvolvimento da sucção nutritiva.

Junto a esse desenvolvimento da área, também observamos uma abertura

cada vez maior nas equipes multidisciplinares para o tipo de contribuição que a

Fonoaudiologia pode oferecer no contexto hospitalar.

Porém, nem sempre foi assim.

Para que possamos compreender como o fonoaudiólogo passou a fazer

parte da equipe multiprofissional dedicada a esses pacientes, é necessário, antes,

traçar um breve panorama histórico da constituição das UTIPs, como faço a

seguir. E por ter participado ativamente, desde os primórdios, da inserção da

Fonoaudiologia nesse contexto, apresento também uma síntese de meu percurso

pessoal e das preocupações que sempre me acompanharam nesse trabalho com

bebês

Percurso histórico: necessidade do fonoaudiólogo na equipe neonatal

Antes do surgimento desse espaço de tratamento intensivo neonatal, os

casos clínicos eram atendidos, em sua maioria, em berçários de alto risco por uma

equipe que tinha à frente uma nova especialidade médica, a neonatologia. Os

poucos e raros neonatologistas contavam com a ajuda da equipe de enfermagem,

que ainda não era especializada. Juntos, promoviam o atendimento dos recém-

nascidos com risco de vida e que necessitavam de intervenções imediatas. Nessa 1 Esse e outros estudos, assim como o presente, fazem parte da linha de pesquisa desenvolvida no Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia pela Profa. Dra. Suzana M. Maia. Nosso objetivo é desenvolver e discutir princípios e práticas clínicas fonoaudiológicas à luz da Psicanálise de Winnicott. Especificamente no que diz respeito à prática clínica com bebês, vale conferir a dissertação de Souza (2004), que busca compreender a constituição dessa área de atuação fonoaudiológica, tanto no que se refere à audição como à alimentação, e fornece um panorama de como esses pacientes têm sido atendidos no Brasil.

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ocasião, ainda era alto o número de óbitos, porque não se contava com a

tecnologia necessária, nem com um número adequado de pessoal treinado que

pudesse realizar esse tipo de intervenção, especialmente com o caráter de

urgência necessário nesses casos.

Mas, mesmo nessa situação adversa, conforme os cuidados iam se

tornando mais específicos, os recém-nascidos de alto risco, principalmente os pré-

termos identificados como de baixo peso e pequenos para a idade gestacional2, foram tendo uma maior sobrevida. Tornou-se premente então o problema da

internação hospitalar prolongada, uma das conseqüências do insucesso no

desempenho da função oral de alimentação e que aumentava o risco de esses

pacientes contraírem infecção hospitalar.

Quando o bebê não mais corria risco de vida, a equipe tinha como

preocupações o ganho de peso e o crescimento; nessa medida, a próxima etapa

tinha como objetivo iniciar o desmame da sonda de alimentação e a ingestão do

alimento por sucção. Porém, nesse momento do processo, não era possível

prever a alta hospitalar. Nesse enfoque, a evolução da sucção tendia a ser

irregular, com freqüentes intercorrências que afetavam a estabilidade clínica,

colocando em risco a vida desse pequeno paciente, como a pneumonia aspirativa,

podendo até mesmo levar à morte. A tendência era, então, os bebês sobreviventes receberem alta hospitalar

sugando mal, sem uma funcionalidade típica nos sistemas responsáveis por essa

função vital e com movimentos compensatórios no momento da alimentação,

como aumento ou abaixamento exagerado do tônus muscular, fraco vedamento

labial, retração da língua, entre outros aspectos que influenciam na adequada

sincronia entre sucção, deglutição e respiração (SSDR).

2 Esses parâmetros serão descritos no capítulo de método.

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Essa situação, que era preocupante, tornou-se ainda mais ameaçadora

com a inauguração de novas Unidades de Terapia Intensiva Pediátricas - UTIPs,

pois, além do suporte tecnológico, as equipes passaram a utilizar o surfactante3,

que, aliado aos cuidados respiratórios, foi determinante no aumento da sobrevida

dos recém-nascidos pré-termo extremos (RNPTEs), que são muito imaturos, de

muito baixo peso ou baixo peso extremo, sendo, até então, considerados

inviáveis.

Diante desse quadro, o cuidado específico com esses pacientes foi se

tornando cada vez mais presente também em outras áreas de conhecimento.

Como a assistência imediata possibilitava o aumento da sobrevida, os problemas

de alimentação eram mais acirrados e mais urgentes nos recém-nascidos de alto

risco, o que abriu campo para a atuação fonoaudiológica.

Sem dúvida, esse processo culminou na abertura de uma nova área de

trabalho, pois os médicos começaram a demandar o atendimento fonoaudiológico

já não mais para atendimentos isolados de casos clínicos, para os quais algumas

poucas fonoaudiólogas4 eram chamadas por seus clientes de consultório, ou por

já terem atuado com alguma criança da família desse bebê com dificuldade. Com

a delimitação de nosso objeto de trabalho, ficou claro que o atendimento deveria

ser realizado durante a internação, sendo então o fonoaudiólogo incluído em um

quadro hospitalar mais amplo.

3 Surfactante: é a substância que reduz a tensão superficial da interface líquido-gás dentro dos alvéolos, diminuindo assim a tendência ao colapso alveolar. Sua adequada produção está relacionada com a maturação pulmonar, e é usualmente presente em bebês nascidos com 35 semanas de idade gestacional. A produção artificial tem, na sua aplicabilidade terapêutica, a prevenção da insuficiência respiratória. 4 De fato, o vislumbre da necessidade da prática fonoaudiológica no contexto hospitalar não ocorreu de imediato. Até os anos 80, os pacientes que precisavam desse tipo de serviço só podiam contar com aquelas poucas fonoaudiólogas que, por conta de sua especialização dentro do enfoque Bobath, faziam intervenções nos seus consultórios. Com o tempo, essas profissionais passaram a ser chamadas quando esses bebês eram hospitalizados, permanecendo internados em UTIPs e/ou pediatria por precisarem de cuidados, visando uma melhora respiratória e do estado geral; realizavam então a estimulação da função oral - alimentação – para que os bebês internados pudessem, no menor prazo possível, prescindir da sonda nasogástrica e/ou obterem alta hospitalar.

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Percurso pessoal: conceito Bobath e importância do vínculo mãe/bebê

Foi então nesse contexto de urgência que, assim como outras poucas

fonoaudiólogas, ingressei no tratamento de recém-nascidos de alto risco. Iniciei,

como voluntária, no “berçário de cuidado intensivo” e no “berçário de cuidado

intermediário” na Maternidade Odeth Valadares, em Belo Horizonte. Permaneci

nessa maternidade por aproximadamente um ano, propondo à equipe, num

primeiro momento, que faria uma observação dos bebês, das suas famílias e da

equipe neonatal para me familiarizar com o universo da práxis neonatal e então

propor estratégias de intervenção. Essa maternidade, na época, era referência no

atendimento a gestantes de alto risco pela rede pública e não contava com uma

UTIP.

No final de 1986, fui convidada a fazer parte da equipe multidisciplinar e

a implantar um Serviço de Fonoaudiologia na Unidade de Terapia Intensiva

Pediátrica, onde formei o Grupo de Intervenção Precoce – o GIP da UTIP do

Hospital Mater Dei de Belo Horizonte, lá permanecendo por dez anos, sendo que

depois implantei e coordenei o serviço em outros hospitais.

Na rotina de cuidados, observava a grande dificuldade que os profissionais

encontravam para alimentar esses bebês por via oral e como essa tarefa colocava

em risco a estabilidade deles, sendo a alta imprevisível e o risco de re-internação

bastante provável. Nesse contexto, os neonatologistas e toda a equipe

perceberam a importância da Fonoaudiologia para a alta hospitalar em boas

condições, isto é, com o bebê alimentando-se eficientemente. Foram sendo então

estabelecidos critérios para a alta hospitalar, privilegiando-se a amamentação,

pensando-se, assim, em garantir o vínculo afetivo mãe/bebê.

De minha parte, fui também efetivando outros cuidados com a mãe no

ambiente de UTIP (aos quais vou me referir mais adiante) para que pudesse

garantir a circulação de afeto entre ela e seu filho.

5

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Nessa medida, não mais somente os órgãos vitais e o sistema sensório-

motor desses recém-nascidos foram investidos de cuidados5 - a atenção voltou-se

também para as mães. Uma das primeiras medidas tomadas pela equipe, já com

a participação efetiva do fonoaudiólogo, foi permitir o livre acesso delas à UTIP,

para que pudessem visitar e se aproximar mais efetivamente de seus filhos. Elas

passaram a ser, nessa medida, o centro das atenções (e ações), principalmente

de alguns dos fonoaudiólogos que entraram nas UTIPs em tempos tão iniciais

dessa práxis.

Fui constatando que a UTIP constituía-se no primeiro espaço no qual nos

deparávamos com o sofrimento dessas mães num momento tão inicial da vida do

filho. Isso despertou um crescente interesse de minha parte pelo vínculo

mãe/bebê, pela constituição psíquica, e o desejo de humanizar o ambiente

hospitalar, já que o considerava potencialmente desumanizador, acrescido da

separação mãe-bebê e pelo fato de a primeira estar vivenciando uma situação

traumática, desorganizadora da função materna.

De fato, no cotidiano da clínica particular, em meu consultório, já vinha

observando sintomas fonoaudiológicos que, em parte, pareciam resultar das

dificuldades advindas dos relacionamentos iniciais e não apenas do distúrbio

orgânico/funcional de meus pacientes. Assim, muitas vezes, alterações no

comportamento da alimentação - tais como no ritmo da sucção, da deglutição e da

respiração, na modulação do tônus, na diferenciação do estado de sono e de

vigília, na interação social, além de irritabilidade e desinteresse - podem decorrer

de dificuldades na constituição do vínculo mãe-bebê, ou na quebra dele, com a

separação muito precoce entre ambos. Esses aspectos também precisam ser

considerados, portanto, na avaliação e no atendimento clínico fonoaudiológico.

Cabe-nos, nessa medida, encontrar maneiras de cuidar bem da mãe para

que ela possa cuidar de seu filho, e aqui me refiro à necessidade do profissional

acolher essa mãe em sua dor, escutando-a e permitindo que ela se ampare nele e

nos cuidados que serão dedicados pela equipe ao seu bebê. O terapeuta busca,

5 Nesta dissertação, não vou perder de vista a técnica de manuseio global e as que incidem sobre o SSMO desses bebês, pois venho notando que a Fonoaudiologia se encontra bastante carente de publicações que as explicitem.

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assim, fornecer um alicerce essencial às questões do neurodesenvolvimento e à

restauração de um vínculo seguro, compreendendo que, nessa etapa, é

impossível separar o que favorecerá o funcionamento adequado do organismo do

bebê de sua constituição psíquica.

Encontramos na neurociência o ponto de apoio para essa articulação,

especificamente em suas bases neurobiológicas. De fato, os estudos têm

demonstrado que não só o crescimento do cérebro, mas a arquitetura/organização

da rede neural é determinada em função da influência do ambiente ao qual o bebê

está exposto. Assim, considera-se que o cérebro não se constitui, somente, pela

programação contida nos gens/ontogênese, mas que essa programação é

modulada pelas influências do ambiente/epigenêse. Desta maneira, no atual

enfoque do conhecimento, torna-se significativo o papel do vínculo mãe/filho,

sendo a este atribuído o estímulo para formar os circuitos neurais adequados ou

não no cérebro do bebê. Mas e quanto aos cuidados fonoaudiológicos voltados ao recém-nascido? É

necessário, pois, um modelo de tratamento sensório-motor que nos permita

intervir no desenvolvimento da sucção e deglutição em pré-termos que fazem uso

de sonda ou estomia para se alimentar.

Nesse sentido, considero que foi fundamental a inclusão de noções do

“Conceito Bobath” de tratamento aos bebês da UTIP6, já que, assim, obtemos uma

visão global do neurodesenvolvimento funcional normal e do dito patológico, nos

seus vários aspectos, principalmente o sensório-motor. Essa visão global estende-

6 Não só porque esse foi o percurso das fonoaudiólogas precursoras (no qual me incluo) desse atendimento hospitalar, como porque acredito que todos os profissionais que pretendem trabalhar com pacientes com problemas neuro-motores precisam se instrumentalizar para melhor tratá-los em seus problemas funcionais. A formação nesse conceito de tratamento exige que, primeiramente, o profissional freqüente um curso básico, para somente depois desse primeiro contato com esse raciocínio clínico se especialize no atendimento de bebês, podendo então se matricular em um curso mais avançado: o “Baby Course” do enfoque “Bobath”. É importante ressaltar que, apesar desse conceito de tratamento ser usado em todo o mundo, foi a Fonoaudiologia no Brasil que veio conquistando esse território das UTIs neonatais e o trabalho com a primeira infância. Atualmente tem me chamado a atenção os profissionais que, junto ao "Bobath", vêm trabalhando também com a "Coordenação Motora" das Béziers, M.; Hunsinger,Y., pois esse é um método também tão global e também baseado na coordenação motora e na biomecânica tanto quanto o Bobath. Cf: "O Bebê e a Coordenação Motora", São Paulo: Summus,1994.

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se desde o nascimento, seguindo até as últimas aquisições de postura,

movimento, e as específicas das funções orais, como as de alimentação.

Nessa visão, aprendemos a identificar e correlacionar aspectos específicos

dentro de uma estrutura de funcionamento global, isto é, levando em consideração

a inter-relação dos dados de postura e de movimento com o nível de

desenvolvimento e funcionamento do sistema oral. Essa possibilidade de levantar

dados e correlacioná-los dentro das questões de desenvolvimento, estabelecendo

parâmetros de normalidade, identificando os componentes que promovem a

função vital-alimentação (sucção, deglutição e respiração), delimita uma área de

atuação que facilita o funcionamento orgânico sem se preocupar, a princípio, com

dados apenas motores.

Essa aprendizagem, de fato, conduz ao raciocínio na terapêutica

fonoaudiológica, privilegiando a facilitação do desenvolvimento funcional no nível

maturacional do indivíduo, em relação ao seu sistema sensório motor oral e global.

O terapeuta usa essa técnica para fornecer estabilidade de postura durante os

cuidados e/ou enquanto o bebê realiza a função - no caso, alimentação. Além

disso, devemos monitorizar o ritmo e a intensidade do manuseio no bebê pelo seu

comportamento, para que possa conservar a energia, manter a estabilidade

fisiológica, atingir o estado calmo e desenvolver a sua funcionalidade global e oral.

Foi essa então uma das vias que possibilitou e caracterizou o trabalho

fonoaudiológico com os bebês de alto risco.

No meu percurso, essa abordagem foi, de fato, marcante. A vivência desse

trabalho me levou a desenvolver uma sensibilidade e uma empatia com o bebê e a

me concentrar na sutileza que se faz necessária durante o manuseio do seu corpo

para, assim, atender suas demandas.

Importante compreendermos, no entanto, que a técnica de manuseio,

estabelecida dentro de critérios (nível de desenvolvimento, diagnósticos e estado

geral), irá garantir o preparo do corpo do bebê para que ele possa ter um melhor

desempenho na função oral de alimentação, e também facilitar a adequada

sincronia entre sucção, deglutição e respiração (SSDR) e a sua progressão para a

aquisição da alimentação eficiente. Porém, é preciso contextualizar o trabalho oral

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no corpo do bebê, com procedimentos e manuseios muito específicos dentro da

área fonoaudiológica, sem desconsiderar a relação mãe/filho.

De fato, cada vez mais os fonoaudiólogos têm buscado atuar em UTIPs;

porém, observa-se que, muitas vezes, privilegiam as técnicas que incidem,

basicamente, na região oral dos recém-nascidos. Com isso, desconsideram a

relação entre a movimentação e a postura global com a especificidade oral e,

ainda, os padrões de amadurecimento das funções orais, condizentes com os

padrões globais de desenvolvimento.

Mesmo quando se preocupam com o desenvolvimento global do bebê, o

raciocínio específico sobre os manuseios que garantiriam uma postura mais

organizada, levando o pequeno paciente a coordenar suas funções de

sucção/respiração/deglutição, geralmente, limita-se à aplicação mecânica de

exercícios. Estes, por não darem conta da singularidade dos pacientes, acabam

invadindo-o, levando com freqüência a um efeito iatrogênico importante, como à

alta hospitalar sem a aquisição de uma alimentação segura por via oral. É

relevante considerar que, nessa situação de risco, a tarefa de desenvolvimento

desse estágio da vida, a homeostase/estabilidade e o vínculo mãe/bebê podem

não ocorrer.

Esse tipo de intervenção tende a desconsiderar o corpo psicossámatico

que está em constituição e é o principal veículo entre o bebê e a mãe e entre ele e

a própria mente. Inicialmente, o bebê se faz presente pelo somatosensorial, com

seus vários sistemas e subsistemas, e a sua relação com o mundo se dá pela pele

ou pela boca e pelas necessidades fisiológicas. As representações mentais do

funcionamento orgânico que viabilizam o self - o eu sou - incluem perceber,

especificamente, a mãe nessa função que favorece a junção corpo-psiquismo.

Nessa medida, transformar os horários das dietas em procedimentos mecânicos

significa desvalorizar a importância da interação da mãe com seu filho, e as

condições que este apresenta de a elas corresponder, o que é imprescindível na

organização das relações entre o bebê e o meio ambiente.

É preciso ter em mente que qualquer alteração na alimentação pode afetar

não somente o estado nutricional como o global do bebê (já que sabemos que o

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corpo do bebê não ganha peso e não se desenvolve sem o investimento materno)

e a relação pais/filhos.

Quanto a esse aspecto, observamos que a prática clínica vem abrindo

campo para que o fonoaudiólogo compreenda a importância do ambiente como

elemento capaz de potencializar o desenvolvimento das aptidões biológicas da

criança. A psicanálise desenvolvida por Winnicott tem auxiliado grandemente

nessa compreensão, bem como a neurociência, que vem ressaltando a importância da questão vincular na organização e no funcionamento do cérebro.

Então, no intuito de refletir sobre o trabalho clínico/hospitalar

fonoaudiológico, apresento aqui um estudo de caso de um recém-nascido pré-

termo muito baixo peso, com dificuldades alimentares e em uma condição de alto

risco para problemas no desenvolvimento, na alimentação e na constituição do

vínculo mãe/bebê. O atendimento fonoaudiológico foi por mim realizado no Centro

de Terapia Intensiva Pediátrica (CTIP) do Hospital Governador Israel Pinheiro do

Instituto da Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), em

Belo Horizonte, e teve duração de trinta e um dias, sendo realizados dezoito

atendimentos. Discuto, ainda, uma possibilidade de o fonoaudiólogo atender às

demandas de seu pequeno paciente sem descuidar da mãe, ajudando-a a

desvelar maneiras de se aproximar de seu bebê.

Para embasar minhas reflexões, apresento os princípios teórico-práticos

do Tratamento Neuroevolutivo-“Conceito Bobath”, da Teoria Síncrono-ativa e

fundamentos da Neurociência, além, obviamente, da apropriação que a área

fonoaudiológica vem fazendo dessas abordagens. Também abordo alguns

pressupostos da psicanálise winnicottiana para compreendermos a importância da

mãe como primeiro ambiente de um bebê, fundamental, portanto, em sua

constituição como pessoa.

E é nessa junção complexa, que abarca tanto as técnicas globais e

específicas como o cuidado na relação mãe e filho, sendo portanto "lados de uma

mesma moeda", indissociáveis, que, acredito, esta dissertação possa dar uma

contribuição à clínica fonoaudiológica de bebês.

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Objetivo

O objetivo do presente trabalho é delinear princípios e técnicas utilizadas

pelo fonoaudiólogo no atendimento a bebês recém nascidos pré-termo, desde o

momento da sua internação no CTIP, até a alta hospitalar, incluindo

especificidades do enquadre envolvendo a mãe e os cuidadores da equipe que

atende o bebê. Significa, neste contexto, uma contribuição para a configuração do

método clínico fonoaudiológico.

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1. CONCEITO BOBATH DE TRATAMENTO NEUROMOTOR

Mudança de paradigma no entendimento das disfunções neuromotoras

A abordagem de Tratamento do Desenvolvimento Neuroevolutivo (NDT),

termo utilizado pela Associação Norte Americana de Tratamento Neuroevolutivo

(NDTA-USA) e pela literatura internacional, teve um profundo impacto no manejo

das disfunções sensório-motoras de adultos e crianças com neuropatologia, sendo

inicialmente conhecida como “Conceito Bobath”. A metodologia do “Conceito

Bobath” foi desenvolvida pela Sra. Berta Bobath, fisioterapeuta, e pelo Dr. Karel

Bobath, neurologista, com publicação científica em 1948.

A longevidade desse conceito justifica-se, segundo o comitê de teoria NDT

(1994), por ser um “conceito vivo”. De fato, o enfoque da abordagem centra-se na

análise solucionadora de problemas de postura e movimento, considerando-se a

correlação entre as atividades funcionais e as deficiências subjacentes (Comitê

NDTA, 2002, p.3).

A abordagem de Tratamento Neuroevolutiva -“Conceito Bobath” tem

evoluído por todos esses mais de cinqüenta anos, tendo sofrido, no início dos

anos 90, uma grande reformulação, refletindo um novo paradigma. Assim, a

aplicabilidade desse conceito passou a ser vista à luz das novas teorias da ciência

do desenvolvimento motor, do controle motor e da aprendizagem motora. Inicialmente, as duas grandes contribuições da Sra. Bobath foram: o

reconhecimento de que crianças com Paralisia Cerebral (PC) ou adultos com

hemiplegia decorrente de Acidente Vascular Cerebral (AVC) sofriam de fraquezas

e enrijecimentos musculares, e, mais importante do que isso, a conclusão de que

apresentavam uma desordem de coordenação de postura e movimento de origem

central (B. Bobath, 1953).

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Assim, uma lesão no SNC levaria a uma alteração no tônus e a uma

deficiência na coordenação da ação muscular, e isso impedia ou limitava a

habilidade funcional7.

A alteração não se dava em um membro isoladamente (tendo sua origem

no SNC), pois uma atividade funcional envolve todos os músculos do corpo e,

para tanto, requer a capacidade de combinar o controle da postura e do

movimento para que ocorra adequada graduação entre a estabilidade/mobilidade

articulatória e a autonomia na função.

Essa nova abordagem de tratamento pôde demonstrar, com propriedade, a

aplicabilidade terapêutica da técnica de manuseio como meio que facilita a

adequação no movimento funcional, guiando cuidadosamente a entrada sensorial

e a saída motora pelo sistema de feed back do movimento.

Essa foi, de fato, uma idéia bastante original para a época, qual seja, a de

um terapeuta ter impacto no movimento funcional do paciente pela influência no

seu SNC, utilizando, para isso, a técnica de manuseio elaborada pela Sra. Bobath.

Até então, pensava-se que o SNC era o único responsável pelo movimento, sendo

passivamente controlado pelo feed back sensorial, com o reflexo sendo o primeiro

componente.

Teve início, então, uma nova forma de encarar o tônus muscular anormal

na presença de lesão não progressiva no SNC. Houve, portando, uma mudança

no paradigma vigente. O enfoque terapêutico passou de grupos musculares

isolados para a compreensão do funcionamento do SNC e do controle motor no

desenvolvimento normal (neurofisiologia), a fim de se planejar o tratamento das

disfunções neuromotoras pelo motor global. O paciente começou a ser tratado

como um todo, tendo o terapeuta como desafio favorecer o controle motor e

priorizar o impacto no movimento funcional para as atividades da vida diária (AVD)

e sendo a família orientada para dar continuidade ao tratamento.

7 A literatura atual concorda que o tônus postural interfere nas habilidades funcionais e/ou

contribui no desenvolvimento de disfunções secundárias, sendo difícil, porém, de ser mensurado objetivamente. Hoje, pelo conceito Bobath, caracterizar os outros elementos que participam do controle postural e a inter-relação entre eles colabora para a especificidade terapêutica.

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Os Bobath enfatizavam, então, um processo interativo entre os

componentes da equipe, formada por fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas

ocupacionais, médicos, e destes com o paciente e sua família. Assim, a prática

clínica proposta considerava o contexto individual da criança e não só os

princípios neurofisiológicos do modelo reflexo-hierárquico do controle motor, nos

quais o Dr. Bobath se fundamentou.

Através de tentativa e erro, Os Bobath foram então aprendendo mais sobre

as respostas dos pacientes, possibilitando a compreensão mais apurada e a

divulgação de como os terapeutas poderiam ajudá-los8.

Enquanto desenvolviam essa práxis, o conceito de tratamento foi expandido

com a contribuição da prática clínica no tratamento dos bebês de Mary Quinton,

fisioterapeuta, e da Dra. Elsbeth Köng, pediatra. Desta maneira, todo esse

dinamismo possibilitou que o conceito evoluísse.

A mais recente contribuição para o entendimento do desenvolvimento

sensório-motor e para o tratamento do bebê de risco veio de Lois Bly (1983), que

identificou e descreveu os componentes do movimento normal.

O entendimento do desenvolvimento normal e anormal no Tratamento Neuroevolutivo

Com relação especificamente ao uso do conceito Bobath em bebês, no

final dos anos 50, Mary Quinton e a Dra. Elsbeth Köng passaram então a aplicá-lo

nessa população. Inicialmente, realizaram treinos com os Bobaths e,

posteriormente, estes também passaram a tratar de bebês a partir da contribuição

dessas estudiosas, sendo essa possibilidade de atuação incorporada ao método

original.

O trabalho de Köng enfatizava métodos para a detecção precoce dos

sinais de desvios no desenvolvimento do controle motor, e o de Quinton, a

8 Atualmente, pelo Tratamento Neuroevolutivo Conceito Bobath, o aspecto empírico na clínica é algo considerado fundamental. A prática clínica envolve o imprevisível que emerge da relação do terapeuta com a família/ bebê-criança/ função /emoção, e esse aspecto deve conduzir o terapeuta.

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intervenção antes do estabelecimento da ação funcional com compensação.

Coube a última interpretar as diferenças no desenvolvimento sensório-motor nos

movimentos típicos e atípicos em bebês e teorizar a respeito, descrevendo a

“competição” entre padrões normais e anormais que estavam sob o risco de

disfunção neuro-motora.

Essa análise de competição de padrões dá aos terapeutas uma

ferramenta para reconhecer os sinais de uma dominação crescente de padrões

atípicos em bebês pré-termos ou muito novos com história de fatores de risco,

mas que não desenvolveram os sinais clássicos de PC e apresentam dificuldades

funcionais. Esse processo também alerta para a necessidade de se iniciar a

intervenção antes que os padrões anormais se tornem tão bem praticados e

dominantes a ponto de impedir o desenvolvimento de um amplo leque de padrões

de movimento. A meu ver, esse é um dos mais fortes motivos para se começar o

atendimento o mais precocemente possível, ou seja, quando o paciente é ainda

bebê.

Posteriormente, o aspecto da precocidade do tratamento foi incorporado

como parte essencial do Curso de Bebês (Baby Courses) no NDT, com referente

publicação entre 1981 e 2002. Mary Quinton forneceu, assim, uma contribuição

expressiva à área de intervenção precoce no manejo dos bebês de risco, sendo

que, posteriormente, também Lois Bly contribuiu nesse sentido.

Lois Bly (1983) identificou e descreveu os componentes do movimento

normal baseando-se nas contribuições de sistemas músculo-esquéleticos

(transferência de peso, controle de extensão antigravitacional, flexão e rotação).

Essa estudiosa concluiu que esses elementos se desenvolvem de forma

sistemática para apoiar os marcos motores e sustentou que é importante para os

terapeutas identificá-los, a fim de avaliar um desenvolvimento típico ou atípico.

Descreveu, então, esses componentes em várias posições (supino, prono,

sentado, ortostatismo), concentrando-se em movimentos no plano sagital, frontal e

transversal e em transferências de uma posição para outra.

De fato, tipicamente, os bebês ativam e alongam seus músculos, movendo-

se em todos os três planos de movimento. Eles brincam com flexão e extensão em

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supino; extensão e flexão em prono; transferência lateral de peso para cada lado

em supino, prono, sentado e em pé; e rotação em volta do eixo do corpo em todas

as posições. Flexão e extensão ocorrem no plano sagital; movimentos laterais,

abdução e adução ocorrem no plano frontal; e rotação ocorre no plano transverso.

A análise detalhada de Bly (1983, 1994, 1999) desses componentes

permite que terapeutas identifiquem elementos atípicos ou ausentes em crianças

com disfunção motora e reforça o conceito dos Bobath, de que a seqüência

neuroevolutiva não é um processo contínuo, no qual um marco é a fundação para

o próximo; ao contrário, esses marcos são a expressão de características

comportamentais adequadas à idade.

Bly nos trouxe uma grande contribuição, pois reorganizou o Modelo Bobath

no Tratamento Neuroevolutivo dos pequenos pacientes com disfunções

neuromotoras, mesclando-o teoricamente com a visão mais atual da Biomecânica

e da Cinesiologia.

Modelo reflexo-hierárquico e os Bobath

Tendo como fundamentação o modelo reflexo-hierárquico, inicialmente os

estudiosos supunham que o PC não havia progredido no desenvolvimento porque

o nível superior do SNC não havia amadurecido para inibir o inferior, e assim

permanecia atrasado ou parado em um nível mais inferior de funcionamento, por

falta de controle inibitório vindo dos centros mais altos.

Em contrapartida, os Bobath propuseram a teoria do mecanismo reflexo

normal e anormal; nela, o reflexo postural seria responsável por mudanças

automáticas na atividade muscular. Além disso, a Sra. Bobath desenvolveu a

técnica de manuseio através de pontos chaves para a inibição postural, sendo que

tinham na aquisição do controle da cabeça um dos fatores do desenvolvimento

físico e mental.

Por meio da sua observação clínica, a Sra Bobath compreendeu que o

padrão de movimento anormal tinha de ser impedido/parado ou inibido para que

um novo padrão pudesse ser facilitado ou desenvolvido. Ela enfatizou que seria

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possível desenvolver mais padrão normal, mas que, primeiramente, seria

necessário ordenar a estrutura músculo-esquelética e o tônus, fornecendo ao

paciente, de imediato, o fundamental, para somente depois ativar o movimento em

direção à função. Para isso, a terapeuta deveria ter conhecimento, plano e

seqüência de tratamento lógico para fornecer o que o paciente precisava e, só

depois, o padrão de movimento poderia ser facilitado.

Como resultado da sua cuidadosa observação e compreensão a respeito

de movimento “voluntário”, a Sra Bobath descreveu que movimentos são

precedidos pelas “modificações posturais”, e, durante cada movimento/habilidade

funcional, a postura seria constantemente ajustada com mudanças automáticas na

atividade muscular e no tônus.

Ela reportou que o ajustamento postural da criança com PC ocorria com

movimento estereotipado e menos fluido que nas crianças normais. Notou, ainda,

diferenças no tônus muscular, associadas com aqueles padrões de postura e de

movimentos estereotipados, e então reconheceu que, por meio de técnica de

manuseio específica, poderia mudar o tônus muscular e o padrão de movimento

do paciente PC, ajudando-o a aprender novo padrão do movimento com o tônus

muscular mais normal.

Para ilustrar o desenvolvimento motor normal e o atípico, os Bobath

faziam descrições práticas e, assim, passavam seus ensinamentos. Por exemplo,

quando o bebê tem cinco a seis semanas de idade e é colocado de barriga para

baixo, ele levanta bem a cabeça, e daí em diante melhora o controle desta9 ; em

torno dos seis meses, ele a levanta e olha em volta. Já adultos, quando estamos

deitados de barriga para baixo e tentamos levantar, o que fazemos é levantar a

cabeça e pôr os braços para baixo, a fim de nos puxarmos para cima. O controle

da cabeça permite, então, que possamos mantê-la adequadamente alinhada com

o pescoço e o corpo; podemos movê-la e girá-la livremente, e os olhos podem ver

o espaço em volta ou um livro seguindo uma linha (Bobath,1980). 9 A idéia de que o controle contra a gravidade começa em prono não é mais aceita. Segundo a visão da Coordenação Motora mais atual, e as idéias de Quinton, como será descrito adiante, começa a partir do “enrolamento” em supino e pelo equilíbrio na ação entre os músculos flexores e os extensores.

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Nessa perspectiva, no estudo do controle motor do bebê normal, o

desenvolvimento do controle da cabeça constituía-se como a base para todos os

movimentos e todas as atividades, fossem movimentos de equilíbrio automáticos

ou voluntários. Ou seja, qualquer que seja o nosso movimento, ajustamos a

posição da cabeça em direção à linha média (LM) do corpo. Os Bobath concluíram

que, no bebê ou criança PC, não somente o controle da cabeça está atrasado e

inadequado, mas também os padrões anormais do corpo provêm da cabeça, do

pescoço e da coluna. O controle desses padrões anormais passou a ser, então, o

foco do tratamento.

A ênfase no tratamento em bebês seria desenvolver o mecanismo

postural reflexo normal, sendo que o elo seriam as reações de equilíbrio e

endireitamento. À medida que fossem trabalhadas e o paciente as adquirisse,

significava que estava inibindo os níveis inferiores.

Perspectivas de tratamento no conceito Bobath Baseados no ponto de vista maturacionista, descrito naquela época por

Gessel e McGraw, e em suas observações clínicas, os Bobath ensinaram que

entender o desenvolvimento do movimento fornece o meio para o reconhecimento

de um padrão de referência para a função motora humana proficiente, tornando

possível a identificação de diferenças individuais, tanto no que diz respeito aos

desvios normais quanto atípicos do comportamento motor.

Como vimos, tanto a Dra. Elsbeth Köng quanto a fisioterapeuta Mary

Quinton se detiveram em importantes reflexões sobre diferenças no

desenvolvimento de movimentos típicos e atípicos e sobre como observar e tratar

bebês por toda a primeira infância em suas aquisições sensório-motoras iniciais e

antes do estabelecimento do movimento, da postura anormal e conseqüente

função com compensação. A partir dessas reflexões, tiveram a oportunidade de

comunicar suas descobertas aos Bobath, e à medida que esses pacientes eram

direcionados a eles, tornou-se claro que usar marcos motores como um modelo de

referência não era o bastante.

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A soma das reflexões tão inovadoras desses quatro profissionais foi na

direção de um tratamento capaz de manter o dinamismo que um bebê

naturalmente apresenta em seus primeiros anos de vida. Ou seja, um bebê

desenvolve muitas habilidades motoras diferentes simultaneamente, praticando

uma grande variedade de combinações de padrões de movimento em diferentes

posições contra a força da gravidade, eventualmente preferindo umas sobre as

outras para executar tarefas motoras (K. Bobath & B. Bobath, 1984; Hadders-

Algra, 2000). À medida que o bebê se torna mais ativo, essas habilidades motoras

se tornam úteis em um número de atividades relacionadas e não apenas em um

marco particular.

Assim, os Bobath defendiam a idéia de que a qualidade de postura e

movimento deveria ser observada e descrita, buscando-se maneiras de

compreender como o indivíduo realiza determinado movimento ou por que não o

realiza, em vez de “aguardar” as mudanças de marcos motores. Com isso, tornou-

se possível diferenciar o desenvolvimento normal do patológico exatamente

durante as primeiras aquisições sensório-motoras, permitindo ao terapeuta intervir

antes que padrões atípicos de coordenação se sedimentassem. A Sra. Bobath não olhava os músculos isoladamente e usava os pontos

chaves no manuseio da criança. Posteriormente Mary Quinton observou os

padrões de desenvolvimento em bebês e contribuiu para a técnica de manuseio

pela compreensão da ação muscular, especificidade que refletiu no manuseio,

facilitando as habilidades funcionais.

Concentrando-se no comportamento progressivo de controle postural

como um alicerce para o controle do movimento do corpo, dentro e pelo ambiente,

e considerando que em circunstâncias normais os músculos trabalham de tal

forma que somos capazes de manter o equilíbrio em todas as atividades,

liberando o uso dos braços para muitas e variadas atividades e só raramente para

a manutenção/apoio de nossas posturas, os Bobath voltaram sua atenção às

reações (que suportam transições) e respostas de equilíbrio (que suportam

alinhamento e equilíbrio), mostrando que este se desenvolve em todos nós, desde

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muito cedo, o que significou uma contribuição crítica para o entendimento do

movimento funcional em crianças e adultos.

Em contrapartida, se o bebê não apresenta um comportamento de

controle progressivo do tronco, busca a estabilidade contra a gravidade fixando as

partes proximais e, posteriormente, as mais distais. Isso, em parte, se dá pelo fato

de o bebê apresentar deficiências sensoriais e motoras. Em conseqüência, não

terá habilidade para organizar atividade muscular contra a gravidade e prover

estabilidade quando houver mudança na localização do centro da massa corporal

em relação à base de suporte - mudança do corpo no espaço em relação à base

de suporte. Desta maneira, a reação de endireitamento e a resposta em equilíbrio,

que permitem o desenvolvimento de habilidades para manter a postura e o

movimento em várias posições contra a gravidade, impedindo o bebê de cair, se

não se desenvolver, irá causar limitações funcionais. Naturalmente, se o bebê ou

a criança não tem controle do tronco, não apresenta adequado controle da

cabeça, nem da visão, nem da alimentação e da fala.

Atualmente, o aspecto da fixação/compensação em bebês e crianças com

disfunção neuromotora é discutido pela teoria dos sistemas, especificamente por

Bernstein (apud Bly 1991, p. 134), que abordou o tema descrevendo graus de

liberdade de movimento.

Técnica de manuseio: perspectiva atual no tratamento neuroevolutivo

A Sra Bobath começou a desenvolver a técnica de manuseio - facilitação

dos movimentos pelos pontos chaves, inicialmente pela cabeça e transferência de

peso - e a pesquisar, nas várias posturas, as que permitiam que as reações de

endireitamento se desencadeassem. Essa técnica de manuseio foi básica para

esse conceito de tratamento voltado para a entrada/aferência e para a

saída/eferência na execução e percepção do movimento funcional. No manuseio,

o estímulo sensorial (táctil e proprioceptivo) ativa os receptores e, então, pela

sensação do corpo, de parte do corpo e/ou do movimento do corpo no espaço, o

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bebê responde pelo motor saída/eferência com controle/modulação da postura e

do movimento pela sensação durante a ação.

A Sra Bobath ressaltava que devíamos estar sensíveis às várias

mudanças de tônus da criança sob as nossas mãos, para que pudéssemos ser

movidos em direção à função ativamente por ela. Concluiu que a experiência

sensorial e perceptiva exercia forte pressão na performance motora, que é a

mudança no comportamento motor que vem de uma variedade de fatores

temporários após a prática.

Hoje, tudo isso é muito bem desenvolvido na teoria da Aprendizagem

Motora, que preconiza a necessidade de um armazenamento de memória, a partir

das sensações dos movimentos/ações (feedback), até se chegar na possibilidade

de uma antecipação do movimento (feedforward).

Os Bobath ensinaram que o “tratamento não deve seguir a seqüência de

desenvolvimento descrita, independente da idade e condição física da criança. Em

vez disso, deve ser decidido o que cada criança precisa com mais urgência em um

determinado estágio ou idade, o que é absolutamente necessário para que

execute futuras habilidades ou melhorar as habilidades que tem, mas executa

incorretamente” (Bobath & Bobath, 1984, p. 11). Eles acreditavam que a

seqüência de desenvolvimento era menos importante do que desenvolver os

componentes para a função/habilidades adequadas à idade e os pré-requisitos

para as funções/ atividades futuras.

Assim, na perspectiva atual do tratamento neuroevolutivo, o terapeuta

pode facilitar o controle postural e a função, pela técnica de manuseio, fornecendo

limite para os movimentos que não vão ao encontro das metas; inibindo ou

contendo aqueles padrões motores que, se praticados, levam a deformidades,

mais compensação, mais limitação funcional e menor participação na sociedade;

facilitando o controle postural e sinergias de movimento que ampliam as opções

do paciente para selecionar ações de sucesso e resultam em progresso funcional.

Assim, por exemplo, uma maneira para desenvolver controle do tronco

(estabilidade, extensão e orientação) e do quadril para a posição vertical é tratar o

bebê estando sentado com apoio e posteriormente em pé, mesmo antes que um

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“marco” do desenvolvimento tenha se sedimentado. Entretanto, é igualmente

importante, quando usa essa estratégia de tratamento, que o clínico tenha atenção

ao alinhamento do paciente e à base de suporte que fornece apoio ao tronco, à

pélvis e/ou ao pé, no decorrer da atividade funcional.

Atualmente o conceito neuroevolutivo apóia-se em terapias funcionais e

considera o bebê um ativo participante no processo de resolução de seus

problemas funcionais. A teoria do controle motor propõe que o terapeuta deve

regular a mudança pela estruturação do ambiente para elicitar movimentos

funcionais desejados, mas acrescenta que isso apenas não é suficiente. Assim,

não compartilha da idéia de que o terapeuta não deve colocar a mão no bebê ou

criança com problemas neuromotores, pois esses pacientes vão usar

compensação, e a possibilidade de beneficiá-los em habilidades motoras e de

maneira fluida seria associar estruturação do ambiente com a estruturação do

movimento; para isso, o manuseio é usado para guiar o processo. O terapeuta

coloca as mãos para possibilitar alinhamento biomecânico e ativar a ação de

sinergias musculares. O manuseio também tem a sua aplicabilidade para facilitar

posturas e movimentos durante a função e é uma parte natural de interação entre

duas pessoas. Dessa maneira, obtemos a conservação da energia e o alcance do

sucesso funcional.

Um bom exemplo de manuseio muito usado em bebê seria colocar as

mãos no abdômen e no gradil costal para ativar essa musculatura e, em

conseqüência, conseguir estabilidade na caixa torácica e um bom controle de

cabeça. Essa mão no abdômen pode também estabilizar a cintura escapular.

Assim, sinergias musculares são ativadas e trabalham porque o bebê está em

atividade e foi atingido o alinhamento biomecânico para que use bem os braços

e/ou possa iniciar a função de alimentação através da sucção e mantenha o bom

controle da cabeça, pois a caixa torácica foi estabilizada com a ação dos músculos

abdominais.

Também em relação aos bebês, a mãe deve ser encorajada a carregá-lo na

posição sentada com apoio, virado de frente para o ambiente - ela passa um dos

seus braços sob as axilas e, com uma mão, traz o braço à frente pelo seu

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manuseio no ombro e/ou cotovelo, enquanto a outra mão posiciona e segura o

quadril e/ou membros inferiores (MMII). Dessa maneira, pela base de suporte

quadril/pélvis, ela fornece estabilidade ao tronco e o alinhamento biomecânico, e o

bebê poderá ter a vivência de explorar o ambiente através da visão, olhando em

torno e/ou tocando a si mesmo ou algo com as próprias mãos. Também deitado

em um plano elevado (e isto pode ser no leito, sobre a perna, na coxa da mãe, ou

sobre uma bola) terá o centro de gravidade deslocado e pode transferir o peso

com estabilidade na cintura escapular para o controle da cabeça e posterior

alcance e o manuseio do brinquedo com uma das mãos, enquanto a outra, junto

com o antebraço, recebe o peso do corpo.

Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado em relação ao desenvolvimento

do controle da cabeça, que deve, no tratamento, ser facilitado em várias posições,

partindo do entendimento e da análise dos componentes músculo-esqueléticos,

neuromuscular e sistemas sensoriais envolvidos na aprendizagem do movimento

e os componentes (alinhamento biomecânico, contole postural e sinergias

motoras) do movimento funcional.

No tratamento, devemos então facilitar e entender o propósito da habilidade

funcional pela interação e a coordenação de várias combinações de postura e de

movimento, incluindo o sistema motor, e não apenas nos limitando a ele, bem

como enfatizar o tratamento em várias posições ao mesmo tempo.

A reação de retificação/endireitamento, e que orienta a posição da cabeça

no espaço e em relação ao corpo, envolveria segmentos do corpo, e a superfície

de suporte, sendo uma adequação do corpo à entrada sensorial. Nos bebês, essa

reação pode ser iniciada como uma resposta vinda do sistema visual, somato-

sensorial (cutâneo, proprioceptivo e receptores das articulações) e sistema

vestibular e do SNC na capacidade de interpretar a importância relativa ao

estímulo vindo dos sistemas.

Um bom exemplo seria no RN, que, após algumas experiências de

amamentação, apresenta a habilidade de fazer pequeno ajuste na posição da

cabeça, combinada ao ajuste da posição da boca no seio materno em relação a

sua cabeça/tronco para iniciar e manter a sucção no seio. As reações de

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endireitamento evoluem para o equilíbrio e possibilitam a habilidade de manter a

postura contra a gravidade em diferentes posições (em RN, a manter a cabeça

alinhada com o tronco, sustentar e movimentar à medida que é manuseado e

carregado contra a gravidade e que tem a possibilidade de responder ao estímulo

com endireitamento, dentro da sua biomecânica).

Ajustamentos posturais ou reações de endireitamento são dependentes do

contexto e da tarefa. As características da tarefa, bem como as mudanças que

acontecem em outros sistemas do corpo, tal como nos sistemas neuromuscular,

músculo-esquelético, cárdio-respiratório, digestivo, sensorial, regulatório,

cognitivo/perceptivo, também influenciam o desenvolvimento motor e o controle do

movimento na função. Naturalmente, o ambiente no qual o bebê está exposto

exerce uma forte e sistemática influência no seu desenvolvimento e no

comportamento de alimentação. Aqui, o ambiente é visto, somente, ainda que não

seja pouco, na perspectiva do desenvolvimento sensório-motor funcional, não

sendo objetivo considerar os elementos da constituição do psiquismo do bebê.

Aqui, o ambiente é compreendido como o contexto em que a ação irá

acontecer ou relacionado às características críticas do elemento – no caso da

alimentação, o seio e/ou mamadeira. Então, observa-se, por exemplo, se o colo da

mãe fornece os elementos para a aprendizagem do mamar no seio ou na

mamadeira. O resultado na aprendizagem é uma organização do movimento como

uma solução individual, com alguma economia de esforço. O ambiente é tido

como o meio que influencia a habilidade de processar informação e retenção para

uma melhor performance funcional individual.

Desta maneira, o ambiente terapêutico estrutura experiências de

aprendizagem motora para evocar resposta ativa do paciente durante as

atividades funcionais em que são praticados controle postural, coordenação e

força. Isso inclui a influência da própria interação física entre o terapeuta e seu

paciente - o bebê - durante a sessão de tratamento. Vimos, portanto, que o Tratamento Neuroevolutivo desenvolvido pelos

Bobath conduz a um tônus postural normalizado e à melhora na qualidade e no

controle do movimento, acompanhando o mais próximo a seqüência do

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desenvolvimento normal. Isso foi alcançado usando a inibição do padrão reflexo

anormal pela técnica de manuseio através dos pontos chaves. A técnica de

manuseio/sensorial (através do sistema sensórias- tactil,proprioceptivo, vestibular

e visual) foi designada para eliciar ativamente movimentos automáticos da criança

e desenvolver elementos do mecanismo reflexo postural normal. O

comportamento motor funcional do paciente pode ser também

modificado/especificado durante o movimento/atividade funcional pela aplicação

da técnica de estimulação sensorial, especialmente por meio (do caminho) da

aferência proprioceptiva e, portanto, não é necessário, a princípio, que a criança

coopere pelo nível cognitivo.

Assim, os Bobath (apud Lunnen,1999) declararam: “esse é o aspecto do

tratamento que faz que seja um bom método para as crianças que tenham

inteligência subnormal e não cooperativas”.

A técnica de manuseio é, pois, uma ferramenta essencial no tratamento e

permite que o terapeuta sinta a mudança na postura, no movimento e na função.

Esses são aspectos que viabilizaram e orientam o tratamento com bebês de alto

risco em UTIPs.

E, embora não fizessem qualquer menção à constituição (psíquica) do

sujeito na relação com seu primeiro cuidador - a mãe -, os Bobath montaram uma

estratégia de tratamento que visava colocar os pais da criança em cena, embora,

a meu ver, ainda de uma maneira muito “endereçada à funcionalidade”. Isso

também ocorria com a maioria de seus seguidores, e continua até os dias de hoje;

ou seja, o trabalho me parece eminentemente calcado na técnica e no

desenvolvimento normal e anormal, sendo que a estratégia de tratamento pode,

em casos extremos, mas não pouco freqüentes, colocar a mãe como mais uma

profissional preocupada com o funcionamento do bebê, valorizando as questões

neuromotoras, distanciando-se de suas possibilidades de constituir-se mãe, o que

é fundamental tanto para ela como para seu bebê.

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O conceito Bobath na Fonoaudiologia Na época em que a Sra. Bobath propôs uma nova maneira de atender os

pacientes com PC, a Fonoaudiologia clínica que se dedica às disfunções

neuromotoras tratava os problemas de alimentação, fala e linguagem quando as

dificuldades já estavam instaladas. Coube a Helen Mueller, fonoaudióloga suíça que trabalhou com o casal

Bobath, inaugurar e desenvolver a estrutura do tratamento fonoaudiológico dentro

desse conceito e viabilizar a intervenção em bebês. Contribuiu, dessa maneira,

com a abordagem e os princípios da intervenção precoce fonoaudiológica,

minimizando o impacto da lesão no desenvolvimento da função motora oral, na

alimentação e na fala.

Miss Mueller ministrou aulas em muitas partes da Europa e dos Estados

Unidos sobre pré-fala10 e problemas associados à alimentação. Ocupou o posto

de Consultora de Fonoaudiologia na Alemanha e na Áustria. Lecionou na

Universidade de Zürich e Friborg e nas Clínicas de Crianças da Universidade em

Berna, Munich, Innsbruch e Viena. Na década de 70, trabalhou por muitos anos

com a fisioterapeuta Mary Quinton, no serviço de follow- up dos bebês de alto

risco e em UTIP, com equipe multiprofissional.

Inicialmente, Miss Mueller ressaltou que, desde o nascimento e através dos

primeiros anos de vida, a alimentação apresenta problemas para a maioria das

crianças PC. Enfatizou a importância da maneira adequada de ministrar o

alimento, pois via a alimentação como parte do desenvolvimento físico, emocional,

social e da saúde dentária. Ou seja, “um bom padrão de alimentação era essencial

para a futura fala” (Mueller, 1980, p.131), pois o mesmo aparato que serve à fala

serve antes à alimentação e à respiração.

Então, para Mueller (op. cit.), a maneira de alimentar o bebê PC, isto é,

facilitando a experiência sensório-motora normal, já estaria configurando,

10 Terminologia usada por ela para delimitar o período e os estágios de desenvolvimento da fala, caracterizando-se por um processo organizado e que pressupõe integridade e nível de amadurecimento dos elementos que compõem a atividade.

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organizando o aparato fonador e respiratório para a fala, pensada em seus

aspectos motores.

Embora não explicite claramente, a autora parece fazer uma clara diferença

entre alimentação e fala (em seus aspectos motores) e linguagem, como se

aspectos lingüísticos fossem mais uma parte das tarefas de desenvolvimento e

facilitada pela mãe no contato íntimo com o seu bebê. Nessa perspectiva, caberia

a mãe ajudá-lo a construir “uma linguagem interna” e “essa sendo essencial para o

desenvolvimento da futura fala” ( Muller, 1980, p. 163) . A mãe é tida aqui como o

modelo para que o bebê integre a linguagem pela recepção e para que, depois,

possa emiti-la por meio da fala.

Originalmente fundamentada no neurodesenvolvimento normal, Miss

Mueller fez as suas observações e a análise dos problemas na alimentação do

bebê e da criança PC, buscando maneiras de compreender como reagiam diante

das suas limitações e também de que maneira a mãe solucionava os seus

problemas. Com isso, pôde trazer uma enorme contribuição à área, descrevendo

os desvios no comportamento de alimentação dessa população.

Buscando a resolução dos problemas neuromotores funcionais orais, Miss

Mueller baseou-se nos princípios metodológicos do conceito Bobath e

desenvolveu, em sua clínica, o tratamento específico oral, descrevendo a “terapia

de alimentação”, que consiste no manuseio/posicionamento do bebê, preparo do

alimento (consistência, sabor, densidade, temperatura), uso do seio e/ou dos

utensílios na alimentação (mamadeira, colher, copo, garfo, bem como o uso das

mãos na auto-alimentação).

Essas técnicas são conhecidas como: técnica de “tratamento digital” e do

“controle motor oral”11 em bebês e crianças maiores. A técnica do “controle oral” é

11 Aqui no Brasil, as técnicas do “controle oral” e de “tratamento digital” eram conhecidas somente pela descrição na literatura. Somente a partir de 93 que as terapeutas com formação neste conceito tiveram a oportunidade de aprender corretamente a técnica com a fonoaudióloga instrutora-senior do TND Rina Van der Walter, que foi assistente de Miss Mueller e pôde, em reciclagens e cursos avançados em Fonoaudiologia, passar a estrutura da técnica, treino e aplicação. Depois, em 94, tivemos a oportunidade de conhecer Miss Mueller na Argentina, em um curso “Avançado” para fonoaudiólogas de reciclagem em Problemas de Alimentação e Técnicas de Manuseios; posteriormente, ela também esteve no Brasil com o mesmo curso de Buenos Aires. Foi nesse curso que algumas de nós, fonoaudiólogas Bobath, pudemos integrar as leituras feitas dos textos de Mueller no Brasil com sua visão mais atual e, ainda, com a visão mais atual do Método

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feita através dos pontos chaves e tem como objetivo facilitar o controle motor oral,

visando o adequado alinhamento biomecânico/ músculo-esquelético da articulação

têmporo-mandibular e do complexo hióide. Quando usada durante a alimentação,

a sua aplicabilidade é para inibir possíveis reflexos patológicos, facilitar a

deglutição, propiciar alongamento do pescoço, ativar a sua flexão durante a

deglutição, manter a mandíbula alinhada e graduar a quantidade e qualidade do

movimento dos lábios, mandíbula e língua. A técnica de “tratamento digital” é

usada para normalizar o tônus da face e dos componentes orais para a

alimentação, adequar a sensibilidade da face e da região intra-oral (gengiva e

língua), aumentar ou diminuir a mobilidade dos componentes da estrutura oral e

facilitar o movimento durante a alimentação, organizando e facilitando a

dissociação deles. O tratamento conduz, assim, à especificação dos movimentos orais e ao

adequado movimento da deglutição durante a alimentação, sendo que, à medida

que o bebê e/ou criança melhora o seu controle interno motor oral

(estabilidade/mobilidade), pode-se modular, no manuseio, a aplicação da técnica

de tratamento oral, bem como a facilitação do controle motor global que será

conduzido para a diminuição e/ou retirada12.

É importante destacar que Miss Mueller foi precursora no uso de

adaptações nos utensílios (bico, colher, copo, canudo, escova, entre outros) para

facilitar a resposta funcional oral, promovendo “input” - entrada sensorial oral -, o

que incrementou a permanência de estabilidade por todo o corpo, principalmente

no tronco e na pélvis.

Bobath. Aos poucos, essas mesmas profissionais foram integrando o conceito atual do Bobath pelas visões de Mueller, Van Der Walter e Bly em reciclagens diversas feitas a partir de 1993 em Belo Horizonte.

12 Acredito ser importante sinalizar que, quando discorro somente sobre as questões específicas do desenvolvimento sensório-motor oral, estou pressupondo que o leitor sabe que está embutido nessa especificidade oral todo um controle e uma compreensão dos aspectos sensório-motores globais. Tem sido assim nas reciclagens Bobath específicas aos aspectos fonoaudiológicos - as instrutoras já partem do princípio de que cada fonoaudióloga será capaz de “organizar” globalmente seu paciente durante o curso, para que, a partir daí, possa trabalhar com os ensinamentos atualizados nas reciclagens.

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Com as suas observações, Miss Mueller pôde descrever como a mãe e/ou

cuidador poderia reforçar no bebê o seu padrão patológico, o seu desenvolvimento

com compensações e como essa situação poderia ser tornar circular/viciosa,

reforçando os desvios, a patologia, a permanência em um nível mais baixo de

desenvolvimento do SNC. Formulou que, no tratamento, o padrão de movimento

patológico oral deveria ser inibido, e o adequado movimento funcional facilitado,

tendo como parâmetro o desenvolvimento sensório –motor oral normal.

Assim, “os estágios de desenvolvimento da alimentação de uma criança

normal facilitam a comparação com os estágios numa criança PC”. Como

exemplo, a autora cita que “durante os primeiros meses de vida o bebê toma o

alimento pelo que é conhecido como reflexo de sucção-deglutição”. Porém, em

muitas crianças PC ele é insuficiente para alimentação, o que pode representar

uma real dificuldade para elas e suas mães: as primeiras porque podem ficar

tensas, chorar ou ainda ficar sonolentas; enquanto as mães, que buscam a

resolução da dificuldade, podem aumentar equivocadamente o furo do bico da

mamadeira, inclinar a cabeça da criança para trás e deixar o líquido escorrer: “é

uma alimentação passiva e, conquanto ela ajude o alimento a descer, geralmente

causa engasgos e, seguramente, nada ajuda para desenvolver melhor

funcionamento da boca” (Mueller,1980, p.132) .

Mas como podemos ajudar essas crianças? Segundo Miss Mueller, pela

observação cuidadosa e análise das incapacidades e habilidades que apresentam.

Reforçava, então, a importância de se conhecer os maiores problemas para a

alimentação do bebê e da criança PC, citando, entre outros: falta do controle oral,

da cabeça e do tronco; falta de equilíbrio para sentar; inabilidade para flexionar o

quadril, agarrar com as mãos e manter posição dos braços e, finalmente,

inabilidade de levar as mãos à boca e falta de coordenação olho-mão. As

aquisições, como o equilíbrio do tronco, a estabilidade interna e o controle da

cabeça, seriam aspectos do controle motor global, porém, componentes básicos

para a progressão nas aquisições das habilidades motoras funcionais orais. Nessa

perspectiva, haveria, então, correlação entre o aspecto global e o funcional oral.

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É, pois, essencial no tratamento o controle de “toda” a criança, sendo que a

abordagem fonoaudiológica pela técnica do manuseio tem de dar conta dos

aspectos que interferem no controle global da postura/movimento contra a

gravidade, antes, no preparo para a alimentação e durante esta. “Só devemos

esperar melhora nas habilidades de alimentação da criança se a tivermos ajudado

a adquirir aptidões fundamentais que tornarão possível alimentar-se sozinha - e

isso inclui a habilidade de mover a cabeça, a mandíbula, os lábios e a língua

independentemente do corpo e da mão, tendo também um bom equilíbrio para

sentar” (Mueller, 1980, p133).

A partir do raciocínio dessa profissional, podemos constatar na prática

clínica fonoaudiológica que o desenvolvimento motor ocorre em duas direções -

tanto do global para o oral, quanto do oral para o global. Isto porque, inicialmente, o controle motor global constitui a área de suporte para o processo de

alimentação, base para a possibilidade de refinamento oral; e o motor oral (inclui a

habilidade mão-boca) é a base para a possibilidade da integração do corpo como

unidade funcional, neste primeiro momento quando bebê. Toda função é

dependente das habilidades e as habilidades são apreendidas na função.

Miss Mueller reforça, ainda, a importância do contato íntimo entre os pais e

o bebê ou criança PC (apesar de nunca ter falado nada a respeito da constituição

subjetiva e, nem pretendeu falar disso, mas cabe-me pontuar) e orienta o uso dos

princípios básicos do manuseio para facilitar o controle motor e a aproximação

durante uma atividade lúdica, contato olho a olho e para que a criança possa usar

outros sentidos para a fala e o desenvolvimento da sua linguagem.

Podemos supor que a autora contempla a qualidade da relação familiar com

o bebê como facilitadora ou não do potencial de habilidades do desenvolvimento.

Apesar de não se aprofundar no tema, sinaliza que compreende a linguagem

como mais uma parte do desenvolvimento, relaciona a importância do ambiente

familiar em termos de facilitador desse desenvolvimento, propiciando experiência

positiva para as habilidades envolvidas na comunicação. Ressalta a importância

do contato pessoal, dizendo que este não pode ser substituído pelo contato

técnico. O bebê estaria primeiro armazenando conhecimento e, desta maneira,

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inicialmente a sua compreensão da linguagem é bem maior que a sua capacidade

de expressão verbal.

Como vimos, a concepção de fala de Mueller só contempla os aspectos

sensório-motores, sendo que a linguagem é entendida como parte do

desenvolvimento e não como uma aquisição ligada à constituição do sujeito e,

portanto, indissociada da relação mãe/bebê.

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2. BASES TEÓRICAS PARA O ATENDIMENTO FONOAUDIOLÓGICO EM UTIPs

Estrutura teórica para a intervenção no neuropsicodesenvolvimento em UTIP

A abordagem do Tratamento Neuroevolutivo, com predomínio da

avaliação neurofisiológica e enfoque no estudo do desenvolvimento (do tônus, dos

reflexos, da capacidade funcional e do comportamento de alimentação) intra-útero

em RN pré-termo e no RN a termo, incluindo o desenvolvimento sensório-motor

(típico e atípico) e a integração sensorial, serviu de modelo-guia para a

implantação dos princípios e do método de intervenção e tratamento

fonoaudiológico em UTIP, junto aos bebês de alto risco e seus famiiares.

O tratamento se centra no fato de que o desenvolvimento sensório-motor

é um processo individual único e, portanto, deve ir ao encontro das necessidades

e dos problemas específicos de cada bebê. Als (1986), com sua teoria síncrono-

ativa - modelo guia para a intervenção em bebês de risco (pré-termo e a termo)

em UTIP, colaborou grandemente com esse aspecto.

Fundamentação da teoria síncrono-ativa

Esse modelo orienta o entendimento da relação entre o comportamento

de sucção e maturação neurocomportamental. Compreende que o RN normal a

termo apresenta estabilidade fisiológica e uma interação harmoniosa entre os seus

subsistemas, e isto é que permite uma interação estável com ele mesmo e com o

meio. Tem ainda como filosofia o cuidado individualizado para o desenvolvimento

neonatal e propõe um programa para sua aplicação clínica pela equipe de UTIP.

O modelo estruturado parte dos estudos feitos por numerosos

pesquisadores sobre a capacidade funcional, a adaptação do recém-nascido e a

interação mãe-bebê e de uma questão central definida, a homeostase, que

caracteriza esse período do desenvolvimento, os primeiros três meses de vida.

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Homeostase Ao bebê a termo normal é designada uma primeira tarefa, a homeostase

(Lebovici,1983; Morris e Klein, 2000). Assim, o bebê adquire os mecanismos de

regulação que lhe permitirão estabelecer seus ritmos de alimentação, de eliminar,

de organizar os seus estados, de aprender os mecanismos que lhe permitem

manter um estado isento de tensões, apesar das estimulações exteriores

excessivas que o atingem ocasionalmente.

Etimologicamente, homeostase significa conservação do mesmo estado e

então, para o organismo, significa o trabalho fisiológico basal que ele desenvolve,

caracterizado por certas constantes: respiratórias, cardiovasculares, metabólicas,

etc, para, assim, conservar o equilíbrio. O dicionário Aurélio define: estado de

equilíbrio do organismo vivo em relação as suas várias funções e à composição

química de seus vários fluidos e tecidos.

Para Brazelton (1980), a homeostase começa pelo domínio vegetativo,

em segundo lugar pela regulação dos movimentos corporais e, em terceiro, pela

regulação dos estados de vigilância. O bebê com maturidade deve desenvolver a

sua capacidade de se acalmar e de se apaziguar por si mesmo, e de ser

consolado pela sua mãe e/ou cuidador. Por fim, vem a capacidade de regular o

seu nível de atenção para com as pessoas e objetos que o circundam.

Para Lebovici (1983, p. 99) “a homeostase é atingida graças a duas

influências conjugadas e interativas, as capacidades homeostáticas intrínsecas do

bebê e a ajuda e a organização conferidas pela mãe”.

O bebê teria a capacidade de tender ao estado de equilíbrio/homeostase.

Usa para isso de estratégias de auto-regulação que podem ser, por exemplo: levar

os dedos à boca; pôr-se a sugar sem ter nada na boca; mudar de posição com

movimentos suaves e trazer os membros (braços e pernas) em direção à linha

média, fixar o olhar e/ou a audição. Estando alerta durante a amamentação e no

processo, o interesse e atenção do bebê pelos objetos e pelas pessoas vai

crescendo e ele pode, espontaneamente, se auto-consolar/apaziguar.

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Os pais fornecem a sua contribuição, pois cabe a eles interpretar as

necessidades do seu bebê e atendê-las, facilitando que atinja e restabeleça o

estado de equilíbrio/homeostase, sendo esse o caminho para que regule os seus

estados (Morris e Klein, 2000). Já podemos notar as primeiras aproximações

formais entre os problemas do desenvolvimento e a relação mãe/bebê do ponto de

vista da constituição. De fato, é importante ressaltar a possibilidade de uma mãe

interpretar as necessidades do seu bebê, já que ela tem que estar numa sintonia

com ele para poder, além de interpretar suas necessidades, supri-las.

Segundo Brazelton (1987 p. 30 ), a capacidade de empregar o estado de

vigilância reflete o potencial de organização do bebê.

Por exemplo, a mãe pode prolongar o estado calmo e atento do bebê,

pelo prazer que encontra em contemplar a face deste. O envolvimento da mãe é

visto no manuseio, ao modular o seu colo e as suas mãos para fornecer um bom

suporte ao corpo do bebê enquanto cuida dele. Da parte do bebê, ele pode

responder a esses cuidados maternos de acordo com os padrões de seus estados

de consciência (sono-vigília), demonstrando auto-organização na sua capacidade

de se tranqüilizar, manter-se alerta e expor-se a mais estimulação/contato.

Especificamente com relação à alimentação, a mãe vai estar envolvida em

adaptar-se ao estilo de alimentação e a combinar as necessidades do seu bebê13.

13 Gostaria de ressaltar que esses autores, embora não estivessem abordando, necessariamente, os bebês com transtornos neuro-motores, já começavam a se referir à mãe que está em condições de ter uma sincronia com seu bebê e, portanto, podendo dele cuidar, atendendo suas necessidades.

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Teoria Síncrono-ativa de Als (1986) E no caso dos bebês pré-termo em UTIP, fisiologicamente instáveis, como

poderiam atingir o desenvolvimento funcional, um nível de atenção e uma

interação sincrônica com a sua mãe?

• Princípios

Os caminhos são delineados para observar e compreender o

desenvolvimento individual funcional do bebê.

As capacidades do sistema autônomo, motor, organização dos estados,

atenção e interação e regulador do neonato são observados a olho nu, via

comportamento, podendo identificar onde se encontra o limiar do bebê em relação

ao estresse.

Os subsistemas identificados independentemente desenvolvem-se

seqüencialmente e são interdependentes. Conseqüentemente, o comportamento

em um subsistema causa impacto no desenvolvimento dos outros. Então, a

instabilidade em um subsistema, como no autônomo/fisiológico, por exemplo,

quando está lutando para manter a homeostase no sistema cárdio-respiratório,

afeta a possibilidade de o bebê usufruir o estado de alerta calmo, de sugar, de

fazer mudança postural. Deste modo, a falta de estabilidade no sistema fisiológico,

que é o primeiro a aparecer, interfere na emergência e no desenvolvimento dos

outros sistemas (comportamento motor, organização dos estados e dos

comportamentos de atenção/interação).

O outro princípio citado é que o bebê esforça-se para conservar o

equilíbrio entre os subsistemas por intermédio do comportamento de

aproximação/engajamento social ou retraimento/estresse em resposta ao

estímulo.

Entremeado com o comportamento do bebê, os vários estados de

vigilância, que dentro do repertório do bebê comunica a sua disponibilidade para

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interagir com o meio, ou volta-se para si mesmo ou se encontra em um estado de

passagem variável (Lebovici, 1983 p.95).

O aumento da capacidade de auto-regulação e de auto-diferenciação

entre os cinco subsistemas apresentados pode ser identificado pelas estratégias

usadas na auto-regulação e pela evolução do comportamento do bebê nos cinco

sistemas. Naturalmente, o comportamento de estabilidade e de adaptação seria

observado quando o bebê vai bem. Um bom momento para observarmos isso

seria na alimentação – entretanto se o bebê apresenta sinais de estresse ou

recusa o alimento pode ser presumida uma disfunção em algum componente de

alimentação.

• O sistema regulatório

Quanto ao sistema regulatório, podemos dizer que, hierarquicamente, ele é

o topo, sendo que o uso dele consiste das estratégias do sistema fisiológico, do

motor, dos estados e do comportamento usadas pelo neonato para manter e/ou

retornar o equilíbrio dentro dos sistemas; permite assim um sincronismo entre os

subsistemas; também pode envolver o tipo e a quantidade de facilitação que o

bebê necessita receber do meio.

Podemos perguntar: se o neonato não é capaz de usar o sistema

regulatório, o que podemos fazer? Ele precisa ser observado, e o meio ambiente

deve fornecer condições para ajudá-lo a retornar ao equilíbrio. Mas como

organizar o ambiente para que ele se organize? Isso pode ser feito pelo

posicionamento, controlando-se a luminosidade e os sons excessivos, experiência

de sucção, interação sensorial prazerosa e organizadora - todos os aspectos

conduzem a uma atenção e a cuidados individualizados, o que promove um

profundo relacionamento entre o cuidador e o bebê (incluindo-se os pais).

Als (1986) e outros autores documentaram o comportamento do bebê e

puderam descrever sinais indicadores de estresse ou estabilidade. Terapeutas do

Tratamento Neuroevolutivo têm sido hábeis para reconhecer esses sinais e

modificar o tratamento em resposta a eles. As publicações na área e o Programa

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de Avaliação e Cuidados Individualizados para o Desenvolvimento do Neonato

(Als, 1984) orientam que os pais, encorajados pela equipe de UTIP, devem poder

reconhecer as apropriadas respostas dos bebês. Desta maneira, sensibilizados,

podem identificar a real disponibilidade de “energia” do bebê para o procedimento

de acordo com o seu funcionamento homeostático.

A equipe busca alcançar, assim, os objetivos do programa, que são:

minimizar o estresse, otimizar o desenvolvimento e melhorar a relação pais-bebê.

Esses estudos contribuíram para demonstrar as capacidades e

competências do recém-nascido mesmo quando em UTPs e se tornam

parâmetros para promoção de uma melhor qualidade de vida deste junto a sua

família. Conduzem a prática clínica pela compreensão da dinâmica relação entre o

cuidador e o bebê (já que estão em ambiente de UTIP- a equipe e a família) e,

pelo comportamento deste, as suas necessidades são evidenciadas.

Nesta perspectiva, o enfoque está na sintonia entre o bebê e seu cuidador

e em facilitar que a mãe possa a ele se vincular e dele cuidar, de maneira que o

bebê atinja a homeostase e estabeleça ritmos regulares de alimentação, de

sono/vigília, demonstre a capacidade de auto-regulação, de ser consolado e de

interação social. Como se verá a seguir, nesse período precoce, essas primeiras

experiências são muito importantes, pois, a partir delas, o bebê “desenvolverá a

córtex límbica órbito-frontal direita, sede da expressão e da regulação da emoção”

(Cunha, 2002, p. 382).

O poder das experiências precoces e o papel das emoções no neurodesenvolvimento

Para nós, fonoaudiólogos que atuamos na clínica dos bebês, os estudos

das bases biológicas e neurocientíficas são fundamentais para compreendermos

de que maneira os dados clínicos com que lidamos se inter-relacionam na

situação precoce da vida do bebê e na vida fetal e se manifestam como expressão

orgânica e psíquica.

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Os neurocientistas têm demonstrado em seus estudos recentes que a

experiência inicial e as condições ambientais influenciam o desenvolvimento e o

crescimento do cérebro. Esses profissionais salientam que “a interação com o

ambiente não é, simplesmente, uma característica interessante no

desenvolvimento cerebral; é um requisito absoluto. É construído no processo de

desenvolvimento, começando na concepção” (Shore R, 2000, p. 48).

Busnel (2003), psicóloga-psicanalista, em suas investigações científicas

tem apontado como essas experiências sensoriais e emocionais ficam registradas

sob forma de memória no feto, ou no bebê, permanecendo por toda a vida.

Cunha (2004, p.104), pediatra especializada em neonatologia, afirma que

“tanto os bebês prematuros ou nascidos doentes, acompanhados em consultório,

obrigam os profissionais a prestar mais atenção às primeiras experiências como

um dos fatores determinantes de distúrbios no comportamento”.

A autora relata suas inquietações relativas às questões vinculares

vivenciadas, em ambiente de UTIN, pelas mães e seus bebês e sobre o

desenvolvimento pregresso destes. Em seus estudos, buscou aprofundar a

compreensão dos prematuros organicamente intactos, visto que estes, segundo

as análises estatísticas e os dados da bibliografia, apresentam uma série de

desvios no desenvolvimento neuro sensorial e psico-afetivo, tais como dificuldades

específicas de aprendizagem, hiperatividade, problemas na compreensão da

linguagem, baixo limiar de fatigabilidade, vunerabilidade emocional e física, pouca

capacidade de auto-regulação, baixa auto-estima, limitação no desempenho

escolar, rigidez emocional, maior incidência de uso de drogas e gestações

precoces, entre outras dificuldades.

Nessa perspectiva, a autora trouxe enorme contribuição, pois seus

estudos relatam o que os neurocientistas descobriram a respeito do cérebro,

sendo que, à luz desses novos conhecimentos, podemos repensar a prática

clínica em UTIN.

Outros estudos também procuram entender como o que ocorre na

estrutura diádica vincular mãe/bebê age na “montagem” ou “circuito” e na

organização da complexa rede do cérebro, inclusive já considerando um

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psiquismo pré-natal. Sendo assim, é fundamental considerar a influência do meio

no cérebro humano totalmente imaturo, em que as estruturas ainda estão se

formando.

Afinal, o cérebro é o único órgão do corpo que se auto-esculpe a partir

das experiências, as quais, através das sinapses, vão ficando como memória

dentro do cérebro e, também, vão produzindo outras. Nessa medida, as primeiras

experiências do bebê são muito importantes, pois vão servir de base para

categorizar outras.

De fato, segundo Cunha (2002, p.371), “o cérebro se desenvolve por

etapas hierarquizadas, as primeiras servem de ‘degrau’ para a aquisição de outras

mais sofisticadas”; sendo assim, cada etapa é uma preparação para a outra.

O período que vai do nascimento até os três meses de vida é considerado

crítico para o desenvolvimento cerebral. É nele que ocorre o estabelecimento da

homeostase e também de conquistas cognitivas. A mãe deve poder identificar as

necessidades do seu bebê e facilitar a sua adaptação na vida extra-útero, pois os

comportamentos que se estabelecem nessas primeiras interações são os que se

fixam na mente. Assim, a experiência adequada vivida pelo bebê é o que estimula

a maturidade de um local específico do córtex, e o que se vê é a habilidade de

auto-regulação do afeto, sendo que “isso vai propiciar existir um tipo de

consciência que só o ser humano tem – é a consciência do self”(Soussumi, 2003,

p.52), ou de si mesmo e, com isso, a manifestação de qualidades eminentemente

humanas, tais como a simbolização, a linguagem e a palavra.

Segundo Ferraz (2003, p.23), “no campo da neurociência, trabalhos

demonstram que uma ligação forte e segura com os pais parece ter uma função

biológica protetora, ficando a criança resguardada dos efeitos adversos do

estresse”.

Isso ocorre porque algumas crianças parecem suportar o estresse melhor

do que outras, bem como minimizar seus efeitos, mesmo quando o nível de

cortisol se apresenta elevado na saliva (Shore R, 2000).

A tarefa essencial do primeiro ano de vida humana é, pois, a criação de

uma ligação emocional segura, com o estabelecimento de uma comunicação entre

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o bebê e o seu cuidador/mãe. Para tanto, a mãe tem de estar atenta às

necessidades do bebê, isto é, estar disponível para corresponder à sua dinâmica,

estando sensível aos seus estados e às respostas autonômicas surgidas.

Segundo Shore A (2002, p.10): ”A ligação na relação é mediada na

díade/unidade pela regulação da emoção, na qual a mãe no pós-natal co-regula o

desenvolvimento do sistema nervoso autônomo do bebê. Também conhecido

como sistema nervoso vegetativo, do latim, vegetare, animar e trazer à vida”. A

relação da mãe com o bebê e deste com ela é, pois, sensorial, sendo que existem

sinais que mostram isso.

A experiência de ligação segura influencia diretamente na maturação pós-

natal, tanto do sistema nervoso central (SNC) como do sistema límbico, que

processa e regula o emocional-social, e também do sistema nervoso autônomo

(SNA), que gera aspectos somáticos da emoção.

Ambos - SNC e SNA - continuam o desenvolvimento no período pós

natal, sendo que a reunião deles no circuito límbico-autonômico é diretamente

influenciada pela relação de ligação. Deste modo, no desenvolvimento do bebê, a

capacidade de internalizar a regulação se dá na relação com a mãe.

De fato, Bowlby (1978, apud Shore A, 2002, p.11) já havia sugerido que a

mãe dá forma ao estresse do bebê.

Recentemente, Shore A (2002) publicou um artigo de revisão bibliográfica

que tem como tema central a desordem causada pelo estresse pós-traumático.

Segundo o autor, os traumas que ocorreram no momento precoce da vida vão

repercutir no padrão maturacional do circuito neural do sistema de estresse do

bebê. Os estudos complementares indicam que o estresse pré ou pós-natal tem

um impacto negativo na saúde mental futura, especialmente quando os cuidados

maternos estão ausentes.

Tal trabalho é derivado da união de teorias que têm interesse não só na

etiologia do desenvolvimento normal, mas do anormal também. Na aplicação

dessa teoria, se dá a compreensão da ligação entre estresse e psicopatologias.

Bowlby (1978, apud Shore A, 2002, p.4) propõe que, no campo da

etiologia e psicopatologia, da teoria da ligação/attachment, o estresse pré ou pós-

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natal pode ser usado para delimitar as hipóteses que relatam diferentes

experiências para diferentes formas de desordens psiquiátricas e, também,

possivelmente, para mudanças neuropsicológicas que as acompanham.

Quando adultos, esses indivíduos que passaram por estresse nos

vínculos precoces apresentam comportamento violento e se colocam em situação

de tensão. Nessa perspectiva, evidências das alterações estruturais que ocorrem

no cérebro já podem ser visualizadas por imagem, demonstrando que esses

indivíduos têm uma atividade no lóbulo pré-frontal extremamente empobrecida

(Soussumi, 2003; Shore A, 2002).

Também já existem estudos comprovando que experiências de

ligação/attachment - afeto, união, vínculo - nos primeiros dois anos de vida

influenciam diretamente a experiência da maturação do hemisfério direito, que tem

como papel essencial a resposta humana ao estresse. A concepção

neuropsicobiológica desse trauma induzido no hemisfério direito resulta em uma

diminuição da sensitividade para lidar com os efeitos dos estresses na vida e uma

vunerabilidade individual relacionada a desordens psiquiátricas. Essa

desregularão afetiva é vista como o mecanismo fundamental das desordens

psiquiátricas (Shore A, 2002).

Nessa medida, considera-se, hoje, que as experiências traumatizantes

com o cuidador têm impacto negativo na modulação/ regulação de estratégias

para controle do estresse e na percepção do self- do eu: “Embora esse trauma

severo tenha sua origem na interpessoalidade, não se pode desconsiderar os

fatores genéticos, constitucionais, sociais e, também, a resistência individual” (

DeBellis e cols. apud Shore A, 2002, p.5).

De qualquer forma, é possível concluir que se o estresse vivido pelo

recém-nascido for prolongado, crônico, associado a um longo período com padrão

de reações autonômicas é expressado por “uma mudança estrutural neuronal,

envolvendo atrofia que tem o poder de levar a um permanente prejuízo, incluindo

perda neuronal” (McEwen apud Shore A, 2002, p.5).

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Uma história do estresse relacional precoce é especificamente impressa

no cérebro direito, que é dominante para a autobiografia e para a memória

pessoal.

Considerando que este trabalho aborda prematuros que, pela própria

condição da UTIP, são precocemente separados de suas mães, que ficam então

impossibilitadas de “recebê-los com o corpo”, é fundamental pensarmos em

maneiras eficazes de cuidar do vínculo mãe-bebê. Como se verá no capítulo

dedicado a Winnicott, de fato, o autor já chamava a atenção para a íntima relação

entre os cuidados da mãe e a saúde mental da criança.

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3. BEBÊS DE ALTO RISCO, PROBLEMAS DE ALIMENTAÇÃO E O TRATAMENTO FONOAUDIOLÓGICO NA UTIP

A problematização de questões relacionadas com o desenvolvimento dos

bebês de alto risco e com o ambiente de UTIPs, bem como a identificação e

descrição dos fatores que determinam risco para desvios no comportamento

neurosensório psicomotor e para o estabelecimento da função oral/alimentação

conduziram à implantação de rotinas e à aplicação de protocolos de conduta de

tratamento que são elaborados e estruturados a partir da compreensão dos

aspectos específicos que envolvem essa prática clinica. Nessa perspectiva, são

priorizadas a detecção e conduta terapêutica para minimizar e/ou prevenir

limitações funcionais que emergem como compensações dos movimentos

funcionais iniciados desorganizadamente (Sheahan e Brockway, 1994).

O atendimento em ambiente hospitalar requer que o fonoaudiólogo tenha

uma boa compreensão do neonato de alto risco e dos problemas médicos que

envolvem sua patologia. A habilidade para avaliar minuciosamente a condição

fisiológica e interpretar o comportamento é crucial para o sucesso na

implementação de intervenções para o desenvolvimento sensório-motor e da

função alimentação.

Para apresentar essa abordagem de tratamento fonoaudiológico global

em bebê pré-termo com problemas de alimentação, penso ser fundamental

descrever e caracterizar alguns aspectos estruturais que exercem profunda

influência nesse período inicial e que compõem a funcionalidade oral típica desse

paciente. Para tal, é necessário conhecer a estrutura teórica que nos fornece

informações relevantes da anatomia e fisiologia para a alimentação, a capacidade

funcional do RN a termo normal nos vários sistemas que participam dessa função

e o impacto do nascimento pré-termo nesses vários sistemas e nos componentes

do mecanismo sucção, deglutição, respiração.

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Comportamento oral intra-útero

É importante conhecermos as características do comportamento oral

intra-útero para que possamos identificá-las, compreendê-las e compará-las

com as características do bebê pré-termo. O bebê a termo pôde permanecer no útero por nove meses. Durante o

último trimestre ele cresceu, aumentou de tamanho e peso, adquiriu mais e

mais flexão, desenvolveu o tônus flexor por todo corpo. Essa “apertada”

hospedagem, como diz Morris e Klein (1987), lhe dá oportunidade de praticar

movimentos de levar a mão à face e à boca. O bebê foi obrigado a adaptar-se à

anatomia da mãe e enrolar-se nesse espaço, crescendo mais e mais até o dia

do seu nascimento. Nas últimas semanas, é capaz de ingerir 500ml de líquido

amniótico, como relatado por Diamant (1985). O bebê a termo teve tempo

suficiente para desenvolver o tecido adiposo nas bochechas, e os reflexos de

procura, sucção e deglutição estão maduros para a entrada eficiente de líquido

e ganho de peso.

De acordo com diversos estudos sobre o desenvolvimento da resposta

oral intra-útero (Humphrey, 1964; Dagarssies, 1966; Hack, Estabrook, Robertson,

1985; Burns et al,1987; Sheahan, Brockway, 1994), por volta de treze semanas

de Idade Gestacional (IG) observa-se no feto ação de deglutição; com dezessete

semanas, o reflexo de sucção e a deglutição; com vinte e quatro semanas, o

sistema gastro-intestinal está adquirindo motilidade; com vinte e oito semanas, a

procura, sucção e deglutição estão estabilizadas, mas a resposta é lenta e

imperfeita; com trinta e duas semanas, o reflexo de vômito está presente e é um

mecanismo protetor da alimentação; com trinta e quatro semanas de IG, é

possível a coordenação da sucção, deglutição e respiração, ainda que de forma

imatura.

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O recém –nascido a termo e o seu desenvolvimento natural

O bebê normal nascido a termo apresenta características que o

predispõem a uma alimentação oral eficiente. Quando olhamos esse bebê nos

braços de sua mãe, sugando o seio, podemos observar um encaixe perfeito em

seu próprio corpo e também de seu corpo e de sua boca no seio materno. O

tronco dele é simétrico e estável, os membros (braços e pernas) estão

flexionados e em direção à linha média, a cabeça próxima da cintura escapular.

Sendo assim, existe a possibilidade desse bebê organizar seu próprio

corpo globalmente, para, a partir dessa organização, direcionar a força de sua

boca e obter o alimento, bem como garantir a passagem do fluxo de ar

necessário à sua oxigenação. Isso ocorre devido ao tônus flexor, desenvolvido

por todo o seu corpo. Podemos dizer que, nos primórdios da vida, a sucção é

uma função flexora.

Ainda durante a alimentação, podemos observar que esse bebê tem

condições de usar o estado de alerta, acordado com inatividade (Brazelton e

Cramer, 1992 ) - seu olhar tem aparência brilhante; sua atenção está focada no

estímulo (visual, auditivo), no caso o seio; sua movimentação é lenta e

arredondada; sua respiração é regular e tranqüila. Além disso, não transmite

sinal de estresse visceral durante a função de alimentação e apresenta

sincronia entre a sucção, a deglutição e a respiração (SSDR). Para retirar o

alimento do seio, os lábios selam em volta da aréola, sugam o bico para dentro

da boca e a língua forma um canal central. O bico e a aréola são mantidos

dentro da boca. O leite é retirado do seio através de diferentes pressões, a

positiva e a negativa, como um sistema de bombeamento. Pode, inclusive,

adequar a boca para impor variação nas diferentes pressões e melhor controlar

a velocidade do fluxo de leite.

Esse bebê apresenta, pois, os requisitos para uma sucção eficiente, que

se caracteriza como um processo altamente complexo que inclui integração

com a pessoa que alimenta, estado de alerta, sinal de fome e cognição.

Pressupõe que a criança tenha back ground para desenvolver essa tarefa, o

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que significa que alcançou maturidade fisiológica, do neurodesenvolvimento e

tem integridade do Sistema Nervoso Central (SNC).

A sucção eficiente é, portanto, a resultante de vários fatores integrados e

interligados no SNC, sendo a resposta final de uma condição física e também

de vários aspectos relacionais. Por isso é considerada um comportamento14; ou

seja, vários sistemas participam dessa tarefa, pressupondo-se uma inter-

relação e interdependência entre eles e seus subsistemas.

Esses sistemas seriam: o fisiológico, o motor, o das habilidades

organizacionais e o dos atributos dos pais. Através deles, podemos identificar

quando algo não vai bem na tarefa de alimentação, que pode se tornar então

um exercício excessivo, árduo, podendo gerar uma sobrecarga nos sistemas,

que irá aparecer no corpo do bebê com sinais físicos de estresse.

Esses sinais são mais significativos e representam risco de vida quando

emitidos no sistema cárdio-respiratório. Nesse caso, entre outros, podemos

citar como sinais de estresse a apnéia, a cianose, a palidez e a bradicardia. No

sistema motor, os sinais de estresse seriam o abaixamento do tônus e o fazer

caretas. No sistema das habilidades organizacionais, a sonolência e a

irritabilidade. Já no sistema familiar, podemos citar as dificuldades da mãe em

desenvolver um bom diálogo tônico com o bebê durante a alimentação e o

impasse da mãe com a equipe15.

Neste ponto, cabe ressaltar que o sistema familiar descrito por Wolf e Glas

(1992) é coerente com a idéia que introduz ao seu trabalho, mas não leva em

conta e com o devido destaque a importância da relação mãe/bebê para a

constituição biológica e psíquica do bebê, tal como foi estudado por Winnicott

(1999).

14 Aceita-se comumente na área a idéia de que a sucção é uma resposta puramente reflexa oral. Ao contrário, o conceito comportamento de sucção determina que a alimentação, através da sucção no seio ou na mamadeira, é influenciada por vários fatores, não sendo somente um ato puramente reflexo, o que conduz naturalmente para a problematização das dificuldades alimentares. Sugar não é uma atividade simples, sendo que, como Wolf e Glass (1992 ) sugeriram, a avaliação da função alimentação envolve multissistemas em função de sua complexidade. 15 Relação antagônica com algum membro da equipe como uma transferência de sua impossibilidade de amamentar e ou por insatisfatória interação sensorial mãe/bebê.

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O impacto do nascimento pré-termo: o bebê de risco, o ambiente de UTIP e o tratamento global fonoaudiológico

O tratamento do recém-nascido de alto risco16 em uma UTIP sempre

envolve um instrumental mecânico que fornece o suporte para manter as

condições básicas de vida fora do útero materno, visando compensar a

imaturidade orgânica e colaborar no tratamento das possíveis patologias dela

decorrentes. O bebê vai então estar ligado a máquinas, fios, sondas e monitores

que informam também os parâmetros das suas funções autonômicas (cárdio-

respiratórias, hemodinâmicas e nutricionais). Diante disso, é imprescindível uma atuação interdisciplinar, para que se

possa garantir a efetividade do acompanhamento desses bebês, já que eles

necessitam cuidado de vários profissionais, senão ao mesmo tempo, com a

mesma urgência. É necessário servir-se de uma estrutura de trabalho flexível,

mas que sistematicamente busque maneiras de compreender e determinar a(s)

causa(s) do(s) problemas de alimentação, pois, como preconizado por Wolf e

Glass (1992, p.159), se o “problema de alimentação for bem definido, a causa

específica pode ser determinada e o tratamento mais efetivo”.

É nesse contexto dinâmico que o fazer fonoaudiológico hospitalar se

insere, particularmente no que se refere aos cuidados necessários para que o

bebê desmame da sonda e evolua para alimentação por via oral, procurando, na

medida do possível, privilegiar a amamentação.

A partir do momento em que o fonoaudiólogo consigue garantir a rotina do

serviço junto aos bebês que necessitam somente dos cuidados básicos da

equipe, pode passar a se ocupar do tratamento daqueles mais comprometidos

dentro das UTIPs e que necessitam de cuidados mais específicos e de

manuseios mais especializados, visando garantir uma evolução efetiva na

16 Os recém-nascidos de alto risco são bebês que, pela condição da gestação ou do parto, correram risco de vida nas primeiras horas ou dias de vida, necessitando então de cuidado especializado, assistido e intensivo em UTIP. Apresentam um quadro clínico que os coloca em situação de risco de perda da vida, de desvios no desenvolvimento e principalmente, de riscos relacionados à constituição psíquica.

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sincronia sucção/deglutição/respiração (SSDR) bem como uma assistência

individualizada ao par mãe/bebê.

A população atendida numa UTIP, em sua maioria, é constituída pelos

seguintes recém-nascidos: pré-termos17 submetidos à ventilação mecânica por

muito tempo e que desenvolvem dependência de O2, dentro de um quadro

clínico de Displasia Bronco Pulmonar(DBP); pré-termos com Refluxo Gastro-

Esofágico (RGE) e também por aqueles que apresentam incoordenação de

SSDR. Esses são os sintomas mais comuns e que repercutem na alimentação,

sendo, portanto deles que o fonoaudiólogo se ocupa.

Esses bebês apresentam uma fragilidade no sistema cárdio-respiratório,

com risco de presença de apnéias, taqui ou bradipnéia, cianose, taqui ou

bradicardia. Essas intercorrências podem acontecer durante e/ou após a

alimentação por sonda e/ou via oral.

Partindo desse ponto de vista, o da respiração, é necessário considerar as

fragilidades que o RN pré-termo possui (ainda comumente omitidas na área), e

que repercutem na dinâmica desse sistema e, conseqüentemente, na adequada

alimentação, como por exemplo uma inabilidade para fazer a eliminação dos

gases, arrotar, evacuar, produzir o esvaziamento gástrico e manter a

estabilidade da passagem aérea devido ao insuficiente controle crânio-cervical,

podendo gerar uma sobrecarga e repercutir na dinâmica respiratória e na

oxigenação tecidual, verificada por meio de queda da saturação e alteração da

qualidade respiratória.

Nessa medida, muitas das intervenções fonoaudiológicas visam melhorar

a qualidade respiratória desses pacientes e também garantir o processo em

desenvolvimento da adequada relação crânio-sacral e crânio-cervical bem

como do controle motor contra gravidade. Isto ocorre, em parte, devido à

conexão existente entre as áreas de suporte/alicerce da alimentação e da

respiração, que fornece estabilidade mecânica (controle neuromotor) para

essas funções e a inter-relação com “uma condição anatomicamente

17 São considerados bebês pré-termos os que nascem com até 37semanas e seis dias de Idade Gestacional, calculados a partir da data da última menstruação.

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significante e que muitas vezes é subestimada, qual seja, o elo entre as

estruturas e as funções da sucção/deglutição/respiração em todos os estágios

do desenvolvimento e o osso hióide” (Oetter, Richter e Frick, 1995, p. 6).

O osso hióide é considerado crucial para uma adequada deglutição. No

RN a termo normal, ele se encontra numa posição neutra e caracteriza-se por

ser um osso livre, isto é, não se articula com nenhum outro osso, sendo

sustentado no espaço pelos ligamentos musculares vindos de outras partes que

o transformam, dessa maneira, numa plataforma com os músculos supra-

hióides e infra-hióides. O estágio de desenvolvimento dessa estrutura é um

componente importante na SSDR (Wolf and Glass, 1992; Oetter, Richter e

Frick, 1995; Morris e Klein, 2000).

Músculos vindos da mandíbula, da língua, do osso temporal, da coluna

cervical, da cartilagem laringe, do osso externo e da escápula se inserem no

osso hióide. Essa conexão estrutural é a base para influência recíproca entre a

sucção, a deglutição e a respiração, com a postura da cabeça e do pescoço.

Sendo assim, “não é surpresa portanto, que os padrões de

estabilidade/mobilidade tem um significante papel na expressão suave da

sincronia SDR” (Oetter, Richter e Frick, 1995, p. 35).

No tratamento, o fonoaudiólogo deve adotar primeiramente procedimentos

de manuseios mais globais (organização da postura global, gradativamente

dando ênfase ao manuseio que ativa a musculatura do tronco e as reações de

retificações e que facilita a dinâmica respiratória e o funcionamento gastro-

intestinal) com esse bebê antes de tocar a sua boca. É, pois, fundamental

percorrer um percurso bastante complexo, com procedimentos e manuseios

muito específicos no atendimento desses bebês, antes mesmo que sejam

alimentados por via oral (VO), para que se garanta uma evolução efetiva na

alimentação por sucção até que possam ser amamentados por suas mães.

No que se refere a essa transição da alimentação de sonda gástrica para

via oral em bebês prematuros em fase de hospitalização, em sua pesquisa,

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Soares (2002)18 ressalta a importância de se considerar aspectos da organização

global do pequeno paciente e do neuro comportamento.

A autora buscou estabelecer critérios e etapas a partir dos dados individuais

obtidos através da utilização da Escala de Avaliação Motora Oral, que envolve a

análise dos vários sistemas, das habilidades e dos componentes da alimentação

através da sucção, tarefa considerada multidimensional.

O programa terapêutico desenvolvido pela autora bem como os resultados

obtidos em seu estudo reforçam a importância de se estabelecer critérios atuais,

baseados nos comportamentos individuais de cada bebê para se fazer a transição

da alimentação. Isso apresenta implicações com relação à prática clínica,

especialmente no que diz respeito ao estabelecimento de novas condutas

adotadas pelo fonoaudiólogo juntamente com o neonatologista. Reforça a

importância dos parâmetros da avaliação comportamental para se decidir sobre as

necessidades individuais dos bebês e sobre a forma mais adequada de

alimentação a cada um deles, sendo relevante para a autora o desenvolvimento

da SNN.

Fatores de risco para a incidência de problemas alimentares

Mas por que o RN pré-termo pode estar em desvantagem para sugar? O

bebê pré–termo não completa o último trimestre de vida intra-útero. Nasce num

período em que tinha muito espaço intra-útero e, portanto, não desenvolve a

flexão fisiológica. Tende a ser estendido, sonolento, desorganizado e lábel, 18 Já em artigo publicado em 1995, a autora apresenta a formulação de um protocolo de avaliação da alimentação oral a ser utilizado em recém -nascidos hospitalizados com história de prematuridade (Escala de Avaliação Motora Oral). Em relação aos critérios para iniciar a alimentação por via oral, parte do princípio de que o peso e a idade gestacional não são aspectos primordiais, pois esses dados isolados não predizem a maturidade do padrão de sucção do bebê para a função de alimentação. Considerou importante na formulação do protocolo a condição respiratória e o balanço calórico bem como os dados fundamentados no neuro-desenvolvimento e no comportamento, tais como: a prontidão para a mamada, a postura, o tônus, o estado de consciência, os sinais de estresse, as características da sucção não nutritiva e as da sucção nutritiva, entre outros. Com o registro da evolução do comportamento de alimentação, é possível obter um perfil do bebê e, a partir daí, identificar a presença de normalidade e de anormalidade. Conseqüentemente, a autora propõe que deve ser oferecido ao bebê o tipo de experiência motora oral compatível com o nível do seu desenvolvimento, beneficiando-o no prognóstico e desenvolvimento futuro.

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como descreve Morris, Klein (1987). Sua principal característica é a hipotonia

(Dagarssies, 1977), o que significa que apresenta fraqueza muscular e

ineficiente estabilidade proximal postural, reduzindo sua capacidade em

direcionar e manter a força na linha média e também dificultando a manutenção

da qualidade nos movimentos funcionais.

A hipotonia varia de acordo com a IG. Podemos dizer que, quanto mais

baixa a IG, mais evidente a hipotonia nos membros superiores, na cintura

escapular e na face. O bebê pré-termo tem o tronco instável, que tende à

assimetria, com um padrão respiratório instável. Os membros são afastados da

linha média e é pobre a estabilidade no pescoço, na cintura escapular, no

tronco e na cintura pélvica.

O meio em que esse bebê irá se desenvolver é completamente diferente

do útero. Quando deitado no leito, sua aparência é muito plana e apresenta

limitada movimentação antigravitacional dos braços e das pernas. Os reflexos

orais apresentam resposta inconsistente e imatura. Na face observamos

diminuição do volume da gordura subcutânea e excesso de flexibilidade

articulatória. Nessa medida, o bebê pré-termo terá de desenvolver o tônus

flexor para contrabalançar a extensão.

Mas os nossos pré-termos, digo, aqueles que ficam com mais

desvantagem para sugar e que irão necessitar do tratamento fonoaudiológico,

são aqueles com menos de trinta e duas semanas de idade gestacional e com

peso inferior a 1500g, considerados pré-termos extremos.

Nesse bebês, acentuam-se o baixo tônus (fraqueza muscular e deficiente

estabilidade proximal), o efeito deletério do uso prolongado do tubo para

ventilação, das sondas para a alimentação e da seqüela da patologia pulmonar

(restrição na expansibilidade pulmonar), que reforçam o uso da extensão

excessiva, gerando um desequilíbrio muscular que dificulta as aquisições no

seu controle motor contra gravidade.

O resultado é um limitado desenvolvimento da musculatura flexora, bem

como de seu uso funcional, musculatura essa necessária para a estabilidade

geral. Os pré-termos tendem então a se fixar na extensão (compensação), e

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isso irá interferir na alimentação - aumenta a sua desvantagem para a

adequada sincronia da SSDR e para o estabelecimento da sucção nutritiva

eficiente19 (SNE).

A condição clínica agrava-se, e o quadro clínico é de altíssimo risco,

sendo o principal problema para a adaptação à vida fora do útero a imaturidade

fisiológica no sistema cárdio-respiratório, devido à deficiência na produção do

surfactante.

De fato, tem-se condição anatomo-fisiológica condizente com a vida a

partir de 25 - 26s de IG e o peso acima de 600g. Porém, o sistema de

surfactante vai estar presente e maduro com 35s de IG. Essa substância é

responsável pela abertura dos alvéolos, viabiliza a troca gasosa pulmonar e a

autonomia do sistema cárdio-respiratório, impedindo o colabamento alveolar.

O que acontece então com o pré-termo na ausência do surfactante?

Evolui com dificuldade respiratória e necessita ser entubado e receber

ventilação mecânica logo após o nascimento ou nas primeiras horas de vida.

Hoje, já se administra o surfactante artificial, e em três dias esse bebê passa

espontaneamente a produzir a substância, mas necessita continuar em

ventilação mecânica, pois ele tem pouco tecido adiposo, pouca massa

muscular, o que o coloca em desvantagem, não tem resistência muscular para

fazer o trabalho cárdio-respiratório e não tem autonomia em outros órgãos e

sistemas.

Os fatores de risco para a incidência de problemas alimentares vão se

somando e agravando. Na história e evolução clínica, esses fatores podem ser

únicos ou cumulativos. Iniciam–se então com o nascimento pré-termo, quando

esse bebê sai do meio líquido com baixo tônus e é colocado inesperadamente

contra a gravidade, deitado sobre o colchão de um berço aquecido ou de uma

incubadora. Prolongam-se no ambiente de UTIP, onde o bebê vai estar ligado a

sondas, a fios e placas para monitorização, podendo ser imobilizado, sofrer dor, 19 Essa terminologia foi criada e inserida na equipe dentro de uma proposta de intervenção e condição de alta hospitalar. Determina que o RN é capaz de se alimentar através da sucção com adequada SSDR, num tempo funcional (15 a 20 minuto), evoluindo para o desmame da sonda de alimentação com curva ascendente de peso e crescimento.

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privação motora, táctil e vestibular. Nesse ambiente com luz e barulho

excessivo, ele permanece por dias, semanas e até meses, sentindo cheiros e

sabores desagradáveis e estando sujeito à rotatividade dos profissionais e a

procedimentos múltiplos.

Dessa forma, representa fator único de risco o próprio nascimento pré-

termo. Porém, outros fatores vão se somando, resultando em pior performance

na alimentação, de acordo com a história e evolução clínica do bebê.

São fatores cumulativos: quando é menor a IG e mais baixo é o peso;

quando o bebê fez uso do tubo endotraqueal e da sonda de alimentação por

tempo prolongado; quando apresenta problemas no sistema cárdio-respiratório,

no sistema digestivo, no sistema nervoso central, no neurodesenvolvimento e

no comportamento durante a interação social. Há, ainda, o risco de o bebê não

vir a se constituir subjetivamente, tema que abordo mais adiante.

Comportamento motor do RN pré-termo como fator de risco para a adequada SSDR

Exemplifico a seguir o comportamento motor no pré-termo e depois

identifico os sinais precoces de risco no seu desenvolvimento, os quais

repercutem na qualidade da função oral - no estabelecimento da sincronia

SSDR e da sucção nutritiva eficiente (SNE).

O RN pré-termo, então, não se encontra totalmente funcional na sua

capacidade pulmonar, na digestiva, bem como na motora global e na oral, o que

irá interferir no desenvolvimento da sua postura e no seu movimento contra-

gravidade, e conseqüentemente na qualidade respiratória, na sua auto-

regulação, na interação social, bem como na função alimentação. Também não

é incomum que esse bebê faça uso das fixações articulares, que são

compensatórias à inadequada estabilidade proximal, podendo vir a desenvolver

postura e mobilidade anormais. As posturas e os movimentos compensatórios

levam então a fixações articulares, que levam a encurtamento muscular,

principalmente na musculatura do tronco superior, da cintura escapular e da

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coluna cervical, e também a bloqueio pélvico. Interferem ainda no

desenvolvimento de uma base estável da qual se parte para o movimento,

sendo que este é um elemento crítico para a habilidade da coordenação motora

e do movimento funcional. O papel da estabilidade/ mobilidade é fundamental

para a adequada sincronia SSDR.

Em relação ao comportamento motor, ressaltamos que o resultado é uma

limitada movimentação anti-gravitacional e, com isso, um limitado

desenvolvimento da musculatura flexora, sendo que esta é necessária na

estabilidade geral, no uso funcional da força muscular na linha média, bem

como na dinâmica respiratória. Ao contrário, o bebê pré-termo tende a fixar-se

na musculatura extensora (compensação).

Diríamos então que, no bebê pré-termo, a força muscular para vencer a

gravidade ativamente é inconsistente, diminuindo ou limitando a movimentação

ativa da mão à boca. Existe alto risco no comportamento motor desse recém-

nascido, relativo ao estabelecimento da função muscular, que é vencer a

gravidade ativamente, construir e manter os equilíbrios entre os grupos

musculares flexores e extensores, dentro dos padrões de estabilidade/

movimento. Ressalto que, se esse equilíbrio muscular não progride

normalmente através da SSDR, todas as atividades motoras serão

influenciadas, tais como: controle óculo–motor, desenvolvimento mão / boca,

articulação oral e controle do tronco superior, como preconizam Oetter, Richter

e Frick (1995).

Nessa medida, a SSDR é o principal componente do mecanismo oro-

motor e é um elemento fundamental no desenvolvimento sensório-motor e

cognitivo, o que inclui desenvolvimento da fala e da linguagem, regulação dos

estados, controle postural, comportamento na alimentação, desenvolvimento do

ego e da coordenação mão / olho.

Os principais sinais precoces desses distúrbios no desenvolvimento são:

-Inadequada sincronia da sucção / deglutição / respiração;

-Uso excessivo dos músculos acessórios da respiração;

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-Elevação e retração das escápulas, posição W (isto é, os membros superiores

e os inferiores em abdução e rotação externa);

-Excessiva extensão dos braços e das mãos;

-Contorção de tronco;

-Emissão de sons de descontentamento;

-Excessiva flexão no tronco (posição fetal);

-Arqueamento no tronco;

-Excessiva extensão da cabeça;

-Excessiva assimetria no tronco, sendo que a cabeça quase nunca está na linha

média;

-Não manutenção das mãos apoiadas no tórax ou na linha medial;

-Não elevação da cabeça em prono;

-Não flexão contra-gravidade de quadris e joelhos;

-Uso mais freqüente de uma perna e uma mão;

-Sonolência excessiva;

-Irritabilidade excessiva (choram muito ou acordam chorando);

-Choro reduzido;

-Reação de aversão ao manuseio (distúrbio sensorial);

-Pouco aconchego;

-Dificuldade no contato mãe-criança;

-Presença de pneumonias repetidas (aspiração);

-Não ocorrência de dissociação de posturas;

-Não ocorrência de sorriso social.

Porém, já se sabe que a observação de todos esses fatores pouco valor

tem se não for considerada a dupla mãe-bebê. “As mães de recém-nascidos no

ambiente da Unidade Neonatal precisam de suporte para poder começar a

perceber o bebê e reconhecê-lo como filho, dando-se conta assim de quais são

as necessidades imediatas dele e como se adaptar a elas” (Ferraz, 2003, p.

117).

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Devemos respeitar, no ambiente de Unidade Neonatal, o momento do

bebê e o de sua mãe, sendo que cabe aos profissionais envolvidos “ajudá-la a ir

reconhecendo o filho aos poucos [pois esta] é a primeira etapa que a equipe

deve ter em mente para que se estabeleça a relação no binômio” (Ferraz, 2003,

p.65).

Até o momento, discorri sobre as possibilidades de alimentação de um

bebê pré-termo. De fato, as necessidades do bebê com essas características

relacionam-se com sua condição de sobrevivência biológica, porém, sua

constituição como pessoa engloba também a constituição psíquica. Sendo

assim, no próximo capítulo, apresento alguns pressupostos da Psicanálise

winnicottiana que considero fundamentais para refletirmos sobre a prática clínica

fonoaudiológica desenvolvida em UTIP.

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4. A IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE NO DESENVOLVIMENTO DO RECÉM-NASCIDO

O trabalho fonoaudiológico que venho realizando com bebês prematuros

que apresentam problemas de alimentação, tanto em UTIPs como em consultório

particular, levou-me a voltar meu olhar para a mãe e a valorizar o vínculo

mãe/bebê. Pude perceber que, de fato, entraves nessa relação colocam em risco

a saúde física e psíquica do recém-nascido e não raramente comprometem o seu

desenvolvimento inicial.

Mas como levar as mães que mostram dificuldades de maternagem,

nessas condições tão delicadas, a cuidar de seus filhos, alimentá-los com

vivacidade adaptando-se às necessidades deles? Essa inquietação sempre esteve

presente em minha atuação clínica com esses bebezinhos, juntamente com outra:

Como preocupar-me com o funcionamento orgânico do bebê e, ao mesmo tempo,

contemplar as demandas da mãe no atendimento? Como perceber as demandas

da mãe além das do funcionamento do seu bebê?

De fato, nesse tipo de intervenção, há a constante preocupação com a

sobrevivência do organismo e do funcionamento sensório-motor do bebê,

principalmente no que se refere à busca da sincronia entre sucção, deglutição e

respiração. Para sustentá-la, cada vez mais fui me aprofundando no estudo do

conceito Bobath e de áreas afins, como expus no capítulo anterior. A prática

clínica do manuseio configura-se como um meio através do qual o terapeuta pode

cuidar da alimentação do paciente, fazendo com que seu corpo possa “funcionar”,

possibilitando que ele se apresente em sua totalidade física e psíquica. Mas, para

tanto, as condições ambientais, primordialmente representadas na figura da mãe,

devem ser igualmente contempladas.

E é justamente neste aspecto que tenho constatado que, muitas vezes,

por estarmos excessivamente comprometidos com um saber técnico e

identificados com as demandas urgentes do paciente, buscamos mais orientar a

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mãe sobre como proceder com seu filho, por exemplo, como posicioná-lo

adequadamente para a alimentação, do que acolhê-la em sua dor ou observar se

ela está, de fato, em condições de se disponibilizar para aquele bebê com

dificuldades.

No intuito de investigar, discutir e problematizar essa questão, ampliando

então o fazer clínico para além das técnicas sensório-motoras orais, necessárias

no tratamento dos problemas alimentares do pré-termo de risco, apresento então

alguns construtos do psicanalista e pediatra D. W. Winnicott. Em especial, a

compreensão do autor sobre o processo maturacional dos lactantes nos permite

vislumbrar a importância do ambiente na constituição do recém-nascido pré-termo,

como veremos a seguir.

A mãe como ambiente facilitador Winnicott, pediatra e psicanalista, dedicou-se ao estudo do amadurecimento

pessoal normal, em virtude de sua convicção de que a maior parte dos problemas

que levavam as mães com os seus bebês ao seu consultório ocorria devido a

dificuldades no estágio inicial de vida destes.

Lançou-nos, então, a idéia da mãe como sendo o ambiente facilitador para

seu bebê e buscou maneiras de evidenciar sua convicção de que, sendo dotada

de uma confiança natural em seus próprios recursos, é ela quem pode dedicar-lhe

os melhores cuidados.

É interessante lembrar que Winnicott preocupou-se em comunicar as

conclusões de seus estudos diretamente para as mães e outros cuidadores dos

bebês, como enfermeiros, pediatras e terapeutas. Assim, muitas de suas palestras

eram transmitidas pela rádio B. B. C. de Londres, sendo então algumas delas

direcionados às mães, para quem abordava, de uma maneira agradável e de fácil

compreensão, a sensação que é para uma mulher tornar-se mãe. Com isso, as

remetia ao cotidiano com o bebê, com o marido, com um possível filho mais velho;

enfim, falava da vida comum, quando tudo ocorre bem, em uma estrutura familiar

saudável, isto é, onde podem compartilhar, cotidianamente, as responsabilidades

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domésticas, tornando mais profundo o vínculo entre o pai e a mãe. O pai, por sua

vez, teria como função proteger a família, estando envolvido em desempenhar a

sua função paterna, “o pai é o agente protetor que libera a mãe para que esta se

dedique ao seu bebê” (apud Davis e Wallbridge, 1982, p.149); enquanto ela,

envolvida nesses cuidados, facilita a aproximação e a relação do pai com o bebê.

Winnicott (1896-1971/2002, p.1)20 ressalta que “não tinha o menor interesse

em tentar dizer às pessoas o que deveriam fazer”, ou seja, não pretendia ensinar

as mães como cuidar de seus filhos, pois, para ele, essa era uma tarefa

impossível de ser ensinada, o que, de fato, observamos em toda a sua obra, tanto

na teoria como na prática clínica. Dessa forma, contribuiu grandemente e forneceu

subsídios para se pensar em uma nova perspectiva de orientações comumente

feitas na área da saúde, especialmente às mães de bebês com algum tipo de

sofrimento: “convém distinguir as coisas que acontecem naturalmente das que têm

de ser aprendidas; por isso, tento distinguir entre ambas, de maneira que tudo

quanto sucede naturalmente não se estrague” ( Winnicott, 1957-1964/1985, p.9).

As palestras proferidas pelo autor, bem como os textos que dirigiu às mães

favorecem a compreensão das coisas rotineiras que as mulheres fazem

naturalmente bem, simplesmente porque toda mãe dedica-se à tarefa que tem

pela frente, isto é, cuidar de seu bebê, sendo o que normalmente acontece.

Realizam, pois, algo muito importante e que tem sido assim por toda a história da

humanidade, e aí se encontra o valor de uma mãe dedicada a um novo ser.

O fundamental para o autor era descrever a gradual transformação que

acontece com a futura mamãe, tanto nos sentimentos quanto no aspecto físico,

que se inicia com a gravidez e se prolonga após o nascimento do bebê, nos

primeiros dias e semanas, sendo que essa dedicação total ao filho a este propicia

o vir a ser, ou seja, a constituição do self – o si-mesmo - que vai sendo

estabelecido no tempo, mas que se inicia quando o bebê é reconhecido nas suas

características pela mãe (Maia, 2004).

20 Nas referências à obra de Winnicott informo, sempre que possível, o ano da primeira publicação do texto e o da edição aqui utilizada.

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As mães encontram em Winnicott alguém muito disposto a compartilhar o

seu interesse pela unidade mãe/bebê, antes mesmo de ele nascer, ser concebido

e nas primeiras semanas de vida. Ele as apóia na confiança que depositam em

suas tendências naturais e afirma ser “tremendamente importante que a mãe

tenha a experiência de fazer aquilo que lhe parece dever fazer, o que a habilita a

descobrir a plenitude da maternidade em si própria” (Winnicott,1966, p. 26), o

contato íntimo e o prazer que dela advêm.

De fato, a vida prepara, equipa a mulher para a função materna. Assim,

desde pequena, ela já brinca de boneca, e também, como todos, já foi bebê um

dia, sendo então acolhida por uma mãe, o que fica registrado em sua memória

corporal. A possibilidade de a mãe cuidar do seu bebê, portanto, não se inicia

após o nascimento dele, mas muito antes, sendo esse um momento de

atualização de algo que já está inscrito em sua história de vida.

A futura mãe terá, ainda, um período de nove meses, suficiente para que

ocorra uma transformação. Esse período de preparação é muito importante e,

quando o bebê nasce, ela entra comumente em uma fase da qual costuma se

recuperar nas semanas e meses posteriores, e na qual, em grande parte, ela é o

bebê e o bebê é ela. Nesse período de dedicação, o importante é que a mãe,

através da sua identificação com o lactente, sabe como ele se sente e é capaz de

prover quase exatamente o que ele necessita no começo, e isso faz dela,

inclusive, uma mãe real passível de erro, mas também de reconhecê-lo.

Em “A criança e o seu mundo”, Winnicott, dirigindo-se a sua leitora, absorta

nos cuidados com o corpo do bebê, gostando que ele seja totalmente dependente

dela e sem se dar conta de sua pessoa, diz: “você se viu absorvida nos cuidados

com o bebê e gostou que assim fosse. Você sabe exatamente como segurar o

bebê nos braços, como deitá-lo, como deixá-lo sozinho e bem instalado, para que

o berço atuasse por si mesmo” (Winnicott, 1957-1964/1985, p.16).

É um período em que a sensibilidade da mãe fica aumentada e em que ela

é dotada de uma habilidade de drenar o interesse em si mesma para o bebê,

dando-lhe capacidade especial de fazer a coisa certa. A mãe identificada com o

seu bebê é capaz de se colocar no lugar dele, adaptar-se as suas necessidades.

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O autor denominou essa condição psicológica da mãe preocupação

materna primária, sendo nessa condição que é capaz de propiciar a recuperação

da continuidade do ser na vida extra-uterina.

Preocupação materna primária e primeira mamada teórica Identificada com o seu bebê, a mãe esperará até que ele esteja pronto

para o contato. E é essa identificação que permite que o processo se coloque em

marcha. Só assim ele começará a ter o impulso de procurar o alimento, com a

mãe segurando-o e, ao mesmo tempo, encontrando o caminho para isso junto

com ele. No entanto, se a mãe se encontra muito ansiosa, ela pode ser invasiva,

interrompendo a exploração natural do bebê antes de encontrar o seio e iniciar a

mamar.

A mãe que pôde dar oportunidade ao bebê de encontrar o próprio jeito de

se alimentar, na realidade, deu a ele o direito de completar uma experiência que é

de valor especial na relação com o objeto. Deu-lhe, numa palavra, o direito de ser,

de se encontrar com o objeto subjetivo (o seio), sendo que, nesse encontro, o que

ele encontra é o si mesmo. Na experiência de integração, o bebê torna-se idêntico

aos cuidados que recebe: ele é esses cuidados. Estando fundido com a mãe,

ainda não tendo separado o “eu” do “não eu”, tudo que o ambiente bom propicia é

sentido pelo lactente como se fosse uma qualidade do si mesmo.

“Mas, para tanto, é necessário que o movimento tenha partido do bebê, o

impulso emergido do estado de repouso, na não-integração” (Dias, 2003, p.219).

Ainda é preciso, no entanto, que o bebê encontre um seio que “é”, de uma mãe

que tem capacidade de “ser”, e não só de “fazer”. O seio que só “faz” é de uma

mãe que não cria condições para o bebê vir a ser através dela, pois não vai estar

suficientemente envolvida pelas particularidades dele no processo de alimentação.

Isso comumente se manifesta como uma rigidez na forma física, no manuseio, no

tempo da permanência no colo, com os horários, ou no volume de leite oferecido,

suprimindo, assim, as reais necessidades manifestas no corpo do bebê.

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Winnicott (1896-1971/1990, p.121) usa o termo “primeira mamada teórica”

para se referir as primeiras experiências concretas com a amamentação. No início,

“a atividade de amamentação está no centro, mas isso não significa, na

concepção do autor, que a alimentação enquanto satisfação da fome corresponda

ao que é essencial” (Dias, 2003, p.164).

A mãe é o primeiro objeto do bebê e é através da alimentação que tem

início a capacidade da criança de se relacionar com objetos - constituir o si mesmo

e depois perceber o “eu” diferente do outro. Quando tudo corre bem, começa a se

estabelecer os primórdios da relação com a realidade externa; isto é, no contato

com a mãe na alimentação são lançadas as bases do relacionamento humano. A

tarefa de integração se dá no tempo e no espaço, pela continuidade da presença

da mãe e pelos efeitos dessa permanência no processo constitutivo.

Nessa primeira mamada teórica, “além da necessidade biológica, há a

necessidade de encontro com o outro, de se constituir através desse encontro”

(Maia, 2004). Além disso, nesse momento, quando tudo dá certo no encontro do

bebê com o seio da mãe, instala-se o fenômeno humano da ilusão, ou seja o bebê

tem a ilusão de que pode criar aquilo que encontra.

Há, no bebê, uma crescente tensão instintiva, gerada pela fome, e que

desenvolve um estado no qual ele está preparado para encontrar algo que não

sabe bem o que é: “Mais ou menos no momento certo, a mãe oferece o seio”

(Winnicott, 1896-1971/1990, p. 120), assim ela é capaz de fornecer o contexto

para dar início ao relacionamento “excitado”. Se esse primeiro momento ocorre

satisfatoriamente, estabelece-se um contato, de maneira que o padrão de

mamada se desenvolve a partir dele. Ao contrário, para Winnicott (1896-

1971/1990, p.120), “se as primeiras mamadas são mal conduzidas, pode ocorrer

uma longa série de problemas”.

Na concepção winnicottiana, o bebê não quer tanto alguém que lhe dê

alimentação correta, na hora certa, mas, sobretudo, alguém que ame alimentá-lo,

que se mostre devotada e atenta às suas necessidades; só assim ele interioriza a

sensação de ter sido bem cuidado. Trata-se, aqui, do que o autor denominou

holding, que é a maneira pela qual o bebê é sustido pela mãe, não apenas

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sustentado nos braços dela, envolvido para que ela o alimente, mas, também,

sendo atendido em suas necessidades, estando a mãe em sintonia com ele. O

autor preconizou “ampliar o seu significado [holding] para que possa abranger tudo

aquilo que nesta época uma mãe é e o faz” (Winnicott, 1896-1971/2002, p.4).

Assim, ela sabe quando o bebê está ou não com fome, a temperatura ideal da

água para o banho, cuida do entorno e está presente como alguém em condições

de se colocar no lugar dele, sendo então capaz de lhe oferecer cuidados

suficientemente bons.

A sintonia que a mãe tem com o seu bebê impulsiona o seu

desenvolvimento e oferece uma adaptação gradativa conforme as possibilidades

dele. A mãe exerce, então, a função de um espelho para o bebê - ele se vê

através da mãe. Ela é, pois, o ambiente facilitador do crescimento e

desenvolvimento dos aspectos humanos. O autor coloca que, nesse período de

dependência absoluta, a mãe facilita a organização do ego do bebê, até que ele

adquira ferramentas para se tornar gradativamente independente desses primeiros

cuidados.

A mãe é apresentada, portanto, como o primeiro ambiente do bebê, papel

este significativo na constituição do ser, naturalmente supondo existir a

sustentação deste lugar dada pelo pai.

O autor conclui, então, que o estabelecimento de uma relação humana e a

sua continuidade ocorre desde muito cedo e tem grande valor no desenvolvimento

emocional e na constituição psíquica da criança: “em certa época, nos primeiros

tempos da infância, em que não existia percepção de dependência, éramos

totalmente dependentes” (Winnicott, 1957-1964/1985, p.10). E, com isso, chamou

atenção para a imensa contribuição da mulher, sendo uma boa mãe comum,

devotada, ao indivíduo e à sociedade. Contribuiu, de maneira decisiva, com a

formulação da teoria do amadurecimento pessoal normal, partindo do pressuposto

de que o bebê nasce dotado de uma capacidade inata ao amadurecimento, mas o

desenvolvimento dessa tendência é dependente da existência contínua de um

ambiente facilitador, representado pela mãe.

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Mas é preciso considerar, ainda, algo fundamental ressaltado por Winnicott

em toda sua obra: no início, nos primeiros dias e semanas do nascimento, o

relacionamento entre mãe e filho é de pura sensorialidade, criando, assim,

condições para a mais simples das experiências - um contato sem atividade e sem

palavras. O corpo do bebê se faz presente pela via sensório-motora e pelas

necessidades fisiológicas, e é na atenção a elas que tem início o processo de

cuidar, sempre de acordo com o ritmo do bebê, colocando em marcha o seu

desenvolvimento. Sendo o filho recém-nascido o único interesse da mãe,

manifesta-se o sentimento de unidade entre duas pessoas, responsável por fazer

com que ela atenda a todas as necessidades do bebê.

Coesão psicossomática: a tendência natural à integração

Através dos princípios psicanalíticos winnicottianos, de fato, pude perceber

que a função materna inclui outra dimensão, a de possibilitar ao bebê habitar o

próprio corpo, vindo a se tornar uma unidade - o eu sou. Para o autor, isso se

constitui em uma conquista essencial do amadurecimento, que vem da junção

soma e psique. Para tanto, é necessário o “cuidado maternal que forma uma

unidade junto com o bebê” (Winnicott, 1983/1990, p. 40).

Nessa perspectiva, sempre que encontramos um bebê, também

encontramos o cuidado materno, ou seja, “o sine qua non do seu [bebê]

crescimento, tanto físico quanto emocional, é a dependência de um ambiente

facilitador” (Davis e Wallbridge, 1982, p.49).

Na concepção winnicottiana “cada individuo é destinado a amadurecer, e

isto significa: unificar-se e responder por um eu. A principal característica da

hereditariedade é, pois, a tendência do indivíduo em se integrar: “o estado de

unidade é a conquista básica para a saúde no desenvolvimento emocional de todo

ser humano” (Dias, 2003, p. 94).

Assim, para Winnicott, no nascimento, o bebê se encontra em

disponibilidade para a continuidade do processo “de crescimento físico e das

tendências herdadas do desenvolvimento da parte psíquica que se dá na parceria

psico-somática” (apud Davis e Wallbridge, 1982, p. 51). Desta maneira, o bebê

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não nasce com um corpo, o que existe é o soma/corpo vivo, um conjunto

anatômico de órgãos/sistemas que estão formados, e a isto é acrescido um

potencial para o desenvolvimento de uma personalidade, processo este ligado à

maternagem. Nas palavras do autor: “O potencial herdado de um lactente não

pode se tornar um lactente a menos que ligado ao cuidado materno” (Winnicott,

1983/1990, p. 43). Nesse momento inicial, o cuidado materno vai ao encontro da

satisfação dessa dependência absoluta.

Para o autor, a mãe sabe da tendência inata que o seu bebê tem para a

vida e para o desenvolvimento; sabe que cada bebê é, por assim dizer, “uma

organização em marcha”, destinada ao amadurecimento (Winnicott, 1957-

1964/1985, p.29). Então, ela se interessa bastante pela observação do que

acontece a cada momento com seu filho, justamente porque sabe que ele

necessita de cuidados especiais, e desfruta o prazer de reagir às suas

necessidades. Esse saber da mãe a impulsiona para cuidar dele como um todo, e

não apenas de algumas de suas partes.

Nesse início da vida, a psique começa a se formar, então, como uma

representação imaginativa das funções corpóreas. A vida do bebê já é pessoal,

pois tudo é experienciado no corpo e pelo corpo. Todos os cuidados fornecidos

pela mãe ficam registrados em um corpo sensório-motor, o que faz com que o

bebê sinta o seu funcionamento, as sensações dos movimentos. Sendo assim, a

psique pode ser ocupada pela elaboração imaginativa do funcionamento orgânico

e das sensações, o que é significativo para o corpo personalizado do bebê.

Desta maneira, com o cuidado que recebe de sua mãe, é possível ao bebê

habitar o corpo, e o corpo habita o ser: “uma unidade com uma membrana

limitadora, com uma parte de dentro e uma de fora, existe uma realidade interna

para este indivíduo” (Winnicott apud Davis e Wallbridge, 1982, p.48). Trata-se de

uma conquista que pode, ou não, ser alcançada, pois a coesão psicossomática é

uma realização e para estabelecer-se exige a participação ativa da mãe,

sobretudo durante as experiências excitadas, quando o lactente deve ser seguro e

cuidado por ela, reunindo-o nos braços e no olhar e ele sentindo-se bem, mantido

inteiro.

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Dias (2003, p. 209) explicita da seguinte forma o pensamento de Winnicott:

“Durante todo o tempo em que a coesão psicossomática está em vias de

realização, os braços da mãe e o corpo do bebê são uma e a mesma coisa, de

modo que se pode dizer que a primeira morada do bebê é o próprio corpo do

lactente no colo da mãe”.

O cuidado materno correspondente a essa tarefa de alojamento da psique

no corpo é o manejo/manuseio, denominado por Winnicott handling. O manejar faz

parte do segurar total - holding -, já anteriormente definido. Aqui, podemos ilustrar

com todo tipo de sensação que pode ser vivenciado pelo bebê ao ser manejado e

que favorece que ele habite o próprio corpo. É, pois, um processo gradativo, em

que a experiência, mesmo que momentaneamente, é sentida como real,

favorecendo a associação psicossomática ou o si mesmo.

No handling/holding está incluído um contato cutâneo absolutamente

essencial, que fornece todas as experiências sensoriais necessárias: ser

envolvido, com temperatura (pelo colo, pela água), por sons e ritmos (da

respiração, do coração, da fala), por movimento com ritmo (no colo da mãe), o que

faz o bebê tanto sentir o seu corpo quanto o da mãe, além de diferenças sutis em

todo o ambiente, por exemplo, quando a luminosidade é diminuída, quando é

afagado pela textura das roupas e colchas e contido de forma confortável por

almofadas que estão no berço.

A presença materna satisfatória, através do holding e do handling, dos

cuidados, na alimentação, atende às necessidades do bebê no seu processo de

adaptação. O mundo lhe é, então, apresentado em pequenas doses, sendo que a

relação do bebê com esse mundo se dá pela pele, pelo sistema somatosensorial

(tato, proprioceptivo e vestibular) e pela boca (ingestão de alimentos). Por meio de

seu manuseio, a mãe atende às necessidades fisiológicas, facilita a integração

sensorial do bebê e supri as demandas dele na alimentação, isso compreendido

como parte integral dos cuidados fornecidos por ela. O fato de existir vai ganhando

consistência, peso.

O fato concreto de o corpo do bebê ser sustentado e estar em contato

direto com o corpo da mãe em todos os tipos de experiências funcionais,

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sensoriais e motoras fornece a ele um esquema corporal pessoal, sendo uma

representação interna importante para a memória e mapeamento da sensação e

da ação.

Nos primeiros momentos da vida extra-uterina, além do início da respiração,

o bebê vai sentir a ação da gravidade sobre o seu corpo, que estava habituado a

ser contido pela parede uterina em toda a sua volta. Essa sensação passa então,

na vida extra-uterina, “a condição de ser amado somente de baixo para cima”. Por

isso o “segurar” envolvendo-o faz parte dos cuidados maternos. Na concepção

winnicottiana, caso o início da respiração seja traumático e se configure um

quadro de dificuldade respiratória, isso terá uma representação psicossomática de

invasão e essa experiência se configurará no psiquismo como “uma total falta de

controle sobre o que se move para dentro e para fora” ( Dias, 2003, p.163).

O bebê vive, pois, o processo de adquirir um interior e um exterior, está

experienciando o meio, vivenciando o holding, registrando e introjetando os efeitos

da experiência de confiabilidade, confiança concreta que deposita no fato de ser

segurado.

Nas palavras de Winnicott (1988, p.87), essa é a maneira da mãe expressar

o seu amor e também de comunicar ao seu bebê: “Sou confiável – não por ser

uma máquina, mas porque sei do que esta precisando; além disso me preocupo, e

quero providenciar as coisas que você deseja” e naturalmente as que necessita

para se desenvolver. O bebê, na concepção do autor, não ouve ou registra a

comunicação, mas apenas os efeitos da confiabilidade.

A mãe se apresenta de maneira confiável, previsível, ou seja, “evita que

alguma coisa inesperada surpreenda o bebê” (Dias, 2003, p. 168), e demonstra

este cuidado por meio do manuseio no corpo dele, manuseio esse feito para

suprir/atender as necessidades orgânicas/funcionais. Isso ocorre em meio às

necessidades variáveis do bebê, que pode estar tranqüilo ou excitado, e só é

possível porque ela se apresenta consistente, constante e mantém cuidados

regulares, indo ao encontro dele, reconhecendo-o e atendendo-o em sua

singularidade.

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Assim, com o cuidado que recebe de sua mãe, o lactente é capaz de ter

uma existência pessoal, começa a construir o que ele [Winnicott] chama de

continuidade do ser. Na base dessa continuidade o potencial herdado se

desenvolve gradualmente no bebê. “Se o cuidado materno não é suficientemente

bom então o lactente realmente não vem a existir, uma vez que não há a

continuidade do ser; ao invés a personalidade começa a se construir baseada em

reações a irritações do meio”( Winnicott, 1983/1990 .p. 53).

Portanto, para o autor “nenhum bebê pode vir a ser, a não ser sob os

cuidados de um ambiente que lha dá sustentação e facilita os seus processos de

amadurecimento” (Winnicott apud, Dias, 2003, p.96).

Na etapa inicial, “o amor da mãe é expresso em termos de assistência

física” (Winnicott, 1957-1964/1985, p.207).

A mãe adapta de maneira ativa as necessidades do seu filho, que afinal, é o

que o bebê necessita -habilita a psique infantil a começar a viver no corpo do

bebê. “Segurar” bem o lactente, e “manejá-lo”, nessa perspectiva, é uma forma de

amar e, possivelmente, “a única forma pela qual a mãe pode demonstrar o seu

amor” (Winnicott apud Dias, 2003, p.210).

Winnicott não vê o bebê apenas como organismo e, assim, não podemos

pensar que há, no início, uma relação de reciprocidade21entre ele e sua mãe, pois

o bebê ainda não é uma unidade, e sim faz parte da unidade mãe-bebê. A

adaptação provém, pois, exclusivamente da mãe.

De fato, considero fundamental no trabalho clínico fonoaudiológico

realizado em UTIPs que busquemos parâmetros para compreender a função da

mãe como ambiente e para que, assim, encontremos formas de facilitar a

formação do vínculo mãe-bebê.

Com essa teoria, pude convergir meu olhar para o meu pequeno paciente

não mais dissociando-o de sua mãe. E pude, também, integrar no atendimento 21 Lembro que, por muito tempo, a grande referência da área para compreendermos a relação mãe-bebê era o estudo de Brazelton. Segundo o autor, há entre eles uma relação de reciprocidade, sendo que “o bebê é portador de um equipamento que o predispõe à relação e à adaptação” ( Brazelton, 1987, p.47). Winnicott, de fato, vai além.

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fonoaudiológico as etapas do desenvolvimento funcional com a constituição

psíquica. A mãe é, então, incluída não “somente” para que seja orientada, mas

para que possa ser acolhida nas suas inseguranças quanto às condições que

apresenta de reconhecer às necessidades de seu bebê pré-termo. A partir daí,

ampliar a compreensão da função do fonoaudiólogo que trabalha com bebês de

alto risco foi um passo enorme e fundamental.

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5. MÉTODO Local de realização do estudo e procedimentos para sua viabilização

O presente estudo foi realizado no Hospital Governador Israel Pinheiro do

Instituto da Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais-

HGIPIPSEMG, em Belo Horizonte, especificamente na pediatria dessa instituição.

Faz parte desse setor o Centro de Terapia Intensiva Pediátrico-CTIP, que conta

com seis leitos para o cuidado intensivo e uma área para leito isolado, ocupados,

de acordo com a demanda, por RNs, lactentes ou crianças de até 14 anos.

A unidade Pediátrica é composta de trinta e seis quartos, que podem ser

modificados para servirem como enfermaria ou apartamento. Cada quarto de

enfermaria tem dois leitos, sendo o alojamento conjunto, com o acompanhante

acomodado em uma poltrona-cama; os apartamentos têm o leito e a cama para o

acompanhante. Permanecem dois quartos reservados como área para leito

isolado, tendo cada um deles um leito. Quando o RN não tem mais indicação de

cuidado intensivo, ele é transferido para a pediatria ou para o berçário.

O berçário tem capacidade para doze leitos, ocupados por RNs que

necessitam de observação ou cuidado semi-intensivo. Os saudáveis ficam no

alojamento conjunto com as mães, composto de nove quartos, sendo cada um

deles com dois leitos. O alojamento conjunto do HGIP-IPSEMG segue as normas

do Ministério da Saúde. Além do Hospital Geral Governador Israel Pinheiro, o IPSEMG é

composto por Centro Médico, Ambulatório Odontológico, Ambulatório Dario

Tavares e pela Sede Administrativa. O serviço é prestado por funcionários do

Estado, contratados através de concurso público oferecido pelo IPSEMG.

A minha inserção na equipe de profissionais que atuam nesse hospital,

especificamente no setor de Pediatria (tanto no berçário, na pediatria como no

CTIP), teve início em 1999, não como funcionária concursada. Nela trabalhei até o

início de 2003, quando foi suspensa qualquer interconsulta com especialistas que

não fizessem parte do quadro de contratados concursados. Nesse período,

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realizava o tratamento fonoaudiológico nos RNs e discutia os casos com a equipe

multiprofissional e com os residentes, para que, juntos, planejássemos a

alimentação segura por via oral dos bebês.

Além dos pediatras, outros profissionais faziam parte do quadro de

atendimento, como neonatologistas, médicos residentes, nutricionista,

fisioterapeuta respiratório (no CTIP e na pediatria), psicóloga (na pediatria e

quando solicitada atendia no CTIP), assistente social, enfermeiros e os

especialistas da área médica que podiam ser solicitados para inter-consulta

(neurologista, geneticista, cirurgião, cardiologista e odontologista).

No decorrer desses anos, pude então circular em um ambiente voltado ao

exercício da prática clínica e estar junto a esses profissionais que, em comum,

buscavam atender o paciente juntamente com seus familiares.

Quando iniciei o mestrado e já com o projeto de pesquisa em mãos,

procurei a coordenação do CTIP – representada por dois médicos pediatras -

para relatar o tema de minha dissertação e o meu interesse em coletar os dados

no setor de Pediatria da instituição. Embora tenha, de imediato, recebido a

anuência de ambos, pelo fato de não fazer parte do quadro de funcionários, foi

necessário que buscassem maneiras de viabilizar o trabalho.

Recebi então uma declaração da coordenação do CTIP e o

consentimento do superintendente (em anexo), ambos registrando concordância

com o projeto de pesquisa e com a coleta de dados na unidade e, posteriormente,

no setor de Pediatria.

O projeto também foi apresentado ao superintendente da instituição, e

então, com seu consentimento, pude encaminhá-lo para a comissão de ética do

hospital, recebendo também aprovação desta.

Na mesma época, o projeto também foi apresentado à Comissão de Ética

do Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia da PUC/SP,

solicitando parecer para o seu desenvolvimento junto à linha de pesquisa

“Linguagem, Corpo e Psiquismo”, sob a orientação da Profa. Dra. Suzana

Magalhães Maia, resultando em aprovação.

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Opção metodológica e critérios para a escolha do caso clínico Para a realização desta pesquisa, utilizei-me de metodologia clínica

qualitativa, particularmente de estudo de caso, por considerá-lo mais adequado

para que meus objetivos pudessem ser atingidos.

Esse tipo de pesquisa se configura através da observação do fenômeno,

que é aquilo que se apresenta e se revela aos olhos do pesquisador. Nesta

perspectiva, este busca compreender aquilo que efetivamente vai se revelando no

decorrer do trabalho. A compreensão é obtida com a análise dos registros, tendo

como ponto de partida o objetivo da pesquisa e os fundamentos teóricos.

Quanto à escolha do caso clínico, ficou estabelecido que esta caberia aos

coordenadores do CTIP. A fonoaudióloga/pesquisadora se responsabilizaria por

apresentar o tema da pesquisa à família do bebê, convidá-la a participar e também

obter o consentimento dos responsáveis (principalmente da mãe). A coleta dos

dados teria início no CTIP, prosseguindo no berçário e depois no apartamento da

unidade pediátrica.

O bebê a ser incluído no presente estudo deveria ser de alto-risco e pré-

termo. Os recém-nascidos de alto-risco devem ficar sob observação constante da

equipe neonatal, o que pode durar apenas algumas horas ou até várias semanas.

A maior preocupação é que sejam identificados o mais cedo possível, a fim de se

melhorar os cuidados e diminuir os índices de mortalidade e morbidade neonatal

(Behrman; Kliegman; Jenson, 2004).

Esses bebês estão sujeitos a lesões no sistema nervoso central e também

às seqüelas das doenças específicas da prematuridade, que são fatores

considerados de risco para desvio no neuro-desenvolvimento funcional e isto pode

se agravar quando o ambiente/representado pela mãe não é sensível as suas

necessidades-neste período que é critico do desenvolvimento cerebral o trauma

do vínculo precoce e o que tem impacto mais negativo na estrutura do cérebro

(Shore A, 2002).

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São considerados bebês pré-termos os que nascem com até 36 semanas e

seis dias de Idade Gestacional22. Podem ocorrer, então, doenças específicas da

prematuridade, problemas responsáveis por desvios de desenvolvimento que

comprometem a inserção social. Nesses casos, embora o peso e a idade

gestacional permaneçam como os melhores preditores de resultados, fatores

adicionais são consistentemente associados a piores resultados para déficits

neuropsicomotores. Eles incluem a displasia broncopulmonar (DBP), a hemorragia

intraventricular, os escores de Apgar abaixo de 1 e 4, a leucomalacia

periventricular e a sepse neonatal que, em combinação com fatores ambientais-

sociais de risco, podem potencializar ou ampliar os fatores patológicos de risco.

Os RN recebem uma classificação pelo peso de nascimento (PN), sendo

que são considerados de baixo peso (BP) quando o PN é menor que 2500g. E

também pelo PN e IG, sendo identificados como pequenos quando o PN é menor

que o esperado para a IG.

São bebês pré-termos extremos os que nascem com menos de 32

semanas de IG. De fato, tem-se condição anátomo-fisiológica condizente com a

vida a partir de 24s de IG e peso acima de 500g.

Os RN prematuros com menos de 1000 gramas de peso de nascimento são

classificados como de extremo baixo peso, e os com peso entre 1000 a 1499

gramas, de muito baixo peso 23.

22 A classificação do RN pela IG segue critérios para a sua determinação, tais como: IG materna, calculada a partir da data da última menstruação, segundo a regra de Naegele; método ultrassonográfico, realizado até 12ª semana de gestação; cálculo pós-natal da IG, pela avaliação clínica, pelo método Capurro e outros. 23 Segundo Oliveira (2004), são um sub-grupo de prematuros que exigem cuidados específicos ultra-especializados de terapia intensiva neonatal, com alto custo para o sistema de saúde. Como referência de qualidade a ser buscada, destaca-se que, nos melhores serviços de países desenvolvidos, a mortalidade fica em torno de 10% para os nascidos com peso entre 750-999 g e 30% entre 501-749 gramas. Por idade gestacional, a sobrevida atinge 15% nos com 23 semanas, 55% com 24 semanas e 79% com 25 semanas.

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Rotina de cuidados fonoaudiológicos com os bebês internados e inserção da pesquisadora na equipe multiprofissional

O tratamento fonoaudiológico, ao ter início, segue as solicitações da equipe

envolvida com o caso clínico e também as demandas deste. Para tanto, o

fonoaudiólogo deve adotar o seguinte procedimento: após a avaliação do bebê,

anota no prontuário médico os dados relativos à sua evolução clínica e a conduta

a ser seguida pela equipe de enfermagem. Esta deve, então, executar a rotina de

alimentação prescrita. Os cuidados são voltados para a promoção do

funcionamento do sistema digestivo, verificando-se: a presença ou não de estase

gástrica, o posicionamento durante e após a dieta por sonda, o tempo necessário

para oferecer a dieta por sonda, ou seja, para a alimentação ser completada, e o

volume da dieta aceita pelo bebê quando oferecida por via oral-sucção. Neste

caso, deve ser observada, ainda, a sincronia sucção/respiração/deglutição, os

dados vitais e comportamento do bebê, para evitar fadiga. Também devem ser

relatadas as intercorrências durante a alimentação do bebê, tais como: apnéia,

cianose, bradicardia, taquicardia e a queda da saturação, as quais podem alterar o

estado clínico e impedir a continuidade da alimentação por via oral ou sonda.

O fonoaudiólogo participa, ainda, de reuniões para a passagem de

plantão e de reuniões diárias com os neonatologistas, pediatras e demais

especialistas, nas quais são compartilhados os parâmetros do tratamento

fonoaudiológico e da intervenção propriamente dita.

Para o presente estudo, segui então o procedimento acima. Ficou

também estabelecido que caberia à pesquisadora levantar a história e evolução

clínica do bebê selecionado, bem como investigar a relação mãe-filho. Para isso,

foi necessário levantar no prontuário do RN os dados relativos à história de

indicação e internação no CTIP e a sua evolução nas várias especialidades

atendidas. Especificamente em relação à dupla mãe/bebê, busquei informações

nas reuniões para o estabelecimento conjunto de condutas a serem adotadas por

toda a equipe, sempre tendo como objetivo aproximar a ambos.

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Também colaboraram com esses dados os coordenadores do CTIP e do

berçário, a psicóloga, as secretárias, a fisioterapeuta, a assistente social, os

residentes, os preceptores e a equipe de enfermagem. No período da manhã,

participava com a equipe multiprofissional, no CTIP, da discussão clínica de todos

os casos internados. No berçário, reunia-me regularmente com o preceptor, o

residente e o plantonista; na unidade pediátrica, com o preceptor, o residente e

com os demais profissionais diretamente envolvidos no atendimento do bebê

selecionado. No total foram dezenove encontros.

No caso dos enfermeiros, muitas informações foram colhidas durante a

rotina junto ao bebê – troca de fraldas, banho, higiene geral, posicionamento e

mudança de decúbito e de alimentação. São, de fato, momentos bastante ricos,

pois é possível verificar se o manuseio durante esses cuidados está de acordo

com as necessidades do bebê, se as enfermeiras consideram a fragilidade do

sistema autonômico, o nível de estresse e se correspondem a isso, “protegendo-

o”, buscando maneiras de organizá-lo e facilitando a sua auto-regulação. Nesses

momentos, além de observar, também orientava a equipe, respondendo as

dúvidas em relação à maneira como as enfermeiras deveriam cumprir a prescrição

fonoaudiológica. Também procurava saber a impressão dessas profissionais em

relação à dupla mãe/bebê e investigar se estavam propiciando um clima favorável

à aproximação desta. Nos dias em que não estaria presente na instituição para a rotina de

atendimento fonoaudiológico e discussão do caso clínico, ficou decidido que

caberia à equipe eleger a melhor conduta a ser seguida, sendo esta registrada

posteriormente em prontuário para o meu conhecimento.

Todos os dados obtidos foram registrados por escrito para posterior

análise.

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Dados do caso clínico selecionado e freqüência dos atendimentos

Apresento, então, o estudo de caso de S., um recém-nascido pré-termo do

sexo feminino, classificado como de muito baixo peso, embora adequado a sua

idade gestacional, sendo esta uma condição de alto risco para problemas no

desenvolvimento, na alimentação e na constituição do vínculo mãe/bebê.

Além das discussões clínicas com a equipe de profissionais, já

anteriormente referidas, desenvolvi intervenções junto ao bebê e à família,

especialmente junto à mãe, priorizando, por um lado, manejos que auxiliaram a

organização do bebê, a adequada sincronia da sucção/deglutição/respiração e a

aquisição da sucção eficiente, e, por outro, o cuidado com a mãe no processo de

sua aproximação da filha, para dela cuidar. O atendimento privilegiou o acompanhamento dos horários das dietas - no

turno da manhã, às 9h00 e/ou 12h00, e no turno da tarde, às 15h00 e/ou 18h00 –

o que foi modulado de acordo com as demandas da evolução clínica do recém-

nascido, para facilitar uma evolução segura da alimentação por via oral. Também

foi respeitada a disponibilidade da mãe para estar com a pesquisadora, bem como

visitar o seu bebê, dele cuidar e alimentar. No total, foram dez encontros com a

mãe. A freqüência do acompanhamento também foi estabelecida junto à equipe,

ficando acertado que seria de duas a cinco vezes por semana, incluindo os finais

de semana, sempre considerando os aspetos relacionados à função de

alimentação do bebê a ser efetivada pela mãe. Ficou previamente estabelecido

que a fonoaudióloga poderia por telefone ser informada da evolução do caso

clinico, após o atendimento ou em qualquer dia da semana em que não pudesse

se fazer presente na instituição. Também estaria disponível à equipe e familiares

para contato telefônico a qualquer hora do dia, para o que se fizesse necessário.

A secretária do setor estava ciente quanto ao horário e dia de meu retorno

no setor, a ser previamente estabelecido após cada atendimento. Essa informação

era registrada na prescrição fonoaudiológica, para conhecimento da equipe de

enfermagem, e, também, no prontuário médico.

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Quanto ao meu tempo de permanência na instituição, foi de duas a três

horas por atendimento. Primeiramente, lia atentamente os dados de evolução no

prontuário médico e da enfermagem; era informada oralmente pelo residente e/ou

enfermeiras quanto ao estado geral e comportamento do paciente, principalmente

se havia alguma intercorrência ou alteração do quadro.

Depois, realizava então o trabalho com a mãe e com o bebê, sempre

avaliando a condição clínica deste - acompanhando suas respostas fisiológicas e

autonômicas, antes e após a alimentação, por via oral ou por sonda.

Fazia parte da rotina fonoaudiológica, então, verificar a evolução dos

dados vitais pela monitorização mecânica e clínica.

Parâmetros da monitorização mecânica:

Freqüência Cardíaca (FC) em RNPT: de 100-180bpm-batimento por minuto,

variação considerada normal, sendo a comum 140-160; acima de 180 indica

taquicardia; abaixo de 100, bradicardia. Na alimentação, deve-se ater à FC

inicial e como esta se mantém durante e após.

Saturação de oxigênio: é expressada em porcentagem. Em RNPT é

considerada normal acima de 90%, isto é, entre 90% a 100%, também durante

a alimentação.

Parâmetros da monitorização clínica:

Freqüência Respiratória (FR): em RNPT deve ser medida por um segundo,

sendo considerada normal de 40-60 inspirações por minuto (ipm). Até 80ipm é

aceitável, acima disso indica que o bebê encontra-se taquipnéico; abaixo de

40ipm, encontra-se bradipnéico.

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Qualidade respiratória: é observada nas mudanças que ocorrem na FR e na

profundidade respiratória. O esforço respiratório repercute na FC e na forma do

caminho aéreo.

Outros parâmetros que devem ser considerados:

Esforço respiratório: os sinais podem ser: batimento das asas do nariz; retração

entre as costelas (inter-costal), em cima das clavículas (supraclavicular), abaixo

da margem das costelas (subcostal), na base do pescoço (suprasternal) e na

margem distal do externo (xifóide).

Sons respiratórios na expiração e/ou na inspiração: a respiração normal é

suave e tranqüila, já os sons respiratórios indicam problemas no caminho aéreo

alto ou baixo e podem ser do tipo estridor, ofegante e gemido expiratório.

Mudança no Padrão Respiratório (PR): é observado o movimento do tórax e do

abdômen, caracterizando a sua configuração durante a respiração. Observa-se

se o sincronismo está normal, sendo que o declínio inspiratório e o movimento

balacim, que significa falta de sincronismo/anormalidade no mecanismo

respiratório, é sinal de mudança no (PR). Algumas variações no (PR), isto é, na

freqüência, na duração da inspiração, na expiração e pausa entre as

respirações podem variar. Algumas delas são anormais e sugerem disfunção na

regulação central da respiração. Em RNPT, podemos ressaltar: apnéia -

interrupção da respiração com alguma duração, sendo normal por até 15

segundos e sendo considerado anormal por mais de 20 segundos, podendo

estar associada à hipotonia, palidez, cianose e bradicardia; respiração periódica

- em RNPT pode ser considerada normal, mas sugere uma dificuldade no

controle do ritmo respiratório. O padrão é descrito com três ou mais pausas

respiratórias com mais de três segundos de duração e com menos de vinte

segundos de respiração entre as pausas.

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Coloração da pele: é considerada normal quando rosada. Deve-se observá-la

na face - em volta dos lábios (circum-oral) e em volta dos olhos (circumorbital) -

e nas extremidades dos membros superiores e inferiores - mãos e pés. As

alterações podem ser: pálido - sugere baixa saturação de O2 ou pobre perfusão

e o RN pode se mostrar pouco resistente; fosco/cinzento – indica que se deve

pesquisar patologia ou sobrecarga no sistema cárdio-respiratório; cianose oral

ou orbicular - o tecido fica cinza ou azulado e sugere queda da saturação de O2

e acontecimento agudo, com um período de apnéia com súbita queda da

saturação; azul/ púrpura - indica agudo acometimento e necessita de suporte

médico imediato; vermelho /ruborizado - durante a alimentação pode ocorrer

devido à contorção e ao grunhido e pode estar associada ao choro. Não é

indicativo de problemas cárdio-respiratórios e sim de esforço do RN nesta

atividade. O estresse pode influenciar a alimentação.

Sinais autonômicos de estresse: podem ser considerados moderados: suspirar,

bocejar, espirrar, transpirar, soluçar, assustar, tremor, respiração ofegante,

desligar/apatia. Podem ser considerados severos quando observados na

alimentação: tosse, cuspir, vômito, aspiração do alimento, mudança na

coloração da pele, pausas respiratórias e respiração irregular.

O trabalho foi registrado por escrito ao final de cada atendimento prestado

à mãe, ao bebê ou a ambos, sendo também feitas algumas imagens, o que foi

devidamente autorizado pela família e pelo hospital. Este recurso teve como

objetivo possibilitar que o bebê fosse apresentado à família e também registrar os

momentos em que a mãe foi se aproximando e entrando em sintonia com a filha,

dando-lhe o que é essencial a sua existência - a amamentação. Também registrei

trechos das reuniões com os especialistas e com as enfermeiras e os cuidados

com a equipe para efetivar a aproximação mãe/bebê.

A intervenção durou cinco semanas, trinta e um dias, sendo, no total,

dezoito atendimentos. O objetivo foi acompanhar a evolução clínica do bebê, até

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o momento em que obteve eficiência na alimentação e a mãe mostrou-se em

condição de alimentá-lo com segurança.

Apresentação do caso clínico

A apresentação foi subdividida da seguinte forma:

• Histórico da admissão no CTIP e evolução clínica

• Início da intervenção fonoaudiológica: primeiras informações colhidas junto

à equipe

• Primeiros contatos com a mãe

• Atendimentos fonoaudiológicos: cuidados com a mãe e com o bebê

Do primeiro ao sexto atendimento: busca da estabilidade fisiológica

do bebê e das condições para que a mãe começasse a dele cuidar

Do sétimo ao décimo segundo atendimento: primeiras experiências

com a amamentação

Do décimo terceiro ao décimo oitavo atendimento: a efetivação da

amamentação e o engajamento da equipe para a alta hospitalar

No final dos três últimos itens apresento análises que têm como objetivo

ressaltar a importância do papel do fonoaudiólogo na equipe, não só no que diz

respeito às questões relacionadas à técnica de manuseio para a alimentação, mas

principalmente às questões de constituição e fortalecimento do vínculo mãe/bebê.

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6. ESTUDO DE CASO

Histórico da admissão no CTIP e evolução clínica24

S., um recém-nascido do sexo feminino, pré-termo de 30 semanas de

idade gestacional calculada, tinha como peso ao nascimento 1200 gramas, o que,

embora adequado à idade gestacional, é considerado muito baixo peso.

A mãe, L., tinha na ocasião 43 anos de idade, já tendo passado por três

gestações, sendo este o terceiro parto, com sorologias negativas. É importante

destacar também que, na ocasião, L. fazia uso de medicamentos psiquiátricos

(haldol e tirofenona).

O parto foi uma cesárea de urgência, devido à pré-eclampsia.

Anteriormente, a mãe foi medicada com duas doses de corticóide e sulfato

magnésio. S. nasceu bem, cefálica, com bolsa rota no ato, líquido claro e obteve

apgar 8/8. Apresentou dificuldade respiratória no segundo minuto, sendo ventilada

por pressão positiva (VPP); como não apresentou melhora, foi entubada com 13

minutos de vida sob sedação e transportada para o CTIP.

No CTIP, S. foi então colocada em incubadora aquecida, com ventilação

assistida e cateter umbilical. Com duas horas de vida, recebeu uma dose de

surfactante. No terceiro dia de vida, foi extubada, permanecendo em CPAP, sendo

suspenso o antibiótico com hemoculturas negativas e feito ataque de cafeína.

Nessa ocasião, apresentou algumas apnéias, porém sem maiores repercussões.

No quinto dia ficou em ar ambiente, e como apresentou conjuntivite, foi medicada

por sete dias. Evoluiu sem intercorrências, com bom ganho de peso, e por assim

permanecer após uma semana, com 17 dias de vida, recebeu alta do CTIP para o

berçário, pesando 1385g e fazendo uso de sonda orogástrica. Apresentou ultra-

som (US) transfontanela normal, o que significa que foi visualizada a imagem

dessa estrutura.

24 Todas as informações deste item foram obtidas no Prontuário Médico do bebê.

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Início da intervenção fonoaudiológica: primeiras informações colhidas junto à equipe

Comecei a acompanhar o caso na CTIP quando S. estava com treze dias.

Como se apresentava estável quanto ao quadro clínico, a equipe estava muito

tranqüila, sendo que os procedimentos seriam os de rotina, isto é: higiene;

alimentação por sonda orogástrica; controle de temperatura; coleta de dados

vitais; manutenção da monitorização cardíaca e da saturação; observação de

posicionamento e mudança de decúbito. Não havia indicação para novos exames

complementares, sendo que seria dada continuidade à medicação (cafeína) em

uso.

Havia, porém, um novo dado. Segundo a equipe de plantonistas, pela

segunda vez, o bebê ficaria sem um nome, pois no final de semana, durante a

visita, a mãe informara que iria trocá-lo novamente.

No final da passagem de plantão, percorri a CTIP pelo corredor central e

me aproximei da incubadora de S. Pude ver então uma menina muito pequena e

graciosa, tranqüila, movimentando-se com suavidade. Assim como os outros

recém-nascidos, estava em um ninho que a acolhia confortavelmente, sendo que

havia um pano sobre a incubadora para controlar a luminosidade (o fundo

vermelho e a parte de cima branca) que proporcionava um ambiente à meia luz,

um efeito muito protetor e que, ao mesmo tempo, ressaltava a vitalidade de S.

Estava muito bem posta e procurei então saber quem estaria cuidando dela

naquele plantão de enfermagem.

Aproximei-me da enfermeira e iniciei uma conversa. Com a intenção de

colher dados sobre minha paciente, comentei que havia tido uma boa impressão

do CTIP, percebia que o ambiente estava bem cuidado (isso do ponto de vista

físico e funcional, do material e da disposição dos leitos) e, ao mesmo tempo,

agradável e tranqüilo; os bebês estavam cada um de uma maneira, bem

posicionados nos leitos, e ressaltei que S., em especial, havia chamado minha a

atenção, pois o seu posicionamento era feito com rolinhos, o que lhe

proporcionava um anteparo tanto firme, seguro como muito aconchegante, e que

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estava usando, de maneira bastante organizada, a postura flexora, além de ser

uma menina muito bonita.

A enfermeira me relatou que na CTIP, de fato, todos cuidavam bem dela,

mas a mãe a visitava pouco, talvez devido aos problemas psiquiátricos que

apresentava. Perguntei qual era o nome da menina e ela disse que a chamava de

S - ela já havia se chamado MF e também V, mas a enfermeira gostaria mesmo

que se chamasse S, e como a mãe não decidia por um nome, talvez aceitasse

esse que ela escolhera.

Ressalto aqui um dado muito importante para compreendermos o

funcionamento de equipes multidisciplinares. Pelo fato de esse recém-nascido ser

pouco visitado pela mãe, a psicóloga da equipe fez um trabalho de orientação com

os profissionais envolvidos no caso, em especial com a enfermagem, alertando

para a necessidade de acolhê-lo e, também, a mãe.

Naquele momento, de fato, especialmente durante os cuidados de higiene

e alimentação, constatei que S. tinha sido muito bem acolhida pela equipe de

enfermagem. A enfermeira responsável mostrava-se bem à vontade, envolvida

pelo ritmo de S., segurando-a e conversando com ela de maneira calorosa,

dizendo que ela era muito bonita, tranqüila e espertinha.

Em reunião com a psicóloga da equipe, a impressão que esta me passou

da mãe foi a de que se tratava de uma pessoa inconstante, com “mania de

perseguição”; segundo a profissional, L. havia chegado a verbalizar que a pré-

eclampsia havia sido devido ao fato de terem colocado sal na sua comida sem que

ela visse.

A psicóloga também me informou que L. havia sido camelô, iniciado

universidade de bibliotecária e também funcionária em uma escola pública, sendo

desta afastada e aposentada devido ao seu comportamento. Ela era facilmente

impressionável, e por essa razão, caso eu começasse a atendê-la, a psicóloga me

orientou a colocar claramente o objetivo do tratamento, para assim evitar

desconfianças e “possíveis fantasias”.

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L. vinha participando das reuniões com os pais, e a psicóloga se

preocupava com o fato de estar muito calada; reforçava sempre a necessidade de

a mãe retornar ao psiquiatra, para o controle dos medicamentos.

Já a assistente social, que coordenava a reunião de pais com a psicóloga

e a pediatra, me relatou que já vinha acompanhando a mãe desde o pré-natal, que

sabia de suas dificuldades e vinha procurando dar-lhe um suporte para que

conseguisse se organizar e continuasse vindo ao hospital, por exemplo,

fornecendo passes de ônibus para que ela e o marido visitassem a filha. De

qualquer forma, os esforços iriam se somar para que permanecesse participando

das reuniões de pais, sempre duas vezes na semana. A assistente social

preocupava-se com o fato de L. estar muito calada, pois poderia estar muito triste

e deprimida

Segundo os profissionais da equipe, a mãe realmente não visitava a filha

regularmente, como se não fosse necessária ali, no CTIP, e sendo assim, a

criança parecia correr alto risco de abandono. O coordenador do CTIP, então,

frisara para a mãe que a menina estava muito bem e que ela precisava muito dela,

que a segurasse, cheirasse, conversasse, ficasse na UTIP com a filha e lhe desse

seu leite.

Com relação ao objetivo em comum da equipe, a psicóloga me reportou

que todos deveriam favorecer que a mãe se tornasse mais presente na instituição.

E com relação à minha atuação especificamente, deveria seguir essa orientação,

incentivando a mãe a estar presente na reunião de pais e também dedicar-me aos

cuidados com a alimentação do bebê, a serem iniciados pela mãe através da

amamentação.

Primeiros contatos com a mãe

Combinei com a secretária do CTIP que fizesse contato com a mãe,

quando esta fosse à unidade, para apresentação do meu trabalho e que a

convidasse a dele participar. Três dias depois, L. foi informada que a

fonoaudióloga queria falar com ela.

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Fui ao encontro dessa mãe, que estava em uma sala dentro da unidade;

abri a porta, cumprimentei-a e certifiquei-me de que se tratava de L. Ela estava

sentada em uma poltrona, sendo ordenhada por uma enfermeira. Apresentei-me

como fonoaudióloga pesquisadora e disse que precisava falar com ela, se poderia

ser durante a ordenha ou se gostaria que fosse depois, pois poderia esperá-la.

Com aparente tranqüilidade, olhando-me, a mãe demonstrou interesse, disse que

poderíamos conversar e que estava me esperando. Perguntei então se estava

tudo bem com a ordenha, e ela respondeu que, no momento, sim, porque a

enfermeira a estava ajudando e era muito difícil fazê-lo sozinha, sentia-se muito

cansada, dava um “trabalhão e só saía um pouquinho”.

Disse a L. “que bom que a enfermeira a está ordenhando, ela está sendo

um verdadeiro anjo da guarda seu, tira seu leite, vocês conversam enquanto

isso... e qualquer gotinha de leite que você conseguir tirar em casa pode saber

que ajuda”. Com essa fala, busquei fazê-la sentir que estávamos preocupados em

cuidar dela, e completei: “é bom sabermos que podemos contar com os outros

quando precisamos”. A mãe então falou: “não somos nada sozinhos”. Continuei

dizendo que, pelo que eu conhecia, as enfermeiras da unidade a ajudariam

sempre que precisasse, e L. respondeu que sabia, pois era sempre bem recebida

por todas e agradeceu a enfermeira quando esta acabou o manuseio na sua

mama. A enfermeira acompanhou todo o diálogo, agindo de forma natural, com

interesse e simpatia.

Comecei então a me apresentar. Relatei que vinha trabalhando há muito

tempo com bebês de alto risco, já há vinte anos, e nesse período atuei em

algumas instituições, implantando e coordenando o tratamento fonoaudiológico

voltado para esses bebês e suas famílias; sempre estive muito envolvida com

esse trabalho e também na sua divulgação, dando aulas sobre o tema,

participando em congressos como conferencista. Esse percurso foi me

direcionando para a vida acadêmica, e me tornei coordenadora de um curso de

pós-graduação nessa área de atuação. No Hospital Governador Israel Pinheiro

IPSEMG – Instituto da Previdência dos Servidores Públicos de Minas Gerais, tinha

trabalhado por cinco anos com a equipe da pediatria e, no momento, estava ali de

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novo, para fazer a pesquisa junto aos bebês e a suas mães. No momento, vinha

realizando uma pesquisa na área, como parte do meu mestrado, e gostaria de

convidá-la a participar, pois ela poderia, com isso, ajudar outras mãe e outros

bebês. O meu objetivo junto a ela era ajudá-la a se sentir segura durante os

cuidados com a filha, principalmente em relação à alimentação; e com o bebê, os

cuidados agora seriam voltados para que iniciasse o desmame da sonda e a

sucção no seio.

L. disse que estava assustada, queria saber se a sua filha tinha algum

problema, pois tinha uma sobrinha que fazia tratamento com fonoaudióloga e tinha

muitos problemas; era uma complicação para a família, que estava sempre a

levando aos tratamentos. Disse que podia imaginar que sim, mas que, com os

bebês, nesta área, o tratamento abordava também a prevenção, como acontece

em todas as áreas de saúde. Ressaltei que a evolução dos conhecimentos leva a

medidas preventivas, e nesse aspecto, ambas, mãe e filha, seriam atendidas. O

tratamento era para que o desmame da sonda acontecesse gradualmente,

evitando um esforço do bebê, e para que S. pudesse, na medida de seu

desenvolvimento, aperfeiçoar a coordenação da sucção, deglutição com a

respiração, e sugar no seio.

A mãe concordou em participar da pesquisa; entreguei-lhe o termo de

compromisso e combinamos que traria a resposta na sua próxima visita. Tive a

preocupação de dar um tempo a ela, para que pensasse, e não modificasse o seu

ritmo de trânsito na instituição. L. combinou que o seu retorno seria após cinco

dias, quando viria ao hospital para visitar a filha e para a reunião de pais e traria

então o termo de compromisso. Afirmei que estaria buscando o documento no

CTIP, nessa data, no horário da reunião dos pais.

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Atendimentos fonoaudiológicos: cuidados com a mãe e com o bebê

• Do primeiro ao sexto atendimento: busca da estabilidade fisiológica do bebê e das condições para que a mãe começasse a dele cuidar

Primeiro atendimento

No dia e horário combinados, fui ao CTIP. A secretária me informou

que o documento estava com ela, que a mãe já o havia assinado e estava

preocupada porque eu não havia chegado. Esclareci que havia um engano por

parte da mãe, pois estava combinado que eu chegaria ao hospital naquele horário

e que poderíamos conversar depois da reunião de pais. Fui comunicada que S.

havia sido transferida para o berçário há quatro dias e que poderia ter ido para um

apartamento com a mãe, mas esta estava resistente à reinternação. Mais tarde,

pela assistente social, soube que um dos motivos alegados pela mãe era o fato de

não ter com quem deixar as outras duas filhas (de outro casamento); teria medo

que o pai dessas crianças as tomasse devido à sua permanência no hospital, pois

ele não aceitaria que suas filhas ficassem com seu atual marido.

Nesse dia, como combinado, estive com a mãe após a reunião,

novamente quando ordenhada pela enfermeira coordenadora do andar.

Conversamos rapidamente sobre o nosso desencontro, para esclarecê-lo; disse

que já havia estado no berçário, que a sua filha estava bem e se ela estaria

presente no horário da próxima dieta. L. respondeu que não, pois precisaria ir

embora depois da ordenha; estava muito cansada e não via a hora de não

precisar sair tanto de casa. Ficou então acertado que nos encontraríamos no

berçário no dia da próxima reunião de pais, que seria dois dias depois deste nosso

encontro.

Quanto à S., estava com 33 semanas completas, no quarto dia de

internação no berçário, após CTIP e isolamento devido à infecção. A dieta estava

sendo oferecida por sonda orogástrica (SOG), variando a FR entre 44-64ipm e a

FC entre 140-160bpm. O padrão respiratório era periódico, e para evitar a pausa

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prolongada e a apnéia, estava sendo usada cafeína. S. apresentava-se mais

sonolenta, com pouco interesse na SNN, mesmo quando manuseada durante os

cuidados de higiene, mudança de decúbito e posicionamento antes da dieta por

sonda; durante a dieta por SOG, permanecia organizada na postura flexora,

aceitava a aproximação mão/boca, mas permanecia sonolenta.

Nesse momento orientei a equipe a adotar a seguinte conduta:

controlar a luminosidade; manter posicionamento com uso dos rolinhos e mudança

de decúbito; estímulo à SNN, durante o horário da dieta e nos intervalos, quando

com sinal de irritabilidade e choro, com aproximação da mão/boca; tomar medidas

anti-refluxo.

Segundo atendimento

Neste segundo atendimento, no início do plantão da manhã/dieta das

9h00, fui ao encontro de S. e da equipe. A mãe havia anunciado que voltaria na

instituição no dia da reunião de pais.

S. estava então com vinte e dois dias de vida, ou seja, 33 semanas e

um dia, pesava 1470g, apresentava FR entre 48-56ipm e FC entre 150-160bpm.

Embora na rotina hospitalar, usualmente, o parâmetro para o início da sucção

nutritiva seja a partir de 34 semanas de IG e peso acima de 1500g, optei por dar

início a esse procedimento. Apesar da pouca idade e estando sonolenta, observei

que S. apresentava uso organizado da postura global flexora e estava sem sinais

de esforço respiratório; seria, pois, capaz de coordenar uma pequena quantidade

de leite em um fluxo lento. Assim, com o treino da SN, pude proporcionar a ela

uma vivência mais prazerosa com a boca. O material utilizado foi uma zaragatoa

com SWAB25, sendo que tive o cuidado de, inicialmente, apenas umedecê-la no

leite e oferecê-la para sucção. Antes do procedimento, o bebê foi manuseado para

os cuidados de higiene e foi verificada a presença de estase gástrica.

25 Trata-se de um material esterilizado, com a forma de cotonete, porém a sua haste é longa e é utilizado na pediatria para fazer pesquisa de colonização ou infecção por micro-organismo na pele ou no sítio.

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Depois de colocada em decúbito ventral, S. facilmente assumia a

posição flexora - isto é, a cabeça encaixada direcionava-se para frente, os ombros

arredondados, os braços flexionados e próximos ao tronco, a pélvis elevada em

posição neutra, os membros inferiores flexionados e simétricos com os joelhos em

contato com o colchão e, finalmente, os pés com discreta rotação interna, estando

um em contato com o outro. Tudo isso demonstrava a sua organização sensório-

motora.

Fui então iniciando o treino da sucção nutritiva dentro das

possibilidades do sistema cárdio-respiratório de S., graduando o uso da sua força

muscular em direção à linha média. Os parâmetros seriam a sua FR, a sua FC, a

sua qualidade respiratória, a manutenção da organização motora global em flexão,

o seu estado de consciência e os componentes da sucção, deglutição e

respiração.

Devido à sonolência e à resposta em sucção irregular de S., busquei

uma forma de aumentar essa resposta sensório-motora pela estimulação

sensorial. A mão de S. percorreu seu rosto e, então, aproximei-a de sua boca.

Introduzi a SWAB umedecida no leite, deslizando-a, com movimentos curtos e

lentos, em direção à gengiva. Fiz então o mesmo estímulo do outro lado e

aguardei uma resposta. S. abria e fechava a boca, com pouca pressão nos lábios,

mascando; esse movimento evoluiu para uma resposta em procura da cabeça

para os lados, de pouca duração.

Ofereci para sucção a SWAB umedecida no leite, o estímulo entra na

cavidade intra-oral, sem tocar diretamente a língua, mas com leve pressão nas

papilas, localizadas no palato duro. S. iniciou a resposta em sucção com pouca

pressão intra-oral, lenta e com os ciclos pequenos, mas rapidamente mudou para

uma sucção rítmica, com ciclo prolongado, sendo 10-18 sucções e boa pressão

intra-oral, pois ouvia-se sons de estalos. Sugou durante três minutos a SWAB

umedecida, que lhe ofereci três vezes. A dieta pela SOG foi iniciada durante o

estímulo oral, sendo programada para correr em 50 minutos. S. manteve os olhos

entreabertos, pois estava sonolenta, porém, a sucção estava rítmica, e os

parâmetros da FR e da FC, dentro da normalidade, bem como a organização

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motora global, com o aumento da atividade flexora. A pouca resistência de S. e o

seu limiar de funcionalidade foram então revelados pelo batimento das asas do

nariz, como sinal de um discreto esforço respiratório.

Diante disso, a conduta que sugeri à equipe foi de iniciarmos o treino

da sucção nutritiva no horário da dieta por SOG, quando, com boa atividade, o

volume seria de 1,0 ml, oferecido em mais ou menos três minutos, com a RN

sendo posicionada em decúbito lateral direito, com a cabeça mais elevada que o

quadril. Isso é comumente oferecido pela inclinação da bandeja da incubadora,

porém, no momento do estímulo, seria reforçado, pois o corpo de S. seria contido

por uma das mãos. Assim, ela ficaria com a sua cabeça e o seu tronco superior

um pouco elevados do colchão, porém tendo-se o cuidado em mantê-la, pelo

manuseio, com o tronco estável, e pelo uso dos rolinhos, com os braços e as

pernas organizados em direção à linha média, para assim manter a estabilidade

geral.

Terceiro atendimento

Nesse dia, fui ao encontro de S. e de sua mãe, pois ela era

aguardada por mim no berçário no final da manhã - dieta das 12h00.

S. estava com 33s e 2 dias de IGC, sendo este o seu sexto dia de

internação no berçário. Pesava 1500g, com FR 44-62bpm, FC 144bpm, sem

relato de estímulo à sucção nutritiva no decorrer do plantão anterior. A mãe estava

presente, sentada em frente à incubadora.

Observei que havia um frasco de leite materno retirado. Aproximei-

me de L. e passamos a conversar. Contei que sua filha estava sugando um pouco

de leite, e que havia feito isso no dia anterior com bastante vontade. Olhei para S.

dentro da incubadora e depois para mãe e disse: “S. é muito graciosa... Quando

ela nasceu, assim bem pequenininha, você imaginou que ela fosse assim, já toda

perfeita?”. E L. respondeu que teve medo de que ela não vingasse. Falei então:

“Mas ela está aqui, e tem estado bem”.

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No horário da dieta, L. estava com a sua filha no colo. S mostrava-se

bastante sonolenta, e pude então fazer o estímulo com a SWAB embebida no

leite. Ela aceitou 0,5 ml de leite, fazia de três a quatro movimentos de sucção

seguidos de deglutição, por mais ou menos três minutos. Observei que a mãe foi

acolhedora com a filha – recolheu-a entre os seus braços e observou a sua

sucção. No decorrer do procedimento, prestávamos atenção em S., e L. pôde

concluir quando ela estava saciada, perdendo o interesse por sugar; às vezes, eu

reforçava que deveria mantê-la daquela maneira, bem junto ao seu corpo,

encaixada. Parte da dieta foi oferecida com a RN no colo da mãe, que a certa

altura disse que teria de ir embora.

A conduta foi mantida: deveria ser feito o treino da SN nos horários

das dietas, por até cinco minutos, quando a RN estivesse receptiva e a

monitorização dentro dos parâmetros típicos. A equipe concordou, estando ciente

da evolução de S. Reforcei para a mãe que, no dia seguinte, estaria no berçário, mas

ela não confirmou se visitaria a filha, pois também estava envolvida com outras

preocupações.

Quarto atendimento No turno da tarde, fui ao encontro de S. No relato verbal de sua

evolução clínica, a enfermagem informou-me que a mãe havia visitado a filha pela

manhã.

S. estava com 33s e 3 dias de IGC, sendo este o sétimo dia de

internação no berçário; pesava 1540g, apresentava FR 52-56bpm e FC 140bpm,

sem relato de estímulo à sucção nutritiva no decorrer do plantão anterior. Antes de

ser iniciada a dieta pela SOG, fiz um manuseio global com o objetivo de organizar

a postura flexora de S.. Ofereci-lhe a chupeta, e ela sugou ritmicamente por

aproximadamente três minutos, encaixando a cabeça e trazendo os MMSS em

direção à LM.

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Neste dia, reuni-me com as duas enfermeiras que estavam

responsáveis pelos bebês isolados, para buscar maneiras de aproximá-las da mãe

e compreender as necessidades de S. Contei-lhes como havia sido a minha

entrada no caso e também como fui constatando o acolhimento por parte dos

profissionais no CTIP para com o bebê, buscando maneiras de mostrar que valia a

pena investir nele e também na dupla. As enfermeiras puderam, então, expressar

as suas impressões sobre S. e L., mas, segundo elas, pela atitude da mãe com a

sua filha, ainda mantinham dela certo distanciamento. Uma das enfermeiras foi

incisiva e expressou que a mãe era quem deveria estar lá, cuidando e olhando

pela menina. Respondi que isso seria o ideal, mas que L. estava com dificuldades

e, sendo assim, não podia estar diariamente com a filha. Aguardaria, então, poder encontrar com a mãe na próxima semana,

no horário da segunda dieta da manhã.

Quinto atendimento

S. estava com 33s e 6dias, pesando 1640g, e apresentando FR

51ipm e FC 160bpm.

Neste atendimento, durante o manuseio e treino da sucção nutritiva,

pude observar por parte de S. um aumento da força em direção à LM e uma

resposta em procura com maior abertura da boca, estando a língua direcionada

para o meio externo, englobando o estímulo.

S. iniciou a SN com ritmo, preensão forte e amplitude de mandíbula.

Observei, ainda, melhora na qualidade respiratória, sendo que ela não

apresentava batimento das asas do nariz, respirava mais profundamente,

expandindo a caixa torácica. A conduta prescrita no prontuário médico (com dados

da evolução clínica) e também na prescrição médica e fonoaudiológica dirigida à

enfermagem foi de mudar a sonda para nasogástrica, e quando a mãe viesse

visitar a RN, dar início à sucção no seio, oferecendo apenas uma mama por cinco

minutos e, caso evoluísse bem, oferecer o seio até duas vezes ao dia.

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Ficou estabelecido verbalmente na reunião clínica que caberia a

enfermagem ajudar e acompanhar a dupla na amamentação. Também o residente

estaria presente na avaliação do estado geral de S., observando se a mãe estaria

bem. A equipe clínica do berçário e a secretaria da unidade estavam cientes que a

fonoaudióloga retornaria para o próximo atendimento no dia da segunda reunião

de pais na semana, ficando essa conduta anotada. A mãe seria informada.

Sexto atendimento

S. estava com 34s e 2 dias, pesava 1720g e apresentava FR46-

48ipm, FC145-180bpm, caracterizando uma taquicardia, segundo evolução

médica a esclarecer. Este foi o segundo dia de seio materno, sendo que a mãe

relatou que, no dia anterior, o bebê tinha pegado e sugado bem, mas neste dia

estava desinteressado, talvez porque, segundo L., havia chegado para amamentar

quando a dieta já havia começado a correr pela sonda.

De fato, quando cheguei, a mãe já havia oferecido a mama e estava

com S. recebendo a dieta por sonda, no seu colo. Perguntei a L. o que gostaria de

fazer, pois senti que estavam desconfortáveis - talvez a mãe estivesse sentindo

insegurança, mas observei que S. estava bastante sonolenta e desorganizada em

seu colo, o que poderia significar uma sobrecarga durante a alimentação; o

estresse e o fato de a RN estar muito solta, com o tronco superior flexionado,

poderiam fazer com que o leite refluísse. A mãe pôde dizer, então, que gostaria de

colocar a filha na incubadora, pois já estava no horário de ir embora. Disse que

estava bem, concordei que S. estava de fato sonolenta e me dispus a ajudá-la a

colocar a menina na incubadora, lembrando que, no dia seguinte, estaria no

berçário no horário da amamentação e poderia ajudá-la e que iria procurar deixar

seu bebê confortável na incubadora, recebendo o alimento, para que a dupla se

encontrasse no outro dia.

Segundo a enfermagem que ajudou L. na amamentação, a mãe

estava muito sem jeito com a filha e a colocava distante da mama. Quanto ao

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quadro clínico, a equipe médica avaliou que S. estava mais preguiçosa e

sonolenta e que, no dia anterior, pôde ser amamentada sem a sonda, que foi

posteriormente passada. Neste dia pude combinar com a mãe de nos encontrarmos no outro

dia, sendo o horário da dieta previamente agendado; estaríamos presentes com

uma antecedência de quarenta minutos, pois S. poderia manifestar fome antes e

assim teríamos tempo suficiente para cumprirmos a rotina de lavagem das mãos e

as de S. antes de ser amamentada.

Análise

Na situação em particular dessa mãe, percebi que a sua postura

precisava ser respeitada, pois certamente estava com dificuldades para se

aproximar de sua filha. Isso significa que precisava, também, de cuidados para

que fosse gradativamente se aproximando do bebê e aí sim pudesse desenvolver

uma relação mais natural com ele.

Nestes primeiros momentos, procurei mais observar a mãe e mostrar-me

disponível para que ela se colocasse. Assim, ela pôde me revelar toda a sua

indisposição para estar presente na instituição. Apenas ouvi seu relato, pois meu

objetivo era que ela se sentisse acolhida da maneira como se apresentava, sem

julgá-la e sem exigir que cumprisse horários previamente agendados. Desta

maneira, disponibilizei o meu horário para estar com ela nos momentos em que

pôde visitar a sua filha.

Isso nos remete a Winnicott (1985), quando ressalta a idéia de que a

tarefa de ser mãe é impossível de ser ensinada. Portanto, coube a nós,

profissionais envolvidos no caso, cuidar do entorno dessa mãe, para não

atrapalhar o que pudesse vir a acontecer naturalmente.

Em relação ao bebê, optei por orientar a equipe no sentido de favorecer,

segundo o modelo Síncrono-ativo (Als,1986), a manter em curso a organização

dos subsistemas fisiológicos e ajudar S. nas estratégias de auto-regulação, pelo

uso modulado do tônus flexor, aproximação da mão/boca e da resposta em SNN e

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facilitação da diferenciação sono/vigília, evitando o retraimento, devido à

luminosidade excessiva.

Ressalto que fui organizando a rotina de atendimento de maneira a poder

estar com a dupla mãe-bebê e com a equipe clínica, tendo em mente que seria

importante discutir com esta a evolução do caso para o estabelecimento de

condutas.

Neste momento, observei que o bebê pôde demonstrar a sua

possibilidade do uso funcional da boca, dentro do seu nível de maturidade neuro-

motora e do seu sistema cardio-respiratório; sua resistência era baixa,

provavelmente devido ao seu baixo peso e a pouca quantidade de tecido adiposo.

O manuseio e a estimulação sensório-motora na região da face e depois na

cavidade intra-oral teve como objetivo adequar a sensibilidade e aumentar a

resposta motora. O manuseio acompanhava a movimentação de S., o que ia

garantindo o seu alinhamento biomecânico e a modulação do seu tônus. Com

isso, foi possível garantir a sua estabilidade fisiológica, pois modulava os

estímulos considerando o nível de estresse de S. pelos sinais de aproximação ou

retraimento. Assim, o manuseio possibilitou a organização global e o controle do

fluxo de leite para que facilitasse a sincronia da sucção/ deglutição/ respiração.

S. apresentou e pôde usufruir uma melhor qualidade respiratória, treinou a

SN e manteve os dados vitais estáveis e o sistema autônomo, possibilitando a

organização do comportamento motor no nível de seu amadurecimento (Als,

1986). Essa evolução foi garantida pelo fornecimento de estabilidade no tronco do

bebê, durante a atividade funcional de alimentação (tratamento neuroevolutivo-

conceito Bobath).

O manuseio fornece estabilidade ao tronco do bebê e ele responde

potencializando a ação da musculatura abdominal. Esse requisito facilita o uso do

diafragma na respiração/inspiração, o que possibilita o aperfeiçoamento da função

de alimentação. A aquisição de maior resistência vem sendo garantida no

processo, evitando a fadiga, a conservação da energia, sendo então menor o

gasto que a entrada calórica. Desta maneira, o bebê ia apresentando uma curva

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de ganho de peso ascendente e uma atividade funcional no nível do de seu neuro

desenvolvimento.

• Do sétimo ao décimo segundo atendimento: as primeiras experiências com a amamentação

Sétimo atendimento

S. estava com 34s e 3 dias e pesando 1770g. Presente, a mãe

oferecia o seio à filha com muita naturalidade. Fiquei, apenas, observando a

dupla.

Anunciei que marcaria o tempo de sucção, que foi de nove minutos,

com pequenas explosões de sucção; isto é, S. fazia entre 3-5 sucções por

explosão, seguida de múltiplas respirações. No final, permanecia no colo de L. e,

com os lábios entreabertos, abocanhava e soltava o seio, explorando a mama e

usufruindo dessa experiência. O desejo da mãe era de que a menina sugasse

mais. Disse-lhe que também esperávamos isso dela, que eu a compreendia e que

sabia que o bebê dela iria chegar lá.

Perguntei à mãe se gostaria de registrar aquele momento com uma

fotografia; ela se excitou, disse que não estava arrumada, mas olhou para S. com

ternura. Incentivei-a, dizendo: “você está bem, natural, olha, acho que é uma

oportunidade de registrar esse momento seu e de seu bebê; e você tem a opção

de, se não gostar, rasgar”. Perguntei: “Sua família já conhece S.?” L. disse que

não. “Estão curiosos? Você gostaria que a conhecessem por foto?” A mãe sorriu,

aprovando minha sugestão. Comecei fotografando o bebê e depois a dupla e, em

seguida, mostrei as fotos na tela da câmera. L. pareceu satisfeita, acho que não

só pela foto em si, mas pela possibilidade de levar a imagem de seu bebê para a

casa e poder compartilhar em família e com as outras filhas, mostrar como estava

crescendo e a maneira como estava sendo cuidado.

Durante a sucção, S. apresentou FC171-174, com saturação entre

91-99. Colocada na incubadora, apresentou queda da saturação persistente por

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aproximadamente 20 minutos, até 84, sem cianose e com pausas respiratórias de

até oito segundos. A conduta da equipe médica foi de reforçar as condutas anti-

refluxo e observar constantemente a RN durante a alimentação.

Importante informar que a mãe tinha pouca disponibilidade de estar

no hospital aos finais de semana, por causa da sua rotina familiar. Comunicava

que viria amamentá-la, mas não poderia marcar com antecedência o dia da sua

visita a S. nos finais de semana.

Busquei agendar o acompanhamento da amamentação no final de

semana e ficamos de nos falar no sábado, para confirmar um horário no domingo,

mas não houve possibilidade para mãe de agendar um horário. Por telefone,

conversei com uma tia de S., que se mostrou bastante envolvida e interessada em

ajudar L..

Oitavo atendimento

S. estava com 34s e 6dias, pesando 1850g. Como persistiam as

quedas de saturação durante a dieta, optei neste atendimento em posicioná-la em

decúbito ventral e oferecer a chupeta para sucção enquanto corria a dieta por

sonda; assim, pude observar a evolução e também discutir com a equipe para

estabelecer a conduta de tratamento.

O preceptor/coordenador do berçário sugeriu que tínhamos de

preparar S. para alta e aumentar o número de sucções no seio. Sugeri que, diante

das possibilidades da mãe, seria bom se pudéssemos verificar, primeiro, se ela

poderia vir mais vezes e, ao mesmo tempo, também ser participada das

necessidades de seu bebê, de aumentar a experiência de SN. Não havendo

possibilidade de a mãe amamentá-la mais vezes ao dia, seria iniciado o uso da

chucca e/ou do copinho. Combinamos também que a residente ou o preceptor

teriam essa conversa com a mãe e, também, se a clínica permanecesse estável,

S. passaria para o berço. Com isso, buscávamos que a enfermagem tivesse mais

fácil acesso ao bebê e pudesse conversar com ele, carregá-lo e tocá-lo. Além

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disso, é sempre bom para a mãe ver que a filha está no berço e não mais no

ambiente de difícil acesso da incubadora. A equipe clínica do berçário e a secretária da unidade estavam

cientes que a fonoaudióloga retornaria para o próximo atendimento no dia da

segunda reunião de pais na semana, e naturalmente comunicariam essa

informação à mãe.

Nono atendimento

A mãe esteve presente a uma das reuniões de pais da semana e

depois esteve com S. no berçário.

S. estava com 35s e 3 dias, sendo este o trigésimo sétimo dia de

vida, e pesava 1940g.

Retornei ao berçário após três dias, sendo que, em contato telefônico

feito no dia anterior, soube que S. estava sem sonda, aceitando a dieta por sucção

na chucca, sendo que, em alguns horários, a dieta lhe era oferecida

antecipadamente devido ao choro e à manifestação de fome. S. estava mantendo

as quedas da saturação após a dieta, e a mãe não compareceu para visitá-la,

avisando que estaria presente no outro dia, na reunião de pais, pois estaria

providenciando documentos.

De fato, encontrei L. no berçário, sentada próxima ao berço; S.

estava dormindo e a mãe aguardava para amamentá-la; disse a L. que logo

estaria com elas, isto após ter me aproximado e observar que estavam bem.

Fui então para a reunião clínica. O preceptor estava reunido com os

residentes para a discussão dos casos clínicos internados. Todos demonstraram

interesse em discutir o caso L., sendo que a questão que mobilizava a equipe era

quanto à alimentação. Fui solicitada a dar meu parecer de especialista quanto à

melhor forma de desmame da sonda, se, quando não amamentada, deveria ser

utilizada mamadeira ou copinho. De fato, nesse momento, essa questão era

bastante pertinente, pois os cuidados estavam voltados para o bem estar do bebê,

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da dupla. Quanto à alta hospitalar, os profissionais envolvidos seguiram

informando que ela se daria com a presença da mãe, do pai e de uma tia (irmã do

pai que já vinha ajudando nos cuidados com as outras filhas). Segundo relato da

psicóloga, o conteúdo da dificuldade da mãe em acolher aquele bebê e também

no seu casamento estava presente na manifestação do desejo de L. de dar a filha

ao pai e de dele se separar.

Quanto à evolução da sucção e da dupla nos últimos quatro dias, fui

informada que, no primeiro dia, S. aceitou os 10ml de leite por via oral; no

segundo, a quantia foi aumentada para 20ml, sendo oferecida em uma chucca

com o bico redondo. A equipe havia iniciado a sucção em chucca e estava

insegura quanto às características do utensílio utilizado, quanto ao tamanho do

furo, formato do bico, material e o volume total da dieta completado pela sonda.

No terceiro dia, a SNG foi retirada, pois a mãe estava presente e deveria

amamentar a filha, com livre demanda durante as dietas do dia. Segundo a

residente, houve apenas uma boa amamentação, a primeira do dia, sendo que,

embora estivesse presente nos outros horários, a mãe não parecia disponível para

a filha; diante disso, a residente então optou por prescrever na rotina do dia que a

dieta fosse oferecida pelo copinho.

Quanto ao quadro clínico, persistiam as quedas da saturação apenas

após as dietas, sendo então afastados outros diagnósticos. Permanecia na clínica

a suspeita de diagnóstico RGE, e a equipe optou então em iniciar com a

medicação e observar a evolução. Outro aspecto preocupante eram episódios de

aumento da FC, permanecendo entre 160-180 por alguns períodos do dia.

Coloquei à equipe que, a princípio, considerava que a melhor forma

de desmame da sonda seria via amamentação; porém, teríamos de contemplar as

necessidades da mãe e as do seu bebê, bem como acompanharmos o ritmo

dessa dupla. Por exemplo, a mãe mostrava-se segura? A quantidade de vezes

que podia estar com a filha, amamentando, era suficiente? Se S. permanecia nos

outros horários mais sonolenta e pouco disponível para a sucção, então qual seria

a conduta? Essas interrogações foram compartilhadas com a equipe para

aproximação e análise da problemática. Mas, no geral, a tendência era o bebê

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evoluir, adquirindo resistência, mantendo o ganho de peso, dando sinais de fome,

ficando alerta; e, se estivesse bem clinicamente, poderíamos programar a

reinternação da mãe e continuar ajudando-a a se sentir segura com a sua filha.

Ressaltei, ainda, que quando iniciamos o desmame pela

amamentação, a mãe deve estar se sentindo segura nos cuidados com a sua

mama, não a oferecendo muito cheia a um bebê que facilmente pode entrar em

fadiga, para assim facilitar a adequada sincronia da sucção, deglutição com a

respiração. O volume grande e o seu fluxo rápido podem levar à fadiga e à

incoordenação. A mãe deve poder estar no ritmo do bebê.

Esses foram alguns dos parâmetros que apresentei à equipe como

possibilidades de ajuda à mãe de S.

A equipe também questionou se existe no mercado algum bico que

seja ortodôntico, e se o NUK não seria o melhor a ser usado. Todos os

profissionais se mobilizaram, então, para verificar que tipo de bico estava sendo

usado no hospital e qual deveríamos selecionar para quando a mãe de S. não

estivesse presente. Pensamos em usar um bico redondo, com furo pequeno e, se

encontrássemos um com o bojo maior, experimentaríamos.

Depois da reunião, pude estar com L., que já estava amamentando a

filha, oferecendo-lhe a segunda mama. Observei que S. sugava usufruindo um

bom controle oral - sua boca englobava a aréola e as bochechas contraíam

vigorosamente. A mãe estava envolvida com a alimentação, olhava para S. no seu

colo. L. pôde dizer como aquele bebê a estava surpreendendo, ganhando peso,

sugando bem. Relatou-me, com pesar, que se encontrava insegura quanto a sua

produção de leite, talvez fosse pouca, mas que nos primeiros dias após o

nascimento tinha muito leite, mas estava em casa e teve de tirar o colostro e jogá-

lo fora. Falei então: “noto que, até hoje, você tem tristeza por ter jogado fora o leite

dessa época, quando o seio parecia ter muito leite. Mas parece que o bebê está

satisfeito. Vamos ver os intervalos, pois, sugando, a produção do leite aumenta.

Você está podendo oferecer o seu leite, o volume que estiver produzindo, e você

pode ser orientada para aumentar a sua produção”. Aproximei-me, conversando

com o bebê e afirmando que estava tudo bem ali.

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Logo depois, a residente se aproximou e também ficou ali um pouco,

admirando aquela dupla e assistindo o meu manejo. Com uma voz suave,

conversei com S., que sugou com mais vigor; a mãe já havia assistido o bebê

responder assim quando treinávamos a SN e ficou admirada. Continuei

conversando com as duas e íamos acompanhando o ritmo de sucção de S. Na

pausa, parávamos de conversar ou falávamos mais distante dela, e com o tom de

voz normal.

Como a cabeça do bebê estava pendendo para um dos lados, avisei

a mãe que iria ajudá-la, tocando no seu braço, segurando-o para ajudá-la a

posicionar a cabeça, e que o ajuste necessário era muito pequeno. Elevei um

pouco o cotovelo da mãe, assim ela pôde ver a boca do bebê cavando e

mantendo a aréola dentro da boca, aumentando assim a velocidade do ritmo da

sucção. Também orientei a mãe como um toque nos pés, firme, com pressão e em

outras partes do corpo, pode influenciar o ritmo da sucção do bebê, fazendo-o

permanecer tranqüilo. A sucção foi gradativamente diminuindo, e o bebê foi

envolvido por uma lassidão devido ao abaixamento do tônus; porém, permanecia

com a postura flexora e manteve o seio na boca pela preensão. A mãe ficou com a

filha assim por um tempo e depois a colocou no berço.

Disse à residente que achava L. muito habilidosa com a sua filha,

para mudar as posições de um seio para o outro, no colo para arrotar, ali

confortavelmente estando com ela. A mãe respondeu que era porque já tinha

criado outras duas filhas. Disse que achava que não era só por isso, já tinha

acompanhado outras mães na mesma circunstância e nem todas demonstravam

aquela segurança, visto que se trata de bebês muito pequenos. Então a mãe

verbalizou: “é, eu gosto mesmo muito de criança”; e a pediatra falou: “e o seu

bebê está muito bem”.

Fui surpreendida pela fala da mãe, e talvez tenha feito alguma

exclamação ou expressão de admiração pela sua possibilidade de afeto, pelo seu

interesse em acompanhar cada movimento do seu bebê e estar cuidando dele. No

final do atendimento, pude retomar com a equipe e relatar a fala da mãe, pois,

para mim, significava esperança, talvez estivesse valendo a pena. A equipe

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compartilhou com surpresa, e a residente ficou tocada pela cena e pelo manejo da

mãe.

A mãe amamentou no seio, oferecendo a primeira mama novamente,

pois, depois de quinze minutos, S. chorou e manifestou fome, procurando o seio.

Após essa sucção, foi colocada no berço e dormiu.

Quanto à evolução clínica, S. apresentou queda da saturação ate 86,

persistente por 20minutos, e depois ficou acima de 94.

Selecionei dois bicos novos de mamadeira sem uso, para garantir o

furo pequeno; um deles no modelo que a RN já estava usando e o outro com o

modelo da base larga, que proporciona uma área maior de contato dos lábios. A

mãe disse que retornaria no final de semana, no sábado, e depois no dia previsto

da alta e da reunião com familiares, e que traria roupinha para S.

Neste dia, pude perguntar à mãe, depois de todo o manejo, qual

seria o nome do bebê, e ela respondeu, orgulhosa: “é T!”. Contou-me, com uma

atitude muito decidida e firme, que ela havia escolhido esse nome, e pôde

esclarecer que não se tratava de nenhum dos nomes anteriores. Disse a ela que

achei o nome bem bonito, demonstrando alegria em poder compartilhar com ela a

sua sonoridade.

Décimo atendimento

Com 41 DV, 35s e 6 dias, T., como vou chamá-la a partir de

agora, pesava 2010g. e continuava mantendo quedas da saturação após as

dietas, como relatado pela equipe.

Como cheguei ao hospital no início do plantão do dia, comecei

por acompanhar os cuidados de rotina feitos pela enfermagem, procurando saber

como a dupla vinha funcionando. Ainda não havia trocado impressões com a

enfermeira de plantão, então procurei estar próxima durante os rotineiros cuidados

de higiene e alimentação, fornecendo apoio, isto é, mostrando-me disponível para

ajudá-la e para trocar impressões, sabendo mais a respeito do bebê e da mãe.

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Inicialmente, acompanhei então o banho e constatei que a

enfermeira procurava maneiras de dar segurança à T. já no manuseio, para tirar

as roupas dela - parte foi tirada no leito, sendo que o bebê não foi deixado “solto”

no espaço, pois a enfermeira usou as roupinhas como apoio, ora para o tronco ora

para o quadril. Durante o banho, quando T. chorava, era então consolada, com a

enfermeira conversando e fornecendo~lhe contenção física, que correspondia aos

seus cuidados. Pude então reforçar que o manejo tinha sido muito bem recebido

pelo bebê e que, mesmo com tantos afazeres, a enfermeira estava conseguindo

cumprir aquela rotina com desenvoltura, sem perder a precisão delicada dos

movimentos e o contato com T; sugeri que tirássemos fotos, e a enfermeira não se

intimidou.

Após o banho, T. estava tranqüila e continuamos envolvidas,

buscando maneiras de posicioná-la no leito; optamos em colocá-la em decúbito

dorsal, usando um rolinho em forma de U para fornecer uma boa base de suporte

para o quadril e contê-la, aproximando os membros do tronco. T. estava alerta e

respondia ao manuseio, modulando o tônus com uma movimentação suave e

arredondada; espontaneamente, levou a mão à boca, sugou os dedos e pôde se

aquietar no leito, enquanto a sua dieta era preparada.

A dieta foi oferecida pela enfermeira, que segurou T. no colo,

sem os membros ficarem dependurados. O bebê sugou continuamente a dieta na

chucca, com a saturação acima de 90% e a FC em 174-177. Na evolução, pude

observar que T. fez uma preensão até o bojo do bico e apresentou uma discreta

palidez após ingerir parte da dieta por sucção, sem repercussão clínica. No

posicionamento global, a cabeça permaneceu fora da LM, ou seja, não alinhada

com o tronco, indicando pobre controle motor contra gravidade durante a atividade

funcional.

Colocada para arrotar, T. foi posicionada elevada, com o tronco

alongado e a cabeça repousando no ombro da enfermeira, que, com uma das

mãos, ofereceu um suporte ao quadril para uma base de assento. Depois, T. foi

colocada no leito e posicionada em decúbito lateral direito. Os cuidados eram

voltados para prevenir o RGE. A cabeceira elevada e o manuseio para o

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posicionamento do bebê no leito buscam fornecer estabilidade e facilitar a

extensão do tronco superior, mantendo-se os membros simétricos e em direção à

LM, através dos rolinhos que mantêm a organização global.

Após o posicionamento no leito, iniciaram-se então as quedas

que se apresentavam persistentes, mas sem repercussão. Nesse momento, a

residente também estava presente e ficamos envolvidas, observando a evolução

do bebê, que parecia bastante relaxado e estava em sono profundo (sono REM).

Nesse estado, apresentou queda da saturação ate 77% e pausa respiratória de 4

segundos. Sugeri e efetuei um toque com leve pressão nos pés e nos MMII,

buscando assim melhorar a perfusão/circulação; porém, não houve alteração na

saturação. Sugeri a mudança para o decúbito ventral e constatamos a presença

de leite na cavidade oral. Colocado em decúbito ventral, observamos melhora

significativa nas quedas da saturação, apesar de que já estávamos a 30minutos

após dieta - ficaram acima de 92%, com a FC em 160-167. Após uma hora da

dieta por sucção, a FC diminuiu para 140-143bpm, FR 52ipm, e a saturação ficou

acima de 94%, o que significa parâmetros de normalidade, o organismo

funcionando sem sobrecarga no sistema cárdio-respiratório.

Ficou então estabelecida a conduta de que, após a sucção da

dieta no seio ou chucca, T. seria colocada para arrotar, sendo oferecidos então

toques nos pés e MMII, com suave pressão, e ela seria colocada no leito

posicionada em decúbito ventral, observando-se sua evolução.

As perguntas que nos colocávamos, então, eram: O que estaria

provocando as quedas da saturação após as dietas, o RGE? A sucção estaria

sendo uma tarefa árdua dentro das possibilidades do padrão respiratório de T.?

Quanto à mãe, dispúnhamo-nos em ajudá-la estando com a sua

filha, quando nos cuidados de higiene, no manuseio e no posicionamento no leito

e durante a amamentação.

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Décimo Primeiro Atendimento A mãe não compareceu no berçário no dia anterior.

T. estava com 42 DV, 36semanas, peso 2010g. No dia anterior,

apresentou episódios de queda da saturação no período da manhã, após dois

horários de dieta, e à noite não houve relato. Na primeira dieta deste dia, as

quedas iniciaram uma hora após a dieta.

A fim de investigar mais sobre o comportamento da sucção na

chucca, ofereci a dieta por sucção, com T. posicionada no colo; facilitei a sua

organização global, principalmente o encaixe da cabeça e a aproximação das

mãos na LM.. T. estava rosada, alerta e iniciou a sucção da dieta, que evoluiu com

pouca compressão do bico (pela gengiva e língua); a preensão labial ultrapassou

a região do bojo do bico, os ciclos eram pequenos, entrecortados por pausa com

múltiplas respirações para descansar, sem presença de esforço respiratório. Não

houve pronunciada atividade flexora, o que seria uma reação global típica (durante

a atividade funcional de alimentação através da sucção). T. estava organizada na

LM, mas apenas com discreto aumento da contração muscular.

A saturação inicial foi acima de 92%, e a FC ficou em 177bpm.

No decorrer da sucção, observei parte do leite sendo acumulado na cavidade oral,

e isto fez com que eu modificasse o posicionamento de T. para o decúbito lateral,

sobre o meu braço. Ela permaneceu organizada, e o leite não deglutido pôde

escorrer pela comissura labial, com T. seguindo no ritmo da sua sucção nutritiva,

que é bem caracterizado por seu padrão respiratório imaturo. O ritmo da sucção

ficou lento e a coloração da sua pele evoluiu para discreta palidez, com a

saturação a 90%. O bebê havia sugado parte da dieta entre 15-20ml, e então

introduzi uma pausa para manuseá-lo e colocá-lo para arrotar. Recuperado, voltou

a querer sugar e aceitou o restante da dieta, sendo que mantive os cuidados para

que não ultrapassasse a linha de preensão do bico, não acumulasse o leite na

cavidade oral e pudesse ser colocado para arrotar, assim que o ritmo da sucção

diminuísse.

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A conduta estabelecida para os próximos horários foi a de

oferecer a dieta de maneira fracionada, em duas a três etapas, colocando T. para

arrotar em, aproximadamente, 30 minutos; depois, posicioná-la no leito em

decúbito ventral.

Neste dia, estava agendada a reunião dos pais e da tia por

parte de pai com o coordenador do berçário, como parte do processo de alta, mas

eles não compareceram. Duas irmãs de L. estiveram presentes e conversaram

então com o coordenador. Pude conhecê-las, pois foram levadas ao berçário para

ver T. Estavam felizes com isso, e em conhecer a equipe pessoalmente e falaram

que não sabiam porque L. não havia chegado, pois esse era o combinado.

Disseram que L. estava bem, pois os medicamentos estavam controlados e assim

ela podia cuidar da sua família. Puderam admirar as fotos de T. e disseram que

imaginavam que L. ficaria feliz ao recebê-las, como também as outras filhas

poderiam conhecê-la. Pedi à secretária do berçário que entregasse as fotos para

L., caso ela estivesse no hospital.

Décimo segundo atendimento

T. estava com 44 DV, 36s e 2d, sendo este o vigésimo sétimo

dia de internação hospitalar pós-CTIP; pesava 2120g. No dia anterior, havia

sugado no seio materno por uma vez e apresentado um episódio de queda da

saturação pós-dieta; quanto à monitorização, a FC ficou em 150bpm, a FR em

41ipm e a saturação em 96%.

Segundo relato feito pela enfermeira, neste dia, T. não

apresentou palidez e nem quedas de saturação após as dietas; teve boa aceitação

do posicionamento em decúbito ventral, sendo que a enfermeira procurou

aperfeiçoar o posicionamento colocando um rolinho fino sob suas axilas, liberando

os MMSS acima dos ombros para que o tronco ficasse bem retificado. A conduta foi a de reforçar o bom posicionamento e os

cuidados durante a sucção da dieta.

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Análise

Conforme fui me aproximando mais da dupla mãe-bebê, pude observar

que L. oscilava entre oferecer ou não um bom holding a sua filha. Assim, quando

esta se mostrava mais frágil, sonolenta, ou seja, menos funcional e responsiva aos

cuidados maternos, L. a carregava com distanciamento. Ao mesmo tempo, a mãe

finalmente pôde decidir qual seria o nome da criança, que passou a ser chamada

T.

Segundo a concepção winnicottiana, de fato, o aspecto físico de

fragilidade e a doença do bebê fazem as mães perderem confiança nelas próprias

para cumprirem a função de alimentar, levando-as a procurar um conselho

autorizado (Wunnicott, 1957). Nessa situação, quando o profissional tem

conhecimento de que a questão principal é a situação emocional, o vínculo afetivo

entre a mãe e o bebê, ele procura ajudar o desenvolvimento satisfatório deste,

para, assim, a alimentação materna decorrer bem.

Muitas vezes, observei que a mãe começava a se identificar com o seu

bebê e, a partir dessa identificação, ia podendo drenar o interesse em si mesma

para ele. Teve lugar a comunicação silenciosa, sensorial, que possibilitou à mãe

fornecer o holding - ela sustentava T. nos braços, olhava-a com atenção por inteiro

e atentamente a sua face enquanto a menina treinava a SN e também no seio.

Vimos também que, nesta experiência de alimentação, a mãe se mostrou em

adaptação às necessidades da sua filha, pois pôde reconhecer o ritmo de

funcionamento dela.

Porém, não podemos esquecer, tendo em mente a formulação de

Winnicott a respeito do amadurecimento pessoal normal, que tanto esse bebê

estava com dificuldades num momento em que era totalmente dependente, quanto

a mãe no seu processo de maternagem, em poder se adaptar suficientemente

bem às necessidades dele. Nesta fase, a possibilidade de o bebê ser humanizado

vem dos cuidados que ele acaba recebendo do meio, ou seja, da mãe. Isso nos

ajuda na compreensão da natureza humana, das necessidades básicas e

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fundamentais e, nesta perspectiva, de como se constitui o humano, das condições

que favorecem a humanização - o vir a ser, o eu.

Essa percepção me levou a adotar determinada conduta tanto com a

dupla mãe-bebê como com a equipe de enfermagem. No primeiro caso, sempre

perguntava para a mãe como preferia cuidar de sua filha, dando-lhe espaço para

se expressar. Quando percebia que L. estava em condições de receber ajuda,

explicava-lhe como poderia segurar melhor T. em seu colo, de forma mais segura,

sempre reafirmando que ela vinha se mostrando habilidosa nos cuidados com a

menina. Durante a sucção no seio, quando T. diminuía o ritmo, perguntava a L. se

ela considerava que era momento de interromper a alimentação, se percebia que

já estava satisfeita. Também me dirigia com freqüência à T., explicando o que

estava fazendo, reforçando o seu bom desenvolvimento com palavras que a

tranqüilizassem, assim como à mãe.

Em relação à equipe de enfermagem, fui percebendo que as profissionais

envolvidas tendiam a julgar a mãe pelo fato de ela não estar sempre presente

junto à menina. Algumas, inclusive, começaram a cuidar do bebê de forma muito

mecânica/técnica. Frente a isso, a minha ação foi no sentido de verbalizar que a

mãe não podia estar presente; ao mesmo tempo, me disponibilizei a estar com as

enfermeiras durante os cuidados que dispensavam a T.. Nestes momentos, pude

valorizar a forma cuidadosa e tranqüila com que realizavam os cuidados básicos,

a rotina de higiene, de alimentação, o manuseio e a adequação postural no leito,

atendendo, assim, as necessidades individuais de T.. Além disso, apontava que

buscavam maneiras efetivas de confortar a menina, que olhavam e conversam

com ela. Também pude dizer como T. correspondia a todos esses cuidados,

mostrando-se alerta, atenta e, em algumas poucas ocasiões, fazendo caretas, o

que significava que algo poderia a estar incomodando.

De fato, T. se auto-regulava, pois, após o manuseio, movimentava-se com

suavidade, levava o dedo à boca e o sugava ou direcionava as mãos à linha

média (LM).

Com isso, gradativamente a equipe de enfermagem pôde assumir T. e

ajudar a mãe.

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Pensando especificamente no bebê em atendimento e nas orientações

que dei à equipe, ressaltava que devemos considerar as características e os

vários fatores que influenciam no desenvolvimento da SN em RN pré-termo.

O bebê pré-termo tem como principal característica a hipotonia; com isto,

apresenta pouca massa muscular distribuída, bem como fraqueza em todos os

músculos do corpo, principalmente nos do tronco superior, da coluna cervical e

nos da face; isso facilmente o leva à fadiga, mesmo que presente a sincronia da

sucção, deglutição com a respiração. Por vezes, a sua resistência é limitada, e

isso inclui considerarmos este aspecto nos músculos da laringe envolvidos no

mecanismo da deglutição e protetor de aspiração. Esses músculos estão sujeitos

à fadiga, sendo que alguns estudiosos consideram o fator imaturidade. Há

também a possibilidade de a fadiga ser desencadeada por um cansaço muscular

devido a uma sobrecarga gerada por aumento da freqüência da deglutição, devido

à velocidade do fluxo e do volume de leite além das possibilidades funcionais do

bebê. E, ainda, este inicialmente apresenta uma adequada sincronia entre a

sucção, deglutição com a respiração e, após um breve período de funcionalidade,

os músculos envolvidos entram em fadiga.

Também fui solicitada nas reuniões com a equipe a esclarecer questões

sobre o uso de utensílios na alimentação por via oral.

Quanto ao uso do copinho, nas reuniões com a equipe expliquei que

esse recurso faz parte da rotina dos Hospitais Amigos da Criança, com o objetivo

de privilegiar a amamentação no seio, evitando o hábito da mamadeira. Quanto à

sua validade, há, de fato, controvérsias.

Uma questão seria que o uso em um tempo muito prolongado do copinho

para o desmame da sonda pode levar o bebê a se acostumar com esse utensílio.

Se tivermos como princípio que o que está em jogo é o desenvolvimento inicial do

bebê (neste momento está acontecendo junto o físico e o emocional), então, por

um lado, temos que focar e garantir a progressão na normalidade da função oral e

também facilitarmos a qualidade desta experiência de alimentação junto à sua

mãe, o que é extremamente importante.

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Na sucção, a boca é usada como um sistema de bombeamento; a

especificidade desse sistema é atingida quando o bebê pode adequar o uso dessa

pressão para extração do leite, tendo habilidade, no decorrer do processo, de

imprimir mais ou menos pressão durante a sucção, de maneira a propiciar

adequado padrão de fluxo de leite, o que tem efeito direto sobre a qualidade da

deglutição e da respiração.

A amamentação é composta pela sucção nutritiva e também pela não

nutritiva, que é usada inicialmente e estimula a descida do leite materno. O

processo é único, pois não existem mamas iguais. Se vamos usar o copinho ou a

mamadeira e/ou seio devemos considerar se o bebê está pronto para iniciar o

processo, isso sem perder de vista os cuidados necessários a cada etapa, dentro

do seu nível de desenvolvimento, e pôr o processo em marcha em um tempo hábil

para que ocorra em um crescente, com progressão na atividade funcional até a

aquisição da eficiente e eficaz alimentação. Qualquer utensílio que seja usado

para o desmame da sonda e início da alimentação por via oral, se o procedimento

se prolongar no tempo, pode levar o bebê a se acostumar, e então surgir uma

dificuldade na amamentação.

Quando a sucção nutritiva é iniciada sem o bebê apresentar os devidos

requisitos, o processo pode se tornar penoso, com sucessivas intercorrências,

culminando muitas vezes em dificuldade em sugar o seio ou em ser amamentado.

Podemos pensar, então, que o bebê se acostumou a sugar no bico da mamadeira,

o que também pode acontecer com o copinho. Por outro lado, devemos pensar em

facilitar a aproximação mãe/bebê quando a situação é de risco. O

desenvolvimento de toda a potencialidade do bebê deve ser contemplada e

devemos procurar maneiras de ajudar a mãe; uma dessas maneira é o ambiente,

que precisa fazê-la sentir-se segura, acolhida, capaz de identificar as

necessidades do seu bebê.

Penso também, como outras colegas da área, que quando a mãe não

pode amamentar, ela pensa/sonha/imagina em dar o alimento para o seu filho na

mamadeira e não em um copinho, até porque a boca dele, nessa fase da vida, faz

o movimento de sucção para obter o alimento. Também o tratamento sensório-

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motor no sentido de ir conduzindo o órgão a desenvolver toda a sua

potencialidade se dá muito bem quando usamos a mamadeira, que pode ser

programada com o tempo e a maturidade, sendo oferecida pelo terapeuta e aceita

pelo bebê de maneira menos passiva, com ele vindo a procurar/abrir a boca/

englobar/ e sugar, como deverá fazer com o seio. Temos de considerar, pois, as

necessidades específicas do bebê, e eleger a conduta tendo em vista que o

objetivo é o desmame, e isto deve ser programado para ser breve.

No tratamento usando a mamadeira, podemos ter as mãos e o corpo mais

livres para os manuseios e facilitações, o que repercute no ritmo e na sincronia da

sucção, deglutição, respiração; por outro lado, pensando na dupla, a mãe pode

envolver o seu bebê nos seus braços, sentir-se muito bem e isso é bom para os

dois - para ele porque aumenta a área de contato com a sua pele, e é através dela

que o bebê pode se integrar, unir as partes do corpo e ter esta vivência de

integração, sendo que, neste momento da vida, isto se dá na/para a alimentação,

e se revela a vivência prazerosa de completude alimentar.

No que se refere ao bico da mamadeira, os trabalhos apontam que o

mecanismo de sucção no bico Nuk é diferente daquele que ocorre no seio, sendo

que os que mais se aproximam são os redondos, quando apresentam a luz do furo

pequena. O seio humano é tipicamente redondo, a maior deformidade acontece

durante a compressão. Nenhum bico propicia uma sucção igual ao seio materno,

pois não tem as mesmas propriedades elásticas do seio. Pela literatura, a sucção

feita no bico Nuk não é similar à sucção no seio; no estudo comparativo, ele

estimula a movimentação da mandíbula no sentido antero-posterior, e a sua forma

e consistência firme/dura dificulta/limita o bebê imaturo na variabilidade da

pressão intra-oral. O bico redondo seria, nessa etapa, o mais recomendável; a

sua consistência mais macia e o furo pequeno estimulam o bebê imaturo a sugar e

a coordenar a deglutição/respiração. O bico deve ser selecionado, portanto, de

acordo com as suas características e de acordo com as necessidades e condições

de adaptação do RN.

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• Do décimo terceiro ao décimo oitavo atendimento: a efetivação da amamentação e o engajamento da equipe para a alta hospitalar

Décimo Terceiro Atendimento T estava então com 45 DV, 36s e 3d, sendo este o vigésimo

oitavo dia de internação hospitalar pós-CTIP, e pesava 2140g.

Iniciei o atendimento pela discussão do caso clínico. A equipe

constatava que as quedas da saturação estavam diminuindo, mas ainda

investigavam porque estavam presentes. Estava afastada a suspeita de isso

ocorrer em função do medicamento usado pela mãe, pois este é compatível com

a amamentação. A cafeína havia sido suspensa há dez dias. A equipe

estabeleceu que mãe e bebê deveriam ser acompanhados por familiares na alta

hospitalar. Próximo ao horário da dieta, T. resmungou, moveu-se

sinuosamente e, enquanto aguardávamos a mãe, manuseei-a no leito,

posicionando-a em decúbito ventral com o fino rolinho sob as axilas. O objetivo era

facilitar o controle da cabeça por parte de T., para que ela o iniciasse elevando a

cabeça do leito e mudasse de um lado para o outro em contato com o colchão,

liberando as vias aéreas. Para isso, forneci estabilidade ao tronco, estando a

pélvis em posição neutra e os MMII simétricos. A FC permaneceu em 164bpm, a

FR em 39ipm e a saturação em 95-98%.

A mãe chegou com atraso para amamentar a filha, que

anteriormente estava alerta, mas então se mostrava sonolenta. L. disse que

preferia esperar que ela manifestasse fome, e orientei que deveríamos tentar a

alimentação, pois ela já havia estado acordada e estava começando a dormir,

provavelmente com fome.

Ambas, porém, demonstraram dificuldade na amamentação –

T. estava com o tronco muito fletido e não procurava pelo mamilo; a mãe disse

que ela estava muito preguiçosa. Percebi, porém, que L. não estava conseguindo

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oferecer segurança ao segurar a filha, não estava com o seu corpo próximo ao

dela. Sugeri que ela formasse o bico do seio usando o dedo indicador em

oposição com o polegar e deslizasse os outros dedos da mão, sustentando a

mama e mantendo-a assim, impedindo que pesasse na face de T., para que esta

pudesse então tocar o mamilo nos seus lábios, o procurasse e o abocanhasse,

dando início à sucção, puxando a aréola para dentro de sua boca.

Ajudei L. a se sentar, a usar a pélvis no assento da cadeira para

que tivesse mais mobilidade no seu corpo, podendo assim se sentir segura e estar

mais à vontade para acompanhar as necessidades do corpo de T. Depois, conduzi

a mãe a segurar o bebê de maneira organizada, a fornecer um bom suporte pelo

braço e pela mão, que estavam em contato com o corpo de T. Com isso, buscava

ajudar L. nesse manuseio, para que conseguisse retificar a filha, tornando-a mais

responsiva, podendo assim iniciar a sucção. A mãe deveria senti-la em seus

braços e mãos. Porém, percebi que algo não estava bem; L. ainda não estava

bem próxima de seu bebê.

T. iniciou a sucção e evoluiu com o ritmo lento, entrecortada por

pausa, mantendo essa atividade por três minutos. A mãe verbalizou que achava

que a menina havia sugado pouco e perguntou se estava tão preguiçosa por ter se

acostumado com a mamadeira. De fato, nessa situação, existia esse risco, pois T.

estava sugando mais vezes na mamadeira que no seio; apesar do bico ter o furo

pequeno, ele já se apresentava com a forma pronta, exigindo pouca adaptação no

movimento da cabeça/boca na resposta em procura e no abocanhar. Além disso,

quando inicia a sucção na mamadeira, o fluxo do leite está pronto para descer,

não demanda ao bebê usar a SNN para provocar a descida do leite.

Tinha essa impressão da situação. Disse a L. que corríamos

algum risco, mas que T. vinha aceitando bem o seio. A mãe sugeriu oferecer a

outra mama, a direita, que era mais fácil de ser manuseada. De fato, a mãe

precisou de menos suporte, e o bebê sugou por 6 minutos e, segundo L., esvaziou

a mama. Depois de arrotar, foi colocado na primeira mama novamente, mas não

desenvolveu sucção e houve dois episódios de queda da saturação, até 88%, o

que fez com que interrompêssemos as tentativas. A saturação normalizou com

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parâmetros acima de 92%.

Neste dia, a residente conversou com a mãe a respeito da alta

hospitalar e planejaram que L. deveria se reinternar na pediatria e ficar com T. por

um dia no apartamento, para poder amamentar mais vezes, cuidar e receber alta

segura. A mãe pôde falar que gostaria que T. recebesse alta hospitalar quando

estivesse maior, “mais gorda”. A residente disse que ela estava com bom peso e

que a sua aparência permaneceria assim mesmo quando atingisse os 2500g. Com

a reinternação hospitalar, L. poderia estar mais próxima de T, cuidar dela e

receber o apoio da equipe.

Ficou combinada a reiternação para depois do feriado e, após

24h00, mãe e bebê receberiam alta.

Décimo Quarto Atendimento

Antes deste atendimento, no dia anterior (final de semana), por

telefone, conversei com a mãe que acabara de entrar no berçário. Há três dias ela

não amamentava. Disse-lhe que a menina gostava de estar bem junto dela e que

isso facilitaria que pegasse o seio; L. concordou, dizendo que a filha gostava

mesmo era de ser amamentada, que era muito espertinha e que iria sim pegar o

peito. Ainda por telefone, a residente me relatou que observava a mãe sorridente,

com a sua menina no colo, e que esta evoluía sem quedas na saturação e com

ganho de peso.

T. estava no 49o-DV, 32DIH pós-CTIP, com IGC 37s e peso de

2350g.

Cheguei ao berçário e a encontrei no berço, que estava

elevado, em decúbito lateral esquerdo, alerta, sendo que seus movimentos eram

suaves. Ela estava usando blusa de manga comprida, e o seu corpo estava

enrolado em um cueiro, com os braços livres. A saturação encontrava-se em 99%,

a FC em 169-171bpm e a FR em 48-52ipm. Havia sido amamentada em dois

horários, sendo a última alimentação no seio há 40 minutos. A mãe retornaria no

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dia seguinte para ser reinternada com a filha.

Provavelmente, T. ainda não estava saciada, pois o esperado

era que estivesse sonolenta; mas, de qualquer forma, se estivesse com fome,

daria algum sinal.

Aproximadamente 30 minutos depois de minha entrada, T. ficou

irrequieta e começou a chorar; acalmei-a colocando-a no colo, e quando pus a sua

mão na boca, procurou, sugou e se acalmou. Evoluiu depois para o choro; sua

mão saiu da boca e então já não a aceitou mais, dando sinal de que queria

alimento.

O volume prescrito era de 50ml, sendo que coloquei na chucca

40ml, para assim privilegiar a observação da saciedade de T. Ofereci-lhe a dieta

no colo, com T. elevada e lateralizada, os membros organizados em direção à LM,

e estimulei que procurasse/abocanhasse e sugasse o bico para o interior da

cavidade oral. Iniciou com explosões de 6-8 sucções por ciclo e evoluiu para o

aumento de sucções por ciclo, chegando a 20. Passou a variar entre 6-20 sucções

por ciclo, caracterizando por fazer um grande ciclo, depois seguindo com menores

e voltando a fazer um ciclo maior. A respiração era tranqüila durante o ciclo e nas

pausas, que eram breves. Manteve esse padrão de SN, ingerindo todo o volume

contido na chucca. A gaze colocada por baixo da mamadeira estava úmida e,

dessa maneira, ela desprezava o volume não deglutido.

A saturação durante a SN foi acima de 96%, com FC a 175-

177bpm e FR de 45bpm. Enquanto coloquei T. para arrotar, observei que a FC

atingiu até 185bpm, retornando ate 170bpm depois que pôde arrotar. A saturação

permaneceu entre 96-100%.

Diante disso, a conduta que adotei foi: trocar com a equipe de

enfermagem as impressões que tive a respeito do desenvolvimento de T., do seu

comportamento, da sucção, do posicionamento e da mudança de decúbito. Na

prescrição, a conduta foi mantida, porém reforcei a necessidade de mudar o

decúbito, inclusive para o lateral esquerdo, por aproximadamente 40minutos antes

do horário da dieta. A enfermeira que acompanhou T. com L. na amamentação

disse que a menina estava dormindo muito no seio e que a mãe não estava

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conseguindo deixá-la alerta enquanto sugava. A reiternação de ambas na

pediatria estava programada para o dia seguinte.

Décimo quinto atendimento Este foi o primeiro dia de reinternação em apartamento na

pediatria. A enfermeira do andar, responsável pelo caso, relatou que L. estava

amamentando no final da manhã, horário em que foi feita a internação, e que a

última mamada teria acabado às 13h00. Cheguei ao apartamento e L. já estava sentada na poltrona,

amamentando T.; demonstrou que estava tudo bem. A menina estava acolhida

entre os seus braços, sugando ritmadamente.

Pude mostrar e entregar as últimas fotos de ambas, em que L.

estava amamentando, colocando T. para arrotar e depois no berço. Na sua fala,

demonstrou que estava à vontade e segura enquanto cuidava de T., pois disse

que “joga ela para um lado e para o outro e ela continua durinha”. Também quanto

ao peso, que antes a preocupava, disse que estava sentindo a filha bem

“firmezinha” e afirmou que o fato de já ter completado 37 semanas a tranqüilizava,

pois uma das suas filhas também havia nascido com esse número de semanas e

ela “deu conta de criar”. L. só pensava agora em amamentar T..

Orientei a mãe a anotar a evolução da alimentação no seio,

como uma estratégia para que não perdesse a noção dos intervalos, da duração

da amamentação, e qual a última mama oferecida; tudo isso ajudaria a perceber a

saciedade de T. Comprometi-me a me inteirar sobre como passariam o restante

do dia e à noite. Ela sabia que estávamos privilegiando a amamentação e que

poderia usar a chucca para complementar a dieta, caso o leite materno não fosse

suficiente para saciar a fome de T.

Reuni-me então com a residente que acompanhou o caso no

berçário, e fiquei sabendo que, no dia anterior, depois de nossa conversa ao

telefone, pôde receber L., dizendo-lhe: “parabéns, sua filha nasceu, está com 37s,

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e você amanhã será reinternada por causa das dores do parto”. A primeira reação

da mãe foi de surpresa, depois de envolvimento com o processo e alegria, pois

enquanto elas conversavam T. insistia em sorrir. Conversei também em reunião com a residente que assumiu o

caso. Apresentei-me brevemente, bem como o tema da pesquisa. Ela então soube

de nossos cuidados com a dupla por passagens que relatamos da relação da mãe

com o seu bebê. Como ela estava conhecendo o caso, pude informá-la a respeito

da evolução da SN e do ganho de peso de T., bem como esclarecer que, caso

perdesse peso com a amamentação, seria provavelmente por uma baixa produção

de leite materno, e pelo fato de estar gastando mais energia do que ingerindo,

através da alimentação. Discutimos a possibilidade de T. ser pesada ao final do

plantão, mas não fechamos essa conduta, de minha parte por achar melhor,

apenas, acompanhar a dupla, e, nesse momento, interferir o mínimo possível. Em relação à mãe, achávamos que ela estava cada vez mais

se envolvendo nos cuidados da filha e se mostrava feliz assim.

Décimo sexto atendimento

Este foi o segundo dia de reinternação em apartamento na

pediatria. T. estava com 37s e 2d IGC. Cheguei ao quarto próximo ao horário da

primeira dieta do plantão da manhã; o dia já estava claro. L. me contou que tinha

amamentado a filha por pouco tempo. A menina estava no berço, acordada, e L.

disse que, no dia anterior, precisou iniciar a alimentação com a chucca, e à noite

precisou lhe dar duas mamadeiras, pois estava irrequieta. L. disse que iria lhe dar

banho e trocá-la. Concluímos que, talvez, aquele comportamento fosse já a

necessidade do banho, que no berçário era dado pela manhã. Perguntei qual

havia sido a última mama oferecida - a direita - e orientei que, caso T.

manifestasse fome, ela deveria oferecer a esquerda (esta mama estava sendo

difícil para a mãe oferecer e para o bebê abocanhá-la e, assim, desenvolver uma

sucção rítmica; seria então uma oportunidade de ajudar a dupla nessa nova

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etapa).

Passados por volta de 20minutos, tempo em que a pediatra

residente, a pediatra preceptora (que é a coordenadora das reuniões com os pais)

e eu fizemos a discussão do caso, L. continuava tentando fazer T. sugar na mama

esquerda. As duas ainda demonstravam dificuldade - a cabeça de T. estava muito

baixa e fletida em relação à altura do mamilo da mãe, e esta demonstrava

dificuldade em ajustar junto ao seu o corpo da menina, que tendia para o lado

esquerdo, ficando desalinhado; a cabeça pendia e a pélvis tendia à extensão. A

menina ficava com uma aparência solta, pois não conseguia reagir, retificar-se

contra a gravidade e ativar a musculatura flexora. Melhoramos o posicionamento

dela nos braços e no colo da mãe, e também o manuseio da mama - L. fez um

bico e ofereceu a T., que desenvolveu sucção com boa preensão, ritmo e

organizada em direção à LM. Busquei uma jarra de água fresca para que a mãe

se hidratasse enquanto amamentava.

Na reunião, a preceptora novamente considerou a condição

financeira da família, sabendo da inviabilidade da complementação com leite

industrializado. Ficou a possibilidade, em último caso, de a mãe ser orientada

sobre a forma de usar o leite de vaca pasteurizado. Seria reforçado que ela

deveria ingerir bastante líquido, para favorecer o aumentar da produção de leite,

pois não poderia tomar medicamento para esse objetivo. A preceptora estava

bastante satisfeita com a evolução do caso, por L. estar se sentindo bem cuidada

e estar envolvida e disposta a cuidar da sua filha e também pelo fato de esta estar

correspondendo aos cuidados recebidos. Como coordenadora da reunião de pais,

pôde estar próxima a L. e sabia que, anteriormente ao seu quadro psiquiátrico, ela

teria sido vitima de violência sexual. Ficou estabelecido como conduta que eu retornaria no final do

plantão do dia para saber como a dupla tinha evoluído na alimentação e para

poder estar com a mãe, saber como estava se sentindo.

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Décimo sétimo atendimento

Este atendimento ocorreu no final da tarde. T. estava com 37s e

2d IGC. L. relatou que por duas vezes havia sido necessário complementar a

amamentação com a chucca, com um volume de leite entre 15-20ml. Ela me

contou como se sentia em relação à alimentação de T. - queria só amamentar,

mas supunha que a sua produção de leite não estava sendo o suficiente para

saciar a menina; depois, completou dizendo que a amamentou pouco enquanto

estava no berçário. Disse a ela que eu compreendia, sabia que ela tinha feito tudo

que estava ao seu alcance, entendia que havia amamentado a sua filha no

berçário não como ela gostaria, todos os dias, mas sim como pôde, e esteve com

ela também, todas as vezes que podia. Isso a tranqüilizou, pois sabia que L.,

naquele momento, estava dedicada a sua filha e à amamentação.

A sua experiência de ter amamentado as outras filhas por vezes

era recordada de maneira muito positiva e, de fato, L. produzia boa quantidade de

leite, mesmo porque, no período em que T. esteve internada no berçário e na

CTIP, ela não estabeleceu rotineiramente a ordenha em casa. Procurei saber

como ela achava que a filha deveria receber a complementação, se deveríamos

mudar os utensílios. Acertamos que, caso fosse um pequeno volume, tentaria a

colherinha e/ou a chucca. Orientei que deveria organizar a alimentação de T., para

que fizesse intervalos de até três horas; e L. complementou, dizendo que quando

T. era alimentada no seio e ficava saciada, os intervalos eram de

aproximadamente duas horas.

A mãe me pareceu bastante ansiosa por supor que não

receberiam alta na manhã seguinte (a possibilidade, de fato, estava prevista pela

equipe médica, devido ao tipo de complementação que poderia vir a ser feita; no

caso de ser usado o leite pausterizado diluído em água, elas deveriam

permanecer internadas para que fosse acompanhada a aceitação desse tipo de

dieta, bem como para verificamos o ganho de peso, pois o bebê havia perdido 5g).

L. preocupava-se com as outras filhas, temia que ficassem vulneráveis, expostas a

alguma situação que a levasse a perder a guarda delas. Busquei acalmá-la,

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imaginando que era mesmo uma situação delicada; por outro lado, busquei fazê-la

compreender que, caso não recebessem a alta hospitalar, certamente ela acharia

o motivo alegado pela preceptora adequado, pois já conhecia a equipe clínica. De

qualquer forma, essa questão seria decidida no dia seguinte; naquele momento,

ela precisava se cuidar para poder viver a amamentação, sentir-se bem, repousar,

estar aqui com a filha. Receberia notícias das outras por telefone.

L., então, nesse dia, pôde me contar sobre a sua gravidez,

como teve medo de perder o bebê, disse-me assim: “na hora do parto, pensei: os

médicos mataram a minha filha”. Perguntei a L. porque ela pensou aquilo e ela me

explicou que, como teve pré-eclampsia, já estava muito inchada, com a pressão

muito alta, e os médicos falaram que elas (mãe e filha) corriam risco de vida e que

teriam de tirar o bebê (o parto foi cesariana). Nesse momento, ela pensou que a

filha não sobreviveria a uma cesariana, por ser tão pequena. Descreveu-a como

um “tiquinho” de gente e precisou de muito apoio da psicóloga para que fosse à

UTIP para conhecê-la; mesmo assim, achava que ia perdê-la, não gostava de

visitá-la, nem de ficar lá, vê-la com todos aqueles fios, tubos e máscara. Contou

que o pessoal da UTIP quis tirar foto dela, “miudiquinha assim, nessa fase”, como

recordação, mas ela não aceitou, mesmo a equipe esclarecendo a respeito da sua

boa evolução clínica.

Falou com um sorriso acanhado que a filha era do Dr.

Ginecologista; contou que ela já não menstruava há dois anos e ele afirmou que

estaria na menopausa e não teria chance de engravidar. Disse que o marido

queria muito ter uma filha e que estava muito feliz, e ela também; com o tempo,

todos os medos e inseguranças passaram. Ela estava muito agradecida a todos e

a mim. Estava dividindo comigo como tinha sido difícil para ela toda aquela

situação. Durante o relato, a expressão do seu rosto estava descontraída.

Penso que, talvez, em meio a isso tudo, boas sensações

aconteceram com ela, e a dor pôde ser recordada com alívio. Demonstrei que

estava feliz por ela, falei que percebia que ela se sentia bem. Ela disse: “agora eu

sento e converso com ela [T.]”; eu respondi: “que gostoso L, você poder estar com

o seu bebê”.

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Ficou combinado que voltaríamos a nos encontrar no outro dia,

no meio da manhã.

Décimo oitavo atendimento

T. estava com 37s e 3d IGC. Fiz o atendimento no meio da

manhã. Ela dormia em decúbito lateral e L. relatou que achava que a

amamentação estava melhorando, que estava produzindo mais leite e esperava

precisar cada vez menos da chucca, pois precisou complementar duas vezes à

noite.T. sugava apenas parte da dieta contida na chucca, de 15-20ml. Pela

manhã, a mãe lhe havia oferecido o seio, e a menina dormia, muito tranqüila. L.

disse do seu otimismo, que achava que o leite dela ia chegar a ser suficiente e

também compreendia como deveria escolher um bico, mas esse não era o seu

desejo.

O peso de T. neste dia era 2325g, ou seja, havia ganho 5g. em

dois dias.

Alta fonoaudiológica e hospitalar Reuni-me com a equipe médica envolvida no caso, que estava

em contato com o serviço social, devido à precária condição financeira dos pais de

T. Buscavam negociar a compra do leite industrializado pelo setor, para viabilizar a

alta hospitalar sem risco para o peso e desenvolvimento do bebê. Caso não

tivessem uma resposta positiva, iniciariam a porção com o leite pasteurizado,

ainda pela manhã.

Era o momento de a dupla receber alta fonoaudiológica. T. tinha

adquirido sucção nutritiva eficiente, e a mãe estava totalmente envolvida com ela;

preocupava-se em identificar as suas necessidades e oferecer-lhe cuidados

especiais. De fato, existia por parte de L. a possibilidade de se abrir e receber

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orientação do ambiente profissional, podendo absorvê-la para o seu ambiente mãe

e, assim, cuidar de seu bebê.

L. ficou feliz com a alta fonoaudiológica, agradeceu minha ajuda

e eu a retribui. Com admiração, disse-lhe que reconhecia que ela havia se

superado. Também ressaltei que a pesquisa tinha atingido o seu objetivo, pois,

depois do atendimento a ela e a seu bebê, enquanto profissional, havia aprendido

mais sobre o assunto e poderia ajudar outras duplas, e era esse o benefício que

esperávamos da pesquisa também.

Teria notícias delas pela pediatra, que faria o

acompanhamento, mas, eventualmente, se estivesse em dificuldade com a filha

nas questões de alimentação e no seu desenvolvimento, poderia me procurar. A

equipe médica estava ciente de minha disponibilidade, e a encaminhariam, se

assim se fizesse necessário.

No dia seguinte, recebi um comunicado da preceptora: mãe e

filha haviam recebido a alta hospitalar. T. estava com 2350g, havia ganhado 25g.

O serviço social forneceu o leite industrializado, e a pediatra se comprometeu a

fazer o acompanhamento semanal.

Análise

Com o tempo, pudemos observar que, à medida que T. pôde se mostrar

pronta para o contato e correspondendo aos cuidados maternos, a mãe pôde,

cada vez mais, entrar em sintonia com a sua filha. Essa correspondência também

foi possível porque T. foi evoluindo no seu comportamento neuro motor funcional

e, assim, para a mãe, os sinais de que a filha estava pronta para o contato foram

se tornando evidentes. Na mesma medida, a mãe buscou corresponder e adaptar-

se às necessidades de T., mostrando-se mais confiante em sua condição de lhe

oferecer cuidados.

De fato, T. se mostrava cada vez mais estável nas suas respostas

autonômicas e evoluindo em relação à alimentação de maneira consistente.

Passou a demonstrar sinais de fome, como ficar alerta, irrequieta, responder com

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procura ao ser tocada na face, ao mesmo tempo em que organizava a postura

flexora encaixando a cabeça e trazendo os braços e as pernas para a LM. Além

disso, ao sugar o seio, correspondia aos cuidados da mãe, que a segurava no

colo, com uma sucção mais rítmica, com boa qualidade respiratória, podendo

manter coordenada a sucção com a deglutição. Também foi demonstrando maior

resistência, pois pôde manter ritmicidade na sucção e passou a aceitar não

apenas uma mama, mas as duas, dentro de um tempo funcional (até vinte

minutos), sendo que, após a sucção, caso sua fome não tivesse sido saciada,

sinalizava para a mãe, que foi demonstrando condição de, cada vez mais,

reconhecer o processo de alimentação e atender as necessidades da filha.

Assim, à medida que L. pôde ser ajudada, foi ajustando o seu corpo ao

corpo do bebê e passou a ter a percepção das reais necessidades dele e segura

dos bons cuidados que estava lhe oferecendo.

Como vimos, na compreensão winnicottiana, a mãe tem um papel de

grande importância nesse período inicial, pois age naturalmente como ambiente

facilitador para a adaptação do bebê, favorecendo que ele se apresente e tenha

as suas necessidades atendidas.

Porém, bebês de alto risco são relatados como de difícil adaptação à vida,

sendo clinicamente instáveis e de difícil diálogo tônico, ou seja, não correspondem

com adequada sincronia aos cuidados maternos, podendo ser hiper-reativos ou

letárgicos. Assim, a mãe pode ter dificuldade de saber como deve cuidar desse

filho, como tocá-lo, como segurá-lo e como alimentá-lo, já que a aparência de

fragilidade clínica, física e/ou de comportamento acaba por se sobrepor aos seus

potenciais de desenvolvimento e dificulta a percepção por parte da mãe das reais

necessidades do filho, para que, assim, possa ir ao encontro delas. Nessas

circunstâncias, ficam comprometidas a função materna, o potencial da mãe

enquanto ambiente facilitador e sua condição de se adaptar de maneira

apropriada às necessidades do seu bebê para dele cuidar suficientemente bem,

como preconizado por Winnicott.

Estamos diante, pois, de uma condição considerada de risco para a

formação do vínculo mãe-bebê e, conseqüentemente, para a constituição de self

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deste, pois, como vimos, “os processos de maturação do indivíduo precisam de

um ambiente de facilitação para que possam concretizar-se” (Winnicott, 1988,

p.32).

Podemos perguntar então: como fica o momento de alimentação desse

bebê?

A mãe do prematuro com problemas na alimentação, no geral, não

apresenta uma vivacidade suficiente para, através da variação dos seus

movimentos, adaptar-se às necessidades de movimento do bebê. Essa vivacidade

a que me refiro é interna, sutil e rítmica, com movimentação ondulada, tão natural

que dificilmente é percebida como algo que não pertence à dupla. Um exemplo

seria o uso combinado de movimentos de balanço em torno do próprio eixo e em

variada direção, junto ao segurar, unindo o bebê, e, com o olhar, oferecer o seio

para que ele o sinta e possa procurá-lo. A mãe, então, tem a possibilidade de, com

o seu corpo, no contato, encontrar o corpo do bebê, a sua presença física, que é

viva - no peso, na densidade, na forma, no calor, no olhar, no cheiro e no

movimento.

Descrevo a seguir algumas dificuldades que observo nas mães de

prematuros ao segurá-los para a amamentação.

Uma primeira dificuldade é em fornecer um bom colo. No segurar o filho, a

mão da mãe não imprime devida pressão no corpo dele para que possa senti-lo

como um todo. Com isso, não consegue ajustar o corpo do filho ao seu e nem o

do bebê com o dele mesmo, o que impossibilita que ambos de movimentem

juntos, em sintonia. O bebê tem então dificuldades de movimentar a cabeça contra

a gravidade e de manter o corpo organizado para encontrar o seio.

Geralmente, essas mães também não sentam de maneira confortável

para amamentar – a pélvis não fica em posição neutra (90 graus - retrovertida ou

anterovertida) e as costas, portanto, não ficam devidamente apoiadas no encosto.

Com isso, perdem a mobilidade do tronco e a força de sustentação dos braços.

Ficam então impedidas de prover um bom suporte para o corpo do bebê e deixam

de usufruir o prazer de segurá-lo e manuseá-lo de um braço para outro e todas as

sensações advindas daí. O bebê, por sua vez, fica com uma limitada vivência de

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sensação de movimento contra a gravidade e, com isso, não responde à mãe: ou

por estar muito fletido, ou muito assimétrico ou, ainda, muito estendido.

Geralmente, assustam-se e choram com as mudanças súbitas de posição no

espaço. A mamada é interrompida, pois não há um encaixe perfeito da boca do

bebê no seio, como vimos que ocorreu com a dupla aqui em foco.

Uma outra dificuldade que observo é uma tendência de as mães de

prematuros colocarem-nos em posições muito favoráveis a ação da gravidade,

dificultando que estes reajam contra esta. Ou seja, ficam por muito tempo deitados

em decúbito ventral, e a amamentação pode vir a se desenvolver muito

lentamente, além de ocorrer uma dificuldade de coordenação

deglutição/respiração.

Outro aspecto importante é que os prematuros, mesmo já estando

estáveis clinicamente, podem se apresentar muito sonolentos, e o que colaboraria

para saírem desse estado, definindo mais os estados de consciência sono-vigília,

seria justamente o manuseio por parte das mães antes do horário da dieta, de

forma a ativar o sistema somatosensorial (tátil, proprioceptivo e vestibular), e

também a movimentação espontânea do RN, no leito, na água e no colo). Porém,

elas ficam inseguras quanto à real capacidade desses bebês de usufruírem desse

manuseio; com isso, elas deixam com que permaneçam mais letárgicos, inclusive

pela maneira como são segurados e manuseados no colo e no leito. Em

momentos como troca de fraldas ou banho, geralmente essas mães tendem a

protegê-los/ou a desprotegê-los excessivamente, não facilitando ativa reação

corporal de endireitamento e movimentação corporal contra a gravidade.

Todas essas dificuldades envolvem ajustar o corpo para as necessidades

advindas do bebê (respiratória, do desenvolvimento sensório-motor,

comportamento) para que ele possa juntar e coordenar o seu corpo de maneira

segura.

Ressalto que, no caso de mães de bebês prematuros, de fato, é mesmo

muito difícil pressupor que é pelo tronco e pela pélvis que deve ser estabelecido o

manuseio. Cabe então ao fonoaudiólogo esclarecê-las quanto a isso. Porém, esse

esclarecimento não deve, jamais, destacar-se das condições reais e do ritmo de

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percepção da mãe; devemos, sim, reconhecer as particularidades da dupla. Não

há, pois, fórmulas a serem seguidas, mas sim parâmetros e princípios de

intervenção que precisam ser melhor compreendidos e contemplados pelo

profissional.

Vimos então que, no caso apresentado, a ação da equipe permitiu que a

mãe enfrentasse o medo de perder o seu bebê e a dificuldade de entrar em

sintonia com ele, assumindo a maternagem e tendo confiança nos cuidados que

lhe oferecia. Pôde assim, encontrar prazer em olhar, conversar, segurar e estar

com a sua filha.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi de minha prática clínica com bebês pré-termos que surgiu a

necessidade de buscar conhecimentos teóricos que embasassem minhas

percepções e ações. Essa junção prática/teoria me transformou em uma

profissional mais competente para integrar as demandas vindas de meus

pacientes, tanto aquelas relacionadas aos problemas de alimentação e de

desenvolvimento funcional, como também no que diz respeito ao vínculo

mãe/bebê.

A compreensão do processo de transformação pelo qual a mulher passa

durante a gravidez, e que a prepara para a importante tarefa que terá de cumprir,

me permitiu expandir a prática clínica e promover ações efetivas em direção à

mãe, para que ela pudesse estabelecer um vínculo seguro com seu bebê.

Também pude contribuir com os profissionais envolvidos nos cuidados com

o prematuro, não só ressaltando a necessidade de se tornarem sensíveis ao

pequeno paciente, para assim lerem os seus sinais, fornecendo-lhe e promovendo

cuidados individualizados, como também mostrando o quanto é fundamental que

se disponibilizem para a mãe, procurando então acolher a dupla. Ou seja, esse

tipo de trabalho fonoaudiológico exige que o profissional esteja sintonizado com o

bebê, e com a necessidade que este apresenta de cuidados específicos, com a

mãe e também com a equipe hospitalar. Para tanto, precisa integrar

conhecimentos de várias áreas para auxiliar seu pequeno paciente a chegar à

alimentação natural com a mãe.

Como explicitei em todo o estudo, aspectos primordiais da Psicanálise

winnicottiana me permitiram vivenciar o alcance do manejo clínico

fonoaudiológico, no sentido de poder afirmar que uma boa técnica possibilita,

também, que problemas na constituição psíquica do bebê sejam evitados. De fato,

o manuseio nos moldes aqui apresentados, referendados no Tratamento

Neuroevolutivo – “Conceito Bobath”, ao facilitar a organização corporal e a

regulação, permite que o bebê se apresente menos frágil, mais estável e possa,

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assim, se mostrar mais responsivo aos cuidados maternos desde os primórdios de

seu desenvolvimento.

No caso aqui em foco, observei que, em diferentes momentos com a mãe, o

bebê apresentava um ritmo próprio de funcionamento, como na

amamentação/alimentação, na organização da postura/movimento global, no sono

e na vigília, na interação social. Também ficou claro como a maternagem foi se

configurando e evoluindo. Assim, ao longo dos atendimentos, importantes

mudanças ocorreram com a mãe e com sua filha, o que deu oportunidade a esta

de se apresentar pronta para o contato. Compreendi que meu trabalho foi

favorecendo que a mãe encontrasse o seu próprio caminho de aproximação,

colocando-se, então, como ambiente primordial e facilitador para o

desenvolvimento do bebê, apesar das dificuldades iniciais dele.

Atualmente, já se considera que, em alguns casos, a constituição subjetiva

pode se dar de forma muito precária devido à separação precoce mãe/bebê,

imposta pelo ambiente de UTIP, ou, ainda, à desautorização, pela equipe de

cuidadores, da mãe em sua nova função: a materna. O profissional que se

encontra envolvido nos cuidados do bebê pode se deparar com uma mulher com

mais dificuldades de assumir seu novo papel, e a desautorização dele contribui

para dificultar o vínculo mãe/ bebê, pois a ela não é dada oportunidades de se

apresentar suficientemente boa ao seu filho.

Também sabemos que o ambiente de UTIP pode ser um agente estressor,

com impacto no organismo do recém-nascido - no fluxo sanguíneo, no fluxo

respiratório, no ritmo biológico, no neurocomportameno e na função de

alimentação. Esse impacto pode trazer seqüelas, também colocando em risco a

constituição psíquica do paciente.

Sabemos que os cuidados fornecidos em ambiente de UTIP representam

uma ameaça ao desenvolvimento da pessoa, pois as informações que vêm desse

tipo de experiência estressante, da falta de sintonia entre o cuidador e o bebê,

agem no cérebro totalmente imaturo impedindo que se organize a montagem dos

circuitos e das redes neuronais, tendo um impacto negativo na regulação dos

afetos e na percepção do self- do eu.

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O cuidador (a mãe e/ou a equipe), portanto, deve agir como agente

regulador e fornecer experiência de sintonia com o bebê.

Podemos concluir, apoiando-nos na idéia de Winnicott de que o ser humano

só acontece no encontro com o outro, que o bebê pré-termo necessita de um

manuseio seguro para que conquiste as aquisições do período inicial da vida,

crítico para o desenvolvimento. São elas: sincronia entre sucção, deglutição e

respiração (SSDR), regulação dos ritmos de alimentação,

sono/vigília/atividade/consolabilidade, modulação do tônus, organização da

postura e do movimento contra-gravidade. Nesse período, as experiências

negativas ou a falta de estimulação apropriada tornam o bebê mais suscetível a

apresentar distúrbios emocionais e de comportamento. Sabemos hoje, porém,

que a plasticidade neste período inicial permite que o cérebro se modifique ou se

adapte para resolução de problemas e não está somente relacionada à fundação

neural, mas sim interligada à constituição psíquica.

Faz-se necessário, então, ao fonoaudiólogo que cuida da dupla mãe/bebê

estabelecer uma relação de sensibilidade e empatia para promover ações na

direção de facilitar que a mãe se aproxime do seu filho e possa iniciar uma

comunicação sensorial com ele, passando a lhe fornecer, gradativamente, os

cuidados físicos básicos. Assim, a mãe restaura a autoconfiança e pode

reconhecer o ritmo de seu bebê, as necessidades individuais dele e desenvolver

uma relação vincular, elemento fundamental para a constituição psíquica.

Do ponto de vista do bebê, o efeito da sensação de estar ligado/attachment,

estar em segurança e em sintonia com a sua mãe e por meio dela com ele

mesmo, não só é o estimulo para o amadurecimento do sistema nervoso central

(SNC) como leva à promoção da vida física/funcional e à existência da vida mental

saudável.

Finalizo ressaltando que o enquadre terapêutico que contempla não só o

paciente como todo o seu entorno constitui-se como uma dimensão fundamental

na clínica dos bebês. Além da troca com a equipe de profissionais envolvidos,

inclui a possibilidade de criar situações para que o bebê e a mãe possam viver as

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experiências de que necessitam para a formação do vínculo que os unirá,

essencial na constituição do ser.

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Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

1. Título do estudo: O Recém-Nascido Pré-Termo Em Unidade De Terapia Intensiva Pediátrica E

Problemas De Alimentação: do manuseio aos cuidados com a mãe.

2. Objetivo do estudo:

O objetivo do presente trabalho é delinear os princípios e as técnicas

fonoaudiológicas utilizadas com o Recém-Nascido Pré-Termo Extremo(RNPTE)

em Unidade De Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) com problemas de

alimentação, envolvendo os manuseios realizados pela pesquisadora e cuidados

com o ambiente, representado pela mãe. Esse aspecto é fundamental dentro do

processo de atendimento para que a mãe possa reconhecer e atender as

necessidades de seu bebê.

3. Procedimentos:

No caso de concordar em participar da pesquisa:

Serei solicitada a dar entrevistas informando sobre a minha gravidez, o

nascimento do bebê, sua história clínica, as maneiras através das quais esta sendo

alimentado e como percebo o meu filho. Todas as entrevistas serão agendadas de

acordo com a minha conveniência.

Serei solicitada a permitir que a pesquisadora efetue os procedimentos

necessários ao desmame da sonda de alimentação sempre em acordo com a equipe

da UTIP, Berçário e ou Pediatria e me auxiliando na aproximação inicial com o bebê.

Serei solicitada a permitir que a pesquisadora acompanhe a evolução clínica do

bebê, o que inclui os procedimentos de manuseio que possam facilitar a organização e

a alimentação do bebê com adequada combinação da sucção, deglutição com a

respiração para aquisição da sucção eficiente, viabilizando a retirada da sonda de

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alimentação. Durante o atendimento, posso estar presente, participar e receber

orientações para dele cuidá-lo.

A freqüência deste acompanhamento será de quatro a cinco vezes por semana,

dependerá da necessidade do bebê e também das minhas possibilidades de alimentá-

lo com segurança e assim obter a alta hospitalar.

Estou ciente que, se for necessária à continuidade do tratamento fonoaudiológico

serei encaminhada, após a alta hospitalar.

4. Riscos e desconfortos:

A condição de riscos é inerente à própria condição do bebê e não se refere diretamente

aos procedimentos da pesquisa. Assim, durante todo o período de internação do bebê,

desde a UTIP até ser encaminhado para o berçário eu o apartamento na pediatria, o

bebê será monitorizado por equipamento de monitor cardíaco e de saturímetro. Em

relação aos procedimentos da pesquisa, cuja modulação deverá levá-lo à sucção

eficiente, os cuidados serão tomados para prevenir e minimizar o estresse e/ou fadiga,

além da bronco aspiração.

5. Benefícios:

Compreendo que podem existir benefícios diretos para mim e para o bebê enquanto

participante deste estudo. Os resultados deste estudo podem ajudar o pesquisador

a compreender a importância do manuseio global no corpo do bebê para a sua

alimentação e para o seu desenvolvimento, bem como o envolver a mãe neste

processo, desde os momentos iniciais da vida do bebê. Além disso, os resultados

obtidos aprofundarão caminhos na área de tratamento fonoaudiológico, daí a

importância de torná-los públicos, independentemente do seu teor, para a

comunidade científica interessada.

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6. Direitos do Participante:

Eu posso me retirar deste estudo a qualquer momento, sem que isto implique em perda

de direitos pré-existentes, prejuízo no relacionamento profissional, pessoal e no

tratamento da patologia do bebê.

7. Compensação Financeira Não estão previstas no projeto.

8. Confidencialidade:

De forma a registrar o que está ocorrendo durante a pesquisa, eventualmente registros

de imagens, fotos e vídeos serão usados. As imagens serão analisadas somente pelos

pesquisadores envolvidos na pesquisa. Compreendo que os resultados deste estudo,

poderão ser publicados, em jornais, revistas e congressos científicos, mas a minha

identidade e a de meu filho não serão reveladas, a menos que a lei o requisite.

Todos os dados deste estudo terão garantia de sigilo restrita ao responsável pela

supervisão das atividades de pesquisa durante a coleta de dados no CTI Pediátrico

( Dr Reynaldo Gomes de Oliveira- Coordenador do CTI pediátrico).

9. Garantia de Acesso:

Se tiver dúvidas posso telefonar para a pesquisadora Jaqueline Abrantes Pêgo, nos

telefones 9601-2429; 3225-2011 consultório; 3581-2602 residência. A comissão de

ética em pesquisa do IPSEMG poderá ser contatada pelo telefone: 3237-2145.

Eu compreendo meus direitos como responsável legal pela criança e voluntariamente

consinto em participar deste estudo. Compreendo sobre o quê, como e por que este

estudo está sendo feito. Receberei uma cópia assinada deste formulário de

consentimento.

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Data e local: Nome completo da criança: Nome completo do responsável legal e grau de parentesco: Assinatura: Pesquisador Principal: Jaqueline Abrantes Pêgo Assinatura:

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