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Universidade do Estado do Pará Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação Centro de Ciências Sociais e da Educação Programa de Pós-graduação em Educação NEY FERREIRA FRANÇA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DO PARÁ (1889-1900) Belém 2012

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Universidade do Estado do Pará Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação Centro de Ciências Sociais e da Educação Programa de Pós-graduação em Educação

NEY FERREIRA FRANÇA

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DO PARÁ (1889-1900)

Belém

2012

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NEY FERREIRA FRANÇA

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DO PARÁ

(1889-1900)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade do Estado do Pará Área de concentração: Saberes culturais e educação na Amazônia. Orientadora: Profa. Dra. Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França.

Belém 2012

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NEY FERREIRA FRANÇA

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DO PARÁ

(1889-1900)

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação e aprovada pela seguinte banca examinadora

Maria do P. Socorro Gomes de Souza Avelino de França__________(Orientadora) Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP Universidade do Estado do Pará- UEPA. Genylton Odilon Rego da Rocha ___________________________ Membro Externo Doutor em Geografia pela universidade de São Paulo- USP Professor do Instituto de Educação /UFPA Marta Genú Soares ______________________________________ Membro Interno Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN Professora do PPGED/Universidade do Estado do Pará - UEPA

BELÉM

15/05/2012

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Ao meu pai (in memorian) e a minha

mãe, por terem sido as pessoas que

sempre me apoiaram e fizeram de

tudo para que eu pudesse ir além de

onde foram). Para que eu, apesar de

todas as dificuldades tivesse o melhor

que eles poderiam me dar sem nunca

medir esforços no intuito de conseguir

uma formação verdadeiramente

humana.

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer à minha família, em especial, à minha mãe a maior das

mulheres que conheci em minha vida, pessoa que sempre acreditou em seus filhos,

que nunca deixou de apoiar e incentivar não só a mim e minha irmã, mas muitas

pessoas que passaram em nossas vidas. Gostaria de um dia chegar a ter metade da

coragem, generosidade e sabedoria que possui, pois assim serei mais humano, pois

nos ensinou o verdadeiro sentido do que é amar.

Agradeço também ao meu Pai que apesar de ter falecido há quase vinte anos

sempre está comigo, em minhas lembranças. Exemplo de homem e de Pai nos

ensinou que a melhor forma de educar é com amor.

Também agradeço à minha irmã que mesmo longe, sempre torceu por mim e

hoje cumpre a importante tarefa de cuidar de nossa mãe, aos primos Denílson e

Denise a minha tia e madrinha Brígida, bem como ao meu tio Francisco (Chiquinho)

(In memorian) pessoas amadas e queridas.

À companheira, Joselene, com que m venho compartilhando a luta por uma

educação básica de qualidade, à Dona Graça minha segunda mãe, João Victor e

Kamille sobrinhos queridos, meus cunhados pelo respeito e carinho.

Aos meus filhos, Julia e Pedro Gabriel amores incondicionais e minha fonte

de inspiração. Ao Ryan sobrinho querido.

Aos amigos Jairo, Rubens e Fransérgio companheiros que compartilharam

comigo as dificuldades que os filhos da classe trabalhadora encontram em ingressar

no Ensino Superior, e também as alegrias de consegui-lo.

Aos amigos Angélsea e Otávio camaradas do Movimento estudantil e de

tantas lutas que me ajudaram a adquirir uma concepção diferente de homem,

mundo e sociedade, bem como Zaira e Robson amigos que compartilham as lutas

atuais.

Meus agradecimentos aos colegas da 5ª turma do Mestrado, especialmente

Adnelson, Taís (Professores de educação Física) que não me deixaram esquecer

que o Mestrado deve servir ao propósito de qualificar aqueles que acreditam na luta

contra o Capital e suas formas de fazer tudo virar mercadoria.

À minha orientadora, professora Dra. Socorro França, pelas orientações,

conversas, companheirismo e trocas de ideias, não só na construção da dissertação,

mas no processo de minha formação continuada e atuação profissional. Pela

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paciência e tolerância dando exemplo de educadora na verdadeira acepção da

palavra.

Aos professores Genilton, Marta pelas contribuições valiosíssimas na

construção deste trabalho, que começou na qualificação deste estudo e agora na

defesa do mesmo.

Aos Professores do Programa de Mestrado em Educação da UEPA pelas

utilíssimas contribuições nas aulas e em todos os momentos que tive contato, pois

sempre pude aprender com seus ensinamentos e suas experiências. Aos técnicos

administrativos do Programa que com sua competência e trabalho fazem o

programa acontecer.

Ao Núcleo Belém do Movimento Nacional Contra a Regulamentação da

MNCR da Educação Física. Estamos na luta para vencer!!!

Aos alunos do Curso de Educação Física da UFPA, Rafael Loureiro, , Bruna

Cibele, André Miranda. Aos, hoje professores, Rafael Fabrício, Enilson, Ernandes,

Diego, Breno, Maykzan e Robson) que me possibilitaram, por meio dos debates em

sala de aula e nas orientações sobre a educação física, ampliar minha análise sobre

as relações sociais.

A todos, meu obrigado.

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E quem garante que a História É carroça abandonada Numa beira de estrada

Ou numa estação inglória A História é um carro alegre Cheio de um povo contente

Que atropela indiferente Todo aquele que a negue É um trem riscando trilhos

Abrindo novos espaços Acenando muitos braços

Balançando nossos filhos

Canción por unidad latinoamericana (Pablo Milanés - Versão de Chico Buarque/1978)

Portanto, não existe conhecimento da história desde fora, quero dizer, ninguém está fora do rio da história, olhando

para ele de suas margens. Todo o observador, está imerso

no curso da história, nadando ou navegando em um barco neste curso tempestuoso da história, ninguém está fora.

(Löwy 2008, p.76)

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RESUMO

FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do

Pará na Primeira república (1889- 1900). 116f. Dissertação (Mestrado em

Educação), Universidade do Estado do Pará, Belém, 2012. O objetivo deste estudo é analisar a inserção da educação física como disciplina escolar no ensino primário no estado do Pará, na primeira década do regime republicano, enfocando os métodos que orientaram a sua prática e as mudanças econômicas, políticas e educacionais ocorridas naquele contexto histórico (1889-1900). Este trabalho está amparado no referencial de método na tradição iniciada por Marx, cujos subsídios partem da apreensão das múltiplas determinações da realidade para a construção de uma nova síntese. A pesquisa documental foi o ponto de partida para os procedimentos metodológicos, em que a coleta de dados foi feita nos documentos produzidos pelas instituições responsáveis pela instrução pública no Pará, como os relatórios e regulamentos da instrução pública, artigos de revistas pedagógicas e livros publicados na época. A seleção destes documentos obedeceu, primeiro, ao conteúdo referente a educação, educação física e a situação da economia e política; segundo, por serem documentos produzidos no Estado do Pará; e terceiro, pela disponibilidade no seu local de consulta, Biblioteca pública Arthur Vianna. A interpretação de dados foi realizada a partir da análise das categorias analíticas e empíricas do estudo, a fim de se formular uma nova síntese do objeto em questão. Assim realizamos um confronto dos documentos encontrados com estudos realizados desde a década de 1980, como os de Lino Castellani Filho, Carmem Lúcia Soares, Amarílio Ferreira Neto, em busca dos elementos mais simples que compuseram o objeto de investigação. Além disso, também perseguimos a identificação das contradições presentes na inclusão da educação física no Ensino Primário paraense. Nesse intento, podemos afirmar que educação física foi inserida no currículo do Ensino Primário no início do período republicano com a publicação do Regulamento da Instrução Pública de 1890, como elemento fortalecedor do físico, essencial no projeto educacional modernizador. Neste regulamento encontramos uma reformulação do nível de Ensino acima referido, que claramente estava associado às mudanças no mundo do trabalho influenciando transformações nas formas de transmissão da cultura que deveriam acontecer por meio da instrução, principalmente em sua forma pública. No caso paraense essas modificações tomaram configurações específicas tendo em vista os elementos que compunham aquela realidade concreta, no plano econômico o extrativismo do látex, no plano das relações políticas os conflitos entre grupos locais urbanos. Neste contexto, a concepção de educação física encontrava-se embasada em princípios biológicos em conhecimentos como a fisiologia na qual a ideia principal era de formar um corpo forte e saudável. Assim a educação física começou a figurar dentro do ensino primário paraense nos documentos oficias do governo e no transcorrer dos primeiros dez anos da Primeira República.

PALAVRAS-CHAVE: História. Educação. Educação Física. Ensino Primário.

Pará.

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ABSTRACT

FRANÇA, Ferreira Ney. Physical Education in Primary Education in the State of Pará in the First Republic (1889-1900). 116f. Dissertation (Master of Education), University of the state of the Pará, Belém, 2012. The aim of this study is the inclusion of physical education as a subject in primary school in the state of Pará, in the first decade of the republican regime, focusing on methods that guided their practice and the economic, political and educational place in that historical context ( 1889-1900). This work is supported in the reference method in the tradition initiated by Marx, whose subsidies are based on the seizure of multiple determinations of reality for the construction of a new synthesis. The desk research was the starting point for the procedures, in which data collection was made in the documents produced by the institutions responsible for public education in Para, as the reports and regulations of public instruction, educational journal articles and books published in time. The selection of these documents followed, first, the content pertaining to education, physical education and the state of the economy and politics, and second, where the documents produced in the State of Para, and third, the availability in your local consultation, Arthur Vianna Public Library. The data interpretation was performed based on the analysis of the analytical categories and empirical study in order to formulate a new synthesis of the object in question. So we conducted a comparison of the documents found in studies since the 1980s, as the son of Lino Castellani, Carmen Lúcia Soares, Amarilio Ferreira Neto, Silvana Vilodre Goelner in search of simpler elements that made the object of investigation. In addition, we pursue the identification of contradictions in the inclusion of physical education in primary Para. For this, we can say that physical education was introduced in the curriculum of Primary Education in Republican period beginning with the publication of the Regulation of Public Instruction, 1890, as strengthening the physical element, essential in the educational project of modernization. In this Regulation find a reformulation of the above level of education, which was clearly associated with changes in the working world changes in ways of influencing the transmission of culture that should happen through education, especially in its public form. In the case of Para these changes have taken specific settings in view of the elements that made that reality, the economic plan the extraction of latex, in terms of political conflicts between local urban groups. In this context, the concept of physical education found itself based on biological principles and knowledge in physiology in which the main idea was to form a strong and healthy body. Thus physical education began to appear within the primary Para in official documents from government and in the course of the first ten years of the First Republic. KEYWORDS: Education. Teacher Education. Physical Education. Early Childhood Education. Organization of Work Education.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................ 10

O encontro com o objeto ....................................................................... 10

O Referencial teórico-metodológico .................................................... 12

1 CAPÍTULO I – EDUCAÇÃO FÍSICA: O nascimento de uma

disciplina escolar ...................................................................................

23

1.1 A educação física na Europa ................................................................ 26

1.2 A educação do corpo ........................................................................... 29

1.3 Higienismo, Eugenia e Ginástica na construção de um novo

homem ....................................................................................................

32

1.4 A educação física no Brasil .................................................................. 37

1.5 Higienismo, Eugenia e Militarismo na consolidação da educação

física no Brasil .......................................................................................

39

1.6 Educação e Educação Física ...............................................................

44

2 CAPÍTULO II – SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO PARÁ

REPUBLICANO ......................................................................................

53

2.1 A efervescência política do final do século XIX no Brasil ................. 55

2.2 A economia, política e educação no Pará ........................................... 59

2.2.1 A política paraense no final do século XIX .............................................. 60

2.2.2 A educação no Pará ................................................................................

72

3 CAPÍTULO III – A IMPLANTAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO

ENSINO PRIMÁRIO PARAENSE.

82

3.1 Trabalho, educação e educação física na sociedade paraense 82

3.2 A Educação Física no projeto educacional modernizador do Pará 94

3.3 A educação física no final do século XIX: O que era ou o que

deveria Ser ?

106

Considerações Finais 114

REFERÊNCIAS 118

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

______________________

1- INTRODUÇÃO

Tendo como objeto de estudo a educação física no ensino primário

paraense (1889-1900), neste estudo, precisaremos realizar a tarefa de produzir um

quadro que possibilite compreender o lugar da educação física neste período

histórico, destacando os nexos constitutivos com a realidade social.

Nele objetivamos analisar a inserção da educação física como disciplina

escolar no ensino primário no estado do Pará, na primeira década do regime

republicano, enfocando os métodos que orientaram sua prática pedagógica as

mudanças econômicas, políticas e educacionais ocorridas naquele contexto

histórico.

Tal empreitada, exige primeiramente que tratemos de como surgiu o

objeto de estudo, pois este deve ser o ponto de partida. Nesta linha de pensamento

Mynaio (2000, p. 90) afirma que

[…] nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeira instância, um problema da vida prática. Isto quer dizer que a escolha de um tema não emerge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias socialmente condicionadas, frutos de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos.

1.1 O encontro com o objeto

Em vários momentos de nossa trajetória acadêmica e atuação profissional

percebemos que a importância que é dada para história como contribuição na

compreensão da realidade concreta de maneira profunda é pequena, aspecto este

que pelas nossas observações se refletiu também na educação física e sua relação

com a história.

Neste caso, essa trajetória começa em nosso período de formação

acadêmica de 1997 a 2000, na qual, experimentamos diversas situações e

problemas que nos fizeram refletir sobre as impressões e pretensões em relação ao

curso de licenciatura em educação física da Universidade do Estado do Pará

(UEPA), que na época passava por mudanças, no caso a construção do projeto

político pedagógico (1997-1999), momento de muitas dúvidas e incertezas, mas

também de muitas lutas.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

______________________

Foi neste contexto, em meio a polêmicas, fóruns e discussões sobre

diversos temas, da regulamentação do profissional de educação física (Lei 9.696/98)

a construção do projeto político pedagógico do curso de educação física da

Universidade do Estado do Pará (UEPA), que aconteceu nossa formação

acadêmica. Naquele momento, tivemos a oportunidade de debater sobre a formação

que possuíamos e constatar seus limites e dificuldades.

Em meio a estas discussões, já no movimento estudantil, integrante do

Centro Acadêmico do Curso de Educação Física da UEPA e também nas disciplinas

cursadas tivemos as primeiras inquietações com a temática da história da educação

física.

Alguns problemas, como o pequeno número de obras disponíveis na

biblioteca do curso de Educação Física sobre história da educação física, e a forma

na qual se relegava a segundo plano os conhecimentos históricos tratados em

disciplinas como a História da Educação Física, ou mesmo, em outras disciplinas

nas quais os conteúdos relacionados ao esporte e a ginástica, dança e outros

remetiam a conhecimentos históricos tratados quase sempre com menor

importância, de forma fragmentada e sem o devido aprofundamento, dão uma noção

da situação da formação pela qual passávamos.

Se na formação inicial tivemos estas dificuldades, na atuação profissional

não foi muito diferente. Os locais onde atuamos não proporcionaram conhecimentos

em perspectiva histórica, foi assim nos dois anos e meio lecionando na rede

municipal de Cametá, como técnico assessorando o projeto “Escola de Esporte” da

Secretaria Municipal de Belém (SEMEC) e também como professor da Secretaria

Estadual de Educação (SEDUC).

Nos momentos em que houve algum tipo de formação não foi

proporcionado o conhecimento dos elementos e pressupostos da história como parte

constitutiva da sociedade, seja como fato ou como instrumento de apreensão da

realidade. Neste sentido, tivemos negado o direito a conhecer para além da simples

narrativa as bases nas quais foi erguida a educação física.

Isto deixa claro que em nossa formação esteve sempre presente a ideia

de cada um individualmente buscar, com suas próprias forças e possibilidades os

seus conhecimentos, em detrimento de um projeto coletivo de formação humana

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

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numa perspectiva na qual sejam considerados o desenvolvimento de todas as

potencialidades do ser humano.

Estas questões me fizeram refletir sobre como esta educação desenvolve-

se e também de que forma havia se constituído desta forma principalmente no

estado do Pará. Esta inquietação levou-nos a procurar leituras que pudessem

mostrar de que forma havia acontecido esse processo. Foi então que tive acesso a

tese de doutorado da Professora Maria do Perpétuo Socorro Gomes de souza

Avelino de França. Neste estudo tive contato com a obra de José Veríssimo e da

importância que o mesmo concedia a educação física, tanto no Colegio Americano

fundado e dirigido por ele, como Diretor da Instrução Pública do Estado do Pará. A

leitura dessa obra despertou-me o interesse em pesquisar sobre as origens da

educação física no Pará e conforme fomos aprofundando as leituras foi se definido

que o ensino primário público deveria ser o foco da pesquisa.

Além do caminho percorrido até o encontro com o objeto temos também

um referencial teórico que contribuiu significativamente para as análises aqui

apresentadas.

O referencial teórico-metodológico

Explicitaremos neste item os principais referenciais adotados para dar

suporte às elaborações teóricas que faremos, bem como, os procedimentos

adotados para analisar os documentos selecionados. Isto quer dizer que

demonstraremos os autores e seus estudos nos campos da História; História da

Educação; História da Educação Física; e sobre a História do Pará e o caminho

percorrido pela pesquisa.

Começaremos pela historiografia1 da educação física que tem nomes de

destaque dentro da área cujas fontes principais, mas não as únicas, são Carmem

Lúcia Soares; Lino Castellani Filho e Amaríllio Ferreira Neto. Temos também como

referências para a construção deste estudo outros autores que sem dúvida são de 1 A historiografia é aqui entendida como análise da produção e da escrita da história sobre a

história. Neste sentido, compreendemos que a produção do conhecimento no campo da história da

educação precisa estar referenciada nesta introdução para que possamos utilizá-la como fonte

secundária dentro de nossas análises e também porque suscitou as possibilidades de criação deste

estudo.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

______________________

vital importância neste campo de conhecimento Vitor Andrade de Melo e Silvana

Goelner.

É importante salientar que enquanto uma espécie de subárea, nela

existiram estudiosos, desde o início do século XX2, que se preocuparam com a

história da educação física, vendo nela algo de importante no que se refere ao status

que esta deveria assumir na sociedade brasileira. No entanto, estes primeiros

estudos estavam voltados para a utilização da história como modelo de formação

sob os princípios e valores da sociedade burguesa e durante muito tempo foram a

referência de história da educação física.3

Estes primeiros estudos, cujos primeiros autores foram Inezil Pena

Marinho e Fernando de Azevedo, abrangeram períodos de tempo relativamente

grandes e possuem características muito próximas do positivismo e suas influências

na pesquisa Histórica.

A partir da década de 1980, começam a aparecer estudos dentro da

educação física com perspectivas diferentes das apresentadas até então, e o

interesse vai começar a aumentar pela história da educação física, proporcionando

importantes pesquisas nessa área.

2 Os estudos de Fernando de Azevedo e Inezil Pena Marinho, formam sem dúvida um marco

para o início deste campo de estudos no Brasil, aos quais merecem sempre referência. 3 Dois autores, ainda na década de 1990, formularam uma análise sobre a história da

educação física dividindo-a em fases. Amaríllio Ferreira Neto foi o primeiro afirmando existirem duas grandes fases nos estudos dessa área sendo que na primeira possuíam características positivistas: Descritivas, fatuais, lineares; e segunda a partir da década de 1980, em que aparecem trabalhos tendo referência Marxistas ou na Nova História Francesa história e Víctor Andrade de Melo que também propõe uma periodização, porém em três fases. Numa primeira fase (início do século XX até a década de 1930) considerada “embrionária” destacam-se Fernando de Azevedo e Laurentino Lopes Bonorino e colaboradores (1931) e suas produções voltadas para os aspectos históricos da ginástica. Na sua forma, estas produções estavam ligadas à busca das origens da evolução da educação física e dos esportes como justificativa para a defesa de determinados procedimentos previamente estabelecidos. Prevalece a influência positivista com as características que Amarílio Ferreira Neto identifica também em sua Primeira fase. Numa segunda fase (1940-1970), Victor Melo diferencia-se de desse outro pesquisador e afirma que o principal nome, Inezil Penna Marinho, possui uma característica que se diferenciada fase anterior, apesar de não estar totalmente livre de uma influência positivista, justamente a “profundidade teórica da abordagem histórica. A partir da década de 1980, com uma crítica da obra de Inezil Penna Marinho de influência marxista, se inicia uma terceira fase em que se destacam Mário Cantarino Filho (1982); Lino Castellani Filho (1988); Paulo Guiraldelli Júnior (1988); Carmem Lúcia Soares (1990); e Silvana Vilodre Goelner (1992). Estes estudos ainda possuindo alguns problemas, segundo autor desta periodização, relacionados aos problemas de uma periodização externa aos objetos de estudo, marcam uma mudança nos estudos históricos da educação física.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

______________________

Com isso, apenas, na década de 1990, haverá um aumento no número de

produções com relação à história da educação física4, fruto dos debates iniciados na

década anterior. Nesta perspectiva, teremos um crescimento no número de

produções neste campo buscando em diferentes matrizes os mais variados objetos

e fontes relacionadas à educação física.

Estas informações são importantes, pois permitem nos situar

epistemologicamente dentro do que foi produzido neste campo da educação física e

também de selecionar as produções que poderiam contribuir para fundamentar a

pesquisa.

No intuito de compreender como estava configurada esta área de

pesquisa, fizemos um levantamento desta produção na última década, verificamos

que não se privilegiou muito a história da educação física na Escola Pública.

Isto foi detectado a partir da consulta ao Banco teses e dissertações da

CAPES, acessado em novembro de 2009, neste, fizemos uma leitura do título e do

resumo das produções que tratavam da história da educação física.

Das 42 dissertações encontradas da educação física produzidas no

período de 2000 à 2008 que trazem no tema a história, apenas seis, fazem

referência a educação física escolar e destas 3, tratam dela no ensino primário.

Quanto às teses, das 10 encontradas, duas incluem no eixo central a discussão da

educação física na escola5.

Para completar o quadro da produção do conhecimento neste campo

realizamos o mesmo movimento em dois periódicos da área, delimitando igual

período, as revistas do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (RBCE) 6 e

MOTRIVIVÊNCIA7. Escolhidos por serem dois grandes espaços de difusão do

conhecimento da educação física.

4 Em meados da década de 90, aconteceram os encontros de História da Educação Física Esporte e

Lazer realizados respectivamente em Campinas, Campo Grande e Curitiba constituindo-se em importante marco na produção em história da educação física no Brasil. 5 As teses e dissertações foram selecionadas por tratarem de temas relacionados a educação,

e especificamente que abordassem os objetos pela história, e nestes, os que incluíssem a escola.

Não se buscou identificar ou mesmo analisar seus pressupostos teóricos e nem as propostas

metodológicas, mas sim o tema e o resumo de cada uma. 6 A Revista Brasileira de Ciências do Esporte é editada pelo Colégio Brasileiro de Ciências do

Esporte (CBCE) desde 1979 e a partir de 2001 em parceria com a Editora Autores Associados. 7 A Revista MOTRIVIVÊNCIA é editada pela editora da Universidade Federal de Santa

Catarina desde meados da década de 1990.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

______________________

Nas revistas, delimitamos o levantamento entre os anos de 2000 à 2008,

pelo fato de estarem proporcionando aos pesquisadores a chance de publicação e

difusão do conhecimento desde a década de 90, no caso da RBCE desde o final da

década de 70, e também porque de certa forma refletiram o nível da produção em

história da educação física nesta década. Com relação às revistas tanto a RBCE,

quanto a MOTRIVIVÊNCIA possuem uma importante representação junto a

comunidade científica da educação física, só no período delimitado a RBCE publicou

vinte seis revistas cada uma com uma média de onze trabalhos, chegando a um

total de trezentos e quatro produções. Desse montante de 38, incluídos nos

volumes 25, n 2 (2004) e n 1, (2003), todos os artigos são voltados para a história

da educação física, e apenas 7, adentram na história da educação física escolar.

Como podemos constatar, a história da educação física vem produzindo

relativamente um pequeno número de produções sobre a história da educação física

escolar. Desta forma, entendemos ser relevante a pesquisa que realizamos,

considerando que não há no estado do Pará estudos relacionados a esta temática.

Além disso, outras produções foram importantes para definirmos nosso

objeto como a de Victor Andrade Melo com a sua obra “História da Educação Física

e do Esporte: panorama e perspectivas” (1999) e sua tese de doutorado “Escola

Nacional de educação Física e Desportos: Uma história é possível (1996), Carmem

Lúcia soares: “Educação Física: raízes europeias e Brasil” (1994), Lino Castellani

Filho “Educação Física no Brasil: a história que não se conta” (1994) e o trabalho de

Amarílio Ferreira Neto “A pedagogia no Exército e na Escola: a educação física

brasileira (1880-1950)” (1999) e o artigo “pesquisa histórica na educação física

brasileira” publicado na coletânea, organizada por ele mesmo, intitulada “pesquisa

histórica em educação física brasileira”(1996).

Nestes estudos, encontramos dados sobre a gênese e o desenvolvimento

da educação física no Brasil, suas concepções e metodologias, o problema das

fontes, e das matrizes teóricas. Podemos encontrar também aspectos políticos e

econômicos da sociedade brasileira da época fundamentais para compreender o

papel que a educação física desempenhou ao longo da história no Brasil.

Outras referências também nos ajudaram neste estudo, são elas, a tese

de doutorado de Maria do Perpétuo Socorro Avelino Gomes de França “José

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

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Veríssimo (1857-1916) e a educação brasileira republicana: raízes da renovação

escolar conservadora” (2004) e a obras do próprio José Veríssimo “Notícias sobre o

colégio americano” (1888) e “Educação Nacional” (1891); Nazaré Sarges “Belém:

produzindo as riquezas da Belle-époque” (2002); os Relatórios e Regulamentos dos

Governos do Estado e dos Diretores da instrução pública do estado do Pará entre

1889 e 1900.

Estes possibilitarão vislumbrar alguns elementos da sociedade paraense

da época como: características da cidade de Belém e do estado do Pará, a

educação escolar e educação física em nível local e nacional, bem como, os

aspectos econômicos e políticos do Estado na Primeira República.

A partir destas contribuições que ajudaram a delimitar o objeto de estudo

surge a questão central deste trabalho que é a seguinte: Como e por que a

educação física foi introduzida no ensino primário público na 1a Década da

Primeira República no estado do Pará? Mas esta pergunta nos leva

consequentemente a outras questões: Que métodos orientavam a prática da

educação física no ensino primário? Por quais mudanças passavam a sociedade

paraense naquele período histórico?

Acreditamos que a pergunta central, bem como, as questões norteadoras

aqui explicitadas possibilitam uma orientação do sentido que a pesquisa vai assumir

considerando evidentemente seu objetivo.

Outro elemento de extrema importância na construção da pesquisa refere-

se ao método que assumiremos na condução da mesma. Ele aqui é entendido como

um conjunto de procedimentos de natureza técnica e intelectual que baliza os rumos

da pesquisa. Este instrumental tecnológico é utilizado com base na prática do

método que está sendo usado. (GIL, 2004; SEVERINO, 2007)

Complementando este sentido, entendemos que é a teoria8 que orienta o

processo de realização das técnicas a serem adotadas, precedendo-as, indicando

os caminhos e os rumos que devem ser adotados na investigação. Freitas (1995);

Mynaio (2000)

8 Teoria é entendida neste como a reprodução ideal do movimento concreto da realidade que deve

ser captado em sua totalidade. Neto (1997).

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

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Nesta perspectiva, perseguimos aqui a tradição iniciada por Karl Marx na

produção do conhecimento, na qual superando a aparência do fenômeno, chegando

a sua essência com a análise das múltiplas determinações do fenômeno. Pode-se

elaborar assim, uma reprodução ideal do objeto no movimento real e construir uma

síntese que nos permitirá compreender o objeto em sua totalidade na realidade

concreta.

Como exemplo, podemos dizer que os discursos de fins do século XIX,

proferidos por uma boa parte da intelectualidade, traziam a necessidade de uma

mudança na organização político-social brasileira, e neste caso o que nos interessa

são aqueles que tratavam da educação e mais especificamente a educação física,

na perspectiva da modernização do país, de uma educação que fosse capaz de

elevar o Brasil ao nível de países civilizados. Assim na aparência, estes discursos

são bons para a sociedade brasileira, no entanto, será que revelam sua essência? O

que a aparência deste projeto modernizador e civilizatório estava negando na sua

essência?

Dando sequência, seguir-se-á com a análise dos documentos, já referidos

anteriormente, selecionados pelo seu conteúdo referente a educação, educação

física e também por demonstrarem a situação política e econômica do Estado do

Pará; por serem documentos produzidos neste Estado; e pela disponibilidade no

local de consulta.

Provocando um confronto entre estes documentos com as obras que

tratam da educação e educação física, buscamos captar as possíveis contradições

presentes tanto nas fontes primárias quanto nas secundárias sobre a inserção da

educação física naquele nível de ensino, a mediação que ela exerceu no período

delimitado para o estudo e revelando as relações internas e externas que estavam lá

presentes. A ideia básica é captar nestes cruzamentos as especificidades da

educação física no ensino primário paraense e sua relação com o contexto político

econômico paraense e nacional.

Com relação ao método o próprio Marx diz o seguinte,

[...] Se começasse, portanto, pela população elaboraria uma representação caótica do todo e, por meio de uma determinação mais restrita, chegaria analiticamente, cada vez mais a conceitos mais simples; do concreto representado chegaria a abstrações cada vez mais tênues, até alcançar as determinações mais simples. Chegado a este ponto, teria que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas dessa

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

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vez não como uma representação caótica, porém como uma rica totalidade de determinações e relações diversas. [...] ( 2008, p. 258).

Isto, diz respeito à compreensão do objeto de estudo, tanto no que

representa de forma mais geral, quanto aos seus aspectos mais particulares e

singulares, isto é, captar a estrutura interna, os seus componentes e suas relações

internas. Realizar este exercício, significa se deparar com objeto num primeiro

momento e adentrar em sua dinâmica interna e depois de considerar as múltiplas

determinações que o configuram retornar ao fenômeno inicial, mas agora com uma

compreensão das relações que compõe sua totalidade.

Esta foi a resolução metodológica que adotamos nesta pesquisa para

captar os elementos constitutivos do objeto e como se relacionam na dinâmica

própria do fenômeno, ou seja, na sua realidade concreta. (NETO, 2011)

Tendo como referência metodológica a formulação de Marx9, buscamos

aportes em autores que também se baseiam em seus escritos para desenvolver

seus trabalhos científicos. Como podemos perceber, esta pesquisa tem seu objeto

perpassando pela história e história da educação. Por isso, consideramos de suma

importância tomar como referências nestes dois campos as produções de Eric

Hobsbawn, Demerval Saviani e José Claudinei Lombardi, pois discutem seus

objetos sob influência dos escritos de Marx ou de seus intérpretes.

Hobsbawn (1998), Por exemplo, tem em seus escritos a referência de

Marx, cujos estudos são o melhor instrumento para acompanhar as mudanças e

transformações ocorridas no mundo a partir do fim da idade média, período que até

o presente momento marca a ascensão do capitalismo.

Contribuindo com o debate acerca da história da educação temos como

referência que

é preciso, com efeito, registrar que a tarefa de produção de uma história da escola pública no Brasil se reveste de especificidade própria, marcada pelas dimensões do país e pela diversidade de tempos, espaços e ritmos com que se manifestou o processo de implantação da escolas públicas nas diferentes de regiões, estados e municípios. Com efeito, para se compreender o fenômeno da escola pública no Brasil de modo consistente,

9 Ë importante deixarmos claro que Marx não deixou um método, mas sim o método do capital.

(NETO, 200, p.52), e mais ainda, Se por método se entende uma arrumação operativa a prior, da

subjetividade consubstanciada por um conjunto normativo de procedimentos, ditos científicos, com

os quais o investigador deve levar a cabo seu trabalho, então, não há método em Marx. ( CHASIN,

2009, p. 89)

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

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apreendendo-se suas múltiplas particularidades e modo como se articulam formando uma totalidade dinâmica e contraditória, é mister desenvolver uma investigação sistemática que permita, progressivamente, a reconstrução no plano do conhecimento, das características que se manifestam no desenvolvimento histórico desse objeto: A escola pública brasileira. (SAVIANI, 2005, p. 15)

Compreendendo a importância deste referencial, Lombardi afirma que,

de minha parte, tenho manifestado meu entendimento quanto ao significado

da atualidade do pensamento marxista, como uma concepção viva e

suficiente, ainda na contemporaneidade, para a análise crítica da sociedade

capitalista e como um referencial revolucionário e transformador da ordem

existente. (2000, p. 25)

A principal razão da escolha desta teoria e não de outra se deve ao fato

de entender que a produção do conhecimento sempre está à serviço de

determinados interesses sociais, portanto, não é aleatória, e nem dependente do

objeto a ser investigado, mas de uma determinada concepção de mundo e de uma

prática social.

Isto implica em considerarmos em última instância o próprio legado

deixado por Marx, a teoria que ele deixou. Estamos falando da concepção de

história elaborada por este estudioso ainda no século XIX, mas que ainda tem

servido de sustentação teórica na análise de muitos autores em vários campos do

conhecimento.

Nesse caminho temos, então, a concepção de história sendo aquela que

alguns autores como Hobsbawn e Plekhanov denominam de concepção

“materialista da história”, basicamente compreendida pela ideia de que são as

relações materiais de produção da vida as determinantes do desenvolvimento

humano.

Isto significa afirmar que a sociedade se desenvolveu a partir da relação

com a natureza e com outros seres humanos na busca de satisfazer as

necessidades que foram surgindo ou que foram criadas ao longo do processo de

desenvolvimento humano.

Ainda sobre esta questão é relevante informar que outros autores como

José Paulo Neto afirmam existir de uma concepção marxiana da história na qual

estão presentes seis elementos a saber, “um, objetividade; dois a realidade

medularmente contraditória; três com sujeitos coletivos; Quatro determinados

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

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socialmente; cinco de forma consciente; seis com teleologias diversas. (NETO, 2006,

p. 54-55)

Embora percebamos diferenças entre essas formas de conceber a

história, fundamental para esta pesquisa, constatamos a presença do elemento da

objetividade, contradição, mediação e totalidade ao considerarmos suas

características, fato este, que em nada causa obstáculo na compreensão da história.

É importante assinalar, ainda, que se trata de uma pesquisa documental,

trabalhando principalmente com fontes primárias, isto é, com documentos que ainda

não tiveram um tratamento, ou pelo menos não com este enfoque. Este

entendimento é encontrado em Gil (2000, p.5) afirmando que a pesquisa documental

“Vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que

ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”.

Na tentativa de dar uma organização coerente com os elementos

norteadores da pesquisa este trabalho está estruturado em três capítulos, no

primeiro – Educação física: o nascimento de uma disciplina – abordaremos o

processo de desenvolvimento da educação física desde a Europa do século XIX e

seus antecedentes até sua defesa nas escolas como um aspecto da educação, a

introdução da educação física no Brasil e quais as relações foram estabelecidas com

a classe dirigente deste país.

A intenção deste é demonstrar a complexa trama construída na direção de

uma nova sociedade – a do capital – que nasce com a ascensão da burguesia ao

poder na Europa nos séculos XVIII e XIX e com ela uma série de mudanças que

instituíram o modo de produção capitalista. Neste contexto, cumpre destacar qual

papel a educação física exerceu nesse.

No segundo – Sociedade e educação no Pará na Primeira República –

trataremos do desenvolvimento da educação no período delimitado para o estudo,

relacionando com o contexto econômico, político e educacional pelo qual passava a

sociedade paraense. Isto é importante, porque é por meio da educação que a

educação física se manifestará como necessidade de formar um corpo forte e

saudável.

Não podemos deixar de considerar nesta análise a evolução da instrução

pública ainda na província e seus aspectos específicos até os anos que

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira

república (1889- 1900)

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antecederam a proclamação da República em que já ocorriam experiências

marcadas pelas influências do projeto modernizador do país.

No terceiro – A educação física no ensino primário no Pará –

analisaremos a implantação da educação física no ensino primário paraense, por

meio das publicações da época e também dos relatórios e regulamentos da

instrução pública do estado do Pará produzida na primeira década da primeira

República.

Neste último capítulo, momento no qual se chegará às relações mais

simples que compõe a essência do objeto, é quando vamos identificar as

especificidades da educação física no ensino primário paraense.

E por fim, nas considerações finais retomamos as principais questões

abordadas neste estudo levando em consideração objetivo formulado e os

resultados construídos a partir das análises realizadas.

Acreditamos que as possibilidades de análises com essa organização

estarão colocadas de forma a responder a problemática central e alcançar os

objetivos desta pesquisa. Sendo assim, convidamos aos leitores a uma boa

apreciação crítica deste trabalho.

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23 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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1 EDUCAÇÃO FÍSICA : O nascimento de uma disciplina escolar

Este capítulo tem por objetivo analisar a educação física no Brasil,

considerando seus antecedentes europeus e suas primeiras iniciativas neste país. A

ideia é focar a educação física no período que compreende a primeira década da

Primeira República, avaliando o papel que ela exerceu e as relações que

estabeleceu em um período da história brasileira marcado por contradições e

conflitos político-econômicos. Isto é fundamental para entender o seu movimento em

âmbito local e nacional, bem como a defesa da implantação da educação física nas

escolas brasileiras.

A educação física vem se constituindo indubitavelmente em uma importante

área, seja academicamente ou como um conjunto de práticas corporais

sistematizadas e desenvolvidas dentro ou fora da escola, em clubes, academias,

associações e outras instituições; e pelos mais diversos motivos representando

saúde, estética e qualidade de vida.

Durante o século XIX e ao longo do século XX, a educação física foi

constituindo-se no discurso da elite como um importante elemento na formação do

novo homem, inicialmente na Europa e depois no Brasil. Para isso, um aparato

teórico-metodológico foi sendo criado.

Muitos exemplos podem ser aludidos no intuito de ressaltar a importância da

educação física na sociedade brasileira nos dois últimos séculos, como as reformas

educacionais ocorridas no século XIX e XX, as experiências desenvolvidas em

estabelecimentos de ensino públicos e particulares até culminar com a sua

obrigatoriedade no ensino básico no século passado.

Nesta trajetória, pode-se perceber a inserção da educação física nos

currículos do ensino primário, secundário e superior, e a função que ela

desempenhou nestes níveis de ensino para os seus diversos papéis sociais ao longo

dos dois últimos séculos.

Alguns pesquisadores, como Inezil Pena Marinho em meados do século XX e

mais recentemente Victor Melo, Amarílio Ferreira Neto e Carmem Lúcia Soares vem

se debruçando sobre esta trajetória da educação física no Brasil e na Europa.

Temos, portanto, uma produção significativa com uma diversificação de fontes,

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24 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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objetos e métodos.

No caso deste estudo, o período delimitado corresponde à importantes

mudanças políticas no país, promovida pelas classes dirigentes, há muito

insatisfeitas com o governo imperial, o qual não representava mais os seus

interesses. Neste contexto, a inserção da educação física nos currículos do ensino

primário, especificamente no estado do Pará, representou a consolidação do

pensamento modernizador para a sociedade em geral e para a educação em

especial.

Para orientar esta análise, alguns questionamentos foram formulados, sem a

pretensão de esgotar a temática: Como se iniciou esse processo? O porquê de

considerá-la importante em determinado momento histórico?

Para responder a esses questionamentos, traz-se para discussão as

mudanças pelas quais passou a sociedade brasileira no século XIX. As principais

modificações foram de ordem política e econômica, quando se consumou a

Proclamação da República e a abolição da escravidão no final desse século.

Sob a influência das transformações que ocorreram na Europa,

principalmente na França e Inglaterra, as quais tomaram maior impulso com a

revolução francesa e industrial, o Brasil, a partir de meados do século XIX,

perseguirá a construção de um “país moderno” e para isso alterações estruturais

foram obrigatórias.

Na política, a Monarquia começou a ser contestada até sua queda no final da

década do século XIX. Neste momento, a Proclamação da República1 significou a

mudança de regime político, instaurando o presidencialismo que perduraria até

1930.

Longe de provocar uma ruptura com as práticas políticas vigentes, esta

modificação colocaria em evidência a força de grupos políticos da elite ávidos por

um governo que representasse seus interesses de maneira mais efetiva, sobretudo

os econômicos.

Dar-se-á, então, início a um período marcado por conflitos2 entre o governo

1 Primeira República, República Velha, República da Espada são denominações utilizadas para se

referir ao período que vai do fim do período monárquico até o golpe de 1930. 2 Na Primeira República foram muitos os conflitos armados em várias regiões do país, logo nos

primeiros dez anos tivemos o de Canudos na Bahia (1896-1897), a 1º e 2ª Revolta da Armada em

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25 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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republicano e grupos localizados em vários estados como Rio grande do Sul, Bahia

e São Paulo, descontentes pela forma como vinha conduzida a mudança política no

país ou por serem contrários a idéia da república.

Nascida de uma complexa trama política, a Proclamação da República teve

como principais elementos definidores “a questão militar” e a insatisfação dos

fazendeiros de café, de um segmento intelectual e dos partidos de oposição

(FIALHO, 1983).

Estes grupos pertencentes às elites questionavam o governo imperial em

vários pontos: o descaso com a classe militar, o fim da mão de obra escrava, a

situação de atraso cultural na qual se encontrava o País ou mesmo por aversão aos

membros da corte imperial. Todos estes pontos convergiam para o fim do Governo

Imperial sem, no entanto, haver a participação popular.

Segundo Carvalho (1987) o povo assistiu “bestializado” todo aquele conjunto

de fatos que culminaram com a saída do poder da família imperial e a implantação

do governo Republicano.

Já no plano econômico, a mais significativa alteração foi a abolição da

escravidão, promovida por um ato imperial da Princesa Isabel na tentativa de

agradar os críticos ao Governo Imperial. Esta última medida faz parte de um longo

processo em que leis foram criadas, sendo o golpe final na exploração de mão de

obra a custo quase zero, rumo à implantação definitiva do trabalho assalariado no

Brasil.

O problema da mão de obra escrava era tão importante que teve influência na

política educacional. Isto significa que a categoria trabalho será fundamental para se

compreender como o projeto educacional estava articulado à realidade concreta, ou

seja, ao contexto político e econômico.

Tal problema conjuntural estava dado e isto significou mudanças nos

costumes e hábitos em prol de uma nova formação física, moral e intelectual do

homem. Sendo esta formação integral constantemente observada nos discursos e

programas de instrução pública durante a Primeira República.

As mudanças políticas e econômicas pelas quais passava o país tiveram

1891 e 1892, no Rio de Janeiro respectivamente, e a Revolução Federalista ocorrida no período de 1893 a 1895 no Rio Grande do Sul.

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26 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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relação direta com as novas propostas de formação de um homem brasileiro que

fosse adequado ao novo regime político que se instaurava no país; e neste contexto

a educação física seria um importante elemento.

1.1 A educação física na Europa

Para tratar da educação física no Brasil no final do século XIX, é

imprescindível recuar um pouco na história e considerar as revoluções político-

econômicas que se operavam na Europa. O motor principal destas transformações

foi a gênese, o desenvolvimento e a consolidação da classe burguesa, ao divulgar a

necessidade de formação de uma nova sociedade3 - a sociedade do capital. Sendo

esta configurada por um conjunto de medidas adotadas nos séculos XVIII e XIX que

visava minar as bases de sustentação da sociedade feudal, e ao mesmo tempo

elaborar um ideário em que a educação do corpo era fundamental para alcançar os

objetivos almejados.

E a educação física, seja aquela que se estrutura no interior da instituição escolar, seja aquela que se estrutura fora dela, será a expressão de uma visão biologizada e naturalizada da sociedade e dos indivíduos. Ela incorporará e veiculará a idéia da hierarquia e da ordem, da disciplina, da fixidez, do esforço individual, da saúde como responsabilidade individual. Na sociedade do capital, constituir-se-á em valioso instrumento de disciplinarização da vontade, de organização de gestos e atitudes necessários a manutenção da ordem. Está organicamente ligada ao social biologizado do século XIX, pesquisas e sistematizações estas que vem a responder, paulatinamente, a um maior número de problemas que se coloca à classe no poder (SOARES, 1994, p. 20).

Parte-se, portanto, do pressuposto de que o surgimento e o desenvolvimento

da educação física na Europa estão intimamente relacionados com a ascensão e

consolidação da classe burguesa no poder. Isto significa que os princípios

assumidos pelo projeto de educação, incluindo a educação física, foram aqueles que

embasaram o próprio modo de produção capitalista.

As mudanças econômicas e políticas ocorridas na Europa nos séculos XVIII e

XIX foram partes de um processo de transformação social que gerou alterações

3 Na França do final do século XVIII, por exemplo, igualdade, liberdade e fraternidade não eram

simples palavras de ordem motivadoras, mas ideais que precisavam ser consolidados para que aquela sociedade pudesse evoluir.

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27 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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profundas na forma de pensar e organizar a sociedade, mas, sobretudo, na forma

como o homem passou a produzir a sua existência material.

No plano econômico, o continente viu florescer o modo de produção

capitalista nos séculos XVIII e XIX em substituição ao feudalismo que durante tantos

séculos predominou. Esta modificação representou a defesa da propriedade privada

sobre os meios de produção, o trabalho assalariado e os mercados livres.

A transição do feudalismo ao capitalismo significou a substituição da terra pelo dinheiro, como símbolo da riqueza: foi o período em que um conjunto de fatores preparou a desagregação do sistema feudal e forneceu as condições para o surgimento do sistema capitalista (GIOIA; PEREIRA, 2007, p.163).

Fruto desse longo processo de desenvolvimento, o capitalismo em pouco

tempo, comparado com o modo de produção anterior, revolucionou as formas de

produção material na existência humana.

Já o feudalismo, baseado em relações que de maneira geral se davam a partir

de produtos advindos da terra e de atividades ligadas a ela, perdurou

aproximadamente quinze séculos de modo diverso em vários lugares da Europa.

Mas que tipo de trabalho predominava neste modo de produção?

Qual era a espécie de trabalho? Nas fábricas ou usinas? Não, simplesmente porque ainda não existiam. Era o trabalho na terra, cultivando grão ou guardando o rebanho para utilizar a lã no vestuário. Era o trabalho agrícola, mas tão diferente de hoje que dificilmente o reconheceríamos (HUBERMAN, 1986, p. 03).

As relações políticas da Idade Média não permitiam questionamentos nem

mudanças nos códigos e normas impostos pela nobreza e clero. Os servos de um

feudo, por exemplo, não podiam realizar casamentos com pessoas que não fossem

do mesmo feudo, a não ser com autorização de seu senhor. Este último era o dono

da terra onde trabalhavam e para quem não podiam deixar de produzir.

No feudalismo, a unidade econômica, político-jurídica e territorial era o feudo; em outras palavras, numa dada extensão de terra, eram produzidos os bens necessários à manutenção de seus habitantes, realizadas as trocas de bens e elaboradas as leis e obrigações que vigoraram (RUBANO; MOROZ, 2007, p.136).

Esta vinculação ao feudo poderia se dar por acordo militar ou por deveres e

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28 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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obrigações recíprocas entre os donos da terra e arrendatários. Ou seja, além da

relação de dominação também existia o vínculo pessoal como forma de relação

política nos feudos (HUBERMAN, 1986; RUBANO; MOROZ, 2007).

Como se pode perceber não existia liberdade do camponês e de outros

grupos nas formas de produção de subsistência, mas sim uma exploração

exacerbada por parte daqueles que eram donos das terras. Esta situação, cada vez

mais intensa, provocava mais e mais miséria nos grupos desprovidos de condições

materiais. Esse pode ser considerado um aspecto importante na condução das

mudanças que estariam por vir.

Na política, presenciou-se o progressivo deslocamento do poder da nobreza,

constituída por reis, lordes e duques, para a classe emergente - a burguesia. Por

vários séculos, a nobreza juntamente com a igreja católica dominou as formas de

governo e constituiu grandes reinos, mas ao final teve suas bases sistematicamente

prejudicadas. Principalmente, porque viu a diminuição de seu poder econômico e

bélico enquanto formulava-se um novo ideário. O caso mais emblemático desse

processo talvez seja a “Revolução Francesa”, que derrubou por intermédio da força

a nobreza francesa.

Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram fundamentalmente pela Revolução Francesa. A Grã-Bretanha forneceu o modelo para as ferrovias e fábricas, o explosivo econômico que rompeu com as estruturas socioeconômicos tradicionais dos mundos não-europeus; mas foi a França que fez suas revoluções e a elas deu suas idéias a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem-se tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes, e a política européia (ou mesmo mundial) entre 1789 e 1917 ser em grande parte a favor e contra os princípios de 1789, ou ainda mais incendiários de 1793. A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até então resistido às idéias européias inicialmente através da influência francesa. Esta foi a obra da Revolução Francesa (HOBSBAWN, 2009, p. 97-98).

Este processo de transição das atividades econômicas ligadas a terra para as

comerciais e depois industriais, como se pôde perceber, ocorreu em um processo

simultâneo de solapamento das atividades econômicas e constituições de novas.

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29 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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[...] Estes requisitos Marx demonstrou terem sido estabelecidos através de um longo processo histórico que transformou as antigas relações econômicas dominantes no feudalismo, destruindo-as ao mesmo tempo em que se construía o capitalismo (CATANI, 2003, p. 09).

Sendo assim, “por meio de uma série de revoluções liberais, a burguesia

tomou o poder político, da mesma forma que por meio da Revolução Industrial

tomou o poder econômico” (PEREIRA; GIOIA, 2007, p. 262).

As transformações motivadas e dirigidas pela burguesia requeriam não só as

ações diretamente ligadas às novas formas de trabalho, mas também, orientações

que penetrassem no âmago da sociedade e mostrassem o antigo regime como

opressor e incapaz de garantir vida, dignidade e melhorias nas condições precárias

em que se encontravam as camadas sociais inferiores.

O ideário, que serviu de base para toda esta virada política e econômica da

sociedade europeia - o liberalismo4, foi divulgado por pensadores, inicialmente,

como Locke e Rousseau e depois por outros como o Marquês de Condorcet,

Basedow e Pestalozzi. Estes teóricos difundiram o liberalismo principalmente por

meio da educação e foram o suporte para o fortalecimento da educação física como

instrumento da classe burguesa e para a manutenção de seu poder.

1.2 A educação do Corpo

Segundo Ponce (2003), a educação sob os princípios burgueses de utilidade

e praticidade surgem com a evolução das necessidades econômicas que se

impunham aos burgueses e aos próprios nobres da renascença no século XVIII.

Desta feita, os conhecimentos e a forma como eram difundidos não tinham mais

serventia para os novos modos de produzir a existência do homem daquela época. E

assim, os novos princípios, valores e conhecimentos se desenvolveram sob a

contribuição de quatro correntes pedagógicas: a da igreja medieval; a da nobreza

cortesã; a da burguesia protestante e a da burguesia não religiosa. Entre elas, têm-

4 Ideologia constituída ao longo de vários séculos desde Maquiavel até Adam Smith passando por

Hobbes, Locke e Rosseau. Foi fundamental para subsidiar teoricamente a gênese e a consolidação do capitalismo. Trazia como pressupostos principais: liberdade de pensamento, de deslocamento, mas, sobretudo liberdade econômica. Apresentava, portanto, características políticas, econômicas, sociológicas e jurídicas, graças a contribuição desses pensadores.

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30 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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se figuras importantes como Lutero (1483-1546), Bacon (1561-1626), Descartes

(1596-1650); Pascal (1623-1662); e Comênio (1592-1671).

O conhecimento produzido por esses pensadores foi a base na qual os

liberais clássicos dos séculos XVIII e XIX formularam, entre outras, propostas para a

educação. Mas, foi em fins do século XVIII e em todo século XIX que os ideais

defendidos pela burguesia para a educação foram sistematicamente concretizados

na Europa, sendo este período histórico o momento da acentuação do

desenvolvimento econômico capitalista.

Por isso,

a referência aos pensadores liberais clássicos coloca-se como fundamental para este trabalho, uma vez que são suas idéias sobre educação física que irão servir de base filosófica e pedagógica para o seu desenvolvimento ao longo dos séculos XVIII e XIX (SOARES, 1994, p. 47).

E ainda, segundo Soares (1994), estes teóricos, apesar de pertencerem a

diferentes países europeus e possuírem especificidades em suas formulações,

influenciaram e concorreram para a elaboração de propostas voltadas a uma

sociedade livre, materializando-se na liberdade de pensamento, liberdade religiosa

e, sobretudo, econômica. E neste esforço contribuíram para a formulação das bases

teóricas e filosóficas para a educação física.

Seguindo esta linha, já no século XVIII, encontram-se as ideias de John Locke

(1632-1704) com bastante ressonância na sociedade europeia, principalmente entre

a classe burguesa. Em suas ideias considerava o estado como regulador das

relações sociais entre os homens ao garantir a vida, a liberdade e o patrimônio a

cada indivíduo; defendeu ainda mudanças na educação e o cuidado com o corpo por

intermédio de exercícios físicos.

Deste modo, foram elaborados preceitos pedagógicos visando uma nova

formação humana. Assim, o

[...] jogo, a utilidade prática, a persuasão racional, os métodos não constritivos e auto governativo são os instrumentos desta pedagogia, que objetiva não a variedade dos conhecimentos, mas a liberdade do pensamento. A esses podem acrescentar-se a educação física e o trabalho, que todavia servem especialmente para o fortalecimento moral e como hobby, útil ao gentil-homem também para o controle da boa execução do trabalho dos dependentes. De qualquer forma, na preparação dos pobres ou na reeducação de delinqüentes, o trabalho (e a educação física) começa a fazer parte insuprimível da reflexão sobre a formação do homem: como

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31 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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instrumental e subordinado ou como hobby, ele se impõe todavia como problemas do futuro, ao lado do problema do patrimônio cultural e de sua sistematização (“um mapa geográfico do mundus inteligibilis”) das metodologias didáticas pelas quais transmiti-lo à criança e das relações permissivas e repressivas entre adultos e adolescentes (MANACORDA, 2006, p. 226).

Rousseau (1712-1778), conhecido por suas contribuições na teoria política5

com a obra o “Contrato Social”, construiu igualmente todo um arcabouço teórico

educacional, presente na obra “Emílio, ou Da Educação”. Neste último,

contemplou preceitos sobre a educação da elite, os cuidados com a educação na

infância e a formação integral do homem, além de defender um desenvolvimento

corporal e mental adequado à nova organização política e econômica que então

ganhava força.

Nesse contexto,

[...] entre os aspectos positivos merecem ser mencionados a redescoberta, a educação dos sentidos, a valorização do jogo, do trabalho manual, do exercício físico e da higiene, a sugestão de usar não a memória, mas a experiência direta das coisas, e não usar subsídios didáticos já prontos, mas construí-los pessoalmente, e, sobretudo, o plano progressivo da passagem da educação dos sentidos (dos dois aos doze anos) à educação da inteligência (até os quinze anos) e da consciência (até aos vinte cinco anos) [...] (MANACORDA, 2006, p.243).

Segundo Soares (1994), outros grandes nomes do pensamento europeu

também afirmaram a importância da educação do corpo. Marquês de Condorcet

(1743-1794) defendia uma educação pública, laica e gratuita em que a moral era

peça fundamental. Ele chegou a produzir um projeto para a instrução pública na

França pós-revolução incluindo a educação do físico. Já, Pestalozzi (1746-1827) e

Basedow (1724-1790), que ficaram marcados pelo caráter filantrópico de suas

atuações, também souberam traduzir o pensamento liberal por meio de propostas

para a educação.

O legado deixado por esses pensadores influenciou profundamente as

propostas educativas no final do século XVIII e em todo o XIX na Europa. Isto

5 Rousseau acreditava no contrato social entre os homens como forma de superação da situação

política remanescente da Idade Média. Entendia que o contrato firmado entre os homens para estabelecer uma relação política deveria advir de um consentimento coletivo a um determinado membro de uma comunidade dando a este o direito de governar, isto é, submeter a vontade individual à vontade da maioria.

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32 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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possibilitou a difusão do ideário liberal e com este a noção de uma educação de um

corpo forte, saudável e obediente. Contraditoriamente, com o avanço da

industrialização, pioraram as condições de vida das massas trabalhadoras e com

isso aumentaram as possibilidades de diminuição da produção por um homem

aviltado pela fábrica, além de revoltas com a situação de exploração extrema na qual

se encontravam.

A extensão da escolarização primária foi colocada, então, como um dos mecanismos privilegiados das formas de pensamento e ação do „corpo social‟, e dentro da escola ganhava espaço um conteúdo bastante enaltecido pelo pensamento médico, pedagógico ao longo de todo o século XVIII. Estamos nos referindo ao exercício físico como elemento da educação tão enaltecido por Rousseau, Basedow, Pestalozzi e pelos políticos revolucionários franceses que fizeram da educação, lei, como Condorcet e Lepelletier (SOARES, 1994, p.60).

Sob os princípios deste pensamento, a educação física se desenvolveu e

entrou na agenda dos países europeus por meio de teorias como o higienismo,

eugenia e ginástica, criando justificativas para sua inserção nos hábitos da

sociedade moderna em plena consolidação.

Entretanto, todo o ideário propugnado por estes pensadores visava, quando

muito, uma amenização dos problemas causados pela industrialização acentuada na

primeira metade do século XIX. A ideia de que existia um corpo doente, fraco,

indisciplinado foi imensamente divulgada, bem como, a formulação de teorias que

almejavam a superação desse quadro. Porém, sem mencionar o seu principal

aspecto: a exploração da força de trabalho das camadas populares.

1.3 Higienismo, Eugenia e Ginástica na construção de um novo homem

Na perspectiva de cuidar do corpo, a teoria higienista surgiu da necessidade

de interferir na limpeza do organismo do indivíduo e com isso assear o organismo

social, controlando as massas pobres vistas como imersas em doenças e vícios,

bem como construindo hábitos adequados aos novos modelos sociais.

A Europa do século XVIII e início do século XIX - especialmente nos países centros da „dupla revolução‟ política econômica, ocorrida respectivamente na França e Inglaterra - vai desenvolver através de determinadas políticas de saúde formas explícitas de controle das populações urbanas, onde o corpo dos indivíduos e o „corpo social‟ são tomados como objetos,

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33 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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mensuráveis, passíveis de classificações e generalizações isentas de paixões e impregnadas da neutralidade própria da abordagem positivista de ciência (SOARES, 1994, p. 27).

Neste sentido, foi uma corrente de pensamento que objetivou livrar a

sociedade, não só dos “maus hábitos” que levavam à condição de suscetibilidade a

doenças, mas também de atuar na construção de uma moralidade, cujo lócus

principal era a família.

Então,

o discurso higienista na Europa do século XIX veiculava a idéia de que as classes populares viviam mal por possuírem um espírito vicioso, uma vida moral liberada de regras e que, portanto, era premente a necessidade de garantir-lhes não somente a saúde, mas fundamentalmente a educação higiênica e os bons hábitos morais (SOARES, 1994, p.34).

De forma complementar ao higienismo, a eugenia queria

purificar a raça. Aperfeiçoar o homem. Evoluir a cada geração. Se superar. Ser saudável. Ser belo. Ser forte. Todas as afirmativas anteriores estão contidas na concepção de eugenia. Para ser o melhor, o mais apto, o mais adaptado é necessário competir e derrotar o mais fraco pela concorrência. Luta de raças. Para a política, luta de classes (DIWAN, 2007, p. 21).

Schwarcz (1993) afirma que o principal teórico eugenista Francis Galton

(1822-1911), geógrafo e naturalista, publicou em 1869, Hereditary genius,

considerado por muitos como o texto fundador da eugenia. Nele, Galton tenta provar

que as capacidades humanas eram de função hereditária e não aprendidas

socialmente.

As ideias eugenistas ganharam corpo e aceitabilidade social sob forte

influência da teoria de Charles Darwin (1809-1882), com a publicação de “A origem

das espécies” (1859), especialmente da vertente que ficou conhecida como

“darwinismo social” ou “determinismo racial”.

Portanto, as ideias darwinistas, que estimularam as formulações de Galton em

busca do entendimento do processo de melhoramento da raça, foram utilizadas pela

classe burguesa como instrumentos de controle ideológico ao naturalizar as

diferenças culturais e sociais. Sendo assim, os conceitos que balizaram este

processo e desafiaram a ordem política foram: a competição (luta pela vida),

adaptação, seleção do mais forte e hereditariedade (SCHWARCZ,1993; STEPAN,

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34 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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2005; DIWAN, 2007).

Deste modo, para a eugenia, assumida pela burguesia, fazia-se necessário

regenerar a raça que estava a cada dia mais se definhando, por motivos

relacionados a questões genéticas, anatômicas e naturais de um povo; e não na

condição de miséria gerada pelo nascente modo de produção capitalista. Ou seja,

explicava-se o social pelo biológico, e nesta lógica justificavam-se, entre outras

diferenças, as de raça e classe.

Isto porque,

degeneração progressiva, diminuição de peso e estatura, morte. Esta era uma das faces mais horripilantes (e que tentava ocultar) da nova sociedade. Ela expressava de modo contundente a própria contradição, a riqueza e a miséria. Tornava-se imperioso amenizar este quadro, não apenas com leis trabalhistas pois, afinal, os exércitos deviam ser preservados... e a indústria, ela também se alimentava do vigor físico dos seus operários. Os „corpos saudáveis‟ eram uma exigência do capital (SOARES, 1994, p.33).

Assim, esta teoria, que se coloca juntamente com outras de cunho racista e

determinista, visava combater a “degeneração da raça”, ganhando cunho científico e

social nos anos de 1880. Neste contexto,

transformada em um movimento científico e social vigoroso a partir dos anos de 1880, a eugenia cumpria metas diversas. Como ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da hereditariedade humana, cuja aplicação visava a produção de “nascimentos desejáveis e controlados”; enquanto movimento social, preocupava-se em promover casamentos entre determinados grupos e – talvez o mais importante - desencorajar certas uniões nocivas à sociedade (SCHWARCZ, 1993, p.60).

Pelo que foi exposto, esta teoria do final do século XIX propunha um corpo

forte, por meio de medidas que elevassem cada geração de indivíduos a uma

melhor condição física, moral e intelectual.

A Eugenia ousou ser a ciência capaz de explicar biologicamente a humanidade, fornecendo uma ênfase exacerbada na raça e no nascimento. Postulava uma identidade do social e do biológico, propondo-se a uma intervenção científica na sociedade explicando o primeiro pelo segundo (SOARES, 1994, p.25).

De influência médica, as ideias do Higienismo e da Eugenia indubitavelmente

estiveram presentes nas formulações e proposições para a educação física no

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35 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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continente europeu. Pautadas em um discurso cientificista, buscavam apoio teórico

para justificar o domínio e a manutenção da classe burguesa no poder, fosse por

meio da educação ou da saúde como políticas de governo. Contudo, elas atribuíam

aos maus hábitos e aos vícios da população todo o conjunto de más condições em

que viviam as classes pobres.

É neste contexto que surgem os métodos ou escolas ginásticas com a clara

finalidade de moralizar, disciplinar e formar corpos saudáveis e fortes, baseando-se

em preceitos científicos,

na Europa, ao longo de todo o século XIX, a ginástica científica afirma-se como parte significativa dos novos códigos de civilidade. Exibe um corpo milimetricamente reformado, cujo porte ostenta uma simetria nunca antes vista. Nada está fora do prumo [...]. (SOARES, 2005, p. 17)

Por esse caminho, a ginástica pode ser compreendida como base do

pensamento burguês para a formação do novo homem na qual ordem, disciplina e

sistematização são imprescindíveis e que assumia atributos como força, agilidade,

virilidade energia. (Soares, 2005)

Soares (1994, p.65) acrescenta ainda que mesmo,

apresentando algumas particularidades a partir do país de origem, essas escolas, de um modo geral possuem finalidades semelhantes: regenerar a raça (não nos esqueçamos do grande número de mortes e de doenças); promover a saúde (sem alterar as condições de vida); desenvolver a vontade, a coragem, a força; a energia de viver (para servir a pátria nas guerras e na indústria) e, finalmente, desenvolver a moral (que nada mais é do que uma intervenção nas tradições e nos costumes dos povos).

As principais Escolas ginásticas criadas no século XIX foram: a alemã, a

sueca, a francesa, além da Inglesa que se desenvolveu com a particularidade do

esporte. Desde o início do século XIX, a ginástica seria nestes países uma estratégia

de controle das massas populares ao dar continuidade ao projeto de expansão

econômica e manutenção do poder político burguês.

Ainda para Soares (1994), a escola alemã baseada nas ciências como a

biologia, fisiologia e anatomia tinha forte caráter nacionalista e militar e incluía a

preocupação de formar homens, mulheres e crianças. Seus principais nomes foram

Guths Muths e Frederich Ludwig Jahn e Adolph Spiess. Já a Escola Sueca, além de

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36 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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se preocupar com a questão da saúde e da defesa da pátria, também colocava a

ginástica como instrumento capaz de contribuir para eliminar os vícios da sociedade.

Seu idealizador principal foi Pehr Henrick Ling que a dividiu em quatro partes:

Ginástica pedagógica ou educativa, ginástica militar, ginástica médica ou ortopédica

e ginástica estética. E por fim, a escola francesa que assumindo a influência alemã

valorizava os traços morais e patrióticos. Seu destaque foi a figura de Francisco de

Amoros y Ordeano que desenvolveu um método semelhante ao sueco de Ling,

dividido em ginástica civil, industrial, militar, médica, cênica ou funambulesca.

Com essas características, a ginástica vai se difundir e atingir a condição de remédio

para todos os males sociais. E foi assim que

a ginástica considerada a partir de então, científica, desempenhou importantes funções na sociedade industrial, apresentando-se como capaz de corrigir vícios posturais oriundos das atitudes adotadas no trabalho, demonstrando, assim, as suas vinculações com a medicina e, desse modo, conquistando status. A essa feição médica, soma-se outra à ginástica: aquela de disciplinar... e disciplina era algo absolutamente necessário à ordem fabril e a nova sociedade (SOARES, 1994, p.64).

Assim, o aspecto científico que adquiriu a ginástica pôde ser facilmente

percebido por meio de teorias como Higienismo e Eugenia, as quais contribuíram em

sua sedimentação na sociedade europeia, permitindo que extrapolassem para outros

países e continentes, entre eles o Brasil, profundamente afetado por esse

pensamento.

E, no século XIX, a ginástica foi constituindo-se como a principal forma de

educação física, pois era o meio que tinha por função formar um corpo forte,

moralizado, sadio e obediente, requisitos fundamentais à nova ordem econômica e

política ascendente no continente europeu.

É válido ressaltar que as transformações políticas e econômicas que se

operavam especialmente na França e Inglaterra no século XIX incutiram nas mais

diversas áreas do pensamento humano e em muitos povos os ideais de liberdade

defendidos pela burguesia em ascensão na Europa.

Os conhecimentos elaborados, dentre eles a ginástica, assumiram caráter de

verdade irrefutável. Eles eram justificados pelas necessidades da classe burguesa e

explicados pela forma de produzir conhecimento que tentava se consolidar, a

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37 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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ciência6. Por isso, as teorias acima explicitadas tiveram tanta ressonância e

aceitação na sociedade.

Isto aconteceu porque, neste contexto, a ciência

adquire peso político no mundo moderno por apresentar-se conceitualmente como uma forma de conhecimento neutra, empírica, secular e (por ser singularmente objetiva) singularmente confiável. Por conseguinte, as conclusões ou políticas sociais baseadas na ciência adquirem uma legitimidade especial, precisamente pela afirmativa de que seriam extensões naturais da própria ciência, derivadas do conhecimento de uma lógica tal que outras idéias sociais jamais chegariam a alcançar [...] (STEPAN, 2007, p.75).

Assim, o cientificismo, base explicativa e justificadora de teorias elitistas que

visavam a firmar o pensamento da classe em ascensão convencendo a população

da validade de suas ideias e das novas praticas que deveriam ser assumidas pelo

restante da população, foi um importante elemento no conjunto das estratégias

assumidas para a manutenção da ordem vigente.

1.4 A educação física no Brasil

Junto com todo o novo grupo de conhecimentos formulados e amplamente

difundidos na Europa, chegou ao Brasil no início do século XIX a necessidade de

educar o corpo, cuja atenção até então era inexistente.

Assim como na Europa, entre os cuidados estava a educação do físico,

aspecto indispensável na construção do projeto societário que se delineou no final

do século XIX e início do XX, período no qual a educação física se consolidara como

disciplina na escola brasileira.

Convém observar que no início do século XIX, a Europa se industrializa

firmando o capitalismo como modo de produção. Nesse contexto, as ideias liberais

para a manutenção da classe burguesa no poder começam a se difundir.

A difusão das ideias liberais no Brasil, que ganhara força no discurso da elite

nacional, podia ser percebida na economia, na política e nos preceitos defendidos

para a educação, como a formação integral, intelectual, moral e física do homem.

6 Esta forma de conhecimento foi exacerbada. Também chamada de cientificismo foi utilizada para

justificador as desigualdades entre os homens e garantir a hegemonia da classe burguesa.

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38 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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Em terras brasileiras, a influência dessas ideias foi sentida de forma peculiar,

pois absorveu tanto um pensamento mais radical, o qual buscava uma ruptura com

os valores do antigo regime colonial, quanto aquele mais moderado, avesso às

revoltas e lutas para a tomada de poder.

Neves (2001) afirma, por exemplo, que o liberalismo, assumido no Brasil no

início do século XIX, foi influenciado pela Iluminismo português marcado por uma

base religiosa. Esta foi assumida pelos intelectuais brasileiros, em sua maioria

integrantes da elite que estudaram na Universidade de Coimbra, e que não por

acaso, defendiam a constituição de um império luso-brasileiro, sem separatismo

político, buscando o novo, mas conservando o antigo. Isto é, mantendo a figura do

rei. Entretanto, existia outro grupo de intelectuais de influência liberal francesa. Eram

mais radicais que os primeiros e se converteram nos ideólogos de maior atuação na

defesa do separatismo brasileiro.

Estas influências estavam presentes no conjunto de ideias liberais que

podiam ser observadas de maneira mais consistente a partir da construção de um

império soberano, o qual passava, obrigatoriamente, pela necessidade de separação

da metrópole e, portanto, de um governo independente.

Apesar de ter sofrido influências dessas ideias, o projeto que prevaleceu foi o

de caráter moderado, sem a necessidade de grandes rupturas com as estruturas

coloniais, porque não se poderia correr o risco de perder o controle e a direção

daquele processo.

Talvez por esse motivo os liberais brasileiros, até meados do século XIX, não

se opusessem e até defendessem princípios e pensamentos que na maioria dos

países europeus já eram considerados superados e contraditórios em relação ao

liberalismo, como o regime escravista e monárquico, por exemplo.

Bosi (1992) afirma que o liberalismo no Brasil, até meados do século XIX, foi

entendido sob quatro perspectivas: conservador das liberdades conquistadas em

1808; conservador das liberdades alcançadas em 1822; conservador da liberdade

como instituto colonial e relançada pela expansão; e capacidade de novas terras em

regime de livre concorrência.

Mesmo conseguindo a independência política, o Brasil, em relação a Portugal,

continuava a operar nas velhas estruturas de poder remanescentes do período

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39 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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colonial. Apesar de neste momento passar a existir uma monarquia parlamentarista

com a realização de uma série de eleições ao longo do século XIX.

Estas estruturas eram basicamente as grandes propriedades rurais com uma

ou outra atividade econômica principal, as quais pertenciam a um único dono que

atuava politicamente na manutenção da ordem e em outras instâncias (FURTADO,

1997; PRADO JÚNIOR, 2008).

Isto retardava e inviabilizava possibilidades de organizações mais eficientes

do ponto de vista da gestão pública, bem como um desenvolvimento econômico

nacional do império brasileiro. Pois, muitas das políticas de governo, em diversas

áreas, eram executadas, na maioria das regiões, pelos grandes donos de terras,

uma vez que a maior parte da população vivia em áreas rurais.

Esta inoperância podia ser verificada também na área econômica, que

segundo Furtado (1997), permanecia com seu modelo agroexportador. Naquele

momento, década de 40 do século XIX, passou-se de forma acentuada pela

mudança da monocultura do açúcar para a do café, ocorrida, entre outras razões,

pela incapacidade de administrar o engenho de açúcar e suas relações secundárias.

Embora as ideias liberais tenham sido assimiladas de maneira bastante

específica no século XIX, as teorias consideradas científicas e advindas da Europa

como a Eugenia e o Higienismo foram bem aceitas desde os primeiros anos do

império. E com elas apareceram discursos e proposições acerca desta nova forma

de educação para o corpo.

Isto aconteceu no Brasil mesmo não tendo o desenvolvimento econômico e

científico verificado na Europa. Assim, os cuidados com o corpo assumiram

características próximas daquelas verificadas no Velho continente.

1.5 Higienismo, Eugenia e Militarismo na consolidação da educação física no

Brasil.

Além das ideias higienistas e Eugenistas, concorreram também as instituições

militares para a implantação da educação física no ensino primário do Brasil. Dessa

tripla contribuição, pôde-se observar suas principais características na Primeira

República.

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40 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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Partindo do conhecimento produzido na Europa ao longo de todo o século

XIX, a elite brasileira propôs uma intervenção higiênica nesse país. Nesse contexto,

tiveram papel de destaque as instituições médicas.

A este respeito, Soares (1994, p. 86) afirma que,

a partir de conhecimentos e de teorias gestadas no mundo europeu, os médicos desenharam um outro modelo para a sociedade e contribuíram para a construção de uma nova ordem econômica, política e social. Nesta nova ordem, na qual os médicos irão ocupar lugar destacado, também se colocava a necessidade de construir, para o Brasil, um novo homem, sem o qual a nova sociedade idealizada não se tornaria realidade.

Para a intelectualidade brasileira, as causas da situação degradante em que

se encontrava a sociedade brasileira eram decorrentes da ausência de um corpo

forte, saudável e obediente.

Dessa situação, iniciou-se muito mais no discurso do que na realidade

concreta brasileira, um movimento que produziu propostas tanto para o âmbito

escolar quanto para a sociedade em geral.

Entre estas propostas estava o higienismo. Divulgado como instrumento de

limpeza da sociedade e do indivíduo foi formulado pelas instituições médicas e

adentrou o ambiente escolar sob o discurso de melhor formar o homem.

Na difusão do higienismo no Brasil, foi determinante a participação dos

médicos e suas organizações. Estes, pertencentes a diversos segmentos da classe

mais abastada - filhos de militares, médicos e magistrados que mantinham relações

com homens dos altos escalões do governo - foram os que sem dúvida defenderam

com mais ênfase os princípios higienistas.

A influência da instituição médico-higienista pôde ser observada no trabalho

de Gondra (2004)7. Segundo ele, no início do império, quando da fundação da

Sociedade de Medicina do Rio de janeiro (SMRJ), que a partir de 1935 veio a se

chamar Academia Imperial de Medicina (AIM), registrou-se o primeiro momento de

preocupação com o corpo social e individual.

Sendo assim, após um longo estabelecimento de relações com o estado, fator

este que permitiu visibilidade, publicidade e apoio governamental, a Sociedade

7 GONDRA, J. G.. Artes de civilizar: Medicina, higiene e educação escolar na corte imperial.

Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004.

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41 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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Médica do Rio de Janeiro/Associação Imperial de Medicina começou a incluir em

seus debates, a partir da década de 70, do século XIX, o tema da instrução pública,

afirmando que da forma como estava sendo conduzida não contribuía de maneira

adequada ao desenvolvimento físico e moral do homem. Portanto, apresentou um

código higiênico, ajustado às peculiaridades brasileiras, como solução para tratar

dos males sociais detectados. Desta feita, a instrução passava a ser um problema

médico.

Os princípios defendidos pelos higienistas brasileiros eram a adoção de

hábitos saudáveis, a prática de exercícios físicos e melhorias nas condições de

habitação das famílias. Desta forma, observa-se que ao assumir tais princípios e

defendê-los da forma como o fizeram, de cima para baixo e em articulação com o

governo imperial, estava expressa a defesa das ideias liberais e com elas a defesa

de uma nova ordem econômica e política por parte da elite brasileira, ainda no

Império.8 (GONDRA, 2004)

Por outro lado, a eugenia, que estava intimamente relacionada com o

higienismo, pretendia no caso brasileiro, além de melhorar as condições físicas,

morais e intelectuais da elite brasileira, embranquecer a população que em meados

do século XIX, era constituída por um contingente populacional de negros que

poderia colocar em risco a ordem vigente.

Por isso,

outro fator somava-se aos aqui já expostos no processo entabulado pelas camadas dominantes, no sentido da eugenização do povo brasileiro. Em 1822, o Brasil, ao conquistar sua „Independência‟, possuía metade da sua população composta pela massa escrava. Anos mais tarde, em 1850, o contingente populacional de negros cativos, atingia a casa dos 2.500.000. Nesse contexto, era grande o temor de que o potencial de rebeldia dos escravos pudesse vir a ser manipulado no sentido de servir de apoio aos portugueses com vocação recolonizadora (CASTELLANI FILHO, 1994, p.43).

No desenvolvimento da teoria eugenista no Brasil, conforme Diwan (2007),

8 Apesar de o ideário liberal representar uma ruptura com as práticas existentes em regimes

como os do Brasil no século XIX, sua defesa era imprescindível para tentar, por meio do discurso, controlar as massas miseráveis constituídas na sua maioria de escravos libertos, que sem instrução, já em meados deste século ocupavam zonas urbanas nas piores condições de moradia. Era então, essencial estabelecer relações com o governo imperial para o fortalecimento do segmento dos médicos e assim foi até o final deste governo.

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42 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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tem-se a figura de Renato Kehl (1889-1974) que escreveu várias obras9 sobre o

tema colocando-o com bastante visibilidade durante as duas primeiras décadas do

século XX. Esta teoria serviu para explicar a situação de atraso cultural, na qual se

encontrava a sociedade brasileira e a impossibilidade de países como o Brasil se

desenvolverem aos moldes das nações europeias.

Mas, ainda segundo Diwan, pode-se dizer também que antes de Kehl já se

falava em racismo e degeneração da raça, por meio dos filhos da elite republicana

que traziam estas informações de suas viagens à Europa e de expedições científicas

compostas por antropólogos e intelectuais europeus.

A Influência exercida pelas ideias eugenistas dos intelectuais europeus na

intelectualidade brasileira se manifestou, principalmente, contra a mistura de raças,

pois “[...] para eles hibridização resultava sempre na permanência do gene mais

fraco, menos apto e na potencialização dos defeitos e imperfeições, gerações após

gerações” (DIWAN, 2007, p. 89).

Para completar o entendimento da gênese e do desenvolvimento histórico da

educação física brasileira, é importante considerar que além da influência do

discurso médico no desenvolvimento e inserção da educação física no currículo

escolar, também contribuiu a instituição militar, de quem partiu algumas práticas

pedagógicas que marcariam profundamente a educação física no país, como a

hierarquia e a disciplina.

Essa contribuição da instituição militar pode ser constatada a partir da criação

da Real Academia Militar. Fundada logo após a chegada da Família Real ao Brasil

em 1810. Esta instituição foi o começo das influências militares na sociedade

brasileira, inclusive na prática pedagógica de muitos professores, no que se refere a

disciplina, hierarquia e obediência.

A este respeito Ferreira Neto (1999, p.15) afirma que: “[...] é, pois, ao

considerar as composições curriculares desde a Academia Real Militar que se

observa a presença do componente „instrução física‟ como pólo prático, aplicado, do

processo de formação militar”.

9 As obras produzidas por Kehl são “Perguntas a um eugenista” (1927); “Certificado médico pré-

nupcial - regulamentação eugênica do casamento” (1930); “A Eugenia no Brasil: esboço histórico e bibliográfico” (1929); A eugenia prática: falsos e apressados conceitos - considerações simplórias. (1929); “Por que sou eugenista: 20 anos de campanha eugênica (1938).

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43 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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As influências daí decorrentes, conforme este mesmo autor (1999), se deram

em função da necessidade de modernização do exército. Isto seria conseguido a

partir do entendimento de que a execução de uma política educativa militar deveria

ter a presença de civis para incutir no povo a ideia de civismo por meio de uma

preparação militar, sendo esta uma das funções da escola.

É nesse entendimento que se julgou recomendar e se tentou que todos os programas de ensino, independentemente do nível, aludissem explicitamente à educação dos deveres militares, no sentido de despertar nas novas gerações, o respeito às „classes armadas‟, dentro da defesa da noção de civilização, o que foi feito, como sabemos, mais diretamente pelas disciplinas: Educação Moral e Cívica, no 1

o e 2º graus; Organização Social

e Política Brasileira (OSPB), nos cursos de 3º grau; e Estudos e problemas Brasileiros (EPB), inclusive na pós-graduação, nos seus diferentes níveis. Todas legalmente extintas, mas seus conteúdos foram diluídos em outras disciplinas (FERREIRA NETO, 1999, p. 19).

Fica claro, portanto, que os aspectos defendidos na educação física pelas

instituições médica e militar cumprem a função de robustecer o corpo individual e

social brasileiro. Mas, também conformá-lo e controlá-lo para exercer suas novas

tarefas na sociedade capitalista, seja nas indústrias e fábricas ou nas forças

armadas, defendendo a pátria.

Considerando o exposto, é possível perceber qual seria o lócus privilegiado

em que estes princípios e valores deveriam ser difundidos junto à sociedade, para

que a mesma não só os assumisse naquele momento, mas fossem

progressivamente repassados às gerações seguintes.

E assim, foi se consolidando durante toda a Primeira República um projeto

societário iniciado ainda no Império que teve na elite brasileira, por meio de seus

intelectuais, principalmente daqueles ligados à educação, sua defesa mais

consistente.

Por tudo isso, concordando com Castellani Filho (1994, p. 29),

a Educação Física no Brasil, desde o século XIX, foi entendida como um elemento de extrema importância para o forjar daquele indivíduo „forte‟, „saudável‟, „indispensável‟ à implementação do processo de desenvolvimento do país que saindo de sua condição de colônia portuguesa, no início da segunda década século XIX, buscava construir seu próprio modo de vida [...].

Nesse contexto, o desenvolvimento da educação física foi se consolidando na

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44 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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região sudeste do Brasil, seguindo os preceitos advindos da Europa por intermédio

do discurso dos seus intelectuais visando o progresso da nação. E para que isso

ocorresse era fundamental difundir a educação física nos gostos da população e a

maneira mais eficiente seria incluí-la no sistema de Instrução.

1.6 Educação e Educação Física

No tocante à educação desenvolvida no interior de escolas, a qual deveria ser

canal indispensável de divulgação de princípios e valores defendidos pelas

instituições médicas e militares, e que deviam ser assimilados e praticados pela

juventude, estava a formação de um corpo forte, saudável, moralizado e obediente.

Para isto, foi fundamental promover mudanças tanto no âmbito curricular,

quanto de organização administrativa. O que ficou expresso no discurso, nas

propostas e reformas estabelecidas principalmente a partir da segunda metade do

século XIX e primeira década da Primeira República (1889-1930) pela elite brasileira

que acompanhava o desenvolvimento econômico do País.

Fruto do projeto societário elaborado pela elite brasileira, a educação física

compunha um conjunto de princípios, valores, normas e preceitos no intuito de

desenvolver corpos fortes e saudáveis. Para isso, foi defendida com vigor na escola

na forma de ginástica.

A educação física fez parte de um projeto de formação integral do homem,

que passava pelo desenvolvimento intelectual, moral e físico. Estes aspectos

deveriam ser garantidos nas formas de instrução da sociedade brasileira, mas,

prioritariamente, da elite para estar em consonância com as contingências que se

apresentavam ao Brasil com o desenvolvimento do capitalismo internacional.

(SOARES, 1994)

Deste modo, no Brasil assim como na Europa, a educação foi considerada

elemento fundamental para a construção de um projeto de nação que a elite queria

implementar para a formação de uma identidade nacional, especialmente nas

últimas décadas do século XIX. Este projeto significava em última instância a

constituição de um país forte, soberano e capaz de se integrar ao rol de nações

civilizadas.

Neste contexto, uma primeira questão surgiu como fundamental nos debates

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45 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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travados em 1860, foi a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre,

como afirma Saviani (2008, p.159):

[...] na fase propriamente imperial, que se iniciou no final da década de 1860, as discussões desenrolaram-se sobre um pano de fundo comum: o problema da substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre, atribuindo-se à educação a tarefa de formar o novo tipo de trabalhador para assegurar que a passagem se desse de forma gradual e segura, evitando-se eventuais prejuízos aos proprietários de terras e de escravos que dominavam a economia do país.

Este problema, em um primeiro momento, poderia estar circunscrito apenas

ao plano econômico por se tratar de uma mudança radical na base da produção

econômica brasileira, no entanto, também influenciou o campo educacional.

Assim, ganhou força, principalmente a partir da segunda metade do século

XIX, um discurso que afirmava ser a educação peça chave para elevar o nível

intelectual, moral e físico do povo brasileiro, considerado indolente, doente e fraco

pela intelectualidade da época. Por conseguinte, muitos escravos e seus filhos

libertos sem instrução eram vistos como responsáveis pelo atraso em que se

encontrava esta nação.

Fazia-se necessário, portanto, mudar essa realidade, pois do contrário não se

construiria uma identidade nacional capaz de entrar em consonância com os novos

valores advindos da Europa, como o trabalho livre e a implementação do regime

republicano que teriam na educação moderna10 seu principal apoio.

Até chegar a este ponto transcorreram cerca de quatro décadas, nas quais o

ideário liberal se fortaleceu. Como tratado no item anterior, o Brasil apresentou suas

especificidades de forma categórica, indicando as suas bases teóricas.

Adicionando mais um elemento a esta discussão, Xavier (1992) afirma que o

liberalismo assumido pela elite brasileira, no início do século XIX, apresentava uma

10

Com a ascensão da classe burguesa ao poder, depois de um longo e conflituoso processo, torna-se necessário ter formas de instrução compatíveis com as novas exigências sociais, especialmente econômicas. Tais alterações se iniciaram com um distanciamento das relações de produção feudal desde o século XV, a partir da instalação das manufaturas, repercutindo na forma de educar, pois “para a burguesia manufatureira, a tarefa de transformar os homens em organismos produtivos é a forma mais revolucionária de educar as novas classes” (LINS, 2003, p. 26). Este processo se acentuou com a implantação das fábricas e a divisão social do trabalho. Assim, uma nova educação precisava ser levada a cabo para se formar um novo homem, formação que vai assumindo a ciência positivista como principal apoio. A educação moderna é então aquela que surge com o fortalecimento da burguesia manufatureira e depois industrial. No Brasil, esta nova forma de educação será amplamente defendida pela intelectualidade durante o final do século XIX.

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46 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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função dissimuladora. Uma vez que, os ideais que serviram à burguesia europeia na

luta contra a aristocracia rural coincidiam com as metas que a classe proprietária do

Brasil projetara, ou seja, a liberdade econômica e a soberania nacional, que

consistiam respectivamente na extinção do pacto colonial e na eliminação da

dominação portuguesa. Nisso, o ideário liberal foi muito bem interpretado e adaptado

à realidade nacional: escravocrata, exportadora de matérias-primas e independente,

mas ainda monárquico, situação bem diversa dos países capitalistas.

Estas características foram responsáveis pela forma como a educação se

organizou no país. Isto pode ser visualizado nas propostas educativas ao longo

desse século e no discurso da intelectualidade brasileira, importado da Europa.

Considerando o desenvolvimento capitalista das nações europeias, até

meados do século XIX, e com ele todo um conjunto de mazelas provocadas pela

exploração desenfreada da força de trabalho, a educação é transformada em

instrumento de dominação e controle da população.

A escola liberal torna-se, assim nas sociedades onde domina o modo capitalista de produção, um instrumento ideológico essencial a justificação das relações de produção e à transmissão dos instrumentos de dominação no aprendizado diferencial dos conhecimentos e das técnicas (XAVIER, 1992, p. 124).

No caso do Brasil esta função não se aplicava, pois “num sistema de

produção calcado no trabalho escravo, a exploração do trabalho alheio se fazia pela

violência e não pela persuasão, já que este se fundava legalmente” (XAVIER, 1992,

p.125).

Não houve, portanto, uma preocupação com a educação da população em

geral, por que não havia necessidade de grandes conhecimentos para a realização

da maior parte das atividades econômicas daquela época, haja vista suas

características serem semelhantes as do período colonial.

Conforme assinala Xavier (1992), a educação realizada na primeira metade

do século XIX, no Brasil, foi muito bem aproveitada por uma minoria intermediária

que não se submetia ao trabalho físico, relacionado ao trabalho do escravo,

enquanto buscava os privilégios da classe dominante. Por meio da defesa de uma

educação popular e de caráter nacional, essa classe na realidade aspirava a uma

escola literária e abstrata para formar letrados e eruditos para ascenderem a

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47 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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profissões liberais e a cargos públicos.

Desta situação, decorreu uma preocupação com a sofisticação e não com a

ampliação do ensino para toda a população, que ficou expressa nas reformas

elaboradas para organizar a instrução pública do país.

É importante ressaltar que o cenário brasileiro na primeira metade do século

XIX já apresentava a influência liberal. E ao longo deste período, foi possível

perceber a influência exercida pelas ideias liberais, tanto em propostas que não

obtiveram êxito, como é o caso da proposta de Januário da Cunha Barbosa e de

José Cardoso Pereira de Mello (1826) apresentada à Comissão de Instrução Pública

da Assembleia Nacional Constituinte e Legislativa para a educação em 1823, quanto

nas reformas implementadas pelo Governo Imperial na Lei de 15 de Outubro de

1827, ou a reforma de Couto Ferraz (1854) e Leôncio de Carvalho (1879) entre

outras surgidas até o final do século XIX.

A proposta apresentada à Comissão de Instrução Pública da Assembleia

Nacional Legislativa e Constituinte, que ficou conhecida como A memória de Martim

Francisco, apesar de ter sido abandonada, foi uma proposição de organização da

instrução pública inicialmente para a Capitânia de São Paulo.

A Memória de Martin Francisco, como ficou conhecida, foi estruturada em 12 capítulos. Consistia num plano amplo e detalhado que previa a organização do conjunto da instrução pública dividida em três graus: o primeiro cuidaria da instrução comum tendo como objeto as verdades e os conhecimentos úteis e necessários a todos os homens, e teria a duração de três anos, abrangendo a faixa etária dos 9 aos 12 anos de idade. O segundo grau, com a duração de seis anos, versaria sobre os estados básicos referentes às diversas profissões. E o terceiro grau se destinaria a prover a educação científica (SAVIANI, 2008, p.120).

Esta memória era em sua maior parte cópia da obra de CONDORCET11, pois,

conforme revelado por Paul Arbousse Bastide na banca examinadora do trabalho de José Querino Ribeiro sobre a Memória de Martin Francisco apresentado na USP em 1943, o texto de Martin Francisco é, em grande parte, cópia dos Écrits sur l`instruction publique de Condorcet (SAVIANI 2008, p.121).

11

Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de Condorcet, foi figura proeminente no decurso da Revolução Francesa e em proposições acerca da instrução pública na França pós-revolução. Publicou Cinq mémories sur l’instruction publique, obra que serviu de referência para a produção da

Memória de Martim Francisco.

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48 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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Sendo assim, trazia as influências da ideologia liberal que marcariam as

propostas no campo educacional do século XIX no Brasil. Neste caso, Condorcet,

figura proeminente na Revolução Francesa, se preocupava com o desenvolvimento

da instrução na França e para tanto assumia os princípios do liberalismo aplicados à

educação: laicidade, gratuidade e publicidade.

Nesta perspectiva,

como se vê, a concepção laica de escola, na forma como começava a ser formulada pela burguesia triunfante, tendeu a ser apropriada pela elite que esteve a testa do processo de independência e da organização do estado brasileiro, ajustando-a, porém as peculiaridades da situação particular. E o recurso a Condorcet não deixa de ser significativo, pois é, com certeza, nele que encontramos a expressão mais elaborada da íntima relação entre estado e escola na perspectiva liberal expressa nas cinco memórias sobre a instrução pública, publicadas em 1791 (CONDORCET, 1989). Conforme o seguinte plano: Primeira memória - natureza e objeto da instrução pública; Segunda memória - da instrução comum para as crianças; Terceira memória - sobre a instrução comum para os homens; Quarta memória - sobre a instrução relativa às profissões; Quinta memória - sobre a instrução relativa as ciências (SAVIANI, 2008, p. 121).

É importante lembrar que este intelectual francês na defesa dos princípios

liberais, pós-revolução francesa, defendera a educação do corpo como parte de uma

educação integral, necessária para ser a base do desenvolvimento das qualidades

morais e intelectuais do homem.

O motivo da Memória de Martim Francisco não ter sido implantada não é

abordado por Saviani. Ele apenas informa que a Comissão se voltou para o projeto

de criação das Universidades e que a proposta de organização da instrução pública

em três graus de ensino foi abandonada.

No Brasil, ainda sob influência de Condorcet, surgiu em 1826 outra proposta

para resolver o problema nacional da instrução pública. Ela pretendia regular o

arcabouço do ensino distribuindo-o em quatro graus de ensino: 1o Grau: pedagogias;

2º Grau: liceus; 3º Grau: ginásios; 4º Grau: academias. Foi encabeçada por Januário

da Cunha Barbosa e assinada pelos deputados José Cardoso Pereira de Melo e

Antonio Ferreira França (SAVIANI, 2008).

Assim, como a anterior, essa proposição não avançou no sentido de tornar-se

uma lei. “No entanto, seu registro é importante porque sinaliza a presença das ideias

modernas que preconizavam uma educação pública e laica na forma das memórias

de Condorcet” (SAVIANI, 2008, p. 126).

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49 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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Por outro lado, têm-se propostas influenciadas pelas ideias liberais que

viraram norma jurídica, como é o caso da Lei de 15 de Outubro de 1827 e das

reformas Couto Ferraz (1854) e Leôncio de Carvalho (1854).

A Lei de 1827 determinava a criação das escolas de primeiras letras em todo

o país e mantinha a gratuidade prevista na constituição de 1824. Para Tambara e

Arriada (2005, p. 8-9),

a constituição de 1824 estabelecia a gratuidade do ensino elementar, com as devidas ressalvas conforme vimos. Princípio que posteriormente foi mantido na lei de 15 de outubro de 1927, que, além desse, entre outros aspectos, determinava em seus 17 artigos a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos (Art 1); a adoção do ensino mútuo (Art 4), determinava ainda a criação de escolas para meninas nas cidades e vilas mais populosas (Art 11). Contudo, o que efetivamente se observa, tendo ou não boa vontade os legisladores, é que na prática muito pouco se concretizou.

No entanto, esta lei não chegou a viabilizar a instalação de escolas em todas

as cidades onde pretendia, pois segundo Saviani (2008, p.129),

se a lei das escolas de primeiras letras tivesse viabilizado, de fato, a instalação de escolas em todas as cidades, vilas e lugares populosos, como se propunha teria dado origem a um sistema nacional de instrução pública [...].

Avançando um pouco cronologicamente no século XIX, conforme explica

Saviani (2008), a “Reforma Couto Ferraz”12 veio na mesma linha tendo como

características principais: a conciliação entre liberais e conservadores; a ênfase na

instrução pública primária; a centralização e a obrigatoriedade do ensino; a criação

de classes especiais para adultos; e a proibição dos escravos de frequentarem a

escola pública. E também, a influência iluminista, no que diz respeito à finalidade da

escola.

Ela ainda trazia a organização dos estudos primários a ser oferecido em

escolas de 1o e 2o grau. Além disso, manteve a instrução secundária ministrada no

colégio Pedro II, com duração de sete anos e as aulas públicas avulsas, ainda

existentes no país.

12

Regulamento para a reforma do ensino primário e secundário do Município da Corte, baixada por meio do decreto 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, composto de cinco títulos.

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50 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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Esta reforma é particularmente importante para a educação física, pois foi a

primeira a incluir na norma legal a ginástica nas escolas do ensino primário no

município da corte.

O Art. 47 do capítulo III que trata das escolas públicas, suas condições e

regimen não deixa qualquer dúvida a este respeito:

Art. 47 - O ensino primário nas escolas compreende: A instrução moral e religiosa. A leitura e escripta. As noções essenciaes de grammatica. O systema de pesos e medidas do município. Pode compreender também: O desenvolvimento da arithemetica em suas applicações praticas. Os elementos de historia e geografia, principalmente do Brasil. Os princípios das sciencias physicas e da historia natural applicaveis aos usos da vida. A geometria elementar, agrimensura, desenho linear, nomeações de música e exercícios de canto, gymnastica, e hum estudo mais desenvolvido do systema de pesos e medidas não só do município da Corte, como das Províncias do Império, e das Nações com quem o Brasil tem mais relações commerciaes (BRASIL, Decreto 1331, p.55).

Contudo, esta reforma não obteve o sucesso desejado de organizar a

instrução pública mesmo na Corte, pois

[...] seu cumprimento parece ter sido bastante restrito; Paulino de Souza, justificando seu projeto de reforma em 1869, afirmava que mesmo no Município da Corte, a instrução primária estava longe de “satisfazer as necessidades sociais”. Em 1886, referindo-se ao regulamento de 1854, o Barão de Mamoré afirmava que o programa nele estabelecido nunca fora cumprido, tendo ficado até hoje sem execução o programa do ensino primário superior (escolas do segundo grau) nem se havendo jamais criado as escolas em que este fosse dado (PAIVA, 2003, p. 80-81).

Outra reforma, deflagrada no final do século XIX, foi a de Leôncio de

Carvalho13. Marcada pela liberdade do ensino primário e secundário no município da

Corte e do superior em todo o Império, deu ensejo aos pareceres de Rui Barbosa.

Nela, também apareceu o cuidado com a formação do corpo por meio da

disciplina ginástica, expresso no artigo 4 desta lei.

Art. 4 - O ensino nas escolas do 1º grau do município da Corte constará das seguintes disciplinas:

13

Também conhecida como reforma do ensino livre, foi baixada pelo decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, com longo texto de 174 itens agrupados em 29 artigos.

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51 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)

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Instrução moral. Instrução religiosa. Leitura. Escripta. Lições de cousas. Noções essenciaes de grammatica. Pincipios elementares de arithmetica. Sistema legal de pesos e medidas. Noções gerais de geografia e História do Brazil. Elementos do desenho Linear. Rudimentos da musica, com exercícios de solfejo e canto. Gymnastica. Costura simples (para as meninas) (BRASIL, Decreto nº 7.247).

Tal proposição ainda ficou à margem de possíveis avanços no panorama

educacional brasileira durante o Império, já que

na prática, essa reforma muito pouco alterou o panorama da educação no País. Pelos censos realizados no século XIX percebemos essa dura realidade. Pelo recenseamento de 1872, de uma população total de 9.930.478 habitantes, inclusos nesse número os 1.510.802 escravos, apenas 1.564.481 indivíduos sabiam ler, isso implica dizer que apenas 15,8% da população sabiam ler e escrever. Essa realidade não se alteraria muito nos anos seguintes (TAMBARA; ARRIADA, 2005, p. 18).

Outros documentos importantes para compreender a educação física no final

do século XIX são os “Pareceres” de Rui Barbosa14. Eles foram apresentados à

câmara dos deputados em 1882 e apesar de não virarem lei, influenciaram muitos

intelectuais na defesa da implantação da educação física no século XX.

Neste sentido, Castellani Filho (2008, p.53) afirma,

sem sombra de dúvida, o parecer de Rui Barbosa serviu de referencial a todos aqueles que – notadamente nos primórdios do período republicano e nas primeiras décadas do século XX – vieram a defender a presença da educação física no sistema escolar brasileiro [...].

Estes pareceres também são prova daquilo que os estudiosos da história da

educação chamam de “Projeto liberal modernizador”15, que construído ao longo

14

O Projeto nº 224 de 1882 que trata da reforma do ensino primário e de várias instituições complementares da instrução pública, constitui documento da mais alta relevância na história da educação física brasileira por ser uma clara proposição sobre esta disciplina e que influenciou o seu ensino na Primeira República. 15

Este projeto era nada mais do que a tentativa de inserir o Brasil no rol das nações civilizadas e para isto deveria assumir os valores e hábitos adotados nestas nações, cujo cerne era o ideário liberal que preconizava para a educação entre outras ações a adoção de princípios científicos.

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daquele século pelas elites brasileiras, e influenciadas pelos princípios, valores e

hábitos em plena realização na Europa, contemplavam a educação física como

elemento fundamental na formação do novo homem.

Nos pareceres, segundo Castellani Filho (2008), Rui Barbosa chegou a fazer

proposituras para a educação física como: a instituição de uma sessão ginástica; a

equiparação em categoria e autoridade dos professores de ginástica aos de todas as

outras disciplinas; e a inclusão da ginástica nos programas escolares como matéria

de estudos em horas distintas do recreio e depois das aulas.

Este documento foi a materialização do pensamento de Rui Barbosa para a

educação e dentro dele a formação de um corpo forte e saudável indispensável à

construção de uma sociedade moderna e civilizada, cujo principal instrumento era a

educação física.

O discurso de que o país se encontrava em um atraso cultural, devia-se

principalmente ao descaso do poder público com a educação do povo. Sendo isto

divulgado por intelectuais representantes da elite em vários locais do Brasil, entre

eles o próprio Rui Barbosa e José Veríssimo.

Falar destes intelectuais é trazer para o debate o projeto liberal modernizador

que deu as bases para a educação na Primeira República, os quais foram

consolidados posteriormente. Pertencentes às elites ou pelo menos representantes

de seu pensamento, estes intelectuais estavam convencidos de que a pedagogia

moderna iria modificar o quadro da instrução pública no país.

Rui Barbosa, grande nome da intelectualidade brasileira, formado em direito,

ocupou cargos públicos e foi um dos grandes defensores da educação moderna nas

duas últimas décadas do século XIX e início do século XX. Suas ideias

apresentavam um ecletismo claro guiado pela crença no poder da razão, possuindo

uma clara influência liberal, tendo em vista que

[...] seus argumentos provém principalmente do liberalismo e das diferentes correntes que dele surgiram como positivismo, spencerismo, darwinismo, pragmatismo assim como seus exemplos resultam de dados coligidos em países da Europa, América e até da Ásia (NASCIMENTO, 1997, p.43).

Baseado neste ideário, Rui Barbosa defendeu os princípios burgueses e

liberais na educação, impulsionado pela necessidade de desenvolvimento

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econômico, político e social, pois “vencer a ignorância popular era tido como

condição necessária à superação das desgraças brasileiras já que se supunha ser a

miséria e a servilidade resultantes da ignorância” (NASCIMENTO, 1997, p. 44).

Sobre a educação física, para a qual Rui Barbosa dedicou grande importância

nos pareceres de 1882, Marinho (1980, p. 27) assim se pronunciou:

as páginas mais lindas, mais profundas, mais eruditas e mais enfáticas que existem sobre Educação Física e Desportos foram escritas principalmente por pensadores, que deixaram de forma indelével e admirável, sublime mensagem para as gerações futuras. E entre estes, para a satisfação nossa, figura Ruy Barbosa – Paladino da Educação Física no Brasil.

Outro grande intelectual da época, José Veríssimo, além de concordar com o

fato de que a ignorância do povo era responsável pelo estado lastimável em que se

encontrava a sociedade brasileira, acrescentou:

é este grande mal que corrói o corpo social brasileiro e envergonha a pátria, verdade que precisamos dizer e aceitar se nos queremos sinceramente corrigir: não é principalmente a atividade física, é antes de tudo a energia moral que nos falta e que torna negativa as boas qualidades que temos (VERÍSSIMO, 1985, p.42).

Por meio de discursos que se aproximavam pela necessidade de construir um

projeto modernizador para o Brasil, os quais tinham como centro a educação, os

intelectuais acima referidos defendiam uma formação integral desse novo homem.

Isto é, se ocupar do intelecto, da moral e do físico como expressões de um homem

moderno e, consequentemente, de um país desenvolvido e civilizado.

Neste caso, ambos estavam afinados com o discurso da elite brasileira, ao

trazer preconceito, racismo e segregacionismo baseados nos preceitos liberais

positivistas. E como representantes da elite brasileira cumpriam um papel importante

no “jogo” político social brasileiro em geral e paraense em específico.

Dessa forma, fica claro que o projeto societário que a elite brasileira vinha

assumindo estava ancorado nas formulações teóricas produzidas, principalmente,

nos países europeus onde um longo processo de transformações já havia ocorrido.

As formulações liberais que de alguma forma tratavam veladamente da

manutenção da classe burguesa no poder eram centrais e, sendo assim, se

preocupavam com esta questão apenas como demanda dos seus interesses de

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elite.

Entende-se que no Brasil, as diferenças de desenvolvimento econômico e

político em relação ao velho continente, especialmente nas últimas décadas do

século XIX, deu-se claramente por um movimento de grupos da elite ligados ao setor

cafeeiro e militar - insatisfeitos com a monarquia – gerando uma série de conflitos

solapando as bases do regime monárquico.

Este cenário foi colocado no plano internacional e nacional, entretanto,

estariam sendo estas ideias assimiladas no plano local, como no estado do Pará,

pelos grupos que comandavam as ações políticas na região?

Acredita-se que responder a esta pergunta ajudará na investigação das

relações mais simples e específicas do objeto deste estudo, elemento imprescindível

ao desenvolvimento desta análise. Isto é o que se buscará atingir no próximo

capítulo.

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2 SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO PARÁ NA PRIMEIRA DÉCADA DO REGIME

REPÚBLICANO

Como qualquer outro aspecto e dimensão da sociedade, a educação está profundamente inserida no contexto em que surge e se desenvolve, também vivenciando e expressando os movimentos contraditórios que emergem do processo das lutas entre classes e frações de classe (LOMBARDI, 2010, p. 21).

Após realizar uma análise do percurso da educação física durante o século

XIX, e tratar dos determinantes que impulsionaram o seu surgimento e

desenvolvimento, buscamos neste capítulo analisar como estavam estruturadas a

sociedade e a educação, no estado do Pará, na primeira década do regime

republicano.

Tanto na Europa como no Brasil, foi por meio da educação ministrada nas

escolas, que a elite dirigente defendeu uma educação física voltada à formação de

um corpo forte e saudável, tendo a ginástica como principal conteúdo.

Como constatamos no capítulo anterior, esta educação visava a um

desenvolvimento intelectual, moral e físico segundo os interesses de uma elite, que

a partir do último quartel do século XIX cada vez mais se afinava com o discurso

desenvolvimentista surgido na Europa desde o final do século XVIII.

Na sociedade brasileira, este pensamento significou a intenção de mudar

profundamente suas bases econômicas e políticas. Isto era condição fundamental

para elevar o Brasil a uma situação de desenvolvimento e civilidade, como das

nações do continente europeu.

A alteração de regime político e a instauração do trabalho livre foram, sem

dúvida nenhuma, elementos que representaram bem os planos traçados pela elite

brasileira na perspectiva de sua manutenção, afetando de forma determinante a

instrução, especialmente, a pública.

Na tentativa de entender essas relações em âmbito local, foi essencial que

compreendêssemos como estas mudanças nacionais e internacionais repercutiram

em Belém e quais expressões assumiram.

Neste capítulo, cumpre, então, analisar os múltiplos aspectos que

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

compuseram aquela realidade concreta como a política, a economia e a educação.

Aspectos estes fundamentais para compreender como aconteceu a inserção da

educação física no ensino primário paraense.

Por dentro destes aspectos ganharam importância alguns elementos

relevantes e decisivos na inserção dos conhecimentos inerentes aos objetivos do

projeto societário proposto pela elite brasileira, como a educação física. Foram eles

o trabalho, o projeto modernizador da educação paraense e a concepção de

educação física.

Desta feita, os debates dos aspectos sociais e de seus elementos

constitutivos em nível local nos possibilitam entender de que forma a educação física

se integrou ao projeto educacional nacional. Nos estudos de Carmem Lúcia Soares

e Lino Castellani Filho temos claramente os condicionantes sócio-históricos

apresentados em âmbito nacional, acreditamos poder ajudar a completar o quadro

iniciado pelos estudiosos supracitados ao buscar em termos locais o como e o

porquê a educação física foi defendida no ensino primário. Neste sentido,

intencionamos compreender aquele projeto societário para o Brasil em suas formas

mais particulares e assim chegarmos mais próximo da essência do objeto de estudo

aqui proposto.

Para tanto, abordaremos as características do estado do Pará no início da

Primeira República destacando as questões descritas acima. Entender estes

aspectos significa contextualizar o processo de inserção da educação física no Pará,

ou seja, compreender os seus determinantes sócio-históricos na totalidade das

relações existentes.

Tomando por base as categorias da totalidade e do trabalho poderemos

identificar como repercutiram os acontecimentos e fatos que se desenrolavam em

âmbito nacional (geral) e estadual (particular), bem como seus nexos constitutivos

relativos às mudanças políticas e econômicas ocorridas no Pará e no Brasil.

Assim faremos uma análise da efervescência política do final do século XIX

no Brasil, em seguida discorreremos sobre a economia, política e educação no Pará

destacando A política paraense no final do século XIX e também educação no Pará.

.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

2.1 A efervescência política do final do século XIX no Brasil

A Proclamação da República1, ocorrida a partir do descontentamento de

vários setores da sociedade2, como dos militares e intelectuais pertencentes à elite,

inconformados por não terem seus interesses atendidos pelo Governo Imperial,

visava modificar profundamente as relações políticas, econômicas e educacionais

existentes no Império, pois:

no fim de quase meio século de governo aparentemente constitucional, mas na realidade absoluto, deixou ele o Brasil pobre, atrasado, sem prestígio político no exterior. Não criando a indústria, nem animando os esforços dos seus súditos neste sentido, antes impedindo-lhes e dificultando-lhes a iniciativa individual, ele obrigava os brasileiros a viverem do emprego público, o qual só por ele era distribuído, conhecendo bem a verdade deste pensamento de Lamartine: “Os empregados públicos formam o exército do rei”. Ele que empregava toda sua solicitude em fazer crer que promovia a instrução pública, deixou mais de 90% da população completamente analfabeta; um país como o Brasil que vive exclusivamente da agricultura, não recebeu do governo imperial nem uma única escola agrícola, nem uma única estrada de rodagem digna deste nome; do aumento da população – o primeiro elemento de riqueza de um povo nunca cogitou sinceramente [...] (FIALHO, 1983, p. 12).

Estes elementos compunham o quadro de insatisfações que existia ao final do

Império e que justificava as mudanças destacadas nos discursos dos mais variados

segmentos sociais. Isto foi importante, pois configurou os determinantes presentes

na alteração de regime político ocorrida no Brasil ao final do século XIX.

Com a derrubada do Imperador D. Pedro II e a instauração da República

foram necessárias medidas que reorganizassem e reestruturassem a nação,

tornando-a moderna e civilizada, ideia defendida pelo menos duas décadas antes da

Proclamação.

Neste caminho deveria atuar o governo republicano, no entanto, não foi bem

isto o que ocorreu, pois, enquanto os dois primeiros presidentes militares seguiram

1 Primeira República, República Velha, República da Espada, República Oligárquica são

denominações dadas ao período que compreende a derrubada da monarquia no Brasil até o golpe acontecido em 1930. 2 Conforme Fialho (1983), o Governo Imperial não atendia aos interesses de grupos como os dos

militares, além de não conseguir avançar na instrução pública, na economia e na infraestrutura do país. Outro grupo bastante descontente era o dos intelectuais, os quais “aproveitavam-se dos ensinamentos liberais, positivistas, evolucionistas, darwinistas e outros para estudar o que era e como poderia transformar a sociedade, a economia, a população, a cultura, o Estado, a nação” (IANNI, 2004, p.15).

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

os preceitos de desenvolvimento e de industrialização para o país, os seguintes

fortaleceram o sistema agrário de exportação baseado na produção do café.

Os dois primeiros presidentes militares, os marechais Deodoro da Fonseca e

Floriano Peixoto, formaram o primeiro momento do Brasil República. Neste,

ocorreram medidas no campo econômico, impulso à industrialização e a

promulgação da constituição em 1891. Inclusive passaram por conflitos e

movimentos de contestação muitos deles armados3, característico deste primeiro

ciclo republicano.

Na sequência, vieram presidentes, na sua grande maioria advogados, que

inauguraram uma nova fase na política nacional, fundamentada na hegemonia de

São Paulo e Minas Gerais, conhecida como a política do “Café com Leite”, baseada

na alternância das oligarquias formadas pelos fazendeiros de Café paulistas e pelos

produtores de leite mineiros no cargo de Presidente da República.

Esta forma de governança tomou força transformando-se em um dos pontos

mais acentuados da Primeira República. Tendo sua expressão mais aperfeiçoada

com a eleição de Campos Sales, estendeu-se até o final deste primeiro período

republicano; e impôs ao país as vontades e interesses daquelas oligarquias em

combinação com as decisões da capital federal. Por isso, Nagle (2009, p. 12) afirma

que:

a Implantação do regime republicano não provocou a destruição dos clãs rurais e o desaparecimento dos grandes latifúndios, bases materiais do sistema político coronelista. Ainda mais, instituindo a Federação, o novo regime viu-se obrigado a recorrer às forças representadas pelos coronéis provocando o desenvolvimento das oligarquias regionais que, ampliando-se se encaminharam para a “política dos governadores” [...]

Sendo assim, o país continuou tendo como sua principal atividade econômica

a exportação de café, isto é, a base era agrária e exportadora, fato verificado no

capítulo anterior.

É importante assinalar que neste mesmo sentido as relações políticas

também não tiveram muitas modificações, haja vista que na relação entre governo

central e suas unidades tinha-se no Império as províncias e na República os

3 A guerra de Canudos, a Revolta federalista, Revolta da Armada, Tenentismo, Anarquismo são

alguns dos movimentos existentes neste período. Alguns tinham caráter apenas regional, enquanto outros contestavam a recém-criada república, a exemplo de Canudos.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

estados, como nos mostra Nagle (2009, p. 12):

[...] Originado da distribuição de postos honoríficos da Guarda Nacional, o sistema coronelista não é interrompido com o advento do regime republicano; ao contrário, é continuamente alimentado pelo desenvolvimento das formações oligárquicas e atinge um ponto mais alto

com a chamada “política dos governadores” [...].

Constatamos, portanto, que o coronelismo4 e a política dos governadores5

foram marcadas por relações políticas baseadas nas oligarquias. As disputas

protagonizadas por grupos políticos locais, não só sustentaram o governo

republicano, como também, contribuíram para sua derrocada. Tanto que, o

enfraquecimento dessas formas foi um caminho aberto para a derrocada republicana

neste primeiro período.

Podemos perceber esta contradição colocada de forma mais acentuada

quando das críticas feitas ao regime monárquico por intermédio da intelectualidade

brasileira, considerado incapaz de construir um Brasil moderno. Contudo, a realidade

das três primeiras décadas do novo regime não apresentou grandes alterações em

relação ao Governo Imperial. Ou seja, a caracterização do Regime Monárquico

como atrasado, ineficiente e autoritário feita pelos republicanos não sofreu

modificações nem do ponto de vista econômico, nem político.

Algumas hipóteses podem ser levantadas para tentar explicar esta

contradição como: a ausência da participação popular, a falta de um projeto nacional

e a força dos produtores de café. Porém, ao que tudo indica, a mudança de regime

aconteceu para atender aos interesses das elites, fossem econômicos ou políticos,

enquanto as condições reais da grande maioria da população não foram

modificadas. Havendo então uma alteração apenas formal de poder, isto é, de uma

elite monárquica para uma republicana.

Grosso modo, esse foi o quadro estabelecido no Brasil durante a Primeira

4 Este tipo de relação política, surgida ainda no Império com o fortalecimento de grupos locais nos

estados, foi uma das características mais marcantes no Brasil ao final do Império e Primeira República. Foi representada pelos mandos e desmandos de determinadas figuras importantes em âmbito local, as quais se sobrepunham à lei. O coronelismo, segundo Carvalho (2005), foi uma consequência do poder concedido a determinados homens pertencentes à guarda nacional, que com a extinção desta mantiveram sua força política local. 5 Neste caso, havia uma interferência por parte de forças políticas nacionais nas decisões locais e

em troca era dado o apoio do grupo local aos políticos nacionais.

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República nos planos político e econômico cujas características impactaram na

educação e nas lutas políticas locais, tendo em alguma medida influenciado na

política nacional.

Com relação à educação, o Governo Republicano, a despeito das críticas dos

intelectuais e imprensa sobre a situação de extrema precariedade na qual se

encontrava, assim como em outras áreas, de início, não conseguira promover

mudanças muito significativas em sua estrutura. Tendo novas formas propostas

apenas na última década desse período quando surgiu o entusiasmo pedagógico e o

otimismo pela educação6.

Ao longo dos dez primeiros anos do governo republicano, a “Reforma

Benjamin Constant” foi a única a tratar da educação no Ensino Primário, sendo

bastante criticada por ter em demasia os preceitos liberais.

Tal reforma trouxe categoricamente aspectos do liberalismo, deixando a cargo

dos estados os cuidados de várias medidas como a emissão de diplomas e o

sustento de cursos superiores. E à iniciativa particular, o amplo exercício da

instrução, pois “quanto ao ensino particular, assemelhou-se a reforma a grande

liberdade de que já gozava no antigo regime, o que só pode merecer aplausos dos

espíritos verdadeiramente liberais” (VERÍSSIMO, 1985, p. 17).

Ela ainda foi particularmente importante, por ter sido a única em nível nacional

que tratou do ensino primário dentro do período delimitado neste estudo, e também

porque, de certa forma deveria ser modelo para os demais estados da federação.

Fato que vinha acontecendo desde o Império quando as reformas elaboradas para o

município da Corte deveriam ser modelos seguidos pelas províncias.

Podemos ainda afirmar que a descentralização e a preocupação com a

educação do povo foram as mais importantes características desta reforma,

embasadas no positivismo e no liberalismo, que também eram os ideários das

mudanças econômicas e políticas que se operavam no Brasil no final do século XIX.

(CARTOLANO, 1994) ; SCHELBAUER,1998)

6 Segundo Nagle, (2009) O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico foram de maneira

geral resultado da crença nas qualidades positivas da educação escolar em alavancar o desenvolvimento social. considerando a educação o motor da história. o entusiasmo pela educação era crença no acesso a educação como forma de incluir grande parte da população no progresso nacional. Já o otimismo pedagógico, trazia a ideia na qual escolhas de concepções teóricas educacionais apontariam para a formação necessária para o homem brasileiro.

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Estas características presentes em âmbito nacional foram decisivas, pois

constituíram em maior ou menor grau influências para o que acontecia nos estados.

Não acreditamos em um simples reflexo nos estados do que ocorria nacionalmente,

mas sim na complexidade das relações nacionais e locais.

Desta maneira, é importante ressaltar que as relações políticas e econômicas

estabelecidas pelo país, apesar de influenciarem os cenários locais por todo o Brasil,

em alguns casos, como no Pará, não promoveram fatos e acontecimentos

obedecendo simplesmente a uma relação de causa e efeito.

Nesse contexto, houve certa diferença entre o local e o nacional, pois os

grupos mandatários que disputavam a hegemonia política no Pará possuíam

características diversas em relação aos segmentos nacionais. Enquanto estes

estavam mais assentados em atividades rurais aqueles tinham um caráter mais

urbano. Fato que colocava as disputas realizadas por segmentos sociais situadas

nas cidades, as quais estiveram no centro dos acontecimentos locais.

Feita esta breve descrição do cenário nacional durante o período republicano,

faz-se necessário analisar estes aspectos no estado do Pará, o qual afirmamos

possuir especificidades na economia e política.

2.2 A economia, política e educação no Pará

As análises aqui apresentadas visam caracterizar o contexto local, permitindo-

nos identificar seus principais elementos constitutivos, entre eles a educação física,

já incluída no ensino primário. Tal distinção leva em conta a correlação entre os

aspectos referentes ao trabalho e as relações de poder instituídas no campo

regional.

Além disso, admite também trazer para a discussão a base material sobre a

qual se desenvolveram as formas ideológicas de educação e educação física neste

estado ao final do século XIX e as principais características desse processo.

Este entendimento está referenciado em Marx que criticava os economistas

do século XVIII por entenderem o homem sob uma perspectiva idealista e abstrata

ou como ele afirma, “não como um resultado histórico, mas como um ponto de

partida da história” (2008, p. 238).

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

Na tentativa de compreender este homem do final do século XIX no Pará

como um produto histórico dos condicionantes sociais, formados ao longo de

séculos, acreditamos poder encontrar subsídios para analisar o processo de

inserção da educação física no ensino primário paraense.

Desta forma, começamos, então, por informar que o Pará do final do século

XIX foi rico nos condicionantes econômicos e políticos. Pois, foi palco de

acontecimentos decisivos em sua história, como da intensa disputa entre os grupos

políticos instituídos pela hegemonia política local e o ciclo da borracha.

2.2.1 A política paraense no final do século XIX

No âmbito das relações políticas podemos destacar que, desde a

Proclamação da República até 1930, passaram pela direção do governo estadual

doze governadores, entre eles nomes de destaque como Justo Chermont, Paes de

Carvalho, Augusto Montenegro e Lauro Sodré; além de uma junta governativa

formada por Justo Chermont, Bento Fernandes e José Maria do Nascimento, logo

após a deposição do presidente da província no início do período republicano.

O período que nos interessa é aquele até o ano de 1900, no qual além desta

junta governativa, passaram pela chefia do governo paraense quatro políticos: Justo

Chermont, Gentil Bitencourt Duarte Barcelar, Lauro Sodré, Paes de Carvalho,

Augusto Montenegro. Borges (1983)

Estes políticos representaram, guardadas as especificidades, a defesa dos

princípios e valores liberais e republicanos por meio de medidas em várias áreas,

como por exemplo, o incentivo à formação de colônias agrícolas; o abastecimento

de água encanada; a organização da polícia militar; o preparo do sistema de

transporte na capital; a iluminação pública e realizações em outras áreas, que

trataremos mais adiante. Enfim, houve várias modificações perceptíveis em algumas

cidades, as quais significavam a construção de um estado moderno.

As medidas adotadas em várias áreas do governo não aconteceram de forma

harmônica, muito pelo contrário, existiram momentos de grande agitação, visto que,

estes homens estavam envolvidos em práticas políticas que se desenrolavam em

nível nacional como o “coronelismo” e a “política dos governadores”. Sendo estas

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

práticas baseadas em relações existentes desde o Império de forma sedimentada.

No Pará, esta situação de domínio por determinados grupos políticos

aconteceu, assim como em outros estados, movida pela disputa hegemônica

eleitoral, prática esta remanescente do Império7. Porém, estes grupos não eram

diretamente ligados às atividades rurais.

Temos, neste momento, a primeira grande diferença em relação ao cenário

nacional, cujas forças estavam localizadas na zona rural com a lavoura do café.

Enquanto, no Pará, teremos politicamente uma força de grupos urbanos ligados a

cargos públicos ou militares disputando as eleições locais.

Nestas lutas políticas estavam em jogo, no cenário local, o domínio dos

cargos públicos, que produziam8 privilégios políticos e econômicos, mesmo que

estes grupos, cujos representantes mais destacados eram Antonio Lemos e Lauro

Sodré não colaborassem para fazer avançar as instituições republicanas recém-

criadas que necessitavam ser fortalecidas. (BORGES, 1983)

Isto foi possível de ser verificado, pois as referidas disputas aconteciam

praticamente nos mesmos moldes do Império, já que utilizam mecanismos como a

violência, clientelismo, fraudes e propagandas difamatórias contra os adversários.

Nas duas primeiras décadas do período republicano, uma rixa que ficou

evidente no estado foi entre as ilustres figuras de Antônio Lemos e Lauro Sodré que

rivalizavam a predominância política, sem qualquer consideração aos princípios e

valores republicanos, mas sim a sobrepujança do adversário.

As duas personalidades supracitadas e seus seguidores foram exemplos

claros da competição política entre as oligarquias9 locais que este estado

presenciou, tendo vários acontecimentos concorrentes para que se desenvolvesse

um cenário bastante conflituoso.

Assim, “Entramos no Governo Paes de Carvalho, quando Lauro Sodré,

paraense, e Antônio Lemos, maranhense, confrontam-se, polarizando a vida política

7 No Império, as eleições possuíam uma dinâmica repleta de detalhes e personagens que faziam

delas disputas e verdadeiros espetáculos em que existiam violência e fraudes das mais grotescas. A este respeito ver: CARVALHO, J. M. A cidadania no Brasil. 7 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. 8 Os grupos políticos ligados à burocracia administrativa e aos comerciantes portugueses do início do

século XIX foram substituídos em grande parte pelos donos dos seringais chamados de “Coroneis da borracha” (SARGES, 2010). 9 As oligarquias não tinham uma definição mais usual do termo, aquela ligada a grupos de donos de

terras, mas sim a grupos políticos localizados nas áreas urbanas e ligados a partidos políticos.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

republicana do Pará, como líderes carismáticos [...]” (BORGES, 1983, p.87).

Com a eleição de Antônio Lemos (1843-1913), em 1897, para o cargo de

intendente10, houve um movimento cada vez maior no intuito de torná-lo o grande

líder político11 da região. E foi o que ocorreu ao longo dos quatorze anos em que

esteve no protagonismo dos acontecimentos políticos e administrativos da cidade de

Belém do Pará. Seu nome ainda é lembrado como sendo uma das principais figuras

daquele momento histórico (SARGES, 2002).

Todo este destaque no cenário paraense lhe conferiu um grau de influência e

prestígio tamanhos, que fez com que permanecesse tanto tempo no poder e

constituísse em seu entorno um grande número de admiradores e colaboradores, e

igualmente de adversários.

Lemos conseguiu esta projeção comandando um projeto de urbanização, até

então, nunca visto na cidade com a pavimentação de ruas, construção de

calçamentos, prédios públicos, praças, construção de rede de esgoto e outras

medidas que almejavam o embelezamento da cidade de Belém.

Apesar da imensa popularidade e de constituir sólida carreira desde a

chegada em Belém, Lemos teve sua liderança política derrubada por uma série de

eventos ocorridos especialmente nos últimos anos à frente da Intendência.

É importante ressaltar que, durante a campanha republicana, políticos como

Lemos e outros personagens estiveram envolvidos do mesmo lado defendendo os

interesses ligados à mudança de regime político. Porém, conseguido o intento da

Proclamação da República, os grupos se fragmentaram ocasionando uma das

disputas mais intensas da história do Pará. (BORGES, 1983)

Este fato ficou perceptível quando alguns dos representantes dos grupos

políticos existentes começaram a se destacar e tomar medidas para contemplar

seus interesses, desagradando os outros grupos.

Exemplo claro desta situação, foram as decisões tomadas por Antônio Lemos

quando à frente da Intendência Municipal de Belém, especialmente nos últimos anos

de mandato, em que ficou evidenciado o caráter protecionista para com seus

10

Para entender como passou a se organizar política e administrativamente a gestão pública local a partir da Proclamação da República, sugerimos consultar a Constituição do Estado do Pará de 1891. 11

Para saber mais sobre a figura de Antônio Lemos indicamos: SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do Velho Intendente. Belém: Pakatatu, 2010.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

aliados.

Segundo Sarges (2010), a política de concessões aliada às medidas

saneadoras foram as grandes responsáveis pela impopularidade que foi sendo

construída sobre sua imagem, uma vez que gerou cobranças de mais taxas, fato

este de desagrado popular.

Tanto a política de concessões que estava relacionada à exploração de

determinados serviços públicos, como transporte, iluminação pública e

abastecimento de água quanto a efetivação da construção de equipamentos

relativos à organização do espaço urbano eram de responsabilidade da Intendência.

Ao que tudo indica, Lemos dava as concessões para pessoas próximas,

“apadrinhados” conforme a sua vontade e colocava o projeto de melhoramento da

cidade fora dos gostos, hábitos e as possibilidades financeiras da população em

geral. Sarges (2002)

Isto provocou, juntamente com outros fatos, o enfraquecimento das alianças

políticas de Lemos, cujos aliados se descontentavam com os “apadrinhamentos”

realizados por ele nos últimos anos em que esteve à frente da Intendência.

Um exemplo disso foi o surgimento de um cartaz que lançava a candidatura

de Augusto Montenegro ao governo do estado, apresentado durante a cerimônia de

inauguração do monumento em homenagem a Frei Caetano Brandão, fato que

provocou o rompimento dos irmãos Chermont, então sócios de Lemos no jornal “A

Província do Pará” 12.

Esta ação foi creditada a Antônio Lemos que pretendia fazer o sucessor do

governador do estado no lugar de Paes de Carvalho. Aproveitando-se deste fato e

do movimento realizado por alguns grupos populares insatisfeitos, uma intensa

campanha propagandista, encabeçada pelo jornal “Folha do Norte”, foi realizada

com o objetivo de incentivar estes grupos a tirar Lemos de seu cargo. E foi o que

aconteceu.

A situação chegou a ponto de existir depredação de vários prédios, protestos

nas ruas, vandalismo e incêndio da casa de Antônio Lemos e de seu jornal “A

12

Justo Chermont, pela conjuntura política acreditava ser o candidato indicado para a sucessão de Paes de Carvalho, entretanto, não foi oque aconteceu. O partido republicano local, sob a liderança de Antonio Lemos indicou Augusto Montenegro vencedor do pleito contra o Próprio Justo apoiado por Lauro Sodré. Borges (1983)

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

Província do Pará”.

O principal fato, que culminou na expulsão do Intendente de Belém, foi o

atentado que teria sofrido Lauro Sodré ao retornar à Belém, atribuído por seus

partidários a Lemos.

Um conjunto de incidentes foi ocorrendo ao longo dos anos em que Antônio

Lemos esteve à frente da Intendência. Intensificados nos últimos anos de seu

mandato, colocaram em evidência as divergências político-partidárias e não a

situação precária da educação, saúde, habitação da maioria da população e nem

tinham relação com qualquer mudança mais profunda nas relações políticas da

sociedade paraense.

O episódio ocorrido em torno da figura de Lemos ilustrou sua briga política

com Lauro Sodré, outro grande nome da política paraense. Entretanto, não foi a

única, posto que ainda em seu primeiro mandato envolvesse em disputas com o

Poder Judiciário local e também com o Governo Federal de Deodoro da Fonseca.

Logo nos primeiros dias de seu primeiro mandato (1891-1897), Lauro Sodré

fez publicar, no Diário Oficial de 27 de Junho de 1891, Ato de Reforma do Judiciário,

decreto 359A em que o extinguia e imediatamente criava um “Tribunal Superior de

Justiça”. Desta feita, ficaram seis desembargadores e oito juízes de direito sem

função e sem salários, sendo demitidos nove dias depois e consequentemente

retirados da folha de pagamento.

Este decreto nasceu no momento da constituinte como uma estratégia para

beneficiar um protegido do antigo governador Duarte Huet Bacelar Pinto Guedes13,

em retribuição a favores prestados quando da tentativa de derrubá-lo do poder. No

entanto, ao ser assumido por Lauro Sodré constituiu-se em um dos maiores golpes

contra o judiciário do Pará (1983).

Isto comprova a tese de que esses políticos muitas vezes passavam por cima

dos princípios e valores republicanos por eles defendidos, apenas tentando

satisfazer interesses pessoais e do grupo ao qual faziam parte. Mas, isso não quer

dizer que desconsiderassem as premissas do ideário liberal, até porque, estas

13

Governou o Pará de 25 de março a 23 de junho de 1891 em substituição a Gentil Bitencourt, que também assumiu o governo na vacância de Justo Chermont, nomeado Ministro do Governo de Deodoro da Fonseca. Estes primeiros governadores foram indicados pelo Governo Federal por ato discricionário.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

pregam justamente o individualismo, o particular, o privado como condição para a

manutenção do público.

Os detalhes destas contendas são importantes para caracterizar esta fase

como conturbada e restrita à satisfação dos interesses particulares da elite, uma vez

que a população participava, quando muito, de massa de manobra pelos grupos

políticos.

A luta destas personalidades pelo poder embora tenha ocorrido na década

seguinte ao período delimitado para este estudo, representa bem as características

do campo político em âmbito local.

Esta foi uma aproximação com o cenário político paraense do final do século

XIX com seus conflitos e contradições. Nesta linha de pensamento precisamos

também tratar da economia dessa época, tendo em vista que este aspecto da

realidade também colabora para entendermos a sociedade paraense daquele

momento.

Sendo assim, no plano econômico, o Pará experimentou no final do século

XIX e início do XX, um acontecimento sem igual em sua história com a exploração

do látex, um dos grandes produtos de exportação do país, próximo ao café.

No final deste século, a economia brasileira estava plenamente assentada na

monocultura do café do centro sul do país, em substituição à produção açucareira

concentrada sobretudo no nordeste. Enquanto na região norte, principalmente nos

estados do Amazonas e do Pará, a produção e comercialização do látex chegou

quase a se igualar ao café em exportações na balança comercial brasileira.

(SARGES, 2010)

Desta feita, a produção econômica brasileira esteve constituída em sua maior

parte de produtos, para exportação, baseados em grandes plantações como o

algodão, o açúcar e o café; não sendo diferente com a exploração da borracha

(FURTADO, 1997; PRADO JÚNIOR, 2008).

A exploração da borracha no Brasil, como produto de exportação fixado

exclusivamente na região norte, aconteceu de maneira mais intensa no final do

século XIX, ocasião em que as cidades de Belém e Manaus foram as mais

importantes do período.

Conforme Sarges (2002), a produção do látex paraense já existia desde o

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início do século XIX. Sua importância era grande, tanto que foi usado no

revestimento de mochilas e fabricação de sapatos. No caso dos sapatos, houve uma

produção e exportação significativa extrapolando os 47.787 pares de sapatos de

1840, chegando a 138.873 pares em 1850. No entanto, a comercialização da

borracha ganhou maior força entre os anos de 1870 e 1910, superando o cacau na

pauta de exportações do estado com 4.890,089 quilos contra 3.381.246 quilos de

cacau.

Somente a partir da segunda metade do século XIX, o Pará adquiriu um

relativo desenvolvimento econômico em decorrência da produção e exportação do

látex, tendo em vista as exigências da indústria internacional [...] (SARGES, 2010,

p.75).

Até então, a produção do látex dividia espaço nas exportações com o cacau,

açúcar, algodão e outros produtos manufaturados. A explosão da produção da

borracha teve como importante facilitador, em meados da década de 1850, a

autorização da abertura dos rios da Amazônia à navegação estrangeira, quando se

estabeleceram várias empresas estrangeiras de navegação inglesas e francesas

que exploraram comercialmente as linhas fluviais.

[…] A navegação a vapor introduzida em 1853, teve grande importância econômica para a exportação da borracha e comércio internacional. Inicialmente, sobre o monopólio de Irineu Evangelista de Souza - barão de Mauá - que obteve concessão do governo imperial, a navegação do rio amazonas abre-se aos ingleses e americanos a partir de 1866 [...] (SARGES, 2010, p. 76).

A convergência, não por acaso, do avanço dos meios de transporte, sistema

de comunicação, infraestrutura da cidade e mão de obra foi sem dúvida importante

para que o extrativismo da borracha pudesse crescer e assim alcançasse os níveis

de lucratividade que conseguiu.

Neste caminho,

[...] a economia de exportação, resultante dessa confluência de forças econômicas e ambientais, gerou um crescimento comercial e demográfico sem precedentes na região e fez de uma área esquecida e muito atrasada um dos mais promissores centros de comércio do Brasil (WEINSTEIN, 1993, p. 15).

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

Esta expansão econômica vertiginosa provocou várias mudanças sociais,

culturais e outras diretamente ligadas à produção gomífera. Tais modificações se

operaram em âmbito local e regional.

Com relação às transformações de ordem social, podemos citar: o processo

de urbanização de cidades como Belém e Manaus; as leis e normas criadas para

organizar a utilização de espaços públicos e privados; e um crescimento também

populacional.

No caso de Belém, uma consequência do crescimento econômico e

populacional foi o afastamento das famílias que moravam no centro para locais mais

distantes.

Na dinâmica da cidade de Belém, foram projetados, além do Porto de Belém o Mercado Municipal do Ver-o-peso (1900), o Hospital Dom Luiz e o Grêmio Literário (Obras da colônia portuguesa) The Amazon Teleghaph Company, Linha telegráfica por cabos submarinos, substituída posteriormente por Western Co, o Arquivo e Biblioteca Pública (1894), o Theatro da Paz (1878), 43 fábricas (incluindo desde chapéu até perfumaria), 5 bancos, 4 companhias seguradoras, além da implantação da iluminação a gás, sob a responsabilidade da Pará Elétric Railway and Lighting Co. Ltd, Autorizada a funcionar pelo Decreto Federal nº 5.780 de 26.01.1905 (SARGES, 2010, p.152).

A contradição surgida entre o desenvolvimento econômico pelo qual passou a

região e a saída das famílias de áreas centrais para bairros mais afastados do centro

de Belém, deveu-se à implementação do projeto modernizador e urbanístico na

cidade. Um projeto que se mostrou incompatível com as tradições locais, dado o

estilo expresso em novos hábitos e até mesmo em relação às novas construções

que eram erguidas.

De acordo com Sarges (2010), o transcorrer do processo de transformação

desta cidade não comportava prédios comerciais, públicos ou mesmo de casas mais

suntuosas juntamente com moradias semelhantes a sítios, fato que quase sempre

terminava com a autorretirada dos moradores para locais afastados onde os terrenos

eram mais baratos, dando assim origem a novos bairros.

O processo de urbanização do centro da cidade não admitia determinados

hábitos como pequenas criações de animais e nem construções que não

combinassem com os novos padrões arquitetônicos. No entanto, existiam casebres

levantados por seus moradores que estavam muito distante dos luxuosos palacetes

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erguidos no centro da cidade de Belém.

Assim, podemos perceber que a adoção de mudanças estruturais acontecia

para atender necessidades de uma parte da população que habitava o centro da

cidade ou que dela se utilizava, como os profissionais estrangeiros das empresas

que aqui se instalaram a exemplo das inglesas.

Se estruturalmente a cidade era apresentada para usufruto principal da

camada mais abastada, determinadas práticas também o eram. As atividades

artísticas realizadas naquele período demonstravam isso. Companhias eram trazidas

da Europa para se apresentarem no Teatro da Paz com dinheiro originário da

exploração da borracha.

Nos jornais da época, era possível encontrar anúncios de espetáculos que

aconteciam naquele teatro, pois “em relação aos divertimentos, a elite procurava, ao

menos no discurso, seguir o modelo parisiense. As atrações eram os cafés, as

conferências, os bailes, as óperas e peças teatrais que se exibiam no majestoso

Teatro da Paz” (SARGES, 2010, p. 134).

Este período foi marcado por uma grande modernização urbana e ocorreu em

outras cidades do Brasil. E ao que tudo indica o modelo a ser seguido do ponto de

vista civilizatório e urbanístico foi especialmente o de Paris e Londres.

No caso da cidade de Belém, Antônio Lemos, intendente eleito em 1897,

contribuiu decisivamente para esta nova fase ao comandar um projeto urbanizador e

sanitarista nunca antes visto na região. Nesta época, muito foi feito para tornar

Belém uma cidade civilizada aos moldes das cidades europeias.

As obras e outras medidas tomadas neste período marcaram a história de

Belém e do Pará em sua entrada no mercado capitalista e nos princípios burgueses,

ao passo que “a cidade estava cheia de símbolos que sinalizavam um projeto

modernizador ao gosto das elites enriquecidas com a economia […]” (SARGES,

2010, p. 143).

E assim, “Antônio Lemos foi, aos poucos, tentando distanciar a cidade de seu

passado colonial imprimindo-lhe uma nova estética que lembrasse as cidades

modernas do mundo europeu” (SARGES, 2010, p. 134).

Estes aspectos que estavam relacionados de forma indireta ao extrativismo

do látex, passaram a ter vínculo com as atividades que estavam imediatamente

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

atreladas à produção da borracha. Neste momento, tem-se um surto migratório

especialmente de nordestinos fugindo da seca, devido à falta da mão de obra, o que

possibilitou um aumento na produção do látex e fortalecimento do sistema de

aviamento14.

Com relação à migração, uma consequência direta foi o crescimento

populacional no Pará, no período da Primeira República, que saiu de

aproximadamente 445.356 habitantes para 983.507, devido sobremaneira à

imigração nordestina em função da exploração da borracha.

O grande deslocamento mencionado ocorreu devido à dificuldade por que

passava boa parte do nordeste com uma terrível seca, bem como pela carência de

mão de obra nos seringais, este um dos principais entraves para o aumento da

produção exigida pela necessidade crescente do mercado internacional (FURTADO,

1997; PRADO JÚNIOR, 2008).

O referido aumento populacional foi importante, pois teve repercussões em

demandas sociais como saúde, habitação, alimentação, emprego e educação. Com

uma população maior, cresceram as necessidades de recursos para aplicação

nessas áreas, que naquele momento foram extremamente relevantes,

especialmente, pela questão da saúde da população.

Vejamos o que apontou Lemos (apud SARGES, 2002, p. 129) sobre estes

acontecimentos:

o acréscimo inesperado da população, em virtude de grandes levas de compatriotas nossos que estão abandonando os Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e até Piauí, flagelados pela seca e que correm em busca de refúgio e trabalho na Amazônia, não tem influído, por enquanto para agravar nosso mercado alimentício.

Apesar do discurso ameno em relação à migração, esta teve como

consequência imediata a ocupação desordenada da cidade, que sem possuir

infraestrutura para receber tantas pessoas, provocou aglomeração em locais

precários, sem ventilação e outras condições mínimas de moradia.

Já no final de 1889, a ocupação desordenada era uma preocupação das

autoridades locais. Isto pôde ser constatado na carta enviada pelo presidente da

14

A este respeito ver: FURTADO, C. A formação econômica do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia Editora nacional 1997.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

província José Coelho da Gama Abreu ao Ministro do Império, em que dizia:

desde que aqui chegaram as primeiras levas de imigrantes cearenses, reclamações gerais me foram dirigidas e as mais acres acusações têm sido irrogadas à administração e ao governo geral pela imprensa liberal e pelo órgão da dissidência conservadora, que é proprietário o conselheiro Samuel Wallace Mac-dowell e radator político o 2º vice-presidente da província da província major Frederíco Augusto da Gama e Costa sendo que até tem aconselhado os retirantes a procurarem, à força armada, abrigo em Palácio (PARÁ apud SARGES, 2010, p. 147-148).

As mudanças ocorridas aconteceram por causa do crescimento econômico

advindo do extrativismo do látex, cuja concepção presente foi aquela da monocultura

de exportação. Isto é, o ciclo da borracha representou na Amazônia a

comercialização desta matéria-prima como único produto, possibilitando assim a

entrada da região no grande sistema capitalista internacional.

Desta feita, significou a própria evolução e expansão do capital internacional,

tendo em vista a necessidade de matéria-prima para o desenvolvimento da indústria

automobilística norte americana e europeia.

mEsta forma de produção fazia parte do sistema capitalista que comprava matérias-

primas ao menor preço possível para garantir taxas de lucros maiores na produção

da mercadoria final.

Tendo repercussão no trabalho enquanto atividade que, em última instância,

garante a sustentação do sistema de produção. O trabalho é, portanto, o meio pelo

qual a sociedade assegura a sua reprodução. Isto acontece com a transformação da

natureza para satisfazer as necessidades humanas.

Para confirmar estas afirmações buscamos em Engels (2004, p. 11) o

significado de trabalho. Para ele, “[...] é a condição básica e fundamental de toda

vida humana”.

Segundo Marx (2005), o trabalho é também fator de sociabilidade, de

construção do ser social, de existência do homem e uma perene carência na

mediação entre o homem e a natureza15.

15

É importante ressaltar que apesar de adotarmos um referencial para discutir a categoria trabalho nesta dissertação, como os autores Saviani e Ricardo Antunes, não ignoramos a existência de outra forma de conceber este elemento fundante da vida. Este outro entendimento, baseado na distinção entre o trabalho (mediador da relação do homem com a natureza) e outras práxis sociais (educação, direito, serviço social etc.), segundo Lessa (2003), é fundamental para não se incorrer no engano de

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Neste sentido, a importância do trabalho é total se considerarmos que para

sobreviver o ser humano precisa dele como meio para satisfazer as suas

necessidades a partir dos recursos naturais disponíveis.

Simultaneamente ao fato de ser condição fundamental da vida humana, o

trabalho é, na sociedade capitalista, uma forma de alienação do ser humano, porque

este não é dono do produto de seu trabalho, mas é tomado como mercadoria pelo

capitalista. Desta maneira, o indivíduo é separado do resultado de sua produção.

Neste entendimento, conforme Antunes (2004, p.08),

mas se, por um lado, podemos considerar o trabalho como fundante da vida humana, ponto de partida do processo de humanização, por outro lado, a sociedade capitalista o transforma em trabalho assalariado, alienado, fetichizado. O que era uma finalidade central do ser social converte-se em meio de subsistência […].

Apresentados estes elementos a respeito do trabalho, ficam mais claras as

relações de produção estabelecidas na Amazônia ao final do século XIX, ao passo

que garantiam vida e ao mesmo tempo desumanizavam aquele homem.

O desenvolvimento econômico da região de forma alguma aconteceu para a

população trabalhadora, muito pelo contrário. Se tomarmos o exemplo dos

seringueiros, principal elemento na cadeia produtiva e responsável pelo recolhimento

da goma elástica, constatamos, uma verdadeira contradição. O cenário era

constituído de imensos lucros, luxo e riquezas acumuladas pelos bancos, casas

aviadoras e donos dos seringais à custa de um trabalho extremamente duro e difícil

para os trabalhadores dos seringais que viviam sempre endividados pelas relações

de trabalho estabelecidas.

O seringueiro, em sua maioria retirante nordestino, era o último da cadeia produtiva. Aparentemente, era livre, mas a estrutura econômica o colocava em situação de trabalho semelhante à relação de servidão. Comprava os suprimentos necessários a preço altíssimo no armazém mantido pelo seringalista, por isso, sempre “estava em débito” na contabilidade do seringalista e endividado, não conseguindo mais escapar da exploração do patrão (SARGES, 2010, p.103).

O trabalhador originado diretamente da exploração do látex não foi o único a

confundir as formas de organização do trabalho com ele mesmo, e assim proporcionar uma intervenção também equivocada no mundo do trabalho.

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ter sua força de trabalho explorada na cidade de Belém, já que

com a construção de obras públicas, surgiu uma nova força de trabalho propriamente urbana, que vai se juntar a outros ofícios urbanos, como alfaiates, sapateiros, relojoeiros, marceneiros e outros. A composição desses grupos expressa a camada pobre da população (SARGES, 2010, p.125).

Por conseguinte, os trabalhadores não tinham acesso às riquezas produzidas

pelo extrativismo em sua fase áurea ou às benesses delas decorrentes, já que não

alcançavam a imensa maioria da população, mas apenas a elite, fosse ela local ou

advinda de outra parte do país e mesmo de fora, “[...] pois subordinava-se mais às

necessidades econômicas do que aos objetivos práticos, ou seja, ao atendimento

das necessidades básicas da população” (SARGES, 2010, p. 150).

A nova dinâmica assumida pelo estado era expressa de forma mais evidente

na capital dado os princípios, valores e práticas consoantes com o capitalismo

internacional. Por isso, as mudanças ocorridas não visavam beneficiar a maioria da

população.

A ideologia liberal, pilar teórico central do modo de produção capitalista, era

convocada pela elite local para ajudar na tarefa de convencimento da sociedade,

portanto servia para justificar algumas ações levadas a cabo pela elite dirigente no

momento em que a força ainda não era necessária.

Esta forma de pensar havia findado, em muitas áreas, na difusão de valores,

princípios e práticas da nova ordem social que se erguia no Brasil e no Pará. Mas

qual espaço e tempo deveriam ser reservados para tal tarefa? A resposta era

relativamente simples: assim como na Europa, a educação escolar deveria ser esse

tempo e espaço.

De maneira geral, estas eram as relações econômicas e políticas que

caracterizavam o Estado do Pará no início da Primeira República e que, por sua vez,

tiveram influência direta na formulação das propostas educacionais desse período.

2.2.2 A educação no Pará

No início do período republicano, houve indubitavelmente um cuidado bem

maior com a educação do que no regime anterior, em que era visível o descaso com

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

este importante elemento na formação de uma nova sociedade.

Os conhecimentos e seus processos de transmissão, necessários à nova

ordem política e econômica nascentes, não poderiam de forma alguma continuar em

seu formato. Por isso, tamanha preocupação com a educação na sociedade

brasileira republicana, não sendo diferente no Pará, em que o estado instituiu a

instrução pública.

Primeiramente, vamos esclarecer o que estamos denominando de educação.

Até aquele momento, no geral, a instrução estava voltada para a formação

intelectual, e a educação relacionada aos valores que o indivíduo deveria adquirir

principalmente na família.

Porém, com as mudanças políticas e econômicas em plena consolidação,

modificações eram necessárias no plano educacional. No bojo destas

transformações proposições apareceram, entre elas as formuladas pelo marquês de

Condorcet que nos ajudam a perceber a diferença entre instrução e educação.

Realizar essa distinção não é mera formalidade conceitual, porque como

indica Silva (2004), ao analisar a obra de Condorcet, a instrução deveria ser a

fundadora dos preceitos da moral, afirmação esta que implica na formação do sujeito

liberal. Assim, a educação na obra condorcetiana diz respeito ao contato do sujeito

com o meio em que vive e tudo que o circunda pode educá-lo. Porém, nem tudo

pode lhe dar base para uma autonomia moral.

Para iniciarmos o entendimento do que isto significava, recorremos a José

Veríssimo, que sobre a questão utilizou- se de alguns autores dizendo:

a perfeita distincção, senhores, entre instrucção e educação moderna; pertence à filosofia positiva, ou se quiserdes à filosofia scientifica. Instrução é, segundo Ch Robin (2), a aquisição de noções novas acerca do homem, dos objetos, fenômenos que o cercam, tanto inorgânicos e orgânicos como sociaes, encarados no espaço e no tempo; e a educação, consoante o pensar do mesmo autor, estudo das relações dos caracteres particulares de cada espécie de corpo ente si e com os seres vivos, para a deducção das leis de relação que nos indicarão os nossos deveres comnosco mesmos, com os outros e com quantos objetos nos cercam [...] (VERÍSSIMO, 1888, p. 8).

E também, “para um dos espíritos mais poderosos deste século, o eminente

philosofo inglez Herbert Spencer, a educação – e sob este título ele compreende

também a instrucção – tem por fim preparar-nos para „para a vida completa‟ [...]”

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

(VERÍSSIMO, 1888, p. 8).

Ainda, de acordo com Veríssimo (1888, p. 9):

o ilustre pensador Alexandre Bain, cuja obra A sciencia educação é, a meu ver, o melhor tratado existente de pedagogia, não define o que é educação, mas do seu contexto depreende que para ele é a formação para melhor das faculdades intellectuais e moraes de homem, guiada por um estudo profundo, que ninguém melhor que esse psychologista estava no caso de fazer, da physiologia e da psychologia da criança.

Nossa primeira inferência é que estes três pensadores trazidos por Veríssimo

nos apresentam a concepção de instrução e educação em patamares muito

próximos, a ponto de se complementarem.

Outra, é que estas concepções estavam imbricadas com as formulações

construídas ao longo do século XIX, isto é, com aquelas que propunham novas

formas e conteúdos para a formação do novo homem. Baseadas em preceitos

liberais e científicos claramente se ocupavam do intelecto, moralidade e também do

físico.

O desenvolvimento intelectual e moral dos indivíduos tinha por fundamento a

constituição de homens com capacidade de raciocínio elevada e com condição de

discernir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e de sentimentos bons para

com seus semelhantes.

Neste sentido, uma expressão da formação moral pôde ser encontrada nas

obras do Marquês de Condorcet:

um entusiasta do poder emancipador inerente à dimensão pedagógica do processo civilizador. Sua proposta de instrução apresenta-se como forma de ensino capaz de promover uma moral cosmopolita, baseada na solidariedade ou benevolência e na justiça (SILVA, 2004, p. 3).

Tal característica visava combater ideias que não viessem a respeitar os

interesses individuais e coletivos e correlacioná-los. Portanto, “a instrução moral é

uma formação reflexiva que, rompendo com a tradição, abraçaria a humanidade

como princípio absoluto, fundador dos direitos naturais inalienáveis” (SILVA, 2004, p.

4).

Segundo ainda o autor, é expresso na obra de Condorcet a importância da

instrução pública na ação social revelando a íntima relação entre esta e a formação

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

moral. Estes, somados ao ideal civilizatório, seriam o principal fator na produção de

um liberalismo “sem males ou justo” (SILVA, 2004).

Esta moral, defendida por Condorcet, representava em última instância a

formação de um sujeito liberal, um sujeito universal capaz de se adaptar aos

interesses privados corporativos. A moral burguesa deveria estar na instrução,

garantindo pelo convencimento a assimilação do ideário pela população em geral.

A moderna pedagogia, trazendo novos conhecimentos e novas formas de

transmissão, se apresentava na formação integral do homem representado pelos

desenvolvimentos moral, intelectual e físico. Esta nova maneira de conceber a

educação se contrapunha àquelas tradicionais baseadas em princípios, sobretudo,

religiosos16.

No caso brasileiro ainda havia todo um descaso com a educação de base,

que se materializava por uma delegação de responsabilidades do governo imperial

para com as províncias. Esta característica pôde ser observada ao longo da maior

parte do século XIX.

Neste sentido, a educação no Brasil desde

[...] o ato adicional de 1834, colocou as escolas primárias e secundárias sob a responsabilidade das províncias, renunciando, assim, a um projeto de escola pública nacional. Ao longo do século XIX o Poder Público foi normatizando, pela via legal, os mecanismos de criação, organização e funcionamento das escolas que nesse aspecto, adquiriam o caráter de instrução pública. Mas, de fato, essas escolas continuavam funcionando em espaços privados, a saber as próprias casas dos professores (SAVIANI, 2005, p. 10).

Não ocorrendo grandes mudanças na educação ao longo deste século no

Brasil, surgiram a partir da década de 1870, intelectuais como Veríssimo que

defenderam mudanças políticas e econômicas.

Nessa esteira, foram produzidos escritos no campo educacional dos quais faz

parte “A educação nacional”(1985, p.53) que afirmava o seguinte:

o nosso sistema geral de instrução pública não merece de modo algum o nome de educação nacional. É em todos os ramos – primário, secundário e superior – apenas um acervo de matérias amontoadas, ao menos nos dois primeiros, sem nexo ou lógica, e estranho completamente a qualquer

16

São exemplos deste tipo a escolástica e a Ratio studiorium.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

concepção elevada da pátria.

Desta maneira, foi assim que a intelectualidade reivindicou modificações na

instrução pública, motivadas pelas mudanças que ocorreram nos países europeus e

Estados Unidos, que segundo os intelectuais cumpriam de forma efetiva as

aspirações por um país moderno.

As aspirações da elite, como podemos perceber, estavam nos escritos, nos

discursos e, no caso da educação, em algumas ações pertinentes à reformulação e

criação de instituições e reorientação curricular. Tudo isto por meio de decretos, leis

e formulação de reformas, porque havia urgência em elevar o nível cultural do país.

Assim, foram operadas reformas na instrução pública em todo o país

entendendo-se que:

no âmbito educacional, reformar o ensino significava criar uma mentalidade nova que se adequasse às exigências do tempo. Nesse contexto, a escola desempenharia um papel fundamental, na medida em que caberia a ela se organizar e difundir as novas idéias, que serviam de base para a transformação que se desejava operar no país (FRANÇA, 2004, p. 3)

Por isto, teremos no limiar da Primeira República o Decreto 981/1890,

conhecido como reforma Benjamin Constant, que aprovava o Regulamento da

instrução pública Primária e Secundária do Distrito Federal. Nesta norma aparece a

organização do Ensino Primário, o qual nos interessa de forma mais particular.

No título II, que trata das escolas primárias, suas categorias e regime o Art. 2º

expressa:

A instrução primária, livre, gratuita e leiga, será dada no Districto Federal em escolas de duas categorias: 1ª escolas primárias do 1º gráo; 2ª escolas primárias do 2º gráo. § 1º As escolas do 1º gráo admitirão alumnos de 7 a 13 annos de idade, e as do 2º gráo, de 13 a 15 annos. Umas e outras serão distinctas para cada sexo, porém meninos até 8 annos poderão frequentar as escolas do 1º do sexo feminino. § 2º Nenhum alumno será admitido à frequência das escolas de 2º gráo sem exhibir o certificado de estudos primários do gráo precedente (BRASIL, 1890, p. 1).

Este artigo do decreto tenta organizar o ensino primário. Nele, podemos

perceber facilmente os princípios liberais para a educação - liberdade, laicidade e

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

gratuidade - confirmando a tendência de modernização da instrução pública.

Além de organizar o Ensino Primário em graus, forneceu também o currículo

que deveria ser implementado e compatível com os anseios do regime republicano

recém-implantado na nação brasileira.

É importante notar, quando comparamos esta reforma com aquela

implementada no final de 1879, a reforma Leôncio de Carvalho, verificamos que em

ambas aparece a ginástica. Indicando que as influências do liberalismo já vinham se

concretizando na educação brasileira, reivindicando uma elevação no nível cultural

da população.

Este discurso, consistia no pensamento de que se poderia conduzir o Brasil a

uma situação melhor, ou seja, de superação do atraso cultural em relação aos outros

países. Já que na compreensão de alguns só a educação libertaria os indivíduos da

ignorância e assim faria o país avançar.

No plano nacional, figuras como Rui Barbosa17 se destacaram neste intento

com a publicação de algumas obras. No caso deste intelectual, os pareceres de

1882 foram extremamente valiosos.

Em sua defesa, no cenário local, destacamos a figura de José Veríssimo, que

além de importante papel na literatura,18 foi sem dúvida um dos mais importantes

homens do contexto educacional paraense e brasileiro, tendo produzido obras

importantes nesta área, bem como ocupado vários cargos na administração

pública19.

Conforme Veríssimo (1890), os relatórios dos governadores da província, um

pouco antes da Proclamação da República, indicavam a constatação de extrema

precariedade do sistema de instrução pública. Entre estes relatórios estão os

produzidos por: Cardoso Júnior, Roso Danin, Ferreira Braga e Almeida Pernambuco,

todos presidentes da província do Pará

No Pará, a situação da instrução pública nas últimas décadas do século XIX

17

Segundo Machado (2002) Rui Barbosa se dedicou às questões da educação no período de dois a três anos, porém a sua produção foi de tal magnitude que influenciou vários intelectuais do final do século XIX e também do início do século XX, como Fernando de Azevedo. 18

José Veríssimo foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras publicando diversas obras, tendo especialmente a região amazônica como pano de fundo. 19

Entre os cargos que ocupou estão: o de Diretor da Instrução Pública do Pará e Diretor do Gymnasio Nacional (atual colégio Pedro II), instituição educacional das mais importantes no Brasil Imperial e Republicano.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

era bastante precária, fato este comprovado por França (2004) ao analisar o relatório

de José Veríssimo “A instrução pública no Pará em 1890” 20. De acordo com esta

autora, esse intelectual não só discorria sobre as mazelas que afligiam as escolas

públicas, como também apresentava propostas para sua superação.

O caos em que se encontrava a educação escolar devia-se segundo José

veríssimo, a alguns aspectos: ao descaso do poder público; à centralização das

decisões sobre educação no presidente da província; à falta de preparo da

assembleia provincial em formular as leis educacionais; às relações políticas

estabelecidas com os professores e à falta de formação especializada daqueles que

gerenciavam a educação.

Veríssimo (1890, p.1) assim se pronuncia sobre a educação escolar na

mensagem dirigida ao governador em seu relatório:

É obrigação do meu cargo dar anualmente conta, minuciosa da instrução pública do Estado. Essa justíssima exigência da lei venho eu cumprir, tendo a honra de apresentar-vos relatório junto, dos serviços que correm por esta repartição, relativamente ao ano findo. Se o fazendo sinto a legítima satisfação do dever cumprido, não é, entretanto, com inteiro contentamento que d‟elle me desobrigo, pois nem agradável nem lisonjeiro é tudo quanto haja de dizer sobre a instrucção pública.

Nesta fala ficam expressos os sentimentos de cumprimento do dever e

desapontamento com a situação da instrução. Por isso, José Veríssimo enfatizou

em seu relatório a difícil tarefa de falar da situação da instrução no Pará, uma vez

que “a república encontrou o ensino público na mais dolorosa situação” (MEIRA,

1981, p. 266).

Para esta condição, segundo Veríssimo (1890), concorriam: a indiferença

pública, a invasão do partidarismo, a instabilidade do professorado, as constantes

reformas da organização escolar e a pequena verba disponível.

Todo este estágio herdado do Império21 não produzira nenhum resultado

expressivo, ao contrário era mais uma formalidade constante nas leis. Na verdade,

20

Em 1890, José Veríssimo publicou esta obra que pretendia realizar um exame da educação e da instrução pública no estado do Pará e apontar possíveis soluções. 21

Em seu relatório, José Veríssimo utilizou o discurso escrito de alguns presidentes da província do Pará, entre eles: Cardoso Júnior, Roso Danin, Ferreira Braga e Almeida Pernambuco para fortalecer a tese de que a instrução pública ia de mau a pior.

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

“no Brazil, a instrução pública é apenas uma alínea obrigada da fala do trono ou um

tema retórico dos programas ministeriais” (VERÍSSIMO, 1890, p. 27).

A despeito da situação na qual se encontrava a instrução pública, que

realmente era difícil, ela ganhava maior visibilidade no discurso dos defensores de

uma pedagogia moderna. Uma vez que havia o entendimento de que o grande

responsável pelas mazelas na educação era o regime monárquico.

Na passagem da Monarquia para a República, as escolas passaram para a

tutela dos governos estaduais que agora responderiam pela implementação da

educação nestes estabelecimentos.

Desta forma, podemos observar o ajuste da educação a um modelo que

desse conta de formar um ser humano capaz de contribuir para a implementação da

nova ordem econômica que, neste final de século, iria sentir todo o peso em âmbito

local do extrativismo do látex, promovendo-se então várias mudanças.

Podemos verificar nesta dinâmica, o quanto as condições materiais estavam

diretamente relacionadas com as formulações ideológicas produzidas pela

sociedade, entre elas a educação.

[...] Isto é, pela forma como os homens produzem sua vida material, bem como as relações ai implicadas – quais sejam, as relações de produção e as forças produtivas – são fundamentais para apreender o modo como os homens vivem pensam e transmitem as idéias e os conhecimentos que tem sobre a vida e sobre a realidade natural” (LOMBARDI, 2002, p. 20).

Nesta linha de pensamento, é imprescindível afirmar que tudo que foi

produzido no mundo, o foi pelo homem, no sentido de suprir suas necessidades

concretas, objetivas e reais, as quais surgem a partir das contradições existentes

nessa sociedade.

Isto nos revela que as intenções de modificação da situação do cenário

educacional paraense, com vistas a alavancar o desenvolvimento da nação,

estavam subordinadas à dinâmica do modo de produção capitalista, que no caso

paraense se expressava no extrativismo do látex.

Neste caminho, houve mudanças na legislação educacional para se adequar

às novas condições impostas pelo modo de produção. Elas aconteceram nos vários

estados em forma de leis, Decretos, Regulamentos e Relatórios delineando a

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

instrução pública.

Na década de 1880, produziram-se no Pará duas ou três leis na tentativa de

melhorar a instrução pública, entretanto, segundo as críticas de José Veríssimo, não

tiveram o impacto que almejaram.

Quando da publicação do regulamento de 1890, o ensino primário estava sob

a lei 1.295 e portaria de maio de 1886 que organizava as escolas em 1º e 2º graus.

Fato este criticado por José Veríssimo em seu relatório sobre a instrução

pública de 1890, afirmando ser prejudicial a organização da instrução. Somada a

esta, a lei 1329/1887 em nada contribuía para avançar a instrução muito pelo

contrário,

Aquella mesma acanhada disposição política, origem e causa d`esta, as mais das vezes, inútil e quase sempre funesta multiplicidade da legislação escolar, cujos effeitos foram a desorganisação do ensino publico, completada pela de 1886 e 1887, gerou também a instabilidade do professorado e foi causa da imobilidade da directoria da instrucção publica.(PARÁ, 1890, p. 23)

Logo no ano de 1890, ocorreu a publicação em 21 de julho do regulamento

da instrução pública do Pará, que já trouxe referências sobre a educação física no

ensino primário, disciplina esta fundamental no discurso para alcançar uma

inteligência e moral superiores.

Este regulamento afirmava que “o objetivo do ensino não é adquerir em todas

as matérias que o constituem, tudo que é possível saber mas apreender em cada

uma d`ellas o que não é permitido ignorar” (PARÁ, 1890, p. 34), ou seja, apreender o

mínimo necessário capaz de preparar-lhe para a vida em sociedade.

Segundo ainda este Regulamento assinado por José Veríssimo o Ensino

primário dividia-se em Elementar e integral. O primário elementar tinha a duração de

três anos, já o integral era constituído de três cursos: Elementar com duração de 2

anos; o Médio e superior também com dois anos cada.

Esta foi a organização proposta por José Veríssimo para o ensino primário em

contraposição a organização feita por graus como na legislação antes da

Proclamação da República na província. Também é diferente da reforma Benjamin

Constant que dividia o Ensino primário em dois graus.

No final desta década, no ano de 1899, foi produzido um relatório por Virgílio

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

Cardoso de Oliveira, então diretor da Instrução pública no qual continha entre outros

temas o Regimento Interno das escolas públicas do ensino primário. Neste relatório

no Capítulo I tratou-se da Escola e do Ensino e em seu Art. 1º versou sobre o

conceito e a função destas instituições.

A Escola pública primária é a instituição creada e mantida pelos poderes públicos para o fim de difundir pela mocidade, gratuitamente e sem peias à consciência, a instrução que é a base da ordem e do progresso preparando-a devidamente para a vida social (PARÁ, 1899, p. 49).

A finalidade da escola Primária no Estado do Pará, proposta na legislação

logo após a Proclamação da República, era, portanto, formar homens que

contribuíssem com o projeto societário burguês, baseando-se no positivismo e nos

princípios da propriedade privada e nas liberdades que de uma forma geral eram

próprios da ideologia liberal.

Neste sentido, podemos perceber que no Pará como na Europa, o

pensamento de formação do homem por meio da instrução possuía claramente o

papel de formadora da consciência liberal-burguesa, expressa no projeto

modernizador educacional. Foi neste sentido que as reformas educacionais foram

encaminhadas no início da Primeira República.

Por fim, é importante frisar que antes da Proclamação da República, já

existiam experiências ou mesmo intenções que continham princípios, valores e

objetivos diferentes daqueles apregoados pela educação do Governo Imperial.

Isto aconteceu, por exemplo, em escolas particulares, como no “Colégio

Americano”. Fundado e dirigido por José Veríssimo, este estabelecimento teve vida

curta, mas suficiente para implementar uma “educação moderna” baseada em

preceitos científicos.

Esta educação, dentro dos princípios da pedagogia moderna, passava

obrigatoriamente por uma instrução baseada nos preceitos científicos e de utilidade,

que consideravam ser uma educação verdadeiramente capaz de contemplar o

desenvolvimento intelectual, moral e físico (VERÍSSIMO, 1888).

Como podemos perceber os determinantes econômicos e políticos e as

contradições presentes ao longo da Primeira República no Pará representaram a

continuidade de uma elite no poder ligada a atividades de exploração do látex. Isto

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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________

quer dizer, que a mudança na direção de um desenvolvimento e civilização da

sociedade paraense possuiu singularidades, embora estivessem presentes os

princípios do sistema de produção capitalista.

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82 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ 3 – A EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO PRIMÁRIO NO PARÁ.

Neste capítulo analisaremos o processo de inserção da educação física no

ensino primário paraense. Os documentos utilizados foram os Relatórios e

Regulamentos da Instrução Pública; as leis da educação no estado e nacionais

publicados na última década do século XIX e a Revista da educação e do ensino de

1891-1894. Além destes, também foi alvo de análise a obra “A educação nacional”

(1890) e “Notícia Geral Sobre o Collegio Americano” (1888) ambas de autoria de

José Veríssimo, por conterem elementos fundamentais para a compreensão desse

processo.

Realizaremos esta análise tendo por referência do trabalho, como fundador da

vida humana, o ensino primário como momento de formação de um determinado

homem no estado do Pará e a concepção de educação física. Para isso, faremos

uma busca das informações existentes nos documentos que demonstram como se

processou a inclusão da educação física neste nível de ensino.

A escolha destes se deu pelas informações que poderiam nos dar com

relação aos elementos sócio-históricos, que estiveram na base da inserção da

educação física, quais sejam as mudanças no mundo do trabalho, o projeto

educacional modernizador e também a concepção de educação física existente na

época.

A forma como procederemos tem como referência a estrutura e a

dinâmica do objeto investigado, buscando as múltiplas determinações do objeto.

Nesta linha, vamos ter o trabalho e projeto de educação servindo de estrutura e as

relações que estabeleceram entre si configurando a dinâmica do objeto.

3.1 Trabalho, educação e educação física na sociedade paraense.

Para tratar da categoria trabalho como um dos elementos que compõe a

estrutura da gênese da educação física no ensino primário paraense, precisaremos

analisar nos documentos esta categoria considerando os nexos existentes com a

educação física.

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83 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

Como já vimos especialmente no I capítulo a educação física surge da

necessidade de formação de um novo homem, a partir dos séculos XVII na Europa,

no seio das transformações políticas e econômicas que lá ocorriam.

Este homem deveria ser capaz de suportar a ordem econômica e política

nascente. Para tanto, ele precisava ser forte fisicamente entre outros atributos e

qualidades. E isto só poderia ser alcançado por intermédio da educação, isto é, de

um aspecto até então pouco valorizado, o físico.

Neste sentido,

o corpo individual enquanto unidade produtiva, máquina menor da indústria capitalista, passa a ser então uma mercadoria ... será um objeto socializado pelas novas relações de produção, um instrumento a mais que deverá ser meticulosamente controlado para ser útil ao capital. (SOARES, 1994, p.27)

No Brasil a chegada dessas ideias faz-se presente desde a independência em

18221, porém só a partir da segunda metade do século XIX é que tomaram

consistência no pensamento da elite brasileira que por meio dos seus intelectuais

divulgará o discurso contra os dois pontos principais de manutenção da ordem

econômica e política brasileira, que segundo eles eram as responsáveis pela

situação de atraso na qual o Brasil se encontrava, a Monarquia e a Escravidão.

Na esteira desses acontecimentos, “Foi esse o momento em que o regime

monárquico e o regime de trabalho escravo revelaram abertamente a sua

inadequação” [...]. (IANNI, 2004, p. 15)

É neste momento também, não por acaso, que

lenta e progressivamente, entretanto, vão surgindo nas cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife e outras, interesses distintos, divergentes e autônomos e divergentes daqueles hegemônicos no escravismo, e uma classe dirigente mais moderna, mais „preparada‟ para viabilizar no Brasil uma nova ordem social capitalista, dando continuidade

aos interesses externos e internacionais. (SOARES, 1994, p.104)

Como podemos perceber por todo o Brasil acontecem mudanças de

pensamento com relação ás relações sociais de produção. A elite por meio das

1 Como já discutimos no capítulo I, a independência do Brasil teve forte influência do

pensamento liberal que ao longo do século XIX foi se solidificando na elite brasileira.

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84 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ ideias burguesas vai impondo novas práticas que baseadas em experiências de

outras nações conseguem construir um novo ideário sobre o progresso e a

civilização.

Um dos exemplos mais bem acabados do discurso modernizador em nível

nacional nas últimas décadas do século XIX é Rui Barbosa, intelectual que defendeu

um País Moderno e civilizado tendo como modelo os países europeus e os Estados

Unidos. Seu pensamento educacional encontra-se expresso na obra os pareceres

de 1882.

Na nova forma de educar as novas gerações, na qual o pensamento de Rui

Barbosa fora muito importante, deveriam ser contemplados conhecimentos úteis e

práticos que proporcionassem a transformação do Brasil em uma nação

desenvolvida e civilizada. Estes conhecimentos não se faziam presentes na

instrução então existente, assim era urgente mudar o currículo e as metodologias

que não correspondessem aos conhecimentos preconizados.

A inclusão de disciplinas como a educação física eram basilares para esse

intento. Ela seria responsável para fortalecer o corpo do homem para o trabalho ou

para servir a pátria.

Corroborando com este entendimento, de que a educação física no Brasil,

serviu ao propósito de fortalecer o homem, dando-lhe saúde, robustecendo o físico,

incutindo-lhe os cuidados com a higiene, no caso do Pará, estará presente no

processo de inclusão da educação física no ensino primário.

Neste sentido, encontramos no discurso de José Veríssimo os princípios acima

descritos, mais precisamente em dois documentos na obra “A educação nacional” e

“Notícia Geral sobre o Collegio Americano”.

José Veríssimo, na obra a educação nacional observa que “A educação física

no Brasil, é com todo rigor da expressão um problema nacional” (VERÍSSIMO,1985,

p. 90). Esta afirmação carrega um sentido de pessimismo com relação a situação

desse aspecto no país, mas também o desejo de discutir e mudar esse quadro.

Para José Veríssimo a educação física era fundamental para a nação, a qual

deveria ser implementada pelo estado, pois este era o ente responsável em cuidar

da educação das novas gerações nascidas com a República.

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85 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

Nessa direção podemos perceber nas reflexões promovidas por este

intelectual um movimento em favor da educação física no Pará, presente nos

documentos por ele produzidos. Nestes, podemos identificar a necessidade de

implantar este novo conhecimento no sistema de instrução.

Os cuidados com este aspecto se faziam necessários porque havia um

descaso com esta parte da educação, que até o início da República não fazia parte

da instrução pública no estado do Pará. Sendo assim, a educação física seria capaz

de fortalecer o corpo e assim deixá-lo apto para assumir seu novo papel social, de

formador de um corpo forte e sadio, base para uma inteligência e uma moral

superiores.

Esta necessidade de melhoramento das forças físicas do brasileiro em geral e

do paraense em particular, era urgente e imprescindível. Na preparação para

competição em que os mais fortes tem maiores possibilidades de se desenvolver e

entendendo que éramos mais fracos em comparação com os europeus, que nas

últimas três décadas do século XIX, imigraram em grande número para o Brasil,

Veríssimo (1985, p. 91) afirma que

a luta entre essa gente, incomparavelmente mais forte, e nós, não pode ser duvidosa. O campo de combate será primeiramente o das atividades físicas, aquele que exige maior robustez, de força e de saúde, o comércio, a indústria, a lavoura.

Isto vem demonstrar o caráter primordial de desenvolvimento das forças

físicas, qual seja, de preparação para o trabalho nas suas diferentes formas que se

justificava por uma maior capacidade de produzir bens, que por sua vez, geraria

maior acumulação de capital. Em outras palavras, homens mais fortes eram

necessários para suportar a crescente carga de trabalho que deveria ser

implementada no país para que nos igualássemos àquelas nações.

Fica explícito que José Veríssimo compreendia o desenvolvimento

econômico dos países europeus em função da sua capacidade de produzir, por meio

do trabalho os produtos para garantir o acúmulo de capitais necessários.

Segundo sua compreensão isto só foi possível graças ao desenvolvimento

dos atributos físicos por meio de diversas atividades inseridas nos costumes

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86 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ daqueles povos e nos seus sistemas de ensino. A ginástica, o jogo os exercícios

militares, os preceitos higiênicos, os jogos atléticos que realizados de forma

sistemática eram as atividades que garantiam o fortalecimento físico daqueles

homens.

Segundo Veríssimo,

em todos os países civilizados, médicos, fisiologistas, higienistas, pedagogos multiplicam em livros, em revistas e nos mesmos jornais diários conselhos, prescrições, alvitres ou direções sobre todos os diversos aspectos que pode apresentar o interessante problema da educação física (1985, p.88)

Para ele, tais práticas realizadas nos países desenvolvidos também deveriam

ser aplicadas no Brasil, pois fortalecendo as forças físicas como naqueles países

seria possível se desenvolver como eles e sair da condição em que se encontrava

frente ao grau de desleixo no cuidado com corpo.

Essa forma de pensar desse intelectual, presente em seus discursos tinha

claramente a intenção de demonstrar a condição do povo brasileiro e em particular o

paraense para provar a necessidade e emergência de novas práticas.

Deste modo, a produção de estrangeiros, era tomada como referência para

explicar as características dos brasileiros. Segundo Veríssimo (1985, p.66)

Herndon, oficial da marinha americana que por ordem do seu governo, fez com Gibbon, em 1850, uma exploração no vale do Amazonas, ocupando-se do povo ~do Pará, depois de assentar sua desambição, o seu amor de nada fazer e sua satisfação em apenas gozar sem trabalho dos frutos espontâneos da terra, indiferente a toda a concorrência e contente desde que tem chá ou café, cigarros e a rede e anotar que no Pará os crimes são muito raros, observa não sem graça: „Provavelmente, o povo é demasiado indolente para ser mau.

A falta de iniciativa, do gosto pelo trabalho e da participação na vida do país

segundo esse intelectual deitava suas origens na própria formação do povo

brasileiro que se dava da seguinte maneira,

de três ordens de fatos derivam estas características brasileiras: A Etnogenia, isto é, as origens etnográficas e históricas; a Geografia, ou a ação da terra sobre o homem; a Educação, isso é a influência da sociedade

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87 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

sobre o cidadão. (VERÍSSIMO, 1985, p. 66)

Esta ideia preconceituosa dos estrangeiros em relação aos brasileiros e aos

paraenses eram assimiladas e utilizadas pela elite, como constatamos na fala de

José Veríssimo acima.

Percebemos também nas análises de José Veríssimo que não foram levadas

em consideração o fato de que durante séculos os povos de outros continentes que

para esta terra vieram, tiveram o interesse de explorar esta terra atrás de minerais e

das monoculturas, cujo regime de trabalho era o escravista, que não precisamos

informar não tinha direito a quase nada, muito menos educação.

No que se refere a formação do povo brasileiro para José Veríssimo as

influências dos escravos africanos e dos indígenas, significavam uma herança

negativa que o povo brasileiro carregava explicitada pela preguiça, fraqueza, falta de

iniciativa e hábitos saudáveis.

Ele acreditava também que no caso dos escravos trazidos da África e seus

descendentes, além de terem sido explorados em todas as suas forças e de sofrer

todas as agruras dessa condição, ainda eram culpabilizados pela indolência na qual

se encontrava esta nação.

De acordo Veríssimo, fosse pela escrava que muitas vezes fazia o

aleitamento dos filhos dos “brancos” “eivados de vícios que mais tarde lhes

comprometeria a saúde”, ou pela carência de atitudes na infância “ permissiva”

objetivada pela convivência com “O moleque desavergonhado que apanhava, ria,

chorava, e entre lágrimas era obrigado a continuar o brinquedo” negando a ideia de

brio, existia um processo de formação que não contribuía para termos homens fortes

fisicamente. (VERÍSSIMO, 1985)

Dessa forma, ele acreditava que a escravidão possuía grande parcela de

responsabilidade em constituir um homem sem iniciativa, sem moral, fraco de

espírito e de animo o que refletia de muito significativa, no desgosto pelos exercícios

físicos. Veríssimo (1985)

Com a intenção de corrigir esses defeitos da formação do brasileiro, para

assim construir um novo e moderno país, os cuidados com o físico deveriam fazer

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88 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ parte da vida dos brasileiros e consequentemente dos paraenses, nessa lógica,

“Cumpre fazermos entrar a educação física na nossa educação e nos nossos

costumes” (VERÍSSIMO, 1985, p 88)

Assumindo essa tarefa este estudioso desenvolveu uma experiência

significativa no Collegio Americano, construída dentro deste pensamento. Por isso, é

relevante retomarmos a educação física implantada nessa instituição, pois lá

encontram-se a materialização daquelas ideias na prática escolar de maneira

sistematizada.

Surgida, segundo Veríssimo,

como todas as noções theoricas, a da excellencia da educação physica nasceu sem duvida do fato verificado pela experiência diária da superioridade physica-traduzida na robustez e na saúde do homem obrigado pelo seu gênero de vida aos exercícios corparaes, o homem do campo, o lavrador, o criador, o operário, o carregador, o artesão, e do outro lado o burocrata, o empregado de escriptorio, o cidadão sedentário, atrophiado, mesmo nas suas faculdades intellectuaes por uma vida de

inercia physica. (p.26, 1888)

Percebemos neste trecho por parte de Veríssimo uma forma de incutir, em

determinados segmentos profissionais como o burocrata, empregado de escritório e

artesão sedentário, os exercícios corporais, que no seu entender já estavam

contemplados nos tipos de trabalhos realizados pelo primeiro grupo que realizavam

trabalhos manuais, como o homem do campo, o lavrador e o operário.

Isto nos revela um caráter elitista da educação física, devendo servir a

regenerar as forças desta classe, tornando-a mais forte, uma vez que não possuíam

gosto por estas atividades, se dedicando a outras de caráter muito mais intelectual.

Nessa esteira, obstáculos se colocavam no caminho de alcançar esse objetivo.

O primeiro deles era o fato de que o trabalho manual era considerado como

trabalho inferior em comparação com o trabalho intelectual. Isto levava muitos

brasileiros a não valorizarem os exercícios físicos pois relacionavam-no aos

trabalhos manuais.

Durante boa parte da história humana o trabalho manual foi considerado

como algo realizável por pessoas de baixo valor social, e, portanto, um distintivo de

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89 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ classe. Em muitas sociedades isto foi uma característica marcante e na, então

nascente ordem capitalista este pensamento permanecia especialmente no Brasil,

país que tardou em libertar seus escravos oficialmente.

No caso brasileiro este tipo de trabalho estava ligado aos escravos, que

mesmo no final do século XIX quando as ideias do trabalho livre estavam em franca

ascensão no país o pensamento de menosprezo pelos trabalhos manuais como

atividade inferior continuava a fazer parte do ideário de uma parte da elite brasileira.

Isto pode ser observado no estudo de Castellani Filho (1994, p.44) ao

observar o seguinte,

cabe aqui ressaltarmos o fato de que o esforço de lançar mão da Educação Física como elemento educacional – ainda que de conformidade com uma visão de saúde corporal, saúde física, eugênica – enfrentava barreiras arraigadas e valores dominantes do período colonial, sustentáculos do ordenamento social escravocrata, que estigmatizaram a Educação Física, por vinculá-la ao trabalho manual, físico, desprestigiadíssimo em relação ao trabalho intelectual, este sim, afeto à classe dominante, enquanto o outro fazia-se única e tão somente aos escravos.

Este aspecto, suscita em nossa análise outro obstáculo, encontrado por

Veríssimo, que foi a consideração de que a mistura das raças provocou um

enfraquecimento das virtudes do homem europeu, mais especificamente do

português, principal colonizador dessas terras.

Este pensamento corrente no Brasil vai produzir escritos que confirmam na

visão da maioria dos intelectuais brasileiros a superioridade do branco em relação as

outras raças. Para Veríssimo,

somos o produto de três raças distintas. Duas selvagens e, portanto, descubidosas e indiferentes, como soem ser neste estádio da vida e uma em rápido declínio, depois de uma gloriosa, brilhante e fugaz ilustração. (1985, p.67)

Apesar deste autor constatar a decadência do português colonizador dessas

terras, ainda assim é superior aos tipos “selvagens” desleixados, despossuídos das

qualidades intelectuais, morais e físicas que pudessem contribuir para a elevação

cultural do país.

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90 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

Desta forma, o ideal de regenerar a raça mediante a educação física é outro

elemento importante para a análise que fazemos, pois contribui no desvelamento

das intenções do projeto de formação daquele homem necessário à nova política e

econômica, que aparece nos escritos da época, “Nossa raça, sentem-no todos, se

enfraquece e abastada sob a influência de um clima deprimente, piorado pela falta

de higiene e de exercício físico, pela privação de atividade” (VERÍSSIMO, 1985,

p.90-91)

Podemos, com isto, afirmar que o ideal eugênico fazia-se presente no

pensamento de José Veríssimo, aquele surgido na Europa, é assumido em sua

expressão central no entendimento das contribuições que a educação física poderia

dar, muito embora, existissem elementos específicos como o clima, bem diferente do

velho continente e a mistura das raças, no caso brasileiro surgido do branco, negro e

indígena eram elementos de destaque em suas análises.

O melhoramento da raça nesse contexto, será importante, mas ainda não terá

amplo destaque no Brasil na última década do século XIX, mas acontecerá nas

primeiras décadas do século XX. No entanto, foi neste momento que suas bases

foram lançadas por intelectuais como José Veríssimo que clamavam pelo

melhoramento da raça do paraense.

Outra questão relevante é quando consideramos como a melhoria das

qualidades físicas como preparação para o trabalho estava se dando naquele

determinado contexto no qual as relações de produção possuíam um caráter diverso

em relação à realidade nacional. Nesta perspectiva, houve sim na maior parte dos

discursos a defesa da educação física para os que pertenciam a determinados

segmentos sociais elitizados.

No plano econômico, enquanto o sul/sudeste do país exportava café em larga

escala e obtinha grandes somas de capital, nos estados do amazonas e Pará se

destacava a produção do Látex que também gerou enormes lucros.

Consequência disto foi a concentração de pessoas na cidade, neste caso em

Belém. Isto repercutiu na dinâmica que a cidade precisava assumir, ou seja, ter ruas

pavimentadas, um serviço de saúde eficiente, tratar do lixo e do esgoto, transporte

coletivo, iluminação pública foram antes de tudo necessidades práticas, colocadas

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91 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ pela elite local.

Necessidades que figuravam como medidas para se alcançar um status de

cidade moderna segundo os critérios da época definidos pela elite local e não

necessariamente pelas contingências impostas para o melhoramento do espaço da

cidade para todos, isto é, para atender aos anseios de grupos pertencentes à elite

local ou de fora de Belém.

Esta é sem dúvida uma das grandes contradições do projeto modernizador no

qual a educação física está inserida, pois deveria contribuir para formar homens

fortes, numa sociedade em que a grande maioria das pessoas não tinha condições

mínimas sanitárias. Era, portanto, claramente destinada a elite, pelo menos no início.

Isto significa que se reproduziu aqui o que aconteceu na Europa em meados

do século XIX com a industrialização, guardada as devidas proporções, em que o

grande avanço no acúmulo de capitais propiciou condições extremamente favoráveis

para a burguesia e condições miseráveis para os trabalhadores das fábricas e

indústrias.

Considerando que o processo de implantação de fábricas neste período

estava acontecendo, representando o avanço do grande capital internacional vai ao

longo do processo, provocando por meio da exploração da força de trabalho miséria

e degradação do ser humano.

Neste sentido, a outra grande contradição se apresenta por meio dessa

preparação do aspecto físico para o trabalho, que na prática era de amenizar a

situação de exploração da força de trabalho e as condições dai resultantes.

Desta maneira, ter uma população mais bem preparada fisicamente era

possibilidade de produzir mais e aguentar as consequências desse processo de

exploração maximizada da força de trabalho.

Nesse entendimento, tomando a educação física como preparação em âmbito

específico para o trabalho em nível local, que cuja atividade econômica principal era

a produção do látex, percebemos certa necessidade de igualar o desenvolvimento

físico das pessoas que exerciam determinadas atividades profissionais ligadas ao

trabalho burocrático, com aquelas que exerciam trabalhos manuais.

Segundo a opinião de José Veríssimo este último tipo de trabalho já fazia com

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92 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ que este trabalhador tivesse o aspecto físico desenvolvido. Ao passo que as

atividades que eram realizadas pelos profissionais ligados a exportação desta

matéria prima não tinham no dispêndio das forças físicas seu ponto principal.

Exemplos destes tipos de trabalho são aqueles relacionados a administração,

contabilidade, economia, tanto para as instituições particulares como para os cargos

do governo, uma das principais formas de trabalho, para os que não tinham grandes

fortunas, mas que tinham conseguido estudar até um nível mais elevado.

É possível então constatar na singularidade das relações de produção

produzidas em nível local, o trabalho sendo apropriado pelo capital, tornando-o

mercadoria, ou seja, garantindo o lucro dos proprietários e consequentemente a

possibilidade de acumular mais capital.

Recorrendo a Saviani (2007) para explicar a contradição presente na relação

entre trabalho, educação e educação física, é possível encontrar afirmação de que

com o desenvolvimento da produção provocando a divisão do trabalho entre os

possuidores dos meios para produção e os despossuídos destes, a partir da

sociedade escravista, vamos ter também uma educação diferente para as diferentes

classes.

Como percebemos no escrito de Veríssimo acima, que explicita uma

educação física diferente para as classes, isto é, uma fragmentação entre as

variadas formas de trabalho e os requisitos necessários para sua realização. “Ora,

esta divisão dos homens em classes, irá provocar uma divisão também na

educação” (SAVIANI, 2007, p. 155)

Analogamente como na antiguidade a partir da sociedade escravista a divisão

social do trabalho, provocou nos séculos XVIII e XIX diferentes formas de educar

não só em relação aos padrões anteriormente adotados, mas também entre as

diferentes classes surgidas com a consolidação capitalista.

Este modelo, talvez não em sua integralidade, foi assumido também pela elite

paraense, para a instrução pública da população em geral, isto é, deveria haver uma

educação/educação física para os segmentos mais abastados e outra para os que

realizavam trabalhos manuais.

Isto é algo extremamente importante se quisermos compreender o

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93 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ desenvolvimento da educação e a educação física no Pará, pois as principais

atividades econômicas realizados nesta região foram de natureza extrativista, cujos

conhecimentos não necessitavam de maior sistematização. Pelo menos não para a

maioria da população.

O processo de desenvolvimento econômico ocorrido poderia sugerir, então,

que o Pará viveu um processo de desenvolvimento pleno. Mas não foi isso o que

aconteceu, havia sim um discurso modernizador que incluía a educação na sua

agenda, mas mudanças mais profundas só a partir da segunda década do século

XX.

As poucas mudanças que ocorreram neste período revelam que o discurso da

preparação para o trabalho possuía como características, o controle e a moralização

de setores sociais desfavorecidos economicamente, que formavam o que

poderíamos denominar de classe trabalhadora. 2

Dentre os preceitos que estavam relacionados à educação física estava a

higiene. Ela complementou as propostas de instrução que consideravam a educação

física com igual importância em comparação com outros aspectos da instrução, o

intelectual e o moral.

No colégio Americano a higiene era uma preocupação constante, segundo

Veríssimo (1888) ela passava pela localização adequada do prédio escolar,

ventilação, asseio do prédio escolar, cuidado com os dejetos, iluminação, limpeza e

cuidados com os alimentos.

Todos esses cuidados estavam dentro dos preceitos higiênicos formulados na

Europa e importados pelos intelectuais brasileiros. Tais conceitos contribuíram para o

controle da classe operária daquele continente por meio de hábitos que deveriam

ser compreendidos e praticados.

O discurso higiênico, como podemos perceber pelos relatos das atividades

desenvolvidas no Colégio Americano, seguira os preceitos surgidos na Europa. Por

meio do discurso proferido de forma mais enfática pelas autoridades e pelos

intelectuais, carregando a necessidade dos cuidados com o corpo.

2 Mesmo que não possamos encaixar exatamente os setores desfavorecido economicamente, como

classe trabalhadora no conceito clássico, pois não existia também a figura do capitalista, em que pese já existir algumas fábricas no estado.

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94 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

Defendido em sua forma pedagógica o discurso higiênico foi assumido pela

elite paraense em sua expressão principal, qual seja, de constituição de um corpo

forte e saudável sendo considerado um dos elementos mais importantes pois,

descurado como se acha n‟esse estado e quiçá em todo Brazil este importante ramo da educação publica, é dever de todo o cidadão trabalhar na medida de suas forças afim de impedir que continue em esquecimento este delicadíssimo assumpto, de grande utilidade para as gerações que surgem e vantagens indiscutíveis para o nosso caro Brazil. (PIRES, 1891,

p. 130)

O ideário higienista como já vimos não estava restrito ao âmbito escolar, e

tivemos em cidades como Belém medidas como construção de esgotos no plano

público e regras de hábitos saudáveis como tomar banho, circunscritas ao domínio

da vida privada.

Assim, influenciando o higienismo tanto na esfera pública com a modificação

do espaço urbano com diversas obras como na particular incutindo determinados

hábitos, a higiene completando o sentido da educação física materializada por esta

série de ações engendradas pela elite e executadas pelo poder público local, terá

grande importância nas intenções de limpar a sociedade paraense e na dinâmica

social, contribuindo para uma formação para o trabalho por intermédio da educação

física, ou pelo menos eram assim que deveria ser.

3.2 A Educação Física no projeto educacional modernizador do Pará

Entendida a relação que se estabeleceu em nível local entre trabalho

educação e educação física, fundamental para compreendermos como e porque a

referida disciplina entrou no ensino primário, é igualmente necessário tratar da

instrução no projeto modernizador educacional paraense identificando os elementos

que estiveram presentes neste processo.

Para incutir a educação física, no gosto das elites, era de extrema importância

promover mudanças no sistema de instrução pública. Isto passava por mudanças

profundas em todos os aspectos desde a construção de escolas até mudanças na

concepção teórica da instrução pública. Isto significava incluir novos conhecimentos,

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95 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ bem como, novas formas de transmiti-los.

Neste sentido, um projeto educacional novo seria o principal elemento para

alavancá-la e promover o desenvolvimento do Pará e da nação. Por isso, tanta

ênfase na defesa de modificações na instrução pública, que foi colocada aos

poucos como elemento difusor da educação física também no Pará.

Prova disto, são as referências feitas a esta disciplina por José veríssimo , no

relatório da instrução pública de 1890, como veremos mais a frente em que o autor

do referido documento faz considerações a respeito da importância deste

conhecimento para a instrução pública.

No projeto educacional paraense, nos interessa, considerando o objeto que

definimos, a educação física no ensino primário, que como já foi afirmado neste

trabalho era estratégico para se começar a formar aquele novo homem, engendrado

no projeto europeu pela burguesia e no Brasil pela sua elite.

É neste sentido que vão atuar as forças locais, seguindo o pensamento mais

geral para a instrução pública e dentro dela o ensino primário como elemento

imprescindível. Para entendermos a educação física no Ensino Primário é preciso

levar em conta as mudanças que ocorrem nesta instrução no Brasil e no estado do

Pará e nestas localizar a importância da educação física em seu interior.

Já discutimos nos capítulos II e III que a expansão/universalização da

instrução pública está diretamente relacionada com a ascensão e consolidação da

burguesia no século XIX na Europa. E com esta o avanço das ideias liberais que por

sua vez apresentavam a educação e a instrução como obrigação do estado para

possibilitar desenvolvimento e civilidade.

No Brasil, a elite abraçando tais ideias proporá por meio de seus intelectuais,

alterações no sistema de instrução pública existente no país considerado

inadequado para subsidiar o projeto societário, incluindo-se neste a educação física.

Ao que tudo indica, no estado do Pará, o sistema de instrução em 1890, era

extremamente precário, não havendo se quer, em muitos casos, um prédio

adequado ao aprendizado dos alunos dentro dos parâmetros preconizados,

precisando funcionar em locais adaptados. Neste contexto educacional, era

necessário formular normas que atendessem os princípios de uma educação

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96 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ moderna, compreendida dentro dos marcos científicos e dos princípios liberais.

Por isso, ocorreu logo em de 1890, a publicação do regulamento da instrução

pública do Pará, considerado por José Veríssimo que existia de mais moderno em

termos pedagógicos,

entre outras disposições do vosso Regulamento que não posso deixar de citar como tendo dado satisfação às exigencias da pedagogia, da organização e da hygiene escolar: A que introduzio e sistematizou a educação civica e a educação physica nas

escolas (Pará, 1890, p. 73)

Como podemos constatar a introdução desta disciplina no Ensino Primário era

uma das medidas mais importantes do projeto modernizador e elevar, neste caso a

sociedade paraense. Por isso, logo de início, a sua introdução no Ensino Primário,

estratégico para formação do cidadão republicano.

Desta forma, com relação a gênese da educação física no ensino primário

paraense, podemos afirmar que estava dentro do processo de reformulação da

educação atrelada as necessidades de uma educação moderna,3 voltada a

construção uma nação civilizada. Assim o discurso em defesa da educação física

foi apresentado muito próximo daquele do sul/sudeste do país.

O ano de 1890, foi sem dúvida nenhuma um marco para essa disciplina na

instrução pública neste Estado. Isto é comprovado pelo rol de disciplinas que

compunham o ensino primário público na década de 1880. Neste período, mesmo

com a reforma Leôncio de Carvalho (1879) que incluía a ginástica no currículo da

Escola primária do Município da Corte modelo para as demais escolas do País, não

encontramos referências ao seu respeito no Estado do Pará.

Isto nos leva a afirmar que a educação Física no ensino público teve seu

início logo após a Proclamação da República com a reformulação da estrutura

governamental e a tentativa de modernização da educação no Estado do Pará. Isto

quer dizer que enquanto no município da corte a educação física já constava nos

mecanismos legais, somente com o regime republicano é que aquela disciplina fez

3 Já discutimos o significado desta educação nos dois capítulos anteriores, mas para ter indicativo do

que significava, esta tinha os preceitos da ciência positivista, o útil e o prático como princípios da nova formação que deveriam nortear o sistema de instrução pública paraense.

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97 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ parte do Ensino Primário paraense.

Durante os primeiros dez anos da Proclamação da República pouco foi feito

no intuito de desenvolver o sistema educacional no Brasil4. Uma das poucas

medidas foi a reforma educacional de 1891, promovida na gestão de Benjamin

Constant que tratava do Ensino Primário e assim como na última do Império

também trazia a educação física dentre as disciplinas que deveriam compor o

currículo daquele nível de ensino.

Nesta reforma a educação física era constituída pela “Gymnastica e

exercícios militares” no ensino primário. Esta conformação veio no sentido de

atender aos preceitos da moderna pedagogia.

Esta proposição é importante, pois foi a primeira deste período e também

porque foi realizada na capital federal centro do poder político do pais. E em virtude

da autonomia que cada estado possuía as mudanças no Ensino Primário em nível

local, como foi no Pará, tinham a intenção de alcançar aquele ideal de educação no

qual a educação física era elemento fundamental.

Neste contexto, educar o físico tinha a mesma importância que educar a

parte intelectual e a moral. No entendimento construído pela intelectualidade

brasileira, considerava-se que a educação deveria ser realizada de maneira integral,

levando em conta esse tríplice aspecto, Isto porque os novos preceitos educacionais

exigiam um desenvolvimento completo do homem.

Veríssimo, por exemplo, afirmava que “A Educação Physica – que o

COLLEGIO AMERICANO, lisongeia-se de haver iniciado no Pará – não merece

menos attenção do que a moral e a intellecutual”. (VERÍSSIMO, 1888, p.28)

Com base nesta ideia, de uma educação integral, contemplando assim todos

os aspectos humanos, podemos afirmar que a inclusão da educação física no ensino

primário paraense deveria obedecer, de maneira adaptada as condições locais , ao

conjunto de valores e princípios surgidos, desenvolvidos e consolidados na Europa

pela classe burguesa com o intuito de se manter no poder.

Nesta perspectiva, educar o físico teve como finalidade, também no Pará,

4 Em que pese a construção e reforma de Escolas, a reforma dos regulamentos na prática a instrução

continuou muito aquém dos ideais propostos pelos republicanos, uma prova disso é a estrutura física das escolas com muitas funcionando em instalações precárias.

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98 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ robustecer o corpo, promover saúde, fortalecer a moral, combater a indolência e os

maus hábitos, assim como na Europa. Demonstrado por Carmem Lúcia Soares em

seus estudos.

Como constatamos, nos capítulos anteriores, a educação era o grande meio

pelo qual seriam difundidos os conhecimentos necessários à consolidação do

Regime republicano.

Neste sentido, afirmava Veríssimo em relatório que “Em nossa organização

escolar, há entre outras disposições, uma reforma urgente a fazer e uma lacuna que

é utilissima preencher” (PARÁ, 1890, p. 77)

A reforma a que se refere o relatório, produzido por Veríssimo, é com relação

à disseminação das escolas começando pela capital, e em seguida no interior. “A

lacuna é a da educação Physica” (PARÁ, 1890, p. 1977)

Isto era a expressão do pensamento que correntemente se dava entre os

intelectuais representantes da elite brasileira e paraense. O reconhecimento do valor

e da utilidade que teria a educação física eram fatos consumados no final do século

XIX, e precisavam assim ser assimilados com rapidez no sistema de instrução

pública independente dos métodos.

Por isso, aquele intelectual entendia que “ a educação physica não precisa

encarecida; a nenhum espirito esclarecido acudirá idea de negar-lhe a utilidade ou

contestar seus efeittos. Postas de lado as questões secundarias de méthodos,

systemas e modos é questão vencida em pedagogia. (PARÁ, 1890, p. 77)

Assim, fica perceptível nas falas deste intelectual paraense e das autoridades

do governo a assimilação do pensamento europeu para a educação e educação

física sob os princípios já tratados, comprovando a ideia de múltiplas determinações

determinando a inclusão da educação física no ensino primário tendo em vista o

projeto modernizador que estava sendo implementado.

Em estreita relação com este fato as modificações das relações do modo de

produção que ocorreram na Europa com a consolidação do capitalismo, provocaram

mudanças profundas nas sociedades de outras partes do mundo em todos os

campos como educação, sistema político, lazer, saúde, habitação e também a

cultura corporal.

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99 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

Nesse processo os conhecimentos e suas formas de transmissão passaram a

não mais corresponder às necessidades objetivas da vida, na passagem do

feudalismo para o capitalismo. Neste momento, a educação também precisou mudar

e para isto novos conhecimentos eram necessários, privilegiando-se o útil e o

prático, exemplos disto são os conhecimentos ligados contabilidade e administração

fundamentais para o comércio e a indústria com vistas a uma burguesia capaz de

gerenciar e comandar além dos negócios a própria sociedade.

Dentro desta tendência ganham importância, no Brasil conhecimentos e

práticas ligados aos cuidados com o corpo traduzidos por uma educação física,

além de outras disciplinas como a geografia, história , biologia, física e química.

Na perspectiva de alcançar seus objetivos, de ser a parte da educação

responsável pelo desenvolvimento das forças física, a referida disciplina deveria

estar baseada em um aparato científico.

Neste sentido, a moderna instrução configurava-se dentro de parâmetros que

a apresentassem como verdade absoluta, e nesse sentido

a educação – física intelectual e moral – tem hoje por base a psicologia, não a Psicologia do nosso obsoleto e como quer que seja ridículo ensino de filosofia, mas a Psicologia Científica, cuja base é a Biologia e a

filosofia.(VERÍSSIMO, 1985, p. 84)

A educação física nessa concepção de educação também deveria ter esse

caráter científico para o fortalecimento do corpo. Isto pode ser percebido por meio da

aproximação com os conhecimentos médicos que a consideravam junto com a

higiene elementos importantes para um corpo sadio.

É relevante destacar que este caráter científico tinha suas bases no

positivismo, carregado de objetivismo, neutralidade e linearidade como fundamentos

para as formulações na educação do físico.

No sentido de uma educação integral afirma Castro que “Sua necessidade é

tão manifesta quanto a educação moral” (1891, p.130). Nesta passagem fica claro

que a educação física no estado deveria ser parte desta educação, pois a mesma é

que teria condições de formar as novas gerações para cumprir seu papel na

sociedade.

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100 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

A educação física no ensino primário público no Pará, aparece na legislação

educacional pela 1ª vez 21 em julho de 1890, de forma oficial.5 Este documento, no

seu artigo 33º, assim tratou do novo conhecimento,

emquanto as escolas não funcionarem em casas que tenham as acomodações para as sessões de educação physica, a que se refere o artigo 91.º do Regulamento, o tempo que devia ser-lhes consagrado, será empregado em lições ordinárias. (Regulamento da Instrução pública do Pará, 1890, p.11)

Este documento é o “Regulamento escolar: programas, horários e instruções

pedagógicas para as escolas públicas do estado do Pará”, ele foi a primeira

tentativa no período republicano no estado do Pará de modificação da instrução na

perspectiva de uma pedagogia moderna.

É fundamental salientar que esta primeira referência produzida pelo estado

tem uma questão no mínimo curiosa que não conseguimos resolver, que se trata do

fato deste regulamento chegar apenas ao artigo 47, não conseguimos achar o artigo

91º no documento analisado. Contudo em termos cronológicos esta é a primeira

referência as aulas de educação física, no ensino primário público paraense.

Já podemos perceber que a educação física considerada importante nos

discursos, não possuía um local definido para suas aulas, pois as escolas não

dispunham de espaços apropriados para o desenvolvimento de suas atividades, as

quais poderiam ocorrer em qualquer lugar como praças ou outros lugares não

existindo espaço próprio, o tempo destinado para essas aulas deveria ser

preenchido com outra atividade, provavelmente em sala de aula.

Levando em consideração que ainda não decorria se quer um ano da

implantação do Regime Republicano, tempo insuficiente para que se produzissem

efeitos mais significativos na estrutura educacional no estado, ao que tudo indica

precisaria que houvesse mais investimentos para mudar aquela realidade.

No artigo 34º, o Regulamento afirma que,

5 É importante lembrar que no ano de 186?, quando da publicação do regulamento para a instrução

pública, houve a proposição neste concurso para o preenchimento de vagas para o então denominado Collegio Paraense para preenchimento de vagas para professor de ginástica.

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101 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

A Direcção Geral poderá determinar que uma escola ou escolas sob a direcção dos respectivos professores, realisem esta parte do programma em locaes fóra da casa da escola, como praças ou estradas da localidade escolar e seus arrabaldes. (p.11)

Fica clara a importância que possuía esta disciplina, para o órgão que cuidava

da educação, a Diretoria da Instrução pública, no entanto, isto contrasta com as

condições estruturais que possuía a rede de escolas e também com a própria

construção de espaços que contemplassem a realização do programa instituído pela

reforma de 1890.

Assim, esta educação física trabalhada em locais não específicos para as

aulas, funcionando, muitas vezes em locais improvisados como praças, ruas,

terrenos, não tinha condições de alcançar seus objetivos e ser a disciplina que

provocaria o fortalecimento físico de seu povo, pois de maneira geral na instrução

pública estava relegada a segundo plano.

As escolas, pelas informações que coletamos, não tinham estrutura para

oferecer um ensino que atendesse aos novos princípios educativos modernos como

a educação física. Isto significa uma perda no ideal da educação integral.

Este ideal de educação ficou muito longe de ser efetivado, no relatório

produzido em 1890, José Veríssimo assim se posiciona, “Com as casas de escolas

que temos é isso impossível; a grande maioria d'ellas não tem o espaço necessário

para os exercicios que a constituem” (PARÁ, 1890, p.77)

Este fato era uma primeira contradição, pois enquanto economicamente o

estado vinha crescendo por conta do látex, os investimentos na educação não

cresciam na mesma proporção e nisto se incluem a construção de espaços

apropriados para o funcionamento das escolas e das aulas de educação física os

espaços para a educação física.

Ao que tudo indica a situação das escolas não mudou muito nos primeiros

dez anos da República, em que pese a situação econômica favorável com o

extrativismo do látex. Mais uma vez é possível afirmar que havia um discurso que

chamava atenção para importância da educação, porém isto não se efetivava

quando muito para um pequeno grupo da elite.

Confirmando esta afirmativa, José Veríssimo, na introdução do livro a

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102 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ “Educação Nacional” de 1906, afirma,

Pesa dizer que nada se fez, mas é a exata verdade. Os imensos abusos, o formal desrespeito a leis e regulamentos, as irregularidades de toda ordem continuaram aumentaram, não só por parte das administrações e dos corpos docentes dos estabelecimentos do ensino público de todas as categorias, mas do mesmo poder público que os denunciava com tão digna franqueza e parecia lastimá-los com tanta sinceridade. (p.31)

Pelo que estamos apresentando até este momento, percebemos outras duas

contradições, a primeira delas é que a pretensa educação integral acontecia de

forma fragmentada. Enquanto existiam determinadas atividades que cuidavam da

educação intelectual a educação física, no sistema de instrução, era responsável por

fortalecer o corpo, ou seja, nesta parte aconteceria a preparação de músculos ossos

e todos os componentes biológicos que serviriam de base para uma inteligência e

uma moralidade superiores.

Nesse contexto, a defesa da educação física como uma parte importante da

educação pode ser encontrada, em documentos como a “Revista de Educação e

ensino”, neste periódico publicado no início da última década do século XIX, com o

objetivo de divulgar a instrução no estado consta o seguinte, “esta hoje provado que

o caracter do indivíduo forma-se mais pela educação physica do que pela cultura

mental; sem o concurso d'aquella, esta torna-se improdutiva; […] (PIRES, 1891, p.

130).

Fica claro então que a educação física deveria, não só estar vinculada aos

outros aspectos da educação como o intelectual e o moral, mas também servir de

base para o segundo aspecto “ A educação mental esclarece o entendimento; a

physica adapta todas as funções physicas, intellectuaes e moraes de cada indivíduo

à funcção plena do papel que lhe seja destinado na colectividade” (MARQUES apud

PIRES, 1891, p. 130)

Quando se falava no fortalecimento do corpo a referência era um corpo

tratado em seus aspectos biológicos anatômicos, fisiológicos. Estas eram as bases

com a qual a ciência se debruçava para entender o corpo, respiração e circulação

sanguínea eram, por exemplo, objetos de estudos e análises para se compreender

melhor este corpo.

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103 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

De forma mais abrangente a modernidade em movimento, contra o período

anterior no qual, de certa forma, o corpo não tinha tanto valor6, entre outras

características vai colocar a necessidade de cuidar e compreender o corpo. Para

isto, era imprescindível que os conhecimentos apoiados na objetividade e

neutralidade da ciência positivista pudessem se aprofundar rumo ao conhecimento

do mundo natural e biológico.

A segunda contradição, diz respeito à divisão social do trabalho7, pois o

fortalecimento deste corpo, não era o mesmo para as diferentes classes, porque

enquanto os segmentos abastados tinham a opção de tornar esse corpo robusto, as

classes subalternas já estariam robustecidas por conta do trabalho que realizavam.

A impossibilidade de escolha criada pela divisão social do trabalho segundo

Marx (2005) se caracteriza pela não voluntariedade em assumir determinado tipo de

trabalho, nascida do dualismo entre direito particular e direito comum.

Neste sentido, o discurso presente nos documentos analisados, no que tange

a educação física inicialmente era destinado aos segmentos sociais mais abastados

e só depois ofertada a educação do povo, devendo figurar no rol das disciplinas

como obrigatória e comprovando que a relação entre a educação física e o mundo

do trabalho estava para atender aos interesses da elite.

Entendemos que o homem como um ser formado por diferentes aspectos não

pode ser entendido apenas por um. Marx ao se referir a esta concepção dual vai

além do entendimento de corpo e alma ou corpo e mente, e considera que a

separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual são geradores das formas

de exploração e manutenção das relações sociais.

A educação e a educação física, preconizadas no Pará, possuíam sentidos

diferentes, em que pese em ambos os casos estarem relacionadas ao fortalecimento

do corpo e à saúde. Desta forma eram um distintivo de classe, assim como vinha

6 Na idade média de uma forma geral predominou na Europa por influência dos dogmas da igreja

Católica um pensamento de dualidade em relação ao corpo e alma, e neste a superioridade da segunda em relação ao primeiro, isto é, o corpo deveria estar subjugado à alma para que esta pudesse cada vez mais ser virtuosa e alcançar o céu. 7 Quem melhor trata desta categoria é Karl Marx, afirmando ser a mesma um dos fundamentos da

história. Esta divisão esta assentada na separação entre o trabalho intelectual e o manual, nesta o primeiro tipo de trabalho é mais valorizado do que o segundo.

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104 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ sendo divulgada desde meados do século XIX com as transformações que foram

sofrendo as cidades.

Para confirmar isto Soares (1994, p.97) afirma que

para entender este universo urbano, sempre mais complexo e mais valorizado, é que se colocava a necessidade da escola. Impunha-se, assim às elites um determinado tipo de educação – uma educação em que disciplina, tempo e ordem eram elementos fundamentais.

Para efetivar este tipo de educação das elites eram necessários alguns

elementos que se realizariam de forma combinada, são eles a disciplina, tempo e

ordem,

nesse conjunto, disciplina-tempo e ordem, em que se fundamenta a educação das elites (educação a ser ministradas pelos colégios), é que ganha espaço a Educação Física, uma vez que o físico disciplinado era uma exigência da nova ordem em formação. Disciplinar o físico, portanto, era o mesmo que disciplinar o espírito, a moral e assim contribuir para a construção daquela nova ordem. (SOARES, 1994, p.97)

Está claro que a educação física dentro do projeto educacional paraense

possuía este diferencial. Havia, como já estamos afirmando neste III capítulo, um

tipo de educação para a elite e um outro para a maioria da população, quando isto

passou a ser uma necessidade.

Além da falta de estrutura reveladora destas contradições, a pouca

importância que foi dada pela sociedade paraense a educação de forma geral e a

educação física em particular, era algo bastante relevante, mesmo depois da

Proclamação da República. Isto quer dizer que poucos avanços aconteceram no

Brasil especialmente em termos educacionais.

Nesse mesmo entendimento, “No Brazil, num ou n‟outro Estado tem se

procurado fazer alguma cousa em relação ao importante assumpto de que vimos

ocupar-nos; Neste com pezar vos digo nada temos feito.” (PIRES, 1891, p.130)

Este pensamento, no intuito de criticar a situação deixada pelo Império,

predominante em termos de Brasil no final do século XIX, também estava presente

no discurso da intelectualidade paraense, como podemos constatar, mas que

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105 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ também não se efetivou na prática pois não havia estrutura para garantir isto.

Apesar das dificuldades de estrutura e de uma preocupação pouco efetiva

com a educação, nos primeiros dez anos da República constatamos o discurso em

favor da educação física ganhando cada vez mais espaço pelo menos nas

intenções, para a educação do povo do Pará.

Verificamos isto já na experiência desenvolvida no Colégio Americano já

indicado, mas também em outros documentos como os relatórios e regulamentos da

instrução pública, na tentativa de inserir e fazer desenvolver no Pará a educação

física.

Na lei 436 de 23 de Maio de 1896 que tratava da organização da instrução

pública também podemos ver a educação física. No artigo 3º do Capítulo II que

definia a divisão do Ensino Primário assim aparece expressa “ Além das matérias

ensinadas na escolas integraes, será ensinada conveniente Educação Physica,

compreendendo, noções de hygiene prática, exercícios, Jogos e brinquedos ao ar

livre” (PARÀ, 1896, p. 411)

No relatório da instrução pública de 1899, é outro documento em que

constatamos a divulgação da importância da educação física no projeto

modernizador da Instrução pública paraense no caso Ensino Primário constatamos

com clareza essa situação.

Neste documento, temos na parte do Regimento Interno nas escolas públicas

do Ensino Primário no Art 3º, Parágrafo 4º, um item que claramente impõe a questão

do desenvolvimento físico dentro da educação. Isto fica mais claro quando

observamos o parágrafo anterior em que trata justamente do desenvolvimento

intelectual da criança e aponta as disciplinas para cumprir esta finalidade, como

“Leitura e Escripta; Gramática nacional; Noções de Cosmographia; Desenho;

Instrução Moral e Cívica”. (PARÁ, 1899, p. 50)

Como podemos perceber desde as proposições iniciadas pelo Colégio

Americano, na década 1880, passando pelos relatórios; Geografia Geral primaria e

espacial do Brazil; História do Brazil regulamentos e reformas pela qual passou o

Ensino Primário na instrução pública da década seguinte o caráter fragmentário

permaneceu, pois discurso que trazia a indicação de uma educação integral, tomava

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106 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ a formação do homem em partes, intelectual, moral e física.

Esta educação que como constatamos no caso paraense era colocada de

forma intencional pelo discurso da intelectualidade, tentava sedimentar na sociedade

de maneira unívoca, sem as contestações ou refutações o pensamento liberal de

que as desigualdades eram baseadas nas atitudes individuais e na natureza do

homem.

Neste sentido, José Veríssimo representante da elite paraense se utilizou dos

conhecimentos produzidos principalmente na Europa, no caso da instrução pública,

“O desideratum da Escola Primária deve ser dar uma instrução integral ou completa

n'esse ramo do ensino como fim social é principalmente o educativo”. (PARÁ, 1890,

p.43)

Desta forma podemos afirmar que a educação física no projeto modernizador

educacional paraense, estava no discurso da elite paraense como promotora das

forças físicas e estas por sua vez base para os aspectos intelectuais e morais do

indivíduo, no intuito de continuar o ciclo de exploração, que no final do século XIX foi

marcado pelo extrativismo, em larga escala, do látex, isto é, em íntima relação com o

trabalho.

Isto deveria ser alcançado desde a idade mais jovem, pois como nos informa

(SPENCER apud VERÍSSIMO, 1888, p. 27) “É da maior importância que a educação

das crianças seja feita da forma que não só as habilite intellectualmente para a lucta,

mas também para poderem suportar physicamente supportar as fadigas e

trabalhos”.

Neste sentido, analisamos a complexa relação existente entre os diversos

componentes constituintes do pleno desenvolvimento do homem (intelectual, moral e

físico), e agora é necessário definirmos de forma mais categórica qual seus

elementos mais particulares.

3.3 A educação física no final do século XIX : O que era ou o que deveria Ser ?

Perguntamos assim, pois como veremos, fica-nos a ideia da educação física,

bem como da própria educação ser naquele momento muito mais um projeto a ser

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107 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ implementado, uma intenção do que realmente uma experiência que estivesse

acontecendo, com exceção do Colegio Americano.

No final do item anterior temos claramente expresso a indicação do que era,

ou pelo menos do que deveria ser a educação física, agora é necessário demonstrar

como a mesma estava organizada nas propostas oficiais para o ensino primário e

também em outros documentos.

Assim, para responder a pergunta acima tentaremos mostrar qual a

concepção de educação física aquele projeto educacional trazia, ou seja, em que

consistia esta educação física e quais os fundamentos epistêmicos estavam em sua

base?

Na década de 1880, como já vimos, encontramos no caso paraense a

importante contribuição do “Colégio Americano”, no tocante a implantação da

educação física, que segundo Veríssimo

entre as modestas mas sinceras tentativas que tem feito o Collégio Americano no sentido de introduzir no seu systema geral de ensino algumas das melhorias pedagógicas mais bem aprovados nos paizes de alta cultura, uma das que melhor tem vingado é a da educcação physica, para cuja terceira festa annual tive a honra de convidar-vos, em nome em nome dos meus alunos, que espero que o sejam com honra, os heróes d`ella. (1888, p. 26)

Existia indubitavelmente uma ênfase dada por vários estudiosos com relação

à ginástica reconhecendo seu valor como elemento patriótico, entendendo-a como

um meio para educar o físico, formando cidadãos saudáveis além de instruídos e

moralizados, e isto em acordo com os preceitos higiênicos. (VERÍSSIMO 1888)

Mas no caso do Pará, além da ginástica teremos outros elementos compondo

a educação física e tentando garantir um aspecto mais amplo do seu conteúdo,

garantindo assim o pleno desenvolvimento das qualidades físicas que o ensino

primário deveria possibilitar. Identificamos isto no ensino privado e também no

público que é nosso objeto neste estudo.

Esta educação física no “Colegio Americano” era constituída por três

elementos, a saber, a ginástica, como já afirmamos, além dos jogos e dos

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108 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ exercícios militares. Cada elemento era responsabilidade de competente professor8.

O fato de se compreender a educação física não só pela ginástica, mas que

esta é a base para outras formas de exercicio, pode ser explicado, pelas referências

adotadas pelo Collegio Americano, como por exemplo, Spencer que preferia os jogos

á ginástica e Laisné defensor da ginástica como imprescindível nesta parte da

educação, mas que também considerava os jogos como possibilidade de brincar e

isto como necessidade das crianças.

Segundo Veríssimo (1888) existia uma compreensão errônea da ginástica

tanto pelas mães que ficavam apreensivas de forma exagerada, como por

estudiosos como Spencer que entendiam existirem limites para compreender esta

forma de exercitação corporal.

Neste sentido, no Colégio Americano no item que trata do programa e

estatutos a educação física,

é dada em aulas regulares de gimnastica dirigida por um professor habilitado,e por exercicios militares, dirigidos por um distincto official do nosso exercito. Jogos diversos como o croquet, o cricket, O lawn-tennis, a bola e etc. Auxiliarão esta parte da educação, assim como os longos passeios matinaes que desde o primeiro anno o Director tem feito com os alunos internos aos quaes se podem juntar os externos querendo ( VERÍSSIMO, 1888, p. 53)

Nesse estabelecimento de ensino o objetivo era tornar o homem forte,

saudável, discplinado e moralisado. Exemplo disso é o seguinte,

Os exercicios do corpo, [...] diminuem os defeitos organicos, acceleram os movimentos do coração e regularisam a circulação, amplificam os movimentos respiratórios e aperfeioam as funções pulmonanares, favorecendo assim no mais alto grao o conflicto do oxigenio e dos globulos do sangue, conflito do qual resultam a nutrição e a vida, e allem disso a gimnastica corrige a coluna vertebral, da flexibilidade às articulações, assegura o equilibrio da machina humana, e ate certo ponto actua sobre a moral e a vida effectiva. (MONIN Apud VERÍSSIMO,, 1888, p. 29)

As aulas desenvolvidas com estes conteúdos e objetivos, eram realizadas

geralmente uma vez por semana e obedeciam as metodologias próprias de cada

8 No caso da educação física os professores eram de ginástica Fortunato Ory e de exercícios

militares o Major Sotero de Menezes.

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109 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ um dos conteúdos pelos benefícios que poderiam dar aos alunos.

A ginástica, que como já dissemos tinha um lugar privilegiado dentro da

educação física, foi encontrada nos documentos pesquisados em sua forma

calistênica9 e também com referência ao método sueco.

Fazendo alusão a obrigatoriedade da educação física em vários países

europeus como Alemanha, França, Austria, Bélgica, Suiça, faz destaque a “Suecia,

que criou um dos melhormente conceituado methodos de gymnastica” (VERÍSSIMO,

1888, p.28)

A outra referência a esta forma de exercitação é aquela que segundo as

informações do próprio Colegio Americano, onde “As aulas de gimnástica regulares,

exercicios de gimnastica hygienica, sem apparelhos, eram ministradas por professor

neste estabelecimento de ensino”. (VERÍSSIMO, 1888, p. 30)

Ainda que não tenhamos encontrado detalhamento de qual método ginástico

predominou nas aulas de educação física no ensino primário paraense nos primeiros

dez anos da República, tudo leva a crer que a ginástica calistênica tenha sido o

modelo a ser ensinado uma vez que não necessitava de aparelhos ou de espaços

específicos para que fossem realizadas suas aulas.

Outro elemento que nos leva a levantar esta hipótese, é a recomendação que

Veríssimo (1985, p. 88) fez no início da década de 1890,

Introduzamos nas escolas, nos colégios e outros estabelecimentos de instrução primária e secundária, a ginástica, principalmente aquela que dispensa aparelhos, os exercícios calistênicos, as corridas, as marchas, os saltos e os jogos estrangeiros […].

Além da ginástica, constituíam a educação física de exercícios militares

consistindo em atividades que variavam de movimentos simples com a cabeça até a

prática de manejo com armas de fogo, próprios das forças militares. Sempre sob a

voz de comando de um instrutor que indica os movimentos a serem realizados e

9 Essa forma, diferente das militares, consistia em exercícios que se propunham a desenvolver o

corpo da forma harmoniosa, e com sua divisão em oito grupos de exercícios localizados sem aparelhos ritmados e com música com finalidades pedagógicas, fisiológicas e corretivas, para se alcançar um corpo belo e forte. Os exercícios para desenvolver braços e pernas, tronco, o equilíbrio, se completavam com saltos e corridas.

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110 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ observa se o alinhamento de fileiras e os espaços entre as mesmas ficou dentro do

permitido e as distâncias entre os alunos foi a que milimetricamente estava no

manual. Regulamento Militar (1894).

Estas informações são muito importantes para este estudo, porque ao que

tudo indica este pensamento influenciou a educação física no ensino público na

educação física paraense pelo menos nos documentos analisados, tanto com

relação aos propósitos definidos, como pela metodologia empregada. Além disso,

também indica que a educação física além da ginástica, deveria possuir outros

elementos que a constituiriam.

A constituição da educação física com os conteúdos acima descritos nos

documentos nos possibilita deduzir qual a concepção desta disciplina no

entendimento da intelectualidade paraense do final do século XIX.

Esta concepção era de que a educação física baseada em fundamentos

biológicos estaria voltada para o fortalecimento fisicamente dos homens e poderia

ser repassada hereditariamente para as gerações seguintes, servindo de base para

a moralidade e a intelectualidade, isto, baseado nos pressupostos científicos que

lhe garantiam legitimidade. Nesse sentido, possuía categoricamente metas e meios

bem claros, quais sejam, de preparação para suportar o trabalho ou para servir á

pátria.

Apesar da “nobreza” das intenções da elite, como comprovam o seu

discurso, “A causa é nacional; o objectivo humanitario à salvação da futura

geração”. (PIRES, 1891, p. 130), na prática obedecia aos preceitos do projeto

societário elitista brasileiro e paraense, pois tinha como função regenerar as forças

físicas preparando o indivíduo para suportar as consequencias do trabalho.

Assim percebemos que a inserção da educação física no ensino primário

paraense estava em acordo com o desenvolvimento do capitalismo internacional por

meio da educação integral, responsável por desenvolver o homem intelectual, moral

e fisicamente.

Neste sentido, nos informa o mesmo Veríssimo (1985, p.83) que

como a educação espiritual (intelectual e moral) tem por fim preparar um espírito culto, e bom assim a educação física compete formar um corpo

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111 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

robusto, forte e são, completando ambas o fim superior da educação, que é formar o homem bom instruído e forte.

Desta forma a “A educação Physica é, em resumo, o aperfeiçoamento do

corpo, por meio de exercícios methódicos. Ella fortifica a saúde, dá destresa e airoso

porte, predispõe o espirito para o trabalho.” (PIRES, 1891, p. 130)

Por essas afirmações podemos inferir que a educação física estava afinada

com o discurso surgido na Europa nos séculos XVIII e XIX, qual seja, de

fortalecimento do corpo, por meio da exercitação da ginástica, dos jogos, exercícios

militares e outras formas que de alguma maneira realizasse a movimentação do

corpo de forma sistemática, promovendo força e saúde, o que de maneira velada

correspondia a determinados interesses de classe.

Em que pese no Pará o discurso em favor da educação física ser assumido a

partir da referência europeia, seguindo os princípios acima, isto é, de robustecer o

homem, torná-lo apto para o trabalho, melhorando a raça tão degenerada pelas

influências desta terra e de sua gente, deveriam existir algumas adaptações, pois o

diretor do colégio americano, acreditava que em virtude de características diferentes

dos países desse continente, no Brasil era necessário fazer algumas alterações no

formato de como deveriam ministradas as aulas de educação física.

Segundo ele,

[...] Visto nosso clima, o cansaço nos chegará a nós primeiro e com menor soma de força despendida que em clima mais fresco ou mais frio, mas, como a maior ou menor intensidade da fadiga depende também do treino e do hábito do exercício, essa perturbação na função dos órgãos respiratórios pode ser pouco e pouco recuada (VERÍSSIMO, 1985, p. 90)

Ele aponta a forma como deveria ser ministrada a educação física,

considerando o clima que segundo ele era demasiado quente, e portanto, deveria

existir uma adaptação.

É válido ressaltar que a obra “A educação nacional” é publicada pela primeira

vez em 1890, e os textos contidas em Notícia Geral sobre o colégio americano em

1888, então a necessidade de adaptação dos exercícios físicos pode ter sido

constatada pela experiência que ele desenvolveu naquele colégio.

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112 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

Ou dito de outra maneira, “sendo a Educação Física uma prática pedagógica,

podemos afirmar que ela surge, em nosso entender, de necessidades sociais

concretas,” […] (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 50)

As necessidades que deviam ser contempladas eram as da classe burguesa

em plena consolidação na Europa, ou seja, aquelas que contemplassem o projeto

societário dessa classe. Já no Brasil, e mais especificamente no Pará, mesmo não

havendo uma burguesia com as mesmas características europeias, também se

desenvolveu uma elite defensora do ideário liberal burguês.

Neste sentido, a defesa da educação física, não será tal qual era

desenvolvida na Europa, mas sim com adaptações para que se adequasse às

características locais e pudesse alcançar seu objetivo.

Outro elemento inferido a partir do debate que estamos realizando neste

trabalho, é o fato de que seria ela (a educação física) elemento de regeneração das

forças do povo que segundo estudiosos era preguiçoso, indolente, doente e

ignorante, representando um obstáculo à construção da nova sociedade.

Confirmamos essa afirmação também com o Coletivo de Autores afirmando

que “Para essa nova sociedade, tornava-se necessário 'construir' um novo homem:

Mais forte, mais ágil, mais empreendedor”. (2009, p. 51)

Neste sentido, concordamos com a tese de que a base epistemológica na

qual estava assentada a educação física como disciplina na escola estava vinculada

à realidade concreta, isto é, ao processo “ontológico-histórico”, entendido neste

estudo a partir da compreensão apresentada por Saviani no início deste terceiro

capítulo ao tratar da relação entre trabalho e educação, “É, portanto, na existência

efetiva dos homens, nas contradições de seu movimento real, e não numa essência

externa a essa existência, que se descobre o que o homem é” […] (SAVIANI, 20O7,

p. 154)

As bases epistêmicas que compunham as proposições da educação física no

ensino primário paraense representadas pelas ciência positivista de forma geral

como vimos no I capítulo, baseadas no caráter utilitário e prático, determinaram

também no caso do Pará as formulações que orientavam as ações que deveriam ser

implementadas para consumar os objetivos da disciplina educação física.

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113 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

Encontramos essa referência quando a educação físca é tomada como a

disciplina que melhora as funções cárdio-vasculares, correção da coluna e outros

benefício anátomo- fisiológicos, como afirma Veríssimo

a educação física, pois, deve tomar o homem criança ainda, no berço, e, através da primeira e da segunda infância, da adolescência e da mocidade levá-lo à virilidade que lhe cabe fazer rija e valente ( 1985, p. 83)

Temos neste discurso os fundamentos da biologia e da psicologia como

basilares para formar os novos homens dentro dos requisitos exigidos pela nova

sociedade em formação. Tomando esses e outros conhecimentos em sua

concepção científica foram na época justificativa das mudanças propostas para

instrução pública no Pará.

Isto se confirma também pela forma como a ginástica era encarada, isto é, de

forma sistematizada e metodicamente aplicada. Isto significa que existiam preceitos

científicos defendidos em estudos que estavam dando suporte para estas práticas

na escola.

Concordamos com Soares (2005) ao afirmar que,

[…]estes estudos, carregados de descrições detalhadas de exercícios físicos que podem moldar e adestrar o corpo. Imprimindo-lhe este porte reivindicam com insistência os seus vínculos com a ciência e se julgam capazes de instaurar uma ordem coletiva. ( p.18)

Um exemplo disso é o estudo citado por José Veríssimo, realizado na França,

e – este facto em por si mesmo uma elouquencia que mais longas digressões – em 1880, os dos Chasagne e Dally tendo feito mais de 16.330 observações, pesadas, medidas e experiências dynamométricas, na escola especial miliar de Joinville Le-pont, verificaram que a gymnastuca actua favoravelmente sobre o desenvolvimento do peito, dos músculos e da força do homem. (VERÍSSIMO, 1888, p. 30)

Assim comprovamos que a educação física possuía um aparato teórico

fundamentado em torno da ciência positivista, com seu método empírico-analítico

predominando o aspecto quantitativo, como vimos acima. De forma mais geral não

podemos esquecer que o positivismo trazia como princípios básicos a ordem como

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114 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ meio de se chegar ao progresso.

Como já mostramos a intelectualidade paraense usou como referência, para

modificar o sistema de instrução, as formulações de estudiosos europeus e também

experiências realizadas nesses países para servir como base na construção das

proposições para a educação física.

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114 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

Considerações finais

A ideia de formular estas considerações finais passa pela necessidade de

recolocar de forma mais pontual os principais resultados aos quais alcançamos

tendo em vista o objetivo desta pesquisa que foi analisar a inserção da educação

física como disciplina escolar no ensino primário no estado do Pará, na primeira

década do regime republicano, enfocando os métodos que orientaram a sua prática

e as mudanças econômicas, políticas e educacionais ocorridas naquele contexto

histórico, .e a pergunta científica elaborada para este estudo, como e por que a

educação física foi introduzida no ensino primário público na 1a Década da Primeira

República no estado do Pará?

Tendo como referência a concepção de história a partir da tradição iniciada

por Marx e resumida por Neto (2007) na qual entende que a reprodução social

acontece a partir das relações de produção material, que se realizam na realidade

objetiva, de forma contraditória, por diferentes sujeitos agindo com interesses sócias

diversos, buscamos por meio de fontes históricas compreender o objeto de estudo

em sua totalidade.

Isto implicou em reconhecermos o fato de que não bastava apenas descrever

os fatos tal qual aconteceram, mas também tentar identificar porquê aconteceram

daquela forma e não de outra. Para isso, assumimos a referência da forma como

Marx realizou a produção do conhecimento.

Em um momento de seus estudos, que também nos serviu como ponto de

referência, ao analisar a economia politica no Pará no final do século XIX, este autor

afirma que

o resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de guia para meus estudos, pode ser formulado, resumidamente, assim: na produção social da própria existência, os homens entram em relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma seperestrutura jurídica e política e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material

condiciona o processo de vida, política e intelectual. (MARX, 2008, p. 47)

Neste sentido, a análise realizada nos possibilitou apreender as múltiplas

determinações do fenômeno investigado, a inserção da educação no ensino primário

paraense no início da Primeira república, considerando-os para além do simples

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115 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

aparente, e buscando captar sua essência, isto é, a estrutura e o movimento interno

dos elementos que o compõe.

Buscando responder a pergunta científica deste estudo, e chegar ao objetivo

formulado, analisamos o discurso em defesa da educação física e identificamos três

pontos principais tratados. O primeiro deles é a relação entre trabalho educação e

educação física, na qual podemos encontrar claramente o papel exercido pela

educação física por intermédio da educação no ideário proposto pela elite no

discurso dos intelectuais paraenses.

Esta função desempenhada pela educação física estava relacionada ao

fortalecimento físico como elemento básico para uma nação alcançar um nível de

desenvolvimento e civilização como os países europeus, pois foi o desenvolvimento

físico que proporcionou aqueles países o desenvolvimento econômico por eles

alcançado.

A educação física cumpriria então o papel de educação para o trabalho como

agente de geração de força física como acreditavam em nível nacional Rui Barbosa

e local José Veríssimo.

Isto teve uma característica importante, o distintivo de classe, pois ao ser

indicada para um determinado segmento social por representantes da elite como

José Veríssimo, revela uma contradição, que era o fato de como seria possível

elevar o nível de desenvolvimento físico se apenas alguns segmentos deveriam ser

alcançados com os benefícios dos cuidados com físico.

Um segundo ponto importante a ser destacado é a questão do projeto

modernizador educacional no estado do Pará. Neste contexto houve proposições

que compreendiam um desenvolvimento integral do homem abrangendo o intelecto,

a moral e o físico. Isto só seria possível com mudanças profundas no sistema de

instrução pública primária.

Nesse sentido, foram formuladas reformas por intermédio de regulamentos

que propunham as modificações na instrução primária paraense, as quais buscavam

o desenvolvimento intelectual, moral e físico. Este último base para os dois

primeiros.

Nos documentos analisados, os Regulamentos e Relatórios da Instrução do

Estado do Pará, encontramos elementos que comprovam a existência em nível local

do pensamento que concebia um corpo forte e saudável como base para um

intelecto e morais superiores. Esta ideia nascida da tentativa de manutenção

burguesa no poder possuía problemas com relação ao seu discurso e a efetivação

dele.

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116 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________

Sobre isso, podemos afirmar que o discurso de um desenvolvimento integral

ficava comprometido porque enquanto a educação física era responsável pelo

desenvolvimento do corpo num sentido estritamente biológico desenvolvendo

músculos e órgãos existiam outras disciplinas destinadas a se ocupar do

desenvolvimento do intelecto.

Isto demonstra que a educação física era parte importante de um projeto cuja

característica principal era desenvolver as capacidades físicas dos homens para

que estes pudessem suportar a ordem capitalista imprimindo-lhe a necessidade de

um corpo forte e saudável.

Outra questão relevante no que tange a educação física no projeto

modernizador no Estado do Pará, era o fato de que não existia, por exemplo, em

várias escolas espaços e materiais adequados para tratar do conteúdo que era

ministrado, uma vez que, ou funcionava em espaços improvisados ou simplesmente

seu tempo era ocupado com outra atividade.

Esta contradição fica mais evidente quando lembramos que nos primeiros dez

anos a produção extrativista do látex estava em franca ascensão, gerando

dividendos para o estado. Isto significa que nos primeiros dez anos da República o

Estado possuía uma situação econômica favorável, mas os investimentos na

educação foram pequenos no sentido da modificação, pretendida no discurso da

elite local.

Por fim, o último ponto a ser destacado como resultado é aquele relacionado

à concepção de educação física presente no discurso dos defensores da educação

física. Não há dúvidas de que ela estava sob os princípios do positivismo,

considerando predominantemente os aspectos biológicos do homem implicando no

conteúdo e na forma como a disciplina era ministrada.

Seus conteúdos não deixam dúvida de que o objetivo era de formar homens

fortes, saudáveis e disciplinados. A ginástica, os exercícios militares e os jogos,

formaram os conhecimentos do que se imaginava como necessário para a educação

física no ensino primário, e os métodos diziam respeito a ginástica que possuía todo

um conjunto de movimentos previamente definidos com sequências estabelecidas a

depender do método que pelas falas precisa ser aquele adequado as condições do

ensino público, qual seja a ginástica calistênica.

Para finalizar este trabalho consideramos relevante apontar a principal

contradição presente nas ideias e práticas defendidas para a educação física no final

do século XIX.

As falas a favor da implantação da educação física no ensino primário

paraense público, assim como em nível nacional, remetiam ao melhoramento das

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condições de vida de todos, por meio do fortalecimento do físico e da promoção da

saúde. Entretanto, este mesmo discurso disfarçava que as condições de vida na

quais estavam imersas as pessoas, especialmente os segmentos sociais menos

favorecidos economicamente, eram fruto das relações de produção assumidas pelos

segmentos dirigentes do Brasil.

As condições de vida para aqueles desfavorecidos economicamente,

especialmente nas cidades não eram tão boas quanto para os segmentos mais

abastados economicamente, mesmo assim queria-se melhorar o quadro geral de

saúde da população sem dar-lhes outros elementos decisivos à saúde como

habitação digna e alimentação.

Como promover saúde sem cuidar de aspectos como estes? De que forma

pensar na mudança dos padrões físicos da população ignorando o fato de a maior

parte da população de cidades como Belém não possuía água tratada e rede

esgotos? Portanto, as falas no sentido de exaltação da educação física como

elemento capaz de regenerar as novas gerações, especialmente no aspecto físico,

na sua aparência eram importantes, porém em sua essência escamoteavam os

fatores, que provocavam aquela situação.

Entendemos que este estudo pode contribuir com a história da educação e da

educação física, tanto como fonte, pois conseguiu analisar importantes documentos

que tratam da inclusão da educação física no ensino primário paraense, como

também na forma que estruturamos para analisar o objeto da pesquisa, tendo como

referência a concepção de história defendida por Marx, uma vez que a educação

física surgiu e se desenvolveu sob a égide da sociedade capitalista

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