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Número do processo: 1.0079.04.123411-7/001(1) Relator: DÁRCIO LOPARDI MENDES Relator do Acordão: DÁRCIO LOPARDI MENDES Data do Julgamento: 24/04/2008 Data da Publicação: 08/05/2008 Inteiro Teor: EMENTA: Alimentos - Legitimidade do Ministério Público para recorrer - Art. 129, IX da CR/88, combinado com o art. 227 do mesmo diploma legal - Binômio Necessidade/Possibilidade - Condição Financeira do Alimentante - Dever de prestar alimentos. - Verificada a existência de risco pessoal, ou prejuízo para o menor, ao Ministério Público compete apelar da decisão que fixou alimentos de forma inadequada. - Nos termos do §1º do art. 1.694 do Código Civil, os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. - Devem ser fixados alimentos para crianças na idade escolar, independente de prova da necessidade, em virtude da presunção de gastos essenciais. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0079.04.123411-7/001 - COMARCA DE CONTAGEM - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): W.J.G.S. REPRESENTADO(A)(S) P/ MÃE Q.M.G.M. W.P.S. - RELATOR: EXMO. SR. DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES ACÓRDÃO (SEGREDO DE JUSTIÇA) Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL. Belo Horizonte, 24 de abril de 2008. DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS O SR. DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES: VOTO Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido aventado em sede de ação de alimentos, ajuizada por W. J. G. S., menor representado pela mãe, Q. M. G. M., em desfavor de W. P. da S. Insta salientar que o juiz primevo determinou a fixação de alimentos provisórios, no valor de 40% do salário mínimo, conforme despacho inicial de fls. 09, Após a apresentação de contestação, realização de AIJ e parecer ministerial, sobreveio sentença em que o Magistrado a quo condenou o Requerido, beneficiário de pensão previdenciária por invalidez, ao pagamento de pensão alimentícia no valor de 20% de seus proventos líquidos, desde a data da citação. Condenou, ainda, ao pagamento de honorários fixados em 15% sobre o valor equivalente a 12 prestações alimentícias. O MP, por sua vez, apela da decisão aduzindo que a sentença é ilíquida, pois fixa alimentos em 20%

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Page 1: Número do processo: 1.0079.04.123411-7/001(1) Relator ... · PDF fileBem verdade que a contestação acostada às fls. 21/27, aparentemente, desmente aquela informação, ... no pólo

Número do processo: 1.0079.04.123411-7/001(1) Relator: DÁRCIO LOPARDI MENDES Relator do Acordão: DÁRCIO LOPARDI MENDES Data do Julgamento: 24/04/2008 Data da Publicação: 08/05/2008 Inteiro Teor: EMENTA: Alimentos - Legitimidade do Ministério Público para recorrer - Art. 129, IX da CR/88, combinado com o art. 227 do mesmo diploma legal - Binômio Necessidade/Possibilidade - Condição Financeira do Alimentante - Dever de prestar alimentos. - Verificada a existência de risco pessoal, ou prejuízo para o menor, ao Ministério Público compete apelar da decisão que fixou alimentos de forma inadequada. - Nos termos do §1º do art. 1.694 do Código Civil, os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. - Devem ser fixados alimentos para crianças na idade escolar, independente de prova da necessidade, em virtude da presunção de gastos essenciais.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0079.04.123411-7/001 - COMARCA DE CONTAGEM - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): W.J.G.S. REPRESENTADO(A)(S) P/ MÃE Q.M.G.M. W.P.S. - RELATOR: EXMO. SR. DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES

ACÓRDÃO

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL.

Belo Horizonte, 24 de abril de 2008.

DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES:

VOTO

Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido aventado em sede de ação de alimentos, ajuizada por W. J. G. S., menor representado pela mãe, Q. M. G. M., em desfavor de W. P. da S.

Insta salientar que o juiz primevo determinou a fixação de alimentos provisórios, no valor de 40% do salário mínimo, conforme despacho inicial de fls. 09,

Após a apresentação de contestação, realização de AIJ e parecer ministerial, sobreveio sentença em que o Magistrado a quo condenou o Requerido, beneficiário de pensão previdenciária por invalidez, ao pagamento de pensão alimentícia no valor de 20% de seus proventos líquidos, desde a data da citação. Condenou, ainda, ao pagamento de honorários fixados em 15% sobre o valor equivalente a 12 prestações alimentícias.

O MP, por sua vez, apela da decisão aduzindo que a sentença é ilíquida, pois fixa alimentos em 20%

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dos proventos líquidos do Requerido, sendo que, segundo documento de fls. 35, o Suplicado já não recebe o auxílio doença desde 30/09/2004, não possuindo renda fixa.

Bem verdade que a contestação acostada às fls. 21/27, aparentemente, desmente aquela informação, fazendo crer que o auxílio doença ainda estaria em vigor, todavia, de qualquer maneira, os alimentos foram fixados tendo como referência um benefício previdenciário temporário, findo aquele, a pensão alimentícia tornar-se-á ilíquida.

Assim, pugna pela reforma da sentença, para que os alimentos sejam fixados em 80% do salário mínimo, tudo na forma dos argumentos expendidos nas razões de fls. 63/70.

Não foram apresentadas contra-razões. O Requerido apenas se manifestou pugnando pela intimação do INSS para que proceda ao desconto da pensão alimentícia devida no importe de 20%, conforme decidido em sentença, pois esta sendo descontado, de seus proventos, o percentual de 30%.

A D. Procuradoria de Justiça ofertou parecer de fls.82/86, opinando pelo improvimento do recurso.

Conheço do apelo, porquanto presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Insta notar que a regra que envolve a legitimidade da parte à titularidade do direito em litígio comporta exceções na parte final do art. 6º do CPC. Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior in Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 41ª edição, Ed. Forense, p. 57:

"De par com a legitimação ordinária, ou seja, a que decorre da posição ocupada pela parte como sujeito da lide, prevê o direito processual, em casos excepcionais, a legitimação extraordinária, que consiste em permitir-se, em determinadas circunstâncias, que a parte demande em nome próprio, mas na defesa de interesse alheio. Ressalte-se, porém a excepcionalidade desses casos que, doutrinariamente, se denominam 'substituição processual', e que podem ocorrer, por exemplo, com o marido na defesa aos bens dotais da mulher, com o Ministério Público na ação de acidente do trabalho, ou na ação civil de indenização do dano ex delicto, quando a vítima é pobre etc".

Assim, não será titular da ação apenas o titular do direito a ser tutelado, porque há casos em que inclusive o Ministério Público pode compor o pólo ativo da lide, na qualidade de substituto processual, fazendo com que a ação continue subjetivamente pertinente.

Ao definir o Ministério Público, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, o art. 127 da CR/88 atribui a ele "a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". Também elenca dentre suas funções institucionais, no art. 129, IX da CR/88, o exercício de outras funções compatíveis com a sua finalidade, sendo vedada a representação judicial e a consultoria jurídica a entidades públicas. Nesse caso, não há impedimento constitucional de qualquer natureza para que o Ministério Público atue excepcionalmente como substituto processual, no pólo ativo da ação de alimentos.

Além disso, certamente a infância merece atenção especial e tutela diferenciada dos seus interesses. Por isso, o legislador constitucional originário estabeleceu expressamente, na CR/88:

"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". (grifo nosso)

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Na esteira do artigo 127 da Constituição da República de 1988, restou consagrada a atuação do Ministério Público na proteção dos interesses individuais indisponíveis, conferindo-lhes, em razão de sua indisponibilidade, aspecto social e coletivo. Nessa seara, o Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe expressamente o seguinte:

"Art. 201. Compete ao Ministério Público:

(...)

III - promover a acompanhar as ações de alimentos e as ações de suspensão e destituição do pátrio poder, nomeação e remoção de tutores, curadores e guardiões, bem como oficiar em todos os demais procedimentos de competência da Justiça da Infância e da Juventude.

(...)

VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias asseguradas às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extra judiciais cabíveis".

Nesse sentido, leciona Tarcísio José Martins da Costa in Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Ed. Del Rey, p. 383-384:

"Confere legitimidade ao órgão ministerial para propor e acompanhar as ações de alimentos e outras. Tais atribuições são perfeitamente compatíveis com a finalidade institucional do Ministério Público, harmonizando-se com o permissivo contido no artigo 129, IX da Constituição Federal.

(...)

A presença sempre atuante do Ministério Público, quer como sujeito passivo da relação processual ou como custos legis, representa um poderoso instrumento na defesa dos melhores interesses de crianças e adolescentes, merecedores de uma especial atenção e proteção, notadamente quando em situação de risco pessoal e social".

Verificada a existência de risco pessoal, ou prejuízo para o menor, ao Ministério Público compete apelar da decisão que fixou alimentos de forma inadequada.

Compulsando os autos, vê-se que há uma contradição no que diz respeito ao benefício percebido pelo Requerido. O Instituto Nacional do Seguro Social, a pedido do Juízo, mandou um ofício de fls. 35, informando que o Requerido, Sr. W. P. da S., já não recebe o benefício referente ao auxílio doença desde 30/09/2004. Todavia, tanto na contestação de fls. 21/25, quanto em manifestação de fls. 72, o Suplicado dá a entender que recebe sim benefício previdenciário, sem, no entanto, sequer informar o valor do referido benefício, ou juntar qualquer recibo ou documento que comprove tal afirmação.

Diante desse impasse, e da paupérrima instrução probatória dos autos, afigura-se mais sensato fixar-se os alimentos em percentual do salário mínimo, mormente pelo caráter transitório do auxílio doença.

Sobre o quantum alimentício, cumpre frisar que, não há qualquer critério absoluto para definir a fixação dos alimentos a serem prestados, mas não se olvidas de que deve o magistrado ater-se à necessidade daquele que os recebe e à possibilidade daquele que arcará com seus ônus.

Nesse sentido, Arnaldo Rizzardo leciona que são "três os pressupostos que emergem das regras

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acima [artigos 1.694 e 1.695 do CC] para incidir a obrigação alimentar: o parentesco ou vínculo marital ou da união estável; a necessidade e a incapacidade de se sustentar por si próprio; e a possibilidade de fornecer alimentos de parte do obrigado." ("Direito de Família, Forense, 3ª ed., p. 738)

Pois bem, conforme certidão de nascimento constante à f. 04, o Autor conta atualmente com 07 anos de idade, sendo, pois, a necessidade presumida, ainda se levarmos em conta que já se encontra na idade escolar, tendo gastos com material, uniforme, bem como lazer, alimentos, entre outros.

Ademais, é inquestionável a necessidade alimentar do alimentado, haja vista sua idade e incapacidade de promover a própria subsistência.

Por outro lado, persiste a obrigação alimentar do Requerido, inerente ao pátrio poder e ao dever de sustentar a prole, fundada nos art. 1.568 e 1.696 do Código Civil.

Nos termos do art. 1.694, §1º, do Código Civil, para a fixação a verba alimentar, deve ser obedecido o binômio necessidade-possibilidade, apurando-se as necessidades daquele que recebe e a efetiva condição financeira do obrigado.

Nessa seara, pertinente citar comentário de Fabrício Zamprogna Matiello, ao sobredito dispositivo legal, in Código Civil Comentado, 2ª edição, segundo o qual:

5. §1º - Conforme mencionado acima, o momento da fixação dos alimentos é marcado por detida análise do binômio necessidade/possibilidade. O alimentado não receberá mais do que precisa, nem o parente ou cônjuge será obrigado a pagar além do que suas condições econômicas permitem. Chegar ao equilíbrio entre essas forças contrárias significa fazer justiça, adequando a prestação alimentar ao quadro real vivenciado pelos envolvidos.

E prossegue:

6. As necessidades do reclamante serão apuradas a partir de investigação quanto à extensão de suas despesas ordinárias, abarcando no vocábulo todos os valores normalmente gastos na própria mantença e imprescindíveis à conservação de uma condição digna. Por outro lado, as possibilidades serão verificadas com base no valor auferido mensalmente pelo obrigado, fonte primacial dos recursos a serem endereçados ao reclamante.

Sendo a necessidade do Autor presumida, cumpre, ao Alimentante, o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do Autor, conforme a regra expressa do artigo 333 do Código de Processo Civil. Ou seja, cumpre ao Alimentante fornecer informações acerca de sua capacidade econômica, para que seja fixado um valor de alimentos justo, e coerente com os ditames legais.

Contudo o Requerido não se desincumbiu a contento de demonstrar sua capacidade econômica, nem o juiz a quo diligenciou no sentido de melhor instruir a ação em exame, utilizando-se do art. 130 do CPC, que possibilita ao julgador, determinar, de ofício, as provas necessárias à instrução do processo.

Com efeito, à míngua de maiores informações acerca da capacidade financeira do Alimentante, tenho por bem majorar os alimentos para o percentual de 40% do salário mínimo.

O pagamento será feito em desconto em folha, e, na hipótese de cancelamento do benefício, deve o Alimentante trabalhar para prover o próprio sustento, e cumprir com sua obrigação alimentícia,

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contribuindo para a mantença do filho, com o valor ora fixado.

Por fim, é de se ressaltar que a sentença que fixa os alimentos não faz coisa julgada material e pode vir a ser modificada caso venham a se alterar as condições financeiras das partes.

Pelo exposto, e por tudo mais que dos autos consta, dou parcial provimento ao apelo, para majorar os alimentos para 40% do salário mínimo.

Custas ex lege.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ALMEIDA MELO e CÉLIO CÉSAR PADUANI.

SÚMULA : DERAM PROVIMENTO PARCIAL.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0079.04.123411-7/001