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NOTA DOS AUTORES À 2ª EDIÇÃO 23 NOTA DOS AUTORES À 2ª EDIÇÃO A nova edição de um livro é sempre motivo de grande alegria para os autores. No caso deste trabalho, nossa alegria é potencializada pela edi- ção de duas tiragens em dez meses, sendo que a primeira esgotou-se em apenas um mês após sua publicação. Como não seria adequada uma nova edição, em tão pouco tempo do lançamento inaugural, optou-se por uma segunda tiragem, a qual também se esgotou em poucos meses. Finalmente, após a edição de importantes leis com repercussão na atividade policial; a realização de diversos concursos ao cargo de Delegado de Polícia; e pela necessidade de ampliação do conteúdo da obra, enten- demos ser o momento adequado para uma nova edição. Os autores introduziram alterações ao longo do texto, umas maiores, outras menores, mas igualmente significativas, para adequação do livro aos seguintes atos normativos: Lei nº 12.830/2013 (investigação conduzida pelo Delegado de Polícia), Lei nº 12.850/2013 (nova Lei das Organizações Criminosas), Lei nº 12.852/2013 (Estatuto da Juventude), Lei nº 12.878/2013 (Nova prisão cautelar para fins de extradição) e Lei nº 12.894/2013 (novas atribuições investigatórias da Polícia Federal). Houve, ainda, a inserção das súmulas aprovadas no I Seminário Integrado da Polícia Judiciária da União e do Estado de São Paulo: Repercussões da Lei 12.830/13 na Investigação Criminal, realizado na Academia de Polícia Coriolano Nogueira Cobra, em 26 de setembro de 2013, com a participação de Delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo e da Polícia Federal. Manteve-se o propósito de conciliar um texto operacionalmente útil ao desenvolvimento das nobres funções do Delegado de Polícia com uma abordagem crítica dos institutos desta parte do Processo Penal que tantos preconceitos sofre da maioria dos doutrinadores pátrios. A presente edição vem abrilhantada com o prefácio da lavra do amigo e professor Ricardo Jacobsen Gloeckner, a quem agradecemos a disponi- bilidade para ler nosso livro e para confeccionar o prefácio. Agradecemos ainda aos muitos leitores que enviaram e-mails ou mensagens através das redes sociais, elogiando o livro e fazendo críticas e sugestões.

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NOTA DOS AUTORES À 2ª EDIÇÃO

A nova edição de um livro é sempre motivo de grande alegria para os autores. No caso deste trabalho, nossa alegria é potencializada pela edi-ção de duas tiragens em dez meses, sendo que a primeira esgotou-se em apenas um mês após sua publicação. Como não seria adequada uma nova edição, em tão pouco tempo do lançamento inaugural, optou-se por uma segunda tiragem, a qual também se esgotou em poucos meses.

Finalmente, após a edição de importantes leis com repercussão na atividade policial; a realização de diversos concursos ao cargo de Delegado de Polícia; e pela necessidade de ampliação do conteúdo da obra, enten-demos ser o momento adequado para uma nova edição.

Osautoresintroduziramalteraçõesaolongodotexto,umasmaiores,outrasmenores,masigualmentesignificativas,paraadequaçãodolivroaosseguintes atos normativos: Lei nº 12.830/2013 (investigação conduzida pelo Delegado de Polícia), Lei nº 12.850/2013 (nova Lei das Organizações Criminosas), Lei nº 12.852/2013 (Estatuto da Juventude), Lei nº 12.878/2013 (Novaprisãocautelarparafinsdeextradição)eLeinº12.894/2013(novasatribuições investigatórias da Polícia Federal). Houve, ainda, a inserção das súmulas aprovadas no I Seminário Integrado da Polícia Judiciária da União e do Estado de São Paulo: Repercussões da Lei 12.830/13 na Investigação Criminal, realizado na Academia de Polícia Coriolano Nogueira Cobra, em 26 de setembro de 2013, com a participação de Delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo e da Polícia Federal.

Manteve-se o propósito de conciliar um texto operacionalmente útil ao desenvolvimento das nobres funções do Delegado de Polícia com uma abordagem crítica dos institutos desta parte do Processo Penal que tantos preconceitos sofre da maioria dos doutrinadores pátrios.

A presente edição vem abrilhantada com o prefácio da lavra do amigo e professor Ricardo Jacobsen Gloeckner, a quem agradecemos a disponi-bilidade para ler nosso livro e para confeccionar o prefácio.

Agradecemos ainda aos muitos leitores que enviaram e-mails ou mensagens através das redes sociais, elogiando o livro e fazendo críticas e sugestões.

2 4 BRUnO TaUfneR ZanOTTI e CleOpaS ISaíaS SanTOS

Porfim,agradecemosaocoordenadordacoleçãoCarreirasemAção,LeonardoGarcia,eaoeditorRicardoDidier,pelaconfiançaquenosfoidepositada desde o início.

São Luís/MA e Vitória/ES, 15 de junho de 2014.Cleopas Isaías Santos

Bruno Taufner Zanotti

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PREFÁCIO

Ricardo Jacobsen Gloeckner1

Um dos temas preferencialmente renegados pela doutrina processu-alista brasileira diz respeito à investigação preliminar. São raras as obras que com alguma profundidade e, para além, com alguma perspectiva de reconstrução das categorias processuais penais, cuidam de fazer valer os dispositivos constitucionais.

É impensável conceber-se o processo penal despido de sua estrutura-çãoconstitucional.Todavia,taisafirmaçõesseriamdesnecessárias,vazias,despiciendas,casoapráxisforensenãoindicassejustamenteooposto.NoBrasil, pululam manuais e decisões que mais parecem retiradas de alguma coletâneaautoritária.Osdireitosfundamentais,viaderegraafastadosporestas decisões burocratizadas e pelos manuais destinados a produzir uma educaçãojurídicamassificada,sãocategoriasquandomuitoencontradastão somente como law in book... Somos açodados por esta racionalidade instrumental, incapacitante para o pensar, alheia à ética.

A instrumentalidade constitucional do processo penal não apenas querdizer,oqueseriaquasequeumpontoconvergentenestadefinição,o caminho natural que deve ser percorrido para se chegar à pena: nulla poena sine juditio! Pensar o processo penal em sua instrumentalidade – constitucionalporexcelência–querdizeradjudica-loapartirdeumamatrizdetuteladohipossuficiente,comoépossívelinterpretarqualquerdispositivo processual à luz do que há muito Ferrajoli anunciou como garantismopenal.A instrumentalidadedoprocessopenalsignificaquenão se deve contentar-se com formas vazias, frívolas. Ultrapassando o maniqueísmoutilitaristacontemporâneo,formaégarantia!Umprocessodotado de garantias é o que preconiza a Constituição da República. Todavia, para que tal desiderato seja alcançado, naturalmente alguns preconceitos devemserdeixadosparatrás.

A investigação preliminar, que possui no Brasil várias facetas, tem, no inquéritopolicial,suaexpressãomáxima.Oinquéritopolicial,seatentar-mos para o preconizado no Código de Processo Penal, não possui, siste-

1. Doutor Em Direito Pela Universidade Federal do Paraná Professor Adjunto de Processo PenaleCriminologiadaPontifícia UniversidadeCatólicadoRioGrandedoSulAdvogadoCriminalista

2 6 RICaRDO JaCOBSen GlOeCkneR

maticamente, no Capítulo I, Título II, sequer duas dezenas de artigos que lhepermitiriamumamelhordefinição,ajusteecompreensão.Todavia,o Código de Processo Penal brasileiro, assinado pelo Ministro Francisco Campos, verdadeiro tributo ao fascismo, desprestigia a investigação preli-minar, tornando absolutamente indispensável um acurado desenvolvimento doutrinário para que possam ser superadas tais omissões e ambiguidades. Apesardaextensareformadatadade2008,pouco,quasenada,sealterou.Passadas mais de 7 décadas de vigência, o Código de 1941 oferece muito poucoparaacontribuiçãoaosagentespoliciaisnoofíciodeinstaurarapersecutio criminis extra juditio.

Preliminarmente, nota-se a preocupação da Editora JusPodivm com tal estado de coisas, justamente pela publicação do livro que o leitor possui em mãos. Trata-se de uma obra destinada a superar as limitações de uma dogmática processual penal escolástica, que tão somente repete lições de um tempo longínquo. A preocupação dos autores com a constitucionaliza-ção da atuação policial parece-nos acertadíssima. Não é possível civilizar o processo penal – pensando como Pisapia (a partir de que o processo penal corresponde ao grau civilizatório de um determinado Estado) – sem se democratizar a investigação preliminar. Torna-se imperiosa uma reforma substancialmente cultural, que trate de conformar a instrumentalidade constitucional da investigação preliminar.

Se por um lado, cumpre ao Estado o papel de desvelar a autoria e materialidade delitivas, sendo o inquérito policial um veículo importante paraoexercíciodaaçãopenal,poroutro ladonãosedevedescurardafunçãodefiltragemda investigaçãopreliminar,hábilaevitaroproces-samento do inocente (considerando que todo processo em si mesmo é pena).Aeficáciadestainstrumentalidadeconstitucionaldainvestigaçãopreliminar não pode ser realizada sem uma mudança brutal na cultura policial, que mais do que nunca requer um investimento democratizante nas bases conceituais do inquérito policial.

Aos amigos Cleopas Isaías Santos e Bruno Taufner Zanotti cumpre esta tarefa primária, de iniciar este processo democratizador, na obra Delegado de Polícia em Ação, que chega agora à segunda edição, o que apenas atesta aqualidadeecomprometimentodosautorescomaslacunasdeixadaspelonosso atual Código de Processo Penal, que simboliza o desgaste e o anacro-nismo deste pensamento autoritário. A atualidade da obra e sua sintonia com a teoria constitucional dos direitos fundamentais apenas descreve estaintermitentecapacidadereflexivaequestionadoradosescritores.

Para além do que muito se diz sobre a função do Delegado de Polí-cia, nota-se cada vez mais o envolvimento desta classe com o necessário processo democratizante, a ponto de se poder equipará-la ao primeiro

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garantidor dos direitos fundamentais dos sujeitos no processo penal. Os autores são partícipes desta juventude pensante e compromissada com os ideais civilizatórios do processo penal. Refutando categorias desgastadas, perspectivando outras tantas, mas, substancialmente, preocupados com a constitucionalidade da investigação preliminar.

Espero sinceramente que a esta edição da obra se sucedam outras tantas, colocando em foco o papel fundamental do delegado de polícia, não como um ator subsidiário ou mesmo acessório do processo penal, como quer fazer crer aquela doutrina conservadora e reprodutora do senso comum jurídico. O delegado, em toda a sua fundamentalidade para o processo penal,tampoucoéumameraengrenagemdosistema.Acontemporâneafiguradodelegadodepolícia,emumanovatradiçãoprocessualpenal,naqualosautoresseinserem,sãoverdadeirosagentesdemocráticos.Oxalátenhamos esta necessária ruptura. O pontapé inicial foi dado. Resta-nos aquiaexpressaadmiraçãopelotrabalhodesenvolvidopelosautores,quebusca, no campo mais árido do processo penal, novos veios, destinados àinevitávelenãomenosimportantetarefadeoxigenaçãoconstitucionaltão cara à nossa (ainda) compreensão autoritária do processo penal. Que em futuro não muito distante a geração vindoura olhe para trás e atribua, a esta obra, o nascimento de um novo marco na investigação policial bra-sileira! Que reconheça, nestes espíritos livres, como diria Nietzsche, uma loucura. Uma loucura chamada direitos fundamentais...

Porto Alegre, outubro de 2013.

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(I). A Súmula Vinculante número 11do STF traz como requisitos para o uso da al-gema: (a) a resistência; (b) o fundado receio de fuga ou (c) o perigo à integridade físicaprópriaoualheia.Seuempregopodesernopresoouemterceiros.II.Ousodealgema,apesardenãosertidocomoexcepcional,deveserjustificadopor escrito, isto é, trata-se de decisão administrativa ou judicial, discricionária e motivada.III. Um dos efeitos da violação da Súmula Vinculante n° 11 do STF é a nulidade da prisão. No entanto, esta consequência deve ser vista com cautela. Não gera ilegali-dadedaprisãoemflagranteofatodeocondutoraplicarabusivamenteaalgema,restando ao caso as responsabilidades civil, penal e administrativa. Não obstante, anulidadedaprisãopodeadvir,porexemplo,doempregoabusivodealgemapeloDelegado de Polícia, durante o reconhecimento.A comissão julgou como falsa apenas a assertiva II. De fato, ela apresenta o equívoco deafirmarqueousodealgemasnãoéexcepcional,contrariandootextosumular.Aliás,ofundamentodanecessidadedefundamentaçãoporescritoéexatamentesuaexcepcionalidade.

15. FORMALIDADES DA LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLA-GRANTE

Efetuada a detenção ou captura dealguémemsituaçãoflagrancialefeita a sua condução e apresentação à autoridade policial, esta deverá, após atentaanálisedocaso,formalizaraprisãoemflagrantedoconduzido,oquese dá através da lavraturadorespectivoautodeprisãoemflagrantedelito.

O respeito à forma prescrita em lei, bem como aos direitos e garantias fundamentaisdoconduzidoédecrucialimportância,vezquesetratadeuma restrição ao direito fundamental da liberdade de locomoção de alguém sem a necessidade de prévia ordem judicial.

Alémdisso,ocalordascircunstânciase,emregra,afaltadecontatopretérito da autoridade policial com o fato, pois a autuação é sempre posterior,enãocontemporâneaaosfatos,potencializaoriscodeilegali-dades,comoconsequenterelaxamentodaprisãoeresponsabilizaçãododelegado de polícia.

Também não se pode esquecer que, como já mencionado, o auto de prisãoemflagranteéumadasduas formasdese iniciaruminquéritopolicial. O outro é a portaria.

Porfim,percebe-seque,comanovasistemáticadaprisãocautelar,trazidapelaLeinº12.403/2011,oautodeprisãoemflagranteseráoprincipal,senãooúnico,parâmetroparaaavaliaçãodo juizacercadocabimento de prisão preventiva ou de qualquer outra medida cautelar alternativa à prisão.

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Portudoisso,exige-sedaautoridadepolicialumaespecialatençãoàs formalidadesda lavraturadoautodeprisãoemflagrante,asquaisserãoexecutadaspeloescrivãodepolícia,masnecessariamentenapre-sença do delegado, pois a competência é um elemento vinculado do ato administrativo.

Épossível,eatémuitocomum,quenãoexistaescrivãoconcursadonolocaldalavraturadoautodeprisãoemflagrante.Nestescasos,oCódigodeProcesso Penal (art. 305) autoriza ao delegado a nomear qualquer cidadão para desempenhar, sob compromisso legal, as funções daquele funcionário. É o que se convencionou chamar de Escrivão ad hoc.

15.1 Fundamentação da justa causa para a prisão em flagrante e da tipificação da conduta

Questão das mais importantes no que tange aos atos administrativos praticados pelo delegado de polícia, entre os quais a lavratura de um auto deprisãoemflagrante,ésaberseosmesmosdevemsermotivadosounão.

Embora sem previsão no Código de Processo Penal, entendemos que o delegado de polícia tem o dever constitucional e legal de fundamentar suadecisãodeformalizaraprisãoemflagrantedealguém,indicandoajusta causa,311ahipóteseflagrancialocorridaejustificandoasrazõesqueolevaramatipificaracondutacomosendoesteouaquelecrime.312

Emverdade,nãosóaformalizaçãodaprisãoemflagrante,mas“todae qualquer decisão administrativa deve ser acompanhada de um ‘porquê’ claramente indicado”, como bem observou Marçal Justen Filho.313

Noâmbitoconstitucional,estaobrigatoriedadedecorre,primeiramente,da regra da liberdade (art. 5º, caput, e incs. XV e LXI, da CF) bem como daexigênciadefundamentaçãodosatosjurisdicionais(art.93,incs.IXeX, da CF). Desse modo, as decisões que restrinjam, ou possam restringir, direitos fundamentais do imputado, devem ser fundamentadas.

Na lição de Bandeira de Mello,314

311 Por justacausaentendemosacausanecessáriaesuficienteparadesencadearumregularprocedimento penal que restrinja ou possa restringir direitos fundamentais do imputado.

312 Para LIMA, Marcellus Polastri. Comentários sob a perspectiva brasileira referente ao capítulo II. In: AMBOS, Kai. Processo penal europeu. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 144, não há necessidade de o Delegado de Polícia fazer constar, na nota de culpa, “o dispositivo penal em que se enquadra o agente”.

313 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 320.

314 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p. 406.

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[...] se os próprios julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário devem ser fundamentados, pena de nulidade (art. 93, IX da Constituição e Código de Processo Civil, art. 458, II), e as decisões administrativas dos Tribunais terão de ser motivados (inciso X do citado artigo 93), a fortiori deverão sê-lo os atos administrativos oriundos de quaisquer dos outros Poderes.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por sua vez, esta-belece que “Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela” (art. 7º, 4).

Já no que se refere ao aspecto legal, temos a previsão, inicialmente, daLeinº4.717/1965(AçãoPopular),aqualafirmaqueserãonulososatos lesivos ao patrimônio de alguma das entidades previstas no art. 1º, entre as quais, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em decorrência de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos;ee)desviodefinalidade(art.2º).

Para evitar dúvidas, a própria lei resolveu dizer o que se deve entender por cada uma dessas hipóteses. No caso de maior interesse cognitivo neste tópico, inexistência de motivos, o parágrafo único, d, do art. 2º da referida leiproclamaqueosmotivosserãoconsideradosinexistentes“quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido”.

Interpretando esse dispositivo (art. 2º), Carlos Horbach conclui que olegisladordaAçãoPopular,aoestabelecerascausasdenulidade,firmaos “requisitos de validade do ato administrativo no ordenamento jurídico pátrio”.315

Aindanoâmbitolegal,edeformamaisenfática,aLeinº9.784/1999(art. 50, inc. I), impõe à Administração Pública o dever de motivar os seus atos, indicando os fatos e fundamentos jurídicos quando “neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses”, entre tantas outras razões.

Ora,aformalizaçãodeumaprisãoemflagranteamolda-seperfeita-mente na última hipótese, vez que se trata de uma restrição à liberdade de locomoção do indivíduo. Deve, pois, ser fundamentada.

Nas lições de Bandeira de Mello, a motivação deve conter: “(a) a regra de Direito habilitante; (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente (c) a enunciação da pertinência lógica

315 HORBACH, Carlos Bastide. Teoria das nulidades do ato administrativo. São Paulo: RT, 2010, p. 226.

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entre os fatos ocorridos e o ato praticado”.316 Esses elementos devem ser expostosde formaexplícita, clara e congruente (art. 50, § 1º da Lei 9.784/1999).

A inexistência de motivação de um ato administrativo, tanto no quetangeasuaexistênciamaterialelegal,segundoCirneLima,317 o qual acompanha Roger Bonnard, é uma causa material de nulidade.

Nocasoespecíficodasnulidadesnainvestigaçãopreliminar,aplica--se o princípio da extensibilidade jurisdicional, o qual, nas palavras de Ricardo Gloeckner,318 “torna passível de controle de validade aquele ato praticado em investigação preliminar e cujo ingresso no processo, por acompanhar a denúncia, se jurisdicionaliza”.

Seria o caso de se aplicar, também na lavratura do auto de prisão em flagrante,comoatoadministrativoqueé,oatributodapresunção de legalidade? Sim, porém, esta presunção deve ser considerada, irremedia-velmente, relativa. Nesta senda, uma vez mais, os direitos fundamentais doinvestigadodevemservirdeparâmetroparaestaanálise.

Com razão, seria ilógico sustentar-se que a liberdade, que é a regra no nosso sistema constitucional, pudesse ceder, sendo restringida, a uma presunção.Somentequandojustificada,eexclusivamentenashipótesesconstitucionais e legais, a liberdade de locomoção pode ser limitada.

Ademais, a fundamentação dos atos restritivos de direitos fun-damentais servem, a um só tempo, como justificativa e como meio de controle da legalidade do ato praticado. Como ensina Ferrajoli,319

[...] a motivação permite a fundação e o controle das decisões, seja de direito, por violação de lei ou defeito de interpretação ou subsunção, seja de fato,pordefeitoouinsuficiênciadeprovasouporinadequadaexplicaçãodonexoentreconvencimentoeprovas.

Ou seja, em um Estado Constitucional, o imputado tem o direito de conhecer as razões que levam o Delegado de Polícia a formalizar sua prisão. Este conhecimento é o pressuposto básico para o citado

316 Id. Ibid., p. 404.317 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 256.318 GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no processo penal. Salvador: Juspodivm, 2013,

p. 564.319 FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: teoria del garantismo penale. 9ª Ed. Bari: Editori Laterza,

2008, p. 640. No original: “Precisamente, la motivazione consente la fondazione e il controlo dele decisioni sia in diritto, per violazione di legge o difetti dínterpretazione o sussunzione, sia di fato,perdifettooinsufficienzadiproveovveroperinadeguataesplicazionedelnessotra convencimento e prove”.

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controle da legalidade do ato, enfim, para pôr à prova os próprios argumentos estatais para seus atos.

Além disso, com a nova sistemática das medidas cautelares, nos casos deprisãoemflagrante,orespectivoautoseráoprincipal,senãooúnico,parâmetroparaatomadadedecisãodo juizsobrequemedidaadotar:relaxamentodaprisão; liberdadeprovisória,comousemfiança;decre-tação de outra medida cautelar alternativa à prisão; ou, em último caso, decretação da prisão preventiva.

Porfim,comapublicaçãodarecenteLeinº12.830/2013,aqualversasobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, resta indubitável a necessidade de fundamentação da justa causa da prisão em flagrante.Deacordocomoart.2º,§6ºdareferida lei,"o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialida-de e suas circunstâncias".Ora,naformalizaçãodaprisãoemflagrante,oindiciamentosedánoexatomomentoda lavraturadorespectivoauto.Portanto, sua fundamentação é imperativo legal.

Por tudo isso, entendemos que o delegado de polícia está obrigado afundamentarsuadecisãoemautuaralguémemflagrante, indicando,inclusive, as razões que o levaram a subsumir a conduta praticada em um ou em outro tipo penal.

Esta fundamentação deve ser compreendida como o substrato inaugu-ral para o futuro regular exercício do contraditório e da ampla defesa.

Sobre este aspecto, o projeto de reforma total do Código de Processo Penal(PLS156/2009)tambémsemostramaiscoerentecomosparâmetrosconstitucionais,aoexigirqueodelegadodepolíciafundamenteasrazõesque o levaram a indiciar o investigado, indicando os elementos de prova damaterialidadeeosindíciosdeautoria,alémdecientificá-lodetalato(art. 30, caput).E,emsetratandodeprisãoemflagrante,acondiçãojurí-dica de “indiciado” deverá ser atribuída ao conduzido, também de forma fundamentada, no próprio auto respectivo, conforme se ver no art. 30, § 1º do mesmo PLS 156/2009.

Oxalásejaaprovadosemmodificaçãodessaexigência!

15.2 Oitiva do condutorA primeira pessoa a ser ouvida, nos termos do art. 304, caput, do CPP,

é o condutor. Este é simplesmente a pessoa que conduz o detido, provável autor de um fato criminoso, até a presença da autoridade policial, para a formalizaçãodesuaprisãoemflagrante.Emboranormalmentesejaumpolicial, pode ser qualquer pessoa, inclusive a vítima ou uma testemunha.

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Segundo entendimento do STJ,320 caso o condutor tenha presenciado o fato, poderá ser ouvido também na condição primeira testemunha, integran-do,assim,onúmeroexigidopeloart.304,caput, do CPP. Se, ao contrário, apenas efetuar a condução do autor, o que é muito comum na prática, não poderá ser dispensada a oitiva de uma testemunha. Este entendimento, porém, é criticado por alguns doutrinadores. Segundo Gustavo Badaró, uma simples leitura do citado dispositivo evidencia a intenção do legis-lador. Assim, de acordo com o citado processualista, “há clara e evidente distinçãoentreasfigurasdocondutoredastestemunhas.Sebastasseumaúnica testemunha, a redação seria o ‘condutor e a testemunha’”,321 e não testemunhas, no plural.

Com a entrada em vigor da Lei nº 11.113/2005, a qual alterou signi-ficativamenteoprocedimentodoformalizaçãodoautodeprisãoemfla-grante, condutor, testemunhas e vítima passaram a ser ouvidas e liberadas em seguida, ao contrário do que ocorria antes, em que a assinatura das pessoasouvidassóeratomadaaofinaldetodooauto.Oautodeprisãoemflagrantepassou,comareferidalei,aserfracionado,mostrando-semuitomaiseficiente.Assim,tão logoocondutorsejaouvido,poderáretornaràs suas atividades, depois de assinar o respectivo termo de depoimento e de lhe serem entregues, pela autoridade policial, uma cópia daquele e do termo de recibo do preso.

Em muitos casos, o condutor, além de apresentar o preso ao delegado de polícia, também apresenta objetos, armas, documentos ou qualquer outro elemento de prova da materialidade ou da autoria. Nestas hipóteses, como deverá ser formalizada a apreensão do que for apresentado e interessar à investigação, o condutor também será o apresentante, devendo assinar o respectivo auto de apresentação e apreensão.

15.3 Oitiva das testemunhasSeguindo o roteiro do art. 304, caput, do CPP, após a oitiva do condutor,

deverá o delegado passar à oitiva das testemunhas. Como o Código usa a expressãonoplural,entende-sequedeverãoserouvidas,nomínimo,duas,salvo no caso de o condutor também ter presenciado o fato, hipótese em que servirá como primeira testemunha, além de condutor, como já refe-rido. Mas estas testemunhas que deverão ser ouvidas, no mínimo duas, sãoastestemunhasdofato,asquaisnormalmenteexistirãonashipótesesflagranciaisdoart.302,incs.IeII.Ouseja,sãoastestemunhasquetêmalgo a dizer sobre a materialidade e/ou autoria.

320 Cf., RHC 12.027/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, Quinta Turma, julgado em 18.12.2001, DJ de 25.02.2002,p.404eRHC5.935/SP,Rel.Min.AnselmoSantiago,SextaTurma, julgadoem09.12.1997, DJ de 02.02.1998, p. 129.

321 BADARÓ, Gustavo, op. cit., p. 726.

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E se não houver testemunha, como normalmente ocorre nas hipó-tesesflagranciaisdoart.302,incs.IIIeIV,oumesmonoscrimescontraadignidadesexual?Poderáaautoridadepolicialautuaroconduzidoemflagrante?Arespostaépositiva.

Com efeito, segundo o art. 304, § 2º, do CPP, a ausência de testemunhas nãoimpediráalavraturadoautodeprisãoemflagrante.Porém,exigeque,juntamente com o condutor, deverão assinar o auto, no mínimo, duas pessoas que presenciaram a apresentação do preso. São as chamadas testemunhas instrumentárias de apresentação. Em regra são policiais que trabalham na unidade na qual foi apresentado o conduzido, para as providências legais. Mas nada obsta que sejam particulares.

15.4 Oitiva da vítimaEmborasemmençãoexpressanoart.304doCPP,semprequepos-

sível,oofendidoseráouvidosobreascircunstânciasdainfraçãoesobreseu autor. Além disso, poderá indicar testemunhas do fato e outras provas, nos termos do art. 201 do CPP.

Obviamente será dispensada a oitiva, em apartado, do ofendido, na hipótese de ter sido ele o condutor.

15.5 Oitiva do conduzidoPorfim,determinaoart.304,caput, do CPP, que o conduzido322 seja

interrogado. Aqui reside o ponto nevrálgico de todo o procedimento de lavraturadoautodeprisãoemflagrante,devendoaautoridadepolicialestar atenta à necessidade de respeitar todos os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal ao imputado, entre os quais: a) o de permanecer calado (art. 5º, inc. LXIII), com o consequente direito de não produzir provas contra si mesmo, o chamado princípio da não autoincri-minação ou princípio do nemo tenetur se detegere;323 b) o de ser assistido

322 O art. 304, caput, do CPP usa a palavra acusado, mas sabe-se que se trata de uma atecnia legislativa, vez que, nesta fase, não há uma acusação formalizada, o que se dá através do exercíciododireitodeação,comaproposituradadenúnciaouqueixa.

323 "A Constituição Federal assegura aos presos o direito ao silêncio (inciso LXIII do art. 5º). Nessa mesma linha de orientação, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de São José da Costa Rica) institucionaliza o princípio da ‘não autoincriminação’ (nemo tenetur se detegere). Esse direito subjetivo de não se autoincriminar constitui uma das mais eminentes formasdedensificaçãodagarantiadodevidoprocessopenaledodireitoàpresunçãodenão culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da CF). A revelar, primeiro, que o processo penal é o espaço de atuação apropriada para o órgão de acusação demonstrar por modo robusto a autoria e a materialidade do delito. Órgão que não pode se esquivar da incumbência de fazer da instrução criminal a sua estratégia oportunidade de produzir material probatório substancialmentesólidoemtermosdecomprovaçãodaexistênciadefatotípicoeilícito,alémda culpabilidade do acusado." (HC 101.909, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 28-2-2012, Segunda Turma, DJE de 19-6-2012.)

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por sua família e advogado (art. 5º, inc. LXII); e c) o de que sua prisão seja comunicada a sua família ou a alguém por ele indicado (art. 5º, inc. LXIII). VER art. 5º, inc. LXIII)

No que tange ao direito de assistência de advogado, predomina o entendimento segundo o qual o mesmo é prescindível no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante, bastando a sua lembrança, feita pelo delegado de polícia, ao conduzido.324 A esta conclusão, aliás, pode-se chegar inclusive a partir do próprio Código de Processo Penal. Com efeito, segundo o art. 306, § 1º, o delegado de polícia deverá encaminhar cópia doautodeprisãoemflagranteàDefensoriaPública,nomesmoprazodecomunicaçãoaojuiz,ouseja,em24(vinteequatro)horas,exclusivamentese o autuado não indicar o nome do seu advogado. Ou seja, neste breve períodooconduzidoficarásemassistênciadeadvogado,emboratenhasido informado de seu direito de tê-la. Portanto, a presença de advogado durante o interrogatório do conduzido não é essencial.

Contudo,seoadvogadosefizerpresente,nãovislumbramosnenhumproblema que o mesmo converse, prévia e reservadamente, com seu cliente,325 conforme preceitua o art. 185, § 5º, do CPP, até porque nenhu-ma diferença faria, já que o conduzido pode, por direito constitucional, inclusiveficarcalado,ou,deformaderivada,podeatémentir.

Nos termos do art. 6º, inc. V, do CPP, o interrogatório do conduzido será feito de acordo com o Capítulo III do Título VII do Livro I do CPP, no que for possível, ou seja, de acordo com as normas referentes ao interrogatório do acusado em Juízo. Sumariamente, o interrogatório será constituído de duas partes: a primeira, referente à pessoa do interrogado, e a segunda, aos fatos a ele imputados (art. 187, caput, do CPP).

Se o conduzido se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o seu termo de interrogatório326 será assinado por duas teste-

324 "Adocumentaçãodoflagranteprescindedapresençadodefensortécnicodoconduzido,sendosuficientealembrança,pelaautoridadepolicial,dosdireitosconstitucionaisdopresodeseras-sistido,comunicando-secomafamíliaecomprofissionaldaadvocacia,edepermanecercalado."(HC 102.732, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 4-3-2010, Plenário, DJE de 7-5-2010.)

325 Em sentido contrario, cf., por todos, LIMA, Renato Brasileiro de. op. cit., p. 1301.326 Oart.304,§3º,doCPP,usaaexpressãoauto de prisão em flagrante, e não termo de interro-

gatório. Porém, não resta dúvida de que se trata, na verdade, do interrogatório do conduzido, e não de todo o auto de prisão. Sabe-se que a Lei nº 11.113/2005 introduziu consideráveis mudançasnoprocedimentodeformalizaçãodaprisãoemflagrante,entreasquais,asepa-ração das oitivas do condutor, das testemunhas, da vítima e também do conduzido, com as respectivas assinaturas logo em seguida à conclusão de cada uma (art. 304, caput, do CPP). Dessemodo,nãofazqualquersentidoexigiraleituradetodooauto,constituídoportodasasoitivas,paraastestemunhasinstrumentárias,jáquesuapresençaéexigidaexatamenteporque o conduzido se recusou, não sabia ou não podia assinar. E o que o interrogado assina éapenasoseutermodeinterrogatório,enãotodooautodeprisãoemflagrante.

a nOva SISTeMÁTICa Da pRISÃO eM flaGRanTe 2 8 5

munhas instrumentárias que presenciaram sua leitura, na presença do interrogado (art. 304, § 3º, do CPP).

Não raras vezes, o interrogado se recusa a fornecer dados sobre sua identificação ou o faz falsamente. Estas hipóteses estariam alberga-das pelo princípio do nemo tenetur se detegere? Entendemos ser negativa a resposta. Ora, o princípio da não autoincriminação ou direito de não produzir prova contra si mesmo, ambos derivados do direito ao silêncio, referem-se a fatos. Fatos que incriminem alguém. Alguém que possui um nome,antesdetudo,comoelementoidentificadordasuapersonalidadejurídica.Alémdonome,oestadocivil,aprofissãoearesidênciatambémsãoelementos referentes à pessoa do imputado, e não aos fatos investigados.

Nomesmosentido,Badaró identificaoentendimentodoutrináriopredominante, asserindo que o direito ao silêncio só “tem aplicação na segunda fase do interrogatório, pois, no que diz respeito aos dados de qualificação do interrogando, este tem a obrigação de declará-los corretamente, sem mentiras ou omissões”.327 (sem destaque no original)

Desse modo, caso o conduzido se recuse a fornecer, no momento de suaautuaçãoemflagrantedelito,dadosreferentesasuaprópriaidenti-dade,estado,profissão,domicílioeresidência, incorreránapráticadacontravenção penal prevista no art. 68 do Decreto-lei nº 3.688/1941. O delegado de polícia deverá, então, fazer constar no auto os elementos característicos físicosouantropométricosdo interrogado.Eassimen-tendemos porque o Código de Processo Penal possibilita a denúncia de alguém,cujaqualificaçãosejadesconhecida,apartirde“esclarecimentospelosquaissepossaidentifica-lo”(art.41).Estedispositivolegaldeveseraplicado por analogia, portanto.

Já na hipótese de o conduzido fornecer dados falsos sobre sua identidade, incorrerá na prática do crime de falsa identidade, previsto no art. 307 do CP.328 Neste caso, o delegado deverá proceder do mesmo modo da hipótese anterior, ou seja, fazendo constar no auto os elementos característicos do autuado.

Em uma ou outra hipótese, ou seja, não fornecendo o conduzido informações sobre sua identidade ou fornecendo-as falsamente, resta configuradaahipótesedecabimentodaprisãopreventivaprevistanoart.313, par. único, do CPP.

327 BADARÓ, Gustavo, op. cit., p. 310.328 A jurisprudência diverge sobre o tema. Enquanto o STF (1ª Turma, RE nº 561.704, Rel. Min.

Ricardo Leewandowski, DJde02/04/2009)estarconfigurado,nahipótesemencionada,ocrime de falsa identidade, o STJ (6ª Turma, HC nº 97.857/SP, Rel. Min. Og Fernandes, DJ de 10/11/2008)entendequenãoseconfigureaquelecrime.

2 8 6 CleOpaS ISaíaS SanTOS

Se o conduzido for surdo, mudo, ou surdo-mudo, determina o Có-digo de Processo Penal (art. 192) que o interrogatório do primeiro seja feito por escrito, sendo as respostas dadas oralmente (inc. I). No segundo caso, as perguntas serão feitas oralmente, ao que ele responderá por es-crito (inc. II). Já na hipótese de surdo-mudez, tanto as perguntas quanto as respostas se darão por escrito. E se o conduzido surdo, mudo ou surdo-mudo não souber ler ou escrever? Neste caso, será nomeado um intérprete, o qual, sob compromisso, à semelhança de um perito, atuará no ato (parágrafo único).

Porfim,deve-semencionarocasobastantecomum,especialmentena Polícia Federal, de conduzidos que não falam ou não entendem o português. Aqui também o delegado deverá nomear, sob compromisso, um intérprete para o ato (art. 193 do CPP).

15.6 Nota de ciência dos direitos e garantias constitucionais

Não obstante a previsão na CF/88 (art. 5º, LXIII) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),329 rati-ficadapeloBrasil,atravésdoDecreto678/1992,paraficarapenasnestesexemplos,areformaestabelece(art.289-A,§4º)odeverdeinformaçãoao preso, no ato da prisão, de um rol de direitos que ele possui.330

Existe,portanto,umverdadeirodever de esclarecimento dos direitos e garantias do imputado, merecendo destaque aos direitos ao silêncio eàassistênciadeadvogadooudefensorpúblico,porsuarelevâncianagarantiadamaioreficáciadessesdireitos.

Estaexigênciareiteradajustifica-seespecialmentepelafaltadetra-dição da doutrina e jurisprudência pátrias de conformarem as regras infraconstitucionais à Constituição e, principalmente, aos tratados e con-vençõesinternacionaisratificadospeloBrasil.331 Porém, se dúvidas ainda existiamacercadaforçanormativadaquelesestatutos,bemcomosobreanecessidade de obediência a eles, o Substitutivo buscou saná-las, ao prever,

329 UmestudoespecíficoeaprofundadosobreotemapodeserencontradoemGOMES,LuizFlá-vio; MAZZUOLE, Valério de Oliveira. Comentários à convenção americana sobre direitos humanos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

330 IgualexigênciaéfeitapeloSubstitutivodoPLS156/2009(art.546).331 Como é sabido, a assim chamada “Reforma do Judiciário” (EC Nº 45/2004) acrescentou o § 3º

ao art. 5º da CF, o qual estabelece que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Quanto aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico pátrio fora dos termos do referido art. 5º, § 3º da CF, o STF decidiu, numa votaçãoequilibradade5x4,nojulgamentodoRE466.343,queosmesmostêmnaturezadenormas supralegais,comforçaparalisantedaeficáciadoordenamentoinfraconstitucional.

a nOva SISTeMÁTICa Da pRISÃO eM flaGRanTe 2 8 7

expressamente, jánoartigoinaugural,que“o processo penal reger-se-á, em todo o território nacional, por este Código, bem como pelos princípios fundamentais constitucionais e pelas normas previstas em tratados e con-venções internacionais dos quais seja parte a República Federativa do Brasil”.

Desta forma, segundo o PLS 156/2009, o preso deverá ser informado dos seguintes direitos (art. 546), entre outros: a) permanecer em silêncio; b)sabera identificaçãodosresponsáveisporsuaprisão;c)receberumexemplardomandadojudicial,salvoemflagrantedelito,quandodeveráreceber a nota de culpa; d) fazer contato telefônico com familiar ou outra pessoa indicada, tão logo seja apresentado à autoridade policial; e) ser assistido por um advogado de sua livre escolha ou defensor público; f) ser recolhidoemlocalseparadodospresoscomcondenaçãodefinitiva.Alémdisso, antes do seu interrogatório, inclusive no momento da lavratura do autodeprisãoemflagrante,o investigadodeveráaindaser informado(art. 66): a) do inteiro teor dos fatos que lhe são imputados; b) de que poderá entrevistar-se com seu defensor, em local reservado; c) de que suas declarações não poderão eventualmente ser utilizadas em desfavor de sua defesa; d) do seu direito de permanecer em silêncio; de que seu silêncionãoimportaráconfissão,nempoderáserinterpretadoemprejuízode sua defesa.

O parágrafo único do art. 546, antes referido, determina ainda que as informações previstas nos incisos I (direito ao silêncio)332 e V (as-sistência de advogado ou defensor público)333 deverão constar em todos os atos de investigação e de instrução criminal que requeiram a presença do investigado ou acusado, sob pena de nulidade. Com isso, ficaclaroqueoSubstitutivotevemaiorpreocupaçãocomodireitode defesa do imputado (pessoal negativa e técnica), razão pela qual serão feitas algumas considerações sobre esses direitos.

Embora com previsão na Constituição e em tratados e convenções internacionais334 mais recentes, como referido, as raízes do direito ao silên-cio, ou direito de permanecer calado, segundo Lauria Tucci, “remontam a

332 Cf. CF/88 (art. 5º, LXIII) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8, item 2, g).333 Cf. CF/88 (art. 5º, LXIII) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8, item 2, d e e).

Veja-se que o direito de defesa é também relevado pelo STF, o qual editou a Súmula Vinculante nº 14, com o seguinte teor: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

334 Interessante observação feita por TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 301 (nota 7), é a de que “a Declaração universal de direitos do homem, de 1948, e a Convenção européia de direitos humanos, de 1950, não se referiam ao regramento nemo tenetur se detegere, e, consequente-mente,nãocontemplaram,demodoexplícito,aodireito ao silêncio.

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vários séculos passados, com mais amplo desenvolvimento no ius commune e no processo penal canônico, em que se assentava no regramento ‘nemo tenetur prodere seipsum, quia nemo tenetur detegere turpitudinem suam’”.335 Eéapartirdessaidentificaçãohistóricaqueocitadoautordefendequeeste direito consiste tanto na proteção ao silêncio do imputado quanto na defesa contra sua autoincriminação,336 ou contra a obrigatoriedade de produção de provas contra si mesmo.

Esteposicionamento,entretanto,nãoépacífico.Entendendoqueodireito ao silêncio não implica o de não autoincriminação, por todos, está Sérgio Moro, o qual, em interessante artigo sobre a colheita compulsória dematerialbiológico,conclui,apósdensaargumentação,que“inexistenoDireito Brasileiro, e em geral no Direito Comparado, um direito genérico de não produzir prova contra si mesmo, motivo pelo qual ele não consti-tuióbiceválidoàcolheitacompulsóriadematerialbiológicoparaexamegenético em casos criminais”.337

Compreende-se que cabe razão à primeira doutrina, pois, do contrá-rio, admitir-se-ia que o direito ao silêncio só tem aplicação nos casos de formação de provas a partir da oitiva do imputado, ou seja, numa perspec-tiva de silêncio apenas como a recusa em pronunciar palavras, calar-se, emudecer-se,concepçãoquesemostrariaextremamentereducionistaecontráriaaoprincípiodamáximaefetividadedosdireitosfundamentais.

Desta forma, entende-se que, além da mencionada faceta, o direito ao silêncio possui outra, decorrente da primeira, qual seja, a da não--obrigatoriedade de o imputado participar da constituição de provas que lhe prejudiquem, embora possa fazê-lo espontaneamente, ou as mesmas possam ser produzidas sem a sua participação.

Neste sentido, posiciona-se Aury Lopes Jr., ao asseverar que[...] O direito ao silêncio é muito mais amplo e inscreve-se na dimensão do princípio do nemo tenetur se detegere. Conjugando-se com a presun-ção constitucional de inocência, bem como com a necessária à matriz

335 Id. Ibid.,p.299.Omesmoautor, logoemseguida,traduzlivrementeoreferidoexcerto,daseguinte forma: “ninguém pode ser compelido a depor contra si próprio, porque ninguém é obrigado a auto-incriminar-se”.

336 Id. Ibid.,p.300.Nomesmosentido,emboraafirmandoqueoprincípioemcomentofoipensadopela primeira vez por Beccaria, na época em que “a regra do processo era fazer com que o acusado assumisse a sua culpa, ainda que para tanto fosse necessário se recorrer da tortura”, WALTER JÚNIOR, Nunes da Silva. Curso de direito processual penal: teoria (constitucio-nal) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 726 e ss., especialmente p. 731. Já FERRAJOLI,Luigi,op.cit.,p.623,identificaaorigemdoprincípionemo tenetur se detegere em Hobbes. Controvertida, portanto.

337 MORO,SergioFernando.Colheitacompulsóriadematerialbiológicoparaexamegenéticoemcasos criminais. Revista dos Tribunais. n. 853, São Paulo:RT, nov. 2006, p. 438.

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inquisitória, é elementar que o réu não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminá-lo ou prejudicar sua defesa. Mais, frise-se: a recusa não autoriza qualquer presunção ou mesmo indício de culpa.338 (grifos no original)

E conclui o autor: “destarte, o imputado não pode ser compelido a participar de acareações, reconstituições, fornecer material para realização deexamespericiais(examedesangue,DNA,escritaetc.)etc.”339

Quanto ao direito de defesa técnica, este consiste na irrecusável assis-tência do imputado por um advogado, público ou não, em todas as fases doprocedimento,desdeapré-processualatéofimdaexecuçãodapena.

Embora a atual disposição do CPP (art. 306, § 1º) não trate com cla-reza, o que pode conduzir o intérprete e aplicador do direito à equivocada compreensão de que é dispensável a assistência de defensor técnico no momentodalavraturadoautodeprisãoemflagrante,oSubstitutivoemcomento sana este problema, senão vejamos.

Jánoart.3ºdoSubstitutivo, ficaclaraaopçãodo legisladorpelaaplicação desse direito em comento, quando o mesmo prever que “todo processo realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa, garantida a ma-nifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais” (sem grifo no original). Além disso, de acordo com o art. 64, o interrogatório constitui meio de defesa do investigado ou acusado e será realizado na presença de seu defensor.Emais,paranãorestardúvidaquantoàimportânciadestedireito,oSubstitutivoestabeleceuque,nocasodeprisãoemflagrante,nãosendo possível, por qualquer razão, a assistência de advogado ou defensor público,orespectivoautodeprisãoemflagranteserálavradoeencami-nhado ao juiz das garantias sem o interrogatório do conduzido, devendo ser realizado posteriormente, quando aquela assistência for viabilizada, salvoexpressae livremanifestaçãodavontadedo interrogandodeserouvidonaquelemomento(art.64,§1º).Porfim,omesmoSubstitutivodetermina, no art. 553, § 1º, que seja entregue ao advogado que acompa-nharointerrogatóriodopreso,nomomentodesuaprisãoemflagrante,cópia integral do respectivo auto. Portanto, imperativo reconhecer que o direito de ser assistido por um defensor técnico é assegurado ao imputado, em todas as fases da persecução penal, inclusive no momento da lavratura doautodeprisãoemflagrante.

Um dos fundamentos deste direito, que legitima sua aplicação também na fase pré-processual, segundo as lições de Aury Lopes Jr., é a condição

338 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 194/195.

339 Id. Ibid., p. 195.

2 9 0 CleOpaS ISaíaS SanTOS

dehipossuficiênciadoimputado,oquelhecolocaemsituaçãodeinferio-ridade em relação ao poder da autoridade estatal, seja através do delegado de polícia, do promotor de justiça ou do juiz.340 Além disso, o direito de defesa técnica é “uma satisfação alheia à vontade do sujeito passivo, pois resulta de um imperativo de ordem pública, contido no princípio do due process of law.341

Alinhado a este entendimento, e seguindo a reforma parcial feita pela Lei nº 11.449/2007, o Substitutivo estabeleceu a obrigatoriedade de: informação ao preso do seu direito de ser assistido por advogado (art. 546, V); comunicação de sua prisão à Defensoria Pública, em caso de não indicação de advogado (art. 545, § 1º); e de entrega de cópia do auto de prisãoemflagranteaoadvogadooudefensorquetiveracompanhadoointerrogatório do preso (art. 553, § 1º).

Esta comunicação é feita essencialmente através da nota de ciência dos direitos e garantias constitucionais. A ausência deste documento indicará a omissão de tal comunicação ao autuado, o que torna o respectivo auto deprisãoemflagranteilegal,devendoserassimdeclaradopelojuizqueo apreciar, após seu recebimento.

De nada adiantaria, portanto, o trabalho realizado pela polícia militar, porexemplo,querealizouaapreensãodoautordeumfatoaparentementecriminoso, nem tampouco da polícia civil, que passou um longo período paraformalizaraquelaprisão.Odelegadodepolícia,portanto,deveficaratentoatodasasexigênciasformaisdaprisãoemflagrante,paraquetodoo trabalho realizado pela equipe não se torne inócuo.

15.7 Nota de “culpa”A nota de “culpa” é o documento através do qual o delegado de polí-

ciainformaráaoconduzidosobre:suaprisãoeautuaçãoemflagrante;ocrime por ele praticado; quem foi seu condutor; as testemunhas e sobre avítima,seexistente.

Estranhamenteaindasemantémumaexpressãotãoexplicitamenteincompatível com a presunção de inocência a que tem direito todo cidadão, aomenosatétrânsitoemjulgadodeumasentençapenalcondenatória,por imperativo constitucional e convencional. Resquícios do discurso in-quisitório. Esta a razão das aspas!

Estedocumentooficialseráentregueaopreso,quedarárecibo,apósalavraturadorespectivoautodeprisãoemflagrante,mas,emqualquer

340 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 223.

341 Id. Ibid., p. 224.

a nOva SISTeMÁTICa Da pRISÃO eM flaGRanTe 2 9 1

caso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas após a captura do autuado (art. 306, § 2º, do CPP).

No caso de o autuado não saber, não poder ou simplesmente se recusar a assinar a nota de culpa, duas testemunhas instrumentárias a assinarão, por analogia ao disposto no art. 304, § 3º, do CPP. Estulano Garcia e Estulano Pimenta ensinam que, embora sem previsão legal, é convenientequeoescrivãocertifique,napróprianotadeculpa,arecusaou impossibilidade.342

15.8 Comunicação à família ou à pessoa indicadaComo já mencionado, todo cidadão tem assegurado o direito de que sua

prisão seja comunicada ao juiz e à sua família ou à pessoa que ele indicar (art. 5º, inc. LXII, da CF). Este dispositivo constitucional visa possibilitar tanto o controle da legalidade da prisão de alguém quanto a assistência dopresoporseusfamiliaresoupessoasdesuaconfiança.

Porsetratardeumdireito,opresopodeounãoexercê-lo,nãopodendodisso decorrer qualquer ilegalidade. Assim, a ausência de comunicação da prisão de alguém ao seu familiar ou outra pessoa, por vontade do próprio autuado, não configura constrangimento ilegal, como já decidiu o STF.343

Na hipótese de não indicação de alguém para ser comunicado, de não ser localizado ou não ser possível sua comunicação, deverá o escrivão certificartalfato.

15.9 Comunicação e encaminhamento do auto de prisão em flagrante ao juiz

Cumprindo os preceitos constitucional (art. 5º, inc. LXII, da CF) e legal (art. 306 do CPP), deve o delegado de polícia, após concluir a lavratura doautodeprisãoemflagrante,comunicaraprisãoaojuizeencaminharcópia do respectivo auto, para as providências legais.

De acordo com a nova redação dos arts. 310 e 282, § 6º, do CPP, o juiz,aoreceberoautodeprisãoemflagrantetomaráumadasseguintesmedidas:a)relaxamentodaprisão,porilegalidade;b)concessãodeoutramedida alternativa à prisão; c) concessão da liberdade provisória sem

342 GARCIA, Ismar Estulano; PIMENTA, Breno Estulano. Procedimento policial: inquérito policialetermocircunstanciado.Goiânia:AB,2009,p.88.

343 “Não ocorre descumprimento do inciso LXII do art. 5º da CF, quando o preso, voluntariamente, não indica pessoa a ser comunicada da sua prisão. Encontrando-se o paciente cumprindo penaporcondenaçãodefinitiva,éirrelevanteeventualnulidadeformalquetenhaocorridonoautodeprisãoemflagrante,eisqueseencontrapresoporoutrotítulo.”(HC69.630,Rel.Min. Paulo Brossard, julgamento em 20-10-1992, Segunda Turma, DJ de 4-12-1992.)

2 9 2 CleOpaS ISaíaS SanTOS

fiança;oud)decretação(ocódigofaladeconversão) da prisão preventiva, se presentes seus pressupostos.

Segundo entendemos, esta análise deve ser feita pelo juiz no prazo máximode48(quarentaeoito)horas,acontardaformalizaçãodaprisãoemflagrante,comosedepreendedainterpretaçãosistemáticadosarts.306,§ 1º e 322, par. único, ambos do CPP. Este último, por aplicação analógica. Desse modo, o autuado poderá permanecer até 72 (setenta e duas) horas presoexclusivamentepor forçadaprisãoemflagrante(24horasatéacomunicação ao juiz e até 48 horas para a decisão do juiz).344

Questão que vem sendo motivo de debates na doutrina é se o juiz pode, deofício,converteraprisãoemflagranteempreventiva,quandoestaforcabível, como preceitua o art. 310, inc. II, do CPP. Isso porque o art. 282, § 2º, do CPP, determina que a decretação de qualquer medida cautelar só poderáserfeita,deofíciopelojuizsenocursodoprocesso.Senocursoda investigação, somente mediante representação da autoridade policial ou de requerimento do membro do Ministério Público.

O doutrinador Antonio Alberto Machado,345 analisando o tema, sus-tenta que

[...]nessecasoojuiznãoatuapropriamentedemaneiraespontânea,pois a sua intervenção foi provocada pela remessa do auto de prisão emflagrante,oqueconfiguraumahipótesebemdiferentedasituaçãoemqueeledecretaaprisãopreventivaautônoma,semflagranteesemprovocação de quem quer que seja.

De outro lado, Borges de Mendonça346 propugna que, “em relação ao MinistérioPúblico,emboratenhahavidoomissãodotexto,é imprescin-dível sua oitiva, dentro do prazo de 48 horas, em razão do seu desenho constitucionaledasuaprópriacondiçãodetitularexclusivodaaçãopenalpública (art. 129, inc. I, da CF)”.

Entendemos mais acertado este último entendimento. Assim, o juiz, ao receberoautodeprisãoemflagrante,entendendosercabível,sópoderádecretar a prisão preventiva se o delegado de polícia que presidiu o auto deprisãoemflagranterepresentar ou se o Ministério Público requerer.

344 BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim, op. cit., p. 65. Em sentido contrario, entendendo ser de 24 horas o prazo para a análise judicial do auto de prisão em flagrante,cf.LOPESJR.Aury.O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e outras medidas cautelares diversas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 32.

345 MACHADO, Antonio Alberto. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012, p. 634. No mesmosentido,cf.REIS,AlexandreCebrianAraúdo;GONÇALVES,VictorEduardo.Direito processual penal esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 378.

346 MENDONÇA, Andrey Borges de, op. cit., p. 219.

a nOva SISTeMÁTICa Da pRISÃO eM flaGRanTe 2 9 3

Ocorrequenenhumadessasduasalternativasestáprevistaexpres-samentenoart.310,comojáreferido.Nemsequerexigequeojuiz,antesde decidir sobre que medida tomar, dê vista ao Ministério Público, para se manifestar.

Contudo, diante do sistema processual acusatório esboçado pela Cons-tituiçãoFederal,nãotemosdúvidaemafirmarqueoMinistérioPúblicodeve ser sempre ouvido antes da decretação de uma prisão.

Nocasoespecíficoderepresentação do delegado de polícia, esta poderá ser feita no próprio auto de prisão em flagrante ou em apartado. Mas somente quando a autoridade policial entender seja cabível a prisão preventiva. Quando entender cabível outra medida, sua representação deverá ser neste sentido.

Apesar de nos parecer o entendimento mais acertado, em recente decisão, a Quinta Turma do STJ decidiu que “independentemente de re-presentação do Ministério Publico ou da Autoridade Policial, sempre que presentes os requisitos constantes do art. 312 do Código Penal, ao receber o auto de prisão em flagrante, o Juiz deverá converter a custódia em prisão preventiva.” Senão vejamos:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABI-MENTO. COMPETÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. MATÉRIA DE DIREI-TO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DESTE TRIBUNAL, EM CONSONÂNCIA COM A SUPREMA CORTE. ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. REPRESENTAÇÃO DA AUTO-RIDADE POLICIAL OU DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE QUE, EVENTUALMENTE, PUDESSE ENSEJAR A CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. HABEAS CORPUSNÃOCONHECIDO. 1.OExcelsoSupremoTribunalFederal,em recentes pronunciamentos, aponta para uma retomada do curso regular do processo penal, ao inadmitir o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário. Precedentes: HC 109.956/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/09/2012; HC 104.045/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 06/09/2012; HC 108.181/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. LuizFux,DJede06/09/2012.DecisõesmonocráticasdosministrosLuizFuxeDiasTóffoli,respectivamente,nosautosdoHC114.550/AC (DJe de 27/08/2012) e HC 114.924/RJ (DJe de 27/08/2012). 2. Sem embargo, mostra-se precisa a ponderação lançada pelo Ministro Marco Aurélio, no sentido de que, "no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-se a conceder, se forocaso,aordemdeofício."3.Adecisãoqueconverteuaprisãoemflagranteemprisãopreventivaseencontradevidamentefundamen-tada,emfacedascircunstânciasdocasoque,pelascaracterísticasdelineadas, retratam, in concreto, a periculosidade do agente, a indicar

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a necessidade de sua segregação para a garantia da ordem pública, considerando-se, sobretudo, que o crime foi cometido em via pública ecomoempregodedesnecessáriaviolênciafísicacontraavítima.4.As condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons ante-cedentes,ocupaçãolícitaeresidênciafixa,nãotêmocondãode,porsisós, desconstituir a custódia antecipada, caso estejam presentes outros requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação damedidaextrema.5. Independentemente de representação do Ministério Publico ou da Autoridade Policial, sempre que presentes os requisitos constantes do art. 312 do Código Penal, ao receber o auto de prisão em flagrante, o Juiz deverá converter a custódia em prisão preventiva.6.Ausênciade ilegalidadeflagranteaptaaensejaraeventualconcessãodaordemdeofício.7.Habeascorpusnão conhecido. (HC 280.980/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 07/03/2014).

Importa ressaltar a recente previsão da Lei nº 12.694/2012, a qual possibilita, entre outras coisas, que medidas cautelares prisionais possam ser decretadas mediante decisões colegiadas (por três juízes), nos proce-dimentos que investigam crimes praticados por organizações criminosas. Assim, será possível, a partir da referida lei, que a análise do auto de prisão emflagrantepossaserfeitaporumórgãocolegiadodeprimeirainstância,composto por três juízes (art. 1º, incs. I e II).

15.10 Comunicação e encaminhamento do auto de prisão em flagrante à Defensoria Pública

Medidadasmaissalutaresparagarantirosdireitosdopreso,éaexi-gência de que a prisão de alguém também seja comunicada à Defensoria Pública, com encaminhamento de uma cópia do respectivo auto, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas após a detenção, na hipótese de o autuado não ter indicado o nome de seu advogado (art. 306, § 2º, do CPP).

Assim,concluindoalavraturadoautodeprisãoemflagrante,enãotendo o autuado indicado o nome de seu advogado, o delegado de polícia encaminhará uma cópia do auto à Defensoria Pública, para que esta tam-bémfaçaafiscalizaçãodalegalidadedaprisãoeatésemanifestesobreocabimento de outra medida cautelar pessoal alternativa à prisão.

E se no local da prisão não houver defensor público? Ou, mesmo havendo, a prisão em flagrante se der à noite, em fins de semana ou feriados? O Código de Processo Penal não regulamenta nenhuma dessas hipóteses. Entendemos, porém, ser possível chegarmos às seguintes soluções.

No primeiro caso, o delegado deverá comunicar à Seccional da OAB local, medida que satisfaz a intenção do legislador e do constituinte ori-ginário,quefoiadegarantirqueaprisãoemflagrantedoconduzidosejafiscalizadapelomaiornúmerodepessoas,inclusiveporumadvogado.

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Jánosegundo,normalmenteexisteumdefensordeplantão,comotem um delegado, um juiz e um promotor. Se não tiver, o escrivão deverá certificarofato.

De todo modo, entendemos que a não comunicação efetiva da Defen-soria,poressasrazões,nãogeranulidadedaprisãoemflagrante.

15.11 Comunicação e encaminhamento do auto de prisão em flagrante ao membro do Ministério Público

Deigualmodo,etambémparafinsdecontroledalegalidadedapri-sãoemanifestaçãosobreamedidacautelarcabívelaocaso,exige-sequeoMinistérioPúblicotambémsejacomunicadodaprisãoemflagrantedealguém (art. 306, caput, do CPP).

EmboraoCódigonãodigaqueumacópiadoautodeprisãoemflagran-te também deva ser encaminhado ao Ministério Público, parece claro que o delegado, além de comunicar a prisão, deve também encaminhar uma cópia do respectivo auto. Até porque, somente diante do auto de prisãoemflagrante,équeomembrodoMinistérioPúblicopoderáexercersuas funções adequadamente, naquele momento, especialmente analisar se é cabível a prisão preventiva ou mesmo outra medida cautelar menos drástica para o autuado.

15.12 Casos específicos de comunicação da prisão em flagrante

Emalgunscasos,aleiexigequeaprisãoemflagrantedecertaspes-soassejacomunicadatambémapessoasouinstituiçõesespecíficas,tudocomofimdemelhorassegurarahigidezdosdireitosfundamentaisdospresos.Éoqueocorrenoscasosdeprisãoemflagrantedeparlamenta-res do Congresso Nacional, de estrangeiro, de magistrado ou membro do Ministério Público, de defensor público da União e dos Estados, de militar e de índio não integrado.

Conformejáesclarecido,havendoprisãoemflagrantedeDeputadoFederalouSenador,oquesópoderáocorrerseforinafiançávelocrime,oAPFD será lavrado pela autoridade policial e sua prisão deverá ser comu-nicada,noprazomáximode24(vinteequatro)horas,àCasaLegislativarespectiva, para que seus membros, por voto da maioria, decida sobre a prisão (art. 53, § 2º, da CF).

Sendoestrangeiroosujeitopassivodaprisãoemflagrante,casoestesolicite, deverá a autoridade policial comunicar sua prisão à autoridade consular respectiva, nos termos do art. 36, inc. I, b, da Convenção de Viena sobre relações consulares de 1963, promulgada no Brasil pelo Decreto 61.078/1967.

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Segundojáesclarecido,seosujeitopassivodaprisãoemflagranteformagistrado ou membro do Ministério Público, o delegado de polícia deverá, após a lavratura do respectivo auto, comunicar a prisão, respectivamente, ao Presidente do Tribunal (art. 33, inc. II, da LC 35/1979) ou ao Procurador Geral (art. 40, inc. III, da Lei nº 8.625/1993).

CasooautuadosejadefensorpúblicodaUnião,suaprisãoemfla-grante deverá ser comunicada ao Defensor Público Geral, nos termos do art. 44, inc. II, da LC 80/1994. De igual modo, o defensor público estadual tambémtemomesmodireitodetersuaprisãoemflagrantecomunicadaimediatamente ao Defensor Público Geral do Estado, já que os mesmos direitos dos defensores públicos da União são aplicáveis aos defensores públicos estaduais (art. 124, § 2º, da LC 80/1994).

A Lei nº 8.906/1994 garante ao advogado o direito de ter a presença derepresentantedaOAB,quandopresoemflagrante,pormotivoligadoaoexercíciodaadvocacia,paralavraturadoautorespectivo,sobpenadenulidadee,nosdemaiscasos,acomunicaçãoexpressaàseccionaldaOAB(art. 7º, inc. IV). Assim, em ambas as hipóteses, a comunicação da prisão do advogado à OAB será necessária.

Tambémnocasodeprisãoemflagrantedemilitar,oEstatutodosMilitares determina que um representante da instituição se faça presen-te durante a autuação e que, após sua conclusão, o preso seja entregue àautoridademilitarmaispróxima,parafinsdecustodia(art.74daLeinº 6.880/1980). E para que isso seja possível, deve o delegado de polícia comunicar, antes mesmo do interrogatório do conduzido, ao militar res-ponsável pela unidade, para que este acompanhe o interrogatório do preso.

Porfim,emborasemexpressaprevisãolegal,entendemosqueseoautuado for índio não integrado, deverá a autoridade policial comunicar sua prisão à FUNAI, órgão responsável pela tutela dos silvícolas. Esta comunicação, aliás, deverá ser anterior à lavratura do auto de prisão em flagrante,paraqueumrepresentantedaFUNAIpossaacompanhar,comorepresentantelegal,apróprialavraturadoautodeprisãoemflagrante.Detodo modo, importa ressaltar, conforme leciona Borges de Mendonça, que o STF entende que a tutela constitucional do índio é civil, e não criminal. Contudo, ainda de acordo com o referido autor, este entendimento do STF parece equivocado, pois somente com a comunicação à FUNAI “[...] será possível assegurar, verdadeiramente, o direito à ampla defesa e, sobretudo, o devido processo legal ao índio não integrado”.347

347 MENDONÇA, Andrey Borges de, op. cit., p. 208-209.

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15.13 Contraditório antecipadoPorfim,entendemosqueojuiz,aoreceberoautodeprisãoemfla-

grante, e considerá-lo legal, deverá, antes de decretar qualquer medida cautelar, prisão preventiva ou outra medida alternativa à prisão, possibilitar o, assim chamado, contraditório prévio ou antecipado, nos termos do art. 282, § 3º, do CPP, sem aplicação, neste momento, sequer, da ressalva doscasosdeurgênciaou ineficáciadamedida,estasaplicáveisapenasquandooimputadonãoestiverpresoemflagrante.348

E assim entendemos porque estas ressalvas somente fazem sentido se a medida for prisional, estando o cidadão em liberdade, ou se for uma medida cautelar probatória, como a interceptação telefônica, onde necessariamentesuaeficáciaestácondicionadaaodesconhecimentodoinvestigado, razão pela qual o único contraditório possível será o diferido ou postergado.

Como a prisão preventiva que poderá ser decretada pelo juiz será resultado da conversãodaprisãoemflagrante,oautuado,poróbvio, jáestá preso, não havendo razão para se cogitar em urgência da medida suficienteparadispensarocontraditórioprévio.

De igual modo, estando o autuado preso, nenhuma das medidas caute-lares do art. 319 do CPP que possa ser decretada pelo juiz, neste momento, temsuaeficáciacondicionadaaodesconhecimentodoimputado.

Assim sendo, o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, de-verá, antes de decretar qualquer medida cautelar, prisional ou não, possibilitar o contraditório antecipado, sem qualquer ressalva. Esta medida, aliás, permitirá uma melhor análise acerca da adequação, necessi-dade e proporcionalidade em sentido estrito de uma medida a ser aplicada.

Embora a Lei nº 12.403/2011 não tenha regrado o procedimento desse contraditórioprévio,limitando-seapenasaafirmarqueojuizdeterminaráa intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, a doutrina tem se esforçado para delinear seus contornos principais.

Nessesentido,porexemplo,FlavianeBarroseFelipeMachado349 sustentam que

Tal contraditório pode ser efetivado por meio de uma audiência de-signada para 24 horas após o recebimento do APFD, que contará com a presença do MP, vítima (se for o caso), conduzido e seu defensor (constituído ou nomeado).

348 Em sentido contrário, entendendo não ser cabível o contraditório neste momento, vez que seafiguracomoumamedidaurgente,MENDONÇA,AndreyBorgesde,op.cit.,p.219.

349 BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim, op. cit., p. 77.

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Além disso, é possível ainda que esse contraditório se efetive, na dicção do art. 282, § 3º, do CPP, com a simples comunicação, pelo juiz, ao imputado, damedidarequerida,comencaminhamentodosdocumentosexistentes(representaçãoourequerimento,oitivas,fotografias,documentoseoutroselementosdeprova),afimdequeadefesapossasemanifestar,noprazomáximode24(vinteequatro)horas,sobreopedido.

16 AFINAL, PODE O DELEGADO DE POLÍCIA RELAXAR A PRISÃO EM FLAGRANTE?

A doutrina majoritária defende, a partir da interpretação, a contrario sensu,doart.304,§1º,doCPP,queodelegadodepolíciapoderelaxaraprisãoemflagrante.350 Com efeito, segundo o referido dispositivo legal, “resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a auto-ridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja”.

Gustavo Badaró,351analisandoatentamenteotema,afirmaqueO dispositivo, entretanto, não prevê que não se lavrará o auto de prisãoemflagrante,masque,apósalavratura,nãosedeterminaráorecolhimento do conduzido à prisão. Em suma, será lavrado o auto de prisãoemflagrantemas,depois,oautuadonãoserárecolhidoàprisão.

É também no mesmo sentido o teor da Súmula nº 7, aprovada no I Seminário Integrado da Polícia Judiciária da União e do Estado de São Paulo: Repercussões da Lei 12.830/13 na Investigação Criminal, realizado na Academia de Polícia Coriolano Nogueira Cobra, em 26 de setembro de 2013, com a participação de Delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo e da Polícia Federal:

Súmulanº7.Configurapoder-deverdoDelegadodePolícia,aotérminodalavraturadoautoflagrancial,tornarinsubsistenteaprisãoemfla-grante delito e determinar a imediata soltura do indivíduo preso, nas hipóteses de carência de elementos seguros de autoria e materialidade dainfraçãopenal,bemcomodapresençadeindíciossuficientesdeeventuaiscircunstânciasacarretadorasdaatipicidade,daexclusãodaantijuridicidadeoudainexigibilidadedecondutadiversa.

Respeitados os doutrinadores que assim pensam, entendemos de modo diverso. A leitura feita pela doutrina pátria majoritária do citado dispositivolegalnãoresisteaumafiltragemconstitucional.

350 Por todos, QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Flagrante: pode a autoridade policial relaxá-lo? São Paulo: Iglu, 1994, passim.

351 BADARÓ, Gustavo, op. cit., p. 727.