Novas competências para as Áreas...

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Novas competências para as Áreas Metropolitanas Elaborado pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto para a Área Metropolitana do Porto com o apoio de

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Novas competências

para as Áreas Metropolitanas

Elaborado pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto

para a Área Metropolitana do Porto

com o apoio de

1

Novas Competências para as Áreas

Metropolitanas

Junta Metropolitana do Porto

30 de março de 2012

Faculdade de Economia da Universidade do Porto | Rua Dr. Roberto Frias, 4200-464 Porto T. 351 22 557 11 00 | F. 351 22 550 50 50 www.fep.up.pt

ii

Equipa Técnica

João F. Proença (Coordenador)

Óscar Afonso

Pedro Mazeda Gil

Rui Henrique Alves

iii

Índice

Sumário executivo 1

Introdução 12

Capítulo 1. Caracterização da situação actual ao nível da divisão

administrativa em Portugal

19

1. Apresentação genérica da divisão administrativa de Portugal 20

2. Administração central 24

2.1. Composição e órgãos 24

2.2. Orgânica do governo – ministérios: missão e potencial para descentralizar nas

áreas metropolitanas

26

3. Administração local: municípios e freguesias 39

4. Associação de municípios 51

4.1. Comunidades Intermunicipais: constituição, competências, órgãos e recursos

financeiros

51

4.2. Áreas metropolitanas: constituição, competências, órgãos e recursos

financeiros

56

4.3. Associações de Municípios de Fins Específicos: constituição, competências,

órgãos e recursos financeiros

59

4.4. Sector empresarial local 60

5. Estrangulamentos e atendimentos 65

5.1. Ambivalências jurídicas 65

iv

5.2. Considerações técnicas genéricas

66

Capítulo 2. Realidade da divisão administrativa e das áreas

metropolitanas no contexto europeu

70

1. Modelos de divisão administrativa, grau de descentralização da despesa e

receita e afectação por funções no panorama europeu

71

1.1. Modelos de divisão administrativa e grau de descentralização da despesa e

receita públicas

71

1.2. Despesa por funções da administração local e regional 74

2. Algumas experiências europeias quanto a áreas metropolitanas 92

2.1. Os quatro casos analisados 93

2.2. Principais conclusões

97

Capítulo 3. Critérios de repartição de competências no âmbito da

organização administrativa do território

101

1. O objecto da teoria do federalismo fiscal 102

2. O fornecimento de bens e serviços 104

2.1. Diversidade e vantagens de informação como elemento potenciador da

descentralização

104

2.2. Outros elementos favoráveis à descentralização: capacidade de controlo

democrático, efeitos da concorrência inter-jurisdicional e capacidade de

reforço da participação política

107

2.3. Economias de escala e ocorrência de efeitos de spillover como elementos

favoráveis à centralização

112

v

3. A função de redistribuição 114

4. A função de estabilização macroeconómica 116

5. Os instrumentos do federalismo fiscal: tributação e transferências inter-

governamentais

117

6. Das lições da teoria económica aos critérios de repartição de competências

para o caso português

123

Capítulo 4. Áreas metropolitanas em Portugal: competências e

meios financeiros

133

1. Identificação das principais áreas de intervenção para as áreas

metropolitanas

134

1.1. Considerações sobre a metodologia seguida 134

1.2. Resultados obtidos 139

2. Proposta de competências a atribuir às áreas metropolitanas 151

2.1. Introdução 151

2.2. Esboço de governação metropolitana: estrutura e competências 153

2.3. A transferência de funções para as áreas metropolitanas: notas adicionais 161

vi

3. Meios financeiros e regras orçamentais das áreas metropolitanas 163

3.1. Esboço de orçamento e meios financeiros 163

3.2. Regras orçamentais 169

Referências 172

vii

Índice de Tabelas

Tabela 1.1. Áreas governamentais e potencial de descentralização de

competências

39

Tabela 1.2. Receitas e despesas da administração local, 2010-2012 47

Tabela 1.3. Despesa pública por funções e por sector das administrações

públicas

50

Tabela 1.4. Orçamento de 2012 em três Comunidades Intermunicipais 55

Tabela 1.5. Orçamento de 2012 das áreas metropolitanas 58

Tabela 1.6. O universo do SEL, 2009 64

Tabela 2.1. Despesa da administração local e regional em segurança e ordem

pública por sub-função (% do total da sub-função, 2009)

77

Tabela 2.2. Características das áreas metropolitanas seleccionadas e

extensão à Área Metropolitana do Porto

93

Tabela 2.3. Competências das quatro áreas metropolitanas seleccionadas 100

Tabela 4.1. Matriz de funções-critérios: scoring por função 140

Tabela 4.2. Governação metropolitana: estrutura e competências 155

Tabela 4.3. Exemplos de orçamentos globais em áreas metropolitanas

seleccionadas

164

Tabela 4.4. Exemplo de orçamento para a Área Metropolitana do Porto 167

viii

Índice de figuras

Figura 1.1. Síntese da divisão administrativa de Portugal continental 23

Figura 1.2. Peso da administração local no total das administrações públicas:

despesa e receita

48

Figura 1.3. Transferências para os municípios e freguesias: participação nos

impostos do Estado em 2012

49

Figura 1.4. As CIM e áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto 52

Figura 1.5. Distribuição das empresas do SEL por sector de intervenção, 2009 54

Figura 2.1. Despesa pública e receita fiscal por sector das administrações

públicas numa selecção de países europeus

73

Figura 2.2 Despesa da administração local e regional por função (% do total

das administrações públicas, 2009)

75

Figura 2.3. Despesa da administração local e regional em segurança e ordem

pública (% do total da função, 2009)

77

Figura 2.4. Despesa da administração local e regional em assuntos

económicos (% do total da função, 2009)

79

Figura 2.5. Despesa da administração local e regional em assuntos

económicos por sub-função (% do total da sub-função, 2009)

80

Figura 2.6. Despesa da administração local e regional em protecção do

ambiente (% do total da função, 2009)

81

ix

Figura 2.7. Despesa da administração local e regional em protecção do

ambiente por sub-função (% do total da sub-função, 2009)

82

Figura 2.8. Despesa da administração local e regional em habitação e

equipamentos colectivos (% do total da função, 2009)

83

Figura 2.9. Despesa da administração local e regional em habitação e

equipamentos colectivos por sub-função (% do total da sub-

função, 2009)

84

Figura 2.10. Despesa da administração local e regional em saúde (% do total

da função, 2009)

85

Figura 2.11. Despesa da administração local e regional em saúde por sub-

função (% do total da sub-função, 2009)

86

Figura 2.12. Despesa da administração local e regional em recreação, cultura

e religião (% do total da função, 2009)

87

Figura 2.13. Despesa da administração local e regional em recreação, cultura

e religião por sub-função (% do total da sub-função, 2009)

88

Figura 2.14. Despesa da administração local e regional em educação (% do

total da função, 2009)

89

Figura 2.15. Despesa da administração local e regional em educação por sub-

função (% do total da sub-função, 2009)

90

Figura 2.16. Despesa da administração local e regional em segurança e acção

sociais (% do total da função, 2009)

91

x

Figura 2.17. Despesa da administração local e regional em segurança e acção

sociais por sub-função (% do total da sub-função, 2009)

92

Figura 3.1. Uma aplicação da Teoria do Federalismo Fiscal 101

Figura 3.2. Elementos potenciadores da descentralização e do seu grau 106

Figura 3.3. Elementos potenciadores da centralização 114

Figura 3.4. Repartição das competências de tributação pelos níveis de

governo

119

Figura 3.5. Funções das transferências inter-governamentais 121

Figura 3.6. Mecanismos de disciplina orçamental ao nível sub-central 123

Figura 3.7. Descentralização versus centralização: as forças em jogo 127

Figura 4.1. Metodologia para identificação do nível de governo a que deve

ser atribuída cada função exercida pelo Estado

138

Figura 4.2. Scoring ao nível das funções gerais de soberania 141

Figura 4.3. Scoring ao nível das funções económicas e ambientais 144

Figura 4.4. Scoring ao nível das funções sociais (I) 147

Figura 4.5. Scoring ao nível das funções sociais (II) 149

Figura 4.6. Transferência de competências da administração central para a

administração metropolitana

162

1

Sumário Executivo

1. Para lá das funções intransmissíveis e irredutíveis que subjazem à noção de “Estado

mínimo”, o Estado assume-se como um actor importante no que às questões

económicas fundamentais respeita, assumindo funções ao nível da promoção da

eficiência na afectação dos recursos, da promoção da equidade e da consecução da

estabilidade macroeconómica. A realização de tais funções pode ser levada a cabo sob

diferentes enquadramentos e desenhos da estrutura de decisão e acção do Estado.

Este pode ter uma actuação mais ou menos centralizada e a repartição das suas

atribuições pelos seus agentes políticos pode ser muito diversa.

2. No caso português, os dados existentes apontam para uma actuação

excessivamente centralizada. Desde logo, Portugal é o único país da Europa Ocidental

que só apresenta dois níveis de poder (central e local, com excepção dos casos de

Açores e Madeira). Por outro lado, os pesos da despesa pública e da receita fiscal da

administração local (e regional) no total, respectivamente, da despesa pública e da

receita fiscal das administrações públicas ficam claramente aquém da média dos países

europeus não federalizados (14% versus 24,5% e 9,9% versus 15,8%, em 2010).

3. O presente estudo insere-se neste contexto, ou seja, no quadro da temática da

reorganização administrativa do território português. O seu objecto é a definição do

conjunto de competências do Estado que devem estar atribuídas às áreas

metropolitanas, no contexto de uma verdadeira reforma do seu enquadramento de

actuação. Estando o exercício real das competências dependente dos meios para as

executar, o presente estudo dirige-se igualmente a este tópico. O objectivo final do

estudo é, assim, o de contribuir para uma definição pertinente e robusta do espaço

que as áreas metropolitanas podem e devem ocupar na senda da divisão

administrativa do país.

4. No que respeita ao objecto do trabalho, é útil ter em conta, desde logo, que o

mesmo se dirige estritamente às competências (e meios financeiros associados) para

2

as áreas metropolitanas portuguesas. O resultado final poderá, em diversas situações,

ser transponível para outros níveis intermédios da administração política,

nomeadamente as comunidades intermunicipais (CIM). Em todo o caso, as diferenças

substantivas que existem entre as duas realidades (áreas metropolitanas e CIM)

justificam um tratamento diferenciado, surgindo necessariamente as áreas

metropolitanas como excepções face ao resto do País.

5. Não consta do objectivo do estudo a discussão em torno da definição geográfica e

da extensão das áreas metropolitanas em Portugal, assumindo a opção de considerar

as duas realidades actualmente existentes e procurando encontrar, para estas, as

melhores soluções no que à atribuição e exercício de competências respeita.

6. Também a discussão sobre o modo de governo e as formas de eleição dos órgãos

políticos das áreas metropolitanas fica de fora do âmbito do estudo, de modo a melhor

focá-lo nas questões da atribuição de competências e dos meios financeiros

associados. Naturalmente que a assunção de novas e reais competências e a

comprovação de importantes estrangulamentos no quadro do modelo de governação

actual deverão exigir alterações a este nível.

7. No que diz respeito à actual organização administrativa de Portugal, a complexidade

de divisões, com órgãos não eleitos, comporta áreas de intervenção que muitas vezes

se sobrepõem. O cenário existente é múltiplo, diversificado e heterogéneo, podendo

mesmo dizer-se que se apresenta muito pouco razoável ou harmonizado, quer em

termos de estruturas organizativas, quer no que se refere às características territoriais

adoptadas.

8. Tanto as contribuições dos municípios como a contribuição do Orçamento do Estado

(OE) para as duas áreas metropolitanas apresentam valores muito baixos por

comparação com os recursos públicos globais afectos à administração local: (i) as

transferências do OE para as áreas metropolitanas em 2012 (cerca de 1,2 milhões de

euros) equivalem a somente 0,06% do montante inscrito no OE 2012 no âmbito da Lei

3

das Finanças Locais (cerca de 2,1 mil milhões de euros); (ii) as transferências dos

municípios de Lisboa e do Porto para as respectivas áreas metropolitanas em 2012

representam, respectivamente, 0,01% e 0,05% da despesa total orçamentada por

esses municípios.

9. Ao nível das áreas metropolitanas, identificam-se os seguintes estrangulamentos:

(i) extensa elencagem de atribuições e competências sem a devida correspondência ao

nível dos meios financeiros; (ii) órgãos com composição por inerência, condicionando a

disponibilidade dos seus membros para o exercício das funções atribuídas; (iii)

ambivalência da estrutura orgânica, em particular na atribuição da função executiva,

acometida a uma estrutura que, sendo permanente, não é um órgão da área

metropolitana; (iv) legitimidade democrática apenas indirecta que condiciona a

sustentação da tomada de decisões.

10. O exercício de benchmarking internacional realizado aponta para a existência de

uma margem significativa para um aprofundamento do processo de descentralização

administrativa no nosso País, no âmbito do qual haverá espaço para um reforço das

competências e dos meios das áreas metropolitanas.

11. Considerando a classificação funcional da despesa pública mais habitual a nível

internacional, a COFOG (Classification of the Functions of Government), e excluindo as

áreas dos serviços gerais da administração pública e da defesa (cometidas ao governo

central no contexto europeu), Portugal está abaixo da média europeia (25 países não

federalizados) em quatro das restantes oito áreas, no que se refere à execução de

despesa pública pela administração local e regional: educação (-36,8 pontos

percentuais, p.p.); saúde (-20,5 p.p.); protecção social (-9,6 p.p.) e segurança e ordem

pública (-9,3 p.p.).

12. Mais ainda, em todas as funções, excepto na habitação e equipamentos colectivos,

é possível identificar um número significativo de países com valores superiores aos de

Portugal: sempre oito ou mais. O número mais alto ocorre no caso da educação (21

4

países), seguido da segurança e ordem pública (20 países) e da segurança e protecção

social (19 países).

13. A análise de diversos casos europeus de áreas metropolitanas, designadamente

Barcelona, Lyon, Paris, Île-de-France e Berlim, aponta para que exista um grupo de

políticas estreitamente ligadas ao território que parecem adequadas ao nível da área

metropolitana. Tais políticas centram-se nos domínios do desenvolvimento económico

e social, habitação, ordenamento do território, meio ambiente, mobilidade e

segurança pública. A mesma análise aponta ainda para que a inclusão de outras

competências possa resultar numa utilização subeficiente dos recursos.

14. No domínio da literatura económica, a teoria do federalismo fiscal constitui o

enquadramento analítico adequado para a análise das vantagens e desvantagens da

atribuição de competências a níveis superiores (centralização) ou inferiores

(descentralização) de governo, pelo que é assumida como o quadro teórico

fundamental do presente estudo.

15. Uma análise detalhada dos ensinamentos de tal teoria permite identificar dois

elementos principais favoráveis à descentralização de competências,

designadamente a melhor satisfação da heterogeneidade de preferências e a redução

de custos associados a situações de assimetria de informação, e dois elementos

principais favoráveis à centralização de competências, designadamente a capacidade

de obtenção de economias de escala e a maximização ou prevenção de efeitos de

spillover (positivos ou negativos).

16. Como elementos favoráveis à descentralização, surgem ainda o reforço da

capacidade de controlo democrático e da participação política dos cidadãos, porque

mais próximos dos níveis a que as decisões são tomadas, bem como a possibilidade de

interferência no processo de decisão por via da “votação com os pés”, no quadro de

uma acrescida concorrência interjurisdicional. Como elementos favoráveis à

centralização, surgem ainda a salvaguarda de recursos de carácter estratégico, a

5

capacidade de promover políticas de estabilização macroeconómica e a maximização

da equidade no contexto do funcionamento de mecanismos de redistribuição.

17. Estes elementos adicionais, favoráveis à centralização ou à descentralização,

apresentam, contudo, menor relevância e/ou maior dificuldade de objectivação em

termos de impacto do grau de descentralização, pelo que a análise se centra nos

quatro critérios referidos no ponto 15.

18. No quadro de uma aplicação da teoria do federalismo fiscal ao contexto português,

o procedimento adequado para a reorganização e descentralização administrativa (e

política) envolve: (i) a passagem do nível alto (administração central) para os níveis

intermédio (designadamente áreas metropolitanas) e baixo (municípios e freguesias)

das funções que mais beneficiem de um encurtamento dos canais de comunicação,

quer pelo aumento da velocidade dos processos de tomada de decisão, quer pela

redução dos custos a eles associados, bem como das que envolvem maior

heterogeneidade geográfica de preferências; (ii) a passagem do nível baixo para o nível

intermédio das funções passíveis de beneficiarem de economias de escala, bem como

de maximizarem benefícios externos e minimizarem externalidades negativas.

19. De modo a identificar as principais áreas onde a acção de níveis intermédios de

governo faria particularmente sentido, procedeu-se à construção de uma matriz de

dupla entrada, englobando as funções habitualmente cometidas ao Estado,

organizadas segundo a classificação funcional COFOG e desagregadas a três dígitos, e

os critérios para a distribuição de competências seleccionados com base na literatura

do federalismo fiscal e nas considerações acima efectuadas.

20. Para cada função, foi atribuído um score por critério em função do potencial

benefício que resultaria da descentralização, na escala de 1 a 5, onde 1 representa a

situação de benefício nulo (ou mais elevado custo) decorrente da descentralização e 5

de benefício mais elevado (ou custo mais reduzido) decorrente da mesma. Obteve-se,

assim, um score total por função e, com base no estabelecimento de intervalos de

6

scoring indicativos, determinou-se o nível de governo a que deveria corresponder o

exercício de cada função ou, pelo menos, a parte mais significativa das competências a

ela associadas.

21. A aplicação da metodologia acima descrita de modo muito sumário aponta para

domínios onde a intervenção de nível metropolitano pode assumir contornos muito

significativos, em alguns casos assumindo-se como protagonista fundamental, em

outros concertando posições e medidas com os níveis de poder hierarquicamente

superiores ou inferiores (ver Tabela 4.1.).

22. Em particular, os domínios do apoio às actividades económicas, da promoção da

competitividade da economia, do planeamento e fornecimento de serviços colectivos,

do urbanismo e ordenamento do território, da construção e gestão de infraestruturas

de cariz supramunicipal, da gestão e protecção ambiental, da educação de nível não

superior, do apoio à cultura, do combate à exclusão social, da protecção policial e civil,

e eventualmente de áreas ligadas à saúde parecem constituir-se naqueles onde mais

se justifica a intervenção das áreas metropolitanas. Estas são também áreas onde os

dados empíricos mostram que existe um substancial grau de descentralização da

despesa pública ao nível europeu, por vezes em forte contraste com a situação em

Portugal.

23. A delimitação precisa das competências das áreas metropolitanas e a definição

rigorosa do seu modo de financiamento devem ter claramente como objectivo

operacional uma poupança significativa de meios financeiros, ou seja, a concretização

de uma menor carga fiscal para suportar o conjunto de bens e serviços públicos mais

adequados às necessidades das populações, promovendo a coesão territorial e o

desenvolvimento local, sem comprometer a identidade histórica, cultural e social das

comunidades locais.

24. A passagem da identificação das áreas fundamentais de actuação para uma

proposta concreta de competências a atribuir às áreas metropolitanas deve ainda ter

7

em conta os seguintes aspectos: (i) a real concretização do princípio da

subsidiariedade é essencial para que a reforma administrativa permita concretizar os

ganhos de bem-estar sugeridos na literatura; (ii) o processo de reforma deve ser

gradual e faseado no tempo, permitindo uma transição suave entre o actual modelo

excessivamente centralizado e um novo modelo com ampla e elevada

responsabilidade no exercício das funções do Estado por parte das entidades

metropolitanas e locais.

25. Neste quadro, a proposta apresentada engloba essencialmente as áreas de

actuação onde é mais clara e/ou mais fácil e/ou eventualmente mais consensual a

transferência de competências para o poder metropolitano. Tal acontece sem prejuízo

de a administração metropolitana poder vir a assumir, posteriormente, novas

atribuições em domínios que ficam agora de fora (como, por exemplo, a área da saúde),

apesar de constarem do leque de áreas onde, de acordo com a aplicação da

metodologia, poderia ter elevada responsabilidade.

26. A proposta corresponde a um esboço de governação metropolitana, estruturada

segundo diversas secretarias (metropolitanas), às quais estão cometidas funções em

domínios especificados e cuja descrição se faz de modo detalhado na Tabela 4.2.,

coordenadas por uma Presidência:

o Presidência: funções de representação externa da área metropolitana, de

coordenação geral e de definição das grandes linhas de acção estratégica e

respectivos planos de actividades e orçamento associados;

o Secretaria Metropolitana do Desenvolvimento Económico: funções associadas

a uma parte substancial dos assuntos económicos, designadamente nas áreas

da promoção do território e da competitividade económica, inovação e

energia;

8

o Secretaria Metropolitana da Mobilidade, Ordenamento do Território e do

Ambiente: funções nos domínios da habitação, equipamentos colectivos e

transportes e da protecção do ambiente e da biodiversidade;

o Secretaria Metropolitana do Emprego e Solidariedade Social: funções nos

domínios do emprego e acção social;

o Secretaria Metropolitana da Educação: funções nos domínios da educação

básica, secundária e sem atribuição de nível;

o Secretaria Metropolitana da Cultura, Desporto e Lazer: funções nos domínios

da cultura, recreação e desporto;

o Secretaria Metropolitana da Segurança e Protecção Civil: funções nos domínios

da protecção civil e combate a incêndios.

27. A atribuição das (novas) competências às áreas metropolitanas deve ocorrer no

quadro de uma visão global do exercício das funções do Estado segundo os vários

níveis de poder, incluindo a necessidade de partilha de responsabilidades em diversas

áreas.

28. A transferência de competências obriga necessariamente a uma contratualização

entre os níveis de poder envolvidos, a qual deve incluir a identificação mais clara,

transparente e objectiva possível, das atribuições que são objecto de descentralização,

no caso da passagem do nível central para o nível metropolitano, ou de centralização

ou coordenação, no caso da passagem do nível local para o nível metropolitano. A

contratualização deve incluir igualmente a identificação dos meios financeiros e

humanos cuja transferência terá de ser concomitante à passagem das competências.

29. Diversos aspectos associados à transferência e exercício de competências

obrigarão a alterações na lei e a regulamentação específica, em particular no que

concerne aos meios financeiros, às regras aplicáveis às transferências financeiras e ao

endividamento e eventualmente ao próprio modelo de governação das áreas

metropolitanas.

9

30. O nosso estudo apresenta ainda uma proposta de orçamento para a despesa de

funcionamento e de investimento por secretaria metropolitana para a Área

Metropolitana do Porto (ver Tabela 4.4.).

31. A referida proposta de orçamento é somente um esboço do que se poderá

realizar, dado que apenas na fase de operacionalização da transferência de

competências, e após o necessário processo de contratualização e regulamentação, se

poderá efectuar um levantamento pormenorizado (auditoria) da despesa afecta a cada

função/competência a transferir.

32. A proposta de orçamento supõe ainda que o processo de reorganização

administrativa em causa deve implicar uma redução dos meios financeiros e humanos

afectos às competências a transferir, consideradas na sua globalidade, desde logo

como tradução do objectivo, subjacente ao referido processo, de incremento da

eficiência da actuação das administrações públicas. De modo a acomodar este aspecto,

os valores finais de despesa para as várias secretarias metropolitanas foram obtidos

aplicando um ajustamento genérico em baixa de 10% face ao orçamento actual

correspondente para a administração central. A implementação desta regra global foi

modulada de acordo com a natureza da despesa em causa (por exemplo, despesa de

funcionamento versus despesa de investimento ou despesa com pessoal versus

despesa em bens intermédios).

33. Os valores obtidos para o total de despesa da Área Metropolitana do Porto

posicionam-se sensivelmente no intervalo de referência que se obtém considerando os

orçamentos das áreas metropolitanas de Île-de-France, de Barcelona e de Lyon,

devidamente ajustados pelo diferencial de PIB per capita entre Portugal e os

respectivos países.

34. Considerando as Áreas Metropolitanas de Porto e Lisboa em conjunto, é notável a

poupança de recursos financeiros associada às propostas apresentadas no estudo.

10

Consoante os cenários traçados, tal poupança estima-se entre 125 e 180 milhões de

euros por ano.

35. Para assegurar a concretização da poupança de recursos financeiros atrás referida,

deverá atender-se às seguintes regras: (i) no primeiro ano de funcionamento da área

metropolitana, a transferência do Orçamento do Estado (OE) por competência será

calculada como uma fracção do montante anteriormente orçamentado para a

administração central, propondo-se que tal fracção seja de 90% em termos globais,

excluindo as despesas de investimento; (ii) no quadro de uma Lei de Financiamento

Metropolitano, as tranferências serão substituídas por receitas fiscais, identificadas

por tipo de imposto, consideradas como receitas próprias da área metropolitana,

tendo como tecto para o valor de receita fiscal envolvido o valor das transferências do

OE definidas em (i) (apenas eventualmente corrigido do efeito da inflação); (iii) após o

primeiro ano, sempre que ocorra transferência de novas competências para a área

metropolitana, a dotação financeira a estas correspondente e a transferir do OE será

definida como em (i).

36. A passagem de competências a realizar entre o nível de poder local e o

metropolitano deverá levar, igualmente, à transferência de meios financeiros de

acordo com as regras explicitadas no ponto anterior.

37. Por forma a garantir que a descentralização não coloque problemas à

concretização de uma desejável disciplina orçamental, particularmente relevante no

caso português em função das obrigações orçamentais decorrentes da participação no

projecto da moeda única europeia, torna-se necessária a definição de regras para o

saldo orçamental e para o endividamento das áreas metropolitanas.

38. No que se refere ao saldo orçamental, deverá ser respeitada a denominada

“regra de ouro” das finanças públicas, ou seja, o saldo corrente deverá ser positivo.

Neste contexto, apenas se admite o recurso ao endividamento por motivo de despesas

de capital. Por razões de sustentabilidade, a dívida líquida de médio e longo prazo não

11

deverá ultrapassar 50% do total de receitas próprias e transferências recebidas pela

área metropolitana. Dado o novo estatuto proposto para as áreas metropolitanas, o

limite de endividamento das áreas metropolitanas deverá passar a estar desligado dos

limites de endividamento dos municípios que as constituem.

39. A regra proposta para a dívida líquida deverá ficar suspensa enquanto Portugal se

mantiver em situação de assistência financeira externa. Durante tal período de

tempo, não deverá ser permitida a assunção de dívida líquida de médio e longo prazo,

implicando a obtenção anual de um saldo orçamental global não deficitário.

12

Introdução

Funções do Estado

Nas sociedades actuais, o Estado é chamado a desempenhar um papel relevante na

resposta a múltiplos desafios, que envolvem a afectação de meios escassos à

satisfação de necessidades ilimitadas. Para lá das funções intransmissíveis e

irredutíveis que subjazem à noção do “Estado mínimo”, “centradas sobre a identidade

nacional, a soberania, a organização política, a defesa, a segurança, a relação com os

outros Estados, os impostos” (Cadilhe, 2005), o Estado assume-se como um actor

importante no que às questões económicas fundamentais respeita. Assim, utilizando

os seus instrumentos de política (monetária, orçamental, cambial, de regulação), o

Estado assume adicionalmente funções em três domínios fundamentais:

a. Na promoção da eficiência na afectação dos recursos;

b. Na promoção da equidade;

c. Na consecução da estabilidade macroeconómica.

Em primeiro lugar, a intervenção do Estado visa contribuir para a promoção da

afectação óptima dos recursos produtivos, escassos e frequentemente não renováveis.

A teoria económica evidencia que a eficiência pode ser obtida através do correcto

funcionamento dos mecanismos de mercado: de facto, se os sinais do mercado, via

preço, forem correctos, então a troca entre agentes económicos conduzirá a um

estado da economia que maximiza o bem-estar desses agentes, ou seja, a um estado

em que não é possível melhorar a situação de bem-estar de um indivíduo sem

prejudicar a situação de outro (definição do conceito de eficiência económica).

O problema surge quando o mercado falha, originando níveis de produção

excessivos ou insuficientes, ou seja, uma afectação ineficiente dos recursos

económicos. Situações de “falha de mercado” assentam na incapacidade dos membros

da sociedade cooperarem entre si na satisfação de necessidades colectivas devido a

diferentes factores: características próprias (não rivalidade e não exclusão no

13

consumo) de determinados bens e serviços, designados por “públicos”; ocorrência de

externalidades; estruturas de mercado distintas da concorrência perfeita; existência de

informação assimétrica. Em todos estes casos, o mercado não parece ter uma

capacidade natural para gerar soluções eficientes, ou seja, de determinar a produção

da quantidade adequada de bens e serviços aos custos e preços adequados.

Considera-se que, em tais situações, o Estado tem o dever de agir, reconduzindo

a sociedade para soluções eficientes. A sua actuação envolve medidas de fornecimento

de bens e serviços públicos, correcção do comportamento dos agentes económicos,

correcção de assimetrias e aumento de informação entre os agentes económicos, e

regulação de certas actividades económicas.

Em segundo lugar, o Estado pode ser chamado a intervir por motivos de

equidade. Mesmo que o mercado conduza a uma solução eficiente, é possível que a

mesma concorra para uma distribuição do rendimento considerada “injusta” pela

sociedade (note-se que a definição do que é “equidade” varia no tempo e no espaço).

Nesse quadro, o Estado deveria assumir funções de redistribuição, por várias razões,

entre as quais o facto de ser a única entidade com poder de soberania para tributar

rendimentos dos agentes económicos. O exercício dessas funções envolveria

actividades de tributação (impostos directos e indirectos), de transferências de

rendimentos (subsídios) e de provisão de bens e serviços a preços inferiores ao custo

(subsidiados).

Em terceiro lugar, o Estado pode ser chamado a intervir por forma a contribuir

para a estabilização económica, envolvendo medidas de política para combater o

desemprego e contribuir para o crescimento sustentável da economia, controlar a

inflação ou equilibrar as contas com o exterior. O cerne da necessidade de actuação do

Estado centra-se aqui no facto de as economias de mercado serem naturalmente

instáveis, ou seja, evoluírem segundo ciclos económicos, alternando períodos de

expansão com períodos de recessão. Ora, a instabilidade gera ineficiência,

perturbando a leitura dos sinais veiculados pelo sistema de preços e prejudicando a

formação de expectativas correctas por parte dos agentes económicos.

14

Neste contexto, o Estado procura atenuar a amplitude dos ciclos económicos, de

modo que a evolução da economia seja mais previsível para os agentes económicos.

Tal envolve quer a actuação dos chamados “estabilizadores automáticos” incorporados

no orçamento (exemplo: impostos e subsídios que dependem do rendimento, porque

criam um diferencial entre rendimento nacional e rendimento disponível das pessoas,

o que pode abrandar o crescimento ou refrear a recessão) quer a tomada de medidas

discricionárias, isto é, resultantes de deliberações expressas do governo, com eventual

aprovação no parlamento.

O objecto e a estrutura do estudo no quadro da repartição das atribuições públicas

A realização das funções acima descritas pode ser levada a cabo sob diferentes

enquadramentos e desenhos da estrutura de decisão e acção do Estado. Este pode ter

uma actuação mais ou menos centralizada e a repartição das suas atribuições pelos

seus agentes políticos pode ser muito diversa.

É neste quadro teórico que surge o presente estudo, inserido na temática da

reorganização administrativa do território português. O seu objecto é a definição do

conjunto de competências do Estado que devem estar atribuídas às áreas

metropolitanas, no contexto de uma verdadeira reforma do seu enquadramento de

actuação. Estando o exercício real das competências dependente dos meios para as

executar, o presente estudo dirige-se igualmente, ainda que de forma subsidiária, a

este tópico. O objectivo final do estudo é, assim, o de contribuir para uma definição

pertinente e robusta do espaço que as áreas metropolitanas podem e devem ocupar

na senda da divisão administrativa do país.

O estudo é, pois, deliberadamente voltado para a descentralização dos processos

de tomada de decisão e não para uma simples desconcentração administrativa.

Importa, por isso, para prosseguir, proceder a uma distinção clara entre estes dois

conceitos.

Entende-se por desconcentração o processo pelo qual a lei transfere poderes de

decisão antes pertencentes a um órgão da administração central para outros órgãos

15

dele hierarquicamente dependentes, quer de âmbito nacional, quer de âmbito local.

Neste caso, a capacidade de decisão dos órgãos locais fica condicionada pelos critérios

dos órgãos centrais, que mantêm a responsabilidade da orientação e do controlo sobre

os órgãos periféricos. Ou seja, estes permanecem hierarquicamente dependentes do

departamento central correspondente, perante o qual são responsáveis pelo exercício

das funções desconcentradas, de acordo com as ordens, instruções e directivas que

dele recebem. Uma vez que a autoridade e a responsabilidade pelo exercício das

funções em questão permanecem, em última instância, no órgão central, o processo

de desconcentração, visto de forma isolada, é um processo puramente administrativo

de descongestionamento da administração do Estado, sem dar lugar à criação de

verdadeiras instituições sub-centrais autónomas.

Por descentralização designa-se o processo pelo qual a lei transfere poderes de

decisão pertencentes a órgãos da administração central para os órgãos próprios de

entidades independentes daquela, designadamente autarquias. Na descentralização,

os objectivos a prosseguir pelos órgãos autárquicos e os critérios que norteiam as suas

decisões são definidos por eles mesmos, não dependendo da orientação ou do

controlo substancial da administração central relativamente ao modo como actuam

dentro da órbita das suas atribuições. Os órgãos autárquicos descentralizados

representam as populações locais que os elegeram, pelo que os órgãos da

administração central poderão, quando muito, fiscalizar e garantir o cumprimento da

lei por parte daqueles. Na medida em que a autoridade e a responsabilidade últimas

pelo exercício dos poderes e das funções em causa passam a caber a organismos

periféricos, ainda que enquadrados por legislação nacional, referimo-nos aqui a um

processo não apenas de natureza administrativa mas também política.

É deste processo que o estudo trata. Para tal efeito, o estudo é composto por

quatro capítulos:

o O primeiro referente a uma caracterização sintética da actual organização

administrativa em Portugal;

o O segundo relativo a um exercício de benchmarking internacional;

16

o O terceiro referente a critérios de repartição de competências no âmbito da

reforma administrativa;

o O quarto correspondente à apresentação de propostas concretas para a

prossecução da reforma administrativa em termos de atribuição de

competências e concomitantes meios financeiros às áreas metropolitanas

portuguesas.

No primeiro capítulo, caracteriza-se a situação actual, passando em revista as várias

competências de cada nível de divisão administrativa de Portugal, incluindo a análise

das actuais competências e financiamento das áreas metropolitanas e a identificação

dos principais estrangulamentos que as caracterizam.

No segundo capítulo, faz-se uma breve análise da experiência de diversos países

europeus no que toca a afectação de despesa pública e respectivas formas de

financiamento, bem como uma análise de diversos estudos de casos europeus,

baseada em Escuela Politica y Alto Gobierno (2012), pretendendo-se identificar

exemplos eventualmente inspiradores para Portugal.

No terceiro capítulo, procede-se a uma revisão de literatura, obtendo-se o

estado de arte actual sobre critérios de repartição de competências no âmbito dos

processos de descentralização das actividades do Estado. Nele são analisadas as forças

centrípetas que induzem movimentos de integração e, em simultâneo, as forças

centrífugas indutoras de movimentos de fragmentação política.

No último capítulo, partindo da situação actual e conjugando os critérios de

repartição de competências consagrados na literatura com os exemplos internacionais

concretos, apresentam-se propostas concretas ao nível da atribuição de competências

às áreas metropolitanas em Portugal, no contexto de uma profícua reforma

administrativa, bem como ao nível dos meios financeiros necessariamente associados.

17

Notas e agradecimentos

A terminar esta introdução, cabem breves notas a propósito da definição do objecto

do trabalho, bem como alguns justos agradecimentos pelas contribuições de diversas

individualidades.

No que respeita ao objecto do trabalho, é útil ter em conta, desde logo, que o

mesmo se dirige estritamente às competências (e meios financeiros) para as áreas

metropolitanas portuguesas. O resultado final poderá, em diversas situações, ser

transponível para outros níveis intermédios da administração política, nomeadamente

as comunidades intermunicipais (CIM). Em todo o caso, as diferenças substantivas que

existem entre as duas realidades (áreas metropolitanas e CIM) justificam um

tratamento diferenciado, surgindo necessariamente as áreas metropolitanas como

excepções face ao resto do País.

Em segundo lugar, é importante ter presente que não consta do objectivo do

estudo qualquer discussão em torno da definição geográfica e da extensão das áreas

metropolitanas em Portugal, assumindo a opção de considerar as duas realidades

actualmente existentes e procurando encontrar, para estas, as melhores soluções no

que à atribuição e exercício de competências respeita.

Finalmente, deve notar-se que também fica de fora do âmbito do presente

estudo qualquer discussão sobre o modo de governo e as formas de eleição dos órgãos

políticos das áreas metropolitanas. Naturalmente que a assunção de novas e reais

competências e a comprovação de importantes estrangulamentos no quadro de

governação actual deverão exigir alterações àqueles níveis. Essa é, contudo, uma

discussão a juzante daquilo que deve constituir o fulcro do debate no momento

presente, ou seja, a definição das competências a atribuir às áreas metropolitanas.

O estudo que agora se apresenta beneficiou muito de sugestões, comentários e

contributos de diversas personalidades. Sendo certo que o conteúdo do estudo apenas

responsabiliza os seus autores, queremos deixar aqui bem expresso o nosso

agradecimento a todas as pessoas em causa: aos Membros da Junta Metropolitana do

Porto, em particular aos seus Presidente, Dr. Rui Rio, e Vice-Presidentes, Dr. Castro de

18

Almeida e Engº Castro Fernandes; às personalidades de relevo da sociedade portuense

e nortenha que tiveram a amabilidade de participar na discussão do relatório

preliminar, designadamente Dr. Arlindo Cunha, Dr. Carlos Lage, Engº Luis Braga da

Cruz, Prof. Doutor Luis Valente de Oliveira e Dr. Miguel Cadilhe; ao Presidente da

Comissão Executiva da Área Metropolitana do Porto, Dr. Lino Ferreira; aos elementos

do Gabinete de Estudos e Planeamento da Câmara Municipal do Porto, em particular

ao Engº António Lacerda e ao Doutor Carlos Oliveira.

19

Capítulo 1. Caracterização da situação actual ao

nível da divisão administrativa em Portugal

Neste primeiro capítulo, far-se-á uma caracterização da situação actual ao nível da

divisão administrativa em Portugal, passando nomeadamente em revista as várias

competências de cada nível de divisão administrativa e respectivas modalidades de

financiamento. Esta caracterização terá como finalidade última evidenciar uma visão

da reorganização administrativa com enfoque na redefinição do papel das áreas

metropolitanas. Em particular, o objectivo será contribuir para uma delimitação

pertinente e robusta do espaço que as áreas metropolitanas podem e devem ocupar

na senda da reorganização administrativa do país.

Na primeira secção, leva-se a cabo uma apresentação, em termos gerais, da

actual divisão administrativa do país. Na segunda secção, analisa-se a administração

central, especificando a respectiva composição e órgãos bem como a orgânica do

governo; a este propósito atende-se à missão e ao potencial de descentralização dos

distintos ministérios, designadamente para o nível metropolitano. Na terceira secção,

aborda-se a administração local, atendendo às competências, aos órgãos e aos

recursos financeiros dos municípios e freguesias. A quarta secção é dedicada às

associações de municípios, analisando-se, essencialmente, as competências, os órgãos

e os recursos financeiros das comunidades intermunicipais, das áreas metropolitanas e

das associações de municípios de fins específicos. A secção finaliza-se com a referência

ao sector empresarial local. Este capítulo termina com uma secção destinada a uma

breve referência a estrangulamentos detectados e a atendimentos necessários,

enfatizando-se as ambivalências jurídicas e uma série de considerações técnicas

genéricas.

20

1. Apresentação genérica da divisão administrativa de Portugal

A Constituição da República Portuguesa (CRP) refere no nº 1 do art. 6 que o Estado1 é

unitário e respeita, na sua organização, os princípios da autonomia dos poderes locais

e da descentralização democrática da administração pública. A administração pública

comporta todas as entidades legalmente destinadas à administração do Estado, ao

nível central – directa ou indirectamente – e ao nível local.

O sector público administrativo central directo visa a satisfação das necessidades

colectivas e tem como principal agente executivo o Governo (art.º 182 da CRP), mas

abarca ainda subdivisões administrativas. Quanto às competências administrativas do

Governo, o art.º 199 da CRP refere as seguintes:

a) Elaborar os planos, com base nas leis das respectivas grandes opções, e fazê-los

executar;

b) Fazer executar o Orçamento do Estado;

c) Fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis;

d) Dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar,

superintender na administração indirecta, e exercer a tutela sobre esta e sobre a

administração autónoma;

e) Praticar todos os actos exigidos pela Lei respeitantes aos funcionários e agentes do

Estado e de outras pessoas colectivas públicas;

f) Defender a legalidade democrática;

g) Praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do

desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas.

O sector público administrativo central indirecto ocupa-se essencialmente de

actividades administrativas do Estado realizadas na continuidade dos objectivos

1 A nível internacional, o Estado é uma instituição soberana, titular de direitos e obrigações no contexto

internacional. A nível constitucional, o Estado é uma comunidade de cidadãos, que assume uma forma política para alcançar os fins nacionais. A nível territorial, o Estado é a principal e mais importante pessoa colectiva nacional, com personalidade júridica única e, apesar das suas diversas atribuições, orgãos e serviços, vincula-se no seu todo. Em termos administrativos, consiste numa entidade pública colectiva responsável pela actividade administrativa na comunidade nacional, sob a direcção do Governo.

21

estatais, por entidades públicas – institutos públicos, fundações públicas e entidades

públicas empresariais – dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia

administrativa e financeira. A sua justificação decorre do interesse do Estado em

desconcentrar funções de modo a incrementar quer a eficiência (obtendo soluções

menos dispendiosas) quer a eficácia (conseguindo soluções mais adequadas) dos

processos de decisão administrativa e/ou de modo a contornar as regras rígidas da

contabilidade pública, sem, no entanto, perder uma razoável capacidade de controlo

das funções em causa.

No que toca a descentralização administrativa, o país organiza-se em

administração local e administração regional. Constituem a primeira as autarquias

locais (art.º 236 da CRP), que se subdividem em 308 municípios e 4259 freguesias, e a

segunda as regiões administrativas, cujo processo está concluído somente nas regiões

autónomas dos Açores e Madeira. De acordo com o nº 2 do art.º 235 da CRP, as

autarquias locais são estabelecidas pela organização democrática do Estado, possuem

órgãos próprios e exercem funções em prol das populações. Para além da autonomia

administrativa, há que enfatizar a autonomia financeira reflectida na capacidade de

obter crédito, de gerir património, de elaborar e executar o seu orçamento e de

efectuar e receber pagamentos (art.º 238 da CRP).

Encontram-se ainda entidades associadas e/ou participadas pelos municípios que

foram consideradas como mais adequadas para a prossecução das suas atribuições e

do interesse público relacionado. Destacam-se as associações de municípios de fins

múltiplos ou específicos (em conformidade com a Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto) e

ainda as áreas metropolitanas (como previsto na Lei n.º 46/2008, de 27 de Agosto).

Além disso, o sector público administrativo central possui várias direcções

regionais dos ministérios com diferentes zonas de intervenção, a que acrescem

também as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) no

território continental. Existem ainda as unidades territoriais NUTS I, II e III, que

abrangem todo o país, mas que possuem essencialmente apenas significado

estatístico. Especificamente, os municípios das NUTS III da Grande Lisboa e da

22

Península de Setúbal integram a Área Metropolitana de Lisboa, enquanto as do Grande

Porto e de Entre-Douro e Vouga, constituem a Área Metropolitana do Porto.

Finalmente, embora a CRP estabeleça a divisão administrativa em regiões

administrativas no continente, subsiste a divisão geográfica distrital em dezoito

distritos, que, basicamente, servem actualmente de divisões para utilizações

administrativas tão díspares como, por exemplo, a definição dos círculos eleitorais

para a Assembleia da República ou a organização de campeonatos desportivos

regionais. Até à tomada de posse do presente Governo, o distrito possuía como órgãos

uma assembleia deliberativa composta por representantes dos municípios e um

governador civil, auxiliado por um conselho, sendo que nenhum deles era eleito. O

governo civil era o órgão da administração pública que representava

administrativamente o Governo em cada distrito e as suas funções foram diminuindo

desde a sua criação, em meados do século XIX. Passaram de competência alargada de

representação do governo central e de coordenação de todos os serviços do Estado

localizados no seu distrito até mera delegação do ministério da administração interna

(por exemplo, com responsabilidade na emissão de passaportes, na segurança pública,

na protecção civil e na gestão de processos eleitorais). A sua extinção em Setembro

passado implicou a transferência das suas competências para outros órgãos, a

liquidação do seu património e a transferência dos seus funcionários para outros

serviços.

A complexidade de divisões, com órgãos não eleitos, comporta áreas de

intervenção que muitas vezes se sobrepõem. Efectivamente, o cenário existente é

múltiplo, diversificado e heterogéneo, podendo mesmo dizer-se que se apresenta

muito pouco razoável ou harmonizado, quer em termos de estruturas organizativas,

quer no que se refere às características territoriais adoptadas. A Figura 1.1 fornece

uma síntese do panorama da divisão administrativa do país, com especial enfoque na

realidade do território continental.

23

Figura 1.1. Síntese da divisão administrativa de Portugal

Fonte: elaboração própria.

Notas: Segundo a actual lei orgânica do Ministério da Economia (Decreto-Lei n.º 126-C/2011), são

extintas as Direcções Regionais da Economia, sendo as suas atribuições e competências transferidas nos

termos do n.º 2 do artigo 45.º; o diploma orgânico que procede à fusão e à reestruturação das Direcções

Regionais deve ser aprovado até 31 de Dezembro de 2012. De acordo com a lei orgânica do Ministério

da Educação e Ciência (Decreto-Lei n.º 125/2011), são extintas as Direcções Regionais da Educação,

sendo as suas atribuições integradas na Direcção-Geral da Administração Escolar. Segundo o Decreto-Lei

n.º 114/2011, as competências dos governos civis foram transferidas para outras entidades da

administração pública.

24

2. Administração central

2.1. Composição e órgãos

A administração directa do Estado inclui os serviços centrais e periféricos que, pelas

competências e funções, estão sujeitos ao poder de direcção do Governo. Comporta os

serviços de cujas atribuições decorra, nomeadamente, o exercício de poderes de

soberania, autoridade e representação política do Estado ou o estudo, concepção,

coordenação, apoio ou fiscalização de outros serviços administrativos.

Os órgãos da administração directa do Estado são os ministérios, os serviços da

administração directa do Estado e as estruturas temporárias. Os ministérios são

departamentos governamentais dirigidos por um ministro. Cada ministério inclui

serviços da administração directa do Estado e, usualmente, tutela organismos da

administração indirecta do Estado. Cada ministério dispõe de uma Lei orgânica que

define as suas atribuições e a sua orgânica, incluindo a distinção entre os serviços e

organismos da administração directa e os da administração indirecta do Estado.

São funções comuns de cada ministério: a elaboração e o acompanhamento da

execução do seu orçamento de funcionamento, o planeamento do investimento

público e correspondente elaboração e execução do seu orçamento, a gestão dos

recursos humanos, orçamentais e modernização administrativa, o acompanhamento

técnico e participação portuguesa nas instituições europeias e nas políticas

comunitárias e as relações internacionais no âmbito das suas atribuições. As funções

comuns de cada ministério são exercidas por um ou mais serviços da administração

directa do Estado. Um desses serviços é a secretaria-geral que assegura normalmente

as funções comuns relativas a orçamentos, investimento público, gestão de recursos

humanos e modernização administrativa do ministério, bem como todas as atribuições

que não estejam legalmente atribuídas a outros serviços do ministério.

Os serviços da administração directa do Estado, em termos de tipologia, podem

classificar-se segundo a sua área territorial de actuação ou segundo as suas funções.

Segundo a sua área territorial, podem ser: (i) serviços centrais (exercendo as

25

competências em todo o território nacional); (ii) serviços periféricos (dispondo de

competência numa área territorial restrita) (ver Figura 1.1). Em termos de funções,

podem ser: (i) serviços executivos (garantindo a materialização das políticas públicas

de cada ministério, prestando serviços no âmbito das suas atribuições ou exercendo

funções de apoio técnico aos respectivos membros do Governo); (ii) serviços de

controlo, auditoria e fiscalização (exercendo funções permanentes de

acompanhamento e de avaliação das políticas públicas, podendo integrar funções de

inspecção ou de auditoria); (iii) serviços de coordenação (promovendo a articulação

em domínios onde a necessidade de coordenação seja permanente).

Os serviços centrais executivos de políticas públicas denominam-se direcções-

gerais. Quando a sua missão é de apoio técnico aos membros do Governo,

denominam-se gabinetes ou secretarias-gerais. Os serviços periféricos executivos de

políticas públicas designam-se direcções regionais. Os serviços de controlo, auditoria e

fiscalização, cuja função dominante seja a de inspecção, designam-se inspecções-gerais

se forem centrais e inspecções regionais se forem periféricos.2 Quanto ao regime

financeiro, regra geral, os serviços da administração directa do Estado dispõem de

autonomia administrativa para os actos de gestão corrente.

Ainda no âmbito dos serviços periféricos, importa também referir as CCDR,

serviços desconcentrados da administração central com autonomia administrativa e

financeira, responsáveis pela realização de medidas benéficas para o desenvolvimento

das respectivas regiões. A sua estrutura organizativa não é eleita e é bastante

complexa; compreende um Presidente, um conselho administrativo, uma comissão de

fiscalização e um conselho regional.

A efectivação de missões temporárias que não possam ser conduzidas por

serviços existentes pode ser atribuída a estruturas de missão, instituidas por resolução

do Conselho de Ministros. Estas estruturas possuem uma duração temporal limitada e

2 Refira-se que não existem actualmente inspecções regionais em Portugal continental, mas apenas nas

Regiões Autónomas, na dependência das Secretarias Regionais.

26

objetivos contratualizados; além disso, dependem do apoio logístico da secretaria-

geral ou de outro serviço executivo de um ministério.

A administração indirecta do Estado é o conjunto de pessoas administrativas

que, vinculadas à administração directa, prosseguem o objetivo de cumprir as

actividades administrativas de forma desconcentrada. O objectivo é a execução de

tarefas de interesse do Estado por outras pessoas jurídicas. Ou seja, quando não

pretende executar actividades através de seus próprios órgãos, o poder público

transfere a sua titularidade ou execução para outras entidades. Quando esta

delegação é feita por contrato ou mero acto administrativo, encontra-se a figura dos

concessionários e os permissionários de serviços públicos. Por outro lado, quando é a

Lei que cria as entidades responsáveis, surge a administração indirecta. Este grupo

pode ser subdividido nos seguintes grupos:

a. Serviços personalizados – pessoas colectivas de natureza institucional

dotadas de personalidade jurídica (exemplo: Instituto Nacional de

Estatística);

b. Fundos personalizados – pessoas colectivas de direito público, instituídas por

acto do poder público, com natureza patrimonial (exemplo: Serviços Sociais

das forças de segurança);

c. Entidades públicas empresariais – pessoas colectivas de natureza

empresarial, com fim lucrativo, que visam a prestação de bens ou serviços de

interesse público, com total capital do Estado (exemplo: Hospital de Santa

Maria).

2.2. Orgânica do governo – ministérios: missão e potencial para descentralizar nas

áreas metropolitanas

Nesta secção são apresentados os ministérios do actual governo (XIX Governo

Constitucional) e a respectiva missão. Faz-se, também, uma breve reflexão inicial sobre

o potencial de descentralização top-down (sintetizado na Tabela 1.1 abaixo

apresentada) de modo a que os problemas que ocorrem a nível metropolitano e que a

27

esse nível digam respeito sejam resolvidos no seu interior. A ideia é aliviar os órgãos

centrais e resolver os problemas metropolitanos por meios exclusivamente regionais,

conseguindo-se decisões tanto mais rápidas e menos dispendiosas (aumento da

eficiência), como mais adequadas (melhoria da eficácia). A análise preliminar aqui

conduzida será depois aprofundada no Capítulo 4, à luz dos ensinamentos da literatura

económica e de várias experiências internacionais.

Ministério dos negócios estrangeiros

Executa a política externa, de cooperação para o desenvolvimento e de ligação às

comunidades portuguesas no mundo, coordenando também as acções externas dos

outros ministérios.

Tendo em conta a sua missão, não se vislumbram quaisquer competências a

centralizar nas áreas metropolitanas.

Ministério da defesa nacional

Prepara e executa a política de Defesa Nacional, e assegura e fiscaliza a administração

das Forças Armadas.

A sua missão impede a descentralização de competências para as áreas

metropolitanas.

Ministério da justiça

Concebe, conduz, executa e avalia a política de justiça definida pela Assembleia da

República e pelo Governo, assegura as relações do Governo com os Tribunais e o

Ministério Público, com o Conselho Superior da Magistratura e com o Conselho

Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

A sua missão não é potencialmente indutora de descentralização de

competências para as áreas metropolitanas. Pode eventualmente defender-se a

descentralização de competências no âmbito da gestão de instituições do sistema

judiciário presentes nas áreas metropolitanas.

28

Ministério das finanças

Define e conduz a política orçamental, financeira e fiscal do Estado e as políticas para a

Administração Pública.

Pode justificar-se a descentralização de competências na área da gestão de

impostos que são receitas municipais, desde logo porque pode levar a uma maior

responsabilização das administrações, permitindo uma maior redistribuição dos

recursos disponíveis face às necessidades das populações (aproxima-se o sacrifício

sentido pelo cidadão dos benefícios propiciados com a utilização da receita). Para além

disso, pode ser um factor de concorrência entre territórios, podendo, por este meio,

aumentar a eficiência pública. No entanto, existem também alguns aspectos negativos,

tais como a possível redução da eficiência e a dificuldade na implementação de

políticas redistributivas de âmbito nacional.

Ministério da administração interna

Estabelece e executa as políticas que asseguram, no território nacional, a autoridade

do Estado, a segurança dos cidadãos e dos seus bens, a paz e ordem públicas, a livre

participação política dos cidadãos, e o socorro às populações em caso de acidente

grave ou catástrofe. Neste contexto, o ministro tutela as forças de segurança (PSP e

GNR) a protecção civil, a segurança rodoviária, e fiscalização de estrangeiros e das

fronteiras, e a administração eleitoral.

Tendo em conta que a proximidade permite, por um lado, ter um conhecimento

mais próximo e directo das carências e que, por outro lado, permite uma resposta aos

problemas mais expedita, atempada e ajustada às necessidades, há potencialmente

um grupo significativo de competências que poderão ser transferidas. Desde logo, a

concessão de licenças/alvarás; o registo de associações; a fiscalização de leilões e

penhores; a autorização de peditórios; o registo de alarmes contra intrusão; a criação

de corpos de bombeiros; a criação de polícias regionais; a construção e manutenção de

quartéis de bombeiros; o apoio à aquisição de equipamentos para bombeiros; a

construção, manutenção e gestão de instalações e centros regionais de protecção civil;

29

a construção e manutenção de infra-estruturas de prevenção e apoio ao combate a

fogos florestais; a articular com as entidades competentes a execução de programas

de limpeza e beneficiação de matas e florestas. Muitas destas competências estavam

acometidas aos governos civis. A sua extinção veio promover alguma transferência de

competências deste ministério para os municípios, já que os governos civis acabavam

por ser delegações do ministério nos distritos. A transferência foi, no entanto, parcial

já que muitas competências passaram para a polícia de segurança pública, a guarda

nacional republicana e a autoridade nacional de protecção civil.

Ministro-adjunto e dos assuntos parlamentares

Este ministério representa institucionalmente o Governo na conferência de líderes

parlamentares, participa nos debates parlamentares e conduz o processo de

apresentação das propostas de Lei e de resolução do Governo à Assembleia da

República, bem como garante a articulação do Governo com os grupos parlamentares

e a comunicação entre os membros do Governo e as comissões parlamentares.

Também coordena a relação entre o Governo e os organismos e entidades da

administração local e é ainda responsável pela coordenação e aplicação da reforma

administrativa. Na área de imigração e diálogo intercultural inclui as políticas de

acolhimento e integração social dos imigrantes e das minorias étnicas, que são

acompanhadas pelo alto-comissariado para a imigração e diálogo intercultural. O

ministério trata também das políticas de inclusão social de crianças e jovens

provenientes de contextos socio-económicos vulneráveis, em particular descendentes

de imigrantes e minorias étnicas, e inclui ainda a promoção do diálogo intercultural e

inter-religioso. É igualmente da competência deste ministério a política de desporto e

de juventude que se cruza na colaboração com as escolas, associações e colectividades

desportivas no estímulo e apoio à prática e da cultura física e do desporto. Na área da

igualdade, compete-lhe definir políticas públicas no âmbito da cidadania e da

promoção da igualdade de género, do combate à violência doméstica e ao tráfico de

seres humanos. No campo da comunicação social, executa e avalia políticas públicas

30

para a comunicação social, procurando a qualificação do sector e dos novos serviços

de comunicação social, de modo a salvaguardar a liberdade de expressão e os demais

direitos fundamentais, bem como o pluralismo e a diversidade.

No contexto deste ministério é de realçar que alguns organismos já promovem

alguma articulação sobretudo com os municípios, nomeadamente sob a forma de

parcerias. No entanto, parece ainda existir espaço para um reforço do movimento

descentralizador em algumas das actividades de organismos tutelados para as áreas

metropolitanas.

Ministério da economia e do emprego

Este ministério cobre uma diversidade de áreas de intervenção – economia e

desenvolvimento regional; emprego; empreendedorismo, competitividade e inovação;

obras públicas, transportes e comunicações; energia e turismo –, pretendendo, assim,

obter uma visão integrada das políticas económicas nos sectores industrial e de

serviços. Mais especificamente, tem por missão a concepção, a execução e a avaliação

das políticas de emprego, de competitividade, de inovação, de internacionalização das

empresas e de promoção do comércio externo, de promoção e atracção de

investimento estrangeiro, de desenvolvimento regional, bem como a aposta na

mobilidade e na modernização nas relações de trabalho, as políticas de formação

profissional, as políticas de energia e geologia, de turismo, de defesa dos

consumidores, de obras públicas, de transportes e comunicações, da indústria, do

comércio e dos serviços.

O conjunto de competências do ministério apresenta um elevado potencial de

descentralização política, em regime de transferência total ou em parceria com a

administração central, e motivadas por razões de optimização de recursos,

proximidade e qualidade do serviço público.

No domínio da promoção do desenvolvimento – subdomínio do turismo –

merece destaque a vertente do licenciamento de certos empreendimentos turísticos,

de agências de viagens e turismo, e de empresas de animação turística de acordo com

31

as normas vigentes para cada tipo de actividade. Refira-se que o Decreto-Lei n.º

67/2008 criou cinco áreas regionais, que reflectem as áreas abrangidas pelas unidades

territoriais utilizadas para fins estatísticos NUTS II – Norte, Centro, Lisboa e Vale do

Tejo, Alentejo, Algarve. Foram ainda criados os pólos de desenvolvimento turístico,

integrados nas áreas regionais – Douro, Serra da Estrela, Leiria-Fátima, Oeste, Litoral

Alentejano e Alqueva. Este novo quadro de interlocutores para o desenvolvimento do

turismo regional no território nacional continental concretiza-se, assim, pela criação de

onze entidades regionais de turismo, dinamizadoras e interlocutoras das áreas

regionais e dos pólos de desenvolvimento turístico junto do órgão central de turismo.

O modelo concebido pretende conferir às entidades regionais de turismo capacidade

de auto-financiamento e estimular o envolvimento dos agentes privados, permitindo

ainda o estabelecimento de parcerias com o Instituto de Turismo de Portugal

(entidade pública central responsável pela promoção, valorização e sustentabilidade

da actividade turística). O objectivo terá sido a minimização do número de unidades

subregionais de promoção turística, a coerência territorial, a harmonização do modelo

de funcionamento com outras estruturas da administração e a mensurabilidade dos

efeitos directos e indirectos no desenvolvimento local e regional. Considerando o

interesse local de desenvolvimento comercial e industrial, parece oportuno aumentar

as competências regionais/locais nestas áreas, descentralizando, por exemplo, as

competências ao nível do licenciamento de estabelecimentos. No essencial, faz sentido

que a promoção internacional massiva seja coordenada pelo Instituto de Turismo de

Portugal e que as entidades regionais se dediquem à criação de redes locais e à

promoção dos seus produtos específicos.

No domínio do emprego, afigura-se que as competências que podem vir a ser

asseguradas de forma descentralizada, por exemplo a um nível metropolitano ou de

associação de municípios, são as que estão relacionadas com centros de apoio à

criação de emprego; ainda neste domínio, deve ser ponderada a possibilidade de

descentralização da formação profissional.

32

No caso da energia, já se permite actualmente que, por exemplo, os municípios

actuem ao nível: do planeamento, de gestão e de realização de investimentos; da

distribuição de energia eléctrica em baixa tensão; da iluminação pública urbana e

rural; consultivo, de licenciamento e de fiscalização; de licenciamento e fiscalização de

elevadores; de licenciamento e fiscalização de instalações de armazenamento e

abastecimento de combustíveis salvo as localizadas nas redes viárias regionais e

nacional; de licenciamento de áreas de serviço que se pretenda instalar na rede viária

municipal; de emissão de parecer sobre a localização de áreas de serviço nas redes

viárias regional e nacional. Os municípios podem ainda realizar investimentos em

centros produtores de energia, bem como gerir as redes de distribuição. No que se

refere ao licenciamento e fiscalização de elevadores, monta-cargas, escadas mecânicas

e tapetes rolantes, a competência também já foi transferida para os municípios que

podem: efectuar inspecções periódicas e re-inspecções às instalações; efectuar

inspecções extraordinárias, sempre que o considerem necessário, ou a pedido

fundamentado dos interessados; realizar inquéritos a acidentes devidos à sua

utilização ou das operações de manutenção das instalações. No entanto, muitas destas

competências municipais fazem provavelmente mais sentido a nível metropolitano,

num processo bottom-up de reorganização administrativa.

Ministério da agricultura, do mar, do ambiente e do ordenamento do território

Este ministério congrega áreas de intervenção que possibilitam uma visão integrada do

território e dos seus recursos naturais, tendo como finalidade o seu desenvolvimento

sustentável e de coesão social e territorial. Tem por missão a definição, coordenação e

execução de políticas agrícolas, agro-alimentares, silvícolas, de desenvolvimento rural,

de exploração e potenciação dos recursos do mar, de ambiente e de ordenamento do

território, bem como assegurar o planeamento e a coordenação da aplicação de

fundos nacionais e comunitários a favor da agricultura, das florestas, do

desenvolvimento rural, da política do mar, do ambiente e da valorização e

ordenamento territoriais.

33

Importa referir, em particular, o papel das CCDR, serviços periféricos deste

ministério organizados por região-plano (NUTS II) e que exercem a coordenação e

compatibilização das acções de apoio técnico, financeiro e administrativo às autarquias

locais, sendo ainda responsáveis pela implementação dos programas cujo objectivo é o

desenvolvimento da respectiva região-plano. Visam também a institucionalização das

formas de cooperação e de diálogo entre as acções sectoriais dos diferentes

ministérios e das autarquias locais. São particularmente relevantes as competências

das CCDR ao nível ambiental e de ordenamento do território (ver Caixa 1.1).

Caixa 1.1. Competências das CCDR – ambiente e ordenamento do território

As CCDR desempenham um vasto conjunto de competências quer no domínio ambiental quer no

domínio do ordenamento do território. Na vertente ambiental, destacam-se as seguintes:

• Coordenar e gerir processos de avaliação de impacte ambiental e de pós-avaliação, participar em

processos de licenciamento ambiental no âmbito do regime de prevenção e controlo integrados da

poluição e em processos de licenciamento de actividades com repercussões ambientais;

• Exercer competências relativas ao licenciamento, controlo e monitorização de operações de

recolha, triagem, armazenagem, valorização e eliminação de resíduos, emitir pareceres sobre os

planos multimunicipais e intermunicipais de acção para a gestão de resíduos e promover a

recuperação e valorização de solos e de outros locais contaminados;

• Acompanhar e a avaliar os resultados de monitorização ambiental nos domínios do ar, ruído e

resíduos e garantir a operacionalidade das redes e equipamentos de monitorização;

• Assegurar informação atempada das excedências dos limiares de alerta em matéria de qualidade

do ar, assegurar o cumprimento do regime de prevenção e controlo das emissões poluentes para a

atmosfera e promover a elaboração e implementação de planos de acção de melhoria da

qualidade do ar;

• Promover e analisar estudos e pareceres de natureza ambiental ao nível da região.

Por sua vez, no domínio do ordenamento do território, enfatizam-se as seguintes competências:

• Desenvolver as bases técnicas para a formulação e condução, a nível regional, da política de

ordenamento do território, da política de cidades e da política de conservação da natureza;

• Promover a elaboração, alteração e revisão do Plano Regional de Ordenamento do Território e

desenvolver as acções necessárias à sua implementação, monitorização e avaliação;

34

• Acompanhar a elaboração, alteração e revisão dos planos sectoriais com incidência territorial, dos

planos especiais de ordenamento do território e dos planos intermunicipais e municipais de

ordenamento do território e acompanhar os procedimentos da sua avaliação ambiental;

• Assegurar as funções, a nível regional, de ponto focal do Observatório do Ordenamento do

Território e do Urbanismo;

• Dinamizar, acompanhar, orientar e apoiar tecnicamente as práticas de gestão territorial nos

âmbitos regional e local, promovendo a adopção de procedimentos e de critérios técnicos

harmonizados e a divulgação de boas práticas, bem como propor e participar na formulação de

normativas técnicas de ordenamento do território e urbanismo;

• Intervir nos procedimentos de gestão territorial relativos à adopção de medidas de política de

solos, que careçam de aprovação pelo Governo, e de constituição de servidões administrativas;

• Emitir parecer nos termos da Lei, em matéria de uso, ocupação e transformação do território;

• Colaborar na concretização dos objectivos da Rede Natura 2000 e na promoção a nível regional da

Estratégia Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade;

• Participar em procedimentos de avaliação de impacte ambiental, no que se refere aos descritores

relacionados com ecologia e conservação da natureza;

• Emitir pareceres sobre os Planos de Gestão Florestal, no âmbito do respectivo regime de

aprovação.

No contexto das competências do ministério relativas à agricultura e pescas, poderão

ser objecto de atenção no quadro de uma eventual descentralização de competências

as seguintes matérias: propriedade e gestão de museus de natureza temática ou local;

construção e administração de aproveitamentos hidroagrícolas de interesse social

local; construção e gestão das centrais termoeléctricas em aproveitamentos

hidroagrícolas; apreciação de projectos e vistorias agro-industriais e de venda directa;

licenciamento de unidades industriais e de venda directa; apreciação, vistorias e

licenciamento de projectos de turismo em espaço rural e de turismo de habitação;

organização, valorização, preservação e divulgação do património rural; licenciamento

de veículos para transporte de animais e emissão de guias de trânsito; licenciamento

de espécies cinegéticas em cativeiro; licenciamento de concursos de pesca desportiva;

apreciação dos planos de gestão florestal; emissão de licenças de caça e pesca.

35

Por sua vez, no que diz respeito ao ambiente e ordenamento do território, as

eventuais competências a descentralizar no âmbito deste ministério terão a ver com: a

propriedade e gestão dos bairros de habitação social; a emissão de pareceres e

elaboração de projectos de obras e outros empreendimentos de âmbito local,

designadamente os relativos a infra-estruturas, equipamentos e espaços verdes; o

licenciamento e fiscalização da pesquisa e captação de águas subterrâneas não

localizadas em terrenos integrados no domínio público hídrico; a elaboração e

execução de planos específicos de gestão das águas; o licenciamento e de fiscalização

da extracção de materiais inertes; manutenção e reabilitação da zona costeira e dos

estuários dentro dos aglomerados urbanos; a monitorização de águas balneares; a

manutenção e reabilitação da rede hidrográfica dentro de perímetros urbanos; a

concretização de unidades operativas de planeamento e gestão dos planos de

ordenamento da orla costeira; a gestão e garantia de limpeza e boa manutenção das

praias e das zonas balneares.

Ministério da saúde

Este ministério formula, executa e avalia a política de saúde, o que significa

regulamentar, inspeccionar e fiscalizar todas as actividades e prestações de saúde. Em

relação ao Serviço Nacional de Saúde, também planeia, financia, orienta, acompanha,

avalia e audita. A política de saúde tem como prioridades: melhorar a qualidade e o

acesso dos cidadãos à saúde; garantir a sustentabilidade económica e financeira do

Serviço Nacional de Saúde; fomentar a participação dos cidadãos na utilização e gestão

activa do sistema de saúde; aprofundar a cooperação com os países da comunidade da

língua Portuguesa.

As grandes áreas com perspectivas de descentralização são as seguintes:

cuidados de saúde primários; cuidados de saúde continuados; cuidados de saúde

pública; cuidados a pessoas em risco; saúde escolar; atendimento a

toxicodependentes; balcões integrados de protecção social. Os municípios, as suas

associações e as áreas metropolitanas podem ainda vir a ter um papel importante nas

36

seguintes actividades: transporte de doentes; participação na gestão de hospitais e

agrupamentos hospitalares; participação na gestão de unidades locais de saúde;

parceria de gestão de centros de saúde, suas extensões e unidades móveis.

Ministério da educação e ciência

Define, coordena, executa e avalia as políticas de educação, do ensino básico ao ensino

superior, e da ciência. É também responsável pela qualificação e formação profissional.

O Governo definiu várias prioridades para as políticas de educação e ciência entre as

quais se destacam: criar uma cultura de rigor e avaliação em todos os níveis de ensino;

dar autonomia às escolas e liberdade aos pais para escolherem a que querem para os

seus filhos; aumentar o sucesso escolar e a qualidade da educação; reorganizar a rede

de instituições do ensino superior e a qualidade dos cursos; apostar na excelência para

reforçar a ciência.

Cumpre assinalar a anunciada extinção das direcções regionais de educação, com

as suas atribuições a serem integradas na direcção-geral da administração escolar. Em

síntese, caberá a esta direcção-geral garantir a concretização das políticas de gestão

estratégica e de desenvolvimento dos recursos humanos da educação afectos às

estruturas educativas públicas situadas no território continental nacional, sem prejuízo

das competências atribuídas às autarquias locais e aos órgãos de gestão e

administração escolares). Esta medida de concentração está inserida num processo de

reestruturação e simplificação administrativa e que desejavelmente pretende: (i)

facilitar a comunicação directa entre as escolas e o ministério; (ii) aumentar

progressivamente a autonomia das escolas; (iii) reduzir os custos da administração

pública, diminuindo o número de direcções superiores; (iv) o regresso de muitos

professores às escolas.

Contudo, no domínio da educação, a repartição de competências e a partilha de

poderes e de responsabilidades, num contexto de territorialização das políticas

educativas, deverão, desejavelmente, ter lugar entre os níveis central, regional e local

da administração, e também entre estes e as escolas, no exercício de uma autonomia

37

escolar, como o comprovam diversos estudos realizados, nomeadamente pela OCDE.

Neste sentido parece poder dizer-se que há domínios onde a transferência de

competências pode ser equacionada segundo:

o O eixo da descentralização: planeamento e funções consultivas, espaços e

equipamentos e serviços e actividades de apoio socio-educativo;

o O eixo da autonomia escolar: estruturas base da oferta educativa –

resultados e conteúdos, organização e gestão pedagógico – didáctica e

avaliação;

o O eixo misto de descentralização e autonomia escolar: gestão dos recursos

humanos.

Ministério da solidariedade e segurança social

Define, promove e executa políticas de solidariedade e segurança social, combate à

pobreza e à exclusão social, apoio à família e à natalidade, a crianças e jovens em risco,

a idosos, à inclusão de pessoas com deficiência, de promoção do voluntariado e de

cooperação activa e partilha de responsabilidades com as instituições do sector social.

Atendendo a que o exercício da acção social se rege pelo princípio da

subsidiariedade, uma vez que se considera prioritária a actuação/intervenção das

entidades com maior relação de proximidade com as comunidades e com as pessoas,

parece poder dizer-se que a gestão de estabelecimentos integrados deve ser

progressivamente descentralizada. Deverá também ponderar-se a descentralização

das actividades desenvolvidas ao nível do atendimento de acção social pelos serviços

locais.

Secretaria de estado da cultura

São seis os objectivos definidos no quadro da actual orgânica governamental:

o Reavaliar o papel do Estado na vida cultural, de modo a reorganizar e

simplificar as estruturas da Estado na área cultural do ponto de vista do

interesse público;

38

o Valorizar o papel da cultura, da criação artística e da participação dos

cidadãos enquanto factores de criação de riqueza, de qualificação frente às

exigências contemporâneas e da melhoria da qualidade de vida dos

portugueses;

o Salvaguardar o património material e imaterial;

o Promover a educação artística e para a cultura em todos os sectores da

sociedade, em coordenação com entidades públicas e privadas; Salvaguardar

o património material e imaterial;

o Libertar o potencial das indústrias criativas e apoiar a implementação do

negócio digital e das soluções de licenciamento que permitam equilibrar a

necessidade de acesso à cultura com o reforço dos direitos dos criadores;

o Apoiar, libertar e incentivar a criação artística, nas suas mais diversas áreas,

tendo em conta que o Estado não é um produtor de cultura.

A este nível parece haver potencial de transferência para a administração local e/ou

metropolitana das seguintes competências: gestão de museus, edifícios e sítios

classificados; apoio à conservação de equipamentos culturais de âmbito local;

concessão de apoios a agentes culturais locais.

--- § ---

À luz do que foi acima exposto, a Tabela 1.1 sumariza, de acordo com uma escala

qualitativa, o potencial de descentralização das atribuições e competências dos

diferentes ministérios e departamentos governamentais.

39

Tabela 1.1. Áreas governamentais e potencial de descentralização de competências

Área Potencial de descentralização de

competências

Ministério dos Negócios Estrangeiros Nulo

Ministério da Defesa Nacional Nulo

Ministério da Justiça Baixo

Ministério das Finanças Baixo

Ministério da Administração Interna Elevado

Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares Médio

Ministério da Economia e do Emprego Elevado

Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do

Ordenamento do Território Elevado

Ministério da Saúde Médio

Ministério da Educação e da Ciência Elevado

Ministério da Solidariedade e da Segurança Social Médio

Fonte: elaboração própria.

Nota: o Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares inclui a Secretaria de Estado da Cultura.

3. Administração local: municípios e freguesias

Tendo em vista o eventual processo bottom-up de centralização de hierarquia

municipal para metropolitana, que seja capaz de suportar um dado conjunto de bens e

serviços públicos adequados às necessidades das populações com uma menor carga

fiscal – e em devida articulação com o processo de descentralização top-down

mencionado anteriormente –, há que caracterizar as competências, os órgãos e os

recursos financeiros dos municípios e das freguesias.

40

Competências dos municípios

O quadro jurídico das competências próprias das autarquias locais assenta sobre o

sistema da competência geral que lhes permite ocuparem-se de todas as questões

relativas aos interesses dos habitantes da respectiva circunscrição e, designadamente:

a. Equipamento rural e urbano;

b. Energia, transportes e comunicações;

c. Educação, património, cultura e ciência;

d. Tempos livres e desporto;

e. Saúde e acção social;

f. Habitação;

g. Protecção civil e polícia municipal

h. Ambiente, salubridade e saneamento básico;

i. Defesa do consumidor;

j. Promoção do desenvolvimento e ordenamento do território e urbanismo;

k. Cooperação externa.

As limitações de competências impostas pelo quadro legal decorrem da necessidade

de salvaguarda do princípio da unidade do Estado e do respeito pelo regime definido

pela delimitação das responsabilidades em matéria de investimentos públicos entre a

administração central e a administração local. A Caixa 1.2 detalha as vertentes sobre as

quais pode incidir o investimento público municipal.

Caixa 1.2. Áreas de investimento público dos municípios

De acordo com a Lei 159/99 de 14 de Setembro e a legislação complementar, a realização de

investimentos públicos por parte dos municípios deve atender às seguintes vertentes:

a) Equipamento

rural e urbano

zonas verdes;

cemitérios municipais;

ruas e arruamentos;

instalações dos serviços públicos do município;

mercados municipais.

41

b) Energia

distribuição de energia eléctrica de baixa tensão;

iluminação pública urbana e rural.

c) Transportes e

comunicações

rede rodoviária de âmbito municipal;

transportes urbanos;

transportes não urbanos que se desenvolvem exclusivamente no território do município;

estruturas de apoio aos transportes rodoviários;

passagens desniveladas em linhas de caminho de ferro ou em estradas nacionais e regionais;

aeródromos e heliportos municipais.

d) Educação

centros de educação pré-escolar;

escolas do ensino básico;

transportes escolares;

residências e centros de alojamento para estudantes dos níveis de ensino básico; outras actividades complementares de acção educativa pré-escolar e do ensino básico, designadamente nos domínios da acção social escolar.

e) Património,

cultura e ciência

centros culturais, centros de ciência, bibliotecas, teatros e museus municipais;

património cultural, paisagístico e urbanístico do município;

equipamentos culturais de âmbito local e demais actividades de interesse municipal.

f) Desporto e lazer parque de campismo de interesse municipal;

instalações e equipamentos para a prática desportiva e recreativa de interesse municipal.

g) Saúde

equipamentos de saúde do município;

centros de saúde;

equipamentos termais municipais.

h) Acção social

creches, jardins de infância, lares ou centros de dia para idosos e centros para deficientes;

programas e projectos de acção social de âmbito municipal, designadamente nos domínios do combate à pobreza e à exclusão social.

i) Habitação

programas de habitação a custos controlados e de renovação urbana;

parque habitacional de arrendamento social;

programas de recuperação ou substituição de habitações degradadas.

j) Protecção civil

corpos de bombeiros municipais;

quartéis de bombeiros voluntários e municipais;

equipamentos para bombeiros voluntários;

42

instalações e centros municipais de protecção civil;

infra-estruturas de prevenção e apoio ao combate a fogos florestais;

programas de limpeza e beneficiação de matas e florestas.

l) Ambiente e

saneamento básico

sistemas municipais de abastecimento de água;

sistemas municipais de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas;

sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos;

redes locais de monitorização da qualidade do ar;

áreas protegidas de interesse local, áreas de protecção temporária de interesse zoológico, botânico ou outro;

rede hidrográfica dentro dos perímetros urbanos;

recursos hídricos;

limpeza e manutenção de praias e zonas balneárias;

fiscalização à pesquisa e captação de águas subterrâneas e à extracção de materiais inertes.

m) Defesa do

consumidor

informação e defesa dos direitos dos consumidores;

mediação de litígios de consumo;

sistemas de arbitragem de conflitos de consumo de âmbito local.

n) Promoção do

desenvolvimento

subprogramas de nível municipal no âmbito dos programas operacionais regionais;

iniciativas locais de emprego e desenvolvimento de actividades de formação profissional;

participação na definição de políticas de turismo respeitantes ao município;

desenvolvimento de actividades artesanais e de manifestações etnográficas de interesse local;

construção de caminhos rurais;

planos municipais de intervenção florestal;

fixação de empresas;

cadastro dos estabelecimentos industriais, comerciais e turísticos.

o) Ordenamento do

território e

urbanismo

planos municipais de ordenamento do território;

áreas de desenvolvimento urbano e construção prioritárias;

zonas de defesa e controlo urbano, áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, planos de renovação de áreas degradadas e de recuperação de centros históricos.

p) Polícia municipal criação de polícias municipais.

q) Cooperação

externa

projectos e acções de cooperação descentralizada, designadamente no âmbito da União Europeia e da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa.

43

Tendo em conta as disposições legalmente estabelecidas, o eventual exercício de

novas competências pelos municípios, no quadro dos investimentos públicos, deverá

ser progressivo, e o orçamento do Estado deverá ceder os recursos financeiros

necessários. Por outro lado, a passagem do nível baixo (município e freguesia) para o

nível intermédio (designadamente as áreas metropolitanas) de funções beneficiadoras

de economias de escala deve também ser atendida, transferindo com ganho recursos

financeiros actualmente à disposição do nível baixo para o nível intermédio.

Para além do exercício das atribuições, os municípios podem também

desenvolver acções com os diversos departamentos da administração do Estado, em

regime de colaboração, por meio de protocolos específicos. As leis que definem o

processo de planeamento e de ordenamento do território atribuem às autarquias

locais competências próprias e asseguram a sua participação na elaboração dos planos

a um nível superior, incluindo o nível nacional.

Já quanto às freguesias, devido à falta de estruturas institucionais, de pessoal e

de fontes financeiras próprias, aquelas dispõem de recursos com menor expressão ao

nível local, devendo trabalhar em grande medida em colaboração com os municípios.

A este propósito, vale a pena enfatizar a reforma em curso, a qual, por intermédio de

um processo de fusão de freguesias, tem como objectivos o alargamento das

atribuições das freguesias e dos correspondentes recursos, o aprofundamento da

capacidade de intervenção da junta de freguesia, a melhoria e desenvolvimento dos

serviços públicos de proximidade prestados pelas freguesias às populações e a

promoção de ganhos de escala, de eficiência e da massa crítica nas autarquias locais.

Órgãos

Nos municípios, o órgão executivo é a câmara municipal e o órgão deliberativo é a

assembleia municipal. Nas freguesias, a junta de freguesia é o órgão executivo e a

assembleia de freguesia é o órgão deliberativo.

Entre as competências da assembleia municipal, destacam-se as seguintes:

acompanhamento e fiscalização da actividade da câmara municipal; votação de

44

moções de censura ao órgão executivo, sem efeito de destituição; aprovação de

posturas e regulamentos do município, com eficácia externa; aprovação anual das

opções do plano, que incluem a proposta de orçamento e de plano plurianual de

investimentos; apreciação e votação dos documentos de prestação de contas;

aprovação dos planos e normas municipais sobre o ordenamento do território;

concessão de autorização para a autarquia integrar associações de municípios ou

criar/participar em empresas públicas; estabelecimento de taxas municipais e

aprovação de empréstimos.

A câmara municipal é um órgão executivo permanente e possui amplas

competências na organização e funcionamento dos serviços, no urbanismo, nas obras

públicas e no âmbito das relações com outros órgãos das autarquias locais. A câmara

deve, nomeadamente, executar as deliberações tomadas pela assembleia municipal,

gerir o pessoal e o património, elaborar as opções do plano, o orçamento e a prestação

de contas, realizar obras públicas, conceder licenças e apoiar as freguesias do seu

território.

Ao nível das freguesias, para além dos poderes característicos de um órgão deste

tipo, a assembleia de freguesia detém outros relativos à fixação de taxas e à

organização dos serviços, para além de aprovar regulamentos, aceitar as competências

delegadas pela assembleia municipal e deliberar sobre assuntos de interesse para o

seu território.

O órgão executivo, a junta de freguesia, tem competência designadamente para

certificar a residência e a situação económica dos cidadãos residentes da freguesia,

administrar os cemitérios, executar obras públicas e melhoramentos locais, elaborar o

recenseamento eleitoral, praticar actos por delegação municipal, colaborar com outras

entidades públicas, sobretudo no que se refere às estatísticas, ao desenvolvimento, à

educação, à saúde, à cultura, à acção social e à protecção civil.

45

Recursos financeiros

De acordo com a Lei das Finanças Locais, existem impostos cobrados pelos serviços

competentes do Estado (administração pública central) e cuja colecta reverte, na sua

totalidade, a favor dos municípios; é o caso de:

a. Imposto municipal sobre imóveis;

b. Imposto sobre a transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade de

bens imóveis;

c. Imposto municipal sobre veículos;

d. Derrama, única taxa adicional aos impostos do Estado, que incide sobre o

rendimento das pessoas colectivas (IRC) gerado no território municipal, com

um valor máximo de 10%; o seu lançamento é facultativo.

Por sua vez, a Lei das Finanças Locais define como regra a interdição de subvenções

específicas do Estado às autarquias locais, excepto em situações especificadas pela Lei:

o Quando há, por exemplo, situações de calamidade pública, autarquias locais

negativamente afectadas por investimentos da administração central,

recuperação de zonas de construção clandestina ou de renovação urbana,

bloqueio dos serviços de bombeiros, criação de novos municípios ou

freguesias, edifícios sede de autarquias locais negativamente afectados na

respectiva funcionalidade.

o No âmbito de contratos-programa para o financiamento de investimentos

quer da responsabilidade da administração local quer da administração

central, quando a intervenção dos dois níveis se torna indispensável para a

implementação dos projectos.3

o No âmbito de protocolos de modernização administrativa que visam fomentar

a qualidade e o aperfeiçoamento dos serviços públicos locais, de modo a

3 Os investimentos com este tipo de financiamento são de domínios diversificados, como, por exemplo: saneamento básico; ambiente e recursos naturais; infra-estruturas de transportes e comunicações; cultura e desporto; educação, ensino e formação profissional; protecção civil; habitação social; promoção do desenvolvimento económico; edifícios sede dos municípios; saúde e segurança social.

46

apoiar as autarquias locais na adequação aos novos e complexos desafios que

decorrem das transformações sociais, económicas e tecnológicas.

A participação nos impostos do Estado é a maior subvenção global que aquele confere

anualmente às autarquias locais. De forma sintética, a repartição dos recursos públicos

entre o Estado e os municípios é obtida através das seguintes formas de participação

previstas na Lei das Finanças Locais:

o Uma subvenção geral determinada a partir do Fundo de Equilíbrio Financeiro

(FEF) cujo valor é igual a 25,3% da média aritmética simples da receita

proveniente dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS),

sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) e sobre o valor

acrescentado (IVA);

o Uma subvenção específica determinada a partir do Fundo Social Municipal

(FSM) cujo valor corresponde às despesas relativas às competências

transferidas da administração central para os municípios associadas a funções

sociais, nomeadamente na educação, na saúde ou na acção social;

o Uma participação variável de até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio

fiscal na respectiva circunscrição territorial, calculada sobre a respectiva colecta

líquida de deduções.

Quanto à repartição dos recursos públicos entre o Estado e as freguesias, estas têm

direito a uma subvenção determinada a partir do Fundo de Financiamento das

Freguesias (FFF) cujo valor é igual a 2,5% da média aritmética simples da receita do IRS,

IRC e IVA.

A União Europeia, através dos fundos estruturais e sobretudo do Fundo Europeu

de Desenvolvimento Regional (FEDER), atribuiu também subvenções aos municípios.

As outras fontes de receita dos municípios e das freguesias são as tarifas

cobradas pela utilização dos seus serviços4 e as taxas para cobrir encargos de

4 São exemplo o abastecimento de água potável, a drenagem de águas residuais, a recolha, armazenamento e tratamento de resíduos, os transportes colectivos de pessoas e mercadorias, assim como a distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.

47

exploração e de administração de infra-estruturas e equipamentos colocados à

disposição da população.5 Acrescem ainda, habitualmente com menor relevância, as

receitas de gestão do património da autarquia local (alojamento), dos rendimentos de

activos financeiros,6 do produto da alienação de bens e do produto de multas e outras

penalizações.

Na Tabela 1.2, sumariam-se os indicadores orçamentais referentes à

administração local nos anos mais recentes.

Tabela 1.2. Receitas e despesas da administração local, 2010-2012

Rubrica Milhões de euros % do PIB

2010 2011 2012 2010 2011 2012

Receita Total 7730 7639 7550 4,5 4,4 4,5

Receita Fiscal Municipal 2345 2576 2619 1,4 1,5 1,5

Receita de IRS 391 377 391 0,2 0,2 0,2

Transferências 3499 3529 3396 2,0 2,1 2,0

OE - Lei das Finanças Locais 2444 2227 2089 1,4 1,3 1,2

Outras Transf. das Adm. Públicas 442 595 635 0,3 0,3 0,4

Resto do Mundo 487 559 547 0,3 0,3 0,3

Outra Receita 1885 1534 1535 1,1 0,9 0,9

Despesa Total 7651 7545 7159 4,4 4,4 4,2

Despesa Corrente 5320 5224 4915 3,1 3,0 2,9

Despesas com Pessoal 2665 2535 2245 1,5 1,5 1,3

Outra Despesa Corrente 2655 2689 2670 1,5 1,6 1,6

Despesa de Capital 2330 2321 2245 1,3 1,3 1,3

Fonte: Relatório do OE2012, Quadro III.3.21. Nota: 2010 e 2011 - valores da execução orçamental; 2012 - valores orçamentados.

O Figura 1.2 permite, por um lado, evidenciar o reduzido peso da administração

local quer na receita quer na despesa pública total e, por outro, a dinâmica

5 Designadamente, as taxas para: realização de infra-estruturas urbanísticas; concessão de licenças de

loteamento, de execução de obras particulares e de ocupação do domínio público; ocupação e utilização dos locais reservados a mercados e feiras; estacionamento de veículos nos parques e outros locais destinados a esse fim; utilização de instalações destinadas ao conforto e lazer; autorização de afixação de publicidade; licenças de utilização de armas e de caça; inspecções sanitárias a instalações. 6 Exemplos são os depósitos bancários, obrigações e empréstimos concedidos, assim como os

provenientes de terrenos e de bens incorpóreos.

48

descendente observada nos anos mais recentes. A perda de peso no que toca a

despesa da administração local resultou da significativa retracção tanto ao nível da

componente corrente como de investimento. Já a redução do peso da receita da

administração local no total de receita das administrações públicas ocorreu

essencialmente devido à quebra na componente das transferências correntes e, em

particular, das transferências do Orçamento do Estado para as autarquias ao abrigo da

Lei do Financiamento Local (ver Tabela 1.2), dado que o peso da receita fiscal

municipal no total da receita fiscal evidenciou uma virtual estabilização.

Figura 1.2. Peso da administração local no total das

administrações públicas: despesa e receita

Fonte: elaboração própria a partir do Relatório do OE2012, Quadros III.3.1 e III.3.21.

Analisando mais em detalhe as transferências do Orçamento do Estado para as

autarquias no âmbito da Lei do Financiamento Local, que equivalerão a perto de 2,1

mil milhões de euros em 2012, a Figura 1.3 apresenta a participação dos municípios e

49

freguesias nos impostos do Estado (IRS, IRC e IVA) repartida via FEF, FSM e FFF, a que

acresce a já referida participação variável no IRS, no montante de 391 milhões de

euros (ou seja, 4,2% do total da colecta líquida de IRS prevista para este ano).

Figura 1.3. Transferências para os municípios e freguesias:

participação nos impostos do Estado em 2012

Fonte: elaboração própria a partir do OE2012, Mapas XIX e XX.

Importará, por outro lado, analisar o modo como os recursos financeiros são afectos a

despesa, tendo em conta a sua repartição pelos diferentes sectores das administrações

públicas à luz das diversas funções desempenhadas pelas entidades em causa (ver

Tabela 1.3).

A Tabela 1.3 permite verificar que o peso dos níveis local e regional no cômputo

das administrações públicas em Portugal é mais relevante nas funções relacionadas

com:

a. A habitação e equipamentos colectivos (absorvendo 97,2% da despesa

pública nesta função em 2009);

b. A protecção ambiental (78,2%);

c. A recreação, cultura e religião (65%);

d. Os assuntos económicos (31,2%).

50

Tabela 1.3. Despesa pública por funções e por sector das administrações públicas

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal). (*) - Inclui Negócios Estrangeiros; os valores para a administração central incluem transferências para os outros sectores das administrações públicas. (**) - Inclui Justiça.

2000 2009 2000 2009Adm. Públicas 7435,1 11759,2

Adm. Central 10948,1 19025,8 147,2% 161,8%

Adm. Local e Regional 1603,5 3850,2 21,6% 32,7%

Fundos da Segurança Social 1221,3 896,1 16,4% 7,6%

Adm. Públicas 1947,9 2848,0

Adm. Central 1947,9 2847,8 100,0% 100,0%

Adm. Local e Regional 0,0 0,1 0,0% 0,0%

Fundos da Segurança Social 0,0 0,2 0,0% 0,0%

Adm. Públicas 2116,7 3808,8

Adm. Central 1997,7 3701,3 94,4% 97,2%

Adm. Local e Regional 119,0 107,4 5,6% 2,8%

Fundos da Segurança Social 0,0 0,1 0,0% 0,0%

Adm. Públicas 5779,6 7688,2

Adm. Central 3823,5 5228,6 66,2% 68,0%

Adm. Local e Regional 1889,6 2401,5 32,7% 31,2%

Fundos da Segurança Social 66,4 58,0 1,1% 0,8%

Adm. Públicas 832,3 1154,7

Adm. Central 159,5 251,4 19,2% 21,8%

Adm. Local e Regional 672,5 902,5 80,8% 78,2%

Fundos da Segurança Social 0,3 0,7 0,0% 0,1%

Adm. Públicas 1253,6 1193,1

Adm. Central 72,7 32,1 5,8% 2,7%

Adm. Local e Regional 1179,0 1160,2 94,0% 97,2%

Fundos da Segurança Social 1,9 0,7 0,2% 0,1%

Adm. Públicas 7911,9 12403,0

Adm. Central 7564,1 11801,9 95,6% 95,2%

Adm. Local e Regional 334,9 592,0 4,2% 4,8%

Fundos da Segurança Social 12,9 9,1 0,2% 0,1%

Adm. Públicas 1529,8 2109,2

Adm. Central 755,5 717,1 49,4% 34,0%

Adm. Local e Regional 761,7 1371,2 49,8% 65,0%

Fundos da Segurança Social 12,5 20,8 0,8% 1,0%

Adm. Públicas 8119,1 9769,1

Adm. Central 7428,3 8474,8 91,5% 86,8%

Adm. Local e Regional 654,8 1218,9 8,1% 12,5%

Fundos da Segurança Social 35,9 75,4 0,4% 0,8%

Adm. Públicas 15311,4 31373,1

Adm. Central 4433,5 10037,0 29,0% 32,0%

Adm. Local e Regional 281,4 877,6 1,8% 2,8%

Fundos da Segurança Social 10596,5 20458,5 69,2% 65,2%

Função Sectormilhões euros Total adm. públicas

Funções gerais de soberania

Serviços gerais das administrações públicas*

Defesa

Segurança e ordem pública**

Funções económicas e

ambientais

Assuntos económicos

Protecção ambiental

Funções sociais

Habitação e equipamentos colectivos

Saúde

Recreação, cultura e religião

Educação

Segurança e acção sociais

51

Por seu turno, e para além da defesa, o peso mais baixo ocorre na segurança e ordem

pública (2,8% da despesa pública nesta função em 2009), na segurança e acção sociais

(2,8%), na saúde (4,8%) e na educação (12,5%). Acresce o facto de, nestas duas últimas

funções, o nível regional ser responsável pela maioria da despesa descentralizada

(ascendendo a, respectivamente, 92,5% e 54,7% da despesa em saúde e em educação

do conjunto da administração local e regional em 2009).

No cômputo da última década, o peso da administração local e regional recuou

especialmente na segurança e ordem pública (descida de 2,8 pontos percentuais), mas

também nos assuntos económicos e na protecção ambiental. Nas restantes funções

houve subidas, embora com intensidades distintas, merecendo destaque a recreação,

cultura e religião, a educação e a habitação e equipamentos colectivos (15,2, 4,4 e 3,2

pontos percentuais, respectivamente).

4. Associação de municípios

Nesta secção, abordam-se as competências, órgãos e recursos financeiros das

comunidades intermunicipais, das associações de municípios de fins específicos, das

áreas metropolitanas e do sector empresarial local, de modo a, designadamente, se

enfatizarem estrangulamentos induzidos pela divisão administração actual.

4.1. Comunidades Intermunicipais: constituição, competências, órgãos e recursos

financeiros

As comunidades intermunicipais (CIM) são pessoas colectivas de direito público,

formadas por municípios e que acomodam uma ou mais unidades territoriais definidas

com base nas NUTS. Podem ter um âmbito regional desde que ocorra a fusão de duas

ou mais NUTS III contíguas e que pertençam à mesma NUTS II (Figura 1.4). Embora

cada município possa pertencer a várias associações de municípios de fins específicos,

52

só pode fazer parte de uma única comunidade intermunicipal.7 A criação da

comunidade intermunicipal acontece com a aprovação dos estatutos pelas

assembleias municipais da maioria absoluta dos municípios que a compõe.

Figura 1.4. As CIM e áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto

Fonte: Associação Nacional de Municípios, www.anmp.pt

O actual quadro legal permitiu que as comunidades intermunicipais (bem como

as áreas metropolitanas), constituídas no contexto do regime jurídico anterior (Leis

n.ºs 10/2003 e 11/2003, de 13 Maio), pudessem ser transformadas em comunidades

7 Para efeitos do associativismo municipal, as unidades territoriais constam do Decreto-Lei n.º 68/2008,

de 14 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 85/2009, de 3 de Abril e pela Lei n.º 21/2010, de 23 de Agosto.

53

intermunicipais correspondentes às unidades territoriais definidas com base nas NUTS

III em que se inserem, na condição da instituição da comunidade intermunicipal e da

aprovação dos estatutos pelos respectivos órgãos, no prazo de 90 dias a contar da

entrada em vigor do actual regime.

As CIM visam a promoção do desenvolvimento regional, a articulação dos

investimentos públicos de carácter supra-municipal e a gestão contratualizada do

QREN. Além disso, estão receptivas a acomodar as competências que para elas

possam vir a ser transferidas pela administração central ou que lhes sejam

delegadas pelos municípios.

O órgão deliberativo das CIM é a assembleia intermunicipal, composta por

membros de cada assembleia municipal. O órgão de direcção é o conselho executivo,

composto pelos presidentes das câmaras municipais que a compõem.

As CIM podem criar serviços de apoio técnico e administrativo, dispondo de

pessoal próprio preferencialmente proveniente dos quadros de pessoal dos

respectivos municípios, de associações de municípios, de assembleias distritais ou de

serviços da administração directa ou indirecta do Estado. Em todo caso, os encargos

com pessoal contam para efeitos do limite estabelecido na Lei com as despesas com

pessoal dos respectivos municípios.

As CIM possuem património e finanças próprios, salientando-se os seguintes

recursos financeiros, além das receitas próprias:

a. Transferências do orçamento do Estado equivalentes a 0,5% do Fundo de

Equilíbrio Financeiro corrente previsto para os municípios da respectiva

unidade territorial;

b. Contribuições dos respectivos municípios;

c. Empréstimos, nos termos legalmente aplicáveis, designadamente no que se

refere aos limites de endividamento dos municípios integrantes;

d. As transferências resultantes da contratualização com a administração central

e outras entidades públicas ou privadas;

e. Montantes de co-financiamento comunitário ou nacional.

54

Refira-se ainda que, conforme definido pela Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de

15 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 22-A/2007, de 9 de Junho, e pela Lei n.º 67-A/2007,

de 31 de Dezembro), os empréstimos obtidos e o seu endividamento líquido, relevam

para o apuramento do endividamento dos respectivos municípios, em proporção à

participação. O Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) é o

regime contabilístico aplicável e as contas estão sujeitas à apreciação e julgamento do

Tribunal de Contas em moldes idênticos às dos municípios.

Na Tabela 1.4, fornecem-se três exemplos de orçamentos de CIM para o corrente

ano. Duas delas (a CIM do Alto Minho e a CIM do Baixo Vouga) são as actuais CIM-

piloto;8 a terceira (CIM do Cávado) foi escolhido somente para ilustrar a disparidade de

valores envolvidos nos orçamentos das diferentes CIM, disparidade esta que se repete

por todo o território nacional, reflectindo os distintos graus de dinamismo imprimidos

pelos municípios às comunidades em que se inserem.

Merece destaque, desde logo, a disparidade de valores no que toca as

comparticipações dos municípios para as CIM. Note-se que estas incluem quotizações,

mas também eventualmente outras transferências para a CIM da responsabilidade dos

municípios. Na CIM do Cávado, por exemplo, as comparticipações resumem-se

praticamente às quotizações, enquanto nas outras duas CIM apresentadas, as

transferências para lá das quotizações praticamente quadruplicam estas últimas. Já

quanto às rubricas de capital, destacam-se pela positiva os valores substanciais (tanto

de despesa como de receita) no caso da CIM do Baixo Vouga; estes valores reflectem

os 8,2 milhões de euros presentemente afectos a investimento no âmbito do

programa Polis.

8 Está em curso um estudo-piloto sobre os modelos de competências, modelos de financiamento,

modelos de gestão e transferências de recursos, baseado nestas duas CIM (uma de território maioritariamente rural e outra de território maioritariamente urbano), coordenado pela Direcção-Geral da Administração Local.

55

Tabela 1.4. Orçamento de 2012 em três Comunidades Intermunicipais

CIM do Alto Minho

Receitas Despesas

Correntes 3895,3 Correntes 3770,0

Orç.Estado 212,1

Part. com. proj. co-fin. 2225,6

Municípios 1427,1

De Capital 435,3 De Capital 560,6

Total 4330,6 Total 4330,6

CIM do Vale do Cávado

Receitas Despesas

Correntes 1439,6 Correntes 1364,4

Orç.Estado 164,6

Part. com. proj. co-fin. 963,1

Municípios 274,5

De Capital 0,0 De Capital 75,2

Total 1439,6 Total 1439,6

CIM do Baixo Vouga

Receitas Despesas

Correntes 3353,4 Correntes 3042,1

Orç.Estado 165,5

Part. com. proj. co-fin. 1629,2

Municípios 1436,5

De Capital 9327,8 De Capital 9639,0

Total 12681,2 Total 12681,2

Fonte: CIM do Alto Minho, Grandes Opções do Plano e Orçamento 2012; CIM do Vale do Cávado, Grandes Opções do Plano e Orçamento 2012; CIM do Baixo Vouga, Grandes Opções do Plano e Orçamento 2012. Valores em milhares de euros

56

4.2. Áreas metropolitanas: constituição, competências, órgãos e recursos financeiros

De acordo com a Lei 46/2008, de 27 de Agosto, “as áreas metropolitanas de Lisboa e

do Porto são pessoas colectivas de direito público e constituem uma forma específica

de associação dos municípios abrangidos pelas unidades territoriais definidas com

base nas NUTS III da Grande Lisboa e da Península de Setúbal, e do Grande Porto e de

Entre Douro e Vouga, respectivamente”.

Os municípios associados em área metropolitana podem ainda integrar

associações de municípios de fins específicos.

Para além das competências atribuídas às associações de municípios de fins

múltiplos, as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto participam ainda na definição dos

planos e programas de investimentos públicos com incidência na área metropolitana e

na definição de redes de serviços e equipamentos de âmbito metropolitano.

Efectivamente, as áreas metropolitanas foram criadas para satisfação de dois grandes

objectivos:

(i) articulação dos investimentos municipais de interesse supra-municipal;

(ii) coordenação de actuações entre municípios e os serviços da administração

central, nas seguintes áreas:

a. Infra-estruturas de saneamento básico e de abastecimento público;

b. Saúde;

c. Educação;

d. Ambiente, conservação da natureza e recursos naturais;

e. Segurança e protecção civil;

f. Acessibilidade e transportes;

g. Equipamentos de utilização colectiva;

h. Apoio ao turismo e à cultura;

i. Apoios ao desporto, à juventude e às actividades de lazer,

j. Planeamento e gestão estratégica, económica e social;

k. Gestão territorial na área dos municípios integrantes.

57

Os órgãos das áreas metropolitanas são a Assembleia Metropolitana e a Junta

Metropolitana. O primeiro é o órgão deliberativo, sendo composto por 55 membros

eleitos por sufrágio pelas assembleias municipais de cada município participante na

área metropolitana. O segundo é o órgão representativo das câmaras municipais,

sendo constituído pelos presidentes de câmara municipal de cada município que

integra a área metropolitana, os quais, por sua vez, elegem um presidente e dois vice-

presidentes. Dada a limitação legal imposta ao exercício de funções executivas dos

eleitos locais, a execução das deliberações da assembleia metropolitana cabe a uma

comissão executiva metropolitana, estrutura permanente da área metropolitana, com

membros designados pela junta metropolitana e com ratificação pela assembleia

metropolitana.

As áreas metropolitanas têm património e finanças próprios, salientando-se de

entre os recursos financeiros de que podem dispor, para além das receitas próprias e

das receitas legalmente previstas para as comunidades intermunicipais, as

transferências do Orçamento do Estado equivalentes a 1% da transferência do Fundo

de Equilíbrio Financeiro corrente previsto para o conjunto dos municípios integrantes.

De sublinhar que o endividamento das áreas metropolitanas também releva para o

endividamento dos respectivos municípios.

A título ilustrativo, a Tabela 1.5 apresenta o resumo do orçamento das áreas

metropolitanas de Lisboa e do Porto para o ano de 2012.

Como se pode verificar, tanto as contribuições dos municípios como a

contribuição do Orçamento do Estado para as duas áreas metropolitanas apresentam

valores muito baixos por comparação com os recursos públicos globais afectos à

administração local; por exemplo:

o As transferências do Orçamento do Estado para as áreas metropolitanas em

2012 (cerca de 1,2 milhões de euros) equivalem a somente 0,06% do

montante inscrito no Orçamento de Estado 2012 no âmbito da Lei das

Finanças Locais (cerca de 2,1 mil milhões de euros; ver Tabela 1.1);

58

o As transferências dos municípios de Lisboa e do Porto para as respectivas

áreas metropolitanas em 2012 representam, respectivamente, 0,01% e 0,05%

da despesa total orçamentada por esses municípios.

Tabela 1.5. Orçamento de 2012 das áreas metropolitanas

Área Metropolitana do Porto

Receitas Despesas

Correntes 2493,05 Correntes 2475,74

Orç.Estado 640,10

Part. com. proj. co-fin. 800,11

Municípios 1029,82

De Capital 36,81 De Capital 54,12

Total 2529,86 Total 2529,86

Área Metropolitana de Lisboa

Receitas Despesas

Correntes 1242,97 Correntes 1156,57

Orç.Estado 591,85

Part. com. proj. co-fin. 0,00

Municípios 592,05

De Capital 0,01 De Capital 86,43

Outras 0,01

Total 1242,99 Total 1242,99

Fonte: Área Metropolitana de Lisboa, Orçamento e Mapa de Pessoal 2012; Área Metropolitana do Porto, Resumo do Orçamento 2012. Valores em milhares de euros.

Acresce, ainda, o facto da magnitude global do orçamento das áreas metropolitanas

ficar aquém do verificado em diversas CIM, apesar do contributo do Orçamento do

Estado ser substancialmente inferior nestas últimas (Cf. Tabela 1.4).

59

4.3. Associações de Municípios de Fins Específicos: constituição, competências,

órgãos e recursos financeiros

As associações de municípios de fins específicos são pessoas colectivas de direito

privado instituídas para efectivação de interesses específicos dos municípios que as

integram, na defesa de interesses colectivos de natureza sectorial, regional ou local

consistindo em modelos territoriais e objectivos flexíveis. Estas associações regem-se

pelas disposições do direito privado, mas estão também sujeitas às normas do regime

jurídico do contrato de trabalho na administração pública, do código dos contratos

públicos, da Lei de organização e processo do Tribunal de Contas e do regime jurídico

da tutela administrativa.

Ficaram sujeitos à transformação automática em associações de municípios de

fins específicos as comunidades intermunicipais e as áreas metropolitanas criadas nos

termos das Leis n.ºs 10/2003 e 11/2003, de 13 de Maio, que não se tenham

convertido. No entanto, as associações de municípios de fins específicos constituídas

até 31 de Agosto de 2008 podiam manter a natureza de pessoa colectiva de direito

público.

A constituição em associação de municípios de fins específicos resulta da

manifestação de interesse por parte das câmaras municipais, mas a aprovação do

acordo de constituição cabe às respectivas assembleias municipais. Os estatutos

devem referir:

a. A denominação, a sede e a composição;

b. Os fins;

c. Os bens, serviços e outros contributos com que os municípios concorrem

para a prossecução das suas atribuições;

d. As competências dos seus órgãos;

e. A estrutura orgânica e o modo de designação e funcionamento dos seus

órgãos, bem como a sua duração, quando a associação de municípios de fins

específicos não se constitua por tempo indeterminado.

60

Após integração numa associação de municípios de fins específicos, os respectivos

municípios comprometem-se a permanecer por um período de três anos, sob pena de

perda de todos os benefícios financeiros e administrativos, e de não poderem integrar

outras associações com finalidade idêntica, num período de dois anos.

As associações de municípios de fins específicos têm património e finanças

próprios, notabilizando-se, além das receitas próprias, os seguintes recursos

financeiros:

a. Contribuições dos respectivos municípios;

b. Empréstimos, nos termos legalmente aplicáveis, nomeadamente no que se

refere aos limites de endividamento dos respectivos municípios;

c. Transferências resultantes da contratualização com a administração central e

outras entidades públicas ou privadas;

d. Montantes de co-financiamento comunitário ou nacional.

Refira-se que, conforme estabelece a Lei das Finanças Locais, os empréstimos obtidos,

bem como o endividamento líquido, relevam para o apuramento do endividamento

dos respectivos municípios, em proporção à participação.

4.4. Sector empresarial local

O regime jurídico do sector empresarial local (SEL) é definido pela Lei n.º 53-F/2006, de

29 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007 de 31 de

Dezembro e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro. Comporta as empresas

municipais, intermunicipais e metropolitanas que tomam a forma de sociedades

comerciais, pessoas colectivas de direito privado, ou de entidades empresariais locais,

pessoas colectivas de direito público. As sociedades comerciais controladas por

distintas entidades públicas integram-se no sector empresarial da entidade que, no

conjunto das participações do sector público, é titular da maior participação.

61

Sociedades comerciais

As sociedades são pessoas colectivas de direito privado constituídas nos termos da Lei

comercial em que municípios, associações de municípios e áreas metropolitanas

exercem, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante.

Estas sociedades podem adoptar a forma de sociedades anónimas ou sociedades

por quotas, podendo ser unipessoais e regem-se pelo regime jurídico do sector

empresarial local, pelos estatutos e supletivamente pelo regime do sector empresarial

do Estado e pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais. A sua denominação

deve integrar a indicação da natureza municipal, intermunicipal ou metropolitana. A

criação de empresas e a decisão de aquisição de participações que permita influência

dominante é da responsabilidade da:

o Assembleia municipal, sob proposta da câmara, quando a natureza é

municipal;

o Assembleia intermunicipal, sob proposta do conselho directivo, com parecer

favorável das assembleias municipais dos municípios integrantes, quando a

natureza é intermunicipal;

o Assembleia metropolitana, sob proposta da junta metropolitana, existindo

parecer favorável das assembleias municipais dos municípios integrantes,

quando a natureza é metropolitana.

A criação de empresas, ou a obtenção de uma participação que permita alcançar

influência dominante deve ser antecedida de estudos técnicos que provem a

viabilidade económica das unidades, em face do desenvolvimento da actividade por

via de uma entidade empresarial, sob pena da decisão envolver nulidade e

responsabilidade financeira. O carácter municipal, intermunicipal ou metropolitano da

empresa permite que a entidade participante lhe atribua tarefas públicas ou lhe

delegue poderes de autoridade.

O objecto social das empresas deve obrigatoriamente acomodar a exploração de

actividades de interesse geral, a promoção do desenvolvimento local e regional e a

62

gestão de concessões. É absolutamente proibida a criação de empresas para

desenvolvimento de actividades de natureza puramente administrativa, ou de carácter

mercantil ou cujo objecto social não se englobe no seio das atribuições da autarquia

ou da associação de municípios.

As orientações estratégicas da empresa são definidas pelos órgãos executivos

das entidades municipais/supramunicipais e devem constar do contrato de gestão ou

do contrato programa celebrado com as entidades participantes. Esse contrato define

ainda a missão ou objecto, a possibilidade das empresas exercerem competências

delegadas e regulam a relação financeira entre as entidades. Às empresas encarregues

da gestão de concessões estão proibidas formas de financiamento por parte das

entidades participantes.

De modo a transmitir uma imagem real e adequada da situação financeira do

município, prevê-se a consolidação financeira dos resultados das operações do

conjunto de empresas do sector empresarial do município. Em todo caso, as empresas

devem apresentar resultados anuais equilibrados.

Os empréstimos contraídos pelas empresas relevam para os limites de

capacidade de endividamento dos municípios, apresentando-se vedada a concessão de

empréstimos pelas empresas às entidades participantes e vice-versa, assim como a

intervenção das empresas como garante de empréstimos ou outras dívidas das

mesmas.

O endividamento de empréstimos de médio e longo-prazo e endividamento

líquido das sociedades comerciais nos quais os municípios, associações de municípios e

áreas metropolitanas de Lisboa e Porto detenham, directa ou indirectamente, uma

participação social, reflecte-se no endividamento dos municípios participantes na

proporção da sua participação no capital social.

Entidades empresariais locais

As entidades empresariais locais são pessoas colectivas de direito público com

natureza empresarial estabelecidas pelos municípios, associações de municípios ou

63

áreas metropolitanas e regulam-se pelo regime jurídico do sector empresarial local

(capítulo VII da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro) e, supletivamente, pelas

restantes normas do referido diploma. Incluem-se ainda as empresas de natureza

municipal e intermunicipal constituídas nos termos da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto,

existentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, as

quais deveriam adequar os seus estatutos ao disposto no presente regime jurídico no

prazo máximo de dois anos a contar da data da sua publicação; ou seja, até Dezembro

de 2008. Caso não tenham revisto os estatutos, prevalece o disposto no actual regime

jurídico. A denominação deve indicar a natureza municipal, intermunicipal ou

metropolitana.

A sua capacidade jurídica comporta os direitos e obrigações essenciais ou

convenientes à prossecução do seu objecto. Têm autonomia administrativa, financeira

e patrimonial e, nos termos gerais, estão sujeitas ao registo comercial, com as

necessárias adaptações.

Conforme os casos, a tutela económica e financeira das entidades empresariais

locais é exercida pelas câmaras municipais, pelos conselhos directivos das associações

de municípios e pelas juntas metropolitanas, sem prejuízo do respectivo poder de

superintendência. Estas entidades devem ser extintas quando a autarquia ou

associação responsável pela constituição tiver de cumprir obrigações assumidas pelos

órgãos da entidade empresarial local para as quais o respectivo património se revele

insuficiente. Podem ainda ser transformadas em empresas, devendo essa

transformação ser precedida de deliberação dos órgãos competentes para a sua

criação.

A Tabela 1.6 resume a informação mais recente relativamente ao número de

empresas do SEL segundo a sua natureza jurídica e a entidade pública de controlo,

enquanto a Figura 1.5 ilustra a distribuição das empresas do SEL por sector de

intervenção.

64

Tabela 1.6. O universo do SEL, 2009

Tipo de entidade Número de empresas

Total de empresas 392

Sociedades comerciais 242

Municipais 211

Intermunicipais/metropolitanas 31

Entidades empresariais locais 123

Municipais 116

Intermunicipais/metropolitanas 7

Empresas sob influência dominante indirecta 27

Fonte: Livro Branco do SEL

Figura 1.5. Distribuição das empresas do SEL por sector de

intervenção, 2009

Fonte: Livro Branco do SEL

65

5. Estrangulamentos e atendimentos

O primeiro objectivo deste estudo é ajudar a identificar quais as competências a

centralizar nas áreas metropolitanas, tendo em conta os processos top-down e

bottom-up de reorganização administrativa, e, em particular, nas áreas metropolitanas

do Porto e de Lisboa, salientando-se, em função da sua natureza, as competências:

o De planeamento, de gestão, de decisão de investimento, de fiscalização e de

licenciamento tipicamente regionais, as quais, face à inexistência de regiões

administrativas, deverão ser exercidas pela administração descentralizada do

Estado a nível local e metropolitano;

o Que, pela sua natureza e escala de intervenção, devem ser centralizadas nas

áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Em segundo lugar, trata-se de avaliar os recursos humanos, financeiros e patrimoniais

a centralizar de modo a acompanhar a transferência de competências. Essa

centralização de recursos deverá naturalmente gerar ganhos relevantes.

Para o efeito, nesta secção, apontam-se algumas ambivalências jurídicas e

considerações técnicas genéricas a que se deve atender.

5.1. Ambivalências jurídicas

Relativamente à estrutura da administração pública e a sua relação com as vantagens

e potenciais desvantagens da descentralização observa-se alguma ambivalência. Por

um lado, reconhece-se na CRP que “a administração pública será estruturada de modo

a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a

participação dos interessados na sua gestão efectiva” (art.º 267, n.º 1, da CRP). Por

outro lado, refere-se no mesmo artigo da CRP que a descentralização deverá ser

consumada “sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de acção da administração

e dos poderes de superintendência e tutela dos órgãos competentes”.

Em particular, esse cenário nebuloso deverá ser lido a par de todos os artigos da

CRP que consagram os direitos sociais dos cidadãos, nomeadamente nas esferas da

66

educação, saúde e protecção e acção social. Por exemplo, a consagração de que “todos

têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso

e êxito escolar” (art.º 74 da CRP) impõe limites à descentralização da educação: sendo

feita, não haverá garantia de que o dever constitucional é satisfeito em todas as áreas.

A CRP de 1976 aclamava já a necessidade de descentralização, operacionalizando

o princípio da autonomia local, segundo o qual o Estado deve devolver tarefas que,

pela natureza das mesmas, relevam interesses de populações territorialmente

delimitadas. Além disso, está associado ao princípio da subsidiariedade, igualmente

consagrado na CRP, art.º 6, e referido no art.º 2º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro,

e que sugere que o Estado só deve realizar actividades que não sejam mais eficiente e

eficazmente alcançadas pelas autarquias locais.

5.2. Considerações técnicas genéricas

De acordo com o peso da despesa da administração local e regional no total da

despesa das administrações públicas, conclui-se que Portugal é um dos países menos

descentralizados da União Europeia.9 As questões essenciais que se devem colocar no

acto de análise da eventual descentralização/transferência de competências para as

áreas metropolitanas são as seguintes:

o Porquê a ênfase nas áreas metropolitanas? A este nível há que atender a alguns

princípios base, nomeadamente: grau de proximidade aos cidadãos,

adaptabilidade às preferências locais, extensão dos canais burocráticos e

economias de escala.

o O que transferir para as áreas metropolitanas? Tendo em conta os princípios

anteriores, importa dar uma resposta em cada domínio de atribuições e

competências ao que deve ou não ser acomodado.

o Como transferir nas áreas metropolitanas? Trata-se de saber se a transferência

de competências deve ser total (isto é, as competências deixam de estar na

9 Este ponto é desenvolvido no Capítulo 2 do presente trabalho.

67

administração central ou município) ou se deve manter-se um regime de

parceria com a administração central e municipal.

Numa primeira análise, que será desenvolvida no Capítulo 3, parece poder apontar-se

para que, em termos genéricos, se devam reunir na administração central as

atribuições e competências cuja descentralização coloque em causa direitos sociais

basilares, através da eventual violação de princípios de universalidade, acessibilidade e

igualdade de oportunidades dos cidadãos no território nacional ou coloque em causa a

equidade no tratamento de outros agentes económicos nesse mesmo território.

Por seu turno, deverão reunir-se atribuições e competências nas áreas

metropolitanas quando for pertinente uma combinação entre o princípio da

subsidiariedade, segundo o qual uma menor escala garante uma maior proximidade

aos cidadãos e uma maior adaptabilidade às preferências locais, e a necessidade de se

assegurar que o território a que se destina a descentralização permitam, entre outros

aspectos, a exploração de economias de escala no exercício das competências em

causa.

No essencial, o processo de descentralização, de amplitude reduzida quando

comparada com a situação europeia, tem sido consumada principalmente via

transferência de atribuições, competências e recursos para os municípios, aplicando-se

assim de modo primordial o princípio da subsidiariedade. Contudo, reconhecendo-se,

por vezes, que a escala territorial e demográfica do município é insuficiente, surgem

então as entidades supra-municipais – como as áreas metropolitanas –, como

alternativa para a assunção de certas competências no âmbito da descentralização.

Há, contudo, alguns problemas associados a estas entidades supra-municipais e à

consequente afectação de competências. Tratam-se de órgãos intermunicipais em que

os seus dirigentes respondem, antes do mais perante o eleitorado do respectivo

município e não perante os munícipes da área metropolitana ou comunidade inter-

municipal. Esta legitimidade democrática indirecta não só enfraquece a representação

como os incentivos para os eleitos locais serem activos no inter-municipalismo. Por

outro lado, no capítulo das competências dos órgãos (por exemplo, da Junta

68

Metropolitana; veja-se o art.º 1 da Lei n.º 46/2008, de 27/08), parece existir uma

significativa limitação na forma do seu exercício.

Em síntese, ao nível das áreas metropolitanas, identificam-se os seguintes

estrangulamentos:

o Extensa (e genérica) elencagem de atribuições e competências sem a devida

correspondência ao nível dos meios financeiros (como ilustrado na Secção 4.2

do presente capítulo);

o Órgãos com composição por inerência, condicionando a disponibilidade dos

seus membros para o exercício- das funções atribuídas;

o Ambivalência da estrutura orgânica, em particular na atribuição da função

executiva, acometida a uma estrutura que, sendo permanente, não é um

órgão da área metropolitana;

o Legitimidade democrática apenas indirecta que condiciona a sustentação da

tomada de decisões.

Neste contexto, a reforma da administração poderá estar associada a vários tipos de

situações envolvendo reunião de competências nas áreas metropolitanas:

o A extinção de estruturas da administração central ou municipal, cujas

atribuições e competências poderão passar para:

� Uma nova estrutura da administração metropolitana;

� Estruturas da administração metropolitana já existentes.

o A extinção de uma entidade dentro de uma estrutura no pressuposto que as

competências exercidas por essa(s) estrutura(s) serão assumidas pelo nível

metropolitano;

o A mera transferência de competências, não associada à extinção de estrutura

nem de entidades. Isto significa que, apesar da afectação de competências à

área metropolitana, a estrutura de onde elas serão transferidas mantém um

conjunto significativo de outras competências.

69

Em suma, as transferências para a área metropolitana podem resultar directamente da

reforma orgânica do Estado e dos municípios ou ser independente disso.

Com uma delimitação precisa das competências àquele nível hierárquico da

administração e uma definição rigorosa do seu modo de financiamento, o objectivo

operacional a atingir terá de ser claro: uma menor carga fiscal para suportar o

conjunto de bens e serviços públicos mais adequados às necessidades das populações,

promovendo a coesão territorial e o desenvolvimento local, sem comprometer a

identidade histórica, cultural e social das comunidades locais.

70

Capítulo 2. Realidade da divisão administrativa e

das áreas metropolitanas no contexto europeu.

Sendo o enfoque deste estudo a análise dos aspectos relacionados com a transferência

de recursos e competências entre diferentes níveis das administrações públicas,

parece útil analisar brevemente a experiência de diversos países europeus no que toca

a afectação de despesa e pública e respectivas formas de financiamento.

Por outro lado, pretendendo-se essencialmente apresentar uma proposta de

competências para as áreas metropolitanas, parece igualmente útil analisar

brevemente as experiências de algumas áreas semelhantes a nível europeu, a

comparar com o panorama actual português.

Com este exercício de benchmarking internacional, aos dois níveis referidos,

pretendem-se identificar exemplos eventualmente inspiradores para Portugal e, em

particular, para as suas áreas metropolitanas.

Deste modo, o presente capítulo divide-se em duas secções. A primeira dedica-se

aos modelos de divisão administrativa e de financiamento adoptados em diversos

países europeus, ilustrados com a evidência empírica relativamente à afectação de

despesa e receita pública a cada nível de administração, enquanto que a Secção 2

evidencia, de modo sintético, algumas experiências europeias no que toca a áreas

metropolitanas.

71

1. Modelos de divisão administrativa, grau de descentralização da

despesa e receita e afectação por funções no panorama europeu

1.1. Modelos de divisão administrativa e grau de descentralização da despesa e

receita públicas

Na Europa existe uma larga variedade de modelos de divisão administrativa e política.

Nos pólos opostos, podemos distinguir entre as verdadeiras federações e os Estados

unitários.

No primeiro caso no qual se englobam países como a Alemanha, a Áustria ou a

Bélgica, encontramos essencialmente um conjunto de Estados/governos integrantes

que acordaram a existência de um governo federal com autoridade sobre todo o

território e população para as funções que cobrem o referido território, enquanto

retiveram para si funções relacionadas com os seus próprios territórios.

Numa federação, existe uma constituição própria para cada Estado-membro

(Estado federado), a qual não pode, naturalmente, colidir com a constituição federal.

Além disso, os Estados-membros participam no poder legislativo, executivo e judicial,

segundo uma distribuição de competências normalmente definida na constituição

federal.

No exercício de benchmarking que se pretende realizar sobre a afectação da

despesa pública e as formas de financiamento, entendeu-se útil excluir o exemplo

destes países, pois que, tratando-se de federações, comportam um regime

particularmente distinto do português.

Já no segundo caso, encontramos os países nos quais as funções do Estado são

habitualmente concretizadas através de um sistema de governo “multi-níveis”, mas

para o qual o Estado pode reorganizar os poderes locais e regionais à sua discrição,

eliminando determinadas unidades e criando outras, na medida em que não há, como

no caso das federações, qualquer acordo constitucional que torne isso impossível.

Por outro lado, estes poderes locais e regionais, estão, em última análise, sempre

limitados pelo Estado central, que é uno, ao contrário do que sucede no caso das

72

federações, em que cada um dos Estados federados tem autoridade para agir em

(algumas) áreas relevantes de forma independente do centro e de cada um dos outros.

Mesmo nestas circunstâncias os exemplos diferem muito ao nível europeu. Tal

sucede quer quanto ao número de níveis de governo quer quanto ao próprio grau de

autonomia de actuação (inclusive legislativo) dos mesmos níveis.

Assim, encontramos desde logo os Estados unitários com governos regionais

razoavelmente forte, isto é, Estados regionalizados, como são os casos da Espanha, da

França ou da Itália. Por outro lado, encontramos Estados unitários com algum grau de

descentralização, mas com grau de poder para os governos sub-centrais menor que

nos casos anteriores. Tais são os casos de países como a Dinamarca, o Reino Unido, a

Holanda e a Suécia, com dois níveis de governo, ou de Portugal, Grécia, Finlândia,

Irlanda e Luxemburgo, com três níveis de governo (em Portugal, a administração

central, a administração regional – Açores e Madeira, e a administração local).

Na Europa existem também diferentes experiências em termos de modelos de

financiamento. Nalguns países, o sistema de subvenções serve quase integralmente

para efeitos de igualização, mesmo que isso provoque alguma dependência do

governo central. Tais são os casos de países como o Reino Unido, a Noruega ou a

Dinamarca. Noutros países, o sistema apenas tem por função uma igualização parcial,

dando alguma autonomia aos governos locais. Tais são os casos de países como a

França, a Holanda ou Portugal.

O grau de descentralização no que se refere ao exercício das funções do Estado

também difere de país para país. Por exemplo, ao nível de despesa pública total

(despesa corrente mais despesa de capital) e da receita fiscal, a disparidade de grau de

descentralização pelos diferentes níveis da administração pública no espaço europeu

pode ser verificado na Figura 2.1, sendo que a análise inclui os casos dos países

europeus sem nível estadual ou equiparado pelas razões anteriormente aduzidas.10

10 Vale a pena notar que a Espanha não aparece contemplada na Figura 2.1, pois é tratada pelo Eurostat como uma federação. De facto, politicamente não se trata de uma federação, mas o grau de autonomia de algumas das suas regiões permite tratar a Espanha como se o fosse.

73

Figura 2.1. Despesa pública e receita fiscal por sector das administrações

públicas numa selecção de países europeus

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

74

Merece realce a elevada disparidade entre a média dos 25 países europeus

seleccionados e Portugal. Relativamente à despesa pública, a administração local e

regional executou 24,5% do total de despesa das administrações públicas na média

dos 25 países em 2010, enquanto que em Portugal aquele sector se ficou pelos 14,0%.

Quanto à receita fiscal, a média de execução dos 25 países europeus para a

administração local e regional foi de 15,8% do total de receita fiscal das administrações

públicas e em Portugal de somente 9,9%.

À luz destes números, Suécia, Finlândia, Letónia, Islândia, Dinamarca, República

Checa, Estónia, Itália, Polónia, Lituânia, Eslovénia Noruega, Eslováquia e França

apresentavam um maior grau de descentralização da receita fiscal que Portugal. Por

seu turno, aqueles mesmos países mais cinco outros (Holanda, Reino Unido, Hungria,

Roménia e Bulgária) evidenciavam um maior grau de descentralização da despesa

pública que Portugal.

Estes elementos parecem apontar, de forma clara, para a existência de uma

margem significativa para um aprofundamento do processo de descentralização

administrativa no nosso País, no âmbito do qual haverá espaço para um reforço das

competências e dos meios das áreas metropolitanas.

1.2. Despesa por funções da administração local e regional

Apesar do reduzido grau de descentralização da despesa pública em Portugal em

termos globais, é, porém, verdade que existe uma elevada disparidade de situações

quando se atenta à despesa detalhada pelas funções atribuídas às administrações

públicas, como já sugerido pela leitura da Tabela 1.3.

A Figura 2.2 ilustra a posição de Portugal no panorama europeu quanto a oito

funções, definidas segundo a classificação funcional da despesa pública mais habitual a

nível internacional, a COFOG (Classification of the Functions of Government), da

Divisão de Estatística das Nações Unidas (United Nations Statistics Division).11 Portugal

11

Excluem-se da análise as áreas dos serviços gerais da administração pública e da defesa, dado corresponderem a funções tipicamente cometidas ao nível central de governo no contexto europeu.

75

está abaixo da média europeia (25 países) em quatro: educação (-36,8 pontos

percentuais, p.p.); saúde (-20,5 p.p.); protecção social (-9,6 p.p.) e segurança e ordem

pública (-9,3 p.p.). O diferencial negativo de Portugal face aos países-líderes na

descentralização da despesa pública (Dinamarca e Suécia) ocorre igualmente naquelas

funções, merecendo destaque o particularmente elevado distanciamento na saúde e

na educação.

Contudo, em todas as funções excepto na habitação e equipamentos colectivos

(onde o registo nacional é de 97,2%) é possível identificar um número significativo de

países com valores superiores aos de Portugal: sempre oito ou mais. O número mais

alto ocorre no caso da educação (21 países), seguido da segurança e ordem pública (20

países) e da segurança e protecção social (19 países).

Figura 2.2 Despesa da administração local e regional por função (% do total das

administrações públicas, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

76

Interessará, assim, analisar em maior pormenor cada uma das funções

apresentadas acima, atendendo-se ao detalhe da classificação COFOG da despesa

pública por sub-funções.

Segurança e ordem pública

A Figura 2.3 deixa clara a posição recuada de Portugal no panorama europeu em

termos de descentralização de despesa pública relativamente a esta função.12 Como

ilustrado pela Tabela 2.1,13 este resultado reflecte a situação do nosso País quanto aos

serviços policiais, onde um valor quase nulo da despesa ao nível local e regional

contrasta, por exemplo, com valores de 13,4% (República Checa), 16,5% (Itália) e

73,3% (Reino unido). Já nos serviços de protecção contra incêndios, Portugal apresenta

um valor acima da média europeia para a despesa descentralizada (34,9%), embora

ficando atrás de outros países, designadamente o Reino Unido, a Irlanda, a Suécia, a

Eslovénia, a Noruega e a Finlândia, que apresentam valores entre os 81% e os 100%.

Não há registo de despesa pública descentralizada ao nível da justiça (tribunais) e dos

estabelecimentos prisionais nos países em análise, com excepção da Itália e da Estónia

(os valores são, contudo, muito reduzidos, entre 3% e 6%).

12

O peso das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira nesta função ascende a 19,9% do total das administrações local e regional de Portugal, embora devido especialmente à Região Autónoma da Madeira (dados de 2009, obtidos a partir dos Relatórios do Orçamento 2010 das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira). 13

No entanto, será conveniente notar que são vários os países que não têm dados disponíveis para a despesa pública ao nível das diferentes sub-funções na classificação funcional COFOG. São exemplo a Holanda, a Dinamarca, a França e a Polónia.

77

Figura 2.3. Despesa da administração local e regional em segurança e ordem pública

(% do total da função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

Tabela 2.1. Despesa da administração local e regional em segurança e ordem pública

por sub-função (% do total da sub-função, 2009)

Portugal Média Europeia Reino Unido

Segurança e ordem pública 2,8% 12,1% 50,0%

Serviços policiais 0,4% 1,6% 73,3%

Serviços de protecção contra incêndios 34,9% 27,1% 100,0%

Tribunais 0,0% 0,1% 0,0%

Estabelecimentos prisionais 0,0% 0,4% 0,0%

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

78

Assuntos económicos

Portugal tem um desempenho acima da média europeia na descentralização da

despesa pública afecta aos assuntos económicos (ver Figura 2.4). O grau de

descentralização é mais elevado nas indústrias extractivas, transformadoras e

construção e nas comunicações, seguindo-se-lhes as áreas dos transportes, dos

combustíveis e electricidade e da agricultura, silvicultura, pesca e caça (abrangendo,

por exemplo, a regulação, supervisão e inspecção sectorial das actividades

económicas, respectiva infra-estruturação, o seu apoio e subsidiação), onde os valores

para Portugal estão acima da média europeia (ver Figura 2.5).14 Já a despesa ao nível

local e regional está praticamente ausente em Portugal na área dos assuntos

económicos, comerciais e laborais gerais (abrangendo, por exemplo, a regulação e

fiscalização de modo transversal da concorrência, a regulação e apoio às iniciativas de

exportação e turismo, a regulação e inspecção das condições laborais, o apoio às

actividades de protecção da propriedade industrial e a supervisão bancária), em

contraste com o sucedido em diversos países europeus (com destaque para a

Finlândia, Lituânia e Itália, com valores entre os 19,4% e os 52,6% da despesa

descentralizada).

14

Este desempenho reflecte também o peso das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira nesta função, que ascende a 34% do total da administrações local e regional de Portugal, devido especialmente à área da agricultura, silvicultura, exploração vegetal, pesca e caça, mas também dos transportes e comunicações.

79

Figura 2.4. Despesa da administração local e regional em assuntos económicos (% do

total da função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em

http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

80

Figura 2.5. Despesa da administração local e regional em assuntos económicos por

sub-função (% do total da sub-função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

Protecção do ambiente

Esta é uma das quatro funções onde Portugal revela um grau de descentralização da

despesa pública superior ao da média europeia (ver Figura 2.6). O nosso País apresenta

também valores acima da média europeia em todas as sub-funções na área da

protecção do ambiente, com a excepção da redução da poluição (ver Figura 2.7).

Embora se trate de uma das funções onde, globalmente, a disparidade entre países é

mais baixa, realça-se, contudo, o facto de existir uma forte dispersão de valores na

81

componente da protecção da diversidade biológica e da paisagem, com cinco países

(Lituânia, Estónia, República Checa, Itália e Portugal) a apresentarem graus de

descentralização de despesa entre 39,3% e 91,2% e seis países com valores nulos.

Figura 2.6. Despesa da administração local e regional em protecção do ambiente (%

do total da função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

82

Figura 2.7. Despesa da administração local e regional em protecção do ambiente por

sub-função (% do total da sub-função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

Habitação e equipamentos colectivos

A rubrica da habitação e equipamentos colectivos reúne uma parte significativa das

sub-funções relacionadas com as vertentes do urbanismo e do ordenamento do

território. Portugal apresenta uma descentralização praticamente integral de despesa

pública tanto no cômputo global desta função social como ao nível de todas as suas

componentes,15 à semelhança designadamente da Hungria e da Estónia e acima da

média europeia. Trata-se da função em que Portugal regista o maior diferencial

15 O peso das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira no conjunto das rubricas da habitação e equipamentos colectivos e da protecção ambiental totaliza 10,5% da despesa das administrações local e regional de Portugal nas duas funções (o apuramento dos dados orçamentais segundo a classificação funcional adoptado pelas duas Regiões Autónomas não permite distinguir entre aquelas duas rubricas).

83

positivo face à média europeia, sendo que, em simultâneo, se trata da função em que

esta última é mais elevada. À excepção de Malta, Chipre, Grécia e Dinamarca, todos os

países de entre os 25 em análise registam um grau de descentralização da despesa de

50% ou superior, o que contribui para que esta seja a função onde a dispersão de

valores entre países é mais reduzida (a par da função afecta à recreação, cultura e

religião).

Figura 2.8. Despesa da administração local e regional em habitação e equipamentos

colectivos (% do total da função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

84

Figura 2.9. Despesa da administração local e regional em habitação e equipamentos

colectivos por sub-função (% do total da sub-função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

Saúde

Como já mencionado, o nosso País apresenta valores muito baixos na execução da

despesa pública com esta função ao nível descentralizado, registando o segundo maior

desfasamento face à média europeia, a seguir à educação. Este desempenho espelha

essencialmente o diminuto ou virtualmente nulo grau de descentralização da despesa

nas componentes dos produtos, aparelhos e equipamentos médicos (incluindo,

designadamente, medicamentos e outros produtos farmacêuticos), dos serviços para

doentes ambulatórios e dos serviços de saúde pública (0,3%, 3,0% e 5,1%,

respectivamente). Regista-se, contudo, uma percentagem de despesa ao nível local e

85

regional com alguma expressão, embora mesmo assim aquém da média europeia, no

que toca a componente associada aos serviços hospitalares (15,9%).16

Todavia, há que realçar a forte disparidade de valores entre países tanto ao nível

da função principal (em 25 países, existem sete com registo nulo ou quase e quatro

com registos acima dos 80%) como das várias sub-funções, com especial destaque para

os produtos, aparelhos e equipamentos médicos (Suécia e Itália exibem valores de

99,7% e 98,2%, enquanto que os restantes países apresentam registos nulos ou quase

nulos).

Figura 2.10. Despesa da administração local e regional em saúde (% do total da

função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

16

Este valor reflecte essencialmente o peso da despesa das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira em saúde, o qual, no cômputo da função, ascende a 92,5% do total da administrações local e regional de Portugal.

86

Figura 2.11. Despesa da administração local e regional em saúde por sub-função (%

do total da sub-função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

Recreação, cultura e religião

Esta é uma das quatro funções onde Portugal revela um grau de descentralização da

despesa pública superior ao da média europeia.17 Em termos das sub-funções no

âmbito da recreação, cultura e religião, é somente na componente de serviços de

emissões radiofónicas ou televisivas e serviços de edição que Portugal regista um

diferencial negativo face à média. No entanto, tal resulta, essencialmente, do valor

muito alto evidenciado pela República Checa (71,3%), dado que os restantes países

17

O peso das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira nesta função ascende a 8,3% do total das administrações local e regional de Portugal.

87

apresentam registos entre zero (cinco países) e 11% (Lituânia e Luxemburgo). Na

verdade, trata-se de uma das funções onde, globalmente, a disparidade entre países é

mais baixa, apenas se salientando a significativa dispersão de valores na já mencionada

sub-função de serviços de emissões radiofónicas ou televisivas e serviços de edição.

Figura 2.12. Despesa da administração local e regional em recreação, cultura e

religião (% do total da função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

88

Figura 2.13. Despesa da administração local e regional em recreação, cultura e

religião por sub-função (% do total da sub-função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

Educação

Como já referido, o nosso País evidencia valores muito baixos na execução da despesa

pública com esta função social ao nível descentralizado, tratando-se mesmo da função

com maior desfasamento face à média europeia.18 Este desempenho espelha

essencialmente o reduzido grau de descentralização da despesa nas vertentes da

educação pré-escolar e ensino básico (1º ciclo) e do ensinos básico (2º e 3º ciclos) e

18

Acresce o facto do peso das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira nesta função ascender a 54,7% do total das administrações local e regional de Portugal.

89

secundário (ver Figura 2.14). No ensino superior, o registo nulo em Portugal contrasta

com os valores positivos e muito elevados na Itália e Irlanda (94,8% e 47,4%,

respectivamente) e também com a Finlândia (14,5%); todavia, os restantes países com

dados disponíveis apresentam valores nulos ou apenas marginalmente positivos ao

nível local e regional. Em oposição, o grau de descentralização da despesa na área dos

serviços anexos à educação (designadamente, transporte de alunos e serviços de

alimentação) excede em Portugal a média europeia, enquanto no ensino não definível

por níveis (captando, essencialmente, as diferentes vertentes de ensino para adultos)

o nosso País se posiciona apenas ligeiramente abaixo da média. Salienta-se, porém,

que também na vertente dos serviços anexos à educação países com valores muito

altos (por exemplo, a Itália e a Lituânia, com registos de 100% e 97,6%) convivem com

países (quatro) com graus de descentralização entre zero e 3,7%.

Figura 2.14. Despesa da administração local e regional em educação (% do total da

função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

90

Figura 2.15. Despesa da administração local e regional em educação por sub-função

(% do total da sub-função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

Segurança e acção sociais

Portugal apresenta um grau de descentralização da despesa pública muito reduzido

nesta função.19 Destacam-se, pela negativa, as sub-funções ligadas à exclusão social e

ao alojamento, com marcados diferenciais relativamente à média europeia. Em

contraste, o nosso País suplanta a média nas componentes de velhice, sobrevivência e

desemprego, áreas onde também no cômputo europeu se registam valores muito

baixos de descentralização da despesa. Todavia, há que realçar a forte disparidade de

valores entre países tanto ao nível da função principal (em 25 países apenas seis se

19

O peso das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira nesta função é também apenas marginal, tendo-se estabelecido em 2,3% do total das administrações local e regional de Portugal em 2009.

91

posicionam de modo relevante acima da média) como das várias sub-funções. Merece

especial destaque a componente do apoio ao desemprego, com dois países a

apresentarem valores de despesa descentralizada relevantes (Hungria e Suécia, com

21,9%, 13,7%) e os restantes países com valores entre zero e 3%, assim como ao

alojamento, caso em que seis países apresentam valores entre 85% e 100% (Lituânia,

Estónia, Eslovénia, Itália, Irlanda e Reino Unido) e seis com registos de zero ou apenas

ligeiramente positivos.

Figura 2.16. Despesa da administração local e regional em segurança e acção sociais

(% do total da função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

92

Figura 2.17. Despesa da administração local e regional em segurança e acção sociais

por sub-função (% do total da sub-função, 2009)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Eurostat (base de dados on-line, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal).

2. Algumas experiências europeias quanto a áreas metropolitanas

Como referido no início do presente capítulo, pareceu-nos importante estender o

exercício de benchmarking à análise do funcionamento e modelos de governo de casos

concretos de áreas metropolitanas existentes na União Europeia. Para o efeito,

baseamo-nos essencialmente em Escuela Politica y Alto Gobierno (2012), que

apresenta os traços fundamentais àqueles níveis da área metropolitana de Barcelona,

da Comunidade Urbana de Lyon, da Grande Paris, através da Ville de Paris e Região de

Île-de-France, e de Berlim, nos seus respectivos contextos nacionais.

93

2.1. Os quatro casos analisados

A Tabela 2.2 resume as principais características das áreas metropolitanas

seleccionadas, fazendo-se ainda uma extensão – por elaboração própria – ao caso da

Área Metropolitana do Porto.

A este propósito merece realce o facto da Área Metropolitana do Porto ser a

única, de entre os casos em estudo, que se insere num país cujo grau de

descentralização é classificado como baixo, havendo somente dois níveis infraestatais

de governo (e que se resumem a apenas um nível em Portugal continental). Na

verdade, pode-se afirmar que Portugal aparece como excepção no contexto da União

Europeia no que diz respeito ao grau de descentralização administrativa vigente.

Tabela 2.2. Características das áreas metropolitanas seleccionadas e extensão à Área

Metropolitana do Porto

Barcelona Lyon Paris Île de

France Berlin Porto

Descentralização

do país Forte Homogénea Homogénea Homogénea Forte Baixa

Níveis

infraestatais 4 4 4 4 3 2

Coincidência

territorial Forte Forte Baixa Baixa Baixa Baixa

Cidade capital Não Não Sim Sim Sim Não

Forma de

governança Indirecta Indirecta Directa Directa Directa Indirecta

Capacidade

legislativa Não Não Não Não Sim Não

Estatuto ZM(a) ECPI(b) CDep.(c) Região CLand(d) ZM(a)

Fonte: elaboração própria, com base em Escuela Politica y Alto Gobierno (2012). Notas:

(a) ZM representa zona metropolitana;

(b) ECPI significa estabelecimento público de cooperação

intermunicipal; (c)

CDep. significa cidade e departamento; (d)

CLand significa cidade e land.

94

De seguida, detalham-se os casos específicos analisados, enfatizando as principais

particularidades.

Área Metropolitana de Barcelona (AMB)

A AMB, constituída em 21 de Julho de 2011, é formada por Barcelona e 35 municípios

vizinhos. Cobre a quase totalidade da zona urbana da área de Barcelona e a totalidade

da área metropolitana. O órgão executivo é a junta de governo, composta por 18

membros, eleitos em eleições municipais. Por acordo tácito, o presidente é o

presidente da câmara municipal de Barcelona. O conselho metropolitano é o órgão

deliberativo, composto por todos os presidentes das câmaras dos municípios

integrantes e por um número de conselheiros fixado em função da população de cada

município.

A população da AMB é de 3.100.000 habitantes e ocupa uma área de menos de

600 km2 com elevada densidade populacional (5.139 hab./km2). O orçamento total da

AMB para o período 2007-2011 foi de 5.780 milhões de euros, o que em termos per

capita corresponde a 1.864,5 euros.

A AMB tem competências em matéria de desenvolvimento económico e social,

habitação, ordenamento do território, urbanismo, infra-estruturas de interesse

metropolitano, transportes e mobilidade, água, resíduos e meio ambiente, e coesão

social e territorial. Para além dessas competências, a AMB tem o poder jurídico para

assumir competências que outras entidades, nomeadamente municípios, deliberem

delegar-lhe ou transferir-lhe.

Importa ainda referir que a AMB reúne condições para conduzir políticas que

reforçam a eficácia e eficiência na gestão do território metropolitano:

o O seu território coincide com o da aglomeração urbana;

o As funções e competências são complementares das de outros níveis de

governo;

95

o As suas competências correspondem ao nível territorial da aglomeração

metropolitana, não incluindo genericamente competências melhor exercidas

por outros níveis de governo;

o Dispõe de orçamento adequado às competências;

o Possui uma estrutura flexível para levar a cabo as políticas requeridas;

o Conta com uma longa tradição de acordos com outros actores locais e

regionais e de participação em empresas públicas ou para-públicas.

Grande Lyon

A comunidade urbana de Lyon ou grande Lyon é constituída por 58 municípios. O

conselho metropolitano é administrado pelo conselho da comunidade e inclui 156

membros eleitos, por seis anos, entre os conselheiros municipais dos 58 municípios. O

número de membros do conselho é atribuído a cada município na proporção do

tamanho da sua população, sendo que, cada município tem, pelo menos, um membro.

O conselho da comunidade delega alguns dos seus poderes no seu presidente e na

mesa, composta pelo presidente, por 40 vice-presidentes eleitos pela comunidade

urbana e pelos presidentes dos cinco comités permanentes. Dada a sua natureza

jurídica – estabelecimento público de cooperação intermunicipal – tem carácter

administrativo com poder de decisão e de regulamentação no âmbito das suas

competências.

A população da grande Lyon é de 1.500.000 habitantes e ocupa uma área de 515

km2. O orçamento total da comunidade urbana de Lyon para 2011 ascendeu a 1.762,2

milhões de euros, o que em termos per capita corresponde a 1.174,8 euros.

Em matéria de competências destacam-se as relacionadas com: planeamento do

desenvolvimento económico, habitação e habitação de interesse social, planeamento

urbano, vias e caminhos públicos, principais equipamentos colectivos da aglomeração,

espaços públicos, localização industrial, transporte público regional, trânsito e

estacionamento, distribuição e saneamento da água potável, recolha e tratamento dos

resíduos domésticos, educação.

96

Paris e Île-de-France

A região de Paris compreende 1.281 municípios. A população da região é de

11.700.000 habitantes e ocupa uma área de cerca de 12.000 km2. O orçamento da

região para 2012 é de 4.770 milhões de euros, o que em termos per capita

corresponde a 401,7 euros. Por sua vez, a população de Paris é de 2.100.000

habitantes, distribuídos por uma superfície de 105 km2, e o orçamento para 2011

ascendeu a 7.750 milhões de euros; ou seja, em termos per capita o valor foi de

3.690,5 euros.

Em matéria de competências destacam-se as seguintes:

• Île-de-France: desenvolvimento económico, habitação social, urbanismo,

transporte, resíduos, qualidade de vida, ensino primário e secundário e

saúde.

• Paris: desenvolvimento económico e competitividade, turismo, habitação

social, ordenamento do território, planeamento urbano e uso dos solos,

transportes e estradas, meio ambiente, ensino superior e investigação

científica, educação secundária, formação profissional e emprego, saúde,

terceira idade, cultura e desporto.

Dado que muitas competências cabem a ambas as instituições, as instâncias de

coordenação permanente existentes são cruciais.

Berlim

Do ponto de vista institucional, Berlim é uma cidade-estado com constituição e

tribunal constitucional. A cidade conta com amplas competências administrativas, mas

também com poderes legislativos, podendo proferir normas em diversas áreas. Sendo

uma cidade-estado, tem jurisdição sobre quase todas as áreas, com a excepção

daquelas áreas exclusivas do governo federal. O presidente da câmara municipal, o

governador e o senado são responsáveis perante a câmara de deputados de Berlim

composta por 149 membros eleitos, eleitos por cinco anos. A organização

97

administrativa estabelece-se de acordo com os princípios estabelecidos pela

Constituição de Berlim e pelas leis do estado. A cidade encontra-se dividida em 12

distritos, cada um governado por um conselho eleito por sufrágio universal

proporcional, dirigido por um presidente da câmara municipal e um executivo

composto por cinco membros.

Berlim é a capital e a maior cidade da Alemanha, com cerca de 3.400.000

habitantes numa superfície de 892 km2. A sua área metropolitana abrange 2.284 km2 e

conta com cerca de 4.000.000 habitantes. Por sua vez, a área urbana da região de

Berlim-Brandemburgo ultrapassa os limites do Estado de Berlim e tem um total

estimado de 6.000.000 habitantes. O orçamento para 2009 foi de 20.700 milhões de

euros, correspondendo, em termos per capita, a 5.175 euros.

Relativamente às competências, o Estado de Berlim acumula as funções e

competências regionais e municipais, ainda que parte da execução seja delegada nos

distritos. Destaque-se, assim, as competências sectoriais em matéria de

desenvolvimento económico, tecnologia e investigação e ciência, desenvolvimento

urbano, transportes, meio ambiente, educação, juventude e desportos, saúde,

sanidade e serviços sociais, integração e trabalho, protecção do consumidor, polícia e

segurança, imigração e justiça.

2.2. Principais conclusões

No essencial, dos casos analisados parecem relevar os seguintes aspectos

fundamentais:

• Existe um grupo de políticas estreitamente ligadas ao território que parecem

adequadas ao nível da área metropolitana. Estas políticas constituem parte do

núcleo das competências que se encontraram nos quatro casos analisados e

sumariadas na Tabela 2.3;

• A inclusão de outras competências pode resultar numa utilização subeficiente dos

recursos;

98

• A eficácia e a eficiência das políticas territoriais podem estar relacionadas com a

cobertura geográfica e, em particular, com a coincidência com o território real da

área metropolitana e/ou a zona urbana;

• As instituições e as políticas metropolitanas inserem-se em contextos locais,

regionais e nacionais que condicionam a eficácia e eficiência das mesmas:

o Obrigando a mecanismos de concertação e coordenação, já que as

competências dependem também da sua repartição entre as diversas

instâncias de governo, nacional, regional, provincial, municipal e da inserção

da institucionalidade da área metropolitana nesta estrutura;

o Determinando a realização de acordos entre todos os actores do território,

públicos e privados; esses actores, bem como o grau de descentralização real,

condicionam também, em particular, a definição e o alcance das suas

competências e do seu modo de governança e de representação.

• Determinada a área geográfica da área metropolitana, Estado central e municípios

que a integram determinarão o modo de governança mais adequado:

o Regra geral:

- Na medida em que a autoridade da área metropolitana corresponde a

uma colectividade territorial existente e inserida no sistema de

descentralização do Estado, a eleição de, por exemplo, conselheiros,

parlamentários e deputados deve tender a ser directa, e a eleição do

presidente da instituição deve ser feita pela assembleia regional;

- Se a forma jurídica da organização da área metropolitana provém de um

acordo de intermunicipalidade, a eleição das suas autoridades deve

tender a ser indirecta, realizada por e entre os eleitos municipais dos

municípios que a formam.

o Na prática parece poder concluir-se que, efectivamente:

- Os sistemas de eleições indirectas dão-se em contextos com um alto

nível de descentralização e, acima de tudo, com uma estrutura de níveis

de governos local e regional muito diversificada (casos de Lyon e

99

Barcelona). Com efeito, graus de diversificação das estruturas

infraestatais preexistentes, parecem não tornar imprescindível a eleição

directa de novos conselheiros territoriais;

- É recomendável que os órgãos de decisão e deliberativos de instituições

da área metropolitana surjam do sufrágio universal em países pouco

descentralizados e com poucos níveis de poder infraestatal. Neste caso,

a criação da área metropolitana responde também a uma lógica de

descentralização e não apenas de optimização das políticas territoriais à

procura da maximização do bem-estar do cidadão;

- Quando as colectividades preexistentes assumem o papel de

instituições reguladoras das área metropolitana, o território das

mesmas tende a não corresponder ao das áreas metropolitanas ou ao

das zonas urbanas “vivas” por definição, pelo qual podem ver-se

incapacitadas de contribuir com soluções viáveis para os problemas

essenciais que as diversas formas de intermunicipalidade procuram

resolver. As limitações da cooperação horizontal Berlim-Brandemburgo

ou a falta de coordenação – por diversos factores – na Grande Paris são

exemplos desta situação.

• Para ambas as finalidades, modo de governo e definição das competências, o

estatuto legal da área metropolitana é particularmente relevante: os estatutos vão

desde um estabelecimento público (Lyon) até um estado federado (Berlim) e

podem ser o resultado da história ou a consequência lógica da estrutura

institucional.

• Os custos da transição para a nova institucionalidade devem ser cuidadosamente

avaliados para que se possam minimizar e compensar, em prazos razoáveis, os

efeitos positivos da racionalização e modernização das políticas públicas a seu

cargo.

100

Tabela 2.3. Competências das quatro áreas metropolitanas seleccionadas

Competências AMB Lyon Paris Île de

France Berlin

Desenvolvimento

económico

Desenvolvimento

económico x x x x x

Turismo x

Habitação Habitação social x x x x x

Ordenamento do

território

Ordenamento do território x x x x x

Urbanismo x x x x x

Infra-estruturas x x x x

Mobilidade Transportes públicos x x x x x

Trânsito x x x x

Meio ambiente

Higiene ambiental x x x x x

Tratamento de águas x x x x

Parques públicos x x x x x

Desenvolvimento

social

Educação x x x x x

Saúde x x x x x

Serviços sociais x x x x x

Cultura x x x x x

Funções soberanas Segurança x x x x

Outros Emergências x x x x x

Fonte: Escuela Politica y Alto Gobierno (2012).

101

Capítulo 3. Critérios de repartição de

competências no âmbito da organização

administrativa do território

No domínio da literatura económica, a discussão em torno dos critérios para a

distribuição e delimitação de competências no quadro de uma organização estatal

“multi-níveis” tem sido bastante abundante, centrando-se no quadro do que é

conhecido como a “teoria do federalismo fiscal”.

Esta teoria, inicialmente desenvolvida para a análise dos níveis óptimos da

administração a que deveriam competir as tarefas associadas à tributação e à

repartição das respectivas receitas, veio a ser alargada ao conjunto das atribuições

públicas, permitindo um bom enquadramento analítico para a análise das vantagens e

desvantagens da atribuição de competências a níveis superiores (centralização) ou

inferiores (descentralização) de governo.

Figura 3.1. Uma aplicação da Teoria do Federalismo Fiscal

Fonte: elaboração própria.

• Nível óptimo da administração para cada função pública

Teoria do Federalismo Fiscal

•“A que nível de poder devem ser tomadas as decisões?”

Critérios

•Nível central

•Nível metropolitano

•Nível local

Modelo de repartição de competências

102

A sua utilização, no contexto deste estudo, deverá permitir abrir caminho para a

definição de critérios que possibilitem a resposta à questão essencial: “quem deve ter

a competência para determinada matéria”. Ou, dito de outro modo, “a que nível de

poder devem ser tomadas as decisões?”. Com base em tais critérios e nos elementos

discutidos nos capítulos anteriores, será possível apresentar um modelo de repartição

de competências entre a administração central, as áreas metropolitanas e os

municípios, objecto último deste estudo (ver Figura 3.1).

No contexto descrito, o presente capítulo pretende conduzir à determinação dos

referidos critérios. O capítulo abre com uma definição mais precisa do objecto da

teoria do federalismo fiscal, na Secção 1. Segue-se a discussão ao longo das três áreas

fundamentais de actuação do Estado, com particular incidência no fornecimento de

bens e serviços públicos (Secção 2), embora referindo igualmente alguns aspectos

relativos à redistribuição (Secção 3) e à estabilização macroeconómica (Secção 4) e

incluindo uma breve apresentação de alguns dos principais instrumentos do

federalismo fiscal (Secção 5).20 O capítulo culmina, na Secção 6, com a tentativa de

determinação de algumas lições úteis para o processo de reorganização administrativa

no caso português e, nesse quadro, a elencagem de critérios propostos para uma

futura repartição de competências.

1. O objecto da teoria do federalismo fiscal

Como aspecto inicial a ter em conta, é relevante ter presente que, no quadro da

Ciência Económica, o uso do termo “federalismo” em Economia é algo de distinto do

respectivo conceito habitual em Ciência Política. De facto, uma vez que, ao nível do

exercício das suas funções económicas, sociais, culturais, etc., todos os sectores

20

As referências bibliográficas consultadas são numerosas, sendo este um campo da literatura económica muito amplo e desenvolvido. Com reduzidas excepções, optou-se por referir explicitamente no texto apenas aquelas que correspondem aos trabalhos que estão na origem dos principais tópicos abordados pela teoria do federalismo fiscal.

103

públicos são mais ou menos “federalizados”, no sentido de que todos providenciam

bens e serviços públicos e todos têm alguma autonomia de decisão, a teoria do

federalismo fiscal trata fundamentalmente das questões que envolvem a estruturação

vertical do sector público e, como tal, do grau de descentralização ou centralização

que o mesmo deve conter.

O objectivo fundamental, neste contexto, é o de encontrar a forma mais

adequada de repartição de responsabilidades e de utilização de instrumentos pelos

vários níveis de governo, por forma a optimizar o seu desempenho. Sendo clara a

inexistência de regras ou fórmulas rígidas que determinem tal situação de “óptimo”, o

que é sublinhado pela diversidade de estruturas estatais nos mais diversos países (e

verdadeiras federações), a literatura no quadro do chamado “federalismo fiscal” tem

vindo a tentar encontrar algumas linhas de orientação para a referida estruturação

vertical do governo.

O objecto essencial desta literatura é, pois, a repartição adequada de

competências entre os vários níveis de governo e não, como o seu nome poderia levar

a crer, a descentralização ao nível exclusivo da tributação. Como refere Oates (1998),

trata-se de proceder à identificação do design institucional que melhor possibilite ao

sector público responder à variedade da procura que lhe é dirigida.

Tradicionalmente, a teoria do federalismo fiscal preocupa-se com três aspectos

essenciais:

o A repartição de funções entre os diferentes níveis de governo,

particularmente a três níveis, a saber: fornecimento de bens e serviços

públicos; redistribuição de rendimento; estabilização macroeconómica;

o A identificação de ganhos de bem-estar decorrentes da descentralização

fiscal;

o O uso de instrumentos de política económica, em particular nas questões

associadas à tributação e às transferências intergovernamentais.

Em anos mais recentes, o domínio da teoria do federalismo fiscal foi-se alargando, com

o surgimento de novos tópicos, incluindo, entre outras, questões ligadas à

104

concorrência interjurisdicional, ao “federalismo ambiental”, ao “market preserving

federalism” ou à descentralização em economias em vias de desenvolvimento ou em

transição. Alguns destes tópicos serão deixados de lado, na medida em que se aplicam

fundamentalmente a federações de Estados e não ao âmbito a que o presente estudo

respeita.

2. O fornecimento de bens e serviços

2.1. Diversidade de preferências e vantagens de informação como elementos

potenciadores da descentralização

É ao nível da função de afectação de recursos que se encontra o caso mais forte a

favor da descentralização. O resultado mais consensual decorre do chamado teorema

de descentralização de Oates (1972), segundo o qual, se existirem várias formas de

bens públicos que possam ser consumidos conjuntamente e disponibilizados de modo

uniforme, então deverão ser fornecidos ao nível a que as preferências dos

consumidores sejam relativamente homogéneas.

O teorema em causa estabelece, pois, uma presunção a favor da

descentralização do fornecimento de bens e serviços públicos que apresentem efeitos

localizados, indicando que tal pode trazer ganhos de eficiência quando as preferências

diferem geograficamente. Assim, quando as preferências diferissem entre distintas

regiões ou espaços geográficos face a determinados bens públicos, um processo de

decisão centralizado que determinasse uma escolha única poderia produzir um

resultado inferior ao derivado de uma decisão descentralizada.

Neste contexto, recomendar-se-ia o fornecimento centralizado apenas para os

bens e serviços públicos que, por natureza, se assumissem como gerais e nacionais. O

exemplo típico seria constituído pela defesa, enquanto domínios como os transportes,

as comunicações, a investigação tecnológica ou a protecção ambiental se incluiriam,

105

entre outros, naqueles que oferecem também alguns casos onde a centralização

poderia produzir benefícios supranacionais relevantes.

Estes “preceitos” necessitam, entretanto, de ser lidos com algum cuidado, como

o próprio Oates (1999) refere. Desde logo, é necessário ter em conta que se tratam de

“preceitos” bastante amplos, não oferecendo uma delimitação precisa do conjunto de

bens e serviços que devem ser fornecidos em cada nível de governo. Como resultado,

ao proceder a comparações entre países ou no mesmo país em diferentes momentos

temporais, encontram-se necessariamente divergências no que deveria ser “local” em

termos de incidência.

Por outro lado, o teorema assenta (implícita ou explicitamente) na hipótese de a

centralização do fornecimento de bens e serviços conduzir a uma uniformização dos

níveis de output entre as várias jurisdições. Ora, num contexto de informação perfeita,

seria possível ao poder central proceder à diferenciação de outputs locais, por forma a

maximizar o bem-estar social global, deixando de ser necessária a descentralização

fiscal.

É possível argumentar, contudo, que não sendo habitualmente a informação

perfeita, ou seja, no quadro de existência de assimetria de informação, observar-se-ia

um melhor conhecimento das preferências locais e das condições de custo de

fornecimento dos bens e serviços por parte dos níveis sub-nacionais de governo. Neste

contexto, um elevado padrão de descentralização continuaria a concorrer para uma

melhor afectação dos recursos, conduzindo a uma elevação do nível do bem-estar

social. Aliás, a descentralização permitiria mais facilmente aplicar regras de custo-

benefício aos serviços públicos: na medida em que geralmente existem pressões

políticas (ou mesmo elementos constitucionais) que restringem a capacidade dos

governos centrais em promover a discriminação regional de taxas (e mesmo o

fornecimento de níveis mais elevados de bens e serviços numas jurisdições

relativamente a outras), torna-se mais difícil de efectivar aquelas regras aos níveis mais

elevados de decisão.

106

Um terceiro elemento relevante no que respeita à eventual opção por uma larga

descentralização do fornecimento de bens e serviços públicos prende-se, não tanto

com a possibilidade de ocorrência de ganhos de bem-estar, mas com a provável

magnitude desses ganhos. A este nível, a teoria refere que a magnitude dos ganhos

depende de dois elementos: o grau de heterogeneidade da procura entre jurisdições;

por outro lado, o nível da diferença de custos entre jurisdições. Em particular, é

possível sugerir que os ganhos decorrentes da descentralização e associados à

heterogeneidade da procura, variam inversamente com a elasticidade-preço da

procura: de facto, se os níveis de custo de fornecimento fossem idênticos entre

jurisdições, a magnitude da perda de bem-estar, decorrente de um nível uniforme de

fornecimento ditado pela centralização, seria elevada para procuras particularmente

inelásticas face ao preço.

Figura 3.2. Elementos potenciadores da descentralização e do seu grau

Fonte: elaboração própria.

Dois elementos provindos de estudos empíricos e econométricos jogam, aliás, a

favor desta conclusão teórica e, portanto, da existência de potenciais ganhos elevados

Descentralização

Custos associados

Diversidade de

preferências

Assimetria de

informação

107

de bem-estar decorrentes da descentralização: por um lado, várias análises, em

diferentes épocas, parecem sustentar claramente a ideia de que a procura sub-

nacional de bens públicos é tipicamente bastante inelástica perante o preço; por outro

lado, alguns estudos, também desde há já bastante tempo, apontam para situações

reais em que, perante a possibilidade de ganhos elevados, se verificou uma importante

descentralização ao nível de algumas competências do sector público (só a título de

exemplo, e reportando-se a diferentes espaços físicos e temporais, observem-se os

estudos desenvolvidos por autores como Bjornskov et al., 2007, Strumpf e Oberholzer-

Gee, 2002, e Oates, 1972).

2.2. Outros elementos favoráveis à descentralização: capacidade de controlo

democrático, efeitos da concorrência inter-jurisdicional e capacidade de

reforço da participação política

Aos ganhos apontados para a descentralização, referidos no ponto anterior, dever-se-

ão associar os provindos de outros elementos favoráveis, destacando-se, por um lado,

o reforço da capacidade de controlo democrático e, por outro lado, os eventuais

efeitos favoráveis da concorrência inter-jurisdicional.

Capacidade de controlo democrático

O argumento do controlo democrático parte do pressuposto (obviamente discutível)

que (pelo menos) alguns decisores políticos podem estar interessados em mais que o

bem-estar dos eleitores, surgindo situações em que aqueles favoreçam

sistematicamente grupos de interesses particulares com largo poder de influência.

Dada esta divergência de interesses entre os eleitores e os decisores, os Estados

europeus (entre outros) adoptaram mecanismos para limitar o poder dos decisores

políticos e manter as decisões mais próximas dos interesses comuns. O mais poderoso

desses mecanismos é o funcionamento do sistema democrático: de facto, na medida

em que regularmente os decisores políticos têm de obter a aprovação dos cidadãos

(via eleições), a democracia pode ser vista como um mecanismo de controlo.

108

Quando votam, os eleitores escolhem entre “programas”, esperando que o

vencedor cumpra as iniciativas a que neles se propõe, sob pena de sanção nas eleições

seguintes. Este poder de controlo dos eleitores depende do âmbito desses

“programas”. Assim, numa eleição nacional, que ocorre cada 4 ou 5 anos, o programa

apresentado aos eleitores abrange um vasto campo de promessas, o que permite aos

decisores políticos maior margem de manobra para implementar políticas públicas

eventualmente distintas do exigido pela maximização do interesse comum. Já numa

eleição local, o conjunto de promessas é necessariamente mais específico, reduzindo a

margem de manobra para a eventual satisfação de interesses particulares.

Neste contexto, a capacidade de controlo seria reforçada sempre que as

decisões fossem tomadas o mais próximo possível dos votantes, ou seja, o argumento

apresentado jogaria em favor da aplicação do conhecido princípio da subsidiaridade. A

descentralização facilitaria o processo de decisão política, a qual, porque tomada a um

nível mais próximo dos eleitores e sujeitos passivos de impostos, seria mais sensível à

procura geral (e não particular), produzindo maiores ganhos de bem-estar.

Efeitos da concorrência inter-jurisdicional

Por seu turno, o argumento da concorrência interjurisdicional tem a sua fonte original

no chamado modelo de Tiebout (1956), segundo o qual os indivíduos, tendo elevada

mobilidade, escolheriam a jurisdição de residência em função do par “bens e serviços

públicos / tributação” que cada localidade lhes oferecesse. Assim, uma outra forma de

os eleitores influenciarem os decisores residiria na possibilidade de se mudarem de

local, no caso de as políticas seguidas não serem do seu agrado. Ou seja, os indivíduos,

para além de votarem “em papel”, também votariam “com os pés”.

Este outro mecanismo de controlo funcionaria melhor a níveis mais baixos do

exercício dos poderes públicos: de facto, enquanto a saída não é uma possibilidade

para muitos votantes a nível nacional, o mesmo não sucede a níveis sub-nacionais –

em média, é mais fácil a um indivíduo mudar de residência dentro de um determinado

município do que mudar de residência dentro do país.

109

Ora, o facto de os votantes poderem mudar de jurisdição forçaria os decisores

políticos a prestar maior atenção aos interesses gerais dos eleitores, ou seja, a serem

mais eficientes na tomada de decisão. No caso limite (máxima mobilidade), a solução

proposta por Tiebout garantiria uma solução de first best idêntica à produzida pelo

funcionamento competitivo do mercado e, como tal, a máxima eficiência económica.

Nestas circunstâncias, os ganhos decorrentes da descentralização seriam óbvios.

Tal como todos os anteriores, este argumento é igualmente objecto de alguma

polémica no seio da literatura. Mesmo entre aqueles que defendem uma alargada

descentralização, surgem os que não consideram a necessidade de existir forte

mobilidade dos indivíduos, ou seja, os que advogam uma fraca relevância do

argumento apresentado. Assim, existem estudos que evidenciam que, mesmo que

todos os elementos relevantes fossem imóveis (indivíduos, outros factores de

produção, etc.), ainda assim poderiam existir igualmente ganhos resultantes da

descentralização, na medida em que o nível eficiente de produção de um bem público

“local” (determinado pela igualdade entre a soma das taxas marginais de substituição

e o custo marginal) normalmente variará de uma jurisdição para outra. A este

propósito, Oates apresenta um exemplo bastante feliz: “to take one example, the

efficient level of air quality in Los Angeles is surely much different from that in, say,

Chicago” (Oates, 1999, p. 1124).

Ou seja, apesar de frequentemente o modelo de Tiebout ser visto, por causa dos

seus pressupostos, como uma construção essencialmente aplicável aos Estados Unidos

e de vários autores assumirem como limitada a sua utilização fora desse âmbito, a

concorrência interjurisdicional parece poder afirmar-se como potencial determinante

de fortes ganhos com a descentralização (e.g., Rubinchik-Pessach, 2005).

No lado contrário, surge a questão da possibilidade da concorrência

interjurisdicional entre níveis sub-nacionais de governo poder introduzir distorções

importantes na afectação de recursos. Todavia, a literatura não é consensual sobre a

relevância deste argumento: por um lado, parecem existir alguns motivos para admitir

que, em determinadas situações, a concorrência interjurisdicional (ao nível do

110

fornecimento de bens e serviços públicos) promove a elevação da eficiência na

afectação de recursos; por outro lado, parece existir um conjunto de “imperfeições”

que pode gerar distorções relevantes (ver Caixa 3.1).

Caixa 3.1. O debate sobre os efeitos da concorrência interjurisdicional

A possibilidade da concorrência interjurisdicional entre níveis sub-nacionais de governo introduzir

distorções importantes na afectação de recursos tem estado no centro de um importante.

Assim, uma primeira abordagem considera que, na tentativa de promover o crescimento económico e

a criação de emprego, os decisores políticos poderiam tender a baixar a tributação e a introduzir

menores exigências ao nível da regulação e da qualidade ambiental, conduzindo a uma espécie de

“nivelamento por baixo” e resultando em níveis e qualidades sub-óptimas de fornecimento de bens e

serviços públicos. Ou seja, de algum modo levando a efeitos idênticos aos da ocorrência de spillovers

negativos (referidos, em baixo, no ponto 2.3), estabelecidos como um dos elementos favoráveis à

centralização.

A eventual necessidade de evitar tal “nivelamento por baixo” tem obtido algum eco significativo no

domínio político: observe-se, por exemplo, no caso da União Europeia, a existência de fortes pressões

para maior harmonização ao nível fiscal e ambiental, como forma de impedir uma concorrência capaz

de diminuir os padrões considerados adequados. A ser considerado significativo, o argumento apelaria

para uma maior centralização, nomeadamente ao nível do fornecimento de bens e serviços públicos,

quase como forma de “salvar os Estados deles próprios”.

Porém, este é um argumento discutível, encontrando tal discussão bastante eco em diversa literatura,

cujo ponto de partida decorre dos modelos desenvolvidos por Oates e Schwabb (1996), autores que

tentaram analisar as condições sob as quais a concorrência horizontal é promotora de eficiência.

Nesses modelos, considera-se que os governos competem por uma dotação móvel de capital que, em

simultâneo, gera rendimento para os seus residentes e constitui uma base para os tributar. A “mão

invisível” actuaria, então, de forma análoga ao que sucede no sector privado, no sentido de promover

decisões políticas nas jurisdições individuais que, em conjunto, gerem um resultado eficiente do ponto

de vista (supra)nacional.

Tais modelos mostram que das decisões tomadas pelas jurisdições individuais resultam não só outputs

para os respectivos residentes, mas igualmente inputs públicos que permitem elevar a produtividade

do capital local e regras ambientais que, embora impondo custos sobre as empresas locais, aumentam

a qualidade ambiental da jurisdição. Neste contexto, evidenciam a inexistência de interesse num

111

“nivelamento por baixo”: pelo contrário, as jurisdições veriam como sendo do seu próprio interesse a

cobrança adequada de taxas e impostos que permitissem a tomada de decisões eficientes quer no

sector privado, quer no sector público.

O problema fundamental, conforme os próprios autores reconhecem decorre do facto de estes

modelos assumirem pressupostos bastante limitadores, basicamente promovendo a analogia ao

estudo das decisões do sector privado em condições de concorrência perfeita. Neste contexto, diversos

artigos têm sido desenvolvidos, evidenciando situações em que podem ocorrer resultados sub-

óptimos, nomeadamente quando alguns dos pressupostos são ultrapassados.

A questão fundamental será, então, a de conhecer a real magnitude destas distorções

e também aqui o debate está longe de se encontrar encerrado. Em todo o caso, não

parece aportar um conjunto de razões suficiente para abandonar o princípio básico da

descentralização fiscal, no que concerne à questão do fornecimento de bens e serviços

públicos. Como refere Oates (1999, p. 1137), “the case remains strong (...) for leaving

«local matters in local hands»“.

Capacidade de reforço da participação política

Um terceiro argumento reporta-se à capacidade de reforço da participação política no

quadro de um sistema de decisão mais descentralizado e tem a sua base original em

diversos artigos de Inman e Rubinfeld (1997), que lançaram as bases para a extensão

do enquadramento analítico de algumas das questões referidas para a incorporação

explícita de certos objectivos políticos.

A escolha de um sistema de governo não envolve apenas considerações

económicas associadas à eficiência na afectação de recursos e à distribuição de

rendimento. Naturalmente, existem objectivos políticos relevantes a ter em conta e

que provavelmente assumem (ou devem assumir) um papel charneira.

Assim, nos modelos desenvolvidos pelos autores referidos e pelos que se lhes

seguiram usando este quadro de análise, considera-se uma função objectivo que inclui

não só objectivos económicos como também objectivos políticos, mostrando a

existência de uma linha de fronteira “federal” que permite observar algum trade-off

112

entre objectivos como a eficiência económica e a participação política: em alguma

medida, o aumento da participação política surge à custa de alguma redução na

eficiência económica.

A ideia base é a de que um sistema político mais descentralizado conduz a uma

elevação da participação política dos cidadãos, nomeadamente pelo maior impacto

que a mesma pode ter (ou, pelo menos, parece ter para os cidadãos) nos resultados

finais. O que parece apontar para que a consideração de alguns objectivos políticos

básicos ajude a fortalecer o argumento favorável a maior descentralização: a

maximização da função objectivo, incluindo inputs económicos e políticos, aponta para

um sistema mais descentralizado que o escolhido simplesmente na base da

optimização económica.

2.3. Economias de escala e ocorrência de efeitos de spillover como elementos

favoráveis à centralização

Dois elementos fundamentais podem ser elencados em sentido contrário ao do

teorema da descentralização de Oates e às recomendações que, no imediato, o

mesmo pareceria produzir no que se refere ao fornecimento de bens e serviços

públicos: por um lado, a existência de rendimentos crescentes à escala na produção de

bens e serviços públicos; por outro lado, a verificação de efeitos de spillover entre

níveis de jurisdição inferiores no interior do Estado. Em ambas as circunstâncias,

recomendar-se-ia a centralização.

Economias de escala na produção de bens e serviços públicos

Por um lado, haveria situações em que os custos médios associados ao fornecimento

dos bens e serviços públicos se reduzissem com a escala de produção dos mesmos, por

diversos motivos que a teoria económica aponta como criadores de economias de

escala (rendimentos internos crescentes). Nesse caso, quanto mais centralizado o

fornecimento, maior seria a eficiência na afectação de recursos, no sentido de uma

redução do seu custo médio.

113

Deve notar-se, em todo o caso, que nem sempre esta situação se comprovará na

prática, como o revelam os resultados algo desastrosos observados em algumas

economias do Leste da Europa, nomeadamente no período de economia central

planificada.

Efeitos de spillover das decisões de política

Por outro lado, deveria ter-se presente que há escolhas de política pública que

envolvem efeitos externos (spillovers ou externalidades), de carácter multi-regional.

Estes efeitos podem ser positivos, quando um aumento ou melhoria do nível de uma

política ou serviço público numa dada região beneficia os cidadãos de outras regiões,

ou negativos, quando uma medida ou política adoptada numa dada região tem efeitos

negativos sobre outras regiões.

Nestes casos, as decisões tomadas a um nível inferior ao do poder central

poderiam ser sub-óptimas para o país como um todo. De facto, quando o nível sub-

nacional de governo tomasse as suas decisões, tenderia a não incluir na análise os

efeitos externos positivos ou negativos que elas produziriam. No caso de as decisões

gerarem spillovers positivos, o efeito seria uma redução do nível de fornecimento de

bens e serviços relativamente ao que seria o óptimo e a elevação dos seus custos. Já

no caso de as decisões gerarem spillovers negativos, a ignorância dos mesmos

determinaria um excesso de produção de bens e serviços públicos relativamente ao

seu nível óptimo, podendo ainda determinar a ocorrência de uma degradação da

qualidade dos serviços prestados, mediante uma espécie de race to the bottom. Ou

seja, nestes casos justificar-se-ia a centralização.

Contudo, também aqui pode ser apresentado um contra-argumento importante:

a existência de spillovers não forçaria a centralização, podendo uma solução

alternativa passar pela cooperação entre os níveis de poder inferiores. Ou seja, na

eventualidade de os governos sub-nacionais cooperarem em bases voluntárias e

coordenarem as suas acções, atenuar-se-iam os spillovers negativos e potenciar-se-iam

os spillovers positivos, jogando novamente a favor da descentralização.

114

Aliás, há autores, como Spahn (1994), que argumentam claramente que a

existência de economias de escala e a verificação de efeitos de spillover nunca seriam

suficientes para a centralização das funções de despesa pública, indicando só a

existência de alguma necessidade de acção reguladora e de um papel catalizador por

parte do nível central de poder. Outros, como Alves e Afonso (2008), referem a

possibilidade de ser necessária a intervenção do governo central no caso de a

coordenação entre os níveis sub-nacionais de governo envolver dificuldades e custos

suficientemente elevados.

Figura 3.3. Elementos potenciadores da centralização

Fonte: elaboração própria.

3. A função de redistribuição

No que respeita a esta função, grande parte da análise produzida encontra-se ligada ao

modelo de Tiebout (1956), o qual, conforme decorre do ponto anterior, investigava

principalmente a optimização do fornecimento descentralizado de bens públicos. Para

esta função, a principal conclusão do modelo é a de que, numa situação de livre

Centralização

?Economias de escalaEfeitos de

spillover

115

migração dentro do espaço nacional (no caso do modelo, da federação), os

movimentos de pessoas criam externalidades fiscais para todos os membros da

região/estado de onde saem e para todos os residentes da região/estado que os

recebem. Estes efeitos poderiam ser atenuados por um sistema de transferências

incondicionais entre regiões/estados.

A migração poderia, contudo, levar os governos regionais a adoptar políticas

redistributivas: neste caso, os mais ricos tenderiam a abandonar as regiões/estados

com tributação redistributiva mais elevada, enquanto os mais pobres tenderiam a ser

atraídos para esses espaços. Porém, nestas circunstâncias, os próprios programas

locais de ajuda ao rendimento seriam colocadas em causa, face à descida das receitas

nas regiões de onde saíssem os mais ricos. Neste contexto, a neutralidade geográfica

da tributação seria um argumento favorável à centralização da função de

redistribuição.

Como é facilmente observável, a validade deste argumento depende muito da

relevância da mobilidade geográfica: assim, se nos Estados Unidos parece haver

evidência de mobilidade significativa, bem como de falta de sucesso de alguns

programas de redistribuição estaduais, já em vários países europeus parecem claras as

deficiências ao nível da mobilidade geográfica. Isto significa que, em diversos países

europeus, Portugal incluído e por diversas razões, desde diferenças culturais ou

linguísticas às condições dos mercados de trabalho e imobiliário (nomeadamente, a

existência ou não de um mercado de arrendamento eficiente), a migração acaba por

ser restringida numa escala relevante, mesmo apesar dos eventuais diferenciais de

rendimentos. Num caso como este, torna-se natural a adopção de políticas

redistributivas a partir de níveis inferiores de governo, o mesmo podendo acontecer

por motivos altruísticos ou ainda por força da aceitação de que o objectivo das

políticas de redistribuição regional possa ser mais amplo que o sugerido pelas teorias

tradicionais.

Um outro argumento favorável à centralização desta função refere-se à

consideração da ajuda aos “pobres” como um “bem público nacional”, no sentido de

116

que o bem-estar dos mais “pobres” no conjunto da nação seria uma preocupação geral

da população. Este é, contudo, um argumento bastante contestável, na medida em

que é possível admitir que as pessoas apresentam maior grau preocupação sobre o

bem-estar dos pobres que vivem nas respectivas jurisdições que sobre o bem-estar dos

pobres de toda a nação, podendo haver então espaço significativo para alguma

descentralização da actividade redistributiva do Estado.

4. A função de estabilização macroeconómica

Este é um domínio tradicionalmente considerado como devendo ser competência do

governo central, nomeadamente por força da possibilidade de emergência de efeitos

de spillover sobre outras jurisdições, resultantes de actuações unilaterais por parte de

uma dada jurisdição sub-nacional.

O primado do governo central neste domínio tem sido, contudo, confrontado

com críticas em anos recentes, as quais (i) se iniciam pelo cepticismo que algumas

correntes (monetaristas e supply-side) demonstram quanto à utilidade das políticas

macroeconómicas de estabilização e (ii) continuam na relevância que a própria

literatura do federalismo fiscal tem dado ao significado dos estabilizadores

automáticos inseridos no próprio orçamento central.

Não sendo relevantes para o âmbito deste estudo, vale a pena, em todo o caso,

referenciar que as críticas do primeiro tipo têm vindo a ser esbatidas em anos

recentes, sobretudo por força da necessidade de reacção perante os efeitos da crise

financeira e económica, com o eventual predomínio de uma certa ortodoxia

monetarista a ser confrontado com o ressurgimento de correntes teóricas que

sublinham a importância da política fiscal e orçamental para fins de estabilização.

No que se refere ao segundo tipo de críticas, é possível argumentar-se que os

estabilizadores automáticos podem funcionar a todos os níveis de governo, sendo

concebível que o governo central estabeleça linhas de coordenação fundamentais para

117

as políticas de estabilização e se defina uma linha de execução de tipo federalista

relativamente aos governos sub-nacionais.

O caso mais difícil de analisar seria sempre o da reacção perante choques

geográficos assimétricos (e sobretudo perante choques específicos). De facto, no caso

de um choque geográfico simétrico, ou seja, que atinge todas as regiões de modo

idêntico, não haveria grandes dúvidas de que a reacção deveria provir dos poderes

centrais. Já no caso de um choque geográfico assimétrico ou específico, há quem

defenda que, se o choque for temporário, uma resposta de política a nível sub-

nacional pode ser mais eficiente que uma intervenção centralizada, sobretudo porque

níveis de poder sub-nacionais estariam melhor colocados para responder

tempestivamente às causas e aos efeitos das perturbações exógenas.

Em todo o caso, e tendo em conta a diferença entre as dimensões dos

orçamentos centrais e dos orçamentos sub-nacionais, será possível admitir que,

perante choques com algum significado, os poderes sub-nacionais, mesmo que

tenham algumas competências no domínio da política de estabilização, necessitem de

ser auxiliados na adopção de medidas com esse fim. Ora, este seria um argumento

adicional a favor de um elevado grau de centralização orçamental para fins de política

de estabilização.

5. Os instrumentos do federalismo fiscal: tributação e transferências

intergovernamental

Para levar a cabo as suas funções, os vários níveis de poder utilizam instrumentos

fiscais específicos. No lado das receitas, tal como sucede com qualquer governo, têm

acesso à tributação e ao uso de instrumentos de dívida. No caso de um sistema

politicamente descentralizado, é habitual existir um método adicional para afectação

dos recursos aos vários níveis do sector público. Tratam-se das transferências

intergovernamentais: desde logo, é possível admitir que um nível de governo possa

118

gerar receitas fiscais em excesso e transferir o excedente para um outro nível, desse

modo financiando parte do orçamento deste; por outro lado, tipicamente os níveis

sub-centrais de governo tendem a ter receitas insuficientes face aos seus níveis de

despesa, sendo o gap preenchido com transferências por parte do governo central.

Ora, a definição da estrutura vertical de impostos e transferências assume

enorme importância, quer ao nível da incidência do sistema fiscal quer ao nível dos

incentivos que fornece para a tomada de decisão eficiente no contexto do sector

público globalmente considerado. Neste quadro, referem-se, de seguida e de uma

forma breve, as principais questões associadas à repartição de competências ao nível

da tributação e da atribuição de transferências.

Critérios de repartição de competências de tributação

A primeira questão refere-se à determinação dos critérios de repartição e associa-se

ao trabalho desenvolvido por Musgrave, já em 1983. No quadro da análise

apresentada, deviam ser atribuídos ao governo central os impostos com taxas bastante

progressivas (por causa dos potenciais efeitos perversos da migração), os impostos

com bases de tributação bastante móveis (por causa dos potenciais efeitos de

distorção nas decisões de localização) e os impostos cuja base se encontre

assimetricamente distribuída entre diferentes áreas geográficas (por causa dos

potenciais efeitos negativos derivados do desenvolvimento espacial não harmonizado).

Quanto aos governos sub-nacionais, deveriam ter competência nas áreas respeitantes

a impostos com base de tributação relativamente imóvel entre regiões e a impostos

incidindo sobre benefícios regionais específicos.

119

Figura 3.4. Repartição das competências de tributação pelos níveis de governo

Fonte: elaboração própria

Estes critérios tradicionais têm sido objecto de alguma crítica. Em primeiro lugar,

questiona-se a ideia de que a tributação progressiva ao nível sub-nacional gere

efectivamente efeitos perversos em termos de incentivo à migração. Em segundo

lugar, empiricamente observam-se modos de repartição de competências e receitas ao

nível da tributação muito diferentes entre os diferentes Estados descentralizados. Por

fim, sendo certo que a descentralização poderia conduzir a desequilíbrios fiscais

verticais, os mesmos poderiam ser corrigidos de várias formas, nomeadamente através

de partilha de rendimentos (estratégia aplicada, por exemplo na Alemanha) ou de

mecanismos de transferências (casos da Suíça ou dos Estados Unidos).

Transferências inter-governamentais

Valerá a pena uma referência mais detalhada às transferências intergovernamentais,

as quais constituem um importante e distintivo instrumento de política económica no

Governo central

Impostos com taxas bastante

progressivas

Impostos com bases de tributação móveis

Impostos com base de tributação

assimetricamente distribuida em termos

geográficos

Governos sub-nacionais

Impostos com base de tributação

geograficamente imóvel

Impostos sobre benefícios regionais

específicos

120

quadro do federalismo fiscal. De acordo com a generalidade da literatura, este

instrumento pode cumprir fundamentalmente três funções: a internalização dos

efeitos de spillover para outras jurisdições; a igualização fiscal entre jurisdições; e a

melhoria da equidade e eficiência do sistema fiscal global.

As transferências podem assumir duas formas distintas: por um lado, podem ser

“condicionais”, incorporando diversos tipos de restrições ao seu uso pelos receptores;

por outro lado, podem ser “incondicionais”, isto é, utilizáveis pelos receptores de

acordo com os seus interesses próprios.

De acordo com a teoria, as transferências condicionais, sob a forma de matching

grants, devem ser utilizadas quando o fornecimento de bens e serviços públicos numa

dada jurisdição beneficia os residentes em outras jurisdições, justificando-se esta

situação como forma de internalizar os efeitos de spillover. Por seu lado, as

transferências incondicionais constituem-se no veículo privilegiado para objectivos de

igualização fiscal (ver Caixa 3.2), mediante a canalização de fundos de jurisdições mais

ricas para jurisdições menos favorecidas. Neste caso, é habitual a existência de uma

equalization formula, que mede a “necessidade fiscal” e a “capacidade fiscal” de cada

jurisdição e resulta, naturalmente, numa partilha diferenciada do montante global de

transferências pelas jurisdições, favorecendo aquelas com maior “necessidade” e

menor “capacidade”.

Caixa 3.2. Igualização fiscal: equidade versus eficiência

A igualização fiscal é um tema particularmente complexo em termos políticos e económicos,

nomeadamente se adoptada uma perspectiva de eficiência. De facto, a igualização pode ter como

efeito o acréscimo de dificuldade para o desenvolvimento das áreas mais pobres, ao substituir uma

eventual migração inter-jurisdicional de recursos em resposta aos diferenciais de custos, em lugar de

criar melhores condições para uma efectiva concorrência inter-jurisdicional, evitando uma contínua

“exploração” da posição dos mais fortes para promover o seu crescimento económico à custa dos

demais.

A justificação principal para esta função deverá ser encontrada ao nível da equidade, sendo

exactamente enquanto forma de redistribuição que a questão da igualização fiscal acaba por ocupar

121

um lugar central ao nível político, embora com consequências distintas consoante o ambiente temporal

e geográfico. Assim, enquanto em casos como o Canadá, parece ser um instrumento essencial para

manter o Estado unido, em países como a Bélgica ou a Itália é visto com alguma frequência como uma

força de divisão, suscitando a oposição das áreas mais ricas que observam largas e duradouras

transferências de fundos para as áreas mais pobres.

A terceira função potencial das transferências intergovernamentais prende-se

com a obtenção de um sistema fiscal global mais eficiente e equitativo. Desde logo,

conforme se observou anteriormente, a propósito da atribuição de competências em

matéria de impostos, a tributação central pode ser mais progressiva, sem estabelecer

incentivos fiscais para a deslocalização de actividades. Tal situação gera a possibilidade

de maior equidade num contexto em que o governo central possa servir de “agente

colector de impostos” a favor de níveis descentralizados de governo, abrindo, dessa

forma, a porta a modalidades de “partilha de rendimento”: num caso destes e para tal

fim, o governo central transferiria fundos, sob a forma de transferências

incondicionais, para os demais níveis jurisdicionais.

Figura 3.5. Funções das transferências inter-governamentais

Fonte: elaboração própria

Transferências condicionais

Transferências Incondicionais

Transferências Incondicionais

•Internalização de efeitos de spillover

•Igualização fiscal

•Eficiência e equidade do sistema fiscal

122

Haveria, contudo, uma condição importante a reter: esse sistema de

transferências não deveria ser demasiado alargado, sob pena de poder colocar em

risco a disciplina orçamental em níveis sub-centrais de governo Este último aspecto é

salientado como tendo forte relevância por literatura recente, no domínio da chamada

“new institutional economics”, que observa a descentralização política em termos da

sua capacidade para sustentar o desenvolvimento da economia de mercado.

No seu quadro, diversos autores exploraram a questão da estrutura institucional

de um sistema que providencie um enquadramento estável para a economia de

mercado e, entre outros aspectos, ressaltaram o da necessidade de os governos sub-

centrais enfrentarem significativas restrições em termos de disciplina orçamental

(“hard budget constraints”). Os autores apontam para que os governos sub-centrais

não devam ter capacidade de criação de moeda nem dispor de acesso ilimitado ao

crédito e que os governos centrais não devem estar disponíveis para ir em auxílio

daqueles em caso de dificuldades orçamentais. Num sistema de governo “multi-

níveis”, onde o controlo da oferta de moeda esteja no governo central (ou, num

contexto como o dos países da área euro, numa instituição supranacional), então os

governos sub-centrais estarão limitados aos instrumentos orçamentais e não terão

acesso à hipótese de monetarização da dívida.

Neste sentido, estarão sujeitos ao recurso aos mercados de crédito privados, tal

como os investidores privados, sendo que tais mercados, mediante a determinação de

ratings e outras formas de monitorização da performance orçamental, criarão um

ambiente propício à actuação responsável das autoridades.

Ao criarem um “hard budget constraint” em termos de financiamento da dívida,

os mercados de crédito privados contribuiriam para uma saudável disciplina

orçamental dos níveis sub-centrais de governo, levando estes, nomeadamente, a

colocarem o enfoque nas suas próprias fontes de receita e não ficando largamente

dependentes de transferências dos níveis políticos superiores. Para que tal

funcionasse, seria obviamente importante que as transferências intergovernamentais

não se expandissem de tal modo que os seus beneficiários pudessem recorrer a tal

123

sistema para fins de ultrapassagem de dificuldades orçamentais. Seria igualmente

importante que uma cláusula de tipo “no bail-out” existisse e fosse credível, como

meio de assegurar que, em caso algum, o poder central iria em socorro das

responsabilidades orçamentais assumidas pelos poderes sub-nacionais.

Figura 3.6. Mecanismos de disciplina orçamental ao nível sub-central

Fonte: elaboração própria

6. Das lições da teoria económica aos critérios de repartição de

competências para o caso português

Os elementos apresentados ao longo deste capítulo, com particular destaque para os

referenciados na Secção 2, remetem para princípios orientadores fundamentais em

termos de repartição de competências, mais do que para linhas precisas de divisão. A

situação respeitante a cada área de política em particular pode ser extremamente

complexa, tornando difícil, senão mesmo impossível a determinação do nível de

governo “óptimo” para cada competência.

Disciplina orçamental em

níveis sub-centrais do

governo

"Hard budget constraints"

Cláusula "no bail-out"

“New institutional economics”

124

Em todo o caso, algo que parece tornar-se claro é que a subsidiariedade é uma

boa ideia, o que significa que, na dúvida, a competência deve ser afectada ao mais

baixo nível praticável, sendo essa uma das formas de maximizar a eficiência na

afectação dos recursos e a eficácia na tomada de decisão.

Por outro lado, parece possível identificar dois grupos de factores que operam

em sentidos opostos no que respeita às vantagens e desvantagens de um processo

centralizado ou descentralizado de tomada de decisão e execução de políticas:

a) Os benefícios que resultam de uma maior dimensão, em termos de população,

território, rendimento e riqueza acumulada;

b) Os custos que poderão resultar de uma maior heterogeneidade de

preferências da população sobre políticas governamentais e sobre o tipo de bens e

serviços a fornecer pelo sector público.

O primeiro grupo de factores pode ser identificado como um conjunto de forças

centrípetas que induzem movimentos de integração e, portanto, favorecem a

centralização de competências.

Tais forças decorrem, essencialmente, da existência de economias de escala no

fornecimento de vários tipos de bens e serviços pelo sector público, associadas

essencialmente à dimensão territorial e/ou populacional. Esta superior eficiência

funcional associada à maior dimensão possibilitará a existência de uma menor carga

fiscal para suportar um dado conjunto de bens e serviços públicos. Tal é o contexto,

por exemplo, de áreas como a defesa e segurança, as infra-estruturas de transportes, o

sistema judicial ou o sistema nacional de saúde.

A par das razões de eficiência económica, também a necessidade de maximizar

os efeitos externos positivos do fornecimento de alguns bens e serviços públicos e de

minimizar os efeitos de spillovers negativos, incluindo as potenciais distorções

derivadas de processos de concorrência inter-jurisdicional, parecem justificar a

manutenção de diversas competências ao nível do governo central.

Finalmente, o carácter estratégico em termos nacionais dos recursos envolvidos,

a necessidade de cumprimento das funções redistributivas e o desenvolvimento de

125

políticas de estabilização da economia nacional favorecem a centralização de

competências no âmbito do governo central.

O segundo grupo de factores pode ser visto como um conjunto de forças

centrífugas indutor de movimentos de fragmentação política. Tais forças podem ter

origem numa elevada heterogeneidade de preferências da população de um país sobre

políticas governamentais a adoptar e sobre o tipo de bens e serviços públicos a

fornecer. Este aspecto dificulta a obtenção do grau de consenso necessário, pelo

menos de âmbito nacional, para a decisão política e pode constituir um poderoso

travão ao crescimento da dimensão dos países.

Um processo de descentralização tenderá a reduzir a necessidade desse

consenso nacional ao passar para as regiões, onde a heterogeneidade de preferências

será, em princípio, menor, a responsabilidade de (algumas) políticas públicas e de

provisão de certos bens e serviços.

Pode acrescentar-se à heterogeneidade de preferências da população, enquanto

aspecto indutor de movimentos de fragmentação, a existência de assimetrias e

fricções na transmissão de informação entre o nível a que são detectados os

problemas e aquele a que se tomam as decisões.

Estes problemas, bem como os custos de informação que lhe estão associados,

podem ser mitigados com a descentralização, na medida em que esta possibilite um

encurtamento dos canais de comunicação. Desse modo, pode conseguir-se, por um

lado, um aumento da rapidez na tomada de decisão, e, por outro lado, uma maior

adequabilidade das soluções, dada a maior proximidade entre as instâncias decisórias

e os problemas detectados. No primeiro caso, observar-se-á um aumento da eficiência

e, no segundo caso, um aumento da eficácia da Administração Pública como um todo.

Note-se que estes objectivos podem igualmente ser prosseguidos por estruturas

desconcentradas da administração central. No entanto, a existência de directrizes por

parte desta implica necessariamente que haverá sempre um número de decisões que

só poderão ser tomadas mediante consulta às instâncias centrais, levando a decisões

126

mais lentas e guiadas por critérios tendencialmente menos ajustados às

especificidades regionais.

Aos elementos anteriores, favoráveis a um processo de descentralização

alargado, deverão juntar-se as vantagens decorrentes de um reforço da capacidade de

controlo democrático, claramente mais eficiente quanto mais próximos estão os

eleitores daqueles que decidem, porquanto se torna mais difícil a substituição do

interesse geral por interesses de carácter mais particular. Naturalmente, a

concretização deste elemento só é verificável num quadro em que à descentralização

de competências estejam associados mecanismos de eleição directa dos responsáveis

políticos pela tomada de decisão.

O mesmo sucede, aliás, com outro elemento que favorece a descentralização,

assente no potencial reforço da participação política dos cidadãos, por causa do maior

impacto que a mesma pode ter, pelo menos no ponto de vista dos cidadãos, na

tomada de decisões pelos responsáveis políticos.

Finalmente, a operacionalização de um outro mecanismo de controlo da

actuação dos decisores políticos parece também reforçada pela maior

descentralização de competências. Referimo-nos à capacidade de “votar com os pés”,

isto é, de os cidadãos evidenciarem a sua maior ou menor satisfação com as decisões

tomadas através das decisões de localização, quer ao nível da habitação quer do

exercício da actividade profissional. Neste quadro, também as eventuais vantagens da

concorrência interjurisdicional jogariam a favor da descentralização.

A Figura 3.7 sintetiza o resultado do confronto das várias forças até aqui

apontadas, no que se refere ao favorecimento de maior ou menor grau de

descentralização de competências.

Sendo certo que todos os elementos referenciados apenas permitem linhas de

orientação e não de divisão precisa da optimização da atribuição de competências aos

diferentes níveis de poder, alguns deles são mais claramente passíveis de objectivação

que outros. Referimo-nos, assim, pelo lado dos elementos favoráveis à

descentralização, às questões da heterogeneidade de preferências e da assimetria e

127

custos de informação, e, pelo lado dos elementos favoráveis à centralização, às

questões da existência de economias de escala e da necessidade de internalização dos

eventuais efeitos de spillover.

Figura 3.7. Descentralização versus centralização: as forças em jogo.

Fonte: elaboração própria.

Lições para o caso português

A divisão de competências proposta no Capítulo 4 será, assim, essencialmente

orientada por aqueles elementos, sem prejuízo da eventual consideração dos demais

anteriormente elencados.

Neste quadro, nas áreas onde seja possível verificar spillovers significativos, onde

seja verificável a existência de importantes efeitos de economias de escala e onde a

diversidade de preferências seja mais reduzida, o exercício de competências deverá ser

128

efectivado a níveis superiores de governo, particularmente ao governo central, mas

eventualmente também ao nível intermédio, correspondente, no caso português, às

áreas metropolitanas e às comunidades inter-municipais.

Já nas áreas marcadas por forte diversidade regional de preferências e/ou por

maior facilidade de acesso à informação por parte das autoridades sub-nacionais, o

exercício de competências deverá ser efectivado a níveis inferiores de governo,

particularmente a nível municipal, mas eventualmente também ao nível intermédio.

Finalmente, nas áreas onde elementos de um e outro lado se afigurem como

significativos, o exercício de competências deverá passar por níveis intermédios de

governo e por um elevado grau de cooperação entre os diversos níveis de poder,

nomeadamente na base de competências partilhadas.

Decorre do exposto anteriormente que a reorganização do país, incluindo uma

mais clara governação “multi-níveis” pode ser encarada de duas formas, não

mutuamente exclusivas: como um processo top-down de descentralização de

hierarquia superior/intermédia, isto é, como um movimento de divisão, ou como um

processo bottom-up de centralização de hierarquia intermédia/baixa, ou seja, como

um movimento de integração.

Em Portugal, por razões de natureza histórica, social, cultural e geográfica, a

heterogeneidade de preferências é um factor de menor importância relativamente ao

que sucede em vários outros países europeus. Nesse quadro, poderia suscitar-se a

inclinação para analisar o papel do processo de reorganização administrativa à luz do

primeiro factor, isto é, como um processo bottom-up de integração/centralização de

hierarquia intermédia/baixa.

Contudo, o conjunto de factores associados à assimetria de informação sugere

que não será, de todo, apropriada uma generalização da formação de um nível

hierárquico intermédio de governo ou administração à custa simplesmente de um

esvaziamento global e progressivo das funções de nível municipal.

Pelo contrário, a reorganização administrativa deverá constituir, em geral, um

elemento de apoio e de reforço da própria descentralização municipal,

129

designadamente como garante de uma maior eficácia e eficiência administrativas (por

contraponto com as funcionais), aspectos sem dúvida centrais na problemática da

reforma administrativa portuguesa.

Significa isto, por exemplo, que no caso da fusão de municípios, será importante

procurar um equilíbrio de forças, concedendo maiores poderes e competências às

freguesias, acompanhando-os de um reequilíbrio da sua distribuição espacial,

preocupação, aliás, inerente à proposta governativa enquadrada no chamado

Documento Verde para a Reforma Administrativa.

Por outro lado, é também verdade que, apesar da reconhecida homogeneidade

étnica, linguística e religiosa do nosso país, não lhe falta heterogeneidade e diferença

em termos espaciais em dimensões como o tipo de especialização produtiva, o grau

educacional médio das populações ou o nível de cobertura por infra-estruturas

públicas básicas.

Por outras palavras, a reorganização administrativa pode e deve conduzir a um

crescimento regional e local mais equilibrado, mitigando o fosso entre as áreas

centrais mais desenvolvidas, dotadas de todo um conjunto de mecanismos de natureza

social, económica e política que actuam no sentido do auto-agravamento do

afastamento, em termos de prosperidade e desenvolvimento, entre estas áreas e as

áreas periféricas.

130

Com uma delimitação precisa das competências ao nível hierárquico intermédio

do Estado e uma definição rigorosa do seu modo de financiamento, o objectivo

operacional a atingir deverá ser claro: maior eficiência e eficácia, significando menores

custos para o fornecimento do mesmo conjunto de bens e serviços públicos (ou custos

idênticos para o fornecimento de uma gama mais alargada e qualitativamente melhor

de bens e serviços públicos), a par com um melhor desempenho das restantes funções

do Estado.

Tal terá como consequências positivas mais evidentes a redução do nível de

carga fiscal para suportar um dado conjunto de bens e serviços públicos e uma maior

adequação destes últimos às necessidades das populações, afinal de contas o que a

teoria do federalismo fiscal aponta como as maiores vantagens de um processo

equilibrado de descentralização.

Dois elementos adicionais deverão ser considerados por forma a que, do

processo de reorganização, decorram ganhos de bem-estar, nomeadamente com a

magnitude dos que foram referidos neste capítulo:

Neste quadro, o procedimento adequado para a reorganização e

descentralização administrativa (e política) deverá ser, em linhas gerais, o da

passagem do nível baixo (freguesia e município) para o nível intermédio (áreas

metropolitanas e comunidades intermunicipais) das funções passíveis de

beneficiarem de economias de escala, bem como de maximizarem benefícios

externos e minimizarem externalidades negativas, e da passagem do nível alto

(administração central) para os níveis intermédio e baixo das funções que mais

beneficiem de um encurtamento dos canais de comunicação, quer pelo

aumento da velocidade dos processos de tomada de decisão, quer pela redução

dos custos a eles associados.

131

a. A questão do modo de financiamento, o que remete para repartição de

competências ao nível da tributação e para a atribuição de transferências

intergovernamentais;

b. A questão da disciplina orçamental.

No que respeita ao aspecto em (a.), valerá a pena reter as principais directrizes

provenientes dos trabalhos pioneiros de Musgrave. Assim, poderão caber às entidades

sub-nacionais competências de tributação nos domínios relativos a bases de tributação

relativamente imóveis entre regiões e a benefícios regionais específicos. Haverá ainda

que promover mecanismos que assegurem a partilha de rendimentos entre o governo

central, que arrecada o grosso volume da receita fiscal, e os poderes sub-nacionais,

que assumirão novas funções.

Tais mecanismos deverão ter em conta dois aspectos fundamentais. Por um lado,

naturalmente o volume de competências transferidas do poder central para os níveis

de poder intermédios e inferiores: quanto maior o leque de competências, maior terá

de ser o envelope financeiro, envolvendo tanto transferências condicionais como

transferências incondicionais, sendo certo que, dados os ganhos proporcionados pela

descentralização, o volume de recursos envolvido para o mesmo nível de fornecimento

de bens e serviços públicos será sempre inferior.

Por outro lado, deverá ter-se em conta o objectivo do desenvolvimento

equilibrado do país, podendo e devendo as transferências incondicionais constituir-se

num veículo privilegiado para objectivos de igualização fiscal, mediante a canalização

de fundos de jurisdições mais ricas para jurisdições menos favorecidas e tendo em

conta a divergência entre as “necessidades fiscais” e as “capacidades fiscais” das

diferentes jurisdições.

No que concerne ao aspecto em (b.), é particularmente relevante, sobretudo no

quadro da participação no projecto da moeda única europeia, que a descentralização

não coloque problemas adicionais ao cumprimento das regras de disciplina

orçamental. Neste contexto, torna-se importante assegurar hard budget constraints

132

aos níveis de poder intermédios e inferiores, de algum modo com certa analogia ao

que é determinado ao país como um todo no quadro dos compromissos europeus.

Para o efeito, será necessário assegurar duas condições: por um lado, que as

transferências intergovernamentais não se expandam de tal modo que os seus

beneficiários posam a elas recorrer, de modo sistemático, como meio de

ultrapassagem de dificuldades orçamentais; por outro lado, que existam mecanismos

que assegurem que, em caso de dificuldades de cumprimento das obrigações

assumidas por um dado nível de poder, este não será simplesmente substituído, em tal

cumprimento, pelo(s) nível(eis) hierarquicamente superior(es).

Este último e relevante aspecto é complicado de definir e executar no quadro

normativo nacional, na medida em que não se vislumbra como poderia o país como

um todo deixar de assumir, em última análise, os encargos incorridos por algum dos

seus níveis de governo. Em tal contexto, uma regra de forte limitação ao

endividamento por parte dos poderes sub-nacionais deveria ser considerada.

133

Capítulo 4. Áreas metropolitanas em Portugal:

competências e meios financeiros

Neste capítulo final, dá-se resposta às questões essenciais do presente trabalho, em

particular articulando uma proposta de (novas) competências para as áreas

metropolitanas, junto com uma breve reflexão sobre as suas consequências em termos

de financiamento.

O capítulo inicia-se com a identificação das principais áreas onde a acção de

níveis intermédios de governo fará particularmente sentido. Tal identificação assenta

na construção de uma matriz que conjuga as funções do Estado, explicitadas no

Capítulo 1, com os critérios de atribuição de competências analisados no Capítulo 3.

Junto com a análise de alguns dados quantitativos, referentes ao peso das

administrações central, local e regional, levada a cabo no Capítulo 2, permite elencar

as áreas genéricas onde se justifica a descentralização de competências provenientes

da administração central, bem como a eventual centralização de competências

provenientes da administração local.

De seguida, procede-se a uma identificação mais apurada das competências a

integrar o nível de governo metropolitano, no contexto de uma visão global da

articulação das funções do Estado entre os vários níveis de poder. Tal identificação

continua a assentar nos critérios definidos no capítulo anterior, junto com as principais

conclusões retiradas dos constrangimentos da situação actual (Capítulo 1) e dos

ensinamentos das experiências externas (Capítulo 2).

Uma vez explicitada a proposta de competências para as áreas metropolitanas,

torna-se possível efectuar um exercício em torno do seu financiamento, incluindo uma

previsão dos valores monetários envolvidos num orçamento metropolitano,

acompanhado do estabelecimento de regras orçamentais que garantam,

134

designadamente, a sustentabilidade financeira e a solidariedade entre níveis da

administração pública.

Para uma correcta leitura do presente capítulo, deve notar-se, finalmente, que

nele se passa de uma abordagem fundamentalmente positiva, fundada na

identificação dos aspectos teóricos relevantes e na descrição dos factos empíricos,

para uma abordagem fundamentalmente normativa, onde os juízos de valor surgem

necessariamente no contexto de escolhas metodológicas e de política que são

inevitáveis.

1. Identificação das principais áreas de intervenção para as áreas

metropolitanas

1.1. Considerações sobre a metodologia seguida

Como ponto de partida para a formulação de uma proposta detalhada de

competências a integrar o elenco de actuação de um governo de nível intermédio,

neste caso de uma área metropolitana, entendeu-se como adequada a construção de

uma matriz de dupla entrada, incluindo, por um lado, as funções habitualmente

atribuídas ao Estado e identificadas no Capítulo 1 e, por outro lado, os critérios para

atribuição de competências assinalados no Capítulo 3.

No primeiro caso, utilizou-se a classificação funcional da despesa pública mais

utilizada a nível internacional, a COFOG (Classification of the Functions of

Government), da Divisão de Estatística das Nações Unidas (United Nations Statistics

Division). A despesa pública é agrupada em dez domínios, correspondentes

genericamente às três áreas fundamentais de intervenção do Estado: funções gerais de

soberania (serviços gerais da administração pública; defesa; segurança e ordem

pública), funções económicas e ambientais (assuntos económicos; protecção do

ambiente) e funções sociais (habitação e equipamentos colectivos; saúde; recreação,

cultura e religião; educação e ciência; segurança e acção sociais).

135

No interior de cada um dos dez domínios, foram detalhadas, quando relevantes,

as principais funções asseguradas (por exemplo, no contexto dos serviços gerais da

administração pública, isolaram-se os negócios estrangeiros e a administração fiscal),

ficando de fora algumas tidas por menos importantes, as funções classificáveis como

“diversas” ou, ressalvando o caso da saúde, as funções relativas à política geral para o

sector em causa (que será necessariamente atribuição do governo central).

No segundo caso, consideraram-se os quatro elementos que, no capítulo

anterior (ver Figura 3.7), foram referidos como os de maior relevância e de mais fácil

objectivação em termos de impacto do grau de descentralização.

Assim, foram considerados como motores de descentralização a

heterogeneidade de preferências e a existência de custos derivados de assimetria de

informação, resultantes do impacto da distância face aos utilizadores finais de bens e

serviços públicos e aos seus fornecedores, incluindo quer os que se associem a

dificuldade na identificação das preferências dos utilizadores finais de bens, quer os

que se associem a dificuldade na identificação dos fornecedores de menor custo, quer

ainda os resultantes de uma potencial redução da velocidade da tomada de decisão no

quadro de um aumento da distância entre os decisores e os indivíduos.

Por seu turno, foram considerados como motores de centralização a existência

de potenciais efeitos elevados de economias de escala e a possibilidade de ocorrência

de efeitos de spillover, positivos ou negativos.

Uma vez elencados as funções e os critérios, desenvolveu-se uma metodologia

de análise que, de uma forma sistemática e tão objectiva quanto possível, permitisse

determinar a que nível (ou níveis) de governo seria mais apropriado a atribuição de

competências em cada domínio.

Para o efeito, pretendeu-se medir o benefício da descentralização de cada

função à luz de cada critério. Para tal, foi estabelecida uma escala, entre 1 e 5,

correspondendo à seguinte leitura:

136

Dito de outro modo, valores mais próximos de 5 foram atribuídos quando, para a

função considerada, se observasse maior necessidade de satisfazer preferências mais

heterogéneas, maiores custos resultantes de assimetria de informação, menores

possibilidades de obtenção de economias de escala e menor potencial para a

ocorrência de efeitos de spillover, ou seja, quando os critérios conduzissem à

necessidade de uma forte descentralização da função, eventualmente no sentido da

sua atribuição a um nível de governo local.

Por seu turno, valores mais próximos de 1 foram atribuídos quando, para a

função considerada, se observasse menor necessidade de satisfazer preferências mais

heterogéneas, menores custos resultantes de assimetria de informação, maiores

possibilidades de obtenção de economias de escala e maior potencial para a

ocorrência de efeitos de spillover, ou seja, quando os critérios conduzissem à

necessidade de uma forte centralização da função, eventualmente no sentido da sua

atribuição a um nível de governo central.

Da soma dos valores atribuídos para cada critério, resultou, para cada função,

um score situado no intervalo de valores entre 4 e 20, o qual permite retirar

Limite inferior - situação de benefício nulo com a eventual descentralização de competências;

Limite superior - situação de benefício máximo com a eventual descentralização de competências;

Valores intermédios - benefícios tanto mais elevados quanto mais próximo do extremo superior da escala considerada.

137

conclusões sobre qual o nível da divisão administrativa ao qual devem ser cometidas

atribuições.21 Assim, obtém-se a seguinte leitura:

Face aos elementos acima descritos e por forma a permitir completar a análise,

tornou-se necessário estabelecer intervalos de scoring que indicassem a que nível da

divisão administrativa deve ser atribuída cada função. A Figura 4.1 evidencia os

intervalos que foram estabelecidos, sintetizando igualmente a metodologia seguida.

Para uma leitura correcta dos resultados, apresentados no sub-ponto seguinte,

torna-se importante notar que o facto de o scoring apontar para o exercício de uma

dada função a um determinado nível de governo não significa que todas as

competências que lhe estão afectas devam ser atribuídas a esse nível de governo,

apenas indicia que é a esse nível de governo que provavelmente deverá estar atribuído

um nível de responsabilidade superior no desempenho de tal função. De facto, apenas

no caso de valores muito próximos dos extremos (mínimo ou máximo), é possível

21

Note-se que se admitiu uma ponderação idêntica para todos os critérios. Outro tipo de ponderação, necessariamente mais subjectiva, poderia redundar, desde a partida, num enviesamento a favor da centralização ou da descentralização.

Valores próximos de 4 - áreas que deverão estar exclusiva ou fundamentalmente nas mãos da administração central;

Valores próximos de 20 - áreas que, claramente, deverão estar de modo exclusivo ou principal nas mãos da administração local;

Valores intermédios - as áreas onde a assunção de responsabilidades pelas áreas metropolitanas pode oferecer importantes vantagens.

138

afirmar que todas as competências associadas à função deveriam constar de um dado

nível de governo.

Figura 4.1. Metodologia para identificação do nível de governo a que deve ser

atribuída cada função exercida pelo Estado

Critérios

Heterogeneidade de preferências

Custos da assimetria de informação

Economias de escala

Efeitos de spillover

Scoring dafunção

4 a 8: Nível Central

9 a 14: Nível Metropolitano

15 a 20: Nível Local

Fonte: elaboração própria.

Assim, por exemplo, um score de 7 ou 8 não significa que todas as competências

devam ser atribuídas ao nível de governo central, antes indicia que esse é o nível que

deverá ter um papel mais relevante na função em causa, podendo haver competências

a ser exercidas ainda pelo nível de governo intermédio (ou até local).

Do mesmo modo, um score de 15 ou 16 não significa que todas as competências

devam ser atribuídas ao nível de governo local, podendo haver papel a desempenhar

pelo nível de governo intermédio (ou até central).

139

Ainda, um score que aponte para o nível metropolitano não significa que todas

as competências devam ser desempenhadas por este em termos da função em causa,

antes indiciando que esse é o nível de poder ao qual caberá provavelmente um papel

mais decisivo nessa área.

Convém igualmente referir que alguns scores intermédios ocorrem por força da

grande diversidade de sub-funções que podem surgir no interior de algumas das

categorias funcionais apresentadas. Nesse caso, não significam necessariamente que o

nível metropolitano é o ideal, mas antes que parece existir espaço para uma forte

articulação entre os diversos níveis de poder, com diferentes atribuições a serem

cometidas, no quadro dessa função, a todos eles.

Finalmente, deverá ter-se presente, na análise dos resultados, que o facto de ser

relativamente reduzido o número de scores a apontar para o nível local de governo

não implica uma redução das tarefas a ele associadas. De facto, importa ter em conta

que, estando várias das funções definidas ainda a um nível alargado, se torna natural

que no seu exercício intervenham diversos níveis de poder, mesmo quando o local se

afigura como muito relevante.

1.2. Resultados obtidos

O conjunto global de resultados obtidos mediante a aplicação da metodologia referida

em 1.1. pode ser encontrado no Tabela 4.1. Dada a sua dimensão e, portanto, a maior

dificuldade na sua análise, entendemos útil prosseguir com algum detalhe sobre cada

uma das três áreas fundamentais de actuação do Estado.

140

Tabela 4.1. Matriz de funções-critérios: scoring por função

Fonte: elaboração própria.

Heterogeneidade de preferências

Assimetria de informação

Economias de escala

Efeitos de spillover

Scoring

Negócios estrangeiros 1 1 1 1 4

Administração financeira e fiscal 3 2 1 1 7

Defesa 1 1 1 1 4

Justiça (tribunais) 1 1 1 1 4

Serviços policiais 3 3 2 2 10Serviços de protecção contra incêndios 4 3 3 2 12

Serviços prisionais 2 2 1 1 6

Agricultura, floresta e pescas 3 3 3 3 12

Energia 3 2 2 2 9Indústria transformadora e extractiva e construção 3 3 3 3 12

Transportes 4 3 2 3 12

Comunicações 2 2 1 1 6Assuntos económicos, comerciais e laborais em geral 3 3 1 1 8

Inovação 3 3 3 3 12

Gestão de resíduos 3 3 3 3 12

Gestão de águas residuais 3 3 3 3 12

Controlo de poluição 3 2 1 1 7Protecção da paisagem e da biodiversidade 4 4 2 2 12Desenvolvimento do sector da habitação 4 4 1 3 12Desenvolvimento do sector dos equipamentos colectivos 4 3 1 3 11

Abastecimento de água 4 3 2 3 12

Iluminação de vias públicas 5 5 3 4 17Produtos, aparelhos e equipamentos médicos 3 1 1 1 6

Serviços para doentes ambulatórios 3 3 3 3 12

Serviços hospitalares 3 3 3 3 12

Política de saúde pública 2 2 1 1 6

Serviços desportivos e recreativos 4 4 4 4 16

Serviços culturais 4 3 3 3 13Serviços de emissões radiofónicas ou televisivas e serviços de edição 4 2 1 1 8Serviços religiosos e outros serviços comunitários 5 5 3 4 17

Educação pré-escolar e ensino básico (1º ciclo) 4 4 4 4 16Ensino básico (2º e 3º ciclos) e ensino secundário 4 3 2 3 12

Educação nível superior 2 2 2 2 8

Ensino não disponível por níveis 4 3 2 3 12

Serviços anexos à educação 5 5 3 4 17

Ciência e Tecnologia 2 2 1 1 6Segurança social (família, doença, velhice, invalidez) 3 3 1 1 8

Desemprego 3 3 1 1 8

Alojamento 3 3 1 1 8

Exclusão social 4 4 4 3 15

Funções sociais

Habitação e equipamentos colectivos

Saúde

Recreação, cultura e religião

Educação e ciência

Segurança e acção sociais

Segurança e ordem pública

Funções económicas e

ambientais

Assuntos económicos

Protecção do ambiente

CritériosFunções

Funções gerais de soberania

Serviços gerais da admin. pública

141

A) Funções gerais de soberania

Conforme é facilmente observável na Figura 4.2, esta parece ser uma área onde a

intervenção de poderes sub-centrais deverá ter uma natureza bastante limitada. Por

razões que se prendem essencialmente com a dimensão dos efeitos de economias de

escala e de externalidades, os serviços gerais da administração pública, a defesa e uma

componente essencial da segurança e ordem pública deverão estar essencialmente

cometidos à administração central.

Figura 4.2. Scoring ao nível das funções gerais de soberania

Fonte: elaboração própria.

Em todo o caso, há dois domínios onde a conjugação de um possível menor

impacto daqueles elementos com os menores custos de informação e, sobretudo, com

a possibilidade de melhor atenção a eventuais preferências mais heterogéneas

parecem recomendar a atribuição de competências ao nível metropolitano,

142

naturalmente em forte articulação com a política geral para o País definida a nível

central.

Trata-se dos domínios relativos aos serviços policiais e aos serviços de protecção

contra incêndios, neste último caso com a potencial diversidade de preferências a

apontar para a necessidade de uma forte coordenação entre todos os níveis essenciais

de governo.

B) Funções económicas e ambientais

A Figura 4.3 aponta para que os assuntos económicos e a protecção do ambiente se

constituam em áreas privilegiadas em termos da atribuição de competências ao nível

de poder metropolitano.

Assim, deverá caber a este uma acção relevante ao nível do apoio às actividades

económicas, enquadradas numa política geral de apoio à competitividade da economia

metropolitana e como meio de resposta eficiente à heterogeneidade de preferências e

aos custos derivados de assimetria de informação, bem como, por razões similares, ao

nível da protecção da paisagem e da biodiversidade e da gestão de resíduos sólidos e

de águas residuais.

Por razões conexas a uma melhor satisfação de preferências algo heterogéneas

em áreas de forte espaço para aproveitamento de economias de escala, parece haver

lugar igualmente para a atribuição de competências nos domínios dos transportes, da

política de incentivo à inovação, da energia e dos assuntos económicos, comerciais e

laborais em geral. Note-se, contudo, que todas estas áreas envolvem tarefas bastante

diversificadas, pelo que a acção metropolitana deve surgir, em alguns casos, a título de

competência partilhada com o nível de poder central e, em outros casos, a título de

atribuições relativamente específicas dentro da função em causa.

No domínio dos transportes, a definição das redes rodoviárias e ferroviárias deve

ser objecto de forte articulação entre os poderes central e metropolitano, podendo a

construção e a supervisão das infraestruturas conexas estar sob a alçada deste último.

O mesmo pode ser sugerido para a gestão de infraestruturas portuárias e

143

aeroportuárias no âmbito geográfico da área metropolitana. Já a definição, construção

e manutenção de outros equipamentos, como ciclovias, vias pedonais, etc., devem ser

objecto de forte articulação entre os poderes metropolitano e locais.

No domínio da política de inovação, parece haver lugar a um papel relevante

para o nível de poder metropolitano, de novo como elemento essencial de apoio à

competitividade do espaço geográfico metropolitano e das actividades económicas

nele baseadas. Entre outras, o apoio às actividades ligadas ao empreendedorismo, ao

desenvolvimento de indústrias criativas, à transferência de conhecimento e à

investigação aplicada, devem constituir tarefas importantes a ter em conta pelo

governo metropolitano.

No domínio da energia, o elevado peso do efeito de escala e das possibilidades

de ocorrência de efeitos externos recomendam a coordenação entre os poderes

central e metropolitano, com a forte participação deste nas áreas do planeamento,

gestão e realização ou autorização de investimentos de carácter supra-municipal,

nomeadamente de centros produtores e de redes de distribuição de energia em baixa

tensão, bem como a sua gestão.

No domínio dos assuntos económicos, comerciais e laborais em geral, uma parte

significativa das competências estarão atribuídas ao poder central, nomeadamente na

definição das linhas essenciais das políticas económica, comercial externa, de

regulação e concorrência ou de funcionamento do mercado de trabalho, em função

sobretudo do peso dos efeitos de spillover e de escala. No entanto, algumas questões

relevantes ainda associadas ao incentivo à competitividade da economia

metropolitana, incluindo a promoção do território, e à promoção do emprego e da

mobilidade geográfica, incluindo acções de combate ao desemprego no quadro

metropolitano, estarão entre as competências relevantes a assumir pela área

metropolitana.

144

Figura 4.3. Scoring ao nível das funções económicas e ambientais

Fonte: elaboração própria.

C) Funções sociais

As Figuras 4.4 e 4.5 mostram uma elevada diversidade de situações nesta área, sendo

que, no geral, apontam igualmente para vários domínios nos quais as áreas

metropolitanas, eventualmente em concertação com outros níveis de poder, deverão

desempenhar competências fundamentais.

Um dos casos mais evidentes é o da habitação e equipamentos colectivos, onde

a diversidade de preferências em conjugação com o elevado impacto das economias

de escala faz do nível intermédio de poder o mais adequado para lidar com as

questões do abastecimento de água e do desenvolvimento do sector dos

equipamentos colectivos.

145

Estas duas áreas, com particular destaque para o sector dos equipamentos

colectivos, envolvem, conjuntamente com algumas das sub-funções associadas às

áreas de transportes, protecção da paisagem e da diversidade, e desenvolvimento do

sector da habitação, as questões ligadas com o planeamento e ordenamento do

território. Assim, nestes domínios, também razões associadas à minimização de

potenciais efeitos de spillover, que podem decorrer quer da excessiva centralização e

concorrente desconhecimento da realidade concreta quer da excessiva

descentralização e concorrente ocorrência de verdadeiros “atentados” paisagísticos,

infra-estruturais e ambientais, permitem justificar que importantes atribuições sejam

assumidas pelo nível metropolitano. Ou seja, uma das áreas de forte actuação do

governo metropolitano deverá abarcar uma parte significativa das competências no

domínio do planeamento e ordenamento do território, quer descentralizando tarefas a

partir da administração central, quer coordenando tarefas actualmente nas mãos dos

municípios.

O domínio do desenvolvimento do sector da habitação apresenta um score

intermédio, o que faria apontar para o nível metropolitano. Deve, contudo, notar-se

que ele comporta situações bastante diversas, que vão desde questões de

planeamento de política de habitação, que estará mais próxima do nível de poder

central, a questões de reabilitação urbana ou de desenvolvimento da habitação social

(incluindo construção e remodelação), que estarão mais próximas do nível de poder

local ou da coordenação via intervenção da administração metropolitana. Ou seja, é

um domínio onde a análise tem de ser feita de uma forma mais fina para determinar o

que compete a cada nível de poder.

Entretanto, o elevado peso dos dois critérios favoráveis à descentralização

sugere que o domínio da iluminação das vias públicas deva ficar a cargo sobretudo do

nível local de poder, mesmo se questões como a possibilidade de redução de custos

pela via da negociação colectiva poderiam levar a aconselhar alguma interação com o

nível metropolitano.

146

Já menos significativo será o peso do nível metropolitano no desempenho de

grande parte das funções no domínio da recreação, cultura e religião. Nestes, a

importância conjugada da relevância da heterogeneidade de preferências e da

assimetria de informação com o menor impacto de economias de escala e de efeitos

de spillover aponta para a atribuição ao nível local de grande parte das atribuições nas

áreas respeitantes a serviços e religiosos e serviços recreativos e desportivos. A

possibilidade de obtenção de efeitos de escala, num contexto de menor relevo relativo

dos custos associados à assimetria de informação, a par com a ajuda à construção de

um maior sentimento de pertença metropolitano, poderá recomendar uma

concertação forte entre os poderes metropolitano e local ao nível dos serviços

culturais.

Também no domínio da segurança e acção sociais, o potencial de intervenção do

nível metropolitano é algo limitado. Razões que se prendem com a concretização de

objectivos gerais de equidade levam a considerar que a área da segurança social

(pensões, subsídios, abonos, etc.) deva estar sobretudo focada no nível central de

poder, o mesmo se passando com a protecção no desemprego e o apoio à habitação.

Em todo o caso, alguma atenção aos fenómenos da heterogeneidade de preferências e

à maior proximidade face aos destinatários (reduzindo os custos derivados da

assimetria de informação), junto com o facto de algumas destas rubricas incluírem

tipos de subsidiação em espécie (por exemplo, nas área da habitação social ou da

ajuda a desempregados e respectivas famílias), permitem abrir espaço a alguma

intervenção, de cariz subsidiário, do nível metropolitano de poder (e, em casos ainda

mais específicos, ao próprio nível local de poder).

Por seu turno, a conjugação da forte heterogeneidade de preferências e do

impacto da assimetria de informação com a possível emergência de efeitos de spillover

indesejáveis no caso de falta de coordenação de políticas, parecem recomendar que as

acções no campo da exclusão social sejam objecto de forte articulação entre os níveis

metropolitano e local, sendo que este último já hoje joga um papel importante nesta

147

área (veja-se, por exemplo, o caso da execução das políticas associadas ao rendimento

social de inserção).

Figura 4.4. Scoring ao nível das funções sociais (I)

Fonte: elaboração própria.

No domínio da saúde, os valores encontrados parecem abrir espaço para uma

margem de intervenção metropolitana significativa no contexto dos serviços para

doentes ambulatórios e dos serviços hospitalares. Recorde-se que este é um domínio

em que Portugal regista um grau de descentralização da despesa com um dos maiores

diferenciais negativos face à média europeia (ver Capítulo 2, Secção 1).

Deve notar-se, em todo o caso e tal como se referiu já para outros domínios, que

estas rubricas incluem situações muito diversas, que vão desde a gestão dos cuidados

continuados (para a qual os critérios apontariam certamente o nível local) à gestão das

actividades dos hospitais centrais (para a qual os critérios apontariam provavelmente o

148

nível central). Ou seja, é outro domínio onde a análise tem de ser feita de uma forma

mais fina, de modo a definir o que compete a cada nível de poder, devendo

adicionalmente levar em conta que, no caso português, o sistema de integração

vertical no domínio dos cuidados de saúde, que tem sido implementado, parece estar

a produzir resultados bastante positivos.

A elevada relevância dos critérios relativos a efeitos de escala e de spillover,

conjugado novamente com razões de equidade, sugere que os domínios relacionados

com a política de saúde pública e a gestão do fornecimento de produtos, aparelhos e

equipamentos médicos se mantenham nas mãos do poder central.

No domínio da educação, parece igualmente abrir-se uma significativa margem

para intervenção metropolitana, como resposta adequada à possível relevância da

diversidade de preferências. Tal sucede particularmente nos níveis básico (2º e 3º

ciclos) e secundário de educação, com particular destaque para este último, para o

qual a conjugação do critério anterior com a possível emergência de algum efeito

significativo de escala recomendam particularmente a sua actuação. As mesmas razões

sugerem que o fornecimento de serviços de educação de carácter profissional e/ou de

nível não determinado e a administração dos respectivos programas (incluindo

programas de formação e estágio profissional para adultos) seja igualmente de

competência do nível de poder metropolitano.

Já nos níveis pré-escolar e básico (1º ciclo) de educação, onde se manifesta

claramente o peso da diversidade de preferências e dos custos da assimetria de

informação, em conjunto com um menor efeito da escala, a análise aponta para um

papel mais relevante do nível de poder local, ainda que coordenação e articulação ao

nível metropolitano. Também o fornecimento dos serviços anexos à educação,

incluindo a administração, inspecção e apoio a programas de transporte, alimentação,

etc., deverá ter uma forte componente local, ainda que, nos níveis de ensino regulados

a partir da área metropolitana, necessitem de forte coordenação com esta.

149

Saliente-se, aliás, que o domínio da educação nos níveis pré-escolar, básico e

secundário regista actualmente o grau de descentralização da despesa em Portugal

com o maior diferencial negativo face à média europeia (ver Capítulo 2, Secção 1).

No que se refere à educação de nível superior, poderá haver algum espaço para

a articulação do poder metropolitano com o poder central, ainda que, em face do peso

do efeito de escala e da elevada probabilidade de ocorrência de efeitos de spillover, a

definição da política para o sector e a respectiva administração devam estar cometidas

ao poder central. As mesmas razões, agora com maior impacto, sugerem que o

domínio da ciência e tecnologia, envolvendo sobretudo a área da investigação

científica, se mantenha essencialmente na esfera do governo central.

Figura 4.5. Scoring ao nível das funções sociais (II)

Fonte: elaboração própria.

150

D) Em síntese

A análise desenvolvida, com base no cruzamento dos critérios seleccionados com a

classificação funcional da despesa pública adoptada, aponta para domínios onde a

intervenção de nível metropolitano pode assumir contornos muito significativos, em

alguns casos assumindo-se como protagonista fundamental, em outros concertando

posições e medidas com os níveis de poder hierarquicamente superiores ou inferiores.

Em particular, os domínios do apoio às actividades económicas, da promoção da

competitividade da economia, do planeamento e fornecimento de serviços colectivos,

do urbanismo e ordenamento do território, da construção e gestão de infraestruturas

de cariz supramunicipal, da gestão e protecção ambiental, da educação de nível não

superior, do apoio à cultura, do combate à exclusão social, da protecção policial e civil,

e eventualmente de áreas ligadas à saúde parecem constituir-se naqueles onde mais

se justifica a intervenção das áreas metropolitanas. Estas são também áreas onde a

análise do Capítulo 2, Secção 1, mostra que existe um substancial grau de

descentralização da despesa pública ao nível europeu, por vezes em forte contraste

com a situação em Portugal.

Vale a pena, neste quadro, sublinhar que a conjugação da análise efectivada com

os dados da Tabela 1.3 permite evidenciar que, em alguns dos domínios citados, o grau

de descentralização da despesa pública nacional se mostra muito reduzido, ou seja,

que em tais domínios se justifica uma redistribuição de competências de tipo top-

bottom, isto é, da administração central ou de organismos dela dependentes para a

administração regional e local, no caso em estudo para as áreas metropolitanas. Entre

esses domínios, estariam, pois, o apoio às actividades económicas, a educação, a

saúde, a protecção policial e civil e o combate à exclusão social, já que efectivamente

apresentam valores reduzidos de execução de despesa pública pela administração

local e regional.

A conjugação da análise efectivada com os dados da mesma Tabela 1.3. permite

evidenciar igualmente que, em outros domínios citados, o grau de descentralização é

já significativo, ou seja, que em tais domínios se poderá justificar uma redistribuição de

151

competências de tipo bottom-top, isto é, da administração local para as áreas

metropolitanas. Entre esses domínios, estariam a protecção ambiental, o planeamento

e fornecimento de equipamentos colectivos ou o apoio às actividades culturais, que

apresentam valores elevados de execução de despesa pública pela administração local

e regional.

2. Proposta de competências a atribuir às áreas metropolitanas

2.1. Introdução

A aplicação da metodologia definida a partir dos critérios de atribuição de

competências decorrentes da literatura do federalismo fiscal permitiu, na secção

anterior, identificar as principais áreas de actuação a atribuir às áreas metropolitanas

em Portugal.

Cabe, agora, apresentar uma proposta concreta das competências que devem

estar sob a sua alçada. Tal é o intuito do presente ponto, o qual se desenvolve sob os

seguintes aspectos, cuja tomada em consideração é absolutamente essencial para uma

correcta leitura e avaliação da proposta:

o A verificação do princípio da subsidiariedade é fundamental para que uma

verdadeira reforma administrativa permita concretizar os ganhos de bem-

estar sugeridos na literatura; assim sendo, em caso de dúvida quanto ao

nível de poder que deve ser responsável por determinada função, a

competência deve ser atribuída ao nível de poder hierarquicamente mais

baixo;

o A concretização do processo de reforma deve obedecer a princípios de

pragmatismo político, sendo que, tendo em atenção o excessivo

centralismo vigente e devidamente caracterizado nos Capítulos 1 e 2,

deverá haver algum maior enfoque na descentralização de competências a

partir do nível de poder central, sem prejuízo de existirem igualmente

152

avanços na cooperação ou centralização de competências a partir do nível

local;

o Articulando com o acima referido, o processo de reforma deve ser gradual

e faseado no tempo, permitindo uma transição suave entre o actual

modelo excessivamente centralizado e um novo modelo com ampla e

elevada responsabilidade no exercício das funções do Estado por parte das

entidades metropolitanas e locais.

Tendo em conta estes aspectos, importa salientar que:

o O gradualismo é uma exigência decorrente do próprio facto de as áreas

metropolitanas não constituírem, ainda, em Portugal entidades

totalmente consolidadas, devendo ser consideradas como organismos em

evolução;

o As alterações que se propõem têm subjacente uma mudança significativa

do modo de estar e de actuar do Estado, implicando alterações do

próprio contexto cultural e societário para cuja consolidação é necessário

tempo;

o Decorrendo directamente das considerações anteriores, nem todas as

áreas de passível actuação das áreas metropolitanas identificadas na

Secção 1 do presente capítulo deverão constar do seu menu de

competências inicial.

Assumindo estes elementos como essenciais ao êxito do processo de reforma

administrativa, com particular destaque para o último, a proposta que a seguir se

apresenta engloba essencialmente as áreas de actuação onde é mais clara e/ou mais

fácil e/ou eventualmente mais consensual a transferência de competências para o

poder metropolitano. Por não corresponderem a tal critério, admite-se que, numa

primeira fase, as funções no domínio da saúde e dos serviços policiais, bem como

algumas funções elencadas no âmbito de outros domínios (incluindo algumas das

referenciadas já no Capítulo 1 como sendo potencialmente transferíveis a partir da

153

administração central), não devam ser objecto de transferência, podendo porém sê-lo

mais tarde, no quadro de uma avaliação positiva do desempenho das áreas

metropolitanas e da vontade dos diferentes intervenientes nos processos de decisão

política (saliente-se, por exemplo, que todos os casos de áreas metropolitanas

europeias analisados no Capítulo 2, Secção 2, têm atribuídas competências no sector

da saúde).

2.2. Esboço de governação metropolitana: estrutura e competências

Recolhendo os contributos de toda a discussão até aqui efectivada, a Tabela 4.2

apresenta a estrutura e as competências que se nos afiguram como as mais adequadas

para um possível modelo de governação de nível metropolitano. Considerando o tipo

de organização mais habitual dos executivos em Portugal e na União Europeia,

apresentam-se diversas secretarias (metropolitanas), às quais estão cometidas funções

em domínios especificados e cuja descrição é feita de modo conciso:

o Secretaria Metropolitana do Desenvolvimento Económico: funções

associadas a uma parte substancial dos “assuntos económicos”

(classificação COFOG), designadamente nas áreas da promoção do

território e da competitividade económica, inovação e energia;

o Secretaria Metropolitana da Mobilidade, Ordenamento do Território e

do Ambiente: funções nos domínios da habitação, equipamentos

colectivos e transportes e da protecção do ambiente e da

biodiversidade;

o Secretaria Metropolitana do Emprego e Solidariedade Social: funções

nos domínios do emprego e acção social;

o Secretaria Metropolitana da Educação: funções nos domínios da

educação básica, secundária e sem atribuição de nível;

154

o Secretaria Metropolitana da Cultura, Desporto e Lazer: funções nos

domínios da cultura, recreação e desporto;

o Secretaria Metropolitana da Segurança e Protecção Civil: funções nos

domínios da protecção civil e combate a incêndios.

Acresce, naturalmente, a Presidência, à qual compete a representação externa da área

metropolitana, a coordenação geral e a definição das grandes linhas de acção

estratégica e respectivos planos de actividades e orçamento associados.

155

Tabela 4.2. Governação metropolitana: estrutura e competências

Designação Competências Breve Descrição

Representação externa da área metropolitana

Representação da área metropolitana

Cooperação institucional (nacional e transfronteiriça)

Presidência Coordenação geral Coordenação da acção do governo metropolitano

Estratégia e desenvolvimento

Definição das linhas de desenvolvimento estratégico

Elaboração dos planos de actividades e orçamento

Competitividade e inovação

Apoio ao empreendedorismo, à internacionalização, à inovação empresarial, à transferência de conhecimento e à investigação aplicada, em particular via gestão e execução de programas de incentivos no âmbito do QREN / Programas Operacionais regionais, em articulação com as CCDRs

Desenvolvimento Económico Promoção de estratégias de eficiência colectiva e de clusterização, com ênfase no apoio ao desenvolvimento das indústrias criativas

Licenciamento, regulamentação e supervisão de actividades económicas com actuação de interesse e/ou cariz supramunicipal

156

Competitividade e inovação (cont.) Participação na definição e gestão de infraestruturas de suporte às actividades económicas, incluindo portos e aeroportos

Promoção do território / Turismo

Articulação com as Entidades Regionais de Turismo no quadro da definição e execução de medidas de promoção do território

Desenvolvimento Económico (cont.)

Energia

Articulação com o poder central no âmbito do planeamento, gestão e realização ou autorização de investimentos de carácter supra-municipal

Participação em entidades públicas metropolitanas, nomeadamente no âmbito da gestão de centros produtores e redes de distribuição de energia em baixa tensão

Mobilidade, Ordenamento do Território e Ambiente

Transportes

Articulação com a administração central no âmbito do planeamento das redes rodoviárias e ferroviárias

Construção e manutenção de infraestruturas conexas com as redes rodoviárias e ferroviárias

Coordenação supramunicipal do planeamento dos transportes colectivos, assim com do planeamento, execução e manutenção de ciclovias, vias pedonais, etc.

Habitação

Coordenação supramunicipal de políticas de reabilitação e expansão urbana, em articulação com o plano metropolitano de ordenamento do território

157

Habitação (cont.) Planeamento e construção de habitação social, em articulação com os municípios

Urbanismo e equipamentos colectivos Planeamento e fornecimento de serviços e equipamentos colectivos, em articulação com o plano metropolitano de ordenamento do território

Mobilidade, Ordenamento do Território e Ambiente (cont.)

Abastecimento de água Planeamento e gestão de redes de abastecimento de água, com participação em entidades públicas de âmbito metropolitano

Elaboração do plano metropolitano de ordenamento do território, em articulação com o plano regional de ordenamento do território e coordenando os planos municipais de ordenamento do território

Ordenamento do território e protecção da paisagem e da biodiversidade

Articulação com as CCDRs no âmbito das políticas de gestão territoriais (ordenamento e ambiente)

Coordenação e gestão de processos de avaliação de impacto ambiental e participação em processos de licenciamento ambiental

Apoio, administração e supervisão de actividades de protecção da natureza e da biodiversidade

158

Mobilidade, Ordenamento do Território e Ambiente (cont.)

Ordenamento do território e protecção da paisagem e da biodiversidade (cont.)

Apoio, administração e supervisão de actividades de combate à poluição e monitorização da qualidade de ar e água

Gestão de resíduos e de águas residuais Planeamento e gestão de redes de saneamento e de recolha e tratamento de resíduos, com participação em entidades públicas de âmbito metropolitano

Emprego

Planeamento, apoio e execução de acções de promoção do emprego e da mobilidade geográfica

Emprego e Solidariedade Social Apoio, administração e supervisão de actividades de formação profissional e outras acções de combate ao desemprego

Habitação social Regulação e administração, em articulação com os municípios, do acesso à habitação social

Acção social

Planeamento e execução de acções metropolitanas de apoio à natalidade

Regulação e execução de acções de apoio a indivíduos e famílias carenciadas, nomeadamente por razões de desemprego, em articulação com os municípios

159

Emprego e Solidariedade Social (cont.)

Exclusão social

Em articulação com os municípios, apoio e promoção de protecção social a indivíduos e famílias em risco ou em situação de exclusão social, incluindo coordenação de programas de inserção social e profissional

Ensino básico (2º e 3º ciclos) Apoio ao desenvolvimento dos programas de educação nos diversos graus (incluindo ensino profissional e de adultos), em particular a construção e manutenção de instalações e equipamentos, a gestão dos recursos humanos (docentes e não docentes), a participação no desenvolvimento curricular e a concessão de bolsas de estudo

Ensino secundário

Educação Ensino não disponível por níveis

Serviços anexos à educação Nos domínios de ensino sob competência metropolitana, articulação com os municípios no fornecimento de serviços de transporte, alimentação, alojamento e outros subsidiários à educação

Cultura, Desporto e Lazer

Serviços culturais

Gestão e conservação de edifícios e equipamentos culturais de carácter metropolitano (museus, livrarias, teatros, edifícios classificados, etc.)

Concessão de apoios a agentes culturais e iniciativas culturais de carácter metropolitano

160

Cultura, Desporto e Lazer (cont.) Serviços desportivos e recreativos Coordenação supramunicipal do fornecimento de serviços desportivos e recreativos, incluindo a gestão de equipamentos e a concessão de apoios aos agentes promotores

Protecção civil

Construção, manutenção e gestão de instalações e centros metropolitanos de protecção civil

Segurança e Protecção Civil

Bombeiros

Coordenação dos meios metropolitanos de prevenção e apoio ao combate a fogos florestais

Criação e supervisão do corpo metropolitano de bombeiros

Fonte: elaboração própria.

1

2.3. A transferência de competências para as áreas metropolitanas: notas adicionais

A atribuição das (novas) competências às áreas metropolitanas ocorre, naturalmente,

no quadro de uma visão global do exercício das funções do Estado segundo os vários

níveis de poder. Dessa visão global decorrem:

o A necessidade de partilha de responsabilidades em diversas áreas;

o A coordenação de tarefas a vários níveis entre a administração local e a

administração metropolitana – na verdade e como se depreende da Tabela

4.2., ao nível de funções desempenhadas em quase todas as secretarias

metropolitanas;

o Os processos concretos de descentralização de competências da

administração central para a administração metropolitana,

esquematicamente representados na Figura 4.6., a qual toma por base a

actual estrutura orgânica do governo e a estrutura agora proposta para as

áreas metropolitanas.

Por outro lado, a transferência de competências, que deve ser (conforme já referido)

gradual e faseada, terá necessariamente que ser objecto de contratualização entre os

níveis de poder envolvidos. Tal contratualização envolverá, desde logo, a

identificação mais clara, transparente e objectiva possível, das atribuições que são

objecto de descentralização, no caso da passagem do nível central para o nível

metropolitano, ou de centralização ou coordenação, no caso da passagem do nível

local para o nível metropolitano. A contratualização envolverá igualmente a

identificação dos meios financeiros e humanos cuja transferência terá de ser

concomitante à passagem das competências, sendo este aspecto, no que à

componente financeira respeita, objecto particular do último ponto do capítulo

corrente.

161

162

Figura 4.6. Transferência de competências da administração central para a

administração metropolitana

Fonte: elaboração própria.

163

Finalmente, a operacionalização da presente proposta envolve também

aspectos de natureza legal e jurídica. No que respeita ao aspecto estrito da

prossecução pelas áreas metropolitanas das competências acima sugeridas, a nossa

proposta é compaginável com o disposto no artigo 4º da Lei nº 46/2008 (regime

jurídico das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto). Contudo, a formulação

excessivamente difusa e vaga de tal artigo torna necessário, por um lado, uma melhor

organização legal das competências e, por outro lado, provavelmente por via

regulamentar, uma concretização clara das competências a transferir, no âmbito da

contratualização acima referida. Também outros aspectos concomitantes à

transferência e exercício de competências obrigarão a alterações na lei e a

regulamentação específica, em particular no que concerne os meios financeiros, as

regras aplicáveis às transferências financeiras e o endividamento e, eventualmente, o

próprio modelo de governação das áreas metropolitanas.

3. Meios financeiros e regras orçamentais das áreas metropolitanas

Após a apresentação da proposta de elenco de competências a afectar às áreas

metropolitanas, importa efectuar um exercício em torno do seu financiamento, por via

de uma previsão dos valores monetários globais envolvidos num orçamento

metropolitano. A par disto, relevará igualmente definir regras orçamentais que

garantam a sustentabilidade financeira das novas entidades, bem como os princípios

da solidariedade entre níveis da administração pública e da equidade intergeracional.

3.1. Esboço de orçamento e meios financeiros

O primeiro passo da nossa análise consiste em considerar a experiência europeia no

que respeita a áreas metropolitanas, tal como evidenciada no exercício de

benchmarking conduzido no Capítulo 2.

164

Assim, a Tabela 4.3 expõe os orçamentos (despesa) per capita das áreas

metropolitanas abordadas no referido capítulo. Dado que estas áreas metropolitanas

dizem respeito a países com níveis de desenvolvimento económico substancialmente

distintos dos de Portugal, calcularam-se também os valores de orçamento per capita

corrigidos por um factor que traduz o diferencial de PIB nominal per capita entre

Portugal e cada um dos países em causa (Espanha, França e Alemanha). Finalmente,

tendo em conta a população residente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto

(2.821.699 e 1.672.664 habitantes, respectivamente, segundo os Censos 2011), foi

possível calcular valores de referência para o orçamento das áreas metropolitanas

portuguesas. Merecem destaque os valores obtidos a partir dos orçamentos das áreas

metropolitanas de Lyon, Barcelona e Île-de-France (a negrito na tabela), uma vez que a

sua natureza se aproxima mais do que se pretende no contexto de uma reforma do

enquadramento de actuação das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Tabela 4.3. Exemplos de orçamentos globais em áreas metropolitanas seleccionadas

Fonte: elaboração própria, com base em Escuela Politica y Alto Gobierno (2012). Nota: Barcelona – dados para a média anual no período 2007-2011; Paris e Île-deFrance – 2011; Lyon – 2012; Berlim – 2009.

O passo seguinte, balizado pelos valores de referência apresentados na Tabela

4.3, será elaborar-se uma proposta de orçamento para as áreas metropolitanas

nacionais, à luz da estrutura de governação e competências elencadas na Tabela 4.2.

Em concreto, apresenta-se na Tabela 4.4 uma proposta de orçamento para a

despesa de funcionamento e de investimento por secretaria metropolitana para a Área

Barcelona Paris Île-de-France Lyon Berlim

Orçamentos AM (per capita, euros) 372,9 3690,5 401,7 1174,8 5175,0

valores corrigidos dif. PIB nominal per capita 265,0 2006,2 218,4 638,6 2766,8

Orçamento de referência AMPorto

(total, milhões euros) 443,2 3355,8 365,3 1068,2 4628,0

Orçamento de referência AMLisboa

(total, milhões euros) 747,6 5661,0 616,2 1802,1 7807,2

165

Metropolitana do Porto. Importa, contudo, sublinhar três aspectos, cuja consideração

é essencial para uma correcta leitura e avaliação da proposta de orçamento:

a) Trata-se de um apuramento de meios financeiros para um processo de

reorganização administrativa que, pelas razões aduzidas na Secção 2 do

presente capítulo, tem particular enfoque na descentralização de

competências top-down, ou seja, a partir do nível central e respectivas

estruturas desconcentradas para o nível metropolitano;

b) O orçamento agora apresentado é somente um esboço do que se poderá

realizar, dado que apenas na fase de operacionalização da transferência de

competências, e após o necessário processo de contratualização e

regulamentação, se poderá efectuar um levantamento pormenorizado

(auditoria) da despesa afecta a cada função/competência a transferir.22

c) O processo de reorganização administrativa em causa deverá implicar uma

redução dos meios financeiros e humanos afectos às competências a

transferir, consideradas na sua globalidade, desde logo como tradução do

objectivo, subjacente ao referido processo, de incremento da eficiência da

actuação das administrações públicas.

Assim, para atender ao ponto (a), o presente apuramento de meios financeiros

resultou primordialmente do recurso a informação respeitante à despesa classificada

por ministérios e respectivos programas orçamentais, tal como constante do

Orçamento do Estado para 2012, uma vez que, como já mencionado, as competências

a transferir para as áreas metropolitanas serão maioritariamente originárias da

administração central e respectivas estruturas desconcentradas. A selecção dos

ministérios e dos programas orçamentais em concreto a envolver neste processo foi

feita de acordo com a correspondência estabelecida na Figura 4.6. A Caixa 4.1 salienta

outros aspectos, de cariz mais técnico, considerados na identificação da despesa

passível de descentralização para o nível metropolitano.

22

Acresce o facto da informação em causa ser, em geral, de acesso restrito e, por isso, necessitar de autorização específica por parte das entidades competentes.

166

Caixa 4.1. Elaboração do orçamento metropolitano: notas técnicas

Na consideração da despesa classificada por ministérios e respectivos programas orçamentais

constante do Orçamento do Estado para 2012, revelou-se necessário proceder a vários ajustamentos

com vista à identificação o mais precisa possível da despesa passível de descentralização para o nível

metropolitano. Assim, à luz da organização proposta de governação metropolitana, salienta-se:

• Desenvolvimento Económico:

o Não se considerou o financiamento comunitário executado pelo IAPMEI nem o financiamento

comunitário obtido ao abrigo do PRODER, dado tratar-se essencialmente de financiamento

comunitário de aplicação de âmbito nacional.

• Mobilidade, Ordenamento do Território e Ambiente

o Não se consideraram as entidades públicas reclassificadas do sector dos transportes

ferroviários (REFER, Metropolitano de Lisboa e Metro do Porto);

o Não se consideraram as entidades públicas reclassificadas Sociedades Polis (Viana do Castelo e

Costa de Caparica) e Tapada de Mafra.

• Emprego e Solidariedade Social

o Não se considerou o financiamento comunitário executado pelo IEFP, dado tratar-se

sobretudo de financiamento comunitário de aplicação de âmbito nacional.

• Educação

o Não se considerou a entidade pública reclassificada Parque Escolar.

• Cultura, Desporto e Lazer

o Não se considerou a entidade pública reclassificada Grupo RTP.

Acresce que, em todos os casos, apenas se considerou a despesa efectiva da administração central; ou

seja, para além dos itens já referidos, excluiu-se também a despesa com activos e passivos financeiros,

assim como as transferências dos ministérios para outros níveis das administrações públicas.

Por outro lado, atendendo a (b), convirá notar que a referida natureza geral e

preliminar do orçamento aqui em elaboração decorrente da ausência, nesta fase, de

informação detalhada sobre a despesa ao nível elementar de cada função e

competência a transferir para o nível metropolitano, levou à necessidade de se

estabelecer uma regra simples que funcionasse como proxy para o cálculo do envelope

financeiro a atribuir ao nível metropolitano. Os valores obtidos a partir dos ministérios

167

e dos programas orçamentais seleccionados foram, assim, ajustados, em primeira

mão, pelo peso da população da Área Metropolitana do Porto no total nacional.

Finalmente, e de modo a acomodar o ponto (c), os valores finais de despesa

foram obtidos aplicando um ajustamento genérico em baixa de 10% face ao

orçamento actual contemplado para a administração central. Tratou-se, em todo o

caso, de uma regra global cuja implementação rubrica a rubrica foi modulada de

acordo com a natureza da despesa em causa. Por exemplo, é expectável que o

aumento da eficiência associado ao processo de descentralização se materialize em

maiores poupanças ao nível do consumo público de bens e serviços intermédios que

ao nível das despesas com pessoal. Na mesma linha, será de esperar que a compressão

de despesa por via de ganhos de eficiência seja de maior magnitude ao nível das

despesas de funcionamento do que no que toca as despesas de investimento.23

Tabela 4.4. Proposta de orçamento (despesa) para a Área Metropolitana

do Porto

Designação Orçamento

(milhões de euros)

cenário A cenário B

Presidência 2,0 2,0

Desenvolvimento Económico 53,8 53,8

Mobilidade, Ordenamento do Território e Ambiente 203,0 203,0

Emprego e Solidariedade Social 77,8 77,8

Educação 654,0 47,6

Cultura, Desporto e Lazer 39,9 39,9

Segurança e Ordem Pública 69,0 69,0

Total 1099,5 493,2 Fonte: elaboração própria

Ainda a propósito da Tabela 4.4, importa salientar também, como já aludido na

Secção 2 do corrente capítulo, que dada a lógica de gradualismo e faseamento que

23

Note-se ainda que não deverá ocorrer compressão de despesa quando coberta por financiamento comunitário.

168

assistirá a transferência de competências para o nível metropolitano, esta terá

necessariamente que ser objecto de contratualização entre os níveis de poder

envolvidos. Ora, este processo de contratualização terá, naturalmente, consequências

na definição do orçamento global para a área metropolitana.

Nesta linha, a Tabela 4.4 apresenta dois cenários para o orçamento

metropolitano, considerando que a referida contratualização poderá passar por incluir

(cenário A) ou excluir (cenário B) do conjunto de responsabilidades da área

metropolitana a gestão e remuneração dos recursos humanos na área da educação. A

escolha deste item de despesa nesta área com vista à elaboração dos dois cenários

alternativos deve-se ao peso particularmente elevado que as despesas com pessoal

assumem no total da despesa efectiva consolidada do ministérios da educação. É

interessante notar que os dois valores obtidos para o total de despesa da Área

Metropolitana do Porto se posicionam sensivelmente no intervalo de referência

fornecido pela Tabela 4.3, considerando as áreas metropolitanas de Île-de-France, de

Barcelona e de Lyon.

Também relevante será apurar-se a poupança de recursos financeiros implícita

na proposta de orçamento aqui avançada, por comparação com o contexto de

organização administrativa em vigor actualmente. Estendendo o exercício anterior à

Área Metropolitana de Lisboa, a poupança pode, assim, estimar-se em:

o Cenário A: 177,3 milhões de euros por ano;

o Cenário B: 124,9 milhões de euros por ano.

Cabe ainda referir que, se no exercício de elaboração do esboço de orçamento descrito

nesta secção, se tivesse contemplado igualmente a passagem de competências, e

respectivo envelope financeiro, do nível local para o nível metropolitano, seria de

esperar a obtenção de poupanças anuais acrescidas.

169

3.2. Regras orçamentais

O exercício anterior reportou-se ao apuramento do orçamento a atribuir ao nível

metropolitano efectuado do lado da despesa. Torna-se necessária agora uma

referência adicional às fontes de financiamento de tal despesa, bem como ao

estabelecimento de regras relativas ao saldo orçamental e ao endividamento.

No que respeita às fontes de financiamento e conforme foi já anteriormente

referido, importa notar que o envelope financeiro a considerar dependerá

necessariamente do volume de competências transferidas para o nível metropolitano.

Por outro lado, o seu cálculo deve ter em conta os ganhos esperados decorrentes da

descentralização, pelo que o volume de recursos envolvido para o mesmo nível de

fornecimento de bens e serviços públicos deverá ser inferior.

Neste contexto e assegurando a concretização da poupança de recursos

financeiros acima referida, deverá atender-se às seguintes regras no que respeita ao

financiamento da despesa prevista no orçamento metropolitano:

(i) No primeiro ano de funcionamento da área metropolitana, a transferência

de fundos do Orçamento do Estado (OE) por competência cometida à área

metropolitana será calculada como uma fracção do montante anteriormente

orçamentado para a administração central. Ou seja, o valor constante do

orçamento metropolitano do ano t será apurado com base na despesa

orçamentada para a administração central no ano t-1. Esta foi a referência

temporal seguida na secção anterior. Em alternativa, caso se revele

insuficiente a consideração de um único ano, poderá contemplar-se, por

exemplo, a despesa média dos últimos três anos, eventualmente corrigida

do efeito da inflação. Propõe-se que a referida fracção seja de 90% em

termos globais, excluindo as despesas de investimento;

(ii) No quadro de uma Lei de Financiamento Metropolitano, as tranferências do

OE serão substituídas por receitas fiscais, identificadas por tipo de imposto,

consideradas como receitas próprias da área metropolitana, tendo como

170

tecto para o valor de receita fiscal envolvido o valor das transferências do OE

definidas em (i) (apenas eventualmente corrigido do efeito da inflação);

(iii) Após o primeiro ano, sempre que ocorra uma transferência de novas

competências para a área metropolitana, a dotação financeira a estas

correspondente e a transferir do OE será definida como em (i).

Cabe frisar que a passagem de competências a realizar entre o nível de poder local e o

metropolitano deverá levar, igualmente, à transferência de meios financeiros de

acordo com as regras explicitadas acima.

Por outro lado, conforme a literatura económica enfatiza, é ainda importante

aplicar hard budget constraints aos níveis de poder sub-nacionais, por forma a garantir

que a descentralização não coloque problemas à concretização de uma desejável

disciplina orçamental. Esta questão é particularmente relevante no caso português em

função das obrigações orçamentais decorrentes da participação no projecto da moeda

única europeia. Em nossa opinião, a sua resolução exige a definição de regras para o

saldo orçamental e para o endividamento das áreas metropolitanas.

No que se refere ao saldo orçamental, deverá ser respeitada a denominada

“regra de ouro” das finanças públicas, ou seja, o saldo corrente anual deverá ser

positivo. Tal significa, no quadro da contabilidade pública por classificação económica,

que as despesas correntes devem ser integralmente cobertas por receitas correntes,

admitindo-se o recurso ao endividamento apenas por motivo de despesas de capital.

Por razões de sustentabilidade, deve existir igualmente um limite referente à

dívida líquida de médio e longo prazo.24 Assim, propõe-se que, em cada ano, o seu

valor não ultrapasse 50% do total de receitas próprias e transferências recebidas pela

área metropolitana. Dado o novo estatuto que se propõe para as áreas metropolitanas

neste trabalho, o limite de endividamento das áreas metropolitanas deverá passar a

estar desligado dos limites de endividamento dos municípios que as constituem.

24

A dívida líquida é calculada de modo idêntico ao referido no art. 35º da Lei de Financiamento Local para a determinação do montante de endividamento municipal.

171

Deve notar-se que o recurso ao endividamento implicará encargos com juros que

irão onerar o saldo corrente, cujo limite mínimo é zero. Um exemplo simples

evidencia, de forma clara, que tais encargos podem assumir contornos significativos:

se a dívida líquida for igual a 50% do total de receitas próprias e transferências

recebidas e se a taxa de juro média suportada pela área metropolitana for 5%, os

encargos com juros representarão 2,5% das referidas receitas e transferências.

Todavia, a regra proposta para a dívida líquida deverá ficar suspensa enquanto

Portugal se mantiver em situação de assistência financeira externa. Durante tal

período de tempo, não deverá ser permitida a assunção de dívida líquida de médio e

longo prazo, o que implica a obtenção anual de um saldo orçamental global não

deficitário.

Finalmente, a fiscalização do cumprimento das regras de disciplina orçamental

deverá estar cometido a nível central, designadamente a órgãos como o Tribunal de

Contas e a Procuradoria Geral da República.

172

Referências

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