NOVAS FORMAS CRISTALINAS DO FÁRMACO ANTI-HIV...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
INSTITUTO DE QUÍMICA
CAMERON CAPELETTI DA SILVA
NOVAS FORMAS CRISTALINAS DO FÁRMACO ANTI-HIV
LAMIVUDINA COM ÁCIDOS 1,2-DICARBOXÍLICOS:
PREPARAÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E SOLUBILIDADE
Goiânia
2014
CAMERON CAPELETTI DA SILVA
NOVAS FORMAS CRISTALINAS DO FÁRMACO ANTI-HIV
LAMIVUDINA COM ÁCIDOS 1,2-DICARBOXÍLICOS:
PREPARAÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E SOLUBILIDADE
Dissertação apresentada ao Instituto de
Química da universidade Federal de Goiás
como exigência parcial, para obtenção do
título de Mestre em Química.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Felipe Terra Martins
Goiânia
2014
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP)
GPT/BC/UFG
S586n
Silva, Cameron Capeletti.
Novas formas cristalinas do fármaco anti-HIV
lamivudina com ácidos 1,2-dicarboxílicos: preparação,
caracterização e solubilidade [manuscrito] / Cameron
Capeletti da Silva. - 2014.
xi, 82 f. : il., figs, tabs.
Orientador: Profª. Dr. Felipe Terra Martins;
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,
Instituto de Química, 2014.
Bibliografia.
Inclui lista de figuras, abreviaturas, siglas e tabelas.
Apêndices.
1. Farmacos – Cristalização 2. Farmacos – Investigação
laboratorial 3. Engenharia de cristais 4. Cristais moleculares
multicomponentes I. Título.
CDU : 615.11
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pois Ele sempre está comigo, pela força, paz e amor.
Ao Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás pela oportunidade
oferecida.
Ao meu orientador Prof. Dr. Felipe Terra Martins, pela oportunidade, amizade,
confiança e conhecimentos transmitidos para a realização deste trabalho. Muito obrigado pelo
incentivo, você é um exemplo de orientador e pesquisador.
A minha esposa Vívia Pereira Dias Capeletti pelo apoio e compreensão. Você é meu
equilíbrio.
Aos meus pais por me aconselhar e incentivar a estudar.
Aos colegas e companheiros de laboratório, em especial, Marília de Lima Cirqueira e
Renan pela ajuda durante a fase experimental deste trabalho.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) pela concessão da
bolsa de mestrado e fomento deste trabalho.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................01
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................03
1.1 Características do estado cristalino e simetria.........................................................03
1.2 Difração de raios X.................................................................................................08
1.3 Tópicos em resolução e refinamento da estrutura cristalina .................................13
1.4 Modificações cristalina e engenharia de cristais.....................................................18
1.5 Solubilidade.............................................................................................................22
1.6 Fármaco anti-HIV: Lamivudina..............................................................................24
1.7 Objetivos.................................................................................................................26
2. MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................................27
2.1 Reagentes e amostras dos fármacos........................................................................27
2.2 Preparo das modificações cristalinas.......................................................................27
2.3 Difração de raios X por monocristal (DRXM).......................................................28
2.4 Difração de raios X por pó (DRXP).......................................................................30
2.5 Determinação das solubilidades ............................................................................31
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES.......................................................................................32
3.1 Biftalato de lamivudina e salicilato de lamivudina monoidratado..........................32
3.1.1 Determinação estrutural por DRXM...................................................................33
3.1.2 Caracterização estrutural por DRXP...................................................................42
3.2 Biftalato de lamivudina hemidratado e 4,5-diclorobiftalato de lamivudina............47
3.2.1 Síntons supramoleculares em sais de lamivudina com ácidos 1,2-
dicarboxílicos................................................................................................................48
3.2.2 Determinação estrutural por DRXM...................................................................50
3.2.3 Caracterização estrutural por DRXP...................................................................59
3.4 Determinação da solubilidade das novas formas cristalinas de lamivudina...........61
4. CONCLUSÕES..................................................................................................................66
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................67
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Cela unitária e rede cristalina.
Figura 2 As 14 redes de Bravais.
Figura 3 Estereogramas dos 32 grupos pontuais.
Figura 4 (a) Espectro de radiação de raios-X característicos de molibdênio (Mo) e cobre (Cu). (b) Raios
X produzidos por diferentes transições eletrônicas.
Figura 5 Condições para a difração e sua relação com a lei de Bragg.
Figura 6 Esfera de Ewald.
Figura 7 Possíveis formas cristalinas de insumos farmacêuticos ativos: (a) fármaco puro; (b) polimorfo do
fármaco; (c) clatrato; (d) hidrato/solvato; (e) sal de fármaco e (f) co-cristal (SHAN;
ZAWOROTKO, 2008).
Figura 8 Etapas de planejamento e preparação de sais ou co-cristais.
Figura 9 Processo de dissolução espontânea de um sal em água.
Figura 10 Estruturas químicas de lamivudina e agentes formadores de sal.
Figura 11 Esquema do biftalato de lamivudina e do salicilado de lamivudina monoidratado.
Figura 12 Unidade assimétrica cristalográfica do biftalato de lamivudina (temperatura ambiente).
Elipsóides térmicos a uma probabilidade de 50% representam os átomos, exceto átomos de
hidrogênio (representados como esferas de raio arbitrário).
Figura 13 Superposição entre a estrutura do fármaco lamivudina presente na estrutura do sal com ácido
maléico (MARTINS, et.al, 2009) (azul) com aquela presente no sal com ácido ftálico (verde).
Os átomos de hidrogênios foram ocultados para maior clareza.
Figura 14 Faixas unidimensionais do: (a) biftalato de lamivudina, (b) maleato de lamivudina (MARTINS
et.al, 2009), (c) sacarinato de lamivudina (BANERJEE. et.al, 2009) são conectadas através da
ligação de hidrogênio N—H•••O (setas) na qual o receptor é o grupo 5’—OH [biftalato de
lamivudina, (d)] ou a estrutura C2=O2 [maleato (e) e sacarinato (f) de lamivudina].
Figura 15 Unidade assimétrica cristalográfica do salicilato de lamivudina monoidratado (baixa
temperatura). Elipsóides térmicos a uma probabilidade de 50% representam os átomos, exceto
átomos de hidrogênio (representados como esferas de raio arbitrário).
Figura 16 Superposição entre a estrutura do fármaco lamivudina presente na estrutura do sal com ácido
maléico (MARTINS, et.al, 2009) (azul) com aquela presente no sal com ácido salicílico
(vermelho). Os átomos de hidrogênios foram ocultados para maior clareza.
Figura 17 (a) Estrutura helicoidal no salicilato de lamivudina monoidratado feita de ligações de
hidrogênio O—H•••O entre o grupo 5’—OH e água. (b) Vista da hélice projetada no plano
(010).
Figura 18 Duplo papel do contra-íon ácido salicílico como conector entre as cadeias helicoidais no
salicilato de lamivudina monoidratado. As duas ligações de hidrogênio N—H•••O e O—H•••π
envolvendo cada contra-íon como conector entre as cadeias são mostradas na parte inferior da
ilustração.
Figura 19 Difratogramas simulados (barras verticais) e experimentais à temperatura ambiente (298± 2 K)
(linhas contínuas com pontos) do (a) biftalato de lamivudina e do (b) salicilato de lamivudina
monoidratado. Os difratogramas calculados foram simulados a partir das estruturas cristalinas
correspondentes, determinadas à 298± 2 K (biftalato de lamivudina) ou 107± 2K (salicilato de
lamivudina monoidratado).
Figura 20 Difratogramas simulados (barras verticais) e experimentais à temperatura ambiente (298±2 K)
(linhas contínuas com pontos) do (a) biftalato de lamivudina e do (b) salicilato de lamivudina
monoidratado após o teste de solubilidade. Os difratogramas calculados foram simulados a
partir das estruturas cristalinas correspondentes, determinadas à 298±2 K (biftalato de
lamivudina) ou 107± 2 K (salicilato de lamivudina monoidratado).
Figura 21 Difratogramas simulados (barras verticais) do fármaco lamivudina forma II e experimentais à
temperatura ambiente (298K) (linhas contínuas com pontos) da (a) lamivudina (b) salicilato de
lamivudina monoidratado após o teste de solubilidade. Os difratogramas calculados foram
simulados a partir das estruturas cristalinas correspondentes, determinadas à 298 K (biftalato de
lamivudina) ou 107,4 K (salicilato de lamivudina monoidratado).
Figura 22 Projeção do empacotamento cristalino do salicilato de lamivudina monoidratado no plano
(010). As setas pretas indicam uma suposta posição para as moléculas de água adicionais
interagindo com os grupos carbonílicos livres em termos de recepção de ligações de hidrogênio,
as quais estariam aumentando o parâmetro de cela c como sugerido pela maior distância
interplanar (002) no difratograma de raios X por pó desta fase sólida após o teste de
solubilidade.
Figura 23 Esquema do biftalato de lamivudina hemidratado e do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina.
Figura 24 Síntons supramoleculares nos sais de lamivudina com ácidos 1,2-dicarboxílicos.
Figura 25 Unidade assimétrica do biftalato de lamivudina hemidratado. Elipsóides térmicos a uma
probabilidade de 50% representam os átomos, exceto átomos de hidrogênio (representados
como esferas de raio arbitrário).
Figura 26 A tríade B = B’ = C na estrutura de biftalato de lamivudina hemidratado. Somente os átomos não
hidrogenóides que participam de ligações de hidrogênio estão rotulados. A distância (doador-
receptor) D—H•••A é mostrada.
Figura 27 Vista das colunas de tríades na estrutura de biftalato de lamivudina hemidratado. A primeira
coluna é feita pela tríade B = B’ = C e a segunda é formada pela tríade A = A’ = D (área
sombreada). As ligações de hidrogênio N4C—H4C2•••O1XD e N4B—H4B2•••O1YD do ânion
biftalato D’ conecta as camadas de tríade B = B’ = C. Esse mesmo padrão ocorre na outra tríade
A = A’ = D com o biftalato C’.
Figura 28 Unidade assimétrica cristalográfica do 4,5-dciclorobiftalato de lamivudina. Elipsóides térmicos a
uma probabilidade de 50% representam os átomos, exceto átomos de hidrogênio (representados
como esferas de raio arbitrário).
Figura 29 A tétrade na estrutura do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina. Somente os átomos não
hidrogenóides que participam de ligações de hidrogênio estão rotulados. A distância (doador-
receptor) D—H•••A é mostrada.
Figura 30 Superposição entre a estrutura do sal 4,5-diclorobiftalato de lamivudina (azul) com a estrutura
do maleato de citosina (verde). Os átomos de hidrogênios foram ocultados para maior clareza.
Figura 31 Empilhamento de três tetrâmeros (áreas sombreadas) do sal 4,5-diclorobiftalato de lamivudina.
Apenas as ligações de hidrogênio O5’A—H5’A•••O1XA e O5’B—H5’B•••O4XB estão
representadas (linhas pontilhadas).
Figura 32 Difratograma simulado (barras verticais) e experimental à temperatura ambiente (298K) (linhas
contínuas com pontos) do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina. A linha contínua com pontos em
vermelho corresponde à amostra após o teste de solubilidade, enquanto que a linha contínua em
preto se refere à amostra antes da realização do teste de solubilidade (após agrupamento dos
cristais obtidos de vários frascos de cristalização). O difratograma calculado foi simulado a
partir da estrutura cristalina correspondente, determinada à 298 K.
Figura 33 Difratogramas simulados (barras verticais) do (a) biftalato de lamivudina hemidratado e do (b)
do biftalato de lamivudina anidro superpostos aos perfis experimentais à temperatura ambiente
(298K) (linhas contínuas com pontos) da amostra do biftalato de lamivudina hemidratado antes
(preto) e após (vermelho) o teste de solubilidade. Os difratogramas calculados foram simulados
a partir das estruturas cristalinas correspondentes, determinadas a 298±2 (K) (biftalato de
lamivudina anidro) ou 120±2 (K) (biftalato de lamivudina hemidratado).
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Os sete sistemas cristalinos.
Tabela 2 Descritores conformacionais e ângulos de torsão (°) do biftalato de lamivudina e do salicilato de
lamivudina monoidratado.
Tabela 3 Constantes de cela e determinação estrutural do biftalato de lamivudina e salicilato de
lamivudina monoidratado.
Tabela 4 Descritores conformacionais e ângulos de torsão (°) do biftalato de lamivudina hemidratado e
4,5-diclorobiftalato de lamivudina.
Tabela 5 Constantes de cela e determinação estrutural dos sais biftalato de lamivudina hemidratado e 4,5-
diclorobiftalato de lamivudina.
Tabela 6 Solubilidade em água (mg mL
-1) dos sais de lamivudina obtidos nesse estudo e seus contra-íons
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
API Insumo Farmacêutico Ativo
CCD charge-coupled device
CCDC Cambridge Crystallographic Data Centre
CSD Banco de Dados Estruturais de Cambridge
DNA ácido desoxirribonucleico
DRXM difração de raios X por monocristal
DRXP difração de raios X por pó
EM espectroscopia de massa
HIV vírus da imunodeficiência humana
INTR inibidores nucleosídeos da enzima transcriptase reversa
IV infravermelho
MQ mínimos quadrados
RMN ressonância magnética nuclear
VHB vírus da hepatite B
RESUMO
Co-cristalização de insumos farmacêuticos ativos tem sido largamente estudada ultimamente
a fim de melhorar as propriedades do estado sólido, como, por exemplo, a solubilidade, e
também manter a propriedade intelectual de tais compostos. Cristais moleculares
multicomponentes podem ser preparados a partir da abordagem de sínton supramolecular e
também através de métodos sistemáticos de investigação laboratorial, o que envolve a
variação de condições de cristalização dos fármacos. Neste sentido, a engenharia de cristais
moleculares é uma estratégia para aperfeiçoar as propriedades de estado sólido relacionadas
às eficácias dos fármacos. Um ramo da engenharia de cristais de lamivudina lida com sua
base nitrogenada pirimidina, a qual pode ser protonada, sendo assim um alvo de co-
cristalização com ácidos carboxílicos. Tal estratégia tem rendido vários co-cristais e sais de
insumos farmacêuticos ativos que possuem nitrogênio heterocíclico como a lamivudina pela
escolha adequada de ácidos carboxílicos como um formador de sal/co-cristal. Nesse contexto,
e com relação ao fármaco antirretroviral inibidor nucleosídeo de transcriptase reversa, a saber,
lamivudina, quatro novas fases cristalinas foram preparadas, suas estruturas cristalinas foram
elucidadas por difração de raios X por monocristal, e suas solubilidades em água foram
aferidas. Nesse estudo, pela primeira vez foi observado um duplo pareamento da droga com
ambas as funcionalidades ácidas do contra-íon originando uma tríade e um tetrâmero planar
nas estruturas de biftalato de lamivudina hemidratado e 4,5-diclorohidrogenoftalado de
lamivudina, respectivamente. Além disso, um novo sínton foi encontrado no primeiro sal.
Todos eles foram menos solúvel do que a forma II da lamivudina (base livre). O inesperado
heterosínton pôde ser correlacionado com a solubilidade ligeiramente maior do 4,5-
diclorobiftalato de lamivudina quando comparado com os demais sais preparados.
Palavras chave: Engenharia de cristais, sínton supramolecular, solubilidade e lamivudina.
ABSTRACT
Co-crystallization of active pharmaceutical ingredients has been widely studied lately in order
to improve the solid state features of such compounds, for example solubility, and also to
protect the intellectual property of such compounds. Multicomponent molecular crystals can
be prepared from both supramolecular synthon and screening approaches, which involve the
variation of crystallization conditions. In this way, molecular crystal engineering is a strategy
to improve solid state properties of drugs related to their efficacies. One branch of the
lamivudine crystal engineering deals with its protonable pyrimidine-based nitrogen being a
recipe of crystallization with carboxylic acids. Such strategy has yielded several
pharmaceutical co-crystals and salts of APIs that have lamivudine-like heterocyclic nitrogens
by choosing suitable carboxylic acids as a salt/co-crystal former. In this context and in
relation to the drug antiretroviral nucleoside reverse transcriptase inhibitor lamivudine, four
new crystalline phases thereof were prepared, their crystal structures were determined by X-
ray diffraction by single crystal, and their solubility in water were measured. For the first time
it was observed an in-plane pairing of lamivudine with the carboxylate and carboxyl
functionalities of a same salt former unit giving rise to a trimer and a tetramer in the structures
of lamivudine hydrogen phthalate hemihydrate and lamivudine hydrogen 4,5-
dichlorophthalate, respectively. Besides, a new synthon have been found in the first salt. All
lamivudine salts were less soluble than the lamivudine form II (free base). The unexpected
heterosynthon can be related to the slightly higher solubility of lamivudine hydrogen 4,5-
dichlorophthalate when compared to the other salts prepared in this study.
Palavras chave: Crystal engineering, supramolecular synthon, solubility and lamivudine.
1
APRESENTAÇÃO
Novas formas cristalinas de fármacos têm sido muito investigadas nos últimos anos
através da engenharia de cristais moleculares multicomponentes. Nesse sentido, essa
dissertação de mestrado aborda a preparação de quatro novas formas cristalinas do fármaco
anti-HIV lamivudina, suas caracterizações no estado sólido e sua relação estrutura
solubilidade.
No primeiro capítulo é feito uma revisão bibliográfica sobre alguns tópicos do estado
sólido como as características do estado cristalino e simetria, a difração de raios X, a
resolução e refinamento de uma estrutura cristalina, bem como a preparação de modificações
cristalinas através do planejamento racional baseado na engenharia de cristais moleculares
multicomponentes. Ainda nesse capítulo, é realizada uma breve revisão bibliográfica sobre
solubilidade e sobre o fármaco anti-HIV lamivudina. Este capítulo também engloba o objetivo
desta dissertação de mestrado, o qual foi a preparação de novas modificações cristalinas do
fármaco lamivudina fundamentada na isoestruturalidade ao maleato de lamivudina utilizando
uma abordagem de planejamento racional. Nesse contexto, utilizou-se contra-íons com
características químico-estruturais semelhantes ao ácido maléico, ou seja, ácidos 1,2-
dicarboxílicos, na tentativa de se obter um sal de lamivudina isoestrutural à versão do maleato
do fármaco. A obtenção de novas formas cristalinas isoestruturais ao maleato de lamivudina
reforçaria a ideia de um motivo comum responsável pela arquitetura supramolecular dos
cristais de lamivudina com ácidos 1,2-dicarboxílicos. Além disso, utilizou-se o ácido
salicílico como contra prova desse experimento, uma vez que não é um ácido 1,2-
dicarboxílico.
No capítulo seguinte (Capítulo 2) são descritos os procedimentos que levaram à
preparação das novas fases cristalinas de lamivudina, condições experimentais e os
procedimentos cristalográficos das determinações estruturais por difração de raios X por
monocristal (DRXM). As modificações cristalinas obtidas também foram caracterizadas por
difração de raios X por pó (DRXP). Três das quatro novas fases sólidas reportadas nesse
trabalho tiveram suas solubilidades determinadas.
No Capítulo 3 são apresentados os resultados e discussões sobre as caracterizações
estruturais por DRXM e DRXP das novas modificações cristalinas de lamivudina conhecidas
como biftalato de lamivudina, salicilato de lamivudina monoidratado, biftalato de lamivudina
2
hemidratado e 4,5-diclobiftalato de lamivudina. Nesse capítulo, as estruturas são discutidas
em pares, pois estão dispostas na ordem em que os artigos foram publicados.
O último capítulo (Capítulo 4) encerra as conclusões dessa dissertação de mestrado, as
quais são sucedidas pelas referências bibliográficas citadas.
3
1. INTRODUÇÃO
1.1 Características do estado cristalino e simetria
No estado sólido a matéria pode existir na fase amorfa, fase cristalina, ou pode conter
as duas. O estado cristalino (cristal) é definido como um sólido que possui um alto grau de
ordenamento interno e de longo alcance de seus componentes (átomos, moléculas, íons) que
se repete nas três dimensões, o que implica em um padrão de repetição periódico. Por outro
lado, a organização interna dos átomos, moléculas ou íons de um material amorfo apresenta
apenas um ordenamento local, ou seja, não possui ordem de longo alcance (GLUSKER;
TRUEBLOOD, 2010).
Os componentes de um cristal podem ser representados por um ponto e o conjunto de
pontos forma a rede cristalina. Então, um cristal pode ser entendido como sendo construído
por uma unidade básica que se repete tridimensionalmente através da simetria de translação.
Essa unidade básica repetitiva é denominada cela unitária. A cela unitária (Fig. 1) é um
paralelepípedo imaginário que ajuda a compreender a periodicidade de um cristal, uma vez
que ela é um bloco elementar análogo a um tijolo que por translação constrói toda a rede
cristalina (Fig. 1) preenchendo todo o espaço (GLUSKER et.al., 1994; SANDS, 1994).
Figura 1 – Cela unitária e rede cristalina.
A cela unitária é constituída por três vetores não-coplanares a, b, e c (eixos
cristalográficos) e por três ângulos entre eles α, β e γ. O ângulo α está localizado entre os
vetores b e c, β entre a e c e γ entre a e b. Os eixos cristalográficos e os ângulos de uma cela
unitária são chamados de parâmetros de rede. A estrutura cristalina pode ser obtida através da
4
determinação do conteúdo de uma cela unitária (motivo). Dessa forma, a estrutura cristalina é
o resultado da combinação entre a rede cristalina e o motivo (GLUSKER et.al., 1994;
STOUT; JENSEN, 1989).
Há sete celas unitárias diferentes que são úteis para descrever cristais e são as bases
para sua classificação. Essas celas unitárias são classificadas de acordo com o tipo de simetria
rotacional ou especular que possuem. Esses sete sistemas de referência são definidos como os
sete sistemas cristalinos nos quais todos os cristais são classificados. Há muitas maneiras de
selecionar uma cela unitária, porém por convenção, a melhor escolha será aquela cela unitária
que apresenta maior simetria (GLUSKER et.al., 1994, 2010; STOUT; JENSEN, 1989). Os
sete sistemas cristalinos estão descritos na tabela abaixo:
Tabela 1 – Os sete sistemas cristalinos
Sistema Cristalino Cela unitária Simetria de Laue
Triclínico a ≠ b ≠ c; ≠ ≠ ≠ 90º nenhum
Monoclínico a ≠ b ≠ c; = = 90º ≠ um eixo 2* ou um plano especular (m)
Ortorrômbico a ≠ b ≠ c; = = = 90º três eixo 2 ou três m ortogonais
Tetragonal a = b ≠ c; = = = 90º um eixo 4
Hexagonal a = b = c; = = 90º = 120º um eixo 3 e 6
Trigonal a = b = c; = = ≠ 90º um eixo 3 na diagonal da cela
Cúbico a = b = c; = = = 90º quatro eixos 3 nas diagonais do cubo
* Eixos 2, 3, 4 e 6 simbolizam rotações de 180°, 120°, 90° e 60°, respectivamente.
Uma cela primitiva é aquela que possui apenas um ponto de rede e é designada por P.
Em 1849 um cientista francês conhecido por Bravais demonstrou que se fosse adicionado
mais um ponto de rede no centro ou nas faces das celas unitárias dos sete sistemas cristalinos
conhecidos, mais sete novos sistemas poderiam ser obtidos. Essas novas celas obtidas por um
ponto de rede a mais ficaram conhecidas por celas não primitivas ou centradas. Uma cela
centrada I contém o ponto de rede adicional no centro da cela, a cela A, B e C contém o ponto
de rede adicional em duas das faces opostas e a cela F contém três pontos de rede adicionais,
um em cada duas faces opostas. Portanto, Bravais demonstrou que há 14 maneiras diferentes
de se representar uma rede cristalina, essas redes ficaram conhecidas como Redes de Bravais
(Fig. 2) ou Retículos de Bravais (GLUSKER; TRUEBLOOD, 2010; STOUT; JENSEN, 1989;
SZWACKI; SZWACKA, 2010).
5
Figura 2 – As 14 redes de Bravais (Wikipédia, acesso em Janeiro de 2014).
A simetria é muito importante na cristalografia, uma vez que não é necessário
determinar experimentalmente a localização de milhões de moléculas no cristal, apenas o
conteúdo de uma cela unitária. Pois, através de operações de simetria todo conteúdo do cristal
pode ser determinado, pois se trata de um arranjo periódico e ordenado. A simetria pode ser
dividida em dois tipos: a simetria pontual e a simetria translacional. A simetria pontual diz
respeito a operações de simetria que quando aplicadas sobre um objeto deixam pelo menos
um ponto do objeto fixo. Enquanto que a simetria translacional se refere a uma unidade básica
que se repete no espaço. A operação de simetria pode ser definida como a ação que é aplicada
sobre um elemento de simetria o qual pode ser caracterizado por um ponto, eixo ou plano
(GLUSKER et.al., 1994; TILLEY, 2006).
Na simetria pontual distinguem-se três grupos de simetria que são importantes: a
rotação sobre um eixo, a roto-inversão sobre um eixo e uma reflexão através de um plano
especular. As operações de simetria rotacional de ordem n são dadas por frações de 360°/n da
estrutura que ocorrem sobre um eixo. Assim, dois objetos que estão relacionados por um eixo
de ordem 2 podem ter suas coordenadas superpostas através de uma rotação de 180°. As
rotações de ordem 1, 2, 3, 4, e 6 são denominadas de rotações próprias, pois não alteram a
quiralidade de uma molécula. Já as roto-inversões são operações de simetria que resultam da
6
combinação de duas operações de simetria, uma rotação seguida de uma inversão. A inversão
de uma molécula ou objeto se dá sobre um ponto, o qual é denominado centro de inversão ou
centro de simetria. A inversão de um objeto localizado nas coordenadas x, y, z levam-no a
outro ponto cujas coordenadas são -x, -y, -z. As roto-inversões são representadas por , , ,
e . A reflexão através de um plano especular inverte a mão esquerda na mão direita, isto é
converte o objeto em sua imagem especular. Um plano espelho é representado por m e é
equivalente a roto-inversão simetria . Portanto, a roto-inversão e a reflexão são denominadas
de operações impróprias, porque alteram a quiralidade de uma molécula que contém carbono
assimétrico. As dez operações de simetria pontual que são cristalograficamente aceitas são m,
1, 2,3, 4, 6, , , e , pois preenchem todo o espaço em um cristal. Elas podem ser
combinadas de 32 maneiras diferentes, formando assim, os 32 grupos pontuais. Na Fig. 3,
abaixo, os estereogramas marcados com * referem-se aos 11 grupos de Laue, também
chamados de centrossimétricos (GLUSKER et.al., 1994; GLUSKER; TRUEBLOOD, 2010;
SANDS, 1994; STOUT; JENSEN, 1989).
7
Figura 3 – Estereogramas dos 32 grupos pontuais (CARVALHO-JÚNIOR, 2011).
Além das operações de simetria que foram apresentadas para o grupo pontual, há ainda
aquelas que envolvem translação: translação pura ao longo de uma linha ou eixo, eixos
helicoidais (do inglês screw axis) e planos de deslizamento (do inglês glide plane). A
8
translação pura é aquela em que o objeto sofre um deslocamento em linha reta. Os eixos
helicoidais resultam da combinação de uma rotação de ordem n, seguida de uma translação de
uma quantidade múltipla de 1/n ao longo da direção do eixo de rotação. Por exemplo, um eixo
21 envolve uma rotação de ordem 2 (180°) paralela ao eixo b, e em seguida uma translação +
½ b. Já os planos de deslizamento, são elementos de simetria que combinam uma reflexão
através de um plano especular seguida de uma translação. Os glides designados como glide-a,
glide-b e glide-c envolvem, respectivamente, as translações
a,
b e
c ao longo dos eixos
cristalográficos. Pode haver também um glide que é paralelo a uma face diagonal, nesse caso
o glide é designado como glide-n. Outro glide, menos comum, é aquele que ocorre em celas
centradas e envolvem translação de ¼ ao invés de ½, esse glide recebe o nome de glide-d
(GLUSKER et.al., 1994; TILLEY, 2006).
As 14 redes de Bravais quando combinadas com os elementos de simetria dos 32
grupos pontuais (rotação, roto-inversão, reflexão), somando-se ainda, os elementos de
simetria translacionais (planos de deslizamento e eixos helicoidais) resultam em 230 maneiras
diferentes de se representar uma rede cristalina, as quais ficaram conhecidas como os 230
grupos espaciais. Esses grupos espaciais estão catalogados nos volumes da International
Tables for X-ray Crystallography. Portanto, os grupos espaciais descrevem um padrão de
repetição tridimensional como aquele que ocorre em um cristal. Variando o motivo da cela
unitária é possível obter infinitas estruturas cristalinas as quais possuirão um conjunto de
elementos de simetria que irá corresponder a um dos 230 grupos espaciais (GLUSKER;
TRUEBLOOD, 2010; STOUT; JENSEN, 1989).
1.2 Difração de Raios X
As propriedades dos materiais dependem dos tipos de átomos que o constituem e de
seu arranjo tridimensional, portanto, elas dependem da estrutura (natureza) do material. Assim
sendo, há muitos estudos que envolvem a determinação estrutural dos compostos. A
elucidação estrutural de compostos moleculares pode ser obtida através de técnicas
experimentais como Ressonância Magnética Nuclear (RMN), Espectroscopia de Massas (EM)
e de Infravermelho (IV) e através da difração de raios X por monocristal (DRXM)
(GLUSKER et.al., 1994; HASEGAWA, 2012; STOUT; JENSEN, 1989).
9
Não podemos reconhecer a estrutura dos materiais no nível atômico por causa da
resolução limitada devido ao comprimento de onda da luz visível, cujo comprimento de onda
possui faixa de 4 x 10-5
cm a 8 x 10-5
cm. Para ver os detalhes de um determinado objeto é
necessário que esses detalhes estejam separados por pelo menos a metade do comprimento de
onda da radiação utilizada para enxergá-los. Dessa maneira, os raios X são necessários para
―visualizar‖ os átomos, pois o comprimento de onda dos raios X é da mesma ordem de
grandeza dos átomos e das ligações covalentes, ambos na escala nanométrica (10-10
m ou 1 Å)
(GLUSKER et.al., 1994; HASEGAWA, 2012; STOUT; JENSEN, 1989).
Os raios X são radiações eletromagnéticas localizadas entre a luz ultravioleta e os
raios gama no espectro eletromagnético e possuem comprimento de onda na faixa de 0,1 -
100Å. Eles são gerados quando um feixe de elétrons é acelerado a partir de um filamento de
tungstênio (catodo) e atinge o anodo (alvo metálico constituído por cobre, molibdênio, ferro
ou cromo). Quando esse feixe de elétrons atinge o anodo dois tipos de raios X são gerados: o
primeiro corresponde à radiação de fundo denominada ―background‖ ou ―Bremsstrahlung‖
que possui um espectro contínuo, a qual é gerada pela desaceleração repentina do feixe de
elétrons ao atingir o alvo metálico. O segundo de tipo de radiação gerada é chamado de
radiação característica, sendo gerada quando elétrons acelerados atingem o átomo do alvo
metálico e removem um elétron de sua camada interna (K ou L). Quando um elétron de nível
mais alto preenche a vacância deixada pelo elétron ejetado, os raios X são emitidos. Se as
transições ocorrem da camada L para a K, radiação Kα é produzida, se as transições ocorrem
da camada M para a K, radiação Kβ é emitida (Fig. 4). Portanto, a radiação característica
depende do metal que constitui o anodo, por exemplo, a radiação característica do molibdênio
e do cobre tem comprimento de onda 0,71Å e 1,54Å, respectivamente (GLUSKER et.al.,
1994; JONES et.al., 1996).
10
Figura 4 – (a) Espectro de radiação de raios X característicos de molibdênio (Mo) e cobre (Cu). (b) Raios X
produzidos por diferentes transições eletrônicas (GLUSKER; TRUEBLOOD, 2010).
A estrutura cristalina pode ser obtida através da difração de raios X, a qual é uma das
técnicas mais aplicadas para a determinação estrutural de sólidos cristalinos. A difração é um
fenômeno de interferência da frente de onda quando estas passam através de um objeto de
dimensões similares ao comprimento de onda. Quando há mais de um objeto, espaçados
regularmente, haverá, em determinadas direções dependentes da distância entre os objetos,
interferência construtiva quando as ondas estiverem em fase e interferência destrutiva quando
elas estiverem fora de fase. Em um cristal, os elétrons atuam como fontes espalhadoras de
raios X, e como o cristal é um arranjo periódico de átomos, o fenômeno de difração dá origem
a um conjunto de pontos com geometria bem definida formando o padrão de difração. O
padrão de difração fornece informações sobre a posição e a intensidade dos pontos de
difração, os quais contém a informação necessária para construir o modelo molecular.
(GLUSKER et.al.,1994; TILLEY, 2006).
A difração de raios X (interferência construtiva) só irá acontecer quando um feixe de
raios X atingir um conjunto de planos do cristal definidos pelos índices de Miller (hkl) através
de um ângulo adequado, se a diferença de caminho percorrida pelos raios X for igual à um
múltiplo inteiro do comprimento de onda da radiação incidente (Fig. 5). Esta condição é
conhecida como a Lei de Bragg e foi proposta por Willian Henry Bragg e seu filho Willian
Lawrance Bragg e pode ser expressa por:
2dhklsen θ = n λ (1)
Onde n é um número inteiro, λ é o comprimento de onda da radiação incidente, dhkl
corresponde à distância interplanar para o conjunto de planos hkl da estrutura cristalina, e θ é
11
o ângulo de difração ou ângulo de Bragg. Portanto a lei de Bragg define as condições sobre as
quais a difração de raios X ocorre e fornece também, a posição do feixe difratado.
(GLUSKER et.al., 1994; GLUSKER; TRUEBLOOD, 2010; TILLEY, 2006).
Figura 5 – Condições para a difração e sua relação com a lei de Bragg (TILLEY, 2006).
As condições definidas pela lei de Bragg satisfazem apenas alguns feixes difratados de
raios X quando o cristal está fixo. No entanto, em um experimento de difração de raios X o
cristal é posicionado em diversos ângulos a fim de obter um maior número de dados de
difração. Para um melhor entendimento da relação entre o cristal e o padrão de difração que é
obtido, é preferível lidar com o espaço recíproco. Toda estrutura cristalina possui duas redes:
a rede real de dimensão (dhkl) e a rede recíproca de dimensão (1/ dhkl). O padrão de difração de
raios X é, na verdade, um mapeamento do espaço recíproco do cristal, pois uma onda que é
difratada por um conjunto de planos cristalinos com átomos arranjados periodicamente na
rede real aparece como um ponto de difração no espaço recíproco. A cela unitária construída
no espaço recíproco têm as mesmas características que a cela unitária encontrada no espaço
real, portanto se uma rede real é primitiva, a rede recíproca também se torna primitiva
(GLUSKER; TRUEBLOOD, 2010; TILLEY, 2006; WASEDA et.al., 2011).
Uma vez que o padrão de difração é relacionado com o espaço recíproco ou rede
recíproca, uma construção geométrica que engloba a lei de Bragg é utilizada para predizer
quais reflexões de Bragg o difratômetro medirá durante o posicionamento do cristal, e
também para interpretar o padrão de difração que é obtido num experimento de difração de
raios X. Essa construção geométrica é denominada esfera de Ewald (Fig. 6). A esfera de
Ewald é uma esfera de raio 1/λ, desenhada com seu diâmetro ao longo do feixe de difração. O
12
cristal fica localizado no centro da esfera e a origem da rede recíproca é o ponto onde o feixe
incidente toca a esfera de Ewald (TILLEY, 2006; WASEDA et.al., 2011).
O fenômeno da difração será observado em qualquer ponto da rede recíproca que tocar
a esfera de Ewald, dessa forma, satisfazendo a lei de Bragg. O ponto gerado na superfície da
esfera corresponde a uma reflexão hkl e a linha que liga esse ponto à origem da rede recíproca
tem comprimento igual a 1/dhkl, onde dhkl é o espaço interplanar na rede para aquela reflexão.
Assim, de acordo com a rotação do cristal durante o experimento de difração, diversos planos
de rede são expostos aos raios X incidentes e diversas reflexões são interceptadas pela esfera
de Ewald, isto é, são difratadas. Dessa forma, para uma dada orientação do cristal em relação
ao feixe de raios X incidente é possível dizer qual ponto da rede recíproca e qual reflexão de
Bragg será observado (GLUSKER et.al., 1994; TILLEY, 2006; WASEDA et.al., 2011).
Figura 6 – Esfera de Ewald (CLEGG et.al., 2009).
A elucidação de uma estrutura cristalina através da difração de raios X por monocristal
pode ser obtida de forma semelhante à imagem de um objeto que é obtida por um microscópio
óptico, pois o fundamento para se visualizar o objeto usando raios X é similar aos utilizados
em um microscópio óptico comum. Em um microscópio óptico, a luz é espalhada pelo objeto
e uma sombra é projetada na tela. Ao mesmo tempo em que a sombra é projetada na tela, as
lentes objetivas reúnem e focam os feixes de luz que foram difratados e como resultado
observa-se uma imagem real e amplificada do objeto em estudo. Portanto, em um microscópio
óptico não há a necessidade de gravar o padrão de difração da luz, pois as lentes fazem a
recombinação das ondas espalhadas mantendo a relação entre suas fases (GLUSKER et.al.,
1994; HASEGAWA, 2012).
No entanto, em um experimento de difração de raios X o padrão de difração, o qual
contém informações sobre a posição e a intensidade dos pontos de difração, deve ser gravado
13
por um detector, pois não há lentes para focar a radiação espalhada, uma vez que não há
material apropriado para a construção dessas lentes (GLUSKER et.al., 1994; HASEGAWA,
2012). Dessa forma, a recombinação dos feixes de raios X que são difratados deve ser feita
utilizando um artifício matemático (o qual é feito pelas lentes objetivas em microscópio
óptico) denominado Síntese de Fourier. Essa recombinação da radiação não pode ser feita
diretamente porque durante um experimento de difração de raios X as fases das ondas
difratadas são perdidas, uma vez que o detector é sensível apenas à intensidade das ondas e
não possui sensibilidade para guardar a relação de fase entre elas. Essa falta de informação
sobre a fase ficou conhecido na cristalografia como o problema da fase. Entretanto, assim que
a relação entre as fases dos feixes difratados for derivada, estimada, deduzida ou medida
indiretamente pode-se construir uma imagem do material (cristal) que causou a difração,
determinando-se então sua estrutura cristalina (GLUSKER et.al., 1994; GLUSKER;
TRUEBLOOD, 2010; HASEGAWA, 2012).
1.3 Tópicos em solução e refinamento da estrutura cristalina
Como os elétrons são fontes espalhadoras de raios X, o espalhamento de raios X
depende do número de elétrons, ou do número atômico Z do átomo. Assim, quanto maior o
número atômico do átomo, maior será seu poder de espalhamento. A magnitude de
espalhamento é dada pelo fator de estrutura atômico, ou fator de espalhamento atômico, fa, e é
função do ângulo de difração, sen θ/λ (GLUSKER; TRUEBLOOD, 2010; TILLEY, 2006).
Muitos fatores influenciam a intensidade do padrão de difração, por exemplo, o
tamanho do cristal e a temperatura. Mas o fator de estrutura, F(hkl), depende apenas da
estrutura do cristal, ou seja, do arranjo e dos tipos de átomos na rede cristalina. O fator de
estrutura está relacionado com a intensidade, I (hkl), total da radiação espalhada por uma cela
unitária, isto é, pela soma das ondas espalhadas por todos os átomos presentes na cela
unitária. A expressão abaixo mostra que a intensidade da difração é igual ao quadrado da
amplitude (CLEGG et.al., 2009; TILLEY, 2006):
|F(hkl)|2 = I (hkl), (2)
onde |F(hkl)| é a amplitude da reflexão de Bragg e I (hkl) é a intensidade.
O fator de estrutura pode ser expresso pela equação (3) onde há N átomos na cela
unitária, e a posição de um determinado átomo j é dada pelas coordenadas fracionárias
14
( e tem fator de espalhamento atômico igual a . Os fatores de estrutura são
descrições matemática do padrão de difração, onde cada feixe difratado em relação a um
plano (hkl) é representado por um fator de estrutura com amplitude |F(hkl)| e fase intrínseca
(CLEGG et.al., 2009; TILLEY, 2006).
F(hkl) = ∑ ( )
(3)
O principal objetivo da determinação estrutural através da cristalografia de raios X é
obter a imagem ou estrutura cristalina contida no cristal por meio do padrão de difração.
Como já foi mencionada anteriormente, a difração de raios X é causada pela interação entre a
radiação e os elétrons contidos nos átomos, ou seja, a densidade eletrônica . Como o cristal é
um arranjo periódico dos átomos que se propaga tridimensionalmente, a densidade eletrônica
, também é periódica, pois o modelo atômico atual assume que o átomo está localizado onde
a densidade eletrônica é máxima. Dessa maneira, a densidade eletrônica pode ser escrita em
termos dos fatores de estrutura (equação 4) onde o somatório é feito sobre todos os fatores de
estrutura e V é o volume da cela unitária (CLEGG et.al., 2009; GLUSKER et.al., 1994;
TILLEY, 2006).
(
∑ ( (
(4)
A equação 4 mostra que a densidade eletrônica pode ser calculada a partir dos fatores
de estrutura, no entanto, a equação 2 fornece apenas o valor absoluto do fator de estrutura,
mas esse fator geralmente é definido como um número complexo F(hkl) = |F(hkl)| .
Portanto, a densidade eletrônica não pode ser calculada diretamente devido à perda da
informação da fase durante o experimento de difração (problema da fase). Além disso,
observa-se que a Eq. (3) e Eq. (4) são matematicamente similares, pois a Eq. (3) transforma a
densidade eletrônica (na forma de fator de espalhamento atômico) no fator de estrutura,
enquanto que a Eq. (4) transforma novamente o fator de estrutura na densidade eletrônica,
essas equações são conhecidas como Transformadas de Fourier. É através da transformada de
Fourier que um cristalógrafo consegue construir o mapa de densidade eletrônica, ou seja, é
uma função matemática que relaciona as reflexões de Bragg (feixes de difração) com o mapa
de densidade eletrônica. Portanto, é através desse caminho matemático que a imagem é
construída (CLEGG et.al., 2009; GLUSKER et.al., 1994; HASEGAWA, 2012).
Para resolver ou elucidar a estrutura cristalina de um composto no estado cristalino é
necessário obter a fase de cada reflexão de Bragg, a fim de construir o mapa de densidade
15
eletrônica. Nesse sentido, não há uma maneira geral de resolver o problema da fase, mas há
alguns métodos matemáticos que permitem encontrar esse conjunto de fases. Um dos métodos
mais utilizados é conhecido como Métodos Diretos. Os Métodos Diretos têm sido bastante
utilizados na resolução de estruturas de pequenas moléculas (moleculares ou inorgânicas)
onde as fases são obtidas diretamente a partir dos dados experimentais (|F(hkl)|). Nessa
metodologia, as fases são derivadas por um método estatístico baseado em alguns fatos: (1) a
densidade eletrônica é sempre positiva, (2) na posição atômica a densidade eletrônica consiste
de picos isolados e agudos (FERNANDES et.al., 2012; GLUSKER et.al., 1994; TILLEY,
2006).
Nos Métodos Diretos as fases são obtidas a partir dos valores dos fatores de estrutura
normalizados e então, um mapa de densidade eletrônica é calculado a partir dessas fases
obtidas e o arranjo atômico é procurado no mapa resultante. Os Métodos Diretos estão
implementados em programas computacionais como o SHELXS, o qual realiza a resolução da
estrutura de forma bem eficiente e em curto espaço de tempo (MESSERSCHMIDT, 2007).
Maiores informações sobre os métodos diretos podem ser encontradas nas referências
CLEGG et.al., 2009 e GLUSKER; TRUEBLOOD, 2010.
Além dos Métodos Diretos, há outros métodos que são utilizados para resolver o
problema da fase. O método de Patterson utiliza a amplitude como coeficiente de Fourier, que
é o fator de estrutura elevado ao quadrado (|F(hkl)|2), não utilizando portanto, nenhuma
informação sobre a fase, resultando no mapa de Patterson, o qual fornece representações
vetoriais sobre os conteúdos da cela unitária. Esse método, geralmente é utilizado na
resolução de estrutura que contém átomos pesados, pois átomos pesados são localizados
através do mapa de Patterson e as fases de toda a estrutura são aproximações das fases dos
átomos pesados. Outro método é o de substituição isoestrutural. Esse método é utilizado para
cristais de macromoléculas como as proteínas. Nesse método as fases são estimadas através
das comparações de intensidade entre cristais isoestruturais que diferem apenas na identidade
de poucos átomos. A utilização de cada um desses métodos para resolver o problema da fase
depende do objeto de estudo e também de bons dados de difração (GLUSKER et.al., 1994;
HASEGAWA, 2012; MESSERSCHMIDT, 2007).
A obtenção primária do mapa de densidade eletrônica não significa que a estrutura
está completamente elucidada. Portanto, após a obtenção do mapa de densidade eletrônica há
a necessidade de realizar o refinamento da estrutura resolvida a fim de obter um modelo
16
molecular que apresente parâmetros com valores apropriados. Cada átomo do modelo (cela
unitária) possui nove parâmetros a serem refinados: três coordenadas atômicas (x,y,z) e seis
parâmetros de deslocamento anisotrópico. O refinamento de uma estrutura cristalina pode ser
definido como um processo iterativo que tem como objetivo alterar o modelo molecular a fim
de aumentar a sua concordância com os dados de difração. Uma vez terminado o refinamento
da estrutura cristalina, é preciso fazer a validação dessa estrutura para posterior publicação. O
refinamento da estrutura é uma etapa muito importante na determinação estrutural de fases
cristalinas e deve ser realizado pelas seguintes razões: aperfeiçoar as fases obtidas a fim de
obter um mapa de densidade eletrônica mais próximo do real, verificar se a estrutura obtida é
quimicamente correta e obter melhores parâmetros para o modelo molecular construído
(CLEGG et.al., 2009, HASEGAWA, 2012; MÜLLER, 2009).
O método dos mínimos quadrados (MQ) é muito utilizado no refinamento de pequenas
moléculas para encontrar o melhor ajuste do modelo molecular. Os parâmetros aperfeiçoados
por esse método são melhorados na medida em que a soma dos quadrados dos desvios entre
os valores observados e calculados são minimizados. Isso pode ser observado pela seguinte
expressão (MÜLLER et.al., 2006):
M = ∑ w (Fo2 – Fc
2)2 (5)
A Eq. 5 mostra que durante o refinamento da estrutura o método dos mínimos
quadrados busca minimizar o valor de M, encontrado assim o modelo mais adequado. Nessa
expressão, w é um fator peso ou fator de ponderação atribuído a cada fator de estrutura e
reflete a confiança depositada em cada fator de estrutura medido; Fo é o fator de estrutura
observado (dado experimental) e Fc é o fator de estrutura calculado a partir do modelo
molecular.
A avaliação do modelo molecular pode ser realizada através de fatores residuais,
conhecidos como fatores-R. Esses fatores mostram a concordância entre os valores
observados e calculados para o modelo. Valores grandes desses fatores indicam que há um
problema no refinamento da estrutura, enquanto que valores mínimos mostram que o
refinamento tem convergido para um melhor modelo. Os três fatores-R mais utilizados são:
wR, R e S (GLUSKER et.al., 1994; MÜLLER et.al., 2006).
O fator wR está relacionado com o refinamento baseado no quadrado dos fatores de
estruturas:
wR = ∑ (
∑ (6)
17
em que o fator de ponderação w = 1/σ, onde σ é a incerteza padrão.
O índice residual R não possui o fator peso, w, em sua expressão e mostra a
concordância entre a amplitude da estrutura observada e a amplitude da estrutura calculada a
partir do modelo molecular (MÜLLER et.al., 2006).
R = ∑(| | | |
∑ (7)
O fator S, também chamado de GooF ( goodness of it) deve ser próximo de 1 e pode
ser expresso da seguinte forma (MÜLLER et.al., 2006):
S = ∑ (
( , (8)
onde NR corresponde ao número de reflexões independentes e NP é o número de parâmetros
refinados.
Para o refinamento de estruturas cristalinas há diversos programas, sendo o SHELXL
um dos softwares mais populares no meio cristalográfico (SHELDRICK, 2008). O uso do
SHELXL é feito por meio de um programa de interface gráfica, sendo um do mais utilizados
o WingX de Louis Farrugia. Para o uso do programa de refinamento SHELXL é necessário a
utilização de dois arquivos: o arquivo de instrução dos átomos (name.ins) e o arquivo dos
dados de reflexão (name.hkl). O arquivo de instrução contém dados do cristal, instruções de
refinamento e coordenadas atômicas. O arquivo name.hkl contém h, k, l (coordenadas
recíprocas das reflexões), F2 (intensidades das reflexões) e suas incertezas (σF
2). Após o
refinamento são gerados outros arquivos de saída, sendo o arquivo name.cif (arquivo de
informações cristalográficas) aquele que contém todas as informações inerentes ao
refinamento da estrutura, autoria, valores de ligações e etc. Esse arquivo é utilizado para a
validação da estrutura após o término do refinamento e é a interface entre o cristalógrafo e o
autor da publicação cientifica (MÜLLER et.al., 2006).
Por fim, bons parâmetros estatísticos não são sinônimos de se obter um modelo
coerente da estrutura cristalina, para isso após o modelo cristalográfico ser obtido e validado é
preciso que ele apresente sentido químico. Dessa forma, analises geométricas da molécula,
conformação e estudos supramoleculares (interações intermoleculares) podem ser realizados
com grande confiança nos resultados. Portanto, a cristalografia de raios X fornece ferramentas
para a caracterização, elucidação e entendimento da relação estrutura-propriedade dos
compostos cristalinos.
18
1.4 Modificações cristalina e engenharia de cristais
Insumos farmacêuticos ativos (API) são geralmente administrados no estado sólido,
uma vez que esse estado fornece um formato mais conveniente e compacto para armazenar o
fármaco (AAKERÖY, et.al., 2007). Além disso, sólidos farmacêuticos são desejáveis devido
ao fácil manuseio e baixo custo de produção e armazenamento (BANERJEE et.al., 2005).
Os sólidos farmacêuticos podem apresentar diversas formas sólidas, onde cada uma
dessas formas podem exibir propriedades físico-químicas únicas como morfologia,
estabilidade, biodisponibilidade e solubilidade. Um importante aspecto durante o
desenvolvimento farmacêutico de um fármaco é selecionar qual forma sólida é a melhor
candidata para ser utilizada em testes clínicos e farmacotécnicos, uma vez que o sólido
farmacêutico deve apresentar as propriedades farmacológicas desejáveis. Com o intuito de
modificar e aperfeiçoar as propriedades de sólidos farmacêuticos utilizam-se polimorfos
verdadeiros (conformacional e orientacional) e também cristais moleculares
multicomponentes, como sais de fármacos, solvatos, hidratos e co-cristais (AAKERÖY et.al.,
2007; AITIPAMULA et.al., 2012; BANERJEE et.al., 2005; MARTINS, 2010).
O polimorfismo pode ser definido como a habilidade de uma substância existir em
duas ou mais fases cristalinas distintas que possuem diferentes arranjos arquitetônicos das
moléculas (polimorfismo orientacional), ou seja, ocorre um empacotamento diferente das
moléculas na rede cristalina. Quando a molécula não é rígida, isto é, apresenta alguma cadeia
que é flexível, elas podem apresentar diferentes arranjos conformacionais (polimorfismo
conformacional) e juntamente com a modificação nesses arranjos arquitetônicos ocorrem
modificações nas propriedades do estado sólido desse API (BRITTAIN, 1999; MARTINS,
2010).
Muitos candidatos a fármacos não apresentam certas propriedades do estado sólido
que são ligadas ao perfil farmacológico, como a biodisponibilidade e a solubilidade. No
sentido de aperfeiçoar as propriedades desses sólidos farmacêuticos, novas formas cristalinas
são investigadas, como os cristais moleculares multicomponentes. Os solvatos são preparados
através da inclusão de algumas moléculas orgânicas ou inorgânicas à estrutura cristalina do
sólido farmacêutico. Já os hidratos são preparados através da incorporação de moléculas de
água à rede cristalina do fármaco. Os co-cristais são preparados através de modificações
cristalinas em que fármacos e outras espécies moleculares chamadas de agentes de co-
19
cristalização cristalizam-se juntas, nesse caso as espécies devem ser neutras. Os sais
farmacêuticos são semelhantes aos co-cristais, tendo como diferença a existência de carga nas
espécies formadoras do cristal. A Figura 7 mostra as possíveis formas cristalinas de um
insumo farmacêutico ativo. Essas modificações na formulação de insumos farmacêuticos
ativos tem sido de grande interesse da indústria farmacêutica, uma vez que é muito importante
sustentar a propriedade intelectual sobre todas as fases cristalinas possíveis de seu produto e
também de produzir um medicamento com propriedades físico-químicas incrementadas, tais
como estabilidade, solubilidade e biodisponibilidade (BRITTAIN, 1999; MARTINS, 2010;
VISHWESHWAR, et.al., 2005).
Figura 7 – Possíveis formas cristalinas de insumos farmacêuticos ativos: (a) fármaco puro; (b) polimorfo do
fármaco; (c) clatrato; (d) hidrato/solvato; (e) sal de fármaco e (f) co-cristal (SHAN; ZAWOROTKO, 2008).
A engenharia de cristais moleculares é uma abordagem que tem sido muito utilizada
nos últimos anos na busca e planejamento de novas formas cristalinas. Ela pode ser descrita
como o planejamento racional de novas fases sólidas através da exploração de interações não
covalentes de espécies moleculares ou iônicas. Desse modo, a engenharia de cristais engloba
alguns aspectos, tais como interações intermoleculares no estado sólido, predição de
estruturas e síntese de materiais cristalinos. Ela é baseada na síntese supramolecular racional,
o que consiste na investigação de características físico-químicas relacionadas à estruturação
de novas formas sólidas a partir de moléculas conhecidas (BLAGDEN et.al., 2007).
20
Dentro do planejamento racional de cristais moleculares, muitos fatores devem ser
levados em consideração na tentativa de obter condições termodinâmicas favoráveis para o
processo de cristalização de diferentes espécimes cristalinos, tais como polimorfos
verdadeiros e cristais moleculares multicomponentes. Uma análise minuciosa de
características químico-estruturais e reconhecimento de padrões supramoleculares de
interações químicas entre candidatos a componente de uma modificação cristalina deve ser
feita (BLAGDEN et.al., 2007; BRITTAIN, 1999; MARTINS, 2010; VISHWESHWAR et.al.,
2005). A ideia de identificar padrões de interações específicas leva diretamente ao conceito de
sínton supramolecular. O termo ―sínton supramolecular‖ foi introduzido por Desiraju e refere-
se ―à menor unidade estrutural dentro da qual está codificada toda a informação inerente ao
reconhecimento mútuo das moléculas para produzir supermoléculas, isto é, cristais‖ (BHATT
et.al., 2009; REDDY et.al., 1996).
O planejamento racional e a preparação de sais ou co-cristais farmacêuticos é um
processo de várias etapas, conforme mostrado na Fig. 8.
Figura 8 – Etapas de planejamento e preparação de sais ou co-cristais (QIAO et.al., 2011).
O primeiro passo para a preparação de um sal ou co-cristal é selecionar o fármaco
desejado e estudar sua estrutura molecular a fim de identificar grupos funcionais que podem
participar de interações intermoleculares com contra-íons apropriados. Essas interações
intermoleculares incluem ligação de hidrogênio (mais comum), interações de van der Waals e
contatos do tipo π•••π. A segunda etapa é selecionar o contra-íon ou agente formador do
sal/co-cristal. O principal requisito nessa etapa é que ele seja farmacêuticamente aceito. Além
disso, o contra-íon deve apresentar grupos funcionais que sejam complementares àqueles do
21
fármaco, aumentando assim, a chance de formar um sínton supramolecular (homosínton ou
heterosínton) que poderá levar à formação do cristal. Durante o planejamento de síntese
supramolecular é necessário pesquisar em fontes teóricas ou empíricas (terceira etapa), pois
isso possibilitará um melhor entendimento da química supramolecular. O Banco de Dados
Estruturais de Cambridge (CSD) fornece dados importantes e úteis sobre síntons
supramoleculares, conformações e interações intermoleculares em cristais. A ligação de
hidrogênio é uma funcionalidade supramolecular que desempenha um papel muito importante
no direcionamento de eventos de reconhecimento molecular (formação do sínton) entre o
fármaco e o agente de formação do sal ou co-cristal. Estudos revelam que grupos funcionais
como, ácido carboxílico, amida, álcool e piridina são susceptíveis à formação de síntons
supramoleculares robustos (BLAGDEN et.al., 2007; QIAO et. al., 2011; SHAN;
ZAWOROTKO, 2008). Ainda, é importante verificar se as estruturas do fármaco e contra-íon
possuem bons grupos doadores e receptores de ligação de hidrogênio, uma vez que são usados
no planejamento de interações intermoleculares em sólidos, e também, analisar a conformação
e estereoquímica dos componentes constituintes do cristal. Portanto, essas funcionalidades
supramoleculares devem ser levadas em consideração durante a predição da viabilidade de
cristais moleculares ocorrerem. Outro parâmetro que pode ser utilizado nessa etapa de
planejamento de sais ou co-cristais de fármacos é o pKa (constante de dissociação ácida), pois
ele tem sido utilizado para predizer a possível formação de um sal ou co-cristal. Para a
formação de sais de fármacos a diferença de pKa entre o fármaco e o contra-íon deve ser
maior que três unidades, ou seja, ΔpKa > 3. Se o produto desejado é um co-cristal a diferença
de pKa deve ser geralmente menor do que três unidades, isto é, ΔpKa < 3 (MARTINS, 2010;
QIAO et.al., 2011).
O quarto passo consiste num método sistemático de cristalização, onde as condições
de cristalização são definidas laboratorialmente e podem ser variadas a fim de aumentar as
chances de se obter o cristal desejado. Nessa etapa, diferentes solventes podem ser utilizados,
pode-se mudar a taxa de evaporação da matriz de cristalização, temperatura, entre outros
parâmetros. A formação de cristais pode ser alcançada através da evaporação lenta de uma
solução contendo quantidades estequiométricas dos componentes (fármaco e agente formador
do sal ou co-cristal). Dessa maneira, a formação de uma modificação cristalina é um processo
espontâneo, onde a nucleação é uma etapa limitante desse procedimento. A nucleação é um
processo de estruturação molecular onde um número crítico de moléculas é necessário para
22
alcançar a mudança de fase entre uma solução supersaturada e um cristal (fase sólida)
(BLAGDEN et.al., 2007). Uma vez que a nucleação foi atingida, inicia-se o crescimento do
cristal, onde cristalitos medindo nanômetros levam à formação do cristal com forma e
tamanho bem definido (BLAGDEN et.al., 2007; MARTINS, 2010). Após a obtenção do
cristal desejado, a condição de cristalização que obteve sucesso pode ser repetida a fim de
aumentar a quantidade de amostra do sal ou co-cristal do fármaco para posterior
caracterização (quinto passo). A caracterização do sal ou co-cristal do API é realizada com o
objetivo de investigar suas propriedades físico-químicas e estruturais. A caracterização dessa
nova modificação cristalina pode ser feita através de diversos métodos como a difração de
raios X por pó e por monocristal, as quais permitem a identificação e elucidação estrutural de
sólidos farmacêuticos. A última etapa do planejamento racional e preparação de sais ou co-
cristais de fármacos consiste em avaliar o desempenho da nova modificação cristalina. Esse
desempenho pode ser verificado através de ensaios sobre a solubilidade, taxa de dissolução
(teste in vitro) e biodisponibilidade (teste in vivo). A solubilidade é uma característica chave e
está relacionada à eficácia farmacêutica de uma fase sólida.
1.5 Solubilidade
Uma solução é o resultado de uma mistura homogênea entre um soluto e um solvente.
A solubilidade de um determinado composto é determinada através da dissolução de um
soluto em um determinado solvente em condições de temperatura e pressão específicas. A
definição de solubilidade pode ser enunciada como a concentração máxima de soluto
dissolvida em um determinado volume de solvente, ou seja, a concentração do soluto em uma
solução saturada, onde a solução está em equilíbrio com o excesso de soluto não dissolvido
macroscopicamente, em temperatura e pressão explicitadas, devido à igualdade das
velocidades de dissolução e agregação (SILVA et.al., 2004).
A solubilidade é um fenômeno regido pelas interações intermoleculares entre as
partículas constituintes do soluto e do solvente. Nesse sentido, há alguns fatores que são
importantes na determinação da solubilidade, tais como: tamanho e carga da partícula
(molecular ou iônico), forças dispersivas e dipolares, ligações de hidrogênio e temperatura
(MARTINS et.al., 2010a).
23
A solubilidade de um sal em água depende da energia de dissolução. A energia livre
de dissolução pode ser dada por:
ΔGsol = ΔG(soluto-solvente) + ΔG (soluto-soluto) + ΔG(solvente-solvente), (9)
assumindo que as interações (solvente-solvente) são desprezíveis quando comparadas com as
interações (soluto-soluto) e (soluto-solvente), o processo de dissolução de um sal dependerá
de dois fatores: o primeiro que não é favorável ao processo de dissolução, a energia de rede
(ΔGrede); e outro que é favorável ao processo de dissolução que corresponde à energia de
hidratação (ΔGhid) ou de solvatação (ΔGsolv) caso o solvente não seja água. A energia de rede,
ΔGrede, corresponde à energia envolvida na formação de um gás de íons ou moléculas a partir
do sólido cristalino (interação soluto-soluto), enquanto que a energia de hidratação se refere à
energia envolvida na hidratação dos íons ou moléculas onde esses são rodeados por moléculas
de água, constituindo assim, a energia de interação entre o soluto e o solvente (SILVA et.al.,
2004). Portanto, a energia livre de solução pode ser escrita como:
A equação 10 mostra que a energia livre de Gibbs de solução (ΔGsol), depende da
interação que é formada entre as moléculas de soluto e solvente (ΔGhid) e das interações
intermoleculares presentes no retículo cristalino (ΔGrede). Dessa maneira, a energia de
hidratação corresponde à energia liberada na formação das interações soluto-solvente,
enquanto que a energia de rede corresponde à energia absorvida para separar os íons do
retículo cristalino para uma distância infinita (estado gasoso). Nesse contexto, essa equação
permite dizer que um sal será dissolvido (processo espontâneo, ΔG < 0) quando a energia de
hidratação superar a energia de rede, e quanto maior for a diferença entre essas duas energias,
mais solúvel será o sal (MARTINS et.al., 2010a; SILVA et.al., 2004). Este balanço
energético está ilustrado na Fig. 9.
(10)
24
Figura 9 – Processo de dissolução espontânea de um sal em água (MARTINS et.al., 2010a).
1.6 Fármaco anti-HIV: Lamivudina
A lamivudina (β-L-2’,3’-didesoxi-3’-tiocitidina) é um fármaco que pertence à série de
inibidores nucleosídeos da enzima transcriptase reversa (INTR), e é amplamente utilizado no
tratamento do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e do vírus da hepatite tipo B (VHB)
(COATES et.al., 1992; CHANG et.al., 1992; MOORE et.al., 2007). Lamivudina é um
análogo da citidina caracterizada por uma substituição isostérica do grupo 3’-metileno por um
átomo de enxofre. Esse fármaco possui dois carbonos quirais, a saber, C1’ e C4’, cujas
configurações absolutas são S e R, respectivamente. Como consequência de sua quiralidade,
todas as estruturas cristalinas conhecidas de lamivudina foram resolvidas nos grupos espaciais
não centrossimétricos. Além disso, esse insumo farmacêutico tem a capacidade de cristalizar
em diferentes fases do estado sólido com pequenas moléculas distintas formando co-cristais,
sais, solvatos e até mesmo estruturas que imitam o pareamento e empilhamento helicoidal da
molécula do ácido desoxirribonucleico (DNA). Até o momento pelo menos doze estruturas
cristalinas de lamivudina já foram reportadas, a saber:
25
1) forma I, um 0,2-hidrato de lamivudina, cuja estrutura cristalina pertence ao grupo
espacial ortorrômbico P212121 e possui uma molécula de água para cada cinco
moléculas de lamivudina na cela unitária (HARRIS et.al.,1997).
2) forma II, um polimorfo anidro com apenas uma molécula de lamivudina por
unidade assimétrica o qual cristaliza no grupo espacial tetragonal P43212 (HARRIS
et.al.,1997).
3) um sacarinato de lamivudina que cristaliza no grupo espacial ortorrômbico P212121
com proporção estequiométrica 1:1 (BANERJEE et.al., 2005).
4) um 3,5-dinitrosalicilato de lamivudina, cuja estrutura cristalina pertence ao grupo
espacial monoclínico P21 e contém uma molécula neutra de lamivudina, um cátion
(lamivudina+), um ânion (3,5-dinitrosalicilato
-) e uma molécula de água na unidade
assimétrica (BHATT et.al., 2009).
5) um co-cristal entre 4-quinolinona e lamivudina com estequiometria 1:1 (grupo
espacial P21) (BHATT et.al., 2009).
6) um co-cristal monoidratado de lamivudina e zidovudina cristalizando no grupo
espacial P21 e contendo uma molécula de lamivudina, uma molécula de zidovudina
e uma molécula de água por unidade assimétrica (BHATT et.al., 2009).
7) um hidrogenomaleato de lamivudina com estequiometria 1:1, cuja estrutura
cristalina pertence ao grupo espacial ortorrômbico P212121 e que foi preparado
baseado na existência de um sacarinato de lamivudina (MARTINS et.al., 2009).
8) duplex I, uma estrutura de dupla hélice de lamivudina similar ao de ácidos
nucleicos, a qual cristaliza no grupo espacial monoclínico P21 contendo quatro
moléculas do fármaco protonadas, quatro moléculas neutras do fármaco, quatro
moléculas de água, dois contra-íons hidrogenomaleato, dois ânions cloreto e uma
molécula de isopropanol na unidade assimétrica cristalográfica (MARTINS et.al.,
2010b).
9) forma III, um hemidrato de lamivudina contendo quatro moléculas do fármaco e
duas moléculas de água por cela unitária cristalizando no grupo espacial
monoclínico P21 (BHATTACHARYA et.al., 2010).
10) duplex II, um 0,67 hidrato de lamivudina cuja estrutura cristalina cristaliza no
grupo espacial hexagonal P64 com três moléculas do fármaco e duas moléculas de
água na unidade assimétrica cristalográfica e forma outra dupla hélice de
26
lamivudina através da sobreposição helicoidal dos pares do fármaco (ELLENA
et.al., 2012a).
11) um cloridrato de lamivudina, o qual cristaliza no grupo espacial monoclínico P21 e
possui uma molécula de lamivudina protonada e um ânion cloreto na cela unitária
cristalográfica(ELLENA et.al., 2012b).
12) um cloridrato de lamivudina monoidratado contendo uma molécula de lamivudina,
uma molécula de água e um ânion cloreto na unidade assimétrica cristalográfica,
cuja estrutura cristalina cristaliza no grupo espacial monoclínico P21 (ELLENA
et.al., 2012b).
1.7 Objetivos
O objetivo principal desta dissertação de mestrado foi preparar novas modificações
cristalinas do fármaco antirretroviral INTR lamivudina e determinar suas estruturas no estado
sólido usando difração de raios X por monocristal. A pesquisa destas novas fases cristalinas
foi fundamentada na isoestruturalidade ao maleato de lamivudina, uma vez que esse sal foi
obtido através de um planejamento racional baseado na existência de um sacarinato de
lamivudina. A seleção dos contra-íons utilizados nesse trabalho, a saber, ácido ftálico, ácido
salicílico e ácido 4,5-dicloroftálico, foi baseada nas similaridades estruturais entre eles e o
ácido maléico. No contexto de sínton supramolecular, a lamivudina possui múltiplos grupos
doadores e receptores de ligação de hidrogênio para serem invocados para o planejamento
racional e síntese de novos sais ou co-cristais (MARTINS, 2010; BLAGDEN et.al., 2007).
Essa estratégia tem rendido vários co-cristais e sais de insumos farmacêuticos ativos que
possuem nitrogênio-heterocíclico como a lamivudina através da escolha adequada de ácidos
carboxílicos como formadores de sal/co-cristal. Outro objetivo foi determinar a solubilidade
em água das modificações cristalinas de lamivudina obtidas nesse estudo e correlacioná-la
com as características estruturais elucidadas pela técnica de DRXM.
27
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Reagentes e amostras dos fármacos
Os solventes utilizados foram água deionizada e isopropanol (grau analítico P.A.
Vetec®). Os agentes formadores de sais foram ácido ftálico (grau analítico P.A. Vetec®) e o
ácido 4,5-dicloroftálico (grau analítico P.A. Vetec®). O fármaco utilizado foi a lamivudina
(2,5 g, Farmanguinhos-FIOCRUZ, pureza de 99,55 ± 0,07 mol% e temperatura de fusão 175,6
± 0,3 °C de acordo com a especificação ASTM E928). O fármaco usado foi previamente
analisado por difração de raios X por monocristal e por difração de raios X por pó. Após essa
análise verificou-se que a forma polimórfica do fármaco utilizada nos ensaios se tratava da
forma II.
Figura 10 – Estruturas químicas de lamivudina e agentes formadores de sal.
2.2 Preparações dos sais do fármaco lamivudina
As massas do fármaco e dos agentes formadores dos sais foram pesadas em balanças
analíticas, da mesma forma o volume de solvente e das soluções foram devidamente medidos
utilizando pipetas graduadas convencionais. As matrizes de cristalização foram acomodadas
em recipientes de vidro conhecidos como ―frascos de penicilina‖, os quais possuem em torno
de 5 cm de altura e 1,5 cm de diâmetro. Esses frascos não foram vedados durante o período de
repouso. As modificações cristalinas, a saber, biftalato de lamivudina, biftalato de lamivudina
28
hemidratado, 4,5-diclorobiftalato de lamivudina e salicilato de lamivudina monoidratado
foram sintetizadas através dos procedimentos descritos a seguir:
1) Dissolução de lamivudina (10mg, 0,04 mmol da forma II, cuja autenticidade e
pureza foi previamente checada por difração de raios X por monocristal e por pó)
em álcool isopropílico (5mL) à temperatura de 45°C, sob agitação, por 5 minutos.
2) Repouso da solução até alcançar a temperatura ambiente.
3) Adição do adjuvante de cristalização em proporção equimolar (7 mg de ácido
ftálico, 7 mg de ácido salicílico ou 10 mg de ácido 4,5-dicloroftálico) à solução de
lamivudina preparada em 1), em seguida, agitação da mistura até dissolução
completa do agente formador do sal. Para a preparação do biftalato de lamivudina
hemidratado foi feita a adição de 1,5 mL de água deionizada e depois agitação da
mistura até a completa dissolução do agente formador do sal.
4) Repouso da solução à temperatura ambiente até a completa evaporação da matriz
solvente.
Através dos procedimentos descritos nesta seção foi possível obter quantidades entre 5
mg e 14 mg das modificações cristalinas. Foram obtidos cristais de biftalato de lamivudina e
de 4,5-diclorobiftalato de lamivudina na forma de prismas. Já os cristais do salicilato de
lamivudina e do biftalato de lamivudina hemidratado eram como agulhas. A fim de se obter
quantidades suficientes para a caracterização pela técnica de difração de raios X por pó e para
os ensaios de solubilidade, repetiram-se as condições e métodos envolvidos. Porém, antes da
mistura dos materiais obtidos de diferentes repetições, dois monocristais de cada frasco foram
selecionados e tiveram suas dimensões de cela determinadas pela difração de raios X por
monocristal. Caso a amostra fosse homogênea e os parâmetros de cela unitária desses cristais
fossem concordantes com os valores determinados para as estruturas das modificações
cristalinas em questão, os materiais eram então agrupados.
2.3 Difração de raios X por monocristal (DRXM)
Os dados para a determinação das estruturas das modificações cristalinas sintetizadas
foram coletados à temperatura ambiente (298±2 K) no caso do biftalato de lamivudina e do
4,5-diclorobiftalato de lamivudina e à baixa temperatura no salicilato de lamivudina
monoidratado (107±2 K) e no biftalato de lamivudina hemidratado (120±2 K). Os dados de
29
difração de raios X do salicilato de lamivudina monoidratado tiveram baixa intensidade
mesmo em média resolução devido às pequenas dimensões do cristal, por isso o experimento
foi realizado à baixa temperatura. Já no caso do biftalato de lamivudina hemidratado o
experimento de DRXM foi realizado à baixa temperatura devido à baixa qualidade dos cristais
deste sal.
Os cristais das modificações cristalinas preparadas foram selecionados para o
experimento de DRXM e tiveram seus parâmetros de cela unitária determinados. Após a
indexação das celas unitárias, foi feito uma estratégia de coleta para cada amostra e em
seguida, os dados do experimento de DRXM foram coletados. Para o biftalato de lamivudina
e para o 4,5-diclorobiftalato de lamivudina, um feixe de raios X monocromatizado por grafite
(MoKα, λ = 0,71073 Å) foi empregado utilizando-se um difratômetro Kappa-CCD com um
gerador FR590. No caso do salicilato de lamivudina monoidratado, os dados de difração de
raios X foram medidos em um difratômetro Gemini A-Ultra equipado com um detector Atlas
CCD. Neste caso, a radiação CuKα monocromada por grafite (λ = 1,54184 Å) foi utilizada, e
uma correção por absorção do tipo multi-scan foi aplicada ao conjunto de dados brutos (razão
entre fatores de transmissão mínimo e máximo de 0,668). Para o biftalato de lamivudina
hemidratado, os dados de difração de raios X foram medidos após exposição à radiação
MoKα de uma microfonte IμS com monocromador de espelhos em multicamadas utilizando-
se um difratômetro Kappa Duo Bruker-AXS e um detector APEX II CCD. Uma correção por
absorção do tipo multi-scan também foi aplicada nessa amostra com razão entre fatores de
transmissão mínimo e máximo de 0,745.
Os dados da difração de raios X foram tratados como segue: refinamento de cela e
redução dos dados com conjunto de programas HKL Denzo-Scalepack (OTWINOWSKI;
MINOR, 1997) para o biftalato de lamivudina, 4,5-diclorobiftalato de lamivudina, CrysAlis
PRO (CrysAlis CCD, 2006) para o salicilato de lamivudina monoidratado, e com os
programas Bruker SAINT e SADABS (SADABS, 2009) para o biftalato de lamivudina
hemidratado. A resolução das estruturas das modificações cristalinas preparadas foi feita
através dos métodos diretos de recuperação de fase com o programa SHELXS-97
(SHELDRICK, 2008). O refinamento dessas estruturas foi realizado pelo método dos
mínimos quadrados de matriz completa utilizando o quadrado dos fatores de estrutura com o
programa SHELXL-97 (SHELDRICK, 2008). Os programas utilizados na resolução e
refinamento das estruturas reportadas nesse trabalho foram acessados por meio da interface de
30
programas de cristalografia WinGX (FARRUGIA, 1999). Posições fixas e parâmetros
térmicos isotrópicos fixos [Uiso(H) = 1,2Ueq(C)] foram adotados para os átomos de hidrogênio
C—H acompanhando as posições dos carbonos adjacentes. Os átomos de hidrogênio ligados a
átomos de nitrogênio e oxigênio, a saber, N—H, N(+)
—H e O—H foram localizados em
mapas de densidade eletrônica calculados através de síntese de Fourier por diferença e o
refinamento livre ou fixo (no caso do biftalato de lamivudina hemidratado) de suas posições
com parâmetros térmicos isotrópicos fixos [Uiso(H) = 1,2Ueq(N) ou 1,5Ueq(O)]. Por fim, a
análise estrutural e preparação das figuras foram feitas utilizando-se o programa MERCURY
(MACRAE et.al., 2008) e ORTEP-3 (FARRUGIA, 1997).
2.4 Difração de raios X por pó (DRXP)
Para a análise de difração de raios X por pó, os materiais cristalinos obtidos por meio
dos procedimentos de cristalização foram pulverizados em almofariz de ágata e montados em
um porta amostra de vidro. Em seguida, as amostras foram expostas aos feixes de raios X
utilizando-se um difratômetro Shimadzu XRD-6000. Uma corrente de 30 mA foi gerada sob
uma tensão de 40 kV e a radiação foi proveniente de um ânodo de cobre (CuKα, λ = 1,5418
Å). Os difratogramas foram obtidos à temperatura ambiente (298±2K) sob uma varredura
contínua (eixo de varredura θ-2θ) e com velocidade de varredura de 1,000° /min. Dados de
intensidade foram medidos a cada 0,020° em um intervalo de detecção compreendido entre 5
e 40° em 2θ.
Os arquivos de informações cristalográficas (.cif) das estruturas do biftalato de
lamivudina, biftalato de lamivudina hemidratado, 4,5-diclorobiftalato de lamivudina e do
salicilato de lamivudina monoidratado foram usados para simular os padrões teóricos de
DRXP com o auxílio do programa Mercury (MACRAE et.al., 2008) a fim de compará-los
com os difratogramas experimentais. É importante ressaltar que os dados de DRXM do
salicilato de lamivudina e do biftalato de lamivudina hemidratado foram obtidos à baixa
temperatura, 107±2 K e 120±2 K respectivamente, enquanto que os difratogramas
experimentais de DRXP desses sais foram adquiridos à temperatura ambiente. Mesmo assim,
a comparação entre os difratogramas experimentais e teóricos das estruturas monocristalinas
nos fez atribuir as fases do salicilato de lamivudina monoidratado e do biftalato de lamivudina
31
às respectivas amostras, uma vez que os picos de Bragg observados e simulados eram
concordantes com as posições 2θ, mesmo com a diferença de temperatura.
2.5 Determinação das solubilidades
A solubilidade no equilíbrio do biftalato de lamivudina hemidratado, biftalato de
lamivudina, 4,5-diclorobiftalato de lamivudina e do salicilato de lamivudina monoidratado foi
determinada através do método miniaturizado de agitação em frasco (GLOMME et.al., 2005).
Os testes de solubilidade foram realizados em triplicata através das etapas descritas a seguir:
1) Adicionou-se cerca de 30 mg de amostra em um frasco apropriado e em seguida,
com o auxílio de uma pipeta automática foram adicionados 200 μL de água
deionizada por osmose reversa à temperatura ambiente, até que se observasse
material não dissolvido.
2) A mistura foi agitada a 450 rpm por 24h à temperatura de (35°C±2). A presença de
precipitado foi conferida a cada hora durante um total de seis horas após o início
da agitação.
3) Após atingir o equilíbrio, as amostras foram filtradas através de um filtro
(Millipore®) de 0,45 μm. Deste filtrado, retirou-se uma alíquota de 50 μL a qual
foi diluída mil vezes (50 mL).
4) As leituras de absorvância das amostras foram realizadas em um espectrofotômetro
UV-VIS U-2000 (Shimadzu®) usando-se alíquotas desta ultima solução, 3). O
comprimento de onda usado durante as medidas foi de 270 nm.
5) Por fim, a concentração do composto no filtrado foi quantificada por meio da
interpolação das medidas espectroscópicas das soluções diluídas em uma curva de
calibração cujas concentrações variaram de 2,5 a 18 μg /mL. As soluções padrão
usadas para gerar a curva de calibração foram preparadas utilizando um material
padrão de lamivudina (lamivudina forma II cuja pureza é de 99,55 ± 0,07 %) do
Instituto Nacional de Controle de Qualidade, FIOCRUZ.
32
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Biftalato de lamivudina e salicilato de lamivudina monoidratado
Os estudos de engenharia de cristais têm se concentrado em vários fármacos
ultimamente (ALMARSSON; ZAWAROTKO, 2004; SHAN; ZAWAROTKO, 2008), a fim
de melhorar as características do estado sólido e também proteger a propriedade intelectual de
tais compostos. Cristais moleculares multicomponentes podem ser preparados a partir das
abordagens de sínton supramolecular e de triagem (BHATT et.al., 2012; BLAGDEN et.al.,
2007; MARTINS, 2010b; SHAN; ZAWAROTKO, 2008). Com respeito à lamivudina, um
maleato de lamivudina (MARTINS et.al., 2009), foi planejado a partir da existência de um
sacarinato de lamivudina (BANERJEE et.al., 2005), por meio de uma abordagem racional que
envolve uma análise detalhada de características físico-químicas e estruturais. A escolha do
ácido maléico para cristalizar junto com a lamivudina foi baseada em similaridades estruturais
e químicas com a sacarina, tais como: constante de dissociação ácido-base (pKa) e
características intramoleculares incluindo funcionalidades de ligação de hidrogênio e
estereoquímica. O hidrogenomaleato de lamivudina foi obtido com sucesso e uma estrutura
ortorrômbica P212121 equivalente ao do sacarinato de lamivudina foi assumida pelo sal
planejado. Com base nas semelhanças conformacionais e nas similaridades entre os
empacotamentos cristalinos do hidrogenomaleato e do sacarinato de lamivudina, foi possível
apontar um motivo molecular presente em ambos contra-íons (ácido maléico e sacarina),
responsável pela estruturação dos cristais desses sais isoestruturais de lamivudina.
(MARTINS et.al., 2009).
Como continuação dos estudos em engenharia de cristais moleculares de lamivudina,
outros agentes formadores de sal foram investigados neste estudo. Aqui, os ácidos ftálico e
salicílico foram selecionados como formadores de sal. Seus sais (Fig. 11) com lamivudina
foram preparados e estruturalmente elucidados por difração de raios X por monocristal
conforme está descrito nas seções 2.2 e 2.3, respectivamente.
33
Figura 11 – Esquema do biftalato de lamivudina e do salicilado de lamivudina monoidratado.
A força ácida dos contra-íons foram levadas em conta na escolha destes sais. Ambos,
ácido maléico e sacarina estão desprotonados nos sais de lamivudina devido à transferência de
um próton de cada espécie ácida para cada molécula de lamivudina (BANERJEE et.al., 2005;
MARTINS et.al., 2009). De fato suas forças ácidas para a dissociação de um próton são bem
similares. A sacarina possui um valor de pKa de 2,2. Enquanto que a dissociação do primeiro
próton do ácido maléico é 1,83 (KÜTT et.al., 2006). Entretanto, as forças de dissociação
ácido-base do ácido ftálico e do ácido salicílico não são similares àquelas do ácido maléico e
sacarina. Divergindo em mais de uma unidade do pKa1 do ácido maléico, o ácido ftálico tem
pKa1 igual à 2,95 (GAGLIARDI et.al., 2010). Semelhantemente, o pKa1 do ácido salicílico é
2,97 (UKRAINCZYK et.al., 2012). Embora houvesse diferença nas tendências de dissociação
do próton nos agentes formadores de sal, a transferência de próton para a lamivudina ocorreu
nos sais de biftalato e salicilato assim como havia ocorrido nas moléculas de
hidrogenomaleato e sacarinato de lamivudina. Portanto, cristais de biftalato de lamivudina e
salicilato de lamivudina foram obtidos.
3.1.1 Determinação estrutural por DRXM
O biftalato de lamivudina foi resolvido no grupo espacial ortorrômbico P212121 com
quatro pares iônicos (lamivudina)+(ácido ftálico)
– por cela unitária cristalográfica. Portanto,
sua unidade assimétrica é constituída por um par iônico (Fig. 12). Para arquitetar cada par
iônico, o fármaco doa duas ligações de hidrogênio através dos grupos amínico N—H e
imínico N(+)
—H de seu anel citosínico protonado para os dois oxigênios do grupo COO– do
34
contra-íon hidrogenoftalato, em um padrão equivalente àquele observado no maleato de
lamivudina (MARTINS et.al., 2009).
Figura 12 – Unidade assimétrica cristalográfica do biftalato de lamivudina (temperatura ambiente). Elipsóides
térmicos a uma probabilidade de 50% representam os átomos, exceto átomos de hidrogênio
(representados como esferas de raio arbitrário).
Além de cristalizar no mesmo sistema cristalino e pertencer ao mesmo grupo espacial
que os sais de maleato e sacarinato de lamivudina, o sal biftalato de lamivudina apresenta
dimensões de cela unitária semelhante. Entretanto, nem a conformação do fármaco (Fig. 13) e
nem o arranjo dos pares iônicos no biftalato de lamivudina se assemelham aos sais das
versões maleato e sacarinato de lamivudina (Fig. 14).
35
Figura 13 – Superposição entre a estrutura do fármaco lamivudina presente na estrutura do sal com ácido
maléico (MARTINS, et.al, 2009) (azul) com aquela presente no sal com ácido ftálico (verde). Os
átomos de hidrogênios foram ocultados para maior clareza.
No biftalato de lamivudina, o esqueleto do fármaco exibe uma conformação
nucleosídica incomum, com uma orientação do anel de citosina intermediária às
conformações anti e syn. O anel oxatiolano apresenta conformação C2’-exo e o grupo 5’—
OH está ligado ao carbono metilênico (carbono–sp3) na posição equatorial no mesmo lado que
o átomo de enxofre. Em contraste, os anéis de citosina e oxatiolano assumem as
conformações anti e C3’-endo nas estruturas do maleato e sacarinato de lamivudina e o grupo
5’—OH está na posição axial no mesmo lado do fragmento de citosina nesses dois sais. A
tabela 2 apresenta os ângulos de torsão mais importantes que estão relacionados com as
conformações dos confôrmeros do fármaco.
36
Tabela 2 – Descritores conformacionais e ângulos de torsão (°) relacionados do biftalato de lamivudina e do
salicilato de lamivudina monoidratado
Em relação ao empacotamento do cristal de biftalato de lamivudina, o grupo 5’—OH
da lamivudina é um doador de ligação de hidrogênio para o ânion (ácido ftálico)– tendo o
oxigênio carbonílico do grupo carboxílico como um receptor de ligação de hidrogênio. Essa
interação agrega os pares iônicos ao longo da direção [010] alternando cátions e ânions em
uma cadeia de uma dimensão (1D) onde cada espécie está relacionado uma com a outra
através de translação. Essa mesma ligação de hidrogênio, 5’—OH•••O=C, entre lamivudina e
contra-íon também ocorre nos sais de maleato e sacarinato do fármaco, mas as moléculas
(lamivudina)+ e (ácido maléico)
– ou (sacarina)
– estão relacionadas por simetria roto-
translacional de segunda ordem (eixo 21) e alternam ao longo da direção [001] para formar
uma cadeia de ―zigzag‖ unidimensional (Fig.14). Nesses dois sais isoestruturais, maleato de
lamivudina e sacarinato de lamivudina, há uma ligação de hidrogênio N—H•••O=C entre os
anéis de citosina das moléculas de lamivudina vizinhas, relacionada por uma simetria de eixo
parafuso (eixo 21) ao longo da direção [010], enquanto que os anéis de citosina não interagem
através de ligação de hidrogênio no biftalato de lamivudina. Já no biftalato de lamivudina, o
grupo NH2 do anel citosínico, por meio do átomo de hidrogênio, o qual não está envolvido no
pareamento (lamivudina)+(ácido ftálico)
–, é um doador de ligação de hidrogênio para o
oxigênio hidroxílico do fragmento 5’—OH da unidade de lamivudina, relacionada por
simetria em hélice do tipo 21 paralela à direção [010]. Essa interação age como um conector,
mantendo as cadeias lineares paralelas ao eixo b (Fig. 14). Para completar a diferença no
Parte da estrutura Torção Biftalato de
lamivudina
Salicilato de
lamivudina
monoidratado
Conformação da
Citosina C2–N1–C1’–O1’
82,8(2)
anti-syn
162,2(4)
anti
Conformação
oxatiolano
C2’–C1’–O1’–C4’ -27,0(2) -11,8(5)
C1’–O1’–C4’–S3’ 8,5(2) -18,5(4)
C2'-exo C3'-endo
Conformação CH2–
O5’H
O1’–C4’–C5’–O5’
S3’–C4’–C5’–O5’
-176,4(2)
62,5(2)
70,6(5)
-49,2(5)
equatorial axial
37
empacotamento cristalino entre o biftalato de lamivudina e os dois sais antecedentes
(BANERJEE et.al., 2005; MARTINS et.al., 2009), o oxigênio hidroxílico 5’—OH da
lamivudina não é um receptor de ligação de hidrogênio clássica nas últimas duas fases
cristalinas.
Figura 14 – Faixas unidimensionais do (a) biftalato de lamivudina, (b) maleato de lamivudina (MARTINS, et.al,
2009), (c) sacarinato de lamivudina (BANERJEE et.al, 2009) são conectadas através da ligação de
hidrogênio N—H•••O (setas) na qual o receptor é o grupo 5’—OH [biftalato de lamivudina, (d)] ou
o oxigênio carbonílico O2 [maleato (e) e sacarinato (f) de lamivudina].
A Tabela 3 exibe os dados cristalográficos e as estatísticas das determinações
estruturais do biftalato de lamivudina e do salicilato de lamivudina monoidratado.
38
Tabela 3 - Constantes de cela e determinação estrutural do biftalato de lamivudina e salicilato de lamivudina
monoidratado.
Biftalato de lamivudina Salicilato de lamivudina
monoidratado
Fórmula mínima (C8H12N3O3S)(C8H5O4) (C8H12N3O3S)(C7H5O3)(H2O)
Massa da fórmula mínima (g/mol) 395,39 385,40
Dimensões do cristal (mm3) 0,251 x 0,130 x 0,078 0,293 x 0,076 x 0,052
Sistema cristalino Ortorrômbico Monoclínico
Grupo espacial P212121 P21
Z 4 2
Temperatura (K) 298(2) 107(2)
Dimensões da cela
unitária
a (Å) 5,3990(1) 12,7246(12)
b (Å) 15,7550(4) 5,2978(3)
c (Å) 20,6980(5) 13,1688(9)
β (°) - 106,129(8)
Volume da cela unitária (Å3) 1760,60 852,80(11)
Densidade calculada (g/cm3) 1,492 1,501
Coeficiente de absorção μ (mm-1
) 0,23 (Mo,Kα) 2,106 (Cu, Kα)
Intervalo em (°) 3,22 – 26,36 3,49 – 66,01
Intervalo dos índices h -6 a 6 -15 a 14
k -19 a 19 -2 a 6
l -25 a 25 -15 a 15
Reflexões coletadas 7211 5257
Reflexões independentes 3530 2024
Índice de simetria (Rint) 0,0360 0,0651
Completeza para θ máx (%) 98,4 98,4
F 000 824 404
Parâmetros refinados 259 256
Qualidade do ajuste sobre F2 1,022 1,064
Índices residuais para I >2σ(I) R1 = 0,0387 wR2 = 0,0958 R1 = 0,0429 wR2 = 0,0933
Índices residuais para todos os dados R1 = 0,0566 wR2 = 0,1042 R1 = 0,0598 wR2 = 0,1063
Δρmáx / Δρmín (e/Å3) 0,135 / -0,187 0,279 / -0,370
Estrutura
absoluta
Parâmetro de
Flack 0,03(8) -0,01(3)
Pares de Friedel 1458 375
No de depósito no CCDC 871607 871608
39
A estrutura do salicilato de lamivudina também diverge daquelas dos sais de maleato e
sacarinato de lamivudina. De fato, o salicilato de lamivudina cristaliza no grupo espacial
monoclínico P21 como um monoidrato. Uma molécula de água está presente na unidade
assimétrica cristalográfica junto com um par iônico (lamivudina)+(ácido salicílico)
– (Fig. 15).
A lamivudina, assim como no pareamento exibido pelo biftalato de lamivudina, doa duas
ligações de hidrogênio, através do anel de citosina, para os dois oxigênios do grupo
carboxilato do contra-íon salicilato. A fase sólida do salicilato de lamivudina monoidratado já
foi reportada anteriormente (SHAH et.al., 2003), porém a estrutura cristalina desse sal
(incluindo qualquer possível solvato) não havia sido elucidada até o momento. Da mesma
forma, um sal de lamivudina com ácido ftálico já foi citado na literatura (LEE et.al., 2009),
mas não há nenhuma informação disponível sobre sua estrutura cristalina até agora.
Figura 15 – Unidade assimétrica cristalográfica do salicilato de lamivudina monoidratado (baixa temperatura).
Elipsóides térmicos a uma probabilidade de 50% representam os átomos, exceto átomos de
hidrogênio (representados como esferas de raio arbitrário).
A conformação da lamivudina (Tabela 2) no salicilato de lamivudina monoidratado
(Fig. 16) está relacionada com as conformações do maleato e sacarinato de lamivudina. Os
anéis de citosina e oxatiolano no salicilato de lamivudina monoidratado adotam a
conformação anti e C3’– endo, com o oxigênio 5’—OH na posição axial, semelhantemente
aos sais de maleato e sacarinato de lamivudina. Até mesmo o hidrogênio do grupo 5’—OH
está direcionado similarmente nesses sais.
40
Figura 16 – Superposição entre a estrutura do fármaco lamivudina presente na estrutura do sal com ácido
maléico (MARTINS, et.al, 2009) (azul) com aquela presente no sal com ácido salicílico (vermelho).
Os átomos de hidrogênios foram ocultados para maior clareza.
Entretanto, tal similaridade na conformação não está relacionada aos padrões de
interações intermoleculares. Lamivudina e moléculas de água dão origem a uma cadeia
helicoidal ao longo da direção [010], na qual cada grupo 5’—OH funciona como um doador e
receptor de ligação de hidrogênio das moléculas de água que estão relacionadas por eixo
helicoidal de simetria 21 (Fig.17). Essas cadeias são empacotadas ao longo da direção [100]
através de duas ligações de hidrogênio, onde o contra-íon (ácido salicílico)– possui um duplo
papel como receptor de ligação de hidrogênio, uma vez que o mesmo oxigênio do carboxilato
ligado por ligação de hidrogênio ao grupo NH2 envolvido no pareamento iônico é também um
receptor de ligação de hidrogênio de outro hidrogênio da amina da molécula de lamivudina
relacionada por um eixo de simetria em hélice 21 (Fig. 18).
41
Figura 17 – (a) Estrutura helicoidal no salicilato de lamivudina monoidratado feita de ligações de hidrogênio
O—H•••O entre o grupo 5’—OH e água. (b) Vista da hélice projetada no plano (010).
A molécula de água também é um doador de ligação de hidrogênio para os ânions por
meio de uma interação não clássica O—H•••π no qual o sistema π do anel fenílico é uma
estrutura receptora. A ocorrência dessa interação é sustentada devido à pequena separação
42
entre o hidrogênio H2w da água e o centroide calculado para os carbonos fenílicos (CgB). A
distância H2w•••CgB é 2,98(6) Å.
Figura 18 – Duplo papel do contra-íon ácido salicílico como conector entre as cadeias helicoidais no salicilato de
lamivudina monoidratado. As duas ligações de hidrogênio N—H•••O e O—H•••π envolvendo cada
contra-íon como conector entre as cadeias são mostradas na parte inferior da ilustração.
3.1.2 Caracterização estrutural por DRXP
Os difratogramas de raios X experimentais dos sais de biftalato de lamivudina e
salicilato de lamivudina monoidratado foram sobrepostos aos padrões de difração calculados a
43
partir de suas estruturas cristalinas correspondentes. As posições dos picos de Bragg estão
concordantes com as posições simuladas, embora haja diferenças entre as intensidades das
reflexões, as quais são resultantes dos efeitos de orientação preferencial nas medidas de
difração de raios X por pó em ambos os sais (Fig.19). Uma vez que não há espalhamento
difuso característico de um sólido amorfo e nem picos de Bragg adicionais de outras fases
cristalinas, foi possível concluir que as amostras preparadas em diferentes frascos de
penicilina e posteriormente agrupadas possuem as estruturas cristalinas dos sais aqui
elucidados.
Figura 19 – Difratogramas simulados (barras verticais) e experimentais à temperatura ambiente (298± 2 K)
(linhas contínuas com pontos) do (a) biftalato de lamivudina e do (b) salicilato de lamivudina
monoidratado. Os difratogramas calculados foram simulados a partir das estruturas cristalinas
correspondentes, determinadas à 298± 2 K (biftalato de lamivudina) ou 107± 2 K (salicilato de
lamivudina monoidratado).
44
Após os ensaios de solubilidade, realizou-se novamente a análise por difração de raios
X das amostras remanescentes no filtro a fim de verificar a concordância com as fases dos
sais relatados aqui (Fig. 20).
Figura 20 – Difratogramas simulados (barras verticais) e experimentais à temperatura ambiente (298±2 K)
(linhas contínuas com pontos) do (a) biftalato de lamivudina e do (b) salicilato de lamivudina
monoidratado após o teste de solubilidade. Os difratogramas calculados foram simulados a partir das
estruturas cristalinas correspondentes, determinadas à 298±2 K (biftalato de lamivudina) ou 107±2
K (salicilato de lamivudina monoidratado).
As posições dos picos de difração do biftalato de lamivudina pós-teste de solubilidade
apresentaram bastante concordância com as posições simuladas, embora haja diferenças entre
as intensidades das reflexões. Em contrapartida, o difratograma após o teste referente ao
salicilato de lamivudina monoidratado apresentou mudança quando comparado ao
difratagrama de raios X obtido anteriormente (Fig. 19b). A análise do difratograma obtido
após o ensaio de solubilidade sugere que a linha de base seja formada por picos que não
45
pertencem a mesma fase cristalina do sal salicilato de lamivudina obtido antes desse
experimento. Para efeito de comparação e justificativa, foi realizada a superposição dos picos
de difração de raios X experimentais da amostra do salicilato de lamivudina monoidratado
recuperada após o ensaio de solubilidade com o padrão de difração da lamivudina forma II.
A figura 21 (a) mostra que as posições dos picos de difração experimentais da
lamivudina forma II estão de acordo com as posições do difratograma calculado para esse
fármaco. Esse difratograma corresponde à amostra de lamivudina utilizada na determinação
da solubilidade desse fármaco nas mesmas condições que as dos sais reportados nesse
trabalho. O difratograma (b) da figura 21 é composto pelas posições das reflexões de Bragg
(linha contínua com pontos) da amostra do salicilato de lamivudina monoidratado após o teste
de solubilidade, enquanto que as barras verticais (padrão calculado) pertencem ao padrão de
lamivudina forma II simulado. Observa-se então, que a amostra pós-teste do salicilato de
lamivudina é diferente do padrão calculado para a lamivudina forma II. Ainda assim, numa
tentativa de justificar a alteração nas posições de alguns picos de difração no difratograma do
salicilato após o teste de solubilidade, principalmente a reflexão (002) que foi deslocada para
12,90° neste difratograma experimental enquanto sua posição esperada a partir da estrutura
cristalina foi 13,99°, sugere-se que moléculas de água proveniente do solvente estejam
interferindo na fase cristalina desse sal convertendo-o em outra fase isomórfica.
46
Figura 21 – Difratogramas simulados (barras verticais) do fármaco lamivudina forma II e experimentais à
temperatura ambiente (298K) (linhas contínuas com pontos) da (a) lamivudina e do (b) salicilato de lamivudina
monoidratado após o teste de solubilidade. Os difratogramas calculados foram simulados a partir das estruturas
cristalinas correspondentes, determinadas à 298 (K)..
Neste sentido, vale destacar que o grupo carbonílico presente no anel de citosina das
moléculas de lamivudina no sal de salicilato não participa de ligação de hidrogênio. Portanto,
supostamente há a introdução na rede de moléculas de água como doadoras de ligações de
hidrogênio para os oxigênios carbonílicos, os quais estão livres em termos de recepção de tais
interações na estrutura monoidratada, o que resultaria em um alargamento do eixo
cristalográfico c (Fig. 22). Consequentemente, um aumento na distância interplanar (002)
ocorreria e reflexão de Bragg correspondente seria observada em um ângulo () menor que
aquele detectado no difratograma de raios X por pó anteriormente ao ensaio de solubilidade e
previsto pela estrutura cristalina determinada.
47
Figura 22 – Projeção do empacotamento cristalino do salicilato de lamivudina monoidratado no plano (010). As
setas pretas indicam uma suposta posição para as moléculas de água adicionais interagindo com os
grupos carbonílicos livres em termos de recepção de ligações de hidrogênio, as quais estariam
aumentando o parâmetro de cela c como sugerido pela maior distância interplanar (002) no
difratograma de raios X por pó desta fase sólida após o teste de solubilidade.
3.2 Biftalato de lamivudina hemidratado e 4,5-diclorobiftalato de lamivudina
O biftalato de lamivudina foi planejado visando-se obter uma estrutura cristalina
similar ao maleato e sacarinato de lamivudina. A escolha do ácido ftálico para cristalizar junto
com a lamivudina foi baseada em características chaves como similaridades estruturais com o
ácido maléico. O biftalato de lamivudina foi obtido, mas nossas expectativas sobre a
isoestruturalidade do biftalato de lamivudina e maleato de lamivudina foram frustadas,
embora seus sistemas cristalinos, grupos espaciais e dimensões da cela unitária fossem
semelhantes. Com o objetivo de avaliar se ambientes com diferentes solventes pudessem
influenciar o arranjo supramolecular do biftalato de lamivudina, em uma tentativa de obter um
polimorfo deste sal isoestrutural com respeito à versão do maleato do fármaco como
48
concebido anteriormente, nós encontramos um novo sal de biftalato na forma de um
hemidrato a partir dos ensaios de triagem (Fig.23).
Figura 23 – Esquema do biftalato de lamivudina hemidratado e do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina.
3.2.1 Síntons supramoleculares em sais de lamivudina com ácidos 1,2-dicarboxílicos
Mais uma vez, nossa abordagem de engenharia de cristal baseada na similaridade entre
os sais de maleato e de biftalato de lamivudina não obteve sucesso na prática, porém um
sínton inesperado foi observado pela primeira vez na estrutura do biftalato de lamivudina
hemidratado. Da mesma maneira, outro sínton raro foi responsável pela arquitetura
supramolecular do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina quando se tentava avaliar o efeito dos
átomos de cloro como substituintes no anel aromático do contra-íon ácido ftálico. Além disso,
muitos sais de APIs tem sido investigados ultimamente a partir do ponto de vista estrutural,
por causa das modificações em algumas propriedades físicas como a solubilidade e
biodisponibilidade (SERAJUDIM, 2007).
Ambos heterosíntons I e II (Fig. 24) são primeiros exemplos de pareamento no plano
da lamivudina com as funcionalidades carboxilato e carboxila de uma mesma unidade
formadora do sal.
49
Figura 24 – Síntons supramoleculares nos sais de lamivudina com ácidos 1,2-dicarboxílicos.
Esse novo padrão de pareamento não foi observado nas estruturas cristalinas de
lamivudina anteriores com ácidos 1,2-dicarboxílicos, uma vez que, há apenas o pareamento
com o grupo carboxilato. As estruturas supramoleculares do biftalato de lamivudina e do
maleato de lamivudina possuem o mesmo padrão de funcionalidades de ligação de hidrogênio
(heterosínton III – Fig. 24). Em tais casos, há apenas uma molécula de lamivudina pareada
com uma unidade do agente formador do sal através de duas ligações de hidrogênio
envolvendo os fragmentos amínicos e íminicos do anel de citosina protonado do fármaco e os
dois átomos de oxigênios do grupo carboxilato (COO–). Em contraste, duas moléculas do
fármaco estão pareadas no plano com o mesmo contra-íon originando uma tríade planar e uma
tétrade planar nas estruturas de biftalato de lamivudina hemidratado e 4,5-diclorobiftalato de
lamivudina aqui reportadas, respectivamente. Além disso, é reportado o novo heterosínton I
(Fig. 24) no sal de lamivudina hemidratado. Esse novo sínton pode ser descrito como um
sínton de quatro pontos, composto de um de dois pontos 2-aminopiridinina-carboxilato e
outro de dois pontos 2-aminopiridina-carboxila fundidos juntos (BHATT et.al., 2012).
A fim de explorar a ocorrência dos heterosíntons I e II, uma pesquisa no Banco de
Dados Estruturais de Cambridge (CSD – Cambridge Structure Database, versão 5.33
atualizado em Agosto de 2012, 624 927 estruturas) foi realizada. Foram encontradas duas
correspondências semelhantes ao heterosínton I, mas apenas uma dessas estruturas foi
considerada para a análise de sínton porque a outra não exibia duplo pareamento no plano
com o mesmo contra-íon. Consequentemente, restou apenas uma, a estrutura de maleato de
guanidina (código de referência DEBMOM01) (GOLIC et.al., 1985; THAKUR; DESIRAJU,
2008). Apesar de essa estrutura apresentar dois cátions (guanidina)+ pareados com um ânion
(ácido maléico)–, ela não forma uma tríade planar. Portanto, não foi encontrada nenhuma
50
correspondência para o heterosínton I como é observado no biftalato de lamivudina
hemidratado. O heterosínton II é responsável pelo pareamento planar entre dois cátions
(lamivudina)+ e dois ânions (ácido 4,5-dicloroftálico)
–, criando assim uma tétrade cíclica a
qual é raramente encontrada no CSD, as quais são listadas no rodapé desta página
(REFCODES†). Somente treze correspondências foram encontradas para este sínton.
3.2.2 Determinação estrutural por DRXM
O biftalato de lamivudina hemidratado foi resolvido no grupo espacial monoclínico
P21 com quatro pares iônicos (lamivudina)+(ácido ftálico)
– e duas moléculas de água por
unidade assimétrica (Fig. 25).
Figura 25 – Unidade assimétrica do biftalato de lamivudina hemidratado. Elipsóides térmicos a uma
probabilidade de 50% representam os átomos, exceto átomos de hidrogênio (representados como
esferas de raio arbitrário).
†REFCODES: códigos de referência para as 13 estruturas são BANCID, QIKDIX, QUWXEM,
ROFLAZ, SUYNUW, ULAXOU, VAQTUD, WINJUZ, YOVQUW, YOVQUW01, ISICIX, SAGGUE e
YAGKEY.
51
As quatro unidades de lamivudina e os quatro contra-íons biftalatos tiveram seus
átomos rotulados com sufixos A – D e A’ – D’, respectivamente. De acordo com essa
rotulagem, a estrutura do biftalato de lamivudina hemidratado possui duas tríades, uma delas
formada pelos cátions (lamivudina)+ B e C pareados com o ânion biftalato B’ (tríade B = B’ =
C), o qual pode ser visualizado na Fig. 26, e outra formada pelos cátions (lamivudina)+ A e D
pareados com o biftalato A’ (tríade A = A’ = D). Na primeira tríade, há dois cátions
(lamivudina)+ participando em duas ligações de hidrogênio cada um, tendo seus anéis
citosínicos como doadores de ligação de hidrogênio para ambos os átomos de oxigênios dos
grupos carboxilato e carboxila do biftalato B’. Esse mesmo padrão de ligações de hidrogênio
se repete na segunda tríade mencionada anteriormente.
Figura 26 – A tríade B = B’ = C na estrutura de biftalato de lamivudina hemidratado. Somente os átomos não
hidrogenóides que participam de ligações de hidrogênio estão rotulados. A distância (doador-
receptor) D—H•••A é mostrada.
No sal de biftalato hemidratado, os confôrmeros do fármaco exibem uma conformação
relacionada àquela no maleato de lamivudina. Em todos os confôrmeros desse sal, o anel de
citosina do fármaco assume a conformação anti e o anel oxatiolano adota a conformação C3’-
endo, com o grupo hidroxílico 5’—OH na posição axial. Os ângulos de torsão mais
importantes que estão relacionados às conformações dos confôrmeros do fármaco são
52
mostrados na Tabela 4. Todavia, essas semelhanças de parâmetros conformacionais entre o
biftalato de lamivudina hemidratado e o maleato/biftalato de lamivudina não estão associadas
ao padrão de interações intermoleculares. Nem a disposição dos pares iônicos, nem o sistema
cristalino e o grupo espacial no biftalato de lamivudina hemidratado parecem àqueles dos
outros sais relacionados.
Tabela 4 – Descritores conformacionais e ângulos de torsão (°) do biftalato de lamivudina hemidratado e 4,5-
diclorobiftalato de lamivudina.
As tríades podem ter sido formadas porque as funcionalidades doadoras de ligação de
hidrogênio do anel de citosina precisam estar totalmente envolvidas nessas interações
(THAKUR; DESIRAJU, 2008). A tríade é composta de dois cátions de lamivudina e um
ânion ftalato, e é estruturado através do sínton I mostrado anteriormente. Com respeito ao
empacotamento das entidades supramoleculares na estrutura do biftalato de lamivudina
hemidratado, cada tríade é empilhada um sobre o outro ao longo da direção [100]. Os ânions
biftalatos (contra-íon C’ e D’) que não estão envolvidos no duplo pareamento com a
lamivudina contribuem para o empilhamento das tríades, como foi descrito acima, através de
interações de ligação de hidrogênio. O biftalato D’ conecta camadas de tríades B = B’ = C por
meio das ligações de hidrogênio N4C—H4C2•••O1XD e N4B—H4B2•••O1YD. Nesta
estrutura pode-se observar que há duas colunas de tríades, a primeira coluna é formada pelas
tríades B = B’ = C e a segunda coluna é constituída pela segunda tríade A = A’ = D (Fig.27).
Essas colunas estão conectadas através dos ânions biftalatos C’, D’ e moléculas de água. Na
Fig. 27 pode-se verificar que a primeira coluna é conectada com a segunda com auxílio da
molécula de água por meio das ligações de hidrogênio O5’B—H5’B•••O2W e O5’A—
H5’A•••O2W. Apesar da molécula de água atuar como receptora de ligação de hidrogênio do
grupo hidroxila dos confôrmeros de lamivudina, ela também é doadora de ligação de
hidrogênio para os ânions biftalatos por meio das interações O2W—H12W•••O4XD como é
Molécula C2–N1–C1’–O1’ Conformação
Citosina
C2’–C1’–O1’–C4’ Conformação
oxatiolano
O1’–C4’–C5’–O5’ Conformação
CH2–O5’H
Biftalato de
lamivudina
hemidratado
A 164,71(7) anti -5,35(6) C3'-endo 56,1(8) axial
B 159,32(9) anti -9,61(4) C3'-endo 66,8(7) axial
C 161,58(6) anti -11,66(9) C3'-endo 65,4(6) axial
D 161,28(5) anti -9,74(7) C3'-endo 67,1(6) axial
4,5-
diclorobiftalato
de lamivudina
A 163,3(6) anti -9,20(0) C3'-endo 59,6(3) axial
B 151,1(1) anti -5,37(1) C3'-endo 61,0(2) axial
53
mostrado na Figura 27. Essa rede cooperativa de ligações de hidrogênios forma uma base
sólida para o empacotamento cristalino (BHATT et. al., 2009).
Figura 27 – Vista das colunas de tríades na estrutura de biftalato de lamivudina hemidratado. A primeira coluna é
feita pela tríade B = B’ = C e a segunda é formada pelo tríade A = A’ = D (área sombreada). As
ligações de hidrogênio N4C—H4C2•••O1XD e N4B—H4B2•••O1YD do ânion biftalato D’ conecta
as camadas de tríade B = B’ = C. Esse mesmo padrão ocorre no outro tríade A = A’ = D com o
biftalato C’.
O 4,5-diclorobiftalato de lamivudina cristaliza no grupo espacial triclínico P1. A
unidade assimétrica possui dois pares iônicos (lamivudina)+(ácido 4,5-dicloroftálico)
–
conforme pode ser observado na Fig. 28.
54
Figura 28 – Unidade assimétrica cristalográfica do 4,5-dciclorobiftalato de lamivudina. Elipsóides térmicos a
uma probabilidade de 50% representam os átomos, exceto átomos de hidrogênio (representados
como esferas de raio arbitrário).
Essa estrutura forma uma tétrade na qual há dois cátions (lamivudina A e B)+ pareados
no plano com dois ânions (4,5-diclorobiftalato A’ e B’)– (Fig. 29). Esse sal se diferencia
profundamente dos outros sais preparados com o contra-íon biftalato devido à presença dos
átomos de cloro. Nem o grupo espacial e nem o arranjo dos pares iônicos no 4,5-
diclorobiftalato de lamivudina se assemelham aqueles do biftalato e maleato de lamivudina.
Porém, esse sal é similar ao maleato de citosina, exceto pela perda do centro de inversão
devido à quiralidade da lamivudina e consequentemente cristalização no grupo espacial P1
com dois pares iônicos na unidade assimétrica, ao invés de apenas um como no sal de
citosina.
55
Figura 29 – A tétrade na estrutura do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina. Somente os átomos não hidrogenóides
que participam de ligações de hidrogênio estão rotulados. A distância (doador-receptor) D—H•••A é
mostrada.
Ambos os sais, 4,5-diclorobiftalato de lamivudina e maleato de citosina, o qual é uma
das correspondências encontradas para o heterosínton II no CSD (REFCODE: ROFLAZ),
possuem o mesmo padrão de funcionalidades de ligação de hidrogênio e formam uma tétrade
planar. Isso pode ser observado na Figura 30 que trás a superposição entre maleato de citosina
(verde) e o 4,5-diclorobiftalato de lamivudina (azul).
56
Figura 30 – Superposição entre os tetrâmeros presentes nas estruturas do sal 4,5-diclorobiftalato de lamivudina
(azul) e do maleato de citosina (verde). Os átomos de hidrogênios foram ocultados para maior
clareza.
Os confôrmeros de lamivudina nesse sal são similares àqueles exibidos nos sais de
biftalato de lamivudina hemidratado e maleato de lamivudina. Ambos os confôrmeros do 4,5-
diclorobiftalato de lamivudina (A e B) possuem os anéis de citosina e oxatiolano nas
conformações anti e C3’-endo, nessa ordem. Além disso, o grupo 5’—OH das moléculas de
lamivudina têm a mesma orientação que aquelas dos sais de maleato e biftalato hemidratado,
na posição axial de ligação ao carbono metilênico C5’. Em contraste, os anéis de citosina e
oxatiolano do biftalato de lamivudina adota uma orientação entre anti e syn e conformação
C2’-exo, respectivamente, enquanto que o grupo 5’—OH está na posição equatorial nesse sal.
Os ângulos de torsão e as conformações afins do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina são
mostrados na Tabela 4.
O 4,5-diclorobiftalato de lamivudina exibe um padrão de ligações de hidrogênio
comparável ao do biftalato de lamivudina hemidratado, porque os dois possuem dois cátions
de lamivudina pareados no plano com um ânion do agente formador do sal. O 4,5-
57
diclorobiftalato de lamivudina é composto de um sínton raro (Fig. 24) caracterizado por uma
ligação de hidrogênio bifurcada envolvendo o hidrogênio do grupo amino num lado oposto
em relação ao próton imínico e os dois átomos de oxigênio do grupo carboxilílico do contra-
íon. Na tétrade, o confôrmero A da lamivudina está pareado ao 4,5-diclorobiftalato A’ pelas
ligações de hidrogênio N3A—H3A•••O1XA e N4A—H4XA•••O1YA. O outro pareamento
ocorre entre o outro hidrogênio (H4YA) desse grupo amino que conecta esse confôrmero ao
outro ânion 4,5-diclorobiftalato B’ através da ligação de hidrogênio bifurcada N4A—
H4YA•••O1XB e N4A—H4YA•••O1YB doada pelo anel de citosina da lamivudina A. Esse
mesmo padrão segue para o confôrmero B da lamivudina, em que os fragmentos de imina e
amina doam as ligações de hidrogênio N3B—H3B•••O4XB e N4B—H4XB•••O4YB para
agregar o confôrmero B da lamivudina ao grupo carboxilato do contra-íon 4,5-diclorobiftalato
B’. O segundo átomo de hidrogênio do grupo amino do confôrmero B do fármaco está
envolvido na ligação de hidrogênio bifurcada N4B—H4YB•••O4XA e N4B—H4YB•••O4YA
originando o tetrâmero cíclico planar como mostrado na Fig. 29.
As tétrades do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina estão empilhadas ao longo da
direção [100], na qual as estruturas 5’—OH das duas moléculas de lamivudina independentes
cristalograficamente são doadoras de ligação de hidrogênio para os contra-íons através dos
contatos O5’A—H5’A•••O1XA e O5’B—H5’B•••O4XB como mostrado na Fig. 31.
Figura 31 – Empilhamento de três tetrâmeros (áreas sombreadas) do sal 4,5-diclorobiftalato de lamivudina.
Apenas as ligações de hidrogênio O5’A—H5’A•••O1XA e O5’B—H5’B•••O4XB estão
representadas (linhas pontilhadas).
58
A Tabela 5 exibe os dados cristalográficos e as estatísticas das determinações
estruturais do biftalato de lamivudina hemidratado e do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina
realizadas às temperaturas de 120±2 K e 298±2K, respectivamente.
Tabela 5 - Constantes de cela e determinação estrutural dos sais biftalato de lamivudina hemidratado e 4,5-
diclorobiftalato de lamivudina.
Biftalato de lamivudina
hemidratado
4,5-diclorobiftalato de
lamivudina
Fórmula mínima 2(C8H12N3O3S)2(C8H5O4)(H2O) (C8H12N3O3S)2(C8H3Cl2O4)2
Massa da fórmula mínima (g/mol) 808,81 464,28
Dimensões do cristal (mm3) 0,250 x 0,110 x 0,040 0,500 x 0,350 x 0,250
Sistema cristalino Monoclínico Triclínico
Grupo espacial P21 P1
Z 4 1
Temperatura (K) 120(2) 298(2)
Dimensões da cela
unitária
a (Å) 5,3110(5) 8,9680(3)
b (Å) 21,103(2) 10,3880(4)
c (Å) 33,059(0) 11,4140(4)
α (°) 90 99,427(3)
β (°) 94,675(6) 112,791(2)
γ (°) 90 90,988(3)
Volume da cela unitária (Å3) 36929(5) 963,25(6)
Densidade calculada (g/cm3) 1,455 1,601
Coeficiente de absorção μ (mm-1) 0,223 (Mo,Kα) 0,492 (Mo, Kα)
Intervalo em (°) 1,57 – 26,40 3,73 – 25,39
Intervalo dos índices h -6 a 6 -10 a 10
k 17 a 26 -12 a 12
l -41 a 41 -13 a 13
Reflexões coletadas 20849 6022
Reflexões independentes 11695 6022
Índice de simetria (Rint) 0,0676 0,0368
Completeza para θ máx (%) 98,0 95,2
F 000 1688 476
Parâmetros refinados 992 553
Qualidade do ajuste sobre F2 0,990 1,019
Índices residuais para I >2σ(I) R1 = 0,0650 wR2 = 0,1757 R1 = 0,0451 wR2 = 0,1098
Índices residuais para todos os dados R1 = 0,1503 wR2 = 0,2532 R1 = 0,0615 wR2 = 0,1200
Δρmáx / Δρmín (e/Å3) 0,479 / -0,572 0,207 / -0,205
Estrutura
absoluta Parâmetro de Flack 0,13(15) -0,03(5)
Pares de Friedel 4036 2642
No de depósito no CCDC 912146 904086
59
3.2.3 Caracterização estrutural por DRXP
Os difratograma de raios X experimental do sal 4,5-diclorobiftalato de lamivudina foi
sobreposto ao padrão de difração calculado a partir de sua estrutura cristalina obtida por
monocristal. As posições dos picos de Bragg são um pouco discordantes com as posições
simuladas, uma vez que há sinal de espalhamento difuso referente a um sólido amorfo.
Existem diferenças entre as intensidades das reflexões, as quais são resultantes dos efeitos de
orientação preferencial nas medidas de difração por pó para o sal 4,5-diclorobiftalato de
lamivudina (Fig.32). Além disso, o difratograma desta amostra apresenta uma modificação na
linha de base (Fig. 32), o que é consequência da pequena quantidade de amostra disponível. .
Após os ensaios de solubilidade, realizou-se novamente a difração de raios X das amostras
remanescentes no filtro a fim de verificar a concordância entre as fases das amostras antes e
depois do teste de solubilidade. As posições dos picos de difração do 4,5-diclorobiftalato de
lamivudina pós-teste de solubilidade foram concordantes com as posições simuladas (Fig.
32). Embora existam diferenças no difratograma obtido antes dos ensaios de solubilidade foi
possível concluir que a amostra preparada do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina proveniente
do agrupamento de materiais cristalinos obtidos de diferentes frascos de penicilina apresenta a
estrutura determinada para o sal correspondente, porque após o teste de solubilidade
verificou-se que o difratograma experimental obtido apresenta concordância entre os picos de
Bragg com o padrão simulado para esse sal
60
Figura 32 – Difratograma simulado (barras verticais) e experimental à temperatura ambiente (298K) (linhas
contínuas com pontos) do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina. A linha contínua com pontos em
vermelho corresponde à amostra após o teste de solubilidade, enquanto que a linha contínua em
preto se refere à amostra antes da realização do teste de solubilidade (após agrupamento dos cristais
obtidos de vários frascos de cristalização). O difratograma calculado foi simulado a partir da
estrutura cristalina correspondente, determinada à 298 K.
Em contrapartida, o difratograma experimental do biftalato de lamivudina hemidratado
exibe picos de difração que não apresentam concordância com o padrão simulado para esse
sal (Fig. 33). Mesmo após o ensaio de solubilidade, o difratograma referente ao biftalato de
lamivudina hemidratado continuou apresentando posições diferentes de reflexão de Bragg
entre o experimental e simulado. Uma análise a partir do difratograma calculado para o
biftalato de lamivudina foi feita sobrepondo os dados experimentais do biftalato de
lamivudina hemidratado (Fig. 33), a qual mostrou a existência da fase do biftalato de
lamivudina e não do biftalato de lamivudina hemidratado. Portanto, como justificativa desse
resultado sugere-se que não houve conversão de fase, mas sim que tenha acontecido a
precipitação de dois polimorfos concomitantemente durante o processo de crescimento dos
cristais, uma vez que o biftalato de lamivudina hemidratado foi cristalograficamente
elucidado através da difração de raios X por monocristal utilizando-se de um cristal retirado
do mesmo frasco do qual foi retirado o espécime para a análise de DRXP.
61
Figura 33 – Difratogramas simulados (barras verticais) do (a) biftalato de lamivudina hemidratado e do (b) do
biftalato de lamivudina anidro superpostos aos perfis experimentais à temperatura ambiente (298K)
(linhas contínuas com pontos) da amostra do biftalato de lamivudina hemidratado antes (preto) e
após (vermelho) o teste de solubilidade. Os difratogramas calculados foram simulados a partir das
estruturas cristalinas correspondentes, determinadas a 298±2 (K) (biftalato de lamivudina anidro) ou
120±2 (K) (biftalato de lamivudina hemidratado).
3.4 Determinação da solubilidade das novas formas cristalinas de lamivudina
As formas de sais de insumos farmacêuticos ativos têm sido de grande interesse nos
últimos anos devido ao aperfeiçoamento em algumas propriedades físico-químicas que
resultaram em compostos com solubilidades melhoradas. A solubilidade é uma característica
importante de um fármaco porque está relacionada com a taxa de dissolução e
biodisponibilidade. Entretanto, encontram-se dificuldades em predizer a relação estrutura-
solubilidade de cristais moleculares multicomponentes. A solubilidade de um sal depende de
62
muitos fatores, como por exemplo, a energia livre de hidratação, a energia livre de rede,
propriedades do contra-íon, pH, ponto de fusão, características de empacotamento cristalino,
dentre outros. Tem sido realizados esforços para entender a relação estrutura-solubilidade
(BANERJEE et. al., 2005; MARTINS, et. al., 2009; MARTINS, et. al., 2012; SERAJUDIM,
2007). Neste trabalho, as solubilidades de três sais de lamivudina foram determinadas.
Embora os sais não sejam isoestruturais, os agentes formadores que foram utilizados para
preparar esses sais de lamivudina são similares. As solubilidades dos sais de lamivudina e dos
agentes formadores estão mostradas na Tabela 6.
Tabela 6 – Solubilidade em água (mg mL-1
) dos sais de lamivudina obtidos nesse estudo e seus contra-íons.
Solubilidade do sal Solubilidade do
contra-íon
4,5-diclorobiftalato
de lamivudina 5.01±0.90 0.13
b
Biftalato de
lamivudina 4.49±0.54 7.19
a
Salicilato de
lamivudina
monoidratado
3.90±0.27 2.20a
a Valores de solubilidade reportados do ácido ftálico e ácido salicílico são das referências (CRC HANDBOOK,
2010) e (TÜRK et.al., 2012), respectivamente. b
Valor calculado da referência (SCIFINDER version 2013,
2013). A solubilidade determinada para a lamivudina forma II nesse estudo foi de 163.42 ± 10.26.
Os sais de lamivudina com ácidos 1,2-dicarboxílicos mostram valores de solubilidade
similares como pode ser observado na Tabela 6. O 4,5-diclorobiftalato de lamivudina possui o
maior valor de solubilidade dentre eles, enquanto que o salicilato de lamivudina monoidratado
é o sal menos solúvel. Galcera e Molins (GALCERA; MOLINS, S009) relataram que a
solubilidade de um sal está relacionada com as propriedades dos contra-íons utilizados para
preparar os sais. Nesse trabalho, todos os contra-íons utilizados para preparar novas estruturas
cristalinas de lamivudina possuem anel aromático em suas estruturas, e é sabido que eles são
muito lipofílicos. Os sais de lamivudina investigados nesse estudo apresentaram solubilidades
menores quando comparados com a solubilidade do fármaco referência. A solubilidade da
lamivudina forma II na literatura é de cerca de 70,00 mg mL-1
(BANERJEE et.al., 2005). Para
efeitos de comparação, a solubilidade da lamivudina forma II foi determinada sob as mesmas
condições que as dos sais de lamivudina e o valor obtido foi de 163,42 ± 10,26 mg mL-1
. Tal
diferença nos valores de solubilidade da lamivudina forma II está relacionado com a
63
temperatura de determinação das solubilidades. O alto valor encontrado aqui pode estar
relacionado com a temperatura (35°C), o qual é maior do que o valor experimental obtido por
Banerjee e colaboradores (25°C) (BANERJEE et.al., 2005).
Com relação aos sais de lamivudina, suas solubilidades parecem estar relacionadas
com a baixa solubilidade dos contra-íons. Dessa forma, a lipofilicidade do anel aromático nos
agentes formadores dos sais colaborou para um menor valor de solubilidade daqueles sais por
causa da baixa energia livre de hidratação dos ânions biftalato e salicilato. De fato, a natureza
do contra-íon comum em todos os agentes formadores dos sais avaliados aqui desempenha
um papel decisivo na baixa solubilidade dos correspondentes sais de lamivudina.
Uma vez que os sais foram preparados baseados na versão do maleato do fármaco, é
importante comparar suas relações estrutura-solubilidade. A solubilidade do maleato de
lamivudina reportada na literatura é de 45 ± 3 mg mL-1
(Martins et al. 2009). Martins et al.
(Martins et al. 2009) explicou o aumento da solubilidade do sal maleato de lamivudina
quando comparado com o sacarinato de lamivudina (10,56 mg mL-1
BANERJEE et.al., 2005)
em termos da direcionalidade desfavorável das ligações de hidrogênio entre os anéis de
citosina do sal de maleato (Martins et. al., 2009). A solubilidade dos contra-íons também é
relevante e pode ditar a solubilidade final dos sais. A solubilidade do ácido maléico e da
sacarina são, respectivamente, 441 mg mL-1
e 4 mg mL-1
(CRC HANDBOOK, 2010). A baixa
solubilidade da sacarina em água pode refletir em um sal com baixo valor de solubilidade, e
de fato, isso já foi reportado na literatura (BANERJEE et.al., 2005). Embora as solubilidades
do biftalato de lamivudina e do salicilato de lamivudina monoidratado divergirem da
solubilidade do maleato de lamivudina, elas se assemelham à solubilidade do sacarinato de
lamivudina. E também, há similaridades entre os contra-íons usados para obter os sais de
lamivudina e a sacarina, visto que suas estruturas contém um anel benzênico. Uma vez que as
solubilidades de seus contra-íons são comparáveis, a solubilidade final de tais sais também é
similar. Na verdade, isso revela que a natureza do agente formador do sal é importante quando
se trata de selecionar o contra-íon apropriado de acordo com o propósito do estudo.
Se as solubilidades dos sais de lamivudina fossem seguir aquelas dos contra-íons,
seria esperado que o 4,5-diclorobiftalato de lamivudina tivesse uma solubilidade menor do
que a do salicilato de lamivudina monoidratado porque o ácido 4,5-dicloroftálico é menos
solúvel do que o ácido salicílico (veja a solubilidade dos contra-íons na Tabela 5). Porém, isso
não foi observado. O salicilato de lamivudina possui uma molécula de água em sua unidade
64
assimétrica, enquanto que o 4,5-diclorobiftalato de lamivudina é anidro. Em geral, sais
hidratados possuem menores valores de solubilidade quando comparados com as fases sólidas
anidras (KHANKARI; GRANT, 1995). Nesse sentido, isso pode explicar a baixa solubilidade
do salicilato de lamivudina monoidratado. Além disso, a raridade do heterosínton II significa
que esse sínton não é muito favorável termodinamicamente, e essa instabilidade pode
contribuir para uma melhoria discreta no perfil de solubilidade do 4,5-diclorobiftalato de
lamivudina. Desta maneira, o maior valor de solubilidade do sal 4,5-diclobiftalato é
racionalizado.
A solubilidade do biftalato de lamivudina hemidratado não pode ser determinada
devido ao fato da amostra deste sal ser composta majoritariamente pela fase anidra
correspondente. Apesar disto e baseada na inferência estrutural acerca da solubilidade do 4,5-
diclorobiftalato de lamivudina descrita acima, espera-se que o biftalato de lamivudina
hemidratado, mesmo cristalizando na forma de um hidrato, seja mais solúvel que o biftalato
de lamivudina anidro. Assim, o biftalato de lamivudina hemidratado não seguiria a regra
discutida anteriormente a respeito dos sais hidratados (KHANKARI; GRANT, 1995). Mas, o
comportamento anômalo deste sal de lamivudina poderia ser entendido como efeito do
heterosínton I (Fig. 24) presente na estrutura cristalina deste sal. O heterosínton I é similar ao
heterosínton II, ambos são raramente encontrados no CSD. Por esse motivo, a maior
solubilidade do biftalato de lamivudina hemidratado é sugestivamente antecipada aqui em
termos da baixa estabilidade deste sínton em relação ao sínton encontrado no biftalato de
lamivudina anidro (heterosínton III). Além disso, ambos os sais 4,5-diclorobiftalato de
lamivudina e biftalato de lamivudina hemidratado estão presentes com uma geometria
desfavorável de ligações de hidrogênio montando síntons raros quando comparados com os
síntons dos sais de biftalato de lamivudina anidro e salicilato de lamivudina monoidratado.
Isso pode ser dito baseado principalmente nas distâncias doador•••receptor de ligação de
hidrogênio, as quais são maiores nos sais de biftalato de lamivudina hemidratado e no 4,5-
diclorobiftalto de lamivudina do que no biftalato de lamivudina e salicilato de lamivudina
monoidratado. Essas distâncias, N3•••O1XB e N4•••O1YB, para os dois contatos de ligação
de hidrogênio responsável pelo pareamento entre a lamivudina e o contra-íon medem 2,727(3)
Å e 2,685(5) Å no biftalato de lamivudina e no salicilato de lamivudina monoidratado,
respectivamente. Como pode ser visto nas figuras 26 e 29, o biftalato de lamivudina
hemidratado e o 4,5-diclorobiftalato de lamivudina apresentam valores maiores das distâncias
65
correspondentes. Nesse sentido, heterosínton I e II e suas geometrias de ligação de hidrogênio
desempenhariam um papel de ajuste fino na solubilidade do biftalato de lamivudina
hemidratado e do 4,5-diclorobiftalato de lamivudina, o que ajudaria a racionalizar suas
solubilidades ligeiramente maiores, uma vez que as baixas solubilidades globais de todos os
sais de lamivudina estudados aqui são uma consequência da lipofilicidade dos contra-íons.
66
4 CONCLUSÕES
Em conclusão, neste estudo quatro novos sais de lamivudina foram preparados e
estruturalmente elucidados pela técnica difração de raios X por monocristal, suas estruturas
foram interpretadas baseadas em análises conformacionais e na estruturação cristalina. Todos
os sais divergem das versões do maleato e sacarinato de lamivudina, mesmo que alguns sais
apresentem alguns parâmetros de cela e grupos espaciais semelhantes. Pela primeira vez, um
duplo pareamento planar do fármaco com uma mesma unidade do contra-íon foi observado.
Em termos de ocorrência de síntons, os sais biftalato de lamivudina hemidratado e 4,5-
diclorobiftalato de lamivudina divergem das versões de maleato e biftalato de lamivudina.
Além disso, um novo sínton foi reportado na estrutura de biftalato de lamivudina
hemidratado, enquanto que o padrão de ligações de hidrogênio do 4,5-diclorobiftalato de
lamivudina é equivalente ao exibido pelo maleato de citosina, indicando que, embora as
grandes diferenças moleculares entre os cátions de lamivudina e citosina e entre os contra-
íons 4,5-diclorobiftalato e maleato, este sínton pode ser significativo na engenharia de cristais
de lamivudina com ácidos 1,2-dicarboxílicos.
Por fim, foi determinada a solubilidade de três sais de lamivudina. Sabe-se que muitos
fatores contribuem para a solubilidade final de um sal de um determinado insumo
farmacêutico ativo. Entretanto, os baixos valores de solubilidade que foram encontrados para
os sais de lamivudina são consistentes com as solubilidades dos contra-íons usados para
preparar esses sais. Portanto, esses resultados reforçam que a natureza do formador do sal e
sua solubilidade são aspectos importantes quando se trata da solubilidade final do sal
desejado. E também, a raridade do sínton II desempenha um papel de ajuste fino no perfil de
solubilidade dos sais reportados nesse estudo. O conhecimento estrutural relatado nesse
estudo pode ajudar a entender as propriedades do estado sólido, como a solubilidade e cinética
de dissolução, relacionadas como o desempenho farmacêutico, resultando em progresso na
química do estado sólido do fármaco.
67
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