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 41 DUDEQUE, Norton. Varia ção progressiva como um processo gradual no primeiro movimento... Per Musi.  Belo Horizonte, v.8, 2003. p. 41-56 V ariação progressiva como um processo gradual no primeiro movimento do Quarteto A Disson ância, K. 465, de Mozart Norton Dudeque (UFPR) email:  [email protected] Resumo: Este artigo visa esclarecer e retrabalhar a análise musical realizada por Arnold Schoenberg do primeiro movimento do quarteto A Disso nância, K. 465, de Mozart, e discutir o conceito de variação progressiva. O ponto de partida é a discussão oferecida por Schoenberg sobre variação progressiva como um processo gradual de desenvolvimento motívico e harmônico. Palavras-chave : Quarteto A Dissonâ ncia; Mozart; Schoenberg; variação progressiva; análise musical  Developing variation as a gradual process in the first movement of Mozart’s Dissonance Quartet , K. 465 Abstract : This text aims at reconstruct ing and reworking Schoenberg’s analysis of the first movemen t of Mozart’s Dissonance Quartet , K.465, and examining the principle of developing variation. It takes as a point of departure Schoenberg’s discussion of developing variation as a gradual process of motivic and harmonic development. Keywords: Dissonance Quartet ; Mozart; Schoenberg; developing variation; music analysis I. Introdução Este artigo visa esclarecer e retrabalhar a análise musical realizada por Arnold Schoenberg do primeiro movimento do quarteto  A Dissonância, K. 465, de Mozart, e discutir o conceito de variação progressiva. O ponto de partida é a discussão oferecida por Schoenberg sobre variação progressiva como um processo gradual de desenvolvimento motívico e harmônico.  A identificação da Grundgestalt no manuscrito Gedanke sugere que o conteúdo motívico da estrutura de Mozart delineia grande parte das características do movimento da obra. Schoenberg declara que o quarteto de Mozart é “um dos mais perfeitos exemplos de variação progressiva ” (SCHOENBERG, 1994, p. 43). Seu entendiment o sobre o quarteto é seu primeiro texto sobre variação progressiva e representa, juntamente com “Brahms the Progressive” (1947), a mais detalhada referência e exposição sobre o assunto. Schoenberg enfatiza a importância de um processo gradual no desenvolvimento temático e que há duas maneiras para a conexão de idéias musicais: por transição ou mediação, e por contraste. A primeira se refere à função que estágios intermediários desempenham em variação progressiva. Estas Gestaltes intermediárias têm a função de prover continuidade e fluê ncia ao discurso musical. As variações por mediação, podem produzir variações contrastantes. Nesta perspectiva, Schoenberg lista duas maneiras de produzir variações progressivas através de mediação: harmônica e motívica.  As an ál is es do qu ar te to ap ar ec em pr inci pa lm en te em duas obra s: no manu sc rito Zusammenhang, Kontrapunkt, Instrumentation, Formenlehre (1917) e no manuscrito Gedanke Recebido em: 14/08/2003 - Aprovado em: 28/10/2003 PER MUSI: Revista de Performance Musical  - v 8, pág. 41- 56, jul - dez - 2003.

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numero dois

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    DUDEQUE, Norton. Variao progressiva como um processo gradual no primeiro movimento... Per Musi. Belo Horizonte, v.8, 2003. p. 41-56

    Variao progressivacomo um processo gradual no primeiro movimentodo Quarteto A Dissonncia, K. 465, de Mozart

    Norton Dudeque (UFPR)email: [email protected]

    Resumo: Este artigo visa esclarecer e retrabalhar a anlise musical realizada por Arnold Schoenberg do primeiromovimento do quarteto A Dissonncia, K. 465, de Mozart, e discutir o conceito de variao progressiva. O pontode partida a discusso oferecida por Schoenberg sobre variao progressiva como um processo gradual dedesenvolvimento motvico e harmnico.Palavras-chave: Quarteto A Dissonncia; Mozart; Schoenberg; variao progressiva; anlise musical

    Developing variationas a gradual process in the first movementof Mozarts Dissonance Quartet, K. 465

    Abstract: This text aims at reconstructing and reworking Schoenbergs analysis of the first movement of MozartsDissonance Quartet, K.465, and examining the principle of developing variation. It takes as a point of departureSchoenbergs discussion of developing variation as a gradual process of motivic and harmonic development.Keywords: Dissonance Quartet; Mozart; Schoenberg; developing variation; music analysis

    I. IntroduoEste artigo visa esclarecer e retrabalhar a anlise musical realizada por Arnold Schoenberg doprimeiro movimento do quarteto A Dissonncia, K. 465, de Mozart, e discutir o conceito devariao progressiva. O ponto de partida a discusso oferecida por Schoenberg sobre variaoprogressiva como um processo gradual de desenvolvimento motvico e harmnico.A identificao da Grundgestalt no manuscrito Gedanke sugere que o contedo motvico daestrutura de Mozart delineia grande parte das caractersticas do movimento da obra.

    Schoenberg declara que o quarteto de Mozart um dos mais perfeitos exemplos de variaoprogressiva (SCHOENBERG, 1994, p. 43). Seu entendimento sobre o quarteto seu primeirotexto sobre variao progressiva e representa, juntamente com Brahms the Progressive (1947),a mais detalhada referncia e exposio sobre o assunto. Schoenberg enfatiza a importnciade um processo gradual no desenvolvimento temtico e que h duas maneiras para a conexode idias musicais: por transio ou mediao, e por contraste. A primeira se refere funoque estgios intermedirios desempenham em variao progressiva. Estas Gestaltesintermedirias tm a funo de prover continuidade e fluncia ao discurso musical. As variaespor mediao, podem produzir variaes contrastantes. Nesta perspectiva, Schoenberg listaduas maneiras de produzir variaes progressivas atravs de mediao: harmnica e motvica.

    As anlises do quarteto aparecem principalmente em duas obras: no manuscritoZusammenhang, Kontrapunkt, Instrumentation, Formenlehre (1917) e no manuscrito Gedanke

    Recebido em: 14/08/2003 - Aprovado em: 28/10/2003

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    (19346).1

    Em ambos os textos, Schoenberg tenta prover evidncia que fundamente a coernciana conexo de idias musicais contrastantes. Ele se refere, em particular, ao quarteto nas suasexplicaes sobre dissoluo e liquidao, as quais so extensivamente exploradas nas suasanlises. Ao retrabalhar as anlises de Schoenberg, espera-se contribuir para um melhorentendimento do conceito de variao progressiva e dos procedimentos de desenvolvimentomotvico/temtico e harmnico envolvidos em um processo gradual no desenvolvimento daIdia Musical.

    II. Variao progressiva como um processo gradualPara assegurar a coerncia de sua msica atonal, Schoenberg viu-se obrigado a criar novosprincpios formais. Para ele, o mais importante destes princpios era o motvico, que era entendidocomo capaz de prover a lgica e a coerncia necessrias na criao de grandes formas livresda sintaxe e da tonalidade tradicional. De fato, a coerncia e a compreensibilidade, que so toimportantes para Schoenberg, dependem de um princpio de semelhana e reconhecimentodo motivo musical. Esta idia a base da noo de Grundgestalt (gestalt bsica) que definidapor Schoenberg como: gestaltes que (possivelmente) ocorrem repetidamente dentro de umapea inteira e s quais gestaltes derivadas podem ser relacionadas (SCHOENBERG, 1995, p.169). Juntamente com esta noo, Schoenberg cunhou uma srie de conceitos originais quealmejavam elucidar e avaliar criticamente o discurso musical; estes conceitos tinham comoobjetivo explicar a continuidade musical e a conexo de idias musicais. Finalmente, a interaodestas noes e da idia de Grundgestalt podem ser percebidas como parte de um processomaior de desenvolvimento motvico: o princpio da variao progressiva. Em Fundamentos daComposio Musical Schoenberg declara que:

    Forma significa que uma pea organizada, isto , que ela constituda de elementos quefuncionam tal como um organismo vivo Os requisitos essenciais para a criao de umaforma compreensvel so a lgica e a coerncia: a apresentao, o desenvolvimento e ainterconexo das idias devem estar baseados nas relaes internas, e as idias devem serdiferenciadas de acordo com sua importncia e funo (SCHOENBERG, 1991, p. 27).

    A partir desta declarao de carter geral, podemos assumir que forma musical tambm determinada pelo contraste que sees e elementos subsidirios fornecem, e talvez at maisdo que pelas sees principais e formaes estveis. Assim, Schoenberg afirma que grandesformas desenvolvem-se mediante o poder gerador dos contrastes e que quanto maior a pea,maior ser o nmero de sees contrastantes com o intuito de esclarecer a idia principal daobra (SCHOENBERG, 1991, p. 215). Seguindo este argumento, Schoenberg organizou noseus manuscritos inacabados Gedanke e Zusammenhang, Kontrapunkt, Instrumentation,Formenlehre, sumrios dos elementos da forma nos quais ele enfatiza as pequenas seesformais baseadas principalmente em elementos subsidirios (SCHOENBERG, 1995, pp. 1637; e SCHOENBERG, 1994, pp. 1023). O sumrio do manuscrito Gedanke precedido poruma introduo, onde Schoenberg lista os elementos paradigmticos da forma, os quais icluemdesde o menor elemento da forma musical, o motivo, at a pequena forma ternria. Tambmimportante a coerncia deste sumrio: plausvel assumir que a continuidade musical

    1 Estes manuscritos foram publicados como Coherence, Counterpoint, Instrumentation, Instruction in Form,traduzido para o ingls por Severine Neff e Charlotte Cross em 1994; e como The Musical Idea and the Logic,Technique, and Art of Its Presentation editado, traduzido para o ingls, e com comentrio de Patricia Carpentere Severine Neff em 1995.

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    alcanada atravs da sucesso de sees distintas, cada qual organizada de forma lgica afim de produzir relaes suficientes para validar a conexo de todas as sees como umaforma completa, um todo orgnico. Isto equivale a dizer que diferentes sees de uma formainteragem entre si, ou seja, que a nossa percepo de uma primeira seo de uma forma modificada de acordo com a sua continuao, que necessitar de uma nova continuao eassim por diante, estabelecendo uma cadeia de sees sucessivas e interrelacionadas entresi. Portanto, a afirmao de Schoenberg de que a estrutura do incio determina a construoda continuao (SCHOENBERG, 1991, p. 48) deve ser entendida como uma declarao quereivindica um conceito funcional da forma. Dentro deste contexto, o conceito de variaoprogressiva representa a tcnica composicional que mais se adequa a este entendimento daforma musical e sua continuidade. Assim para Schoenberg, tonalidade e ritmo provm acoerncia na msica, variao prov tudo que gramaticalmente necessrio (SCHOENBERG,1975, p. 287). Esta noo de forma engloba os pequenos elementos da forma, as estruturasformais paradigmticas, formaes estveis e instveis, e procedimentos formais, todosrelacionados em um nico processo e ato contnuo de criao.

    Para Schoenberg, a forma musical tem dois pr-requisitos: lgica e coerncia. A partir destasduas condies, uma relao entre sees formais criada. A coerncia que Schoenbergdeclara como necessidade depende da firme conexo entre os pequenos elementos formais.Assim, motivos, frases, gestaltes, sentenas, e perodos, todos estes elementos contribuemna definio formal de sees que so construdas de acordo com os requisitos da lgicamusical. Se estas condies forem satisfeitas, a forma musical resultante torna-secompreensvel.

    Schoenberg considera variao progressiva como o mtodo mais apropriado para aapresentao de uma Idia Musical. As observaes de Schoenberg desta tcnica deapresentao do material musical na msica clssica e romntica atestam que ele reconhecesua herana musical advinda da msica clssica vienense, e em especial da msica de Brahms.Ao reconhecer a origem do conceito de variao progressiva e sua herana musical, Schoenbergtambm tenta justificar e legitimar seu trabalho terico e o princpio de variao progressiva.

    No manuscrito Gedanke, Schoenberg nos deu sua mais detalhada tentativa de sistematizarsua abordagem temtica na apresentao da Idia Musical. Esta teoria tem nos conceitos deGrundgestalt e de variao progressiva seu ponto central.

    O conceito de Grundgestalt uma tentativa de reformular uma idia sobre unidade na msicaque se origina na teoria musical dos sculos XVIII e XIX. Tericos como Adolph B. Marx jtinham explorado noes semelhantes. Marx enfatizava a importncia de um motivo bsico apartir do qual todo o material temtico restante deveria ser derivado.

    2 Esta e outras noes

    2 Esta viso orgnica, e porque no holstica, da forma musical tm sua origem nos escritos de Goethe,Morphologie ([1807] 1817) e Metamorphose der Pflanzen (1790). Basicamente, a idia contempla que inmerasformas de vida so metamorfoses de um nmero limitado de arqutipos; neste caso, cada arqutipo gera umgrupo de animais ou de plantas. Esta viso holstica da evoluo de organismos influenciou Marx, que talveztenha sido um dos primeiros tericos a adot-la de forma explcita em seus escritos tericos. Marx entendiaque o pensamento musical inicial deveria ser o motivo. Assim, ele reinvindicava que o motivo a configuraoprimria [Urgestalt] de tudo que musical (MARX, 1997, p. 66 [Die Form in der Musik, 1856]).

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    semelhantes evoluram para uma abordagem orgnica da forma musical, um ponto de vistaadotado por Schoenberg em sua obra terica e analtica e freqentemente associado noode Grundgestalt. Desde a sua concepo, existe uma preocupao central por parte deSchoenberg de relacionar o conceito sua abordagem motvica e temtica da obra musical.Assim, Grundgestalt associada ao postulado que prega o motivo como o gerador da forma.Portanto, a apresentao de uma idia musical alcana sua coerncia atravs deste elementounificador: o motivo. Assim, tudo dentro de uma composio completa pode ser relacionadocomo que originado, derivado, e desenvolvido de um motivo bsico ou, no mnimo, de umaGrundgestalt (SCHOENBERG, 1995, p. 135).

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    Para Schoenberg, repetio um ponto central na compreenso de uma obra musical. Eleabordou esta problemtica em uma srie de leis de compreenso, as quais so baseadas nanoo de reconhecimento e re-reconhecimento. A partir desta idia, a relao entre ospequenos elementos da forma de uma obra e sua estrutura geral coerente somente se aspequenas partes (motivos, gestaltes, frases) forem percebidas como pertencendo a um todo.Schoenberg acreditava que forma musical objetiva principalmente compreensibilidade(SCHOENBERG, 1975, p. 215) e que, assegurando a coerncia nas pequenas estruturas, acoerncia do design formal em grande escala tambm estaria assegurada. Assim Schoenbergescreve que:

    A menor gestalt musical cumpre com as leis da coerncia: o motivo, o maior denominadorcomum de todo fenmeno musical.

    A arte musical, afinal, consiste em produzir imagens em pequena e grande escala, as quaisso coesas atravs deste motivo, as quais tambm tm seu contedo coerente com ele, e queso reunidas de maneira que a lgica da imagem total to aparente quanto a das partesindividuais e daquela de suas combinaes (SCHOENBERG, 1995, p. 149).

    Por outro lado, Schoenberg tambm abordou a problemtica da continuidade musical:

    Como o motivo, todos os outros fenmenos musicais tm sua principal expanso no tempo. Omotivo, no que concerne ao tempo, de pequena durao, a questo que surge a de comouma pea musical ganha extenso, como ela continuada, como desenvolvida(SCHOENBERG, 1995, p. 153).

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    3 A argumentao de Dahlhaus de que a forma bsica (Grundgestalt) pode ser varivel quanto ao seu formatopode ser verdadeira. O principal ponto para Dahlhaus semelhante ao de Schoenberg, quem reivindica quecada obra musical tem qualidades nicas pertencentes somente a si mesma, e que por esse motivo sua estruturamusical nica. Neste sentido, Dahlhaus afirma que a relao entre tema (Grundgestalt) e forma como um todono pode ser determinada por um princpio geral que sirva para todas as obras musicais. Na realidade, estarelao deve ser vista de acordo com as qualidades de cada composio. Dahlhaus conclui que o nossoentendimento do que uma Grundgestalt depende da natureza de toda a forma, e a mediao entre tema e aforma total, que estabelecida atravs de variao progressiva (DAHLHAUS, 1987, pp. 12930)

    4 A reivindicao de Schoenberg de que a unidade em msica depende de relaes motvicas liberou a tonalidadede sua sintaxe tradicional. Neste sentido, a teoria de Schoenberg parece ser contraditria, se por um lado eleformula e teoriza de maneira profunda sobre a linguagem tonal, por outro, ele nega a importncia deste aspectopriorizando uma abordagem motvica sobre a tonal. Decorrente desta idia, a noo de Grundgestalt tem sidoquestionada e tm-se sugerido que nela repousa uma justificativa do prprio Schoenberg sobre seu conceitode derivao motvica nas suas composies (cf. ROTHSTEIN, 1986, p. 293; STRAUS, 1990, pp. 2831;FRISCH, 1984, p. 29). No entanto, a noo de Grundgestalt como um elemento gerador de todos os eventosmusicais pode ser utilizado como um conceito que explica em termos lgicos a unidade orgnica de uma obramusical. De fato, quando visto desta maneira, todos os elementos musicais so temticos e tudo pode serentendido como uma infinita reformulao de uma forma bsica (SCHOENBERG, 1975, p. 290).

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    No texto de 1950, The Task of the Teacher, Schoenberg descreve de forma sucinta que umprofessor deve ensinar ao seu discpulo formulaes de frase claras e distintas, continuaeslgicas, fluncia, variedade, construes e contrastes caractersticos, e mais tarde ele enfatiza opapel do professor no ensino dos requisitos da continuidade (SCHOENBERG, 1975, pp. 3889). Adorno tambm abordou a importncia da continuidade para a forma musical, at mesmosugerindo que continuidade fosse considerada uma categoria formal. Tradicionalmente, asformaes estveis so consideradas mais decisivas na determinao da forma do que o so assees de continuao. Mas de outro ponto de vista, terminaes formais podem ser consideradascomo que resultantes dos segmentos de continuao. Este entendimento sugere que variaoprogressiva seja considerada como uma categoria formal no sentido de que pode prover osmeios necessrios para a continuidade. Adorno tambm observa que a qualidade dos tipos deforma depende da profundidade, da extenso e da penetrao das figuras de continuidade(ADORNO, 1973, p. 100).

    5 A continuao, neste caso, prova ser o fator decisivo no qual uma

    pea musical se transforma em uma composio, uma obra de arte, e no somente uma sucessode temas distintos; atravs da continuao a obra transcender o imediatismo das limitaestemticas e relaes bvias e suprfluas. neste sentido que Schoenberg abraa a sugesto deAdorno, atravs do seu princpio de variao progressiva. Portanto, lgico atribuir um valoresttico igual s duas categorias de formaes, estveis e instveis, uma vez que ambas socomplementares entre si e ambas contribuem na definio do design formal de uma obra musical.

    Schoenberg entendeu esta idia muito bem, variao progressiva um princpio geral no qualformaes estveis e instveis so postas lado a lado de acordo com uma srie de procedimentosformais, ou sub-processos, que garantem a continuidade a fim de gerar a forma. Assim, tonalidadee ritmo provm coerncia, e variao prov os elementos gramaticalmente necessrios para unirdiferentes idias musicais. Schoenberg, de fato, cria uma argumentao que defende que aestrutura formal adquire um aspecto teleolgico que relaciona o individual (sees formais) a umtodo formal orgnico. Em um manuscrito de 1949, Schoenberg argumenta que:

    Devemos levar em considerao que na msica, assim como na poesia, o reconhecimento daforma depende essencialmente de fatores diferentes daqueles das artes. Nas artes no hnenhum elemento escondido de maneira que o olho no o observe e a mente o avalie. O efeitosobre a inteligncia total, completo e imediato, dependendo somente das faculdades artsticasdo observador, e se ele pode detectar o equilbrio daquelas foras centrfugas e centrpetasque constituem a forma. Simultaneamente observamos o contedo e a forma.

    Ao contrrio, a percepo da forma na msica condicionada pelo conhecimento de toda aobra. No existe momento, em nehum ponto da pea, nem no comeo, meio ou fim, que oouvinte esteja em posio de determinar a forma. Para termos conscincia da forma devemoster em mente no somente o contedo mas tambm aquelas foras centrfugas e centrpetasque podem finalmente parar a produo de movimento e que podem chegar a um equilbrio.Em outras palavras, na msica contedo e forma no se manifestam simultaneamente. E sem

    5 Levinson aborda a importncia da idia de como diferentes segmentos da estrutura musical so conectados.Ele segue uma linha de pensamento derivada da viso de um modelo orgnico desenvolvida no sculo XIX.Para Levinson, partes que se sucedem ou segmentos de forma musical so relacionados como conseqentesentre si. Continuidade, por sua vez, percebida como o desenvolvimento cronolgico de notas e intervalosindividuais que no so percebidos individualmente, mas sim como pequenas estruturas, tais como motivos efrases, os quais so apreendidos como uma unidade musical que progressivamente justaposta ou sobreposta(cf. LEVINSON, 1997, p. 37).

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    guardar na memria todos os elementos de forma e contedo, isto , sem a capacidade damemria, nenhum ouvinte ser capaz de perceber a forma.

    Em consequncia disso, tudo em msica deve ser formulado de maneira tal que facilite amemria (SCHOENBERG, 1949).

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    A retrica de Schoenberg , portanto, identificvel a um processo teleolgico no qual o elementoformal em questo tem um propsito e acontece por causa daquele objetivo (HAIMO, 1997, p.351). Portanto, o objetivo de um motivo pode ser entendido como se os eventos subseqentesfossem derivados e conseqncias dos pequenos elementos formais.

    Quando Schoenberg formula seu princpio de variao progressiva, ele tambm prope suaprpria verso da frmula unidade na diversidade. Esta noo propicia a criao de variedadeem estruturas localizadas e em larga-escala atravs da integrao do material bsico,representado pela Grundgestalt, e desenvolvido por variao progressiva, estrutura formalda obra (DAHLHAUS, 1991, pp. 5152). Ademais e em um sentido mais amplo, variaoprogressiva pode ocorrer em outros parmetros alm do aspecto temtico de uma obra, ouseja, pode influenciar o desenvolvimento harmnico e rtmico.

    O termo variao progressiva denota aspectos diferentes de uma tcnica de composio. Eleimplica uma noo de crescimento relacionado abordagem orgnica de variao motvica, distintadaquela associada tcnica de variao propriamente dita, a qual no implica em uma abordagemesttica nem orgnica. Neste sentido, a conexo entre diferentes motivos pode ser entendida comono tendo uma relao direta, ou seja, variaes progressivas de um mesmo motivo podem ter seucontedo essencial derivado de uma caracterstica comum, muito embora esta no seja uma condiosine qua non. Portanto, em variaes progressivas de um motivo bsico, pode no existir umarelao facilmente identificvel entre as variaes mais longnquas. Por exemplo, em uma srie de4 motivos desenvolvidos a partir de um bsico, o segundo pode ter uma relao direta com oprimeiro, mas as terceira e quarta variaes podem ou no apresentar caractersticas que sejamrelacionadas ao motivo inicial. No entanto, entre o terceiro e quarto motivos haver uma conexomais forte do que entre o terceiro ou quarto e primeiro ou segundo motivos. A relao entre variaesdistantes podem ser as mais desconcertantes. Schoenberg aborda esta problemtica considerandoo uso de gestaltes intermedirias entre idias contrastantes, e a noo de Grundgestalt como oelemento unificador mais importante. Esta observao abre a possibilidade de entendimento devariao progressiva como um processo gradual de desenvolvimento motvico que toma forma demaneira cronolgica. Em outras palavras, existe um processo gradual de desenvolvimento motvicoque ocorre e se conforma estgios intermedirios em direo de novas formas motvicas.Schoenberg reconhece que a natureza de desenvolvimento contnuo em variao progressivapresupe que a referncia Grundgestalt pode ser alcanada somente em relao estgiosintermedirios de desenvolvimento. A esse respeito, Schoenberg escreve que:

    Mesmo que tenhamos mudanas muito grandes, estas so associadas com uma gestalt quemedia entre as variaes mais remotas e a gestalt inicial por se assemelhar ambas, enquantotraz simultaneamente memria a gestalt inicial.

    Uma grau significativo de distanciamento da gestalt inicial encontrado naquelas variaesque introduzem idias subordinadas. Frequentemente sua conexo grundgestalt (quase

    6 O manuscrito est nos arquivos do Arnold Schoenberg Center, em Viena, manuscrito T51.17.

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    7 A noo de Schoenberg de que o motivo o menor elemento da forma desenvolvido em um conceito maisamplo e que envolve dimenses diferentes da Idia Musical. Desta maneira, Grundgestalt associada aospequenos elementos da forma em uma cadeia de termos: motivo, gestalt, e frase. A relao entre estes pequenoselementos da forma realizada atravs de variao progressiva. Goehr descreve esta noo: Ns temos umasucesso de termos, cada qual derivado de outro: tema que conduz variaes e desenvolvimentos, ouGrundgestalt (forma bsica) que conduz a Gestalten (formas) derivadas. Mas estas Gestalten no so o mesmoque Gedanken (idias), que so continuadas atravs da musikalische Logik (lgica musical). Assim, o pensamentolgico gera novas combinaes de temas, variaes e desenvolvimento, que por sua vez tornam-se o veculopara uma srie de novas idias, e todas estas idias so a continuao lgica da idia original (GOEHR, 1998,p. 128). Mais tarde Goehr conclui que uma idia musical transforma-se em uma Gestalt e no ato de composioem uma Grundgestalt, que gerar outras Gestalten e assim expressar a lgica musical (Ibid. p. 130).

    8 Schoenberg comeou a aplicar o conceito de variao progressiva como uma tcnica composicional nas suas primeirascomposies ainda tonais. Ele tambm utilizou esta tcnica nas suas classes de composio no perodo de 1907-1908. Hilmar nos deu evidncias que Berg obteve familiaridade com a tcnica durante seus estudos com Schoenberg.Os primeiros esboos de composio de Alban Berg mostram a importncia que variao progressiva tinha paraSchoenberg e que ele a utilizava como uma ferramenta para o ensino da composio musical (HILMAR, 1984).

    9 Esta opinio compartilhada por Haimo e Simms (HAIMO, 1997; SIMMS, 1998). No entanto, vrios autoresvm as duas noes, Grundgestalt e variao progressiva, como independentes entre si. Frisch, por exemplo,sugere que Grundgestalt no tem um papel importante para o entendimento de variao progressiva; e Carpenter,Phipps e Epstein no consideram que o conceito de variao progressiva seja associado Grundgestalt (cf.EPSTEIN, 1979; CARPENTER, 1983; PHIPPS, 1983; FRISCH, 1984; NEFF, 1984).

    * D3 o d central.

    sempre indireta) torna-se clara muito tarde [na obra]. Como regra estas gestaltes dificilmentese desenvolvem de maneira convencional, mas sim de trs para frente: elas se aproximam dagestalt inicial (SCHOENBERG, 1995, p. 159).

    Alterao ou substituio de partes no repetidas sempre ocorrem de acordo com aGrundgestalt. A causa disso, como regra, que tambm existem na Grundgestalt caractersticasque indicam mudanas. Contrastes e novas formaes geralmente so formas mais remotasde uma grundgestaltFormas relativamente mais prximas podem ser facilmente relacionadasaos componentes e partes de uma grundgestalt, enquanto que as formaes mais remotaspodem ser relacionadas somente de maneira indireta grundgestalt; portanto a coernciapode ser reconhecida somente de forma indireta a partir de uma ou vrias gestaltesintermedirias (SCHOENBERG, 1995, pp. 3534).

    Estas conexes dependem do desenvolvimento cronolgico de um material bsico e da aceitaode um processo teleolgico. Sua importncia e validade so alcanadas somente se vistos emrelao uma abordagem e entendimento orgnicos do processo de composio musical, isto ,somente em relao uma Grundgestalt a partir da qual todo o restante derivado. deste pontode vista que Simms argumenta que variao progressiva tem dois objetivos: ela ajuda a criaruma melodia sofisticada e artstica por um desenvolvimento rpido dos elementos motvicosiniciais, e ela relaciona melodias aparentemente diferentes tendo como base formas-motvicasque evoluem de maneira contnua (SIMMS, 2000, p. 34; ver tambm HAIMO, 1997, pp. 3556).

    7

    Portanto, central discusso que Schoenberg nos oferece a interrelao entre os conceitos deGrundgestalt e de variao progressiva.

    8 Estes dois conceitos tm a funo de prover unidade

    para a obra musical e atravs da lgica e coerncia, em particular motvica, a compreensibilidadeda obra alcanada. Esta a idia que Dahlhaus defende, ou seja, que variao progressiva um processo de desenvolvimento de uma idia bsica (DAHLHAUS, 1987, p. 128). De maneirasemelhante, Schmalfeldt argumenta, e resume, que variao progressiva prov os meios para arealizao de uma Grundgestalt (SCHMALFELDT, 1991, p. 84).

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    A primeira sentena (cc. 2330) consiste de um segmento inicial (cc. 236) que repete a Grundgestaltnas formas de tnica e dominante. Na segunda metade da sentena, inicia-se um processo deliquidao atravs da repetio do compasso inicial na tnica. A transposio, uma 5 justa acima domotivo a (Sol

    4L

    4Si

    4D

    5), no somente inicia o processo de liquidao mas tambm gera um

    novo motivo b (D5Mi

    4F

    4). Finalmente, o processo de liquidao concludo por figuras de fragmento

    escalar derivadas do motivo a e uma simples repetio do motivo b transposto. Alm disso, a sentenaprojeta uma progresso em D: IV, o que permite que a estrutura possa ter uma continuaoimediata, uma vez que motivica e tonalmente permanece como uma estrutura aberta (vide Ex. 2).

    III. Quarteto A Dissonncia, 1o movimento, K. 465, de MozartA anlise de Schoenberg do primeiro movimento do quarteto em D maior, K. 465, ilustra oconceito de variao progressiva como um processo motvico gradual.

    Schoenberg abordou a Grundgestalt do quarteto identificando suas caractersticas. O Ex. 1 ilustra omaterial bsico que inclui: motivo a, o qual formado pela figura de trs colcheias (D

    4R

    4Mi

    4)

    Sol4;* motivo a1, que define uma 5 justa ascendente (D

    4Sol

    4); a2, que define a 2 maior

    descendente, Sol4F

    4; a3, uma 3 descendente, D

    4L

    3; e o motivo a4, que delineia uma 4 justa

    ascendente entre as notas inicial, D4, e a final, F

    4. O motivo rtmico Z, apresentado na introduo,

    contm a seguinte figura: -| @. Alm deste contedo motvico, podemos identificar estruturas maiores,as gestaltes. Assim, temos Gestalte A

    1, que compreende o movimento meldico D

    4D

    4R

    4

    Mi4Sol

    4F

    4; e a Gestalte A1, uma abreviao da Gestalte principal: D

    4R

    4Mi

    4Sol

    4F

    4.

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    A transio apresenta a tendncia das menores notas, i.e. uma tendncia de acelerao rtmicae que contribuir para a transio at o tema subordinado do movimento. De fato, a transiona forma-sonata tem uma importncia fundamental para Schoenberg. Quando ele analisa aseo de transio do quarteto de Mozart, Schoenberg se refere exatamente a caractersticaque o princpio de variao progressiva apresenta: o de gerar novas idias (SCHOENBERG,1994, p. 39). Assim, Schoenberg observa que a figura no compasso 46 tende a uma aceleraortmica. Esta seguida no compasso 48, no segundo violino, pela figura a que Schoenbergentende como que derivada do compasso anterior onde preparada pelo cello (indicada pelaslinhas pontilhadas no Ex. 3). Como alternativa, esta mesma figura poderia ser interpretadacomo uma diminuio e inverso do motivo a, uma vez que o excerto do cello pertence a umalinha meldica descendente maior. Esta linha meldica comea no compasso 46 e compostada seguinte sucesso de notas: Mi

    1Mi

    2R

    2D

    1Si

    1LL

    2 Sol

    2F#

    2Mi

    2R

    2D

    2Si

    1.

    A observao de Schoenberg sugere que h um processo de derivao motvica contnua, noqual a figura de arpejo de acorde e desprovida de caracterstica que causou a liquidao naseo anterior (cc. 402) adquire agora um papel importante (vide Ex. 5). Esta figura transforma-se agora em uma verso expandida do motivo b e que variada por valores rtmicos menores.A figura de acompanhamento, no segundo violino e na viola, tambm derivada de uma figurano compasso 28 (vide Ex. 2, c. 28). Finalmente, a transio estabelece uma harmonia anacrzicapara a regio tonal da dominante e, nos compassos 525, projeta a progresso em R: V;a qual prepara para a regio tonal do tema subordinado: Sol maior.

    O Ex. 4 ilustra o desenvolvimento de variaes a partir do motivo bsico (a) at o temasubordinado. Torna-se ento, claro que h um trabalho de desenvolvimento motvico gradual eprogressivo. Por exemplo, o motivo b claramente derivado de a, e a acelerao rtmica aplicada b resulta em um desenvolvimento gradual e expressivo. No Ex. 4b ilustrado o contedomotvico do tema subordinado. Este inicia com uma 3 ascendente seguida de uma 2descendente, ou seja, a mesma relao intervalar do motivo b (6 descendente [ou 3 ascendente]e grau conjunto). A gestalt de 3

    alternadas que segue composta por apresentaes sucessivas

    do motivo b. Alm disso, a gestalte completa do tema subordinado tambm delineia o intervalode 5a justa descendente, ou seja uma inverso do motivo a4 (vide Ex. 4).

    s

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    IV. Procedimentos formais10

    Um dos pontos mais importantes no fluxo do discurso musical refere-se maneira com a qualo compositor organiza e conecta diferentes sees formais dentro da obra. Essa questorelacionada com a continuidade musical abordada por Schoenberg. Aqui, ilustrarei em trsexemplos como Mozart constri continuidade musical atravs do uso de procedimentos formais,cunhados por Schoenberg, e que resultam em variao progressiva.

    O primeiro exemplo refere-se seo de repetio da sentena inicial e sua continuidade para aseo de transio para o tema subordinado. Aps a apresentao da sentena modificada (cc.319), Mozart escreve uma pequena seo de 5 compassos (cc. 404) na qual ocorre a liquidao,ou eliminao, dos elemenos motvicos utilizados na Grundgestalt. Schoenberg observa este aspectoanotando na sua anlise da passagem: uncharakterisch verallgemeinert (sem caractersticageneralisada). De fato, a liquidao aqui toma a forma de um arpejo de acorde, ou seja, umadaquelas figuras simtricas tais como escalas, arpejos, e figuras meldicas simtricas sucessivasque tm a qualidade de produzir liquidao por no apresentar um contorno meldico caracterstico(SCHOENBERG, 1995, p. 259). Os dois ltimos compassos desta repetio variada introduzem atransio para o tema subordinado. A continuidade entre estas sees distintas garantida pelasobreposio da atividade meldica do cello e dos outros instrumentos, o que mantm o movimentomeldico e rtmico para a transio. O fechamento cadencial no cello ocorre no compasso 43, noentanto, os outros instrumentos tm sua cadncia no compasso seguinte (c. 44); neste compassoque o cello inicia uma nova apresentao do motivo a e uma nova seo: a transio. Estes doiscompassos (cc. 434) apresentam, portanto, uma funo concomitante de encerramento formal ede comeo de nova seo. Assim, um alto grau de continuidade entre as duas sees alcanado.

    10 Schoenberg aborda procedimentos formais em The Musical Idea. Estes procedimentos podem ser classificadosem duas categorias: a. os que propiciam a extenso das estruturas musicais; e b. os que propiciam a terminaoformal. Na primeira encontram-se as tcnicas de conexo (Anschluss Technik): 1. uso de contraste; 2. soldamento(welded together); 3. justaposio; 4. uso de uma caracterstica rtmica ou intervalar da frase precedente; 5.harmonias anacrzicas. Tambm inclui-se aqui o procedimento de modelo e seqncia. Na segunda categoriaencontram-se: 1. liquidao e dissoluo que so compostas por sua vez por: condensao e intensificao,i.e. um agrupamento do contedo motvico em menor espao de tempo; e reduo, i.e. eliminao de contedomotvico. Finalmente, a tendncia das menores notas tambm pode ser includa nos procedimentos formaisde terminao formal (cf. DUDEQUE, 1999; e DUDEQUE, 2002).

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    Uma outra passagem memorvel (cc. 14754) e localizada no final da seo de desenvolvimentoda forma-sonata, apresenta no somente uma aluso introduo do movimento, como tambmuma realizao da funo formal de retransio regularidade de frase que comea areexposio. O desenvolvimento, ou elaborao, caracterizado por uma sucesso de frasesirregulares de 15 + 9 + 7 + 11 compassos. A principal funo das sees de retransio ao finalde contrastes modulantes e de Durchfhrungen a de liquidar, ou eliminar, as tendnciasmotvicas da seo de desenvolvimento, e neste caso em particular, a de retornar umaregularidade de frase. Estas sees, portanto, adquirem um aspecto funcional importante nareintroduo do tema e da tonalidade principais. Schoenberg descreve este processo comoque de modo a neutralizar o impulso modulatrio, assim como a liquidar as obrigaes motvicascriadas nesta seo e, em particular, a reduo destas forma-motivo ao seu contedo mnimo,bem como a presena de sees relativamente longas, que enfatizam a dominante ou qualqueroutro acorde anacrzico adequado contribuem para a preparao do retorno da reexposio(SCHOENBERG, 1991, p. 253). A harmonia anacrzica tem uma importncia estrutural nadefinio entre transio e reexposio e freqentemente prolonga a harmonia da dominante.No Ex. 6 ilustrada a passagem entre os compassos 14750. A referncia introduo e funo das notas em falsa-relao L@3 [6@] (2 violino) e L$3 [6$] (viola) d-se tanto na resoluoda tendncia destas notas o L@3 desce para Sol$3 e o L$2 ascende para o Si$2 como na suasobreposio a Gestalte A da Grundgestalt apresentada no cello.

    11 A imediata reduo do

    contedo motvico que segue (cc. 1514), do arpejo do acorde de dominante at a pausageral, caracteriza um excelente exemplo de liquidao do impulso motvico criado nodesenvolvimento. @

    11 A relao e a funo que as notas em falsa-relao, mi@mi$ e l@l$, ocupam na introduo e nos outrosmovimentos do quarteto a principal preocupao para Baker. Ele tenta diferenciar quais so as notas cromticase quais so as diatnicas na introduo (BAKER, 1993, pp. 286-94). Um dos pontos onde Baker identifica umaaluso introduo e a funo das notas em falsa-relao ocorre nos compassos 1034, entre o 1 violino e ocello. A introduo caracterizada por sua ambigidade tonal nos compassos 114. Alis, a ambigidadeapresentada j nos 4 primeiros compassos gerou um dos grandes debates entre tericos do sculo XIX. Omais notrio certamente foi a controvrsia entre F. Ftis e A. C. Leduc (possivelmente Peter Lichtenthal) durante182932. Gottfried Weber contribuiu para a discusso quando em 1832 publicou sua anlise dos 4 primeiroscompassos tentando explicar as dissonncias nos segmentos meldicos-imitativos. Talvez o aspecto maisimportante da anlise de Weber seja a introduo da noo de ambigidade tonal (Mehrdeutigkeiten). Noentanto, Weber tenta reduzir a passagem a uma estrutura diatnica que assegure uma progresso funcionalpara a dominante de D maior (cf. BENT, 1994, pp. 16371; Saslaw e Walsh, 1996, pp. 21522). Comoresultado, Weber apresenta 6 passagens retrabalhadas que almejam a esclarecer a frase de Mozart. O relatoda discusso dado por Vertrees concentra-se no aspecto histrico, e no considera o aspecto puramenteterico (cf. VERTREES 1974). De outro ponto de vista, Moreno aborda a anlise de Weber considerando opotencial de interpretaes distintas para a passagem associado a uma reflexo filosfica das noes deconscincia e de subjetividade na filosofia romntica (cf. MORENO 2003). Alm destas anlises, Schoenberge Schenker, cada qual, contriburam com sua interpretao desta passagem. Schenker no seu Harmonielehredescreve a passagem como prolongando a trade de d menor nos compassos 114. A primeira tera, DMi-bemol, invertida em uma sexta. O baixo se move por grau conjunto atravs deste intervalo, cromaticamenteat Sol, e depois diatonicamente (SCHENKER, 1954 [1906], p. 346). Schoenberg em Structural Functions ofHarmony no comenta a passagem, mas simplesmente indica que se trata de uma harmonia errante (rovingharmony) at onde ele reconhece o acorde de tnica (I) no compasso 14 (SCHOENBERG, 1969, p. 168).

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    O terceiro exemplo se refere coda do movimento nos compassos 22746. A funo destas seesforam resumidas por Cavett-Dunsby, e das caractersticas sumarizadas, 3 podem ser claramenteaplicadas presente obra: 1. a coda pode realar um motivo essencial da parte principal do movimento,ou esclarecer a relao motvica entre dois temas aparentemente contrastantes; 2. o incio da codapode ecoar o incio do desenvolvimento, produzindo um momento de ambigidade; 3. a coda podeacrescentar algum comentrio organizao mtrica do movimento (CAVETT-DUNSBY, 1988, pp.467). De fato, a coda apresenta as ltimas elaboraes de Mozart sobre as caractersticas maisessenciais do movimento. Em primeiro lugar, a coda se refere mesma relao de ambigidade qual caracterstica do incio do desenvolvimento; em segundo lugar, a coda resume de maneirabrilhante o processo de liquidao j no seu incio; e finalmente, a coda acrescenta outra elaboraodas principais caractersticas da Grundgestalt. No Ex. 7, podemos observar o processo de intensificaoque ocorre entre os compassos 22734. A imitao entre o 1 violino e a viola nos remete imediatamenteao incio da seo de desenvolvimento. Esta primeira imitao da Gestalte A ocorre distncia de umcompasso completo (indicada pelas setas). No entanto, a segunda imitao condensada para umadistncia de meio compasso, e posteriormente submetida a um processo de reduo (ou fragmentao)dos seus componentes motvicos. O efeito resultante deste procedimento o de uma intensificaona expresso musical e de uma liquidao do contedo motvico, um processo que definiu as divisesformais dentro do movimento. Alm disso, a passagem tambm faz referncia ambigidade entretnica e subdominante o acorde de tnica aqui transformado em um acorde de dominante da

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    subdominante. A resoluo final tnica no compasso 235, divide a coda quase que simetricamente:so duas sees de 8 e de 7 compassos cada, alm de 5 compassos de codeta (cc. 2416).

    Finalmente, o Ex. 7b mostra a relao intrnseca entre os motivos a e b. Esta elaborao finalda Grundgestalt elucida a derivao do motivo b a partir do motivo a e torna vlida a percepode Schoenberg de uma estrutura bsica para o movimento.

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    V. ConclusoDurante todo o movimento percebe-se um princpio ativo de derivao temtica e motvica.Schoenberg defende que este processo gradual e cronolgico e que somente atravs deuma percepo teleolgica podemos entender a forma musical. Juntamente com este processogradual, podemos perceber que a continuidade da obra alcanada atravs de uma srie deprocedimentos formais que delineiam a terminao formal de sees ou que produzem umaconexo imediata para a seo seguinte. Assim, o princpio de variao progressiva pode nosservir como uma ferramenta analtica importante para compreendermos a unidade e a variedadedo discurso musical nesta obra de Mozart.

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    Norton Dudeque professor adjunto no Departamento de Artes da Universidade Federal do Paran, realizoudoutorado (Ph.D) na University of Reading, Gr-Bretanha, onde apresentou a tese Music Theory and Analysis inthe Writings of Arnold Schoenberg (18741951).