O Acordo Multilateral de Investimentos_Boaventura de Sousa Santos

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    São Paulo, domingo, 15 de março de 1998

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    OPINIÃO ECONÔMICAO acordo multilateral de investimentos

    BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

    Um dos paradoxos da sociedade de informação é que, quantomais vasta é a informação potencialmente disponível, maisseletiva é a informação efetivamente posta à disposição doscidadãos. E, como nesse tipo de sociedade o exercício ativoda cidadania depende mais do que nunca da informação queo sustenta, a luta democrática mais importante é a luta pelademocratização dos critérios da seleção da informação.Quem tem poder para difundir notícias tem poder paramanter segredos e difundir silêncios; tem, sobretudo, o poder para decidir se o seu interesse é mais bem servido por notícias ou por silêncios. Podemos, pois, concluir que uma parte do que de importante ocorre no mundo ocorre emsegredo e em silêncio, fora do alcance dos cidadãos.O dilema para a democracia daqui resultante é que ossegredos só podem ser conhecidos a posteriori, depois dedeixarem de ser, depois de produzirem fatos consumados queescaparam ao controle democrático. Acresce que, quandoisso acontece, nada garante que o que é noticiado sobre osegredo não deixe o mais importante em silêncio.Isso tudo vem a propósito do Acordo Multilateral deInvestimentos (AMI), que vem sendo negociado no maiscompleto segredo, nos últimos dois anos, entre os paísesdesenvolvidos da (OCDE (Organização para a Cooperação eo Desenvolvimento Econômico), por iniciativa dos EUA e daUnião Européia. Durante certa altura das negociações, osegredo foi considerado de tipo "nuclear", e a verdade é queaté agora nem mesmo os peritos em comércio internacionalsabiam com precisão o que estava sendo negociado.Recentemente, Renato Ruggiero, diretor-geral daOrganização Mundial do Comércio, caracterizou melhor queninguém as negociações em curso: "Estamos escrevendo aconstituição de uma economia global única".

    O AMI visa, de fato, levar até as últimas consequências o processo de liberalização da economia mundial,desregulamentando por completo o investimento estrangeiro. Nos seus termos, os países serão obrigados a tratar

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    igualmente os investidores estrangeiros e os investidoresnacionais, sendo proibidos tanto os condicionamentos aocapital estrangeiro quanto os incentivos ou subsídios aocapital nacional.Do mesmo modo, são proibidas todas as medidas estatais nosentido de responsabilizar as empresas multinacionais por práticas comerciais ou outras consideradas ilegais em nível

    nacional. São igualmente proibidas todas as estratégiasnacionais no sentido de restringir a fuga de capitais parazonas de salários mais baixos.Qualquer empresa multinacional que se sinta prejudicada por uma lei da cidade ou do Estado onde está implantada podeinterpor queixa no painel do AMI, e este poderá impor aanulação da lei em causa. Significativamente, as cidades e osEstados nacionais não têm o direito recíproco de demandar as empresas em nome do interesse público.Trata-se do fim de qualquer idéia de desenvolvimentonacional e do confisco total da possibilidade de deliberaçãodemocrática no domínio da política econômica.Sociologicamente, se o AMI é uma constituição, é umaconstituição fascista,escrita por investidores e para proteger exclusivamente os seus interesses.O segredo do AMI foi recentemente revelado pelasdesavenças entre a França e os EUA sobre a chamada"exceção cultural". As consequências do acordo para ocinema e as demais indústrias culturais francesas são, semdúvida, negativas, mas não são nada comparadas às queafetarão milhões e milhões de pessoas nos países do Terceiroe do Quarto Mundo. Tais consequências, porém, continuamem segredo.

    Boaventura de Sousa Santos, 57, sociólogo, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade deCoimbra (Portugal).

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