O AUMENTO DA PRODUÇÃO FRIGORÍFICA DE AVES NO...

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O AUMENTO DA PRODUÇÃO FRIGORÍFICA DE AVES NO OESTE E SUDOESTE DO PARANÁ ENTRE AS DÉCADAS DE 1970 a 2010: algumas reflexões. Rinaldo José Varussa 1 Eixo temático: CONFLITOS E MOVIMENTOS SOCIAIS RESUMO: este texto visa discutir o processo de ampliação da produção industrial da avicultura de corte no Oeste e Sudoeste do Paraná, levando em conta a presença das cooperativas agroindustriais neste setor. Partindo de um levantamento estatístico desta produção e dialogando com parte da bibliografia atinente à temática, notadamente a produzida regionalmente, o trabalho pretende apontar alguns aspectos referentes às dinâmicas vividas pelos trabalhadores, principalmente com relação à identificada e conceituada, pelo setor empresarial, “rotatividades da mão-de-obra”. PALAVRAS-CHAVE: frigoríficos de frango; industrialização e cooperativas; trabalhadores e rotatividade da mão-de-obra 1 INTRODUÇÃO Em 1975, a produção de carne de frangos no Brasil, totalizava 534 mil toneladas, o que colocava o país na sexta colocação, correspondendo a 3,3% da produção global que se aproximava, então, de 16,4 milhões de toneladas. O maior produtor, então, eram os EUA, com 3.911 mil toneladas, perfazendo 23,9% na sua participação mundial. 2 Naquele momento, a configuração nacional daquela produção apresentava o Estado de São Paulo como principal produtor, contribuindo com 46,6%, seguido de longe pelos Estados 1 (UNIOESTE [email protected] ) 2 Com base em dados da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAOSTAT), capturados no sitio http://faostat.fao.org/, em 23/05/2011.

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O AUMENTO DA PRODUÇÃO FRIGORÍFICA DE AVES NO OESTE E SUDOESTE

DO PARANÁ ENTRE AS DÉCADAS DE 1970 a 2010: algumas reflexões.

Rinaldo José Varussa1

Eixo temático: CONFLITOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

RESUMO: este texto visa discutir o processo de ampliação da produção industrial da avicultura de

corte no Oeste e Sudoeste do Paraná, levando em conta a presença das cooperativas agroindustriais

neste setor. Partindo de um levantamento estatístico desta produção e dialogando com parte da

bibliografia atinente à temática, notadamente a produzida regionalmente, o trabalho pretende apontar

alguns aspectos referentes às dinâmicas vividas pelos trabalhadores, principalmente com relação à

identificada e conceituada, pelo setor empresarial, “rotatividades da mão-de-obra”.

PALAVRAS-CHAVE: frigoríficos de frango; industrialização e cooperativas; trabalhadores e

rotatividade da mão-de-obra

1 INTRODUÇÃO

Em 1975, a produção de carne de frangos no Brasil, totalizava 534 mil toneladas, o

que colocava o país na sexta colocação, correspondendo a 3,3% da produção global que se

aproximava, então, de 16,4 milhões de toneladas. O maior produtor, então, eram os EUA, com

3.911 mil toneladas, perfazendo 23,9% na sua participação mundial.2

Naquele momento, a configuração nacional daquela produção apresentava o Estado de

São Paulo como principal produtor, contribuindo com 46,6%, seguido de longe pelos Estados

1 (UNIOESTE – [email protected] )

2 Com base em dados da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAOSTAT), capturados no

sitio http://faostat.fao.org/, em 23/05/2011.

de Santa Catarina (15,5%), Minas Gerais (12,7%) e Rio Grande do Sul (7,6%), somente então

apareceria o Estado do Paraná, ocupando a quinta posição com 3,9 % de participação.3

Numa redução de escala, o quadro I abaixo apresenta o ranque dos 14 principais

abatedouros de aves do país, no ano de 1978, que permitia certa reprodução dos coeficientes

de participação dos estados na produção nacional apresentados acima.

Quadro 1. Capacidade de abate de aves no Brasil, 1978 – maioresempresas

Empresa Produção (em milhões de

cabeças)

Sadia* (SC) 72

Perdigão* (SC) 70,8

Granjas Rezende (MG) 62,4

Cooperativa Cotia (SP) 36

Cargil (SP) 24

Abatedouro Louveira (SP) 24

Pena Branca (SP) 24

Rio Branco (MG) ** 24

Granja Betinha (SP) 18

Coopave (RS) 16,8

Minuano (RS) 16,8

Granjas Ito (SP) 14,4

Seara (SC) 12

Só Frango (DF) 6

Fonte: LIMA (1984)

Obs.: os valores originais da tabela construída por Lima (1984),

que apresentavam uma produção mensal, foram multiplicados

por 12, visando à produção anual.

Obs.2: a sigla do estado à frente do nome da empresa refere à

localização da matriz.

(*) o conjunto dos frigoríficos da empresa

(**) Nome fantasia “Pif-Paf”.

Pouco mais de três décadas foram suficientes para mudanças expressivas no panorama

acima descrito.

É em relação a estas mudanças e a participação das cooperativas agroindustriais no

Oeste e Sudoeste do Estado do Paraná, bem como a algumas situações e dinâmicas vividas

pelos trabalhadores que este artigo busca elencar e discutir.

2 AUMENTO DA PRODUÇÃO PARANAENSE E PARTICIPAÇÃO DAS

AGROINDÚSTRIAS NO OESTE E SUDOESTE

Em 2010, num universo em que a produção global de carne de frango saltara para

75,99 milhões de toneladas, multiplicando quase que por cinco os valores de 19754, a

3 Dados do Instituto de Economia Agrícola e do Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, apud

SORJ, B. et alli (2008), p.36.

produção brasileira apresentava-se como a terceira maior do mundo, totalizando 12.230

milhões de toneladas ou 16,09 % da produção mundial, encostando, neste ranque, na China,

segundo maior produtor com 12.550 milhões de toneladas (16,71% de participação global).

Os EUA mantinham a liderança com 16.648 milhões de toneladas, com 21,79 % da produção

mundial5.

Igualmente na configuração nacional, ocorreu uma mudança significativa na

participação produtiva dos estados. O Estado do Paraná saltara para a primeira posição com

27,77% da produção, seguido por Santa Catarina (18,59%), Rio Grande do Sul (16,23%), São

Paulo (13,98%) e Minas Gerais (7,17%).

Quadro 2. Participação dos Estados na produção de carne de frango no Brasil

Estado Produção 1975* Produção 2010* Proporção de

Crescimento

Paraná 20,8 3.396,27 16.328 %

Santa Catarina 82,7 2.273,55 2.749 %

Rio Grande do Sul 40,5 1.984,92 4.901 %

São Paulo 248,8 1.709,75 687 %

Minas Gerais 67,8 876,89 1.293 %

(*) Em milhares de toneladas

Fonte: ABABEF (2011). Organização do autor

Como sugere o quadro II, para atingir o montante da produção verificada em 2010, o

conjunto dos Estados brasileiros apresentou um crescimento expressivo, sem exceções.

Comparativamente, no entanto, chama atenção a proporção de crescimento observado

no Paraná, que para atingir a liderança nacional no período, teve multiplicada por mais de 163

vezes a sua produção, 23 vezes mais do que se observa em São Paulo, antigo líder deste

ranque (para um maior detalhamento cronológico deste crescimento, ver quadro III).

Seguindo o movimento anterior, ao reduzir a escala de observação, atentando para a

produção de carne de frango por empresas, com base no quadro IV, podem ser observadas

também significativas mudanças na construção nacional.

Em que pese a manutenção das duas empresas que lideravam o mercado e na mesma

colocação (Sadia e Perdigão), em relação a 1978, em 2007 os demais postos passaram a ser

4 Para uma comparação, apontando para o aumento do consumo deste produto, a população mundial no mesmo

período passara de 3,7 bilhões em 1975 para 6,9 bilhões em 2010, ou seja, a população menos que dobrara no

período. 5 Fonte: Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), apud UBABEF (2011), p.13.

ocupados por empresas

diversas, não só na denominação

como na localização das

plantas produtivas.

Quadro 3. Abate de aves com inspeção

federal no Paraná Fonte: SFA-MAPA/PR e empresas6. Organizado

pelo autor

Quadro 4. Abate de frangos no Brasil 2007 – maiores empresas

Ainda nesta linha, outra mobilidade seria provocada pelas incorporações igualmente

ocorridas no período e posteriormente, como ocorreu com a Granja Rezende e a Só Frango,

ambas adquiridas pela Sadia, respectivamente em 1999 e 2004. Da mesma forma, a Da Granja

(em 2008), a Pena Branca (em 2008), e a Seara (em 2009, que pertencia à Cargil), sofreriam o

mesmo processo ao passarem ao controle do grupo Marfrig, um conglomerado do ramo

alimentício de origem nacional que até então atuava com carne bovina e que manteria no setor

de frangos a marca Seara; e a Eleva/Avipal (no setor desde 1959), que em 2007 seria

6 Dados capturados no site do SINDICARNE - Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado do

Paraná (http://www.sindicarne.com.br/content/category/2/2/6/), em 05/04/2011. 7 A Frango Forte faliu em 2009.

Empresa (estado onde há unidades

de abate)

Produção (em milhões

de cabeças)

Sadia (SC, PR, MG, RS, DF) 729,058

Perdigão (SC-RS-PR-GO-MT) 605,209

Seara (SC-PR-SP-MS, da Cargil) 270,170

Doux Frangosul (RS-MS) 255,941

Eleva (RS-MS-BA) 198,182

Diplomata (PR-MS-SC) 130,952

Aurora (SC-RS-MS) 113,813

Da granja (PR-MG) 104,234

Big Frango/Jandelle (PR) 75,887

Pena Branca (SP) 71,622

Copacol (PR) 69,889

Kaefer Avicultura - Globoaves (PR-

RO-SP-ES)

63,949

Frango Forte SP7 56,253

Rei Frango SP 54,928

Ano Produção (em cabeças abatidas)

1981 79.615.939

1992 260.764.402

2001 671.585.744

2010 1.351.306.802

Fonte: União Brasileira de Avicultura (UBA), Relatório Anual

2007/2008. Organização do autor.

comprada pela Perdigão, tornando esta última a maior empresa do setor a época,

ultrapassando a Sadia8.

A essas duas situações promotoras de mudanças nas participações empresariais na

produção de carne de frango, alia-se uma terceira: a formação e/ou entrada no setor de novas

empresas. No panorama apresentado no quadro IV, isto se apresentaria, além da Marfrig, no

caso do Grupo Doux - de capital originalmente francês que entrou no mercando nacional a

partir da aquisição da Frangosul, em 1998 -, da Diplomata - que entrou no setor em 1978, em

Cascavel-PR -, da Globoaves (em 1988, em Cascavel-PR), a Big Frango (em Rolândia - PR,

em 1980) e a Rei Frango (São Carlos-SP, 2001) 9.

Esta dinâmica de ingressos de novas empresas, porém, aponta para outro fenômeno

parcialmente representado na quadro IV pelas marcas Aurora10

e Copacol11

: a intensificação

da presença das cooperativas agroindustriais no setor.

Esta presença fica mais bem visualizada se estendido o quadro das empresas

produtoras para além daquele apontado acima: da 15ª a 50ª posição, nove são ocupadas por

cooperativas agroindustriais, ou 25 % do total.

No Oeste e Sudoeste do Paraná, esta participação é mais destacada, como se apresenta

na tabela I: dos dez frigoríficos instalados na região, cinco são vinculados às cooperativas

agroindustriais, ou 50% do total.

Tabela 1. Abate de aves no Oeste e Sudoeste do Paraná

Frigorífico/Cidade da

unidade/inicio do funcionamento

Produção mensal

(milhões de cabeças em

2010) **

Posição no ranque

nacional em 2007***

C.Vale (Palotina,1997) 12 (500 mil/dia) 15ª.

Sadia* (Dois Vizinhos,1976) 12 (500 mil/dia) 2ª.

Sadia* (Fco.Beltrão, 1991) 9,1 (380 mil/dia) *

Sadia* (Toledo, 1975) 8,6 (360 mil/dia) *

Copacol (Cafelândia, 1982) 7,9 (330 mil/dia) 11ª.

Coop. Agroind. Lar

(Matelândia,1999)

5,2 (220 mil/dia) 24ª.

Coopavel (Cascavel,1994) 4,5 (190 mil/dia) 28ª.

Copagril

(Mal.C.Rondon,200512

)

3,2 (160 mil/dia) 43ª.

8 Em 2009, a Sadia teria seus ativos comprados pela Perdigão, constituindo a Brasil Foods (BRF, atual razão

social da Perdigão). O processo, porém, encontrava-se em 2011 sob análise do Conselho Administrativo de

Defesa Econômica (CADE, autarquia vinculada ao Ministério de Justiça brasileiro). 9 A Rei Frangos Abatedouro entraria em processo de recuperação judicial em 2009, condição que perdurava até

2011. 10

Marca da Cooperativa Alfa com sede em Chapecó-SC, que inaugurou seu primeiro frigorífico de aves em

1988. 11

Cooperativa Agrícola Consolata Ltda, no setor desde 1982 com a inauguração de seu frigorífico em

Cafelândia. 12

Frigorífico adquirido da empresa Chapecó.

Globoaves (Cascavel,2003) 3,1 (155 mil/dia) 12ª.

Diplomata (Capanema, 1978) 1,6 (80 mil/dia) 6ª.

Total 67,2 (2875 mil/dia) (*) 2006 (**) Cálculo considerando 20 dias de produção por mês (***) Total das unidades

Organização do autor

Destaque-se antes disso, que no total, esta região, com 806,4 milhões de frangos

abatidos em 2010, respondeu por 59,6 % da produção paranaense, o que a colocaria no lugar

do Rio Grande do Sul (3º.maior produtor) na produção nacional.

De maneira geral, a inserção deste tipo de empresa marca o estabelecimento de mais

um degrau no sistema de integração.

Iniciado no início da década de 1970 pela quase totalidade dos empreendimentos que

lideravam o mercado de carne avícola, aquele sistema, inicialmente, vinculava o frigorífico

aos criadores de frangos, fornecendo-lhes os pintinhos, ração e assistência técnica, quando

não também linhas de financiamentos para a construção das instalações, em conjunto a uma

série de prescrições e normas de produção dos frangos.

Àquele conjunto de práticas, que vem sendo destacado pela bibliografia como

dinamizador da produção a partir daquele período (ver SORJ ET ALLI, 2008; DALLA

COSTA, 1997), as cooperativas, que nas suas origens comportavam atividades agrícolas,

notadamente a produção de grãos (matéria prima das rações), ao tornarem-se agroindustriais

com o acréscimo da fabricação de ração, o abate e processamento frigorífico do frango,

somaram aquela atividade ao sistema de integração, detendo o controle de quase toda a cadeia

da produção frigorífica de aves.

Por sua vez, na região em questão, a implantação dos frigoríficos de aves intensificou

um processo de industrialização, principalmente a partir da década de 1990: conforme aponta

a tabela I, dentre as cooperativas, apenas a Copacol iniciou abate de frango antes deste

período.

Além do universo de aproximadamente 32 mil cooperados, 3,6 mil avicultores

integrados e os trabalhadores dos setores intermediários (transporte, produção de ração,

incubadoras, etc.), os frigoríficos de aves das cooperativas empregam em torno de 14 mil

trabalhadores.

Que sentidos e significados este processo assume para os trabalhadores? Esta é uma

questão sobre a qual alguns pesquisadores vêm se detendo e sobre alguns pontos produzidos

por estes me deterei na sequência.

3 DEBATE BIBLIOGRÁFICO

Este aumento da produção frigorífica no Oeste e Sudoeste do Paraná, a presença das

cooperativas agroindustriais neste processo e a correspondente geração de postos de trabalho

não vêm passando despercebidos pela produção acadêmica, seja na análise centrada âmbito

empresarial ou, mais propriamente, da gestão dos empreendimentos, seja sob o ponto de vista

das relações vividas pelos diferentes personagens que constroem o processo.

É com este referencial que delimito a discussão aqui, direcionando-a para o universo

dos trabalhadores. Assim, para além daquela pujança numérica apresentada acima, o que

representaria para estes sujeitos este processo de intensificação e ampliação da produção

frigorífica?

De maneira geral, esta bibliografia tem constatado que para os trabalhadores os

sentidos e significados do emprego nos frigoríficos avícolas contrastam com a comemoração

empresarial.

Num primeiro campo, destaco a investigação a cerca das condições de trabalho. Neste

ponto, o acento tem recaído sobre a saúde do trabalhador, se estabelecendo um quadro em que

os ritmos e rotinas intensos, com movimentos repetitivos, em baixas temperaturas, que

acabam por decretar uma drástica redução na vida produtiva na categoria (CÊA &

MARAFUSE, 2003; FINKLER, 2007), situação que teria motivado a formação de uma

organização – a Associação de Portadores de Lesão por Esforço Repetitivo (AP-LER).

Articulando a investigação sobre as condições que desencadeiam um quadro no qual

os trabalhadores vem sua saúde comprometida em curto espaço de tempo - 18 meses em

média para o aparecimento das primeiras manifestações; 5 anos de “vida produtiva” na

categoria, segundo estudos do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do SUL (2010)

– à denúncia, esta produção não permite dar visibilidade à situação, se contrapondo aos

“arautos do progresso”, como para vem contribuindo para um enfrentamento por parte dos

trabalhadores, através, por exemplo, da criação de mecanismos de informação, como a

“Cartilha do Trabalhador em Frigorífico” (MUROFOSE ET ALLI, 2008).

Um segundo campo de investigações parece se firmar em relação às dinâmicas

produtivas enquanto constituidoras de territórios, discussões essas caras à geografia, em

estreito diálogo, assim como o faz a área de saúde, com parte da sociologia do trabalho.

Tendo em conta os limites presentes, dentre inúmeros estudos nesta linha, destacaria a

investigação pautada por Marcelo Carvalhal e Diane Gemelli quanto à mobilidade do trabalho

na região, mais especificamente dos trabalhadores do Frigorífico de Aves da Copagril, em

Marechal Cândido Rondon.

Partindo da constatação de que aproximadamente 60% dos trabalhadores têm

residência em outros municípios que não o da sede da empresa, o que coloca a necessidade

diária daquele deslocamento, condição que estabelece, por vezes, percursos superiores a 200

km (ida e volta), a pesquisa de Carvalhal e Gemelli buscou estabelecer as razões de tais

deslocamentos no que se refere aos trabalhadores.

Neste sentido, os autores tomam como elemento constituinte do trabalho nos

frigorífico a sua subordinação aos ditames do capital, o que torna “alheio aos trabalhadores

todo o processo, desde a escolha das matrizes até o frango estar embalado no supermercado

para o consumo” e que, portanto,

[...] a finalidade do trabalho não é mais determinada pelo trabalhador, da

mesma forma que sua relação com a natureza também é estranha, uma vez

que a transforma, por exemplo, não para atender às suas necessidades de

sobrevivência, mas a necessidade de acumulação do capital, condição

paradoxal, visto que para sobreviver na sociedade capitalista existem duas

condições: ser dono dos meios de produção, ou vender sua força de trabalho

ao dono dos meios de produção. (CARVALHAL & GEMELLI, 2011: 46)

Assim, para os autores, é dentro desta condição que se inscrevem os deslocamentos

realizados, já que

[...] não resta outra alternativa ao trabalhador, ou ele se submete aos

interesses do capital, se mobilizando para o trabalho, ou fica a sorte da

sobrevivência na sociedade capitalista.(...) a mobilidade da força de trabalho

é assim introduzida, em primeiro lugar, como a condição de exercício da sua

liberdade de se deixar sujeitar ao capital, de se tornar mercadoria cujo

consumo criará o valor e assim produzirá o capital. (CARVALHAL &

GEMELLI, 2011:50-51)

Curiosamente, esta mesma caracterização geral do trabalho no capitalismo e sua

identificação como causa das circunstâncias vividas pelos trabalhadores parece ser

compartilhada com Cêa e Murofose:

E o trabalhador e os demais meios de trabalho ficam subordinados a essas

finalidades, ficando subordinados a uma organização do processo de

trabalho e com os seus ritmos, intensidade, quantidade e metas de produção.

A necessidade de sobrevivência obriga o trabalhador a subordinar-se às

exigências (...) (CÊA & MUROFOSE, 2008:430)

Ao que parece, o diálogo estreito com uma matriz da sociologia do trabalho, que tem

investigado as mudanças contemporâneas nas relações de trabalho, pautando-a a partir de uma

perspectiva que as entenda como um movimento quase que inexorável do capital no sentido

de “capturar a subjetividade” dos trabalhadores, tenha estabelecido esta

linearidade/sobreposição de interpretações.

No caso de Carvalhal e Gemelli, aquela subordinação vem em resposta à indagação

sobre “o porquê de tantos trabalhadores aceitarem/procurarem o trabalho no frigorífico”,

tornando-os “disponíveis para tais formas de trabalho” (CARVALHAL & GEMELLI, 2011:

59).

Talvez, ainda que para entender a dinâmica a partir dos trabalhadores – afinal eles se

fazem também nas interações com outras classes -, a pergunta, pudesse ser destinada ao outro

personagem das relações de trabalho: por que os capitalistas arregimentam trabalhadores

naquelas condições?

Parte da resposta, como apontam Carvalhal e Gemelli, encontra-se, avalio, no que os

empresários vem caracterizando como “rotatividade da mão-de-obra”, ou seja, o alto índice de

demissões e o constante e permanente processo de contratações “em aberto” no setor, o que,

no caso de Marechal Cândido Rondon, tem deixado, em média, 200 vagas constantemente

“disponíveis”. Porém, não como apontam os autores, como índice exclusivo das “estratégias

de dominação”, tomando unicamente as respostas dos trabalhadores que permanecem no

emprego, os quais “quando indagados a respeito da razão da elevada rotatividade de

trabalhadores no frigorífico”, respondem em duas direções: “a) o fato do trabalho ser muito

extenuante e, b) porque tem gente que quer trabalho mole, que não quer trabalhar mesmo.”

(CARVALHAL & GEMELLI, 2011:.56)

Evidências em outro sentido parecem estar presentes, por exemplo, nos repetidos

anúncios, em diferentes meios de comunicação, como o reproduzido abaixo, cujo tom permite

estabelecer outros aspectos e significados para o que os autores supõem como indício

exclusivo da subordinação operária:

Um apagão de candidatos, sobra emprego e nada de interessados. Cerca de

200 vagas estão disponíveis só em uma cooperativa de Marechal Rondon. Os

funcionários do RH percorrem toda a região em busca de candidatos, mas a

sala de seleção nunca fica cheia. Quem procura sempre acha emprego. As

exigências são apenas ser maior de idade e ter vontade de trabalhar. Não é

necessário experiência, nem formação mínima.13

13

“Sobram vagas de emprego nos frigoríficos do Paraná”, in Boletim Aveworld, 16/06/2011. Capturado em 20/06/2011 em http://aveworld.com.br/noticias/post/sobram-vags-de-empregos-nos-frigorificos-no-parana

Para este “apagão” – talvez, a caracterização “rotatividade” esteja sendo repensada por

estes sujeitos -, de fato as empresas têm encontrado a solução apontada por Carvalhal e

Gemelli, numa espécie de “se o profeta não vai à montanha...”: “Se falta mão de obra na

cidade, a indústria vai buscar funcionários fora, em outros municípios e até estados vizinhos.

Ônibus rodam até 120 quilômetros atrás de gente que quer trabalhar.” E não param por ai:

“Uma outra indústria oferece ônibus, alimentação e até alojamento para os funcionários das

cidades mais distantes.”14

De fato, a se considerar os números desta “rotatividade” (tabela II), seria mais

pertinente denominar de êxodo ou debandada dos trabalhadores o quadro, numa prática que,

embora, ao que parece, não organizada e deliberada coletivamente, expressa um movimento

de rejeição massiva àquele tipo de emprego, o que deve proporcionar algum tipo de

preocupação ao empresariado, haja vista as demais medidas adotadas para além da provisão

de transporte. O que parece fazer sentido: os números da tabela I apontam que, embora

superavitário, o número de contratações e demissões nos três anos acompanhados15

superam o

de funcionários totais da empresa (em torno de 1550 em 2010). Ou seja, nestes três anos,

estatisticamente, a empresa teria, em cada um deles, mais do que reformulado todo o seu

quadro funcional. E o fato de que, dentre as demissões, no período a porcentagem de

trabalhadores que se demitiram (a seu pedido) foi superior a 54 %, permite reforçar aquela

impressão.

Tabela 2. Demissões e admissões na indústria – Marechal Cândido Rondon.

(*) Abril a dezembro.

Fonte: CAGED/MET. Organizada pelo autor

A vista destes elementos, seria prudente, avalio, pensar o processo tendo em conta

efetivamente a perspectiva produzida pelos trabalhadores, o que incluiria, por exemplo,

investigar o processo dentre aqueles que se demitiram. Além disso, seria possível um

14

Idem, ibidem. 15

Os dados referentes ao ano de 2005 a 2007 (primeiros de funcionamento do frigorífico) não estão disponíveis

uma vez que a nomenclatura adota pelo CAGED – “alimentadores de linha de produção” – contemplava

atividades exercidas em outras empresas, diferentemente do que ocorre com “abatedor”, exclusivo da empresa

em questão.

Ocupção 2008 2009 2010

Abatedor

Admissões 1341* 1795 1838

Demissões 1318* 1602 1711

A pedido do trabalhador 783 (59,4%) 876 (54,6%) 988 (57,7%)

Saldo 23 193 127

conjunto de outras questões para os que supostamente não se enquadram como “gente que

quer trabalho mole, que não quer trabalhar mesmo”. Como, por exemplo, quantos desses

perfazem o total da categoria, quanto tempo de vínculo com a empresa perfazem, que

perspectivas têm em relação ao trabalho nos frigoríficos, etc. Até porque, mesmo entre esses,

há o reconhecimento “do trabalho ser muito extenuante”, a ponto de restringir-lhes

significativamente a “vida produtiva”, como apontam os demais estudos antes citados.

4 CONCLUSÕES

O expressivo crescimento da produção frigorífica de frangos no Oeste e Sudoeste do

Paraná, a ponto de tornar a região umas das áreas de maior concentração desta produção no

mundo, traz expressivas mudanças no conjunto das relações sociais, as quais têm como um

dos principais pilares a participação das cooperativas agroindustriais. Dentre estas mudanças,

têm chamado atenção dos pesquisadores, de diferentes áreas, as transformações nas relações

de trabalho, sobre tudo aquelas vividas pelos trabalhadores. O alto índice de doenças

funcionais, de admissões e demissões nos frigoríficos e o deslocamento de trabalhadores de

outras cidades e regiões para se empregarem nas indústrias do setor suscitam questões que

vem sendo enfrentadas por aquelas pesquisas. No entanto, a resposta provisória e recorrente

de que tais processos expressam uma unilateral subordinação dos trabalhadores aos ditames

do capital, parece não equacionar a questão, tendo em conta outras evidências que dão conta

de que os trabalhadores interagem neste processo, formulando outras respostas/ações que os

colocam com sujeitos e parte ativa na construção da história e não mero joguete de outras

classes, aspecto este que carece de maiores investigações.

REFERÊNCIAS

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organizacionais e transformações tecnológicas. Paris: Université de La Sorbonne, 1997. Tese

de doutorado.

FINKLER, Anna L. Os Problemas de saúde dos trabalhadores e a relação com o processo de

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CÊA, G.S.S. & MUROFUSE, N.T. Associação dos Portadores de LER (AP-LER) na luta

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www.jusbrasil.com.br/noticias/2165383/a-vida-por-tras-da-linha-de-producao-nos-

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