O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 -...

152
O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 A VITÓRIA DE BRIZOLA E A LEGALIDADE N O A R !

Transcript of O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 -...

Page 1: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961

A VITÓRIA DE BRIZOLA E A LEGALIDADE

NO AR!

Page 2: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

No ar! : o bombardeio do Piratini em 1961 : a vitória de Brizola e a legalidade / Antônio César Celente... (et al.). -- São Paulo : All Print Editora, 2011.

Outros autores: Caetano Ângelo Vasto, Darcy Celente, Marcelo Celente

1. Brasil - História - Crise de 1961 2. Brasil - Política e governo, 1961 3. Brizola, Leonel, 1922-2004 4. Palácio Piratini - Porto Alegre (RS) - História I. Celente, Antonio César. II. Vasto, Caetano Ângelo. III. Celente, Darcy. IV. Celente, Marcelo.

11-11916 CDD-981.062

Índices para catálogo sistemático:

1. Bombardeio do Palácio Piratini : Porto Alegre : Rio Grande do Sul : História 981.062

Page 3: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961

A VITÓRIA DE BRIZOLA E A LEGALIDADE

ANTÔNIO CÉSAR CELENTE

NO AR!

CAETANO ÂNGELO VASTODARCY CELENTE

MARCELO CELENTE

Page 4: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961A VITÓRIA DE BRIZOLA E A LEGALIDADE

Copyright © 2011 by Casa do pensamento livreCNPJ: 07.878.758/0001-76

O conteúdo desta obra é de responsabilidade do autor, proprietário do Direito Autoral.

Proibida a venda e reproduçãoparcial ou total sem autorização.

Antônio César Celente(Membro da Academia de Letras do Brasil)

Com. Caetano Ângelo Vasto(Subofi cial da FAB – 1º/14º G.Av. Aviões

Caças da Base Aérea Canoas)

Marcelo Lima Celente(Acadêmico de Engenharia UFRGS)

Darcy Celente(Doutor em Filosofi a Univérsica

PHI – Honoris Causa)

Baseado na obra de: Joaquim José Felizardo

(Professor, Jornalista e Historiador)

Casa do Pensamento Livre

www.casadopensamentolivre.org.br

E-mail: [email protected]

Projeto gráfi co, editoração e impressão:

[email protected]

(11) 2478-3413

Page 5: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

Sumário

A MAGIA DO RÁDIO ........................................................................................... 9

OUTRO HERÓI DA LEGALIDADE ................................................................... 11

PREFÁCIO ............................................................................................................. 13

− A defesa da democracia nas ondas da rede ................................................... 13

APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 17

− A Cadeia da Legalidade ........................................................................................... 18

− Hino da Legalidade .................................................................................................... 18

− Ah, Fazer Rádio! ........................................................................................................... 19

A CADEIA DE LEGALIDADE ............................................................................ 25

− Introdução ...................................................................................................................... 25

− O Protagonista da Resistência na FAB ............................................................... 31

− Rápido currículo ........................................................................................................... 55

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA EM REUNIÃO PERMANENTE .................... 56

− Manifestação de solidariedade a Jânio Registradas no Plenário ............ 56

− Manifestações do PTB ............................................................................................... 58

− Posição da Assembleia .............................................................................................. 58

− Reafirma a Assembleia Legislativa sua posição em defesa da Legali-

dade .................................................................................................................................. 59

− Movimentada Reunião .............................................................................................. 64

− Mensagem contra os Ministros Militares .......................................................... 65

− Pronunciamento do líder do PSD ........................................................................ 65

Page 6: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade6

− A palavra da UDN ....................................................................................................... 66

− Discurso do líder do PTB ......................................................................................... 67

− Posição do Partido Libertador ............................................................................... 67

− A palavra do PTB ......................................................................................................... 69

− Sessão Noturna ............................................................................................................ 70

− “Uma verdadeira torrente de civismo” ............................................................... 70

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL ..................................................................................................... 73

− A Câmara Municipal ................................................................................................... 75

− Comícios populares frente à Prefeitura ............................................................. 75

− Declarações do Prefeito ...................................................................................... 76

− A Palavra do Presidente da Câmara Municipal ........................................ 76

− Câmara Municipal de Porto Alegre – Nota Oficial ................................. 77

− A posição da Igreja .................................................................................................... 77

− Declaração do Cardeal Câmara sobre a crise que vive o país .......... 77

− Universidade Federal do Rio Grande do Sul ................................................... 78

A CADEIA DA LEGALIDADE – RELATO HISTÓRICO .................................. 79

− A Rede da Legalidade ............................................................................................... 81

− O pronunciamento de Brizola ............................................................................... 86

− Destruição ....................................................................................................................... 90

− Desatino e loucura ..................................................................................................... 92

− Ordem só interessa a Brizola ................................................................................. 93

− Chacina ............................................................................................................................ 95

− Um depoimento para a história ........................................................................... 96

− Adesão do IIIº Exército .............................................................................................. 97

− A defesa da capital ..................................................................................................... 97

− A reação do General Denys .................................................................................... 98

− A posse de João Goulart ....................................................................................... 100

− O Plebiscito .................................................................................................................. 101

− A Cadeia da Legalidade – Conclusão ............................................................... 102

Page 7: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

SUMÁRIO 7

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO ...................................................................... 109

− A morte de Getúlio Vargas e o fim do Diário de Notícias...................... 109

− O Rádio no Rio Grande do Sul ........................................................................... 115

− Uma bela história ...................................................................................................... 117

− O espaço do desporto ............................................................................................ 119

− Outros tempos ............................................................................................................ 121

− O Rádio Teatro ............................................................................................................ 122

− Novelas de sucesso: ................................................................................................. 123

− Auditórios e grandes festas .................................................................................. 130

− O Rádio e a TV ........................................................................................................... 134

O MUNDO DO RÁDIO .................................................................................... 135

− Comunicação Verbal .......................................................................................... 135

− O Surgimento do Rádio ................................................................................... 135

− Rádio no Brasil ..................................................................................................... 136

− Um grande poder político .............................................................................. 137

− Programas de Calouros atraem Grande massa ...................................... 137

− Repressão incrementa Indústria Fonográfica .......................................... 138

− Radionovela ........................................................................................................... 138

− Americanização dos costumes ...................................................................... 139

− Curiosidades .......................................................................................................... 140

− Atualidades do rádio ......................................................................................... 140

− Tendências .............................................................................................................. 141

A ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL .......................................................... 141

− Expansão do Ciberespaço ............................................................................... 141

− A Internet e as perspectivas de aprimoramento da democracia ..... 142

− A Internet em contraposição ao Modelo da Espiral do Silêncio.... 143

ENCERRAMENTO ............................................................................................ 145

− Homenagem a Terezinha Dias ............................................................................. 145

− Dedicatória ................................................................................................................... 147

− Epílogo ........................................................................................................................... 148

− Aldeia Global ............................................................................................................... 149

Page 8: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como
Page 9: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A Magia do Rádio

“O rádio é o jornal dos que não sabem ler; é o mestre de quem não pode ir à escola; é o divertimento gratuito dos pobres; é o animador de novas esperanças; o consolador dos enfermos; o guia dos sãos, desde que o realizem com espírito altruísta e elevado.”

Maurício Sirotsky Sobrinho

Page 10: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como
Page 11: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

Outro herói da Legalidade

(Pelo jornalista Juremir Machado da Silva – Correio do Povo)

Falei, em minissérie da Legalidade e em personagens he-roicos. Vejam este: Caetano Vasto. Já o seu sobrenome supera qualquer ficção. Como diria o poeta, mundo, mundo, Vasto mundo. Em agosto de 1961, Caetano Vasto era o suboficial mais velho da Base Área de Gravataí. Quando os ministros militares deram a ordem de bombardear o Palácio Piratini, os superiores de Vasto tentaram aplicar um golpe: carregar os aviões com bombas e dizer que se tratava de um deslocamento para São Paulo. Acontece que lotado de bombas os aviões não poderiam mais pousar, salvo se as soltassem sobre um alvo, ou, com o impacto da aterrissagem, elas explodiriam. Vasto, que está vivo e com a memória em plena forma, disse ao seu superior: “Tenente, informe ao sr. Comandante que ninguém vai decolar para São Paulo e, nessa situação, nem os aviões vão decolar”. Que cena!

Esse mesmo homem de coração vasto, diante de um major enfurecido, repetiu: “Comandante, já dissemos, ninguém vai e nem os aviões vão decolar”. O superior esbravejou: “Vou indiciar todos vocês ao Estado Maior para um Conselho de Guerra”. Ninguém cedeu. Para aqueles que justificam os seus crimes em ditaduras com o chavão “da obediência devida”, o cumprimento de ordens, o respeito à hierarquia, vale o exemplo

Page 12: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade12

desses insubordinados da Aeronáutica, em Canoas, que soube-ram dizer não quando apenas um não fazia sentido. Sargentos e cabos deram o apoio decisivo para frustrar os planos dos oficiais. Quando o major Cassiano, passado o pior, despediu-se, com uma pistola 45 na mão, jurou nunca esquecer o “crime” cometido por Vasto e seus colegas.

Nos jornais da época, está a manchete: “Os sargentos da FAB impediram ontem o bombardeio do Palácio Piratini”. Vas-to, os sargentos que foram ao Piratini comunicar ao governador a rebelião de Canoas e outros enfrentaram um inquérito policial militar. Alguns, depois do golpe de 1964, foram cassados. Nei Calixto, primo de Brizola, só teve a devida progressão da sua carreira restabelecida 45 anos depois. Vasto não foi cassado, mas não teve todas as promoções. Calixto lança em agosto o livro “Os Sargentos da Legalidade”. Guardou-o para “não se incomodar”. Chegou o tempo das revelações. Nenhum sigi-lo é eterno. Estamos perdendo de ver nas telas este diálogo espetacular:

— Vasto, eu e o pessoal da minha seção concordamos contigo, pois sabemos que, assim carregados como estão, es-ses aviões, de acordo com as Ordens Técnicas vigentes, não poderão pousar – diz o suboficial Alípio.

— Todos estamos sabendo o que irá acontecer se esses aviões levantarem voo para a missão ordenada. Por mim, eles não decolam – insiste Vasto, com a voz firme.

— Vasto, com essas bombas esses aviões não poderão pousar, mas nós, o Ramalho, o Custódio e todo o pessoal da Seção de Armamentos, já providenciamos a total inoperância: os cabides estão travados, as bombas sem os detonadores ativa-dos e os canhões com o sistema elétrico também desativados. Não sai um tiro – diz Alípio.

Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasto...

Page 13: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

PrefácioAdão Villaverde*

A DEFESA DA DEMOCRACIA NAS ONDAS DA REDE

Em uma época em que não se poderia sequer sonhar

com o cenário futurista dos computadores, telefones celulares

e redes sociais como twitter, orkut, facebook e e-mails.

E, em que os jornais eram impressos, em sua maioria,

no imenso tamanho standart e a TV em preto e branco mal

engatinhava no país, o rádio era, de fato, um importantíssimo

veículo de comunicação, aliando a informação, o acesso ao

Page 14: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade14

conhecimento e o entretenimento, amparado em programas de humor, musicais de auditório, radionovelas e, claro, emissões futebolísticas.

Suscitando o obrigatório exercício da imaginação, e do-tado da instantaneidade que o diferencia até hoje das demais fontes de informação, o rádio foi o sólido pilar do Movimento da Legalidade, através da cadeia de emissoras montadas no acanhado porão do Palácio Piratini, sob o comando do go-vernador Leonel Brizola.

Graças à rede, centralizada pela rádio Guaíba, Leonel Bri-zola (dono do registro 393 no Sindicato dos Jornalistas e da matrícula número 181/1957 na Associação Riograndense de Imprensa – ARI), já tinha programa na Farroupilha e conhe-cia o poder das transmissões radiofônicas), pode mobilizar a população do Rio Grande do Sul (e mesmo de outros terri-tórios acima do rio Mampituba) na defesa da Constituição, para garantir a posse de João Goulart no posto deixado vago pelo renunciante presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Foi a partir desta marcante experiência da cadeia de emissoras que, segundo Lauro Haggemann (a notável voz que encarnava o “Repórter Esso” e que serviu de locutor do porão da Legalidade), os colegas reuniram-se para afirmar a categoria e criar o sindicato dos radialistas gaúchos.

Companheiro de Haggemann no manejo do microfone do porão transformado em Memorial no 50º ano do Movimento, o radioator César Celente deixou para o filho Antonio César e para o filho deste, Marcelo, a missão de finalizar esta obra, No Ar! – O Bombardeio do Piratini em 1961 – A Vitória de Brizola e a Legalidade, que, louvando a magnitude do veículo, também inclui importante testemunho dos acontecimentos de agosto e setembro de 1961. Trata-se do depoimento do então suboficial Caetano Ângelo Vasto que narra, pela primeira vez, sua participação, ativa e substantiva, no episódio da base aérea de Canoas quando alguns militares contrariaram as ordens dos oficiais comandantes e rebelaram-se para impedir que aviões voassem para bombardear o Palácio Piratini, sede do governo do Estado.

Page 15: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

PREFÁCIO 15

“Este livro tem por objetivo deixar gravado um pouco do sentimento daquela época, talvez eu não esteja por aqui para ver este livro publicado”, escreveu César Celente, nome artístico de Darcy Celente, prenunciando a possibilidade da edição póstuma.

“Mas podem ter a certeza que por onde eu estiver estarei feliz por você estar lendo estas linhas que retratam um pas-sado de glórias e projetam um futuro com esperança para o povo brasileiro.”

As linhas que Celente traçou e que, como diz, podem estar provocando sua eventual felicidade em outra dimensão, agora fazem parte importante do resgate imprescindível para o regis-tro da trajetória do rádio gaúcho e, sobretudo, da memória de uma História de defesa da democracia que nos orgulha a todos.

*Presidente da Assembleia Legislativa em 2011, ano do Cinquentenário do Movimento da Legalidade.

Page 16: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como
Page 17: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

Apresentação

Este livro é a obra de vários anos de trabalho e pesquisa, foi escrito e redigido em conjunto por mim Antônio César Celente, por meu pai Darcy Celente (César Celente, no mundo do rádio) pelo meu filho Marcelo Lima Celente, onde pro-curamos deixar registrados fatos e histórias que não podem ficar esquecidas, precisam ser lembradas e relembradas, pois representam uma época de ouro deste meio de comunicação de massa fantástico chamado Rádio.

Agradecemos também ao ilustre Sr. Joaquim José Felizardo Júnior, por nos autorizar a utilizar a pesquisa da obra sobre a Rede da Legalidade de Joaquim José Felizardo, seu pai e a Dra. Rosa Brizola Felizardo sua esposa.

Vale a pena registrar também os nossos agradecimentos ao meu amigo Comendador Caetano Ângelo Vasto pela sua colaboração nesta obra, bem como a sua atuação em 1961, quando colocou seus ideais e sua consciência acima de todas as pressões.

Foi uma obra escrita em conjunto por quatro pessoas, por quatro irmãos e todo trabalho foi feito com muito carinho e dedicação, com força e vigor.

Tive o privilégio de acompanhar meu pai em inúmeros momentos de sua vida, fui seu fiel escudeiro, dando todo o apoio possível em todos os seus empreendimentos, a ideia deste livro foi deixar registrado para as futuras gerações o registro de tempos de glória, a geração de ouro do rádio brasileiro.

Page 18: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade18

Esta edição é histórica e comemorativa aos 50 anos da Cadeia da Legalidade, o último levante Gaúcho, onde tivemos a participação de verdadeiros heróis como o nosso Ir. Com. Caetano Ângelo Vasto – FAB, não fosse por homens como ele o Rio Grande do Sul e o Brasil, certamente seriam diferentes, pois esta ferida nunca mais iria cicatrizar.

Boa Leitura!

A CADEIA DA LEGALIDADE

HINO DA LEGALIDADE

Letra de Lara de Lemos e música de Paulo César Pereio

“Avante brasileiros de Pé,Unidos pela liberdade,

Marchemos todos juntos com a bandeiraQue prega a igualdade.Protesta contra o tirano,

Se recusa à traição,Que um povo só é bem grande,

Se for livre sua nação.”

Page 19: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

APRESENTAÇÃO 19

AH, FAZER RÁDIO!

A história do rádio e as estórias do rádio são conceitos que se confundem. Um não vive sem o outro e nenhum dos dois estariam presentes nos acontecimentos do dia a dia, se as figuras dos empresários radialistas, não dissessem... NO AR!

O rádio está à espera de que apareça o seu historiador e possa escrever até o último capítulo com um final surpreen-dente. Na verdade seria uma “missão impossível”. Ele é que nem a História: nunca terminará.

A pedido de meu pai (César Celente), estou escrevendo algo sobre rádio e eu como admirador fanático deste veículo fantástico aqui estou tentando dar algumas informações sobre essa fascinante profissão de radialista.

Ah, Fazer Rádio! Esta magia que tem o poder de mag-netizar multidões inteiras e conduzi-las ao local que desejar.

Lembro-me de uma frase escrita por Sangirardi Júnior, extraordinário homem de comunicação na década dos anos 50 quando declarou: “Deem-me uma poderosa estação de rádio, 10 marchas militares e em 24 horas farei uma revolução”.

Um exemplo disso: todos ainda lembram os acontecimen-tos de agosto do ano de 1961, quando o então Governador Leonel Brizola catalisou a opinião pública brasileira e até in-ternacional, com a sua Rádio da Legalidade.

Meu pai César Celente, foi testemunha ocular da história, esteve presente a este evento da maior relevância política na história do Brasil. Não fora o rádio, por certo, os rumos da política brasileira, quem sabe até teriam sido outros.

Page 20: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade20

É oportuno transferir algumas informações preliminares

para os nossos leitores em respeito aos pioneiros dos primeiros

passos do nascimento do rádio como forma de comunicação.

A história é longa e chega a ser empolgante essa extraor-

dinária aventura do homem no tempo.

No distante ano de 1863 o físico inglês James Maxvell, em

Cambridge, fazia deduções matemáticas posteriormente apro-

veitadas por Hertz (daí as ondas hertzianas) que se dedicou

a estudar o tema em seu laboratório na Alemanha. Outras

investigações científicas prosseguiram já em 1888 pelos profes-

sores Oliver Lodge, na Inglaterra e Ernest Branlyn, na França.

A longa caminhada que chegou até aos nossos dias foi

prosseguida por inúmeros cientistas. Sabiam ou mesmo sen-

tiam que Hertz estava com a razão.

Ao começar o século XX a radiotelefonia teve enorme

aceleração e um brasileiro foi injustiçado. Em 1891 o mo-

desto professor de História Universal do Seminário Episcopal

e capelão da Igreja do Bom Fim, Padre Roberto Landell de

Moura, transferiu-se para São Paulo. Assumiria uma paróquia

de Campinas.

A história o encontra em seus primeiros estudos no Co-

légio Jesuíta de São Leopoldo, matriculando-se na Escola

Politécnica. Também estudou Ciências Químicas e Físicas na

Universidade Gregoriana, em Roma.

Depois de viver verdadeira saga científica, vamos encontrá-

lo tentando contar com o auxílio dos americanos, no início

deste século, ou mais precisamente 1901.

A princípio pouca atenção lhe foi dada. Marconi estava

em grande evidência e um simples “cientistazinho” oriundo de

um lugar lá nos confins da América do Sul, não despertaria

muita atenção entre os grandes da ciência.

Finalmente pela sua persistência e obstinação veio afinal

o reconhecimento, como comprova artigo acima publicado no

Jornal New York Herald em 12 de outubro de 1902.

Page 21: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

APRESENTAÇÃO 21

“Em 1904 conseguiu no The Patent Office at Washington três cartas patentes: uma para o telégrafo sem fio, outra para o telefone e a última para o transmissor de ondas sonoras.”

A sua via-crúcis na América do Norte na busca de apoio e mesmo estímulo para os seus inventos, dilui-se como no tempo.

Teríamos de revirar muito os arquivos da história do rádio na sua parte técnica o que até seria fastidioso para o leitor. Das aventuras do nosso Padre Landel de Moura, damos um salto até Recife de 1919.

Nos conta Abílio de Castro que nos diz: “A Rádio Clube de Pernambuco foi fundada no dia 10 de outubro de 1919, no salão nobre do Diário de Pernambuco”.

Na Holanda também a revista “União Europeia”, esta de 1919 também é considerado decisivo para o rádio. Em 1919 aparece a Rádio Corporation of America. Um russo natura-lizado norte-americano – David Sarnof projetou as primeiras “caixas” sonoras para música doméstica – o rádio.

O rádio comercial desenvolveu-se nos Estados Unidos em 1922, onde eram feitas as promoções de produtos e o que havia de serviços na época. Em 1922, em Paris, Gabriel Germinet iniciou um serviço regular de notícias sob o título de “Paris Informations”.

Era sete de setembro no Rio de Janeiro. O ano era no-vamente 1922. Epitácio Pessoa Cavalcanti era o presidente da

Page 22: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade22

República. Convidado de honra o Rei Alberto da Bélgica. O evento era a monumental Feira-Exposição Mundial com a presença de inúmeros países e Estados Brasileiros.

Nos salões da Exposição e nos arredores do Aterro do Castelo foram instaladas cornetas (aquele tipo dos antigos gra-mofones) de alto-falantes. Alguém anunciou lá de dentro que o Presidente Epitácio Pessoa falará dentro de alguns instantes para inaugurar a radiotelefonia brasileira.

Cronista da época conta: “Se havia, como houve, a sensação de espanto e incredulidade dentre os que a céu aberto, ouvi-ram as palavras do presidente, dita lá de dentro do Palácio de Festas. Pode-se avaliar a impressão que terá causado o que se seguiu de imediato. Ali, no Aterro Castelo, a um quilômetro, aproximadamente, do Teatro Municipal, passaram a ouvir a transmissão da récita de gala, com a Companhia Lírica inter-pretando ‘O Guarani’, de Carlos Gomes”.

Segundo temos colhido, no curso do que tem sido escrito sobre qual a emissora de rádio mais antiga no Estado, encon-tramos algumas informações de ter sido a Rádio Pelotense e outras afirmando ser a Rádio Gaúcha. Otávio Augusto Vampré, intelectual, novelista e escritor, em trabalho de profundidade esclareceu a situação. Chegou à conclusão diante de docu-mentos e outras informações testemunhais de que a Rádio Pelotense era mais antiga emissora instalada, mas no interior do Estado, mais precisamente em Pelotas. Vampré prossegue afirmando que “a ideia de fundação da Rádio Sociedade Pe-lotense nasceu em numa loja comercial, no centro da Cidade Princesa chamada de ‘Palácio de Cristal’, fundada em 25 de agosto de 1925, com o prefixo POP”.

Quanto à Rádio Gaúcha, continua o historiador, “foi fun-dada em 19 de novembro de 1927, com o ‘slogan’ de ‘A Voz dos Pampas’, e com o prefixo ‘P RA-Q’. A respeito desta data existe certa controvérsia, pois em outros registros da Fundação RBS a data correta é 08 de fevereiro de 1927”.

Como outra grande contribuição da Rádio Gaúcha desta-camos quando da Revolução de 1930. Segundo Renaud Jung – um dos seus primeiros locutores, hoje já falecido – que também era alto funcionário da Companhia Telefônica – em

Page 23: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

APRESENTAÇÃO 23

folheto que escreveu em 1952 – o qual chegamos a ler – os fatos teriam ocorrido mais ou menos assim: “No dia 03 de outubro de 1930, cerca de 15hs o Dr. Oswaldo Aranha teria ido até o terceiro ou quarto andar do prédio do antigo Grande Hotel, na Rua da Praia esquina hoje Rua Caldas Júnior (onde hoje se ergue o Shopping Center Rua da Praia), onde estaria sediada a Rádio Gaúcha, ocupara o microfone e dissera no ar, quatro vezes a frase:

‘O que é que há?!’. Era, de acordo com as informações colhidas, o sinal para ser detonada a Revolução”.

O episódio pitoresco dentro do acontecimento revolucio-nário, teria sido a participação da antiga e hoje extinta Guarda Civil. Consta que os serviços de informações do Exército teriam desconfiança de que “alguma coisa” estaria sendo tramada com relação a um movimento revolucionário.

Diariamente, nos meses que antecederam a eclosão do movimento o Corpo de Guardas Civis descia, diariamente de seu quartel (ainda hoje existente em ruínas) na rua da Ponte (hoje Riachuelo) esquina Gal. Canabarro para a Av. Mauá, perto do cais do porto. Naquele dia, no mesmo horário 15:30 hs. Se repetiu o movimento. Eles iam até a Mauá, levavam, como sempre o faziam, seus “fuzis” – um arremedo de fuzil feito de tábua, apenas para facilitar os movimentos de ordem unida. Nada belicoso.

Passado algum tempo o serviço de informações, como nada acontecia, até pode ter relaxado as observações.

No dia 03 de outubro a Guarda Civil desceu normalmente a Gal. Canabarro e foi para seus “exercícios” na Av. Mauá, lá estavam prontos os piquetes da Brigada Militar e todos os líderes revolucionários, liderados pelo Gal. Flores da Cunha. A mobilização teria sido fruto do chamado de Oswaldo Aranha ao microfone da Rádio Gaúcha.

As 14 hs. em ponto os revolucionários partiram para a tomada do QG do Exército, na Rua da Praia esquina Gal. Canabarro, contava, ainda, o livro de Renau Jung que foi um combate encarniçado, violento, algo assim transcendente e que levou aqueles homens a enfrentarem metralhadoras de peito aberto, levados pelo espírito revolucionário na luta por uma

Page 24: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade24

causa justa e perfeita. Muitos morreram deixando um marco de heroísmo dividindo o “antes” e o “depois” da Revolução de 1930.

Anos atrás ainda existia exposto, no QG da Brigada Militar, numa das salas daquela unidade militar, um belíssimo quadro de cujo autor não lembro o nome. Retratava com extraordiná-rio vigor o que foi o avanço daqueles homens naquela tarde de 03 de outubro de 1930. O artista quem sabe até pode ter participado o combate, porque a fidelidade, a expressão das fisionomias, o conjunto e a dinâmica de todas as figuras, real-mente ao “faltavam falar”, tal a força que o autor empregou ao pintar um quadro épico.

Em 1992, falei com o jornalista Vítor Moraes, então as-sessor de Imprensa da Brigada Militar e indagamos sobre o quadro. Prometeu averiguar nos deu, posteriormente, a triste notícia de que tal quadro não mais se encontrava no QG e muito menos se sabia onde poderia estar. Lamentamos, porque menos do que o registro de evento importante, era uma rara peça de arte que deveria ficar, permanentemente, exposta para conhecimento de todos.

Escrevi tudo isto para que você leitor perceba a impor-tância do Rádio não só como produtor de entretenimento, mas como poderoso elemento a participar do processo so-ciopolítico do país.

A seguir relatamos com detalhes outro evento marcante na história política brasileira, contada por quem esteve par-ticipando ativamente do evento, a “Cadeia da Legalidade”, que mostrou que para o Rádio o mundo é uma Aldeia Glo-bal, a rede foi ouvida e acompanhada nos quatro cantos do mundos... NO AR!

Page 25: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A Cadeia de Legalidade

INTRODUÇÃO

Era um domingo, 27 de agosto de 1961, que começam

as transmissões da Rede ou Cadeia Nacional da Legalidade.

O primeiro pronunciamento do governador do Rio Grande

do Sul, Leonel Brizola, pouco depois das 14h, estende-se por

36 minutos. Discos com marchas militares – muitos deles do

programa Aí vem a Banda, da própria Guaíba – alternam-se

com proclamações e manifestos.

De início, a leitura fica a cargo de Naldo Charão de Freitas,

um funcionário do Gabinete de Imprensa do Palácio Piratini.

Logo, a Rádio da Legalidade ganha a credibilidade do principal

locutor-noticiarista do Rio Grande do Sul: Lauro Hagemann,

Page 26: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade26

titular da edição local do Repórter Esso, da Farroupilha. A ele, seguem-se diversos profissionais, tal como Abel Gonçalves e outros que vão aderindo espontaneamente ao trabalho. Já no final da crise, os jornais de Porto Alegre vão publicar a Procla-mação dos Jornalistas e Locutores da Rede da Legalidade. Um trecho do documento, na voz de Lauro Hagemann, expressa o clima reinante nos porões do Piratini:

“Povo brasileiro!Esta é a nossa proclamação, a proclamação daqueles que

trabalham na Rede da Legalidade!Pertencemos a todas as emissoras de Porto Alegre, redato-

res, locutores e pessoal da técnica, estamos todos aqui, livre-mente, espontaneamente, escrevendo, lendo ou controlando, com a liberdade que sempre tivemos em nossas emissoras.

Não sofremos coação de espécie alguma. Nem sequer so-licitada foi a nossa presença.

Não temos armas na cintura, e muito menos em nossas costas. Nossa arma é a pena e a nossa tribuna é a Rede da Legalidade. Somos 200, 300 ou 400.

Todos voluntários. Momentos há, que somos em número superior às máquinas de escrever, aos microfones e aos apa-relhos de controle de som.

Queremos auxiliar. Queremos ajudar. Esperamos nossa vez.Ninguém nos chamou. Vimos atendendo a um ditame da

consciência.Vimos para defender a Constituição. Não somos trabalhis-

tas, não somos pessedistas, não somos udenistas, nem comu-nistas. Somos brasileiros. Somos democratas. Somos legalistas.

Nada recebemos. Nossos serviços são gratuitos. Nossa co-laboração é espontânea.

A matéria que divulgamos não é censurada. Nós afirmamos: trabalhamos de acordo com a nos-sa consciência, de acordo com a nossa capacidade.Jornalistas do Rio de Janeiro, jornalistas de São Paulo, jor-nalistas de outros estados da Nação!

Se vossos artigos são censurados, se a censura ditatorial de alguns loucos e mal formados manda vossos artigos para

Page 27: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 27

a cesta, se vossas penas sofrem por terem que escrever artigos

sob medida, que convenham aos antidemocratas que procuram

rasgar a Constituição por meio do golpe, mandai vossos artigos

para a Rede Nacional da Legalidade. Nós aqui os transmiti-

remos aos quatro cantos do país e podereis comprovar que,

no Sul, reina a mais completa liberdade de imprensa.

Enviai vossos artigos, a revolta de vossos espíritos contra

a prepotência, que nós, aqui, teremos o máximo prazer em

transmiti-los ao Brasil e ao mundo.

Não houve, ainda, no Brasil uma cadeia radiofônica tão

ouvida. Mandai vossas mensagens, jornalistas livres do Brasil,

que elas chegarão ao seu destino.

A Rede Nacional da Legalidade é um produto nosso, dos

locutores, redatores e técnicos em radiodifusão. Foi criada pelos

jornalistas livres do Rio Grande do Sul. Ela merece o vosso

respeito. Ela merece a vossa sintonia.”

Antes disto, a cadeia radiofônica e o movimento em prol da posse de João Goulart vivem seu momento mais dramático. Radioamador por hobby, o diretor técnico dos Correios e Telé-grafos, João Carlos Guaragna, intercepta, entre 21 e 23h daquele domingo, dia 27, a comunicação telegráfica entre o Ministério da Guerra e o III Exército.

Uma das ordens recebidas e a resposta transmitida de Porto Alegre vão colocar em alerta o Palácio Piratini:

Ministério da Guerra – É necessária firmeza e energia do III Exército a fim de não permitir cresça a força do adversário potencial que tem todo o interesse em manter a ordem a fim de que o sr. João Goulart assuma a Presidência. Reitera a ordem a fim de que sejam suspensas as irradiações. Trata-se estratagema que só favorecerá inimigo em potencial.

III Exército – General Machado Lopes [comandante do III Exército] deseja Ministério Aviação providências diretamente go-vernador sentido devolução imediata Rádio Guaíba.

Deste modo, naquela madrugada fria, o responsável pela Companhia da Guarda, capitão Pedro Américo Leal, com seus 222 soldados de elite, prepara-se para atacar a ilha da Pintada,

Page 28: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade28

guarnecida por 100 homens da Brigada Militar, e tomar os transmissores da Guaíba, suspendendo, assim, as irradiações do Palácio Piratini. Pouco antes de iniciar as operações, rece-be, por telefone, nova determinação repassada pelo ajudante de ordens do Estado Maior, general Antônio Carlos Muricy. O comandante do III Exército, José Machado Lopes, suspendia o ataque, aderindo à Legalidade.

Desconhecendo a decisão do general, na manhã de segunda, dia 28, o clima no Palácio Piratini é de muito nervosismo e expectativa. A Cidadela da Legalidade está ameaçada. A praça da Matriz assemelha-se a um acampamento militar. Pesados bancos de cimento são colocados por estudantes e sindicalistas como barricadas nas ruas de acesso, na tentativa de impedir o avanço de tanques. No telhado do Piratini, metralhadoras permanecem posicionadas.

Há montes de sacos de areia e rolos de arame farpado completando o quadro, onde quase 80 mil pessoas ficam de vigília. Muitos portam revólveres Taurus novos, requisitados a uma loja da capital.

Por volta das 11h, Leonel Brizola recorre ao microfone da Legalidade para denunciar o ataque iminente e pedir que o general Machado Lopes apoie a posse de João Goulart:

Estamos aqui prestes a sofrer a destruição.Devem convergir sobre nós forças militares para nos destruir,

segundo determinação do ministro da Guerra. Mas tenho confian-ça no cumprimento do dever dos soldados, oficiais e sargentos, especialmente do general Machado Lopes, que, esperamos, não decepcionará a opinião gaúcha. Assuma, aqui, o papel histórico que lhe cabe. Imponha ordem neste país. Que não se intimide ante os atos de banditismo e vandalismo, ante este crime contra a população civil, contra as autoridades. É uma loucura. Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste palácio, numa demonstração de protesto contra esta loucura e este desatino. Ve-nham, e se eles quiserem cometer esta chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não

Page 29: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 29

importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação. Aqui, resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui, ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo! Joguem estas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para mor-rer, se necessário. Um dia, nossos filhos farão a independência do nosso povo!

Mal o governador termina de falar, chega o jornalista Flávio Alcaraz Gomes com a notícia mais importante do dia, obtida por ele no Estado Maior do III Exército: Machado Lopes está vindo aderir ao movimento que defende o cumprimento da Constituição. Logo em seguida, ocorre a reunião do general e do governador no Piratini. Pouco depois do meio-dia, os dois aparecem numa sacada do palácio, saudando a multidão. Brizola acompanha Lopes até o QG do Exército e, na volta, anuncia, ao microfone, a união das forças civis e militares em torno da Legalidade.

Anos depois, Leonel Brizola, recordando, para o Projeto Vozes do Rádio da PUC/RS, o Movimento da Legalidade, re-conheceria o papel fundamental do rádio naquele momento:

– Foi possível aquela resistência nacional, porque contamos com uma comunicação através do rádio.

E foi graças àquela locução plena de emoção que eu fiz para dar conhecimento à opinião pública daquela ordem tresloucada de bombardear o palácio, tanto que eu pedi para a população toda se retirar. Só ficasse quem quisesse enfrentar a situação. Foi tal a mensagem, a emoção, que aquilo ali, praticamente, tocou profundamente na fibra do povo gaúcho. Foi devido a isto que nós conseguimos, praticamente, conter toda aquela investida golpista.

Na tarde de terça-feira, dia 29, Farroupilha e Gaúcha voltam a transmitir e pedem para serem requisitadas, forma de garantir certa tranquilidade caso triunfem as forças golpistas. A rede passa a contar, deste modo, com seis faixas de transmissão em ondas curtas – Farroupilha (19 e 31 metros), Gaúcha (25 e 49 metros) e Guaíba (25 e 49 metros). Para vastas regiões do país,

Page 30: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade30

as irradiações chegam por meio da Rádio Brasil Central, de Goi-ânia, ocupada pela Polícia Militar por ordem do governador de Goiás, Mauro Borges, que apoia a posse de Jango. Talvez graças a toda esta abrangência, reforçada pelo canal livre internacional em ondas médias da Farroupilha, começa a ser transmitido, das 2 às 4h, em meio à madrugada, o programa A Ponte da Ami-zade, um serviço que permite aos ouvintes enviarem notícias suas a parentes e amigos de outros estados. Certo está que a Cadeia da Legalidade, como Lauro Hagemann recordaria mais tarde, “chegou quase ao final a ter uma programação normal de qualquer emissora, com horários determinados para o no-ticiário e a música”.

Dias depois, na quinta-feira, 31 de agosto, começam as irradiações em outras línguas. O noticiário vai incluir textos em inglês, francês, espanhol, italiano e árabe. A rede já conta, então, com dezenas de emissoras retransmitindo o seu sinal. O movimento ganha, mais ou menos por aí o seu hino, com letra de Lara de Lemos e música de Paulo César Pereio.

De um dia para o outro, o número de emissoras integrantes passa de quatro para 114. Pelas ondas do rádio, o movimento em prol da posse de João Goulart vai crescendo. Assim, por volta das 23h40 de 1° de setembro, a Rede Nacional da Lega-lidade pode anunciar:

– A partir deste instante, o doutor João Goulart é o presiden-te da República. Todos os cidadãos do Brasil deverão submeter-se à ordem do comandante supremo da Nação, no cumprimento da Constituição. Como primeiro magistrado, é ele comandante em chefe das Forças Armadas e responsável pelo destino do povo do Brasil, defendendo os direitos da Constituição. Nesta noite, termina a longa peregrinação de João Goulart da China até o Brasil, dando tempo às articulações políticas para garantir a constitucionalidade. Às 20h25 do dia 5, o novo presidente desembarca, finalmente, na capital federal. Em Porto Alegre, pela última vez Brizola usa o microfone da Legalidade, agrade-cendo o apoio do povo do Rio Grande do Sul, mas reiterando sua discordância com a mudança do sistema de governo de presidencialista para parlamentarista. No que fora a Cidadela da Legalidade, não há mais mobilização popular. Ante as hesitações

Page 31: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 31

iniciais logo após a chegada de Jango ao estado, a frustração substituíra a esperança. Sob uma forte chuva, dispersou-se o povo que rasgava faixas aos gritos de covarde e traidor. No porão do Palácio Piratini, improvisado em locutor, o subsecretário do Ensino Técnico do governo do estado, João Brusa Neto, que vinha exercendo o controle político das irradiações, encerra as transmissões da Rede Nacional da Legalidade:

– No momento em que o presidente constitucional do Bra-sil, doutor João Goulart, chega a Brasília, enviamos daqui, do subterrâneo da Legalidade, um abraço a todos os brasileiros que nos acompanharam em defesa da ordem, da legalidade e das instituições do Brasil.

No dia seguinte, um ofício do governador Leonel Brizola informa ao diretor da Rádio Guaíba, Arlindo Pasqualini, que a emissora pode voltar a transmitir normalmente. Duas semanas depois, a estação da família Caldas recebe, ainda, uma indeni-zação de Cr$ 750 mil, quase o preço de um Simca Chambord, então um dos automóveis mais caros produzidos no país e ven-dido, conforme os anúncios do Correio do Povo, jornal ligado à emissora, a Cr$ 800 mil.

O PROTAGONISTA DA RESISTÊNCIA NA FAB

(Comendador Caetano Ângelo Vasto)

Page 32: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade32

AGOSTO DE 1961 – RENÚNCIA DE JÂNIO QUADROS

RIO GRANDE DO SUL

BRIZOLA E O GRITO DA LEGALIDADE

Eu, Caetano Ângelo Vasto, Suboficial da Aeronáutica, re-formado, vou narrar em seguida o que ocorreu em agosto de 1961 e, os dias subsequentes que vivi, (vivemos) quando servia na Base Aérea de Gravataí hoje Base Aérea de Canoas e, na Sub Unidade o 1º Esquadrão do 14º Grupo de Aviação, que tem como sigla o 1º/14º G. Aviação. Meu nome de guerra Vasto, na graduação, Suboficial Vasto.

Desde o final do mês de Maio de 1961, após voltarmos de manobras e treinamento conjunto com a Força Aérea da Argentina, em Buenos Aires, passei a ser o Suboficial mais antigo de toda a Vª Zona Aérea e, quiçá de toda a FAB. Des-de a alguns anos essa área da Aeronáutica, que abrange Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, agora se denomina Quinto Comando Aéreo Regional, 5º COMAR. Praça, aluno da A.T.Av. São Paulo em 28/jan/1944, Em 10 de agosto de 1944 fim do curso e graduado 3º Sargento (3S), não tinha ainda 18 anos, em 1947 e 1949 promovido a 2º e 1º Sargento, am-bas por merecimento e finalmente promovido a Suboficial em outubro de 1953, tinha na época 27 anos que, com 9 (nove) anos de serviço era o mais novo Suboficial da Aeronáutica. Assim graduado em 2º lugar em 10/ago/1944, na minha es-pecialidade pude escolher a unidade para servir, escolhi o Rio Grande do Sul.

Assim sendo, para esta narrativa, dou como início o dia 25 de agosto de 1961. Agora completando 50 anos, passado então meio século. Já nos dias anteriores a esse 25, os jor-nais vinham publicando notícias que estavam gerando certo clima de descontentamento e insegurança tanto nas altas esfe-ras políticas civis, como militares, pois o então Presidente da República, Sr. Jânio Quadros teria condecorado com a GRÃ-CRUZ DA ORDEM DO CRUZEIRO DO SUL, nossa mais alta condecoração, um “ministro” de Cuba, braço direito de Fidel Castro que, para muitos dos brasileiros seria nada mais

Page 33: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 33

nada menos que um mercenário pois nem cubano era, mas sim, um assassino executor de centenas de cubanos, sendo que os “castristas” se intitulavam “os libertadores da tirania norte-americana”.

Esse condecorado era ninguém mais que ERNESTO GUE-VARA o CHE. As fotos da condecoração foram publicadas em diversos jornais.

Por outro lado já, se sabia que o Presidente Jânio Quadros não estava agradando a nação, tendo em vista diversos proce-dimentos seus, diziam não aprovar que as “cariocas” usassem biquínis, proibiu rinhas de galo e outras baboseiras, enquanto isso, na família, “na FAB” sabíamos que o presidente tomava porres homéricos, tanto em suas viagens como nas noites no Palácio, assistindo filmes de “bang-bang”, tomando caipirinhas com uísque de 12 ou 18 anos,

Nessa data, o Presidente Sr. Jânio Quadros apresentou sua renúncia.

Então, na manhã desse dia, ao chegarmos a nossa uni-dade, Base Aérea de Canoas, sendo que a mesma agrega ou-tras unidades, como Esquadrões, Esquadrilhas e Companhias, como Companhia de Infantaria de Guarda, que guarnece a proteção da Unidade BASE AÉREA em seu total território, quando então deparamos com um muito esquisito espetáculo, no pátio de estacionamento dos aviões de transporte, inúmeros C-47, conhecidos no mundo civil e nas empresas de trans-portes aéreos que tínhamos na época VARIG, VASP e outras, como DC3 e que, naquele momento estavam sendo carregados com, moveis, utensílios domésticos, engradados de galinhas, cães e as empregadas domésticas dos oficiais que moravam no conjunto de ótimas casas situadas junto ao Q.G. em Canoas, estranho quadro que despertou muito nossa curiosidade. Por que aquelas mudanças repentinas de tantos Oficiais com suas famílias? Após o café, cada um se dirigiu à sua unidade e, eu como mais outros fomos para o nosso Esquadrão, ou seja, o 1º/14º G. Aviação.

Para mim é o glorioso, pois servia no mesmo desde sua fundação, quando recebemos em 1947 os “famosos P 40” sen-do que, muitos, ou todos, já eram bem voados na guerra da

Page 34: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade34

Birmânia, onde eram conhecidos como Tigres Voadores, na verdade sua pintura lembrava mais um tubarão. Quando na minha chegada em outubro de 1944, mesmo tendo sido o 2º lugar ao ser promovido, escolhi para servir em Porto Alegre. Naqueles dias estavam chegando nessa Base umas esquadrilhas de A 20, chamados na época de combate e bombardeiros leves esses AVOC – 20. O campo era chamado de Air France, só existia a pista propriamente dita a torre de controle um peque-no hangar as demais instalações que eram todas de madeira e já bem antigas, sem nenhuma comodidade como alojamen-tos, refeitório e instalações sanitárias, tudo foi improvisado utilizando-se o que já existia.

Recebemos então os Bombardeiros A-20, para formar o 1º/10º Grupo de Bombardeiros Leves. Durou até o fim de 1946. Na época ainda era chamado de 3º R.Av. (Denominação do Exército). Voltando ao dia 25 de agosto, dia do Soldado.

Ao entrarmos em nossas seções, já sentimos o clima pe-sado, proveniente da oficialidade.

Minha seção, de Equipamentos, era comandada pelo 1º Ten. Reinisch e tinha como meu auxiliar o 1º Sarg. Lorenzoni e mais dois soldados, nossa especialidade, paraquedas, capace-tes e vestimentas (macacões muito especiais) e oxigênio para as máscaras de voo, e todo o equipamento de sobrevivência.

Antes do fim do dia, foi dada a informação de que a Base e todas as Unidades da 5ª Zona Aérea estavam de prontidão. Não haverá saída de pessoal em hipótese alguma.

Um dia cheio de tensões, falsas notícias e notícias desen-contradas, até que finalmente notícias passadas de Sargento a Sargento, vinda diretamente do posto rádio, pavilhão do comando, ficamos sabendo dos acontecimentos em Brasília, Rio e São Paulo.

Dia 26 de agosto de 1961 – Sábado, alvorada, café da manhã, dia tenso, urgente manutenção para maior disponibi-lidade de nossos aviões.

Dia 27 de agosto – Domingo. Logo após o café da manhã, urgente e chamada na pista, assim então, tão logo chegamos às nossas seções, recebemos ordens para preparar todos os aviões, os devidos equipamentos para os pilotos afim de missões de voo

Page 35: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 35

e, por sua vez a seção de armamentos já havia sido ordenada para “municiar” esses aviões, os Gloster Meteor F8, assim, os aviões receberam cada um duas bombas de 500 libras e, em seus quatro canhões Hispano Suiso a munição de 20 milíme-tros, traçantes, perfurantes e explosivas. Minha seção, fomos equipar os assentos, ejetáveis com seus respectivos paraquedas e cilindros de oxigênio.

Quando ficamos sabendo, no círculo dos Suboficiais e Sargentos que, Jânio Quadros, então Presidente da República havia renunciado em 25 de agosto e que já se encontrava em Cumbica, Base Aérea de São Paulo e que o então presidente da Câmara dos Deputados, Sr. Raniere Mazzili havia toma-do posse da Presidência da Republica sendo que os militares não deixariam que o Vice-Presidente João Goulart assumisse, nesses dias ele se encontrava na China, aonde fora a convite do governo daquele país, daí a situação complicada de, por estar ausente, diante do acontecido, com a renúncia de Jânio, os militares não admitiam que o mesmo na sua volta tomasse posse como presidente.

Nota: O 1S Lorenzoni, meu auxiliar, tinha e vendia, os mini-radinhos de uma só pilha, que existiam naqueles dias, assim de posse desses radinhos, ouvíamos e sabíamos de todo o noticiário e o que estava se passando, tanto aqui como no Rio e Brasília. Dessa forma, soubemos que, veladamente por ordem do então ministro da Aeronáutica Brigadeiro GRUN MOSS, era nosso Esquadrão que deveria silenciar o Governador Leonel Brizola, que, no palácio do Governo em Porto Alegre, apela-va pela LEGALIDADE, ou seja, que fosse empossado como Presidente o Sr. João Goulart que, já tinha chegado da China e teve que se refugiar em nosso vizinho Uruguai. Soubemos então que, junto, ou defronte o Palácio do Governo, na Praça da Matriz muito mais de 300 homens, receberam revolveres, pistolas e munição, que o Governador havia requisitado das fábricas Taurus e do arsenal da Brigada militar, assim como outras guarnições a proteger o Palácio de Governo e adjacên-cias do provável bombardeio que havia sido ordenado pelos ministros Militares.

Page 36: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade36

(Na esquerda: Suboficial Vasto, Alipio e o 5º e o Suboficial Re-nan; a direita, o 1º é Suboficial Adão D. Mello o 2º é Suboficial Francisco F. Figueiredo.)

Nessa altura dos acontecimentos, tendo em vista os noti-ciários, já prevíamos o que poderia acontecer. Estavam nossos aviões totalmente municiados e, prontos para a terrível missão. Bombardear o palácio Piratini, calando a boca do Governador Leonel de Moura Brizola, que “insistia” na expressão:

LEGALIDADE, POSSE AO VICE-PRESIDENTE JOÃO GOULART.

Como disse acima, dos ministros militares em Brasília, ordens para tal já haviam sido recebidas.

COMEÇA ENTÃO NOSSA ODISSEIA.

A narrativa a seguir, foi vivida por mim e meus cole-gas, cujos nomes dou posteriormente e, totalmente dentro do 1º/14º G.Av., ou seja, no âmago, cerne dos acontecimentos desse agosto de 1961 que nos coube, independente do que ocorria dentro da Base Aérea propriamente dita.

Nesse dia, pela manhã, muito cedo havia chegado mais um C-47 que estacionou defronte a Esquadrilha Extra, seus tripulantes já estavam em reunião com o Comandante da Base

Page 37: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 37

e do 1º/14º, pelo que soubemos, traziam ordens direta do alto

comando de Brasília.

Nosso hangar, refiro-me ao do 1º/14º, Um pavilhão com

toda estrutura de aço e alvenaria, com direção Norte e Sul e,

suas laterais Leste e Oeste internamente são todas com cons-

truções de alvenaria as salas e salões, aonde estão instaladas as

diversas seções que compõem o Esquadrão de Caça, no térreo

logo abaixo da escada, a direita de quem entra, era a minha

seção, de equipamentos, em seguida a seção de armamentos

e a esquerda o almoxarifado, no andar superior todas as salas

de comando, cujo acesso é pela entrada na lateral onde está

situada a escada, estavam localizadas todas as dependências de

comando, desde o gabinete do comandante, sala de “briefing”,

ajudância, enfim, todas as dependências necessárias para gerir

um comando, dessa forma, para entrada na hangar, a não ser

pelos grande portões Norte e Sul existia somente essa porta

lateral.

Quando desce então, um dos oficiais vem a minha pro-

cura, assim que me encontrou entregou-me uma prancheta

dizendo, Sub. Vasto por ORDEM DO COMANDANTE DO

1º/14º, relacione todos os mecânicos e os demais auxiliares

que deverão ir para São Paulo a fim de receber nossos aviões.

Essa prancheta, que eu deveria preencher com o nome

dos mecânicos de todas as especialidades a fim de recebe-

rem os aviões após o voo, era (é) um procedimento normal

obrigatório, todavia era dada sempre ao Suboficial chefe das

equipes de mecânicos de pista, nunca a mim, pois como mais

antigo (graduado) do esquadrão e na minha especialidade eu

faria a escala de quem iria. Estranhei, visto já estar relaciona-

do, escrito à máquina, meu nome, Equipamento – SO Vasto

(Nunca aconteceu antes, visto que, como já disse, por ser o

mais graduado, eu determinaria de minha especialidade quem

deveria ir atender a missão, mas, toda vez que determinada

missão tinha como destino São Paulo ou Rio, eu me “escalava”

junto com o (os) auxiliares que quisessem ir, isso era sabido

e conhecido, missões para o norte, eu não ia.

Page 38: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade38

De posse dessa prancheta, convoquei todos os Suboficiais e os sargentos mais antigos e, dialogando concluímos que o que se estava prevendo passava a ser a realidade:

Eu, o primeiro a se expressar disse, pessoal, como já está-vamos prevendo, as notícias são verdadeiras, o Palácio vai ser bombardeado e depois os aviões vão para São Paulo

POR MIM DIGO, EU NÃO VOU E NEM OS AVIÕES DECOLAM,

Quando o suboficial ALIPIO, da seção de armamentos disse, VASTO eu e o pessoal da minha seção, de armamentos, concordamos contigo (*) pois sabemos que assim carregados como estão esses aviões, de acordo com as “Ordens Técnicas vigentes” eles não poderão aterrissar, aqui está a OT, o Co-mandante deve ter conhecimento mas, por via das dúvidas, e entregou-me essa OT, a fim de que, se o Comandante me questionasse a respeito, teria eu o argumento e justificativa em mãos, então com essa OT de número 384 (número aqui fictí-cio) dizia em uma de suas cláusulas ou seja, um dos artigos, que, com esse tipo de bomba, os aviões não podem aterrissar, visto serem sobras da 2ª guerra e que seu detonador é ativado com o choque, então você tem toda a justificativa e argumento para dizer o porque esses aviões não poderão decolar, se de fato não forem “bombardear” algum alvo e, pelo que estamos sabendo, é o Palácio Piratini do Gov. Brizola.

Completando suas palavras disse-me ainda: Mas já pro-videnciamos o travamento de todos os “cabides” das bombas e os canhões não darão nem um tiro ainda estão travados.

Em unanimidade os Suboficiais e Sargentos concordaram com a resolução que tomei me apoiando, todavia também imaginando nas consequências que adviriam dessa resolução, visto que nos já estávamos longe de nossas famílias a alguns dias, com nossos uniformes, macacões sem serem mudados, mesmo tomando banho não tínhamos roupas limpas, novas etc.

Agora, para simples ilustração dos que lerem esta, vou lembrar o que aconteceu quase no fim da 2ª guerra.

Certa manhã, voando em um pequeno avião, estava sendo levado de Londres para Paris o grande “Band Lider” Maestro GLEN MULLER, e muitos de seus músicos, que para lá se

Page 39: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 39

dirigiam a fim de reger aquela famosíssima orquestra, em um acampamento de soldados norte-americanos e, como o tempo estava “fechado” nosso jargão, esse avião estava voando em baixa altitude e sob nuvens, ainda sobre do canal da mancha mas, coincidentemente no mesmo instante estavam retornando diversas esquadrilhas de bombardeiros LANCASTER, aviões ingleses que sediados em bases de somente aviões ingleses e, sendo que alguns ainda lhes restavam algumas bombas, então aproveitando aquela área “vazia” despejaram suas bom-bas restantes no então canal da mancha uma vez que não poderiam aterrissar com ditas em seus “ventres”, assim então alguns procederam.

O avião de Glen Muller não desceu em Paris, nunca mais se soube de seu paradeiro, mas muito tempo depois o mundo ficou sabendo do ocorrido, um dos bombardeadores contou que, certo dia após sua missão de bombardeio sobre “tal” ci-dade alemã, no retorno, ao passar sobre o Canal da Mancha, despejou as bombas restantes e admirou-se pois ouviu logo abaixo umas explosões, não fazia sentido naquela área. Matada a charada.

Voltando ao item anterior, nessa pequena reunião, estavam presentes os Suboficiais, Alípio (baita amigão) da seção de armamentos, Adão Dorneles da pista, Figueiredo, (Fefe) do controle de voo, Renan rádio os “cobras” do hangar Sargen-tos, Máia, Victor Hugo, Cunha, Breda, Squifini, Haag, Baia-no, Custódio, Ruduite, Ed, Cesáre, Mirándola, Lucas, Souza, Arruda(pão de milho), Polônio, Rubem, Marinônio, Castro, José Lúcio (biela) e, da minha seção, meu auxiliar direto o 1S. Lorenzoni, não me recordo quem mais. Expus os fatos e suas possíveis consequências, poderíamos no futuro respon-der um conselho de guerra e, sabe-se lá o que poderíamos sofrer, não obstante, todos me apoiaram e se dispuseram a tudo o que pudesse acontecer. Quanto aos Cabos, auxiliares desses sargentos, bem como alguns soldados, os S1 (soldados engajados) alguns não nos apoiaram, também não estavam presentes na reunião mas souberam do que se tratava então alguns se bandearam para o lado dos oficiais.

Page 40: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade40

Como disse, a Base já estava em regime de prontidão a mais de três dias e, as outras subunidades, principalmente a IG (Infantaria de Guarda) todos os sargentos, já estavam armados, com pistolas e revolveres SW/45 e metralhadoras INA, acompanhando as notícias e muito atentos ao que se passava dentro do hangar do 1º/14, sabendo de nossa resolu-ção nos apoiavam integralmente, uma vez que nós estávamos confinados, não podendo sair do hangar sem licença o que não seria concedida de maneira nenhuma, tanto que, desde o dia anterior, para irmos ao rancho ao café da manhã, almoço e janta, eu comandava o pessoal em forma, estando ao lado um ou dois dos oficiais, sempre um capitão, então todo o pessoal da Base observava e sentiam o que poderia estar acon-tecendo dentro do Esquadrão da Caça. Nas oportunidades eu conversava com outros graduados e passava as notícias, como também me informavam do que estaria havendo na Base, que não era pouca coisa.

Alguns minutos depois, aquele Oficial voltou a minha procura pedindo a prancheta com os nomes do pessoal que “deveria” ir a São Paulo “esperar” os aviões, entreguei a ele a prancheta em branco e, olhou vendo até meu nome riscado e perguntou-me porque eu não estava cumprindo a ordem do Comandante do Esquadrão, respondi:

TENENTE, INFORME AO SR. COMANDANTE QUE NINGUÉM VAI PARA SÃO PAULO E, NESSA SITUAÇÃO NEM OS AVIÕES VÃO DECOLAR.

Correndo, subiu as escadas em direção às salas de comando.

Minutos depois tocou a sirene ordenando uma formatura e, pelo alto falante informava que seria para todo o pessoal subalterno, junto ao portão Sul e que o Comandante do Es-quadrão, MAJOR CASSIANO iria falar.

Imediatamente reuni todos, Suboficiais e Sargentos não incluindo os Cabos e soldados em formatura, junto ao portão sul e aguardamos a chegada do Comandante.

Page 41: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 41

Alguns segundos depois chegou o Comandante e mais alguns Oficiais, todos armados com suas pistolas Colt no coldre sendo que o 1º Ten. Pinto chegou ainda com uma submetra-lhadora Thompson 45, junto ao peito:

Apresentei-me, e toda a tropa em forma.O Major CASASIANO estava pálido, nervosíssimo, com

a prancheta nas mãos perguntou-me porque não acatei suas ordens de “escalar” o pessoal para a missão e,

QUE HISTÓRIA ESSA DE NÃO IR NINGUÉM E NEM OS AVIÕES?

Respondi: Sr. Comandante, estamos sabendo das ordens vindas dos Ministérios militares para bombardear o Palácio Piratini, onde está o Sr. Governador do Estado Dr. Leonel Brizola, apelando pela LEGALIDADE, afim de dar posse ao Vice-Presidente Dr. João Goulart.

Comandante: De quem veio essa informação a vocês de que tenho ordens para bombardear o Palácio do Governo deste Estado ?

Eu: Sr. Comandante soubemos direto da seção rádio, que foi decodificada essa ordem, bem como de todos os noticiários das rádios de Porto Alegre estão transmitindo essa notícia veementemente e repetidamente

Comandante: Pois a ordem que recebi é só para levar to-dos os aviões para São Paulo, e vocês, é só cumprirem minhas ordens sem questionar.

Disse então: Sr. Comandante, o senhor deve estar sabendo, perfeitamente que os aviões não poderão aterrissar com essas bombas, então mostrando aquele documento disse, conforme reza essa ORDEM TÉCNICA, Nº 384 NENHUMA AERONA-VE PODERÁ ATERRISSAR PORTANDO ESSES TIPOS DE BOMBAS EM SEU VENTRE OU NOS CABIDES DAS ASAS (Nota, o texto não é esse mas o que se entendia era exatamente isso) E, COMO ELES ESTÃO TOTALMENTE MUNICIADOS, SE NÃO FOR PARA ALGUMA MISSÃO DE BOMBARDEIO OU ATAQUE? PORQUE O COMANDANTE QUER VOAR,

Page 42: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade42

SABENDO QUE ASSIM MUNICIADOS ESTARÃO IMPEDI-DOS DE ATERRISSAREM EM QUALQUER CAMPO.

(*) Na nossa reunião éramos somente cinco Suboficiais, todos do 1º/14º e mais de uma dezena de Sargentos, os mais antigos e confiáveis, então analisando a situação facilmente se concluiu, DISSE ENTÃO, TODOS SABEMOS O QUE PODE-RÁ ACONTECER SE ESSES AVIÕES LEVANTAREM PARA A MISSÃO ORDENADA e concluindo, POR MIM ELES NÃO DECOLAM, quando então o Suboficial ALIPIO, encarregado da seção de armamento me informou: VASTO, COM ESSAS BOMBAS ESSES AVIÕES NÃO PODERÃO ATERRISSAR, MAS NÓS, RAMALHO, CUSTÓDIO (e todo o pessoal da seção de armamento) JÁ PROVIDENCIAMOS A TOTAL INO-PERÂNCIA, OS CABIDES ESTÃO TRAVADOS, AS BOM-BAS SEM OS DETONADORES ATIVADOS E OS CANHÕES COM SISTEMA ELÉTRICO TAMBÉM DESATIVADO, NÃO SAI UM TIRO.

Comandante: QUERO DE IMEDIATO, EM DEZ MINU-TOS A RELAÇÃO DOS QUE IRÃO PARA SÃO PAULO E, PRONTOS PARA A VIAGEM.

Eu. SR. COMANDANTE, JÁ DISSEMOS, NINGUÉM VAI E NEM OS AVIÕES VÃO DECOLAR.

Comandante. Aos gritos, VOU INDICIAR TODOS VO-CÊS AO ESTADO MAIOR, PARA UM CONSELHO DE GUERRA.

Tenente Pinto, com a THOMPSON na minha cara, Co-mandante vou chumbar os dentes do Sub. “eu o Suboficial que estava no comando”.

Estávamos vivendo o clímax dessa nossa história, tanto o Major Cassiano como os demais Oficiais, pilotos, sentiam ser o momento decisivo para a solução da ordem dada pelo Comandante: Se ele dissesse que estaríamos todos presos, de nada adiantaria, única ação provável seria dar um tiro, para o alto, ou em alguém, o Ten. Pinto uma rajada da Thompson 45, para cima? Certamente não surtiria efeito, então, SERIA EU O ALVO, JUSTAMENTE QUEM ESTAVA LIDERANDO A REBELIÃO, quem sabe, provavelmente amedrontaria a tropa e, será que os demais iriam obedecer? Logicamente não, imagino

Page 43: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 43

que uma atitude tão violenta com tantas testemunhas revoltaria mais ainda esse pessoal, mesmo lembrando que todos nós estávamos totalmente desarmados a “mercê” daqueles homens que estavam sendo afrontados por seus subordinados, ferindo frontalmente seu sentimento de superioridade, sua vaidade de ser, o que eram. Um Comandante e demais superiores hierárquicos, como costumo dizer.

Mas, como sabemos, tudo acontece no momento exato e, NADA É POR ACASO, então, naquela fração de segundo é que o portão Sul se abriu e apareceu todo o pessoal da IG e mais alguns Suboficiais e Sargentos de outras subunidades juntamente com mais de 40 Cabos e Soldados, todos bem armados com fuzis e pistolas e metralhadoras INA que, ou-vindo as ordens dadas pelo alto falante e sabendo de nossa situação, pois além de estarmos fechados e desarmados dentro do hangar, não teríamos como reagir, pois os Oficiais estavam todos muito bem armados, resolveram então entrar no hangar gritando e gesticulando muito, a fim de chegarem próximos à nós, demonstrando apoio nossa resolução. Estávamos a poucos metros desse portão Sul.

Foi uma correria, tanto o Comandante, como todos os oficiais que lá estavam, correram para as salas superiores tam-bém aos gritos e assustados.

Assim, praticamente nos sentimos liberados, pudemos sair do hangar e nos dirigir aos alojamentos e demais instalações da Base, onde encontrando demais colegas pude contar a todos o acontecido e nossa final resolução. Sentimos o apoio de todos.

Pouco tempo depois fiquei sabendo que um Jeep havia saído, com os Sargentos Éric que era da tesouraria, Calixto da garagem e o 1S Paluskewski “o Polaco”, estavam indo para o Palácio Piratini para dizer ao Governador Brizola que a situação na Base estava sob “nosso” controle, nenhum avião sairia para bombardear o Palácio. De fato poucas horas depois, pelas rádios soubemos que o governador Brizola já estava ao par dessa situação.

Mesmo assim, todo o pessoal da Base estava bastan-te nervoso e, diziam que os pilotos iriam tentar decolar a qualquer custo. Mas, aí durante o almoço o Suboficial Mauri,

Page 44: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade44

encarregado da seção de bombeiros, nos informou que a pista estava toda cheia de tonéis, espalhados em posições estra-tégicas com um carro tanque “pipa” e um contra incêndios na cabeceira. Seria difícil decolarem. Mas, os Oficiais tinham muitos Cabos e Soldados como seus aliados, poderiam tentar.

Após o almoço, voltamos todos para nossas seções. Na minha seção, eu e o 1S Lorenzoni vimos entrar no vestiário o Major PEIXOTO, que já havia sido o Comandante do 1º/14º anteriormente, boa praça e muito simpático com todo o pessoal e gostava de um futebol com os Sargentos, (no gramado, as canelas não tinham divisas nem galões todos eram jogadores iguais), então vendo que o Major estava trocando de roupa, mandei chamar urgente o Suboficial Renan, segundos depois ele apareceu, entramos no vestiário e fui logo dizendo, MAJOR, A SITUAÇÃO ESTÁ TENSA DEMAIS, ESTAMOS TODOS COM OS NERVOS À FLOR DA PELE, O MAJOR CASSIANO PODE TENTAR UMA LOUCURA, RESISTIREMOS, ENTÃO A SOLUÇÃO QUE PROPOMOS É QUE O SENHOR ASSU-MA O COMANDO DO ESQUADRÃO, ASSIM DESARMA-MOS OS AVIÕES E PODERÃO IR PARA SÃO PAULO OU RIO “SANTA CRUZ”, QUE O PESSOAL PODERÁ RECEBER OS AVIÕES SEM PROBLEMAS, QUANTO AO NOSSO PES-SOAL, NINGUÉM QUER IR PARA SÃO PAULO OU RIO.

(Em Santa Cruz, RJ existia outro esquadrão com aviões iguais aos nossos “Gloster Meteor F8” e, poderiam receber e atender perfeitamente).

Disse-nos então: NÃO POSSO, ELE É MAIS ANTIGO (entenda-se, ambos majores, eram da mesma turma, porém o MAJ PEIXOTO era mais novo), E ISSO IMPLICARIA EM UMA TOTAL REBELIÃO MINHA E EU ESTARIA SUJEITO A UM CONSELHO DE GUERRA, NÃO VOU FAZER.

O Peixotão (como também era conhecido) gostava quando diziam ser ele muito parecido com o Clark Gable, um grande galã de cinema naquela época, de fato existia uma semelhança. Assim, caiu por terra uma esperança nossa, evitar o grande desastre que, felizmente não aconteceu.

Nas salas superiores, ouvia-se grande barulho, gritos, vozes e correrias, não se imaginava o que poderia estar acontecendo,

Page 45: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 45

quando ao final da tarde o Suboficial Figueiredo (o Fefe, seu nome todo Francisco Furtado Figueiredo) me procurou e disse, Vasto tem um jeito de acabar com as esperanças deles tentarem decolar, vamos tirar um pouco de ar de um dos pneus e eles sabem que não poderão decolar. Assim foi feito, o pessoal de hidráulica, a quem estava afeto também os pneumáticos, esvaziaram um pouco de um só pneu de cada avião e fim, “sumiram” com a chave que ligava compressor, que era muito especial, o motor era de 440 Volts e, igualmente a outra chave que estava no almoxarifado, esse foi o trabalho do Sargento almoxarife: Dessa forma pudemos ir dormir um pouco mais tranquilos, o que não fazíamos há alguns dias.

Ainda nessa mesma tarde, vi quando o 1º Ten. JAEKEL que estava entrando no alojamento dos oficiais, cheguei até ele, pedi sua licença, vendo-o um tanto amedrontado, temeroso com minha presença disse. Tenente, por favor não tenham medo, nada de mal vai acontecer com os Oficiais, nada pes-soal, se preciso fosse eu traria minha família como refém para garantir nossa boa intenção. Só não queremos que o Palácio do Governo seja o alvo do bombardeio, O senhor pode ima-ginar as consequências posteriores. Nada disse, aceitou minha retirada, fui! (Se esse Oficial ler irá se lembrar dessas minhas palavras. A 2 ou 3 anos atrás em uma das reuniões, aniversário do 1º/14º G.Av. estava eu presente quando vi o então, hoje TENENTE BRIGADEIRO DO AR JAEKEL a maior patente da Aeronáutica, e soube que também seu sempre companheiro, que foi chefe de minha seção, 1º Ten REINISH, é igualmente TENENTE BRIGADEIRO DO AR. Foi bonito ver e gostei de saber até onde aqueles moços chegaram. Do AR, no posto de Brigadeiro só os pilotos são). Estávamos exaustos, noites anteriores sem dormir, um bagaço.

Na alvorada, 06:00 horas, ficamos sabendo que uma tro-pa do Exército, comandada por um Major, “ETCHEGOYEN” (soubemos depois ser ele filho do GENERAL ETCHE-GOYEN(?), de muita projeção no alto comando do Exército) estava chegando à nossa Base, por ordem o Comandante do III Exército, Gen. JOSÉ MACHADO LOPES e que esse Major era a favor da LEGALIDADE ou seja, a favor da posse do Sr.

Page 46: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade46

JOÃO GOULART. Foi assim que se apresentou, francamente não me pareceu.

(Eis o Gloster Meteor inglês. Este é o modelo F8, para um só piloto. Este aparelho veio servir a FAB em 1952. Base Aérea de Gravataí. O local era um antigo aeroporto, onde pousavam aviões de grande porte (voos internacionais), pois o antigo Aeroporto de São João, área do hoje Salgado Filho, não comportava receber aeronaves maiores tendo em vista suas dimensões serem reduzidas e sua pista ser inadequada para pouso de aviões pesados. O fim da pista da Base Aérea é bem próximo do Rio Gravataí, por isto talvez o nome de Aeroporto de Gravataí e depois, Base Aérea de Gravataí. O Quartel General – QG – localizado em Canoas, conhecido como Base Aérea de Canoas. O local da Base Aérea de Gravataí era no bairro conhecido por Chácara Barreto.)

Posteriormente fiquei sabendo que um jornal noticiou que essa tropa vinha a pedido dos Sargentos da Base; Não me consta nada disso, que eu saiba, ninguém poderia ter feito esse pedido. Mas...

Assim que a tropa chegou, foi recebida pelo MAJ. MÁ-RIO OLIVEIRA que, nessa situação estava no comando da Base, visto o Cel. Honório teria ido se apresentar ao GEN. MACHADO LOPES.

Com uns 60 (sessenta) homens, Cabos e soldado e como Oficiais, só o Major Etchegoyen e um CAPITÃO QAO, de Infantaria e uns 10 (dez) Sargentos, nenhum Subtenente.

Em seguida o Major Etchegoyen reuniu-se com os Oficiais da Base e, então esse Capitão QAO distribuiu os Sargentos com

Page 47: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 47

os Soldados, para fazerem uma vistoria em toda a Base. Após um curto espaço de tempo, pudemos nos entender com os Sargentos dessa tropa eu e mais uns Suboficiais falamos com o tal Capitão QAO (Quadro Auxiliar de Oficiais). Soubemos que no caminho o Maj. Etchegoyen vinha dizendo, doutrinan-do seu pessoal, que os Sargentos da Base haviam destruído instalações, danificado muitos aviões e, possivelmente haveria alguns mortos e feridos, devido a desavenças e brigas entre Oficiais e Sargentos, partidários de um lado e outro. Como não viram nada que se parecesse com o que lhes havia sido passado, então esse pessoal do Exército, se chegaram a nós e começamos a trocar informações, quando soubemos que o Maj. Etchegoyen, após a saída da tropa de sua unidade, foi “ou se” agregou a essa tropa como Comandante, pois era Major e o outro um Capitão? Só muito depois é que ficamos sabendo.

De fato, essa tropa foi escolhida, por ordem do Gen. Ma-chado Lopes, e mandada a fim de apaziguar os ânimos (?) acalmando a situação, assim então, após a reunião dos Oficiais do Comando, todo o “corpo” da Base, fora o pessoal de ser-viço na hora, foi reunido na lateral de um dos pavilhões da I.G. quando o Maj. Etchegoyen pediu para que entregassem as armas que estavam em mãos dos soldados e Sargentos, tanto da IG como de outras subunidades, a fim de evitar qualquer “acaso” que pudesse acontecer. Mais adiante na verdade sen-timos que éramos prisioneiros dessa tropa comandada pelo Maj. Etchegoyen. do Exército.

Em seguida, um dos nossos Oficiais, muito querido e res-peitado Major Aviador, Mario Oliveira, referendou esse pedi-do, todavia ainda existia alguma dúvida, foi quando o Major Mário Oliveira vendo que eu estava bem à frente do pessoal e, sabendo quem era eu, entendeu que eu queria falar e, me deu a palavra;

Subi na plataforma é uma elevação existente nos fundos desse pavilhão, que era um dos alojamentos de soldados da I.G. apresentando-me, todavia todos já me conheciam, disse que acreditássemos na palavra do Maj. Mario Oliveira, (era um Oficial com quem servi alguns meses, quando ainda era

Page 48: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade48

Capitão e ajudante do Comandante da Base e eu, fui um de seus auxiliares nessa ajudância) então, dizendo acreditar em suas palavras, recomendei que entregassem as armas ao ar-meiro no paiol da IG. de onde foram retiradas e, não mais necessárias, pois a Base estava em paz e sob boas ordens.

Ao anoitecer, quando me dirigia ao alojamento, um sol-dado veio ao meu encontro e perguntando-me se era eu o Sub. Vasto, disse-me ter uma informação, perguntei qual seria? disse então, Sub. Mandaram dizer para o senhor que pode ficar sossegado porque lá em cima do morro tem uma dúzia de “boca de fogo apontadas para a pista” e nenhum avião poderá decolar. Deu o recado e sumiu.

Qual a Unidade do Exército, próxima de nós tem esses canhões? Porque nunca foi comentado? Tem gente que duvida, gostaria que alguém se pronunciasse confirmando minha ver-são. Nunca foi mencionado esse episódio só dentro do Exército é que podemos saber.

Mais um dia depois e soubemos de novas ordens do Gen. MACHADO LOPES que permitiu a decolagem dos Caças. Então “desentupida” a pista, desarmados os aviões, e prontos para sua decolagem, O C47 decolou, mas ninguém foi para São Paulo a fim de recebê-los e, por sua vez nos F8 foram instalados os “Belly-tank”, um tanque adicional sob a fuselagem, ventre, dobrando sua capacidade de combustível, querosene, aumentando sua autonomia o suficiente para chegarem até o Rio de Janeiro, Santa Cruz, onde existia outro esquadrão com aviões iguais aos nossos, como já disse anteriormente.

Esse trabalho foi feito pelos Cabos e soldados, auxiliares dos Sargentos especialistas desses aviões e que eram partidá-rios dos Oficiais “golpistas”. Mas antes disso, no hangar, toca e sirene, reunido todos os Suboficiais, Sargentos e alguns Cabos, então o Comandante, MAJOR CASSIANO fez sua despedida, sua fala foi mais dirigida a mim, pois como me cabia, estava eu no comando desse pessoal, então COM UMA PISTOLA COLT 45 NA SUA MÃO DIREITA, VERMELHO DE RAIVA E ACINTOSAMENTE, FOI DIZENDO DO “CRIME” QUE COMETEMOS E QUE ELE NÃO IRIA ESQUECER E QUE, CERTAMENTE NO FUTURO, MUITO PRÓXIMO, NOS

Page 49: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 49

ENCONTRARÍAMOS. Poucas palavras mas bem claras e en-

tendidas essas ameaças.

Poucos minutos depois comandei uma formatura geral,

com todo o pessoal da Base, defronte a pavilhão de comando

ficamos algumas horas nesta formatura, agora reconhecendo

a situação de prisioneiros do Major Atchegoyen, assistimos a

decolagem dos caças, voaram que sobre nós e dando diversos

rasantes, rasantes de muito poucos metros sobre nossas cabeças

e seguiram seu destino. Norte.

Nas extremidades dessa formatura, início e fim estavam

nos esperando já posicionados, um Sargento artilheiro e uns

3 ou 4 soldados, municiadores com metralhadoras ponto 30.

Muito estranho me foi dito pelo Sargento do primeiro gru-

po, o que estava próximo de mim: Atenção SUB, SE DEREM

UM TIRO SE ATIREM NO CHÃO. Observei a mira daque-

le metralha e constatei que estava apontada para os Oficiais

que estavam na entrada do prédio do Comando que tem um

avançado coberto, com uns 3 metros avançados, onde estava,

bem a frente o Maj. Etchegoyen.

Todavia, ficamos nessa posição umas boas duas horas quan-

do os aviões passaram sobre nos em rasantes se despedindo.

Soubemos depois que em outras Unidades, o QG 5, por

exemplo, também teve problemas com as oficialidades e os

subalternos que, sabendo o que se estava passando no 1º/14º

se solidarizaram conosco. Muita coisa aconteceu também fora

do 1º/14º, discussões entre Oficiais, das diversas patentes, o que

não faltava era Oficiais que apoiavam o bombardeio do Palácio,

até mesmo um Capitão IG, que não conseguiu contar com

seus homens, Sargentos e Soldados da Infantaria de Guarda.

Deixo bem claro que, nada e ninguém estranho ao nosso

Esquadrão, teve qualquer influência EM NOSSA DECISÃO,

não obstante o que estava acontecendo entre Oficiais na Base.

Então, revendo diversos jornais desses dias, vi que um

deles, ÚLTIMA HORA, havia publicado, no dia 28 de agosto,

em manchete 1ª página

Page 50: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade50

OS SARGENTOS DA FAB IMPEDIRAM ONTEM O BOMBARDEIO DO PALÁCIO PIRATINI.

Na página interna o texto era um pouco diferente, SAR-

GENTOS DA FAB IMPEDIRAM OFICIAIS DE BOMBARDE-

AR PIRATINI!

Sem os aviões, vivemos uns dias com muita apreensão, va-

zios porém inquietos, lendo nos jornais os acontecimentos com

as autoridades em Brasília e no resto do país.

Sem muita certeza digo que, somente após bem mais de

um mês os nossos F8 retornaram, porém com um novo Co-

mandante, o Ten. Cel. Alberto Bins Neto que, anteriormente

havia sido Comandante desse 1º/14º G. Aviação, quando ainda

era Major. Os pilotos também não eram todos os que partiram.

Page 51: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 51

Sem nenhuma abertura ou sorriso a situação era algo tensa por muito tempo, tanto que ainda em dezembro desse mesmo ano, certa manhã o ônibus que nos trazia, nos deixou direta-mente em nosso hangar e, conforme ordens fomos direto para a pista e fizemos todo o trabalho de pré-voo, então tendo eu concluído meu trabalho, fui até o rancho tomar o café matinal e na volta fiquei sabendo que eu havia tido uma chamada e eu não estava presente. No fim do expediente fiquei sabendo que no Boletim Reservado, constava uma punição:

DETENÇÃO: A 14 Dez 61 (Boletim Reservado nº 39) foi público haver sido aprovada a punição imposta pelo Coman-dante do 1º/14º Grupo de Aviação, por haver se afastado do local de serviço, sem que para isso estivesse autorizado (cita o nº do Art etc. com atenuantes, transgressão leve) ficou detido por 02 dias. Permanece no BOM COMPORTAMENTO. A presente punição foi a contar de 14 de Dez 61.-

LIBERDADE: A 15 Dez 61 (Boletim Reservado nº 39) foi público mandado pôr em liberdade, por conclusão da punição, o dia 16 Dez 61.- Fui eu então o primeiro a ser punido.

Em 1963??? Veio transferido para a Base Aérea, um Capitão, com uma cara muito amarrada, a fim de dar prosseguimento ao IPM relativo ao acontecido em 1961. Logo em seguida foi promovido a Major, seu nome! MAX ALVIM, aquela cara amar-rada com aspecto de brabo, muito cedo se desfez. O inquérito durou muito tempo, todo pessoal da Base, Suboficiais e Sargen-tos das demais Subunidades foram inquiridos, estranhamente eu fui o último.

Resultado, acabou se mostrando meu Amigo e protetor, impedindo por duas vezes minha transferência para outras Uni-dades, mesmo quando chegou um outro Suboficial para me substituir na Seção de Equipamentos.

Foi quando por seu aconselhamento disse-me: Vasto! Se você já tem tempo para passar para a reserva, peça, porque o que te espera, eu não sei, mas? Imagino.

Resultado do IPM, infelizmente (certo é dizer, felizmente) só 3 Sargentos foram cassados, justamente os que foram com o jeep dar a notícia ao Governador Brizola, que nós impedimos que o

Page 52: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade52

Palácio fosse bombardeado. O 2S ÉDIO ÉRIC, o 2S CALIXTO e o 1S PALUSKEWSKI, não recordo sua seção ou função.

Situação desses militares após os acontecimentos:Os 3 Sargentos que foram cassados em 64, ou logo após,

por um tempo não tiveram vida fácil, mas, com a anistia.....é a seguinte: Após a plena anistia hoje:

O 2S Ney Moura Calixto – Sua seção era viaturas (gara-gem) Em 2006 ou 2007 foi finalmente promovido a Capitão com vencimentos integrais de Major, tendo recebido atrasados.

O 2S Édio Eric (era da tesouraria) – Foi promovido a Te-nente Coronel a mais de dez anos. Por similaridade com seu colega de turma???

O 1S Paluskewiski (Não estou lembrado a que seção perten-cia) – Hoje está em situação idêntica a do Ney Moura Calixto, só que foi promovido há algum tempo antes daquele colega.

Os Suboficiais, éramos cinco:SO, Caetano Ângelo Vasto, passei para a Reserva Remu-

nerada somente como SUBOFICIAL, com vencimentos de 2º Ten. pelo beneficio da Lei 1.156/50 (Decreto 10.490-A/1942) não considerada a Lei 2.370/54 no seu Art. 51) Totalmente prejudicado pela Lei 4.902/65.

SO Alípio Jaeger, passou para e RR como 1º Ten. Art. 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D.10.490-A)

SO Adão Dorneles de Mello, (falecido) passou para a RR como 1º Ten. Art 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D. 10.490-A)

SO Francisco Furtado Figueiredo, (falecido) passou para a RR como 1º Ten. Art. 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D. 10.490-A)

SO Renan Cavalcante Albuquerque, (falecido) passou para a RR como 1º Ten. Art. 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D.10.490-A) amparado ainda pelo Art. 58 da Lei 4.902/65.

Os 4 Suboficiais, Alípio, Adão, Figueiredo e Renan, embora mais novos na graduação de Suboficial, tinham mais tempo (anos) de serviço que eu, daí gozarem dos benefícios de Leis anteriores, a que “me” prejudicou em 1965, foi a malfadada Lei “CASTELO BRANCO” a 4.902/1965.-

Em abril de 1985, estando em visita a este Estado, o escritor OSVALDO FRANÇA JUNIOR, no dia 18 concedeu uma en-trevista ao jornal ZERO HORA e, lembrou que em 61 era um

Page 53: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 53

dos Oficiais, 1º Ten. Av. daquele 1º/14º G. Aviação dizendo que era um dos que não iria bombardear o Palácio do Governo... tararí tarará.. dia 18.04.85 2º caderno pag. 5.

Lendo aquela entrevista e não aceitando a versão do escri-tor, que como disse acima, era ele um dos pilotos do 1º/1’4º Esquadrão, procurei a redação daquele jornal e dei minha versão dos fatos daquela época: ZERO HORA dia 23.04.85, 2º caderno. Ao encerrar essa narrativa, fiquei a meditar por muito tempo, não seguidamente, mas em flashes de lembranças, pensamentos, reflexões, as noites no travesseiro, muitos dias, porque, afinal, o acontecido a cinquenta anos atrás não foi pouca coisa, lembrei-me então de um conto, cujo autor Paulo Coelho em seu livro O ALQUIMISTA. Livro que ganhei de meu irmão Alexandre, que me disse, leia com atenção, pois este autor é bastante místico e está arrebentando com seu modo de contar histórias, tem uma maneira muito interessante, cativante e agradável. Isso aconte-ceu muitos anos atrás, mesmo assim, também a muito tempo depois de 61, síntese:

CERTA OCASIÃO, O MOMENTO, NOS APRESENTA UMA CHANCE, OPORTUNIDADE, SEM SABER, DE AL-TERARMOS NOSSO PRÓPRIO DESTINO, FUTURO, POR QUÊ? MAS PODEMOS FAZER. FIZ!

Com o acontecido, o meu NÃO, certamente fez com que fosse mudada a história do Rio Grande do Sul, não esquecendo que nessa história estaria inserida minha vida, logicamente, de minha família, demais parentes, amigos e de toda a nação, muito mais desse povo que vivia neste rincão do Brasil.

Vejam as notícias, até a Marinha mandou um contingente, destino deveriam desembarcar em Torres, mas até São Pedro nos ajudou, o mau tempo impediu essa manobra. Então o risco que eu corri não foi pequeno, poderia ter levado um balaço ou uma rajada, tudo bem (?) mas e o futuro?

O que seria de todos, e o que aconteceria em nosso BRA-SIL, se houvesse tido um banho de sangue? Certamente iríamos para uma revolução fratricida; VALEU, MAS VALEU MESMO!

Page 54: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade54

A IRONIA: 30 dias antes de nossa rebelião foi publicado em Boletim interno.

ELOGIO INDIVIDUAL: A 27 Jul 61, foi público haver sido aprovado o elogio consignado pelo Maj Av CASSIANO PEREIRA, Comandante do 1º/14º Grupo de Aviação, nos se-guintes termos: — É com grande satisfação que este Comando se manifesta para louvar a capacidade profissional e o com-portamento do SO Q AT PA CAETANO ANGELO VASTO, por ter permitido ao 1º/14º Grupo de Aviação se desincumbir com sucesso das missões que lhe foram atribuídas durante as manobras da EAOAer, na Base Aérea de São Paulo e alcançar média significativa por ocasião da instrução de tiro terrestre do corrente ano, na Base Aérea de Santa Cruz.

E depois do acontecido, qual o julgamento certo:Teríamos nós empanado, deslustrado o brilho de nosso Es-

quadrão? A existência do glorioso 1º/14º?; Vão contestar nos-sa atitude? Pois eu digo por todos meus companheiros, NÓS EVITAMOS QUE O GLORIOSO 1º/14º TIVESSE HOJE UMA GRANDE NÓDUA DE SANGUE, SANGUE DE NOSSOS IR-MÃOS. E A HISTÓRIA SERIA BEM DIFERENTE DA QUE ESTAMOS VIVENDO. CUMPRIMOS NOSSO DEVER (vejam o que estava reservado a esse pequeno grupo de homens, tama-nha missão para com nossa Pátria?), RESPEITANDO A CONS-TITUIÇÃO, EVITANDO UMA REVOLUÇÃO FRATICIDA, FAZENDO COM QUE FOSSE DADA POSSE AO LEGÍTIMO HERDEIRO DO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA SR. JOÃO GOULART. ENTÃO, DEVER CUMPRIDO.

Após juntar todos os rabiscos, anotações daquele episódio de 1961, vejo, estamos no mês de fevereiro do ano 2011 e, a maior autoridade na ativa, TENENTE BRIGADEIRO DO AR JUNITI SAITO que, há um tempo também foi um dos Coman-dantes desse nosso Glorioso 1º/14º Grupo de Aviação, é hoje o COMANDANTE DA AERONÁUTICA.

Lembro mais uma vez! NADA É POR ACASO. Até este momento da minha vida, e já são passados 50 anos, vivemos até umas gerações.

NADA MAIS ME SURPREENDE!

Page 55: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 55

RÁPIDO CURRÍCULO

Caetano Ângelo Vasto, nascido em São Paulo, capital, em 02 de setembro de 1926, Praça (dia em que se entra para uma das FFAA) em 28 de janeiro de 1944, na Escola Técnica de Aviação, vinda dos EEUU, Graduado 3º Sargento em 10 de agosto de 44, com nota 83,58. Mesmo sendo o 2º, pelo valor da nota, escolhi servir em Porto Alegre, preterindo Rio e Norte total. Tendo chegado as 20:50 horas de dia 03 de outubro de 1944, noite chuvosa e, admirado ao ver um BONDE, passar ao lado da composição férrea e com mais velocidade. Chega-mos na Estação da Ferroviária, na “Volunta”, após 74 horas e 50 minutos de São Paulo. Vim servir no 1º/10º Grupo de Bombardeiros Leves, os A-20, aviões bimotor. Promovido a 2º Sargento em 1947 e a 1º Sargento em 1949, ambas por merecimento e a Suboficial em 23 de outubro de 1953. Ainda com 17 anos de idade, era autoridade, militar graduado, com menor idade, o mais novo Sargento em idade, assim como o mais novo Suboficial, com 27 anos de idade e com menos tempo de serviço, nove anos de caserna.

Sou Maçom membro da Casa Real dos Pedreiros Livres da Lvsitânia, cidadão brasileiro e tenho a honra de ter rece-bido a Comenda Cruzeiro do Sul por serviços prestados ao povo brasileiro e a Medalha do Cinquentenário da Legalidade das mãos do Presidente da Assembleia Legislativa, deputado Adão Vilaverde.

Me orgulho!Caetano Ângelo Vasto

Page 56: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade56

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA EM REUNIÃO PERMANENTE

Sábado, 25 de agosto de 1961

MANIFESTAÇÃO DE SOLIDARIEDADE A JÂNIO REGISTRADAS NO PLENÁRIO

A Assembleia Legislativa, logo após tomar conhecimen-to dos fatos resultantes da renúncia apresentada pelo sr. Jânio Quadros, aprovou um requerimento no sentido de se manter em sessão permanente. Pouco antes das 16 horas, o sr. Cândi-do Norberto ocupou a tribuna ao ensejo da discussão de um projeto, e anunciou ao Plenário os acontecimentos, que estavam se verificando ainda de forma não definida, emprestando desde logo a sua solidariedade ao sr. Jânio Quadros.

O sr. Mariano Beck, falando em nome do PTB, anunciou que a bancada trabalhista iria apresentar um requerimento para que a Assembleia se reunisse permanentemente, até se deci-dir a atual situação. O requerimento deu ensejo a que vários

Page 57: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 57

pronunciamentos fossem registrados, pelos representantes de todas as bancadas.

Aprovado o requerimento, o sr. Hélio Carlomagno deu conhecimento ao Plenário do texto da mensagem do sr. Jânio Quadros apresentando a sua renúncia. Pronunciou após as se-guintes palavras:

“Proclamo a necessidade de mantermos a Assembleia Le-gislativa em sessão permanente. O momento é de indisfarçável importância a esta Casa, pelas suas tradições e pelas tradições do povo rio-grandense, na sua legalidade, na defesa da Cons-tituição, esta Casa não poderá cerrar suas portas enquanto não se desanuviar o panorama brasileiro. Neste instante espero, por-tanto, que cada representante do povo, somados, na vontade inabalável de mantermos tanto quanto possível o funcionamento do regime e da defesa da constituição, possamos retirar forças morais do seio do povo para que assim defendamos o poder Civil a Constituição, a liberdade pública e garantir as franquias democráticas. O momento é de cautelas, de zelo, de meditação e, acima de tudo, de desprendimento. O Rio Grande está unido, neste ponto comum, em defesa da Constituição, das liberdades e da democracia”. Ao concluir, suspendendo a sessão da tar-de até que fosse sentida a necessidade de voltar a se reunir o plenário, a qualquer momento, o sr. Carlomagno disse que: “A Assembleia permanecerá de portas abertas, no simbolismo, no desejo da nossa disposição de mantermos em funcionamento o Parlamento, porque um povo sem parlamento é um povo escravo”.

O deputado Cândido Norberto, que foi o primeiro a mencio-nar no Plenário os acontecimentos envolvendo a administração do sr. Jânio Quadros, disse que o presidente vinha sendo objeto de duras críticas e da pressão de conhecidos grupos “que tem todo o interesse em fazer com que este país viva divorciado da realidade do mundo e que não exerça a sua soberania em sua plenitude. Qualquer que tenha sido a origem, qualquer que tenha sido a fonte de pressão contra o presidente da República, contra a sua independência, como titular do Executivo deste país, a ela dirijo o meu repúdio e ao lado do presidente que renuncia, especialmente na hora que renuncia, eu me coloco”.

Page 58: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade58

MANIFESTAÇÕES DO PTB

O deputado Mariano Beck, pronunciou-se em nome do PTB lamentou a ocorrência: “Nós, que fomos adversários do sr. Jânio Quadros nas últimas eleições, queremos neste instante reafirmar a nossa posição indefectível na defesa da Constituição e das instituições democráticas”. Levando a solidariedade ao sr. Jânio Quadros, o sr. Mariano Beck formulou votos para que a renúncia do presidente não seja o prenúncio de dias sombrios para a nacionalidade. “Há muito tempo ultrapassamos a fase do caudilhismo e do regime de força. Neste instante certamente, os homens de bem, aqueles que desejavam uma pátria livre e forte, devem ter sua atenção voltada para os acontecimentos, a fim de impedir que volte o país para um regime que não seja a legalidade e do Direito”.

O sr. Mariano Beck anunciou a apresentação de requeri-mento, pela bancada trabalhista, no sentido de que a Assembleia se mantivesse em sessão permanente, “a fim de que esta Casa guardiã das liberdades públicas, representante do povo gaúcho, sempre altaneira e indômita, se disponha, se necessário, a dar o último dos seus esforços, para que sobreviva, entre nós a Democracia, o regime da dignidade e da honra”. Após falou o deputado Adaury Filippi em nome do PSP.

POSIÇÃO DA ASSEMBLEIA

No dia 25 de agosto, às 21 horas, o sr. Hélio Carlomag-no reabriu os trabalhos da Assembleia Legislativa que haviam sido suspensos às 18 horas. Nessa oportunidade informou que à tarde, no Gabinete da Presidência, antes mesmo de tomar conhecimento do pedido de renúncia do sr. Jânio Quadros, a Assembleia havia deliberado tomar posição em defesa da Cons-tituição e do regime democrático. Posteriormente, conhecida a renúncia do sr. Jânio Quadros, em nova reunião os líderes deliberaram que a Assembleia faria um pronunciamento ao Rio Grande demonstrando a sua confiança em que os fatos que pudessem se desenrolar no cenário da República fossem todos eles cercados daquela legitimidade e autenticidade que somente o respeito à Constituição oferece. E para expressar a opinião da

Page 59: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 59

Assembleia deu a palavra ao deputado Paulo Brossard. O líder do Partido Libertador, falando em nome de todas as bancadas, disse o seguinte: “Senhor Presidente e senhores Deputados. Quem tem a ventura e o ônus de desempenhar, ainda que transitória e fugazmente o mandato popular deve estar, cotidianamente a refletir a sua transitoriedade e a fugacidade do poder que exer-ce, atividade parece que mais do que todas tempora e efêmera. Os homens, como os Governos, passam; não passa, entretanto a Pátria, porque é eterna. A Pátria, entretanto, não é apenas a expressão material do país, a sua dimensão territorial, a vastidão ou a pequenez do seu território. A Pátria seria algo muito pobre e inexpressivo, se fosse apenas isto. Eh mais do que isto, entretan-to; é muito mais, porque é a lei, porque é a liberdade, porque é a democracia. Pátria sem lei, pátria sem liberdade. Pátria sem democracia, é algo que não chega a exprimir, e, verdade, a ideia de pátria. Pensando assim, colocando as nossas vistas um pouco acima do horizonte dos dias que passam, buscando nas trevas do presente um ideal mais alto, mais permanente, mais real, é que nesta hora e inquietação e de incerteza, a Assembleia, sem cujo funcionamento normal e pleno não se poderá dizer que existe a Lei, a liberdade, a democracia, pensa exprimir em poucas palavras, em breve palavras, o seu pensamento, não apenas o seu, mas o pensamento daqueles que ela representa, que ela corporifica, com o qual ela se identifica e resume-o, e o sintetiza desta forma. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul manifes-ta a sua convicção de que, na grave crise desencadeada, há de continuar sem intermitência nem recuos o regime democrático, com a democracia e pela democracia, porque fora da democracia não há salvação. Apenas isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados”.

REAFIRMA A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA SUA POSIÇÃO EM DEFESA DA LEGALIDADE

Durante toda a tarde do dia 25 de agosto, foram registradas no Plenário da Assembleia Legislativa manifestações a respeito dos acontecimentos que se verificaram no país e particularmente tendo em vista a atitude do Governo do Estado e das Forças do III Exército e da Zona Aérea. Desde sexta-feira Assembleia

Page 60: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade60

está em sessão permanente, tendo nesse período havido reuniões plenárias sábado e domingo à noite. Todas essas reuniões foram assistidas por grande número de populares, particularmente a de ontem, quando as dependências junto ao Plenário ficaram lotadas, permanecendo ainda centenas de pessoas ouvindo as manifestações dos deputados através de alto-falantes.

Todos os pronunciamentos feitos ontem à tarde foram em defesa da Legalidade no país, havendo também manifestações de solidariedade ao Governador Leonel Brizola e aos comandantes do Terceiro Exército e 5ª Zona Aérea.

No início da sessão o deputado Adalmiro Moura sugeriu que a Assembleia convidasse a vir ao Plenário o Governador, os comandantes do Exército e da Zona Aérea, convite que seria feito através de uma comissão especialmente designada pela presidência.

(Aspecto colhido durante a movimentada reunião que realizou ontem a Assembleia Legislativa e na qual mais de uma dúzia de deputados desfilaram pela tribuna, reafirmando todos sua con-fiança na manutenção do regime democrático e no respeito à constituição do país)

Page 61: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 61

O Sr. Hélio Carlomagno, declarando aprovada a proposi-ção, diante dos aplausos do Plenário, anunciou que estenderia o convite ao Presidente do Tribunal de Justiça, e diante de uma sugestão da Sra. Suely de Oliveira, o convite foi também extensivo ao Arcebispo Metropolitano. Durante toda a tarde houve gestões para a fixação do horário de uma sessão es-pecial para receber as autoridades citadas, mas pouco depois das 17 horas, quando a comissão visitava o Comandante do III Exército, o Sr. Carlomagno anunciou que não seria pos-sível ainda confirmar a presença dos convidados, em virtude especialmente dos compromissos do Governador e dos chefes militares que estavam atentos aos acontecimentos.

Durante toda a sessão que a Assembleia Legislativa realizou na tarde de ontem, e que foi assistida por grande massa po-pular, desfilaram pela tribuna deputados de todas as bancadas, havendo manifestações unânimes pela manutenção do regime constitucional vigente no país, houveram manifestações de re-púdio ao desajustamento à realidade brasileira e à consciência civil deste País pelos Ministros militares que, em Brasília, de modo intolerante, insistiram em rasgar a Constituição.

Ultimamente, após a mobilização de todas as forças que a Legalidade Constitucional contava no Rio Grande do Sul, lideradas pela Assembleia Legislativa, pelos estudantes, pelas classes trabalhadoras, pelos homens do campo, por todos os cidadãos deste Estado, após esses acontecimentos tomou po-sição, de modo inequívoco e definitivo, o III Exército, com jurisdição nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, e a 5ª Zona Aérea, com base em Gravataí, com sede em Porto Alegre; a atitude dos soldados do Terceiro Exército, chefiados pelo patriótico General Machado Lopes, e a atitude dos aviadores da 5ª Zona Aérea, comandados pelo Brigadei-ro Aureleano Passos, vem dar um reforço inestimável e uma colaboração decisiva a todos aqueles que desejam de coração, de espírito e de consciência a manutenção da Constituição, tal como ela existe, em seu texto puro e original, sem a defor-mação que o espírito golpista desejava introduzir na pureza de seu contexto.

Page 62: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade62

Ao mesmo passo que estes acontecimentos ocorrem no Rio

Grande do Sul, honrando suas tradições admiráveis de civismo

e lealdade, outros estados estão aderindo ao movimento.

A Assembleia Legislativa reafirmou a sua posição de re-

púdio um Congresso que funcionasse em bases de farsa, que

o Congresso funcionasse como força auxiliar do golpe, que

o Congresso funcionasse para caracterizar uma imposição.

Jamais nós admitiríamos uma figura caricata de Poder Le-

gislativo Brasileiro, e que seria provável, então, que o Partido

Social Democrático, ali representado pela pessoa do Sr. Hermes

Pereira de Souza, Raimundo Chaves, Willy Frolich e Amaral

Peixoto, fossem até o presidente Rainieri Mazzilli e lhe pedisse,

definitivamente, que tomasse a atitude de levar à demissão

os ministros que se insurgiram contra a Constituição e que

quiserem, eles que assumissem a responsabilidade de implantar

a ditadura militar no Brasil e que também aguentassem as

consequências de uma guerra civil que fatalmente se instalaria

no território nacional.

(Da esquerda para a direita a deputada Suely de Oliveira e os de-putados Sereno Chaise, Adelmiro Moura e Ataíde Pacheco. Abaixo, também da esquerda para a direita, os deputados Porcínio Pinto, Jairo Brum. Sinval Guazelli e Aristo Jaeger)

Page 63: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 63

Assim se passaram os fatos. As gestões continuaram e con-tinuaram até este momento. Os srs. Deputados Victor Issler e outros, acompanhados daquele valoroso mineiro que é o Sr. Tancredo Neves em contato, há poucos momentos com o Sr. Governador do Estado, anunciaram que partiriam também para o Palácio do Planalto, a fim de comunicar a posição do Rio Grande do Sul, a posição de todos os cidadãos livres deste ex-tremo sul e deste país, para comunicar ao presidente provisório da República, o apoio da Câmara dos Deputados ao movimento pela Legalidade.

Relata o Deputado Moab Caldas, que o Governador na re-sistência pela Legalidade e pelo direito. Afirmou ter visto então no Palácio Piratini a grandeza da alma do povo rio-grandense, a angústia retratada em cada face, o valor da Brigada Militar, que se revelou fiel às tradições que recebeu dos antepassados, que honraram aquela corporação com a coragem do gaúcho. Referiu-se a coragem demonstrada pelos elementos da Polícia Civil e formulou votos para que “o senso dos homens que dispõem da força neste país os conduza a realizar a superação da crise, dentro da legalidade”. Mas se não fosse assim, que saiba o Brasil, que os políticos do Rio Grande do Sul que realizam através da palavra e pregação do civismo e da legalidade, realizarão através dos atos a defesa desse sistema. A mim que me orgulho de ter nascido no Rio Grande, é com verdadeira e sincera emoção que vivo estes movimentos históricos, sentindo que os jovens, os operários, os trabalhadores, enfim, estão todos unidos...

No mesmo sonho de recuperação da tranquilidade, mas decididos a lutar pela legalidade. É de justiça, acrescentou, que se reconheça, nesta hora, em que mais uma etapa foi vencida nessa crise árdua que se desenrola, que o capitão da vitória foi o Sr. Leonel de Moura Brizola, Governador do Estado do Rio Grande do Sul.

Continuaremos a divergir pelo futuro, sempre que em torno de problemas de interesse coletivo adotarmos soluções e méto-dos diversos. Parece-me que há uma palavra neste instante que explica essa união, que diz a sua razão de ser. Esta palavra é a Legalidade, é a Constitucionalidade. Com estas palavras ini-ciou a sua intervenção o orador seguinte, Deputado Cândido

Page 64: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade64

Norberto. Acrescentou ser preciso explicar o que se entende pela legalidade e essa explicação está no texto constitucional, artigo 141 que diz: “Todos são iguais perante a Lei”.

É essa igualdade que estamos defendendo é evidente que ela está muito acima de pessoas, de indivíduos, de cidadãos. Os nomes nos interessam apenas na medida em que representam estes direitos escritos na Constituição. Temos sido e continu-aremos a ser implacáveis inimigos do culto da personalidade que também não conduz à democracia, mas que a democracia, por vezes, é a própria negação. O Sr. Cândido Norberto citou ainda outros preceitos constitucionais.

(Da esquerda para a direita, deputados Getúlio Marcantônio, Or-tiz Borges e Gudbem Castanheira. Abaixo, também da esquerda para a direita, os deputados Guilherme do Vale, Paulo Brossard e Cândido Norberto)

MOVIMENTADA REUNIÃO

Continuando as manifestações, pronunciou-se Deputada Suely de Oliveira: “Precisamos prestar muita atenção, pensando na procuração que nos foi dada pelo povo. Já há alguns dias as liberdades estão sendo cerceadas, evidência o pendor do

Page 65: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 65

brasileiro para a vivência do regime democrático. Precisamos fazer a nossa parte, resistir pelo cumprimento da Constituição”.

O sr. Deputado Marcantônio declarou que o povo brasi-leiro não sabia ainda ao certo se o sr. Jânio Quadros deixou o Poder porque quis, e assim fez decepcionando aos milhões de brasileiros que nele votaram, ou se por ato de coação. Não sabendo ao certo, o povo brasileiro ainda esperava que amplas e cabais explicações desse o sr. Jânio Quadros. Havendo dú-vida quanto à posição do sr. Jânio Quadros, um detalhe era certo: a Constituição deve ser mantida e preservada, porque representa a estrutura jurídica do país. O sr. João Goulart é o Vice-Presidente da República, eleito pela maioria do povo brasileiro, em pleno livre e memorável e portanto, em respeito à constituição, deve ser empossado, disse o sr. Marcantônio.

MENSAGEM CONTRA OS MINISTROS MILITARES

O deputado Ortiz Borges registrou os dramáticos mo-mentos que viveu juntamente com outros deputados, na As-sembleia ou no Palácio Piratini, elogiando a posição assumida pelos srs. Leonel de Moura Brizola. Referiu-se ao episódio que resultou no fechamento das rádios Gaúcha e Farroupilha, após a transmissão da mensagem do sr. Leonel Brizola.

Após o deputado sr. Guilherme do Vale pronunciou-se propondo o envio de um telegrama ao Presidente em exercício, o sr. Ranieri Mazzillie, com o seguinte teor: “O Rio Grande do Sul, pela palavra do seu povo, expressada na Assembleia Legis-lativa, exige de sua consciência cívica e espera a sua coragem democrática, a imediata exoneração dos Ministros Militares, se eles não souberem obedecer, guardar e honrar a Constituição do Brasil na pureza de seu texto atual”.

A proposta do telegrama foi aprovada, em seu texto, pelos deputados presentes no Plenário.

PRONUNCIAMENTO DO LÍDER DO PSD

O deputado Ariosto Jaeger ocupou a tribuna e disse que a bancada do PSD desde o primeiro momento da crise, talvez

Page 66: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade66

a mais grave vivida pelo país, de natureza político-jurídico-constitucional, reafirmou que a única posição compatível com o mandato de que os parlamentares eram portadores, ou seja a intransigente defesa dos princípios constitucionais, do res-peito à lei e às decisões dos órgãos da Justiça Eleitoral, no que diz respeito aos mandatos obtidos pela votação popular. O sr. Ariosto Jaeger destacou, a seguir, que ocupava a tribuna em circunstâncias especiais; é que falava em nome da unanimidade da bancada do PSD.

Lembrou, então, as divergências existentes no seio da ban-cada pesedista, no último pelito, quando a maioria votou no sr. Jânio Quadros para Presidente enquanto outros apoiaram o candidato sr. Teixeira Lott.

Finalizou afirmando: “Que se cumpra a Constituição, que se cumpra a lei”.

A PALAVRA DA UDN

O deputado Sinval Guazzelli manifestou o pensamento da bancada da UDN, confirmando intervenções já feitas após a eclosão da crise na administração do país. E continuou: “Nascido e criado o nosso Partido exatamente com o desejo e a vontade de trazer para o povo brasileiro e para a Pátria a garantia das franquias democráticas, nós que, através da luta e do esforço podemos legar ao Brasil e aos brasileiros um texto constitucional garantindo a vigência do sistema democrático, jamais poderíamos nesta hora desmentir as nossas lutas e o nosso passado. Somos mais do que nunca pelo respeito aos dispositivos constitucionais. Queremos, mais do que nunca e em qualquer época, que a lei seja respeitada, que a lei seja cumprida, para que a nossa democracia não retroceda, um passo se quer, mas antes se afirme no conceito das Nações”.

Acrescentou o sr. Guazzelli, que empossado na Presidência o sr. João Goulart, impõe-se que ele perquira das verdadeiras razões que determinaram a renúncia do sr. Jânio Quadros.

Finalizando seu pronunciamento disse: “Não queremos e não quer também o povo brasileiro que vencida mais esta crise política na sua história, volta amanhã a acontecer o mesmo

Page 67: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 67

episódio”. Concluiu dizendo que a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, estava se mantendo ao lado da Constituição.

DISCURSO DO LÍDER DO PTB

O sr. Sereno Chaise iniciou a sua intervenção aplaudindo a conduta que vinha tendo o sr. Governador Leonel de Moura Brizola na condução de uma solução democrática para a crise política, que ameaça o povo brasileiro. Pouco antes criticara o ministro da Guerra, pela sua disposição de arbitrária prender o sr. João Goulart, em seu regresso ao país. Iria manifestar a sua maior homenagem ao Terceiro Exército, aos soldados do Rio Grande que se colocaram ao lado da lei e da Constituição. Disse: “O Exército e a Aeronáutica, sediados no Rio Grande do Sul, realmente fizeram jus ao nosso apreço, ao nosso respeito, ao nosso aplauso. O ilustre General Machado Lopes é, sem dúvida, nesta hora, uma das figuras mais queridas no coração de todos os rio-grandenses”. O sr. Chaise desaprovou a man-chete de um vespertino segundo a qual o Terceiro Exército havia aderido ao sr. Brizola. “No meu entender o Terceiro Exército não aderiu a ninguém, apenas se definiu a favor da Lei, da Constituição e do povo rio-grandense.”

O líder trabalhista sugeriu também, que fosse enviado ao sr. Sérgio Magalhães, presidente da Câmara dos Deputados, o seguinte telegrama: “A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, unanimemente, confia em Vossa Excelência, autêntico líder em defesa da Constituição vigente, permanecerá, pelo bem do Brasil, irredutível na sua patriótica posição de não receber, não encaminhar, nem despachar emenda que, tentando alterar o texto constitucional, esbulhará a manifestação soberana do povo brasileiro, golpeando frontalmente a consciência demo-crática e constitucional do povo rio-grandense”.

POSIÇÃO DO PARTIDO LIBERTADOR

O líder libertador, deputado sr. Paulo Brossard, disse que a posição inicial da Assembleia não mudou, o que mudou foram os fatos, pois uma crise política inicialmente limitada assumiu

Page 68: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade68

a gravidade de todos conhecida. Um fato era até ontem tão obscuro como no primeiro dia, o que diz respeito à renúncia do sr. Jânio Quadros. Afirmou que das várias leituras que fez da mensagem do sr. Jânio Quadros, não encontrou nelas as razões para a renúncia. Disse: “Eu penso que o presidente da República Jânio Quadros efetivamente renunciou, embora esse documento que tenho diante dos olhos e divulgado como seu não me ajude a compreender a renúncia”. O sr. Brossard disse a seguir, que: “O que me espanta, o que me confrange e perturba, o que me deixa perplexo e triste, é que se ponha em dúvida a Lei. A Lei que iguala os desiguais, a Lei que impera sobre aqueles que se não igualam. É a única garantia, é a única custódia, é o único escudo que a sociedade tem, é a única garantia que tem o indivíduo desarmado, só, inerme. No dia em que a Lei não proteger um homem, nenhum ho-mem tem garantia”. O orador disse que quem deve substituir ao presidente é o vice-presidente, não importando seu nome e nem sua orientação política. É a solução legal e se estamos em um regime de leis e não de homens, e se o regime legal é o que prepondera, ele deve ser observado. Ao concluir o sr. Brossard afirmou que essa não é a primeira e nem será a última crise do regime presidencialista.

Em seguida o deputado sr. Gudbem Castaneira disse que os motivos que levaram à renúncia do sr. Jânio Quadros ainda não estavam esclarecidos. Mas consumado o gesto da renúncia, o que cabe, agora, é unicamente o Congresso Nacional cum-prir a norma legal. Disse ainda: “Por que, se vivemos dentro da lei, se a nossa forma de governo é inspirada sob a égide da Legalidade, por que tamanho alvoroço para cumprir um dispositivo Constitucional?”.

O sr. Castanheira lembrou as suas divergências ideológicas com o sr. João Goulart e acrescentou que acima das paixões político-partidárias deveria vigorar a norma legal e o preceito constitucional. O representante libertador elogiou a posição do governador sr. Brizola e a atitude do Terceiro Exército, manifestando a esperança de que seja imitada pelas demais unidades militares da Pátria.

Page 69: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 69

A PALAVRA DO PTB

O deputado sr. Guilherme do Valle disse igualmente da sua surpresa diante da renúncia do Sr. Jânio Quadros. Per-guntou de que valeu o voto dado pelo povo brasileiro, se sete meses depois o primeiro magistrado da Nação renuncia ale-gando que foi vencido pela reação, por grupos internos e do exterior. Esclareceu o parlamentar trabalhista que estava em viagem quando tomou conhecimento do fato, regressando à Assembleia para ficar ao lado dos seus colegas e do gover-nador, acrescentando que estava de acordo com a exigência apresentada no sentido de que o sr. Jânio Quadros explique as verdadeiras causas da renúncia, adiantando a sua opinião de que as forças que lutaram contra o sr. Jânio Quadros foram as mesmas que agiram contra o Presidente Getúlio Vargas.

Fez uma referência especial à Brigada Militar e à Polí-cia Civil pela posição que assumiram durante a crise. O sr. Guilherme do Vale anunciou que era portador de mensagem de solidariedade dos sindicatos de trabalhadores e entidades estudantis de Caxias do Sul e leu manifesto de artistas e ho-mens de letras em favor da Legalidade.

O deputado sr. Ataíde Pacheco repetiu o apelo para que o sr. Jânio Quadros explique à Nação as causas da sua renúncia, já que se essas forças não forem conhecidas poderão provocar nova intranquilidade para a Nação. O parlamentar trabalhista congratulou-se com a Brigada Militar, com a Polícia Civil, que se colocaram ao lado da Legalidade e disse que os parlamen-tares e o Governo do Rio Grande do Sul, o Terceiro Exército, a Quinta Zona Aérea, desejam é o respeito da lei.

O deputado sr. Porcínio Pinto, último orador da sessão, disse que no último pleito apenas uma vitória havia sido veri-ficada, a da Democracia. Acrescentou que após tanto defender a Constituição, não seria agora que iria trair a sua posição e inclusive o próprio juramento que prestou ao assumir o manda-to na Assembleia. Para o sr. Porcínio Pinto, só há um caminho a seguir: a posse imediata do sr. João Goulart, substituto legal do presidente da República. Concluiu apelando para a união de todos em defesa das instituições democráticas.

Page 70: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade70

SESSÃO NOTURNA

Segunda-feira dia 28 de agosto de 1961, das 21,30 às 23,30 horas esteve mais uma vez reunido o plenário da Assembleia Legislativa. Foram feitas várias proposições de apoio ao Gover-nador Leonel Brizola e a manutenção da Ordem Constitucional a qualquer preço. Vários deputados de diversos partidos se manifestaram, dentre eles os deputados José Záchia, Alcides Costa, José Vecchio e Moab Caldas, todos se manifestando pelo cumprimento dos dispositivos constitucionais e pela posse do sr. João Goulart. Nova sessão foi convocada para as nove horas do dia 29 de agosto de 1961, terça-feira, mas é provável que somente às 14 horas venha e se reunir o Plenário.

“UMA VERDADEIRA TORRENTE DE CIVISMO”

Hélio Carlomagno

“Durante 18 dias, vivemos momentos de inigualável civis-mo. Estávamos dispostos a tudo, inclusive pegar em armas.”

“Foi o maior movimento cívico ocorrido dentro das fronteiras gaú-chas desde a Revolução de 30”, afirma Hélio Carlomagno l Foto: reprodução livro Legalidade, 25 anos

Page 71: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A CADEIA DE LEGALIDADE 71

O Poder Legislativo teve uma intensa participação no Movimento pela Legalidade. Enquanto o Congresso Nacional dedicava-se a estudar a discutível emenda parlamentarista.

Em intermináveis sessões extraordinárias que viravam a noite, os parlamentares gaúchos assumiam uma posição decidi-da em favor da Constituição. Na época, a Assembleia Legislativa gaúcha era presidida pelo deputado Hélio Carlomagno, do PSD, que cumpria seu terceiro mandato e foi o primeiro a assumir uma posição firme de apoio à Legalidade. Como lembrança daqueles dias, Carlomagno guarda um pequeno exemplar da Carta Magna do Brasil com a dedicatória ao “defensor da Constituição”, que recebeu em praça pública no dia 20 de se-tembro de 1961. Cassado em 1964, Carlomagno é advogado e promotor público aposentado e tem 67 anos.

A importância do Movimento Pela Legalidade: Foi o maior movimento cívico ocorrido dentro das fronteiras gaú-chas desde a Revolução de 30 e, de certo modo, se equiparou aos atos que culminaram na fundação da República do Pira-tini que, longe de defender ideias separatistas, quis instalar a República no país.

Acredito que foi a maior mobilização popular já vista no Rio Grande do Sul, uma verdadeira torrente de civismo.

A Assembleia decidiu apoiar o movimento: A Assem-bleia Legislativa desde o primeiro momento declarou-se em sessão permanente. Foi uma decisão unânime dos deputados. Durante 18 dias, vivemos momentos de inigualável civismo, predicando junto com o governador Leonel Brizola a defesa da Constituição. Ao lado do poder Executivo, envidamos todos os esforços na defesa do princípio constitucional que conferia ao vice-presidente o direito de assumir a Presidência na va-cância do cargo. Estávamos dispostos a tudo, inclusive pegar em armas. Por isso, foram formadas as milícias populares, cumprindo à Assembleia Legislativa o papel de coordenar o movimento de resistência e dar sustentação unânime à ação corajosa do governador Brizola.

As providências que a Assembleia tomou para apoiar diretamente a legalidade: Através da Rádio Gaúcha, que a Assembleia transformou em seu órgão oficial, iniciou-se a

Page 72: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade72

chamada ronda das Câmaras de Vereadores. Durante dia e noite era feita a comunicação com as casas legislativas do in-terior do estado. E as assembleias de todo o país passaram a se solidarizar com as nossas posições.

Page 73: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A Assembleia Legislativa na História do Rio Grande do Sul

“Nossa homenagem aos deputados, homens e mulheres de

coragem e valor, que hoje continuam a obra de construção de

um Rio Grande melhor, e de uma sociedade com Liberdade,

mais Justa, mais humana, mais Igual e mais Fraterna, honrando

as tradições do Legislativo Riograndense.”

Ao longo de sua história, a Assembleia Gaúcha tem sido

celeiro de líderes cuja projeção frequentemente ultrapassou os

Page 74: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade74

estreitos limites das fronteiras de nosso Estado. Para o bem e para o mal, em diversos momentos tormentosos da vida brasileira, os rumos da política nacional foram decisivamente influenciados por homens públicos vindos do Casarão Rosado da Rua Duque de Caxias e, mais recentemente, do Palácio Farroupilha.

1889-1930: Com a Proclamação da República, o PRR de Júlio de Castilhos chega ao poder. Elaborada conforme os pre-ceitos positivistas, a Constituição promulgada em 14 de julho de 1891 outorga ao Presidente do Estado a prerrogativa de editar as leis; a Assembleia (então denominada “Assembleia dos Representantes”) reúne-se apenas dois meses por ano, exclusivamente para:

Votar o orçamento do Estado e dispor sobre tributos. A asfixia política leva à eclosão da Revolução de 1893, na qual chimangos (castilhistas) e maragatos (monarquistas e repu-blicanos não positivistas, sob a liderança de Gaspar Silvei-ra Martins) banham em sangue os campos do Rio Grande. Júlio de Castilhos sufoca a revolta e consolida seu governo, durante o qual nenhum maragato ocupa um cargo público e nenhum Deputado oposicionista é eleito à Assembleia dos Representantes ou ao Congresso Nacional. Em 1923, Borges de Medeiros vence J. F. de Assis Brasil (que fora o primeiro Deputado do PRR à Assembleia Provincial) e conquista seu quinto mandato. Os maragatos alegam fraude e levantam-se em armas contra o governo. O Pacto de Pedras Altas sela a paz, mediante o compromisso de revisão da Constituição castilhista e de que o Presidente do Estado não concorreria a um sexto mandato. Getúlio Vargas sucede a Borges e pacifica o Estado sob a bandeira da Frente Única Gaúcha, reunindo chimangos e maragatos.

1930-1945: Após haver unido o Rio Grande, Getúlio agrega o apoio de Minas Gerais e Paraíba e lança-se can-didato à Presidência da República pela Aliança Liberal, nas eleições de 1929. Derrotado, deflagra em 3 de outubro de 1930 um movimento revolucionário que, um mês depois, o empossa como chefe do Governo Provisório da República. Em 1932, Borges de Medeiros e Raul Pilla apoiam no Estado

Page 75: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 75

a Revolução Constitucionalista de São Paulo. Embora vencida militarmente, a revolta leva Getúlio a convocar eleições para a reconstitucionalização do país. A Constituição Federal de 1934 manda convocar eleições para as Assembleias Constituintes dos Estados, as quais devem transformar-se em Assembleias Legislativas assim que elaboradas as respectivas Constituições. Instalada com poderes constituintes em 12 de abril de 1935, a Assembleia Gaúcha é fechada no dia 10 de novembro de 1937, com a decretação do “Estado Novo”. O Plenário do Casarão Rosado permanece em silêncio até o fim da ditadura de Vargas.

Em 8 de julho de 1947, a Assembleia Gaúcha atrai a atenção do Brasil inteiro ao promulgar uma Constituição parlamen-tarista. Nove dias depois, o Supremo Tribunal Federal sus-pende a execução dos dispositivos parlamentaristas da Carta do Estado, obrigando a Assembleia Legislativa a adequá-la ao modelo presidencialista vigente na União. Durante o perío-do, o PSD (Partido Social Democrático) gaúcho afasta-se da tradição getulista representada pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e alinha-se com PL (Partido Libertador) e UDN (União Democrática Nacional).

A CÂMARA MUNICIPAL

Comícios populares frente à Prefeitura

Pouco depois das 18 horas no Largo da Prefeitura, por iniciativa de representantes de entidades sindicais e estudan-tis, com a participação também de vereadores, realizou-se um comício de apoio à política externa do presidente Jânio Quadros e defesa da Constituição. Sucederam-se na tribuna vários oradores, entre os quais o vereador Alberto Schroeter, vereador Edson Medeiros, de Canoas srs. Adamastor Bonilha e Fúlvio Petracco. Após esse ato, os manifestantes desfilaram por várias ruas até atingirem o Palácio Piratini, à frente do qual voltaram a falar os srs. Álvaro Ayala, Alberto Schroeter e Fúlvio Petracco, seguindo-se com a palavra o governador Leonel Brizola. Rumaram da sede do Governo do Estado para a Assembleia Legislativa, onde falou o deputado Hélio

Page 76: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade76

Carlomagno, voltando os manifestantes, daí, novamente para o

Largo da Prefeitura, local em que se fizeram ouvir o prefeito

Loureiro da Silva, o presidente da Câmara De Vereadores o

vereador Alpheu Barcellos, deputados Jairo Brum e Manoel

Braga Gastal, Alberto Schoeter, Plauto Rocha e Álvaro Ayala

entre outros.

Declarações do Prefeito

Falando em frente do prédio da Municipalidade, no co-

mício, o sr. Loureiro da Silva voltou a pronunciar-se sobre os

acontecimentos, fazendo as seguintes declarações:

“Tenho a impressão de que vamos atravessar momentos

muito difíceis, de muita confusão. É necessário que os homens

que tem uma parcela de poder público, qualquer que seja o

seu grau, políticos do executivo e do legislativo, os militares

e policiais, a Maçonaria e a Igreja, reflitam com calma, com

a cabeça fria, desapaixonadamente, a fim de não precipitarem

acontecimentos que podem trazer a desordem ao país e o caos.

Mais do que nunca precisamos estar firmes nos nossos postos,

para enfrentarmos as vicissitudes e traçarmos uma orientação

segura ao povo O Brasil já venceu crises e saberá passar por

esta, para o engrandecimento da Pátria que tanto amamos”.

A Palavra do Presidente da Câmara Municipal

Presente também na oportunidade, e solicitado a mani-

festar-se, o vereador Alpheu Barcellos, presidente da Câmara

Municipal, disse:

“O momento é de extrema intranquilidade para toda a

Nação. Necessário se faz que os homens que atualmente a

dirigem tenham bastante sensatez para debelarmos esta crise,

a fim de que o país possa, dentro do clima democrático, sair

desta para um futuro melhor. Acreditamos, e mais uma vez

repisamos, no bom senso dos brasileiros, que não se deixan-

do levar por ideais extremistas, encontrem soluções para os

problemas cruciais da atualidade”.

Page 77: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 77

Câmara Municipal de Porto Alegre – Nota Ofi cial

A Câmara Municipal de Porto Alegre, em perfeita sintonia

com os mais espontâneos e leais sentimentos do Povo, que

representa e interpreta, manifesta sua surpresa e profunda preo-

cupação diante dos graves acontecimentos que culminaram

com a renúncia do Sr. Presidente da República Jânio Quadros.

Com a responsabilidade que tem e deseja honrar, mais do

que nunca, declara-se pela manutenção, a qualquer preço, da

Constituição e das franquias democráticas que dela emanam.

Por outro lado, entendendo ser a vontade do Povo, dirige

veemente apelo ao Congresso Nacional para que esteja vigi-

lante na sua augusta missão, fazendo cumprir as prerrogativas

constitucionais vigentes.

Porto Alegre, 26 de agosto de 1961.

Alpheu M. R. Barcellos

Presidente

A POSIÇÃO DA IGREJA

Declaração do Cardeal Câmara sobre a crise que vive o país

Sobre a situação política o cardeal Dom Jaime Câmara,

fez a seguinte declaração (Rio de Janeiro, dia 28 de agosto

de 1961):

“No momento atual nada é mais necessário do que a

calma para refletir o amor à Pátria, para que não haja

motivo de arrependimento tardio e quiçá, por isto mesmo,

inútil por já não conseguir reparar as danosas e funestas

consequências de atitudes precipitadas. Conservemos todos

a necessária calma e confiança nos destinos do Brasil, que

tem sido, no decurso de sua vida, tão abençoado por Deus”.

Page 78: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade78

Disse o cardeal Dom Jaime, manifestando-se a respeito das palavras de Dom Carlos Carmelo Mota, arcebispo de São Paulo, afirma que a situação criada pela renúncia do presiden-te Jânio Quadros não deve servir de pretexto para qualquer alteração da ordem pública.

Disse textualmente: “Rege-nos uma Constituição Federal que temos que respeitar. A ordem deve ser conservada, assim como a tranquilidade das famílias e o bem-estar geral do povo. Somos brasileiros e patriotas. Devemos colocar a Pátria acima dos interesses partidários”.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

NOTA OFICIAL

Page 79: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 79

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como ór-

gão cultural, educacional e social a que incumbem altas res-

ponsabilidades perante a Pátria e o bem coletivo, sente-se no

dever de lamentar a renúncia do Excelentíssimo Senhor Doutor

Jânio Quadros à Presidência da República e, juntamente com

as circunstâncias em que esta se verificou, e o clima de in-

quietação que se veio ao País, exprimindo o voto de que, no

mais breve possível, mantidas a ordem e as instituições, com

a união de todos os brasileiros, reencetemos a marcha normal

da vida democrática.

A Cadeia da Legalidade – Relato Histórico

“A morte é melhor que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória.” (Leonel Brizola)

Quando o Presidente Jânio Quadros renunciou, em 1961,

ministros militares em Brasília ameaçaram não permitir a posse

do vice-presidente João Goulart. Aqui no Rio Grande do Sul,

sob o comando do governador Leonel Brizola, iniciou-se um

movimento armado para defender a legalidade constitucional

da posse do vice-presidente eleito.

No dia 27 de agosto de 1961, Brizola requisitou os trans-

missores da rádio Guaíba de Porto Alegre, e através das ondas

médias e curtas do rádio fazia pronunciamentos a todo país,

conclamando o povo a defender a legalidade.

Page 80: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade80

Em seguida, as demais emissoras de Porto Alegre e as emissoras do interior do Estado, uniram-se à Guaíba, formando a grande Rede da Legalidade.

A Rede Radiofônica da Legalidade funcionava 24 horas por dia, nos porões do Palácio Piratini, Sede do Governo Estadual e onde estava montada a Cidadela da Legalidade. Contava com a participação de jornalistas, radialistas e técnicos de todas as emissoras. O alcance foi tanto que em determinados momentos ela tinha 100% de audiência no estado.

Com o aumento da abrangência, chegou a ter 104 emis-soras em cadeia no Brasil e nos países vizinhos, foram trans-mitidos boletins noticiosos em diversos idiomas, como inglês, espanhol e alemão.

Este foi sem dúvida um dos momentos mais históricos e importantes do rádio brasileiro. Em nenhuma outra ocasião se usou este meio de comunicação de maneira tão singular e primordial a ponto de influenciar os destinos de toda uma nação.

Foi com base nestes acontecimentos que o grupo decidiu entrevistar três personagens que influenciaram de modo deci-sivo naqueles momentos históricos da radiodifusão nacional:

O radialista Lauro Hagemann, que na época apresentava o Repórter Esso, emprestou sua voz inconfundível à causa legalista, conseguindo a adesão de diversos companheiros.

O técnico Holmes Aquino, da Rádio Guaíba, sob a orien-tação do engenheiro Homero Simon, foi um dos responsáveis em manter a Rede da Legalidade no ar por 24 horas, em condições na maioria das vezes peculiares e desfavoráveis; o ex-governador do estado, Leonel Brizola, foi o homem que iniciou esta série de acontecimentos e durante todos os mo-mentos esteve no centro deles. Não é por acaso que a sua voz era sem dúvida a mais esperada e a mais ouvida na chamada Rede da Legalidade.

Page 81: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 81

A REDE DA LEGALIDADE

(Leonel Brizola)

No dia 27 de agosto de 1961, domingo de inverno, depois de ter ouvido do governador Leonel Brizola a manifestação de que o governo do Rio Grande do Sul ficaria com a Constitui-ção, o comandante do IIIº Exército, general Machado Lopes, trocou a seguinte mensagem por rádio com o ministro da Guerra Odílio Denys:

Machado Lopes: “Governador Brizola declarou-me resisti-rá contra ação impeça posse João Goulart. Coordena ação BL nesse sentido. Tenho percebido grande número de oficiais ideai ser mantido princípio constitucional, inclusive Comandante 3ª DI e 1ª DC. Todas unidades cumprindo ordens manutenção ordem pública. Situação tensa, porém calma todo IIIº Exército”.

Odílio Denys: “Elementos comunistas Congresso estão perturbando encontro solução legal crise decorrente renún-cia Presidente. Mal. Lott envolvido por tais agitadores lançou manifesto subversivo forçando Ministro Guerra determinar sua prisão. Ministro pretende defender instituições e manter a lei e ordem em todo país mesmo que para isso tenha que impedir

Page 82: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade82

posse de Jango. Conveniente chamar e reter qualquer pretexto Comandante 3º DI e 1º DC Porto Alegre”.

Machado Lopes: “Entendido. Vou providenciar. Situação Porto Alegre muito tensa. Governador Brizola organizou de-fesa Palácio e parece ter distribuído armamento civis seus adeptos. Estou vigilante manutenção da ordem. Seria de todo conveniente encontrar solução legal”.

Nesse mesmo dia o marechal Henrique Teixeira Lott fez um manifesto à Nação, em defesa da ordem e da Constituição:

Aos meus camaradas das Forças Armadas e ao Povo Brasileiro. Tomei conhecimento, nesta data, da decisão do Sr. Ministro da Guerra, mal. Odílio Denys, manifestada ao governador do Rio Grande do Sul através do deputado Rui Ramos, no Palácio do Planalto, em Brasília, de não permi-tir que o atual presidente da República, Dr. João Goulart, entre no exercício de suas funções e, ainda, de detê-lo no momento em que pise o território nacional. Mediante ligação telefônica, tentei demover aquele eminente colega da prática de semelhante violência, sem obter resultado.

Embora afastado das atividades militares, mantenho o compromisso de honra com a minha classe, com a minha pátria e com as instituições democráticas e constitucionais. E, por isso, sinto-me no indeclinável dever de manifestar o meu repúdio à solução anormal e arbitrária que se pretende impor à Nação.

Dentro desta orientação, conclamo todas as forças vivas da Nação, as forças da produção e do pensamento, dos estu-dantes e intelectuais, operários e o povo em geral, para tomar oposição decisiva e energética pelo respeito à Constituição e preservação integral do regime democrático brasileiro, certo, ainda, de que meus nobres camaradas das Forças Armadas saberão portar-se à altura das tradições legalistas que marcam a história nos destinos da Pátria.

Page 83: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 83

Henrique Lott.

Após tomar conhecimento da mensagem do marechal Lott, o governador Leonel Brizola determinou ao secretário de justiça, João Caruso, que redigisse um ato requisitando a Rádio Guaíba, para que a mesmo passasse a comandar uma rede de emissoras que estariam unidas na defesa da Legalidade.

Requisitada pelo governo do estado, que assim a transfor-mou em emissora oficial, a partir das primeiras horas da tarde de domingo, a Rádio Guaíba está transmitindo diretamente do Palácio Piratini, sob a responsabilidade do governo gaúcho, notas, informações e manifestações do povo brasileiro sobre a crise político-administrativa que desde sexta-feira última afeta o país.

Por volta das 12 horas de domingo, um grupo de choque da guarda civil, armado de metralhadoras, ocupou os estúdios da Rádio Guaíba, situados no segundo andar do edifício da Cia. Jornalística Caldas Júnior.

Page 84: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade84

(Brigada Militar, símbolo da resistência)

O Dr. Gabriel Obino, secretário da Fazenda, apresentou à direção daquela emissora um ofício assinado pelo próprio governador do estado, Sr. Leonel Brizola, e no qual comuni-cava que a partir daquele momento a Rádio Guaíba passara à disposição da Secretaria de Segurança Pública. Acrescentava que a emissora passaria a ser operada diretamente da sala de imprensa do Palácio Piratini, determinando que para esse fim fosse estabelecida ligação direta entre a sede do governo e o transmissor da rádio na Ilha da Pintada.

Logo após terem sido tomadas as providências determi-nadas pelo governo e uma vez desligados os estúdios de rádio com a instalação de microfones e de equipamento de controle no Palácio do Governo, a força policial se retirou, seguindo para o transmissor instalado na Ilha da Pintada, onde ainda permanece, montando guarda.

Um dos mais destacados locutores da Cadeia da Legalida-de foi o nosso dileto amigo e Ir∴ Abel Gonçalves, destacado jornalista e homem de princípios e de bravura, mais tarde veio a ser Ven∴ Mestre da Loja Philantropia e Liberdade.

É o próprio governador Brizola que relata o que houve a partir daquele momento:

“Em pouco mais de uma hora já estávamos irradiando do Palácio Piratini e pedi que, de imediato, anunciassem

Page 85: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 85

que o governador tinha uma importante e urgente comuni-

cação a fazer ao povo gaúcho e à opinião pública do País”.

Nas primeiras horas do dia 28 e agosto, uma segunda-feira, um rádio amador, cuja antena de grande alcance estava instalada nos fundos de sua casa, transmitiu ao Palácio Pi-ratini o que havia escutado de uma comunicação do general Orlando Geisel com o IIIº Exército, por ordem do marechal Denys, determinando que fosse o governo do Rio Grande do Sul compelido ao silêncio, com o emprego da força e do bom-bardeio da aviação, se necessário.

A mensagem enviada pelo gabinete do Ministério da Guer-ra ao IIIº Exército, às 6 horas da manhã de 28 de agosto dizia o seguinte:

1 – O gen. Orlando Geisel transmite ao gen. Machado Lopes, comandante do IIIº Exército, a seguinte ordem do Mi-nistro da Guerra:

O III Exército deve compelir imediatamente o Sr. Leonel Brizola a pôr termo à ação subversiva que vem desenvolvendo

Page 86: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade86

e que se traduz pelo deslocamento e concentração de tropas e outras medidas que competem exclusivamente às Forças Armadas.

O governador colocou-se assim, fora da legalidade. O co-mandante do III Exército atue com a máxima energia e presteza.

2 – Faça convergir sobre Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente, inclusive a 5ª DI, se necessário.

3 – Empregue a Aeronáutica, realizando inclusive o bom-bardeio, se necessário.

4 – Está a caminho do Rio Grande do Sul uma força-tarefa da Marinha.

5 – Qual o reforço de tropa que necessita?6 – Aqui há um boato de que o gen. Muricy viria ao Rio:

o Ministro da Guerra não quer acreditar nesta notícia e julga que o momento não é mais para parlamentar, mas requer ação firme e imediata.

7 – O Ministro da Guerra confia em que a tropa do III Exército cumprirá o seu dever.

Às 11 horas da manhã de 28 de agosto, segunda-feira, o governador Leonel Brizola ocupou o microfone da Cadeia da Legalidade para fazer o seu anunciado pronunciamento, o qual viria a ser publicado na íntegra pelo Correio do Povo, na edição do dia seguinte, 29 de agosto, terça-feira.

“Falei de improviso e sob grande tensão”, disse Bri-

zola, ao recordar o acontecimento. Revelou também que

nunca tivera oportunidade de ouvir uma gravação desse

pronunciamento.

“Não sei mesmo se existe, ou se alguma pessoa possui

esta gravação. Gostaria de ouvi-la. Somente há pouco tem-

po, depois de 33 anos, é que consegui ler uma transcrição

da imprensa da época.”

O PRONUNCIAMENTO DE BRIZOLA

“Peço a vossa atenção para as comunicações que vou fazer. Muita atenção. Atenção Rio Grande do Sul! Atenção Brasil!

Page 87: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 87

Atenção meus patrícios, democratas e independentes, atenção para essas minhas palavras!

Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em Por-to Alegre. Fechem todas as escolas. Se alguma estiver aberta, fechem e mandem as crianças para junto de seus pais. Tudo em ordem. Tudo em calma. Tudo com serenidade e frieza. Mas mandem as crianças para casa.

Quanto ao trabalho, é uma iniciativa que cada um deve tomar, de acordo com o que julgar conveniente. Quanto às re-partições públicas estaduais, nada há de anormal. Os serviços públicos terão o seu início normal e os funcionários devem com-parecer como habitualmente, muito embora o Estado tolerará qualquer falta que, porventura, se verificar no dia de hoje.

Hoje, nesta minha alocução, tenho os fatos mais graves a revelar. O Palácio Piratini, meus patrícios, está transformado em uma cidadela que há de ser heroica, uma cidadela da liberdade, dos direitos humanos, uma cidadela de civilização, da ordem jurídica, uma cidadela contra a violência, contra o absolutismo, contra os atos dos senhores, dos prepotentes. O Palácio Piratini,

Page 88: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade88

além da minha família e de alguns servidores civis e militares do meu Gabinete, há um número bastante apreciável, mas ape-nas daqueles que nós julgamos indispensáveis ao funcionamento dos serviços da sede do Governo. Mas todos os que aqui se encontram estão de livre e espontânea vontade, como também, grande número de amigos que aqui passou a noite conosco e retirou-se hoje, por nossa imposição.

Aqui se encontram os contingentes que julgamos necessários, da gloriosa Brigada Militar, o Regimento Bento Gonçalves e ou-tras forças. Reunimos aqui o armamento de que dispúnhamos. Não é muito, mas também não é pouco para aqui ficarmos preocupados frente aos acontecimentos.

Queria que os meus patrícios do Rio Grande e toda a po-pulação de Porto Alegre, todos os meus conterrâneos do Brasil e todos os soldados da minha terra querida pudessem ver com meus olhos o espetáculo que se oferece. Aqui nos encontramos e falamos por esta estação de rádio que foi requisitada para o serviço de comunicação, a fim de manter a população informada e, com isso, auxiliar a paz e à manutenção da ordem. Falamos aqui do Serviço de Imprensa. Estamos rodeados de jornalistas que teimam, também, em não se retirar, pedindo armas e ele-mentos necessários para que cada um tenha oportunidade de ser também um voluntário, em defesa da legalidade.

Esta é a situação! Fatos os mais sérios quero levar ao conhe-cimento dos meus patrícios de todo o país, da América Latina e de todo o mundo. Primeiro: ao me sentar aqui, vindo dire-tamente da residência, onde me encontrava com minha famí-lia, acabava de receber a comunicação de que o ilustre general Machado Lopes, soldado do qual tenho a melhor impressão, me solicitou uma audiência para um entendimento. Já transmitem aqui mesmo, antes de iniciar minha palestra, que logo a seguir receberei S.EXA.

Com muito prazer, porque a discussão e o exame dos pro-blemas é o meio que os homens civilizados utilizam para solu-cionar os problemas e as crises.

Mas, pode ser que esta palestra não seja uma aliança entre o poder militar e o poder civil, para a defesa da ordem cons-titucional, do direito e da paz como se impõe neste momento,

Page 89: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 89

como defesa do povo, dos que trabalham e dos que produzem,

dos estudantes e dos professores, dos juízes e dos agricultores,

da família. Todos, até as nossas crianças desejam que o poder

militar e o poder civil se identifiquem nesta hora para vivermos

na Legalidade. Pode significar, também, uma comunicação ao

Governo do Estado de sua deposição. Quero vos dizer que será

possível que eu não tenha oportunidade de falar-vos mais, que

eu, nem deste Serviço, possa me dirigir mais, comunicando es-

clarecimentos à população.

Porque é natural que, se ocorrer a eventualidade do ultima-

to, ocorrerão, também, consequências muito sérias. Porque nós

não nos submeteremos a nenhum golpe. A nenhuma resolução

arbitrária. Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem!

Que nos destruam! Que nos chacinem, neste Palácio!

Page 90: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade90

Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada tanto aqui como nos transmissores.

O certo, porém é que não será silenciada sem balas. Tan-to aqui como nos transmissores estamos guardados por fortes contingentes da Brigada Militar.

DESTRUIÇÃO

Assim, meus amigos, meus conterrâneos e patrícios ficarão sabendo por que esta rádio silenciou. Foi porque ela foi atingida pela destruição e porque isso ocorreu contra a nossa vontade. E quero vos dizer porque penso que chegamos a viver horas deci-sivas. Muita atenção, meus conterrâneos para essa comunicação.

Ontem à noite o Sr. Ministro da Guerra, marechal Odílio Denys, soldado que no fim de sua carreira, com mais de 70 anos de idade e que está adotando decisões das mais graves, as mais desatinadas, declarou através do Repórter Esso que não concorda com a posse do Sr. João Goulart, que não concorda com que o Presidente Constitucional do Brasil exerça suas funções legais! Porque, diz ele numa argumentação pueril e inaceitável, isso significa uma opção entre comunismo ou não. Isto é pueril, meus conterrâneos! Isso é pueril,

Meus patrícios!Nós nos encontramos neste dilema. Que vão essas ou aque-

las doutrinas para onde quiserem. Nós nos encontramos entre uma submissão à União Soviética ou aos Estados Unidos. Tenho uma posição inequívoca sobre isto. Mas tenho aquilo que falta a muitos anticomunistas exaltados deste País, que é a coragem de dizer que os Estados Unidos da América, protegendo seus monopólios e trustes, vão espoliando e explorando esta Nação sofrida e miserabilizada. Penso em independência.

Não penso ao lado dos russos ou dos americanos. Penso pelo Brasil e pela República. Queremos um Brasil forte e inde-pendente. Não um Brasil escravo dos militaristas e dos trustes e monopólios norte-americanos. Nada remos com os russos. Mas nada temos também com os americanos, que espoliam e man-têm nossa Pátria na pobreza, no analfabetismo e na miséria.

Page 91: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 91

Estes que muito elogiam a estratégia norte-americana que-rem submeter nosso povo a esse processo de esmagamento. Mas isso foi dito pelo ministro da Guerra. Isso quer dizer que S.EXA. tomará todas as medidas contra o Rio Grande.

Estou informado que todos os aeroportos do Brasil, onde pousam aviões internacionais de grande porte, estão guarnecidos e com ordem de prender o Sr. João Goulart, no momento da descida. Há pouco falei, pelo telefone, com o Sr. João Goulart, em Paris, e disse a ele que todas as nossas palestras de ontem foram censuradas. Tenho provas. Censuradas não nos seus efei-tos, mas a rigor. A companhia norte-americana dos telefones deve ter gravado e transmitido os termos de nossas conversas para essas forças de segurança.

(Brizola e Jango ao telefone)

Hoje eu disse ao Sr. João Goulart: decide de acordo com o que julgares conveniente. Ou deves voar, como eu aconselho, para Brasília, ou para um ponto qualquer da América Latina, A decisão é tua! Deves vir diretamente a Brasília, correr o risco e pagar para ver. Vem. Toma um dos teus filhos nos braços. Desce sem revólver na cintura, como um homem civilizado.

Vem para um País culto e politizado como é o Brasil e não como se viesse para uma republiqueta, onde dominem os caudilhos, as oligarquias que se consideram todo-poderosas. Voa para o Uruguai, então esta cidadela da liberdade, aqui pertinho de nós, e aqui traça os teus planos, como julgares conveniente.

Page 92: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade92

Vejam, meus conterrâneos, se não é loucura a decisão do ministro da Guerra. Vejam, soldados do Brasil, soldados do III Exército! Comandante, general Machado Lopes! Oficiais, sargentos e praças do III Exército, guardiões da ordem da nossa pátria. Vejam se não é loucura. Este homem está doente! Este homem está sofrendo de arteriosclerose, ou outra coisa. A atitude do ma-rechal Odílio Denys é uma atitude contra o sentimento da Nação.

Contra os estudantes e intelectuais, contra o povo, contra os trabalhadores, contra os professores, juízes, contra a Igreja. Ainda há pouco, conversando com S.EXA.REVMA., Arcebispo Dom Vicente Scherer, recebi a comunicação de que todos os cardeais do Brasil haviam decidido lançar proclamação pela paz, pela ordem legal, pela posse a quem constitucionalmente cabe governar o Brasil, pelo voto legítimo de seu povo. Essa proclamação está em curso pelo País. As igrejas protestantes, todas as seitas religiosas chamam por paz, pela ordem legal.

Não é a ordem do cemitério ou a ordem dos bandidos. Queremos ordem civilizada, ordem jurídica, a ordem do respeito humano. É isso.

DESATINO E LOUCURA

Vejam se não é desatino. Vejam se não é loucura o que vão fazer. Podem nos esmagar, num dado momento. Jogarão o País no caos. Ninguém impedirá que este País, por todos os seus meios, se levante lutando pelo poder. Nas cidades do interior surgirão as guerrilhas para defesa da honra e da dignidade, contra o que um louco e desatinado está querendo impor ‘a família brasileira. Mas, confio, ainda, que um homem como o general Machado Lopes, que é soldado, um homem que vive de seus deveres, como centenas, milhares de oficiais do Exército, como esta sargentada humilde, sabe que isso é uma loucura e um desatino e que cumpre salvar nossa pátria.

Tenho motivos para vos falar desta forma, vivendo a emo-ção deste momento, que talvez seja, para mim, a última opor-tunidade de me dirigir aos meus conterrâneos. Não aceitarei qualquer imposição.

Page 93: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 93

ORDEM SÓ INTERESSA A BRIZOLA

Desde ontem, organizamos um serviço de capacitação de notícias por todo o território nacional. É uma rede de radioa-madores, num serviço organizado.

Passamos a contar, aqui, as mensagens trocadas, mesmo em código e por teletipos, entre o III Exército e o Ministério da Guerra. As mais graves revelações quero vos transmitir. Ontem por exemplo, vou ler rapidamente porque talvez isto provoque a destruição desta rádio, o ministro da Guerra considerava que a preservação da ordem ‘só interessa ao governador Brizola’. Então, o Exército é agente da desordem, soldados do Brasil?! É outra prova da loucura! Diz o texto: ‘É necessário a firmeza do III Exército para que não cresça a força do inimigo potencial’.

Eu sou inimigo, meus conterrâneos?! Estou sendo consi-derado inimigo meus patrícios, quando só o que queremos é ordem e paz.

Assim como este, uma série de outros rádios foi captada até no Estado do Paraná, e aqui os recebemos por telefone, de toda a parte. Mais de cem pessoas telefonaram e confirmaram.

(Barricada armada pela população defronte ao Palácio Piratini)

Vejam o que diz o general Orlando Geisel, de ordem do marechal Odílio Denys, ao II Exército: ‘Deve o comandante do III Exército impedir ação que vem desenvolvendo o governador

Page 94: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade94

Brizola. Deve promover o deslocamento de tropas e outras me-

didas que tratem de restituir o respeito ao Exército.

O III Exército deve agir com a máxima urgência e presteza.

Faça convergir contra Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande

do Sul que julgar conveniente. A Aeronáutica deve realizar o

bombardeio, se for necessário. Está a caminho do Rio Grande

uma força-tarefa da Marinha de Guerra e mande dizer qual o

reforço de que precisa’. Diz mais o general Geisel: ‘Insisto que

a gravidade da situação nacional decorre, ainda, da situação

do Rio Grande do Sul, por não terem, ainda, sido cumpridas

as ordens enviadas para coibir a ação do governador Brizola’.

Era isto, meus conterrâneos. Estamos aqui prestes a sofrer a

destruição. Devem convergir sobre nós forças militares para nos

destruir, segundo determinação do ministro da Guerra.

(Barricada armada pela Brigada Militar na Rua da Praia)

Mas tenho confiança no cumprimento do dever dos soldados,

oficiais e sargentos, especialmente do general Machado Lopes,

que, esperamos, não decepcionará a opinião gaúcha. Assuma,

aqui, o papel histórico que lhe cabe.

Page 95: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 95

Imponha a ordem neste País. Que não se intimide ante os atos de banditismo e vandalismo, ante este crime contra a população civil, contra as autoridades. É uma loucura.

CHACINA

Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste Palácio, numa demonstração de protesto contra esta loucura e este desatino. Venham, e se quiserem cometer esta chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído.

Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação.

Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação.

Page 96: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade96

Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo! Joguem estas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo!

Um abraço, meu povo querido! Se não puder falar mais, será porque não me foi possível! Todos sabem o que estou fazen-do! Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente. O nosso adeus! Mas aqui estaremos a cumprir o nosso dever.”

UM DEPOIMENTO PARA A HISTÓRIA

“A manhã do dia 28 de agosto, segunda-feira, começou com os generais do III Exército reunidos no QG da Rua dos Andradas. A tensão no Piratini aumentava e Brizola fazia um pronunciamento patético à Nação, através da Cadeia da Legalidade.

Brizola ainda não encerrara o pronunciamento e eu saía da redação com alguns companheiros e nos dirigíamos ao Piratini. Da rua Sete de Setembro, sede da Última Hora, até a Praça da Matriz, assistimos a cenas inenarráveis. Dezenas de pessoas chorando nas ruas. Mulheres com os filhos no colo, jovens e velhos subiam às pressas a Rua da Ladeira dispostos a resistir ou morrer com o governador do Rio Grande.

Embora credenciados, não conseguimos entrar no Palácio. Todas as portas de acesso estavam fechadas e guarnecidas por elementos da Brigada Militar fortemente armados. Alguém na multidão deu um grito que poderia ter determinado uma tragédia: ‘Ali estão os golpistas’.

O general Machado Lopes, comandante do III Exército, à frente de um grupo de oficiais, se aproximava do Palácio Piratini lentamente. A massa começou a deslocar-se na direção dos militares. Foram segundos da mais alta dramaticidade.

O Hino Nacional brotando da garganta de milhares de pessoas, petrificou os oficiais. Eles pararam e cantaram com o povo. Machado Lopes estava emocionado e trêmulo. O III Exército estava aderindo à Legalidade.”

Page 97: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 97

ADESÃO DO IIIº EXÉRCITO

Num misto de patriotismo, amor ao Brasil e devotamento à Pátria e sua constituição, o General Machado Lopes teve a coragem, a hombridade, a grandeza de aderir a um movimento popular que clamava pelo cumprimento da lei.

Em meio a esta crise toda a UDN e seus aliados civis e militares tentaram, via Congresso Nacional, votar o “impea-chment” do presidente Jango, apesar de toda a mobilização deste poderoso grupo, apoiado por boa parte da imprensa do centro do país, este foi derrotado por 300 votos contra 12, uma esmagadora maioria. Esta decisão dos deputados fortaleceu a resistência no Rio Grande do Sul, pois com a adesão do IIIº Exército tudo ficaria mais fácil.

A DEFESA DA CAPITAL

Porto Alegre estava pronta para resistir até o último ho-mem, militares e civis estavam coesos, unidos em torno da

Page 98: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade98

bandeira de legalidade, era a força gaúcha que clamava pelo cumprimento da constituição.

O Parque Farroupilha se transformou num palco de guerra, lá foram instalados os canhões antiaéreos e foi montado um grande acampamento militar, dali partiria a resistência.

(Parque da Redenção – IIIº Exército preparado para entrar em cena)

Em Santa Maria o general Pery Bevilácqua atendendo ao apelo do general Machado Lopes, mobilizou seus comandados e deslocou para Porto Alegre seu armamento pesado, canhões, caminhões, pela Viação Férrea, pois Santa Maria era na época a capital do transporte ferroviário.

Meu sogro, Dejanir Antonio Tesser de Vargas, que na época trabalhava no Departamento de Manutenção da Rede Ferroviária, me relatou que a movimentação de material bélico foi muito grande.

A REAÇÃO DO GENERAL DENYS

O General Denys imediatamente preparou um contra ataque, estava disposto a aniquilar as tropas militares do Rio Grande do Sul, não lhe importava quantas vidas seriam ne-cessárias para cumprir com a sua vontade. Das duas uma este homem era um insano ou um grande jogador. Ou se tratava de

Page 99: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 99

uma loucura ou de um blefe. O fato é que as tropas chegaram a marchar contra os seus próprios companheiros de caserna, contra o seu próprio povo.

A adesão do IIIº Exército, a mobilização popular e a opinião pública brasileira fizeram com que o General Denys repensasse sobre suas decisões e decidisse desistir do golpe militar que estava sendo executado e desistiram da ação bélica contra o povo do Rio Grande do Sul e a favor da Constituição e da Legalidade.

Page 100: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade100

A POSSE DE JOÃO GOULART

Via Uruguai, João Goulart chegou a Porto Alegre no dia 1º de setembro de 1961. No dia seguinte, foi aprovada a emenda parlamentarista. Devidamente aconselhado por Tancredo Neve, João Goulart concordou em assumir a Presidência nos limites traçados por um parlamentarismo de emergência. Por outro lado, a emenda marcava uma data para um plebiscito com a finalidade de ver se o povo aprovava ou não o novo sistema.

Page 101: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 101

No dia 5 de setembro, Jango chegou a Brasília e no dia 7, dia da Independência, prestou juramento perante o Congresso.

No dia 8 de setembro, Jango enviou ao Parlamento brasilei-ro a indicação de Tancredo Neves para primeiro-ministro e os nomes para compor o ministério. O nome de Tancredo Neves, ex-ministro de Vargas, foi aprovado por 259 votos contra 22.

Os outros ministros, por 246 contra 10. Um liberal conser-vador e simpático, PSD mineiro, favorável a algumas reformas, desde que a terra não fosse tocada; Tancredo Neves deu, sem dúvida, uma margem de respeitabilidade para o novo regime.

Quanto ao seu ministério, destacamos os nomes de San-tiago Dantas, ex-integralista que aderira ao PTB, defensor da política externa independente; Gabriel Passos, ministro de Minas e Energia, UDN, porém nacionalista; Moreira Salles, ministro da Fazenda e homem de confiança do capital finan-ceiro internacional, etc.

Contrariada em suas intenções de subir ao poder, a UDN fez uma intransigente oposição a João Goulart desde o início, embora ele, na prática, fosse o rei que reina e não governa. Tal oposição se dava através de jornais como a Tribuna da Imprensa, Estado de São Paulo e O Globo. Economicamente, o país atravessava um impasse, sem reformas de base o modelo industrial não progrediria.

O dólar passara de $ 250 para $ 800 cruzeiros e a dívida externa subira para US$ 3,4 bilhões de dólares. Moreira Salles sugeriu que Jango fosse conversar com o presidente Kennedy para reescalonar a dívida.

Jango foi e, em abril de 1962, conversou com Kennedy em Washington, porém de nada adiantou. O preço exigido foi alto, ruptura com Cuba, liberdade na remessa de lucros, não reata-mento com os países socialistas, etc. O presidente não podia concordar com tudo isso, feria diretamente os seus projetos.

O PLEBISCITO

A campanha para que o povo comparecesse às urnas foi intensa. Os defensores do parlamentarismo não podiam exa-tamente defender um sistema que só acumulara fracassos em

Page 102: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade102

dois anos, por isso, se limitaram a advertir que colocar o poder nas mãos do presidente significaria abrir espaços ao esquerdis-mo. Quando computados os votos plebiscitários, 10 milhões tinham votado contra o parlamentarismo e apenas 2 milhões tinham votado a favor. Vencera o presidencialismo com cinco sextos dos votos. Desse modo, no dia 23/01/1963, foi revoga-do o chamado ato adicional número 4 e o país retornava aos parâmetros da Constituição de 1946. Mais uma vez a fração direitista, incluindo a UDN e seus aliados no setor militar e político, com base no capital estrangeiro, tinham perdido a parada. O governo João Goulart ainda teria uma sobrevida, mas isto é assunto para outro livro.

A CADEIA DA LEGALIDADE – CONCLUSÃO

Há 50 anos, uma rede não comercial de rádio, com estú-dios nos porões do Palácio Piratini, foi a principal arma da população para evitar um golpe de Estado. Entre 27 de agosto e 5 de setembro de 1961, jornalistas, radialistas e políticos revezaram-se em frente aos microfones desta emissora com um único objetivo: manter a população mobilizada para garantir a posse do vice-presidente João Goulart. “Ainda temos que analisar muito daquele episódio”, diz Lauro Hagemann, um desses radialistas e que se tornou a “Voz Oficial” dessa rádio, a Rádio da Legalidade. “Não foi um acontecimento local, tinha muitos interesses envolvidos, inclusive internacionais”.

Eram os anos da Guerra Fria, a da disputa pelo domínio do mundo entre Estados Unidos e União Soviética. Mas a causa imediata da formação da “Rede da Legalidade” foi a renúncia do presidente brasileiro Jânio Quadros, dia 25 de agosto de 1961. Naquele tempo, não se votava em chapa para presidente e vice. Eram votos separados e o resultado da eleição de 1960 dera a vitória de Jânio apoiado pela UDN e PTN e o cargo de vice a Jango, pelo PTB. Isto é, o presidente era de um partido, o vice de oposição.

Isso já era complicado, mas não era tudo. Jânio nunca teve grandes ligações com partidos políticos e quando se tor-nou presidente pouco ligou a seus apoiadores. Um deles era o

Page 103: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 103

governador do estado da Guanabara (hoje Rio de Janeiro) e jornalista Carlos Lacerda, que logo se transformou num crítico feroz do presidente. Só que não era a favor do vice. Não. Ao con-trário, apesar de fazendeiro bem-sucedido, Jango era visto como um esquerdista, um político que poderia implantar o comunis-mo no Brasil, desequilibrando a América a favor dos soviéticos (que tinham acabado de conquistar Cuba) na Guerra Fria. Jânio renunciou no Dia do Soldado, enquanto Jango fazia uma visita oficial na Ásia, e a solução natural era que o vice assumisse.

Porém, os ministros militares, que na época mandavam na política, eram contra. O presidente da Câmara Federal, Ranieri Mazzili, assumiu interinamente a presidência.

A notícia da renúncia chegou a Porto Alegre na mesma manhã, numa cerimônia militar a que o governador Leonel Brizola assistia. Era uma sexta-feira fria e chuvosa. Depois da cerimônia, o governador procurou se informar direitinho sobre o que estava acontecendo, e a cada telefonema ficava mais tenso. Última Hora, jornal de Samuel Weiner e historicamente ligado ao trabalhismo, publicou uma edição extra de oito páginas ao final do dia 25, com uma capa que já apontava dificuldades em breve. Na metade direita da página, uma foto de Jango, na metade esquerda, debaixo do título “IMPOSIÇÃO DA LE-GALIDADE”, está a reprodução do artigo da Constituição que garantiria a posse do vice. E no rodapé, como uma legenda em corpo enorme o texto: “Segundo se informa, o sr. João Gou-lart, novo Presidente da República, regressará amanhã ao País, procedente de Hong Kong, onde se achava em missão oficial, para assumir a Suprema Magistratura da Nação. A chegada do novo Presidente da República está prevista para as 13 horas”. Mais que uma notícia, era um desejo e uma forma de pres-são, porque o que acontecia nos bastidores e abertamente em Brasília resultaria por atrasar essa chegada em uma semana.

Os ministros militares, tendo à frente o general Odi-lo Denys, do Exército, eram contra a posse de Jan-go e colocaram os quartéis em prontidão. A edição de sábado refletia a tensão. Manchete: “Jango a UH: ‘Meu dever é assumir’ ”. Embaixo, sob os títulos ontem, hoje,

Page 104: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade104

amanhã, fotos de Jânio, Mazzili e Jango. Editorial do jor-nal: “Ao povo: pela ordem e pelo regime”. Manchete na página central: “Armas nas ruas pela paz de Porto Alegre”. Naquele sábado, o governador só saiu do Palácio para a aber-tura da Exposição agropecuária realizada no bairro Menino Deus (a precursora da Expointer). Atendeu telefonemas de jornalistas de outros estados, falou com aliados, conversou com Jango por telefone, implorando que viesse. Mas a situação se agravava. Às 3 horas da manhã de domingo, 27, direto dos porões do Palácio Piratini, na Assessoria de Imprensa, falou através das rádios Farroupilha e Gaúcha. Depois de citar a renúncia de Jânio como irreversível e defender a legalidade da posse de Jango, denunciou:

“Entretanto, a politicagem, os sentimentos inferiores e golpistas de alguns círculos dessa República vêm entendendo que não se deve dar posse ao vice-presidente da República, ou melhor, que se deve impedir que o presidente constitucional do Brasil, que no momento é o sr. João Goulart, exerça suas funções”.

Depois, assegurou não aceitar “quaisquer golpes, não assistiremos passivamente quaisquer atentados às liberda-des públicas e à ordem constitucional”. Brizola ainda pediu que “cada um” tomasse medidas contra o golpe e encer-rou: “Defendemos a ordem legal, defendemos a Constitui-ção, defendemos a honra e dignidade do povo brasileiro”.Às 11h38min da manhã de domingo as rádios Farroupilha e Gaúcha (que eram empresas diferentes) foram fechadas por ordem federal. Ao meio-dia, Brizola recebeu o comandante do III Exército, general Machado Lopes, que anunciou apoio à Legalidade.

O governo gaúcho requisitou a rádio Guaíba, para fazer novo pronunciamento. Às 14h23 ele anunciou que a partir da-quele momento aquela era a “emissora oficial” que iria transmi-tir os comunicados do governo. Vinte e cinco anos depois, em depoimento ao livro “Legalidade 25 anos”, da editora Redactor, ele recordou: “Falei de improviso e sob grande tensão, medin-do, tanto quanto possível, as minhas palavras. Demonstramos, perante a população, o desatino em que estavam incorrendo

Page 105: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 105

as autoridades de Brasília”. “A partir deste momento, começou a funcionar a Rede da Legalidade, com a integração de uma quantidade crescente de pequenas emissoras às transmissões da rádio Guaíba. Centenas de jornalistas, nacionais e estrangeiros, sob a coordenação de Hamilton Chaves, desenvolveram um admirável trabalho que sensibilizou o povo brasileiro, civis e militares, por todos os quadrantes da Nação.”

Voz oficial:Na segunda-feira, Lauro Hagemann apresentou-se para

participar da Rede da Legalidade. Ele era o locutor do Re-pórter Esso, o noticiário de rádio mais bem conceituado. Tinha credibilidade.

“Quando ouviram a voz do Repórter Esso na Rádio da Legalidade, as pessoas deram mais crédito”, acredita. Ele estava em casa, ouvindo a emissora, quando decidiu: “É uma avalia-ção subjetiva minha. Mas estava faltando profissionalismo. Os locutores liam os comunicados sem emoção.

Eu achava que se continuasse assim a coisa ia degringolar. Estava muito lúdico”.

Depois dele, vieram outros: Ênio Lantieri, Gonçalves Jú-nior e Petrôneo Cabral foram alguns que se destacaram. Ante-nor Modula, um dos pseudônimos de João Aveline no jornal, registrou na sua coluna “TV e rádio” de 30 de agosto: “São tantos locutores voluntários que a escala não dá mais de meia hora para cada um”.

Lauro Hagemann considera que este foi um grande mo-mento dos radialistas: “Foi uma atitude da categoria, que se engajou no movimento. Aquilo foi uma coisa nova por aqui. Em outros lugares já acontecia isso de rádio servir para mo-bilizar, mas aqui foi a primeira vez”.

Na segunda-feira, 29, um grupo de bacharéis em jornalis-mo – Lauro Hagemann, Cipriano Ferreira Bernd, Iara Bendatti, Circe Mara Citro, Álvaro Val e Nestor Fedrizzi – anunciou apoio a Legalidade e declarou-se em “reunião permanente”.

Paulo César Pereio e Iara de Lemos, integrantes do Co-mitê de Resistência Democrática dos Intelectuais, fizeram o Hino da Legalidade (ele, a letra, ela, a música). Peréio reu-niu um grupo de 20 pessoas no estúdio da rádio Farroupilha

Page 106: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade106

e gravaram o hino, que tocava constantemente na Rede. A esta altura, o movimento no Palácio era intenso. O gover-nador tinha requisitado alguns revólveres para armar corre-ligionários em caso de um ataque anunciado pelo Exército Nacional. Montaram-se barricadas nas ruas, em torno do Pa-lácio. No dia 29, em outro pronunciamento, Brizola anunciou:

“O golpe não será dado pelo telefone”. O general Macha-do Lopes anunciou que não receberia mais ordens de Odilo Denys e 98 emissoras integravam a Rede da Legalidade. “O Congresso e o povo do Brasil inteiro têm que saber que, no Rio Grande, o povo, o governo e o III Exército estão lado a lado”. Em Porto Alegre, grupos de operários e estudantes faziam caminhadas pelas ruas, pelo Interior, organizavam-se comitês de resistência democrática.

Enquanto isso, Jango deslocava-se em direção ao Brasil, em escalas: de Cingapura para Paris, de Paris para Nova York, dali para Buenos Aires e então para Montevidéu, onde chegou em 31 de agosto. Sempre trocando informações com Brizola e outros líderes políticos do País. No dia 30, os militares lan-çaram um manifesto contra a posse dele. Em Porto Alegre, os presidentes do Inter, Luiz Fagundes de Mello, e do Grê-mio, Pedro da Silva Pereira, entregaram no Palácio Piratini documento manifestando “solidariedade ao governador pela posição assumida em defesa dos princípios democráticos de nossa Carta Magna”.

Antenor Modula reclamava que está com pouco serviço (costumava criticar a programação das rádios e até comer-ciais): “A Rede de Radiodifusão da Legalidade continua no ar, funcionando com o que há de melhor em matéria de locu-ção. Muito dobrado, muita palavra, especialmente, de ordem”. No dia 1º de setembro, Última Hora mostrava que a paci-ência com Jango estava se esgotando: “O Brasil está a sua espera, presidente”, era a manchete de capa de um edito-rial que exigia que o presidente retornasse logo: “Volte e caminhe tranquilo, presidente. Caminha tranquilo para o posto que o povo lhe conferiu”. Ele estava em Montevidéu, tinha declarado “A Legalidade sou eu”, mas queria assegu-rar-se de que sua chegada ao Brasil não geraria conflitos.

Page 107: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL 107

À noite, saiu um Caravalle de Montevidéu, com Jango, líderes políticos e 300 jornalistas em direção a Porto Alegre. Assim que está no ar, o avião apaga todas as luzes e voa baixo para não ser interceptado pela FAB. Às 21h, Lauro Hagemann, pela Rádio da Legalidade anunciou: “Nesse momento, um carro condu-zindo o presidente João Goulart percorre as ruas da cidade”. O carro chegou 20 minutos depois. Setenta mil pessoas, asse-gura a Última Hora, estavam na praça. Queriam ouvir Jango, mas ele apenas acenou para a multidão.

A Rádio da Legalidade ampliava-se: passa a transmitir também em espanhol, francês e inglês.

Jango não falou também no domingo e a manchete da página central da edição de segunda, dia 4, registrava: “Povo não concordou com o silêncio do presidente”. A manchete de capa, “Legalidade foi traída”, manifestava a opinião do jornal sobre a emenda que instalava o parlamentarismo no País. Solu-ção que os militares aceitaram para permitir a posse de Jango. Ainda houve uma tentativa de se votar o impeachment de Goulart, mas a proposta teve 12 votos a favor e 300 contra.

No dia 5, Jango decidiu embarcar rumo a Brasília. Foi chamado de voo-suicida, porque havia ameaça de oficiais da Aeronáutica atacarem o avião quando tentasse pousar na ca-pital. Mas não houve o atentado.

Este foi também o último dia da Rede da Legalidade. Depois que Jango viajou, a mobilização foi diminuindo, as pessoas voltando para suas casas. Leonel Brizola falou à noite, elogiou a participação do povo gaúcho, falou na defesa das liberdades democráticas e do trabalho de locutores, redatores e radiorrepórteres que trabalharam na Rede da Legalidade. “O encerramento foi lacônico. Não houve muita conversa”, registrou Antenor Modula, na coluna do dia 6.

A Rede da Legalidade encerrou as atividades à meia-noite, ficando em alerta, como defensora da Constituição Brasileira!

Page 108: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como
Page 109: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A História Viva do Rádio

A narrativa que vem a seguir foi feita por César Celente

e registrada por mim, Marcelo Celente, seu neto, César foi

testemunha ocular e participante ativo da história dos tempos

de Ouro do Rádio Brasileiro e de sua influência política e

social nos fatos marcantes do nosso Brasil que trazem grande

influência até os dias de hoje.

A MORTE DE GETÚLIO VARGAS E O FIM DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS

Era o ano de 1954, uma manhã de sol fresquinha, um bom

tempo. Havia em Porto Alegre algumas emissoras de Rádio,

sendo as principais: Rádio Farroupilha, Rádio Difusora, Rádio

Guaíba. Os jornais eram o Correio do Povo e o principal, o mais

lido era e um jornal chamado “Diário de Notícias”, do grupo

Chateaubriand. Este Diário de Notícias e a rádio Farroupilha

faziam oposição sistemática ao governo federal, falavam mal do

presidente e o atacavam. Ficaram por isso muito impopulares,

marcados e manchados por este posicionamento.

Page 110: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade110

Getúlio Vargas, como poucos, soube utilizá-lo no seu governo, conquistando brasileiros em todos os cantos do país

Em agosto de 1954, eu trabalhava em uma fábrica de joias, já era um apaixonado pelo rádio e enquanto trabalhava sempre escutava as emissoras do momento. Lá pelas 10 horas da ma-nhã, o rádio deu a notícia, era o Repórter Esso, era o Lauro Hagmann, que anunciou: “O presidente da república acaba de morrer, suicidou-se”.

Na fábrica todos pararam de trabalhar, ficamos chocados com a notícia, e aí cada um se armou como podia, pedaço de ferro, faca, facão, largamos o trabalho, saímos todos para a rua, em direção ao centro da cidade. Era um dia de sol, mas todos sentiam no ar uma profunda dor, uma amargura e tristeza como uma nuvem pairava sobre o ar. Era como se o mundo estivesse prestes a acabar. Na frente da prefeitura municipal foram se aglomerando uma multidão de pessoas, de todo o tipo e idade, todos tristes e revoltados. Em frente, ao lado da casa Guaspari, tinha um comitê do PTB tocando música fúnebre, era o J. Pires, e tocando marcha fúnebre e lendo a carta do Getúlio, e comentava a morte do presidente.

Page 111: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 111

Em Porto Alegre, haviam três jornais: Correio do Povo, Folha da Tarde e o Diário de Notícias. Algumas rádios: Farrou-pilha, Difusora, Guaíba... Mas a rádio Farroupilha e o Diário de Notícias, atacavam o presidente e o seu partido sempre que podiam, por isso, foram ficando impopulares. No dia da morte do Getúlio, o povo vinha de todos os bairros, e foram se aglomerando em frente à prefeitura.

Sem saber o que fazer, Diz-se que alguns então arriscaram um palpite: “Vamos quebrar a Farroupilha!” A Farroupilha pessoal! Todos gostaram da ideia, era uma forma de extravasar o ódio e a tristeza pela morte de um líder, correram todos até a rádio.

A Rádio Farroupilha era forte, tinha um grande auditório, uma orquestra sinfônica, um bom departamento de radioteatro, cantores, entre outras coisas. Lembro de um tenor: Luís Ger-mont, aquela multidão enraivecida invadiu então a rádio, ela ficava em frente ao porto, e eu ali estava observando. Ouviu-se uma barulheira ensurdecedora, de coisas sendo quebradas. Da sacada do primeiro andar, começaram a jogar: máquina de escrever, telefones, papéis, instrumentos da orquestra.

Lembro que uma máquina de escrever foi jogada, mas apanhada por um rapaz que sai correndo com ela, muitos gri-taram: “Quebra mas não rouba!”. Mas ele saiu e levou embora.

Um homem apareceu na sacada, com um bumbo na mão, com um ferro pontudo, furou o bumbo e o jogou para baixo.

Em seguida, vieram empurrando um piano de cauda, da orquestra, o piano foi lançado de forma espetacular, o velho piano bateu na calçada e soltou um som que soou como um gemido de dor.

Todos que viam aquela cena ficaram em silêncio, por alguns momentos. Quando terminaram de quebrar a rádio, saíram sorridentes. A partir daquela data, nunca mais a far-roupilha alcançou popularidade, era, portanto, o seu fim. Mais tarde foi vendida.

Dali a multidão teve outra ideia: Vamos quebrar o Diá-rio de Notícias, para completar. Em marcha acelerada, foram

Page 112: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade112

todos para a Rua da Praia, nas ruas, não se avistava nenhum policial, nenhuma autoridade.

Entregue nas mãos do povo, era histeria coletiva. Pararam em frente à porta do Diário, e de repente, arrombaram a cor-tina e entraram. Ouvia-se de longe o barulho de máquinas que eram quebradas por paus e ferros. Alguns elementos saíram de dentro do Diário com as mãos cheias de papel, e alguém ali colocou fogo, e entraram com fogo nas mãos, alguns gritavam: — Não queimem! Não queimem! Mas o fogo cresceu logo. As chamas lamberam tudo o que puderam, em um instante, ali nas cinzas, ficou enterrado o Diário de Notícias. Mais tarde o Diário tentou se reerguer na avenida São Pedro, mas não teve mais público.

Depois de destruir a rádio e o jornal, saíram os populares pelas ruas, numa espécie de arrastão. De repente, avistaram a Importadora Americana, embora os americanos talvez não tivessem nada a ver com a morte do presidente, a firma foi arrombada, lembro que alguém enfiou uma faca no pneu de uma moto, foi um estouro e todos correram, sem saber o que era.

Eu voltei ao abrigo dos bondes, já era entardecer. Aí então apareceu o exército, na cavalaria, dispersando a multidão que aos poucos foi se retirando.

Então subiram a Borges, tomaram o bonde e foram indo para casa. Eu fiquei pensando, enquanto pegava o bonde Glória, em tudo aquilo que havia acontecido.

Era o fim da Rádio e de um Jornal, pelo ódio do povo que, exaltado, havia se vingado da morte de seu líder. Getúlio Vargas: o popular “homem do povo”, que todo dia 1º de maio aumentava o salário, “trabalhadores do Brasil”, aí o salário era aumentado.

Fica por aqui a história do fim da rádio Farroupilha e do Diário de Notícia. A rádio mais tarde foi comprada por Maurício Sirotski, e hoje é uma das líderes das emissoras de Porto Alegre. Temos uma grande audiência com Zambiasi e Gugu. Zambiasi é um craque em ajudar as pessoas, e Gugu também. Os dois formam uma grande dupla em Porto Alegre e em todo o Rio Grande do Sul.

Page 113: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 113

Sobre Getúlio Vargas sei de algumas pérolas do seu fol-clore político:

Tenório Cavalcanti, udenista e adversário político de Var-gas, foi ao catete numa comissão de deputados. Andava nas manchetes dos jornais por causa de suas estripulias em Caxias, na base da “Lurdinha” (metralhadora) e da capa preta. Getú-lio o cumprimentou, olhou bem para o volume do revólver embaixo do braço esquerdo, sob o paletó:

— Deputado, o senhor está armado?Tenório ficou vermelho, mas não perdeu a bote:— Sim, presidente, armado de admiração por Vossa

Excelência.Getúlio Vargas era presidente da República, em 43, foi a

São Paulo, participou das comemorações na 2.ª Região Militar, comandada pelo general Mascarenhas de Morais. Houve um campeonato de “tiro aos pombos”.

Participava o campeão nacional, um major da 2.ª Região, que nunca errava uma: o pombo voou ele derrubava. Naquele dia o major estava de azar. Vou o primeiro pombo, “paaaa”. Errou. Vou o segundo, “paaaa”. Errou. Voou o terceiro, “paaaa”. Errou de novo. O major foi ficando encabulado, vermelho, aflito, desistiu.

Getúlio tirou o charuto da boca, consolou o major:— Major, não se incomode. O senhor atira bem. Os pom-

bos é que voam mal.Getúlio Vargas nomeou um amigo para a alfândega e

avisou:— Quando quiserem corromper você, me avise.Meses depois, recebe uma carta:“Presidente Getúlio Vargas, por favor me demita urgente.

Os homens estão chegando no meu preço”.Getúlio Vargas tinha oito anos, já estava lá em São Borja

semeando espertezas. Num dia de conversa fiada, o pai quer saber o que ele já estava pensando da vida:

— O que você quer ser quando crescer?— Militar.

Page 114: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade114

— Por que militar? Meu filho, você sabe que o militar se arrisca muito? Você sabe que o militar está sempre exposto a ser morto pelo inimigo?

— Então, eu quero ser o inimigo.Em 45, um dos militares mais ativo na conspiração para

a derrubada de Getúlio foi o general Newton Cavalcanti. Em 50, Vargas vence as eleições e o general Newton, como chefe da Casa Militar do presidente Dutra, vai lá acertar os detalhes da posse. Getúlio está sentado na cadeira de balanço, pernas estiradas, os olhos semicerrados, fumando seu charuto, entra o general Newton, ele nem abre os olhos sonolentos:

— Veio me prender, general?Padre Olímpio de Melo, nome de rua larga em São Cris-

tóvão, duas vezes prefeito da cidade (nomeado e eleito), era o decano dos políticos cariocas.

Estava no Catete, conversando com Getúlio, foi tirar o lenço do bolso da batina, caiu um pequeno punhal de prata. Ficou encabulado, Getúlio sorriu:

— Reverendo, seu rosário caiu.Em 49, em São Borja:— O que é que o senhor pensa do general Góis Monteiro?— Tem uma memória extraordinária. Só esquece os favores

recebidos.— E o que o senhor está achando da campanha contra a

sua volta?— Meus inimigos estão de ovo virado. Depois que eu for

eleito, lá estarão todos eles, sorridentes, virando tapete para que eu passe por cima.

Estava no Palácio Rio Negro, em Petrópolis, entra Barreto Pinto.

— Barreto, estás engordando muito.— Quanto mais trabalho, mais engordo, presidente.— Nada disso. É o cartório que te dei, Barreto. Cartório

engorda muito.Osvaldo Aranha, em 53, foi convidado por Getúlio a assu-

mir o Ministério da Fazenda. Os jornais falavam em “posto de sacrifício”, “salvar o regime”. Aranha foi lá no Catete:

Page 115: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 115

— Getúlio, a situação é calamitosa. Não vejo possibilidade de equilibrar a receita e a despesa.

— Osvaldo, e se nós arrecadássemos a despesa e gastásse-mos a receita?

Dona Alzira Vargas do Amaral Peixoto era secretária do pai. Depois do almoço, no Palácio, Getúlio descansava, ele lembrou:

— Pai, tu tens que ir hoje a uma solenidade.— Por que tu tens, minha filha? Eu não tenho nada. E vou

se quiser. Eu sou o presidente.E não foi.Getúlio tinha uma admiração pela poetisa Rosalina Coelho

Lisboa, mulher de um dos diretores da Cia. Sul América de se-guros. Um dia, conversava com Agrippino Grieco, o crítico feroz:

— Tu não achas, Agrippino, que a Rosalina é maior poetisa do Brasil e da América do Sul?

— Da América do Sul não direi, presidente, mas com toda a certeza ela é a maior da Sul América.

Osvaldo Aranha foi visitar Getúlio no Palácio Guanabara. Alzirinha mostrou-lhe a cadeira do pai vazia, porque Getúlio passeava pelo salão:

— Sente, doutor Osvaldo.— Não, Alzira – disse Getúlio lá do fundo. – Nessa cadeira,

não. Ela é minha e muito macia. O Osvaldo pode sentar se e tomar gosto. Com o poder não se brinca.

Osvaldo Aranha sentou-se em outra cadeira. Getúlio ficou mais dez anos no poder. E na cadeira macia.

O repórter vai ao Catete entrevistar Getúlio:— Presidente, para vencer na política o que é preciso?— Muita coisa. Boa memória, por exemplo. Em política é

como água no feijão. O que não presta flutua. O que é bom repousa no fundo.

O RÁDIO NO RIO GRANDE DO SUL

Um locutor carioca de grande fama, que se intitulava Prín-cipe Baby, foi contratado certa vez para trabalhar na Rádio Far-roupilha, de Porto Alegre-RS, lá pela década de 50. Um dia, ao ocupar o microfone para anunciar o chorinho Enxame de

Page 116: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade116

Abelhas, de Benedito Lacerda, não teve dúvidas. Leu Encha-me de Abelhas.

Noutra ocasião, ao anunciar a música Les Cloches de Co-meville (Os Sinos de Comeville), disse, com a mesma empáfia: acabamos de ouvir As conchas de...

Engraçado? Certamente. Na época, porém, ao cometerem gafes dessa ordem, os locutores precisavam de muito jogo de cintura para não virar motivo de absoluta piada entre o público e, pior, entre os próprios colegas.

Historietas tragicômicas como essas integram a parte folcló-rica de uma ainda prematura história do rádio no Rio Grande do Sul. Uma trajetória, entretanto, cheia de peculiaridades e de personagens antológicas, alguns heroicos e aventureiros, res-ponsáveis pela transformação do rádio gaúcho num dos mais respeitados do Brasil.

Uma história que, comemora grandes datas: A Rádio Pelo-tense, a mais antiga emissora comercial do Estado e terceira mais antiga do Brasil, criada em 1925, está a completar 81 anos. A Gaúcha, de 1927, faz 77, enquanto a Guaíba comemora 47 anos. São aniversários que devem ser festejados. Até porque a progra-mação e o perfil dessas emissoras têm conseguido acompanhar os tempos de mudança, os fatos e, principalmente, mantido a audiência cativa do ouvinte. De quebra, sobretudo a Gaúcha e a Guaíba têm estabelecido padrões de referência para dezenas de emissoras brasileiras.

“Nós somos o único Estado, por exemplo, que faz duplex. Ou seja: que transmite os jogos de futebol ao mesmo tempo, quando a dupla Grenal jogo no mesmo horário. Em Minas Gerais, eles estão tentando fazer isso”, salienta João Garcia, o experiente radialista da Band AM.

Sobre possíveis diferenças entre o radiojornalismo feito aqui e o produzido em outros Estados, Garcia é taxativo: existem diferenças, sim.

— O nosso radiojornalismo é de opinião. O de São Paulo também tem opinião, mas tem muito mais informação, enquanto o rádio do Rio é informativo.

Mas o tipo de rádio que nós fazemos é realmente único. Se a gente observar, a maioria das nossas entrevistas é ao vivo,

Page 117: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 117

e as intervenções dos repórteres são rápidas. Em emissoras do Rio e de São Paulo é diferente: há muita entrevista gravada. Essa é uma característica que distingue o nosso rádio, além do forte viés investigativo – pontua.

Para Armindo Antônio Ranzolin, diretor-geral da Rádio Gaúcha, os diferenciais do rádio daqui se explicam, também, pelo viés cultural: — É uma questão que herdamos da vizinhança. Ao longo das décadas de 20 e 40, ouvimos muito as emissoras argentinas. Hoje, o rádio argentino já não tem a mesma quali-dade, mas durante muito tempo foi referência, e isso certamente nos influenciou.

Glênio Reis, lendário apresentador e showman da Gaúcha e da Farroupilha desde a década de 50, acredita que aqui, real-mente, as coisas são diferentes: — Aqui, o rádio faz parte das nossas vidas, muito mais do que nos outros lugares. Muitas pessoas deixam o rádio ligado sempre, onde quer que estejam. É uma mania.

De fato, para muitos, o rádio é um verdadeiro chiclete para os ouvidos. Há pessoas que não conseguem trabalhar desligadas do aparelho, enquanto, para muitos ouvintes, se um determinado radialista ou comentarista não menciona alguma informação, é porque não se trata de algo importante, tamanha a credibilidade que certos nomes alcançaram.

O fato é que, amados ou odiados, não podemos falar de uma “breve história do rádio no Estado”, sem mencionar pro-fissionais como Enio Rockenbach, Rogério Mendelsky, Manoel Braga Gastal, Lasier Martins, Ivan Castro, César Celente, Gerson Luiz, Lauro Quadros, Ruy Carlos Ostermann, Flávio Alcaraz Gomes, Lauro Hagemann, Cândido Norberto, Armindo Antô-nio Ranzolin, Milton Jung, Walter Galvani, Fernando Veronezi, Amir Domingues, Sérgio Zambiazi, entre tantos, tantos outros.

Todos já passaram por poucas e boas. As passagens são muitas, e algumas precisam ser relembradas.

UMA BELA HISTÓRIA

Tudo começou em 1924, quando um grupo de radioa-madores trouxe de Buenos Aires a Porto Alegre um aparelho

Page 118: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade118

transmissor e inaugurou a Rádio Sociedade Riograndense, nos mesmos moldes da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, criada um ano antes por Roquette Pinto e Henrique Morize.

Na noite de lançamento, estranhas engenhocas atraíam os espectadores. Eram as galenas, muito semelhantes aos fones de ouvido, que, ligadas a baterias, captavam o som. Alguns aparelhos tinham também cornetas acopladas para amplificar o áudio.

A Rádio Sociedade Riograndense deveria manter-se por meio de mensalidades de 5 mil réis dos cerca de 300 associados, mas poucos pagavam. Sem fôlego para sustentar os custos de operação, encerrou melancolicamente as suas atividades antes de completar dois anos de vida.

Pouco tempo depois, o rádio já chegava a Pelotas, e é de lá a primeira emissora organizada em moldes comerciais, registrada, inclusive, como uma sociedade anônima. Era a Rá-dio Pelotense, até hoje em atividade. Com o seu prefixo POP, baseava a sua programação nas emissoras de Buenos Aires e Montevidéu. Tanto o estúdio quanto o transmissor ficavam no interior do Palácio dos Cristais, tradicional loja do centro da cidade, que tinha seus produtos oferecidos em reclames animados transmitidos pelo sistema.

Mas eram poucas as famílias que dispunham do aparelho. Astutamente, os donos do empreendimento passaram a alugar rádios receptores mediante a taxa de 25 mil réis mensais. E assim o negócio foi estruturando-se.

De olho no sucesso alcançado pela Pelotense, o empresário Carlos Ribeiro de Freitas seguiria o exemplo e faria a primeira transmissão da Rádio Gaúcha, apresentada à sociedade por meio do prefixo PRA-Q, A Voz dos Pampas, mais tarde mu-dada para PRC-2.

Os estúdios e o transmissor ficavam no 6º andar do Grande Hotel, na Rua dos Andradas, em frente à Praça da Alfândega. A aparelhagem constituía-se de uma vitrola a manivela, um microfone e uma enorme corneta, que servia para a propa-gação das músicas e da voz do speaker, como era chamado o locutor, além de alguns discos de acetato.

Page 119: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 119

A potência de 50 watts era inexpressiva, comparada aos 100 quilowatts atuais. Mas, para a época, tratava-se de um ambicioso empreendimento.

Tanto que a direção se preocupou em criar um departa-mento comercial, em que os locutores muitas vezes se trans-formavam em corretores de anúncios. Não demorou que o rádio se tornasse febre, transformando-se no primeiro veículo de comunicação de massa do país.

Assumido como veículo de integração nacional, o rádio foi criando uma base sólida de ouvintes. No Rio Grande do Sul, a crescente audiência abriu caminho para o surgimento das rádios Difusora e Farroupilha em meados da década de 30.

A Difusora, “transmitindo diretamente do seu salão grená”, surgiu em 1934, sob o prefixo PRF-9, graças à visão comercial de Arthur Pizzoli, proprietário da Casa Coates e representante dos rádios Philco. O seu objetivo era, evidentemente, o de vender receptores de rádio, discos, além dos próprios instru-mentos musicais e eletrodomésticos.

Já a Rádio Farroupilha, PRH-2, surgiu em 1935 e o seu nome era uma homenagem ao centenário da Revolução Farra-pa. Com potência única no Brasil de 25 quilowatts, instalada em morro da Bela Vista, era conhecida, por isso, como a mais poderosa.

Os amplos estúdios ficavam no alto da Borges de Medeiros com a Duque de Caxias e ali permaneceram até 1954, quando foram incendiados por populares inconformados com a morte de Getúlio Vargas.

O ESPAÇO DO DESPORTO

O Desporto sempre atraiu a atenção do público. E tradi-cionalmente, é a melhor fonte de renda das emissoras. Aliás, quando falamos de desporto, estamos a falar de futebol. E se hoje, como sustentou João Garcia na abertura da reportagem, as emissoras gaúchas são referência por fazerem o duplex, ou seja, a transmissão simultânea de jogos, até poucas décadas era difícil a simples veiculação de um único jogo.

Page 120: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade120

No final dos anos 30, Amaro Júnior e Rui Vergara Corrêa, da Farroupilha, transmitiam os jogos através de uma linha telefônica.

Foi na mesma emissora que Luiz Mendes começou a des-tacar-se como narrador, assim como Rafael Merolino. Ênio Melo era o comentarista.

Em 1951, Mendes Ribeiro estreava como narrador des-portivo, não tardando a ocupar a chefia do Departamento de Desportos da Rádio Gaúcha. Criou o bordão Deus não joga, mas fiscaliza. Com a inauguração da Guaíba, migrou para lá, auxiliado por Milton Ferreti Jung, repórter de campo, e pelo legendário e carismático Pedro Carneiro Pereira, que também era piloto de corridas. Walter Galvani conta como foi o seu último e inesquecível encontro com o colega, em 1973, ano em que Pedrinho, como era chamado, morreu num acidente automobilístico:

— Em uma sexta-feira, eu estava no gabinete do Francisco Antônio Caldas, filho do Dr. Breno Caldas e vice-presidente da empresa. Aí chegou o Pedro Carneiro Pereira, que o Dr. Breno queria que fosse diretor da TV2 Guaíba, em implan-tação. Nesse dia, o Francisco Antônio disse: Pedrinho, nós não podemos correr o risco de tu continuares praticando o automobilismo, que tu sabes que é um desporto de risco. Aí o Pedrinho disse: Domingo vai ser a minha última corrida. Eu vou me sagrar campeão gaúcho. Basta pontuar. Eu corro domingo, ganho o campeonato e, segunda-feira, anuncio o meu afastamento. No dia em que vocês quiserem, estarei pronto para assumir a direção da TV.

E aquela foi a última corrida dele.Muitos e muitos jornalistas e comunicadores passaram

pelo desporto. Cândido Norberto foi um deles.No ano de 1958, a Guaíba se consolidava como a emissora

líder no desporto, ao transmitir da Suécia a Copa do Mundo de futebol, com fidelidade de som até então jamais alcança-da em irradiações de grande distância. O feito deveu-se aos engenheiros Homero Simon, Alcides Krebs e Hélio Custódio, depois que Flávio Alcaraz Gomes, chefe da equipe, conseguiu do centro de comunicações de Berna as condições necessárias

Page 121: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 121

às transmissões. Mendes Ribeiro teve, assim, a oportunidade de fazer o público não apenas gaúcho, como de outros Esta-dos, manter-se ligado aos receptores de rádio, acompanhando com som praticamente instantâneo os jogos da Copa em que o Brasil se sagraria campeão.

Hoje, talvez mais do que nunca, o desporto representa para as emissoras fatia importante das suas programações. Os espaços mais nobres, por exemplo, são destinados ao futebol, enquanto já existem emissoras dedicadas exclusivamente aos desportos, como é o caso da Rádio Pampa AM.

A Pampa opera, inclusive, em duas frequências, e tem dado oportunidade aos ouvintes de se manifestarem sobre os seus clubes, dando opiniões por telefone.

OUTROS TEMPOS

A aquisição da Gaúcha marcou o início da construção da RBS, hoje o maior império de comunicação do sul do Brasil e um dos maiores do país.

A Rádio Gaúcha é um braço forte da rede, podendo ser sintonizada nas regiões mais distantes do país e também, em ondas curtas, na Europa e em toda a América.

Quando veio o satélite, passamos a ter um som mais puro, vencendo distâncias. Logo depois, chegamos ao telefone ce-lular, que teve a mesma importância que a portabilidade do rádio representou num primeiro momento, para enfrentar a televisão. E, agora, vem aí o rádio digital, que vai melhorar o sinal. Assim, o som AM passará a ter a qualidade do som FM, enquanto o FM vai ficar igual ao som de um CD. Ou seja, o rádio vem aproveitando magnificamente a evolução tecnológica A Gaúcha por exemplo, coordenada por Ranzolin, reestruturou-se ao longo dos anos, adotando um viés essen-cialmente informativo.

O seu conteúdo são reportagens, entrevistas e opiniões quase ininterruptamente. Na maioria das vezes, com um tom coloquial e improvisado. Para Cândido Norberto, no entanto, esse viés da improvisação, presente em várias emissoras bra-sileiras, constitui uma espécie de tendão de Aquiles do rádio:

Page 122: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade122

— É que os comunicadores abusam do direito de improvisar, o que põem risco a qualidade das informações que os ouvintes recebem.

Eu, que sempre dei muito valor ao texto, o que significa dizer menos improviso, se pudesse, teria tido uma equipe de redatores de rádio maior do que a que eu consegui juntar na Gaúcha. Entre eles, estavam talentos como Sérgio Jockymann e José Paulo Bisol.

O rádio realmente ajudou a formar alguns dos mais res-peitados comunicadores gaúchos, como Jayme Copstein, que comanda um dos programas de maior sintonia do rádio sulino, o Brasil na Madrugada, Lauro Quadros, dono de um caris-ma incomum, e Ruy Carlos Ostermann, o professor, um dos melhores entrevistadores do rádio brasileiro e comentarista desportivo que faz a diferença.

O RÁDIO TEATRO

Certamente não existe brasileiro acima de certa idade e com certa vivência cultural que não tenha ouvido uma peça de radioteatro. Foi sob a direção do carioca Peri Borges e de Estelita Bell que o “teatro do invisível” começou no Estado, no final da década de 30.

(César Celente ao vivo no estúdio da Rádio Gaúcha)

Page 123: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 123

Inicialmente, eram os sketches, interpretados por pequeno elenco da Farroupilha que desde cedo tinha como galã Valter Ferreira. Ele estava na maioria das histórias, geralmente ex-traídas integralmente de revistas ou de livros, como é o caso d’A Estalagem Maldita, grande êxito da época.

O sucesso dos radioteatros era tanto que, num único dia, a Farroupilha chegou a apresentar cinco montagens. Somente nos seis primeiros anos, foram 278 peças. Entre as grandes audiências, títulos como Em Busca da Felicidade, Um Rosário e Uma Saudade, Anoiteceu, Descansa Coração, O Impostor, A Dama das Camélias.

NOVELAS DE SUCESSO:

Entre outras: Hotel do luar, com Adroaldo Guerra, César Celente, Aida Terezinha – nessa novela os personagens mora-vam embaixo da ponte, e Adroaldo Guerra era um milionário que saia para a rua para viver como mendigo, e vivia com os outros embaixo da ponte.

O homem da Casa vermelha, com César Celente (Hermer, o mordomo da casa), Valter Ferreira, Pepeu Ornes, onde o personagem principal casava e matava suas esposas.

Segundo cálculos da própria emissora, em 1939, mais de 23 mil ouvintes acompanharam as interpretações, um índice e tanto para a época. Outro dado: no início dos anos 50, eram 12 novelas semanais.

E não porque eram boas, mas porque não havia nada melhor e, além disso, eram sempre garantia de centenas de ouvintes.

Ernani Behs, por exemplo, chegou a interpretar nove personagens simultaneamente: numa peça era cego; na outra, político, fazendeiro, escritor, médico, advogado, presidiário, boêmio, paralítico. Sobre a sua experiência como ator, con-tou certa vez ao amigo Sérgio Dillenburg uma passagem, no mínimo, rocambolesca:

— Em determinado capítulo, dois homens duelavam pelo amor de uma donzela. Era um duelo ao ar livre. E como eram ruídos dirigidos à vida rural, tínhamos sons de folhas secas,

Page 124: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade124

de pássaros cantando, sons de tiro ao ar livre, havia também mugido de vaca, relincho de cavalo, tinha de tudo. O opera-dor, que era um sujeito muito competente, marcava os ruídos que a gente usaria com uma fita durex. Mas, naquele dia, ele não marcou. Bem, estávamos no meio do duelo, viramos de costas, contamos 15 passos e ficamos esperando o tiro. Mas aí veio: Muuuu!!! Quando entrou aquilo, foi um horror no estúdio. O operador, nervoso, desligou tudo. Então, o Valter Ferreira, sem saber que o microfone estava desligado, gritou: Não te escondas atrás da vaca, covarde! Depois, disse outras asneiras. Mas isso não estava no ar. Quando voltou, contam que eu estaria dizendo: Não vá me matar a vaca! Depois, todos caímos na risada.

O radioteatro era, sim, uma garantia de sucesso, mas o veículo também tinha de se virar para surpreender o ouvinte. E aí vieram as mais variadas maluquices, como a transmissão de corrida de automóveis, feitas por Ernani Behs, que também saltou de paraquedas e mergulhou no cais do porto, ocasião em que levou o maior susto, quando começou a entrar água pelo equipamento.

Eu gostava de radioteatro, então fui estudar na Escola Má-rio Ornes, que ficava nas dependências da Rádio Farroupilha. Um dos criadores da Escola era Mário Ornes, que também trabalhava como professor, Valter Broda, e mais alguns que não me lembro agora.

Ali eu me formei e fui trabalhar na Rádio Gaúcha, ela tinha boa audiência e muitas e novelas: a da uma, das três, das seis, das oito e por aí lá vai. O Diretor do radioteatro era Valter Ferreira, Pepê Ornes dirigia novelas

Nas novelas trabalharam: Rena Ceriana e Leonor de Souza, Pepê Ornes, Luiz Sandin, Airton Duarte, Rosalina Corrêa, Jane Macedo, Adroaldo Guerra, José Fontes, Gerson Luiz, Carlos Augusto, Lídia Zuch, TIa Eva, Sanches Neto, Aida Terezinha, Linda Gay, a bela Rochele Hudson, Moacir Ribeiro, na con-trarregra, Luiz Bittencourt, na sonoplastia, As novelas vinham da Rádio Nacional, o script e aqui era copiado e distribuído. Tem muitos outros nomes do radioteatro, que não me lembro agora, é difícil.

Page 125: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 125

(Elenco do Rádio Teatro: César Celente, Pepê Órleans, Sanches Neto, Tia Eva, Esther Castro, Luiz Sandin, Carlos Nobre)

A Rádio Gaúcha ia bem, programação variada, audiência

fiel e integral, um dia fomos todos chamados para uma reunião

no auditório, todos os funcionários e atores reunidos com

muito borburinho, neste dia nos foi apresentada a pessoa que

iria mudar o rumo da comunicação no Sul do Brasil, Maurício

Sirotski (que era Maurício Sobrinho) e Arnaldo Bauvê os quais

tinham comprado a rádio e informaram a todos os presentes

que vinham para alavancar e marcar época no rádio brasileito.

Tive a oportunidade de ver nascer o movimento tradicio-

nalista, por obra de Paixão Cortes, Darcy Fagundes e Dimas

Costa.

(César Celente & Dimas Costa)

Page 126: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade126

No programa de variedades apresentado por mim ao vivo no Edifício União, conheci e trabalhei com Dimas Costa, um dos baluartes do nativismo. Naquela época pouco se falava em tradições gaúchas, mas pouco a pouco o novo movimento de retorno às origens foi tomando força e vigor. Hoje o amor às tradições gaúchas está presente em todos os rincões de nossa terra. Vejam a beleza do acampamento Farroupilha que a cada ano fica mais atuante.

Conduzida pelas mãos e pela voz de Maurício Sobrinho a rádio Gaúcha cresceu, tínhamos também a presença de Car-los Nobre, o maior humorista que o Rio Grande já teve. Ele, Nobre, era natural de Guaíba e por longos anos foi o dono da coluna mais tradicional do jornal situada na última folha de ZERO HORA, hoje ocupada por um homem que faz jus ao seu talento: Paulo Santana.

(Fortunato Ferreira, Fábio Silveira, Carlos Nobre, Ivan Castro, César Celente, Sanches Neto, Luiz Sandin, Domingos Terra e Carlos Augusto)

Carlos Nobre, era um dos principais humoristas da rádio Gaúcha, escrevia e dirigia programas de humor. Depois foi trabalhar na rádio TV Gaúcha, jornal do almoço, etc. Quan-do a TV foi se popularizando, o rádio diminuiu, o elenco de

Page 127: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 127

radioteatro fechou e os atores foram indenizados, justamente pelo Mauricio que sempre foi amigo de seus empregados.

Ivan Castro fazia o Show do Gordo, que acabou quan-do uma tragédia causou várias mortes na Avenida do Forte, quando estava indo para o programa.

(César Celente, Luiz Sandin, Ivan Castro)

Futebol em três tempos tinha um comentarista para cada time Eu falava sobre o Juventude, Carlos Nobre (que também editava o programa) sobre Inter e Grêmio, Fabio Silveira tinha um programa a meia-hora, tipo o que Zambiasi tem hoje, onde fazia broncas aos causadores de problemas a sociedade, mas se empolgou demais dando bronca, que morreu do coração, era muita gente pobre, doente, mal de vida, que ele ajudava, mas acabou não aguentando. Teve em estúdio e em auditório. Com auditório, Luis Sandin era o juiz, Leonor de Souza era a miss copa, e cada um ia caracterizado com a camisa de cada time. O maior foi no cinema castelo que era enorme ficou lotado.

Outro personagem marcante era Jota Bronquinha (que era o Fábio Silveira), trabalhava no humorismo e tinha um progra-ma de rádio com uma audiência fantástica. Neste programa ele

Page 128: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade128

ajudava os menos favorecidos e trabalhava para corrigir injus-

tiças. Hoje no rádio moderno podemos identificar a sua figura

com a de Sérgio Zambiasi, também um radialista formidável.

(Fábio Silveira o J. Bronquinha a voz do povo no rádio)

Um dos programas de maior sucesso na rádio daquela época

foi o “Futebol em três tempos”, que era dirigido e escrito pelo

Carlos Nobre. O programa de maior sucesso aqui no Rio Grande

do Sul. Ia ao ar todos os domingos e era apresentado ao vivo,

com a presença de grande público, era apresentado no cinema

Castelo na Av. João Pessoa quase com a Azenha e reunia os

mais famosos atores do rádio sul-rio-grandense.

Maurício foi contratando mais artistas para engrandecer

o elenco. Veio aí Paulo Ricardo trabalhar junto, e ficamos por

muito tempo trabalhando e atuando com muita vontade, com

muito prazer, aquilo tudo para nós era a melhor coisa do mundo,

encontrar as pessoas na rua, dar autógrafos, falar das novelas,

dos personagens... até que apareceu a televisão e o departamento

de radioteatro foi encerrado.

Page 129: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 129

Hoje a programação é outra, o rádio mudou, adaptou-se aos novos tempos, um programa de hoje que tem origens no rádio antigo é o do nosso amigo Sérgio Zambiasi.

Estudei radioteatro, e aí entrei para o teste da Rádio Gaúcha, 11º andar, edifício 1, Maurício Sirotski ainda não havia comprado a rádio. Ali tinha auditório e radioteatro, a TV aquele tempo não aparecia, existia no Rio e São Paulo. Fiz curso na escola Mário Ornes, irmão do Pepê Ornes, funcionava na Farroupilha.

Ao me formar, me deram chance em outra rádio, a Rádio Gaúcha. Aí passei a trabalhar no radioteatro, dirigiam Pepê Ornes, Valter Ferreira, e mais alguém que não me lembro. Aí apareceu Maurício Sirotski, e Arnaldo Bauvê, compraram a Rá-dio Gaúcha. Fizeram uma reunião, pelo ano de 55, no auditório, para apresentar o Maurício, novo dono, e o pessoal estava todo lá. Maurício era muito comerciante, em seguida ele contratou pessoal da Farroupilha, como se contrata um jogador hoje.

O Carlos Nobre fazia humorismo, como Fábio Silveira, Ester Castro, Ivan Castro. E eu César Celente, programa de auditório, “Futebol em três tempos”, e mais uns: “Balança mas não cai”, e programa que vinha de Rio e São Paulo, que era interpretado do script, tudo ao vivo (naquele tempo se gravava só novela, em fim de ano quando tinha férias).

A rádio Gaúcha, com Maurício subiu, desenvolveu-se, tor-nou-se líder de audiência e a Farroupilha passou para segundo lugar. Além dessas, havia a Rádio Difusora, que era 3º lugar.

(César Celente & Fábio Silveira – Rádio Gaúcha ao vivo no auditório)

Page 130: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade130

AUDITÓRIOS E GRANDES FESTAS

Se os radioteatros e as esquisitices inventadas pelos re-pórteres procuravam atrair a audiência e provocar uma bal-búrdia saudável entre o público, o que dizer dos programas de auditório?

O primeiro que se tem notícia, o A Hora do Bicho, era animado por Antônio Amábile, mais conhecido como Piratini. O programa era apresentado semanalmente na Difusora, entre o final dos anos 30 e meados da década de 40.

A fórmula para lotar o auditório da Rua 7 de Setembro era simples: sorteio de brindes, conjuntos musicais, cantores convidados ou amadores, além das indefectíveis piadas. Pi-ratini, entretanto, optou por largar o rádio e cuidar do seu comércio, uma joalheria.

Depois dele, começaram a aparecer programas de audi-tório em todas as emissoras. Na Difusora mesmo, havia o humorístico Serões da Dona Generosa, escrito por Érico Kra-emer, também conhecido como Roberto Lys, que era o mais sintonizado.

Já a Farroupilha dos anos 50 e 60 tinha o talento de Ary Rêgo, que apresentava o Clube do Guri, programa que revelou a genialidade precoce de Elis Regina. Mas foi Maurício Sirotsky Sobrinho quem marcou a época dos grandes programas de auditório.

Já em 1939, em Passo Fundo, dava os primeiros sinais de vocacionado comunicador. Trabalhando no Serviço de Alto-Falantes Guarany, convenceu o proprietário a lançar um pro-grama de calouros por meio dos alto-falantes. Projeto aprovado, Maurício colocava um microfone na janela do prédio onde estava a cabine de locução, enquanto centenas de pessoas, de pé, junto à Praça Marechal Floriano, participavam.

O sucesso da brincadeira motivou o convite, por parte de Arnaldo Balvé, para que Maurício trabalhasse com correta-gem de anúncios para as Emissoras Reunidas. Isso em Passo Fundo mesmo.

Seguiu no ofício, até que se mudou para Porto Alegre. Na capital, consagrou-se com o Programa Maurício Sobrinho.

Page 131: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 131

Veiculado pela Gaúcha diretamente do antigo Cinema Castelo, então um dos maiores da cidade, o programa se transformaria no maior acontecimento radiofônico desse gênero. Entre os astros e estrelas convidados, nomes como Lúcio Alves, Ân-gela Maria, Cauby Peixoto, Marlene, Agostinho dos Santos, Emilinha Borba e Dircinha Batista, todos com cachês pagos.

“O programa do Maurício constituiu o antes e o depois do rádio rio-grandense”, enfatiza Ênio Rockenbach. E relembra:

— No final das audições, eu e Salimen Júnior embarcáva-mos no reluzente Chevrolet do Maurício e íamos para o centro bebericar na Confeitaria Indiana. Muitas vezes, ficávamos os três sentados, eu e o Salimen ouvindo o Maurício falar sobre os seus projetos e sonhos. Ele fazia sempre um misterinho sobre determinada tacada que pretendia dar. Um desses mistérios, depois ficamos sabendo, era a compra da Rádio Gaúcha, do Arnaldo Balvé.

A programação era parecida com a de hoje: Havia noticiá-rio, programa esportivo (de futebol, com Mendes Ribeiro, que saiu da Farroupilha para a Gaúcha), mais muitas novelas, tinha até locutor que gaguejava. A programação era o dia inteiro.

Maurício Sobrinho tinha programa de auditório e era animador na rádio, programa de calouros, Elis Regina surgiu num programa de auditório da rádio. Um dia estávamos lá em cima, num café, Elis estava junto, pois não era famosa naquele tempo, mas era cantora, ela estava com uns livros que ela estudava, então perguntei: — Elis, o que é a felicidade para você? Ela respondeu: “É a capacidade de adaptação ao meio-ambiente, isto é a felicidade”. Um cantor que estava sur-gindo era Teixeirinha, logo ganhou fama, começou cantando na rádio Gaúcha.

Gaúcha de Porto Alegre, Elis nasceu em 17 de março de 1945. Aos 7 anos fez sua estreia como cantora em um pro-grama de rádio chamado Clube do Gurí.

Durante 2 anos, dos 9 aos 11 anos, cantou semanalmente nesse programa, tornando-se famosa na cidade como cantora mirim.

Desde aquela época já se notava o que seriam suas marcas registradas de personalidade: insegurança e nervosismo.

Page 132: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade132

Elis carregou consigo essas características por toda a sua vida e nunca reconheceu em si mesma o que todos reconhe-ciam: ela era a maior cantora do Brasil.

Antes dos 14 anos assina seu 1º contrato com uma estação de Porto Alegre, a Rádio Gaúcha.

Apesar das resistências da mãe, ela prossegue na carreira e, em pouco tempo, já está sustentando a família.

Aos 15 anos grava seu 1º LP (Brotolândia). Rapidamente se sucedem mais 2 discos...

Em 1959 o primeiro contrato profissional, com a Rádio Gaúcha de Porto Alegre, para se apresentar no Programa Mau-rício Sobrinho de Maurício Sirotsky Sobrinho.

Grava para a Continental um compacto simples com as músicas: Dá sorte e Sonhando.

Cursa seis meses de clássico no Colégio Estadual Júlio de Castilhos e transfere-se para o curso normal da Escola Diogo de Souza. Grava o primeiro LP para a Continental: “Viva a Brotolândia”, produção de Nazareno de Brito. 6 de dezembro: Com uma grande festa, Elis é coroada “Rainha do Disco Clu-be”, em Porto Alegre.

Em 1962 grava o segundo LP para a Continental: “Poema”. 31 de dezembro: Recebe no Salão de Atos da PUC, em Porto Alegre, o prêmio de melhor cantora do ano.

Page 133: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 133

Depois Grava, para a CBS, O LP “O Bem do Amor”, pro-duzido por Evandro Ribeiro. Abandona o curso normal ao terminar o segundo ano.

Em março de 1964, Elis transfere-se para o Rio de Janeiro. Assina contrato com a TV Rio, onde participa do programa Noites de Gala, Trio Iraquitã, Jorge Ben e Wilson Simonal.

“Amo a música, acredito na melhora do planeta, confio em que nem tudo está perdido, creio na bondade do ser humano se intuo que loucura é fundamental. Agora só me faltam carneiros e cabras pastando no meu jardim. Viver é ótimo.”

Elis

Também atuava em teatro. A melhor lembrança que tenho foi da peça “Os Passos de Jesus”, escrita e dirigida pelo sau-doso Procópio Ferreira, encenado no Teatro São Pedro, toda a minha família atuou nesta peça. Mais tarde para assistir tive de ir na casa de um vizinho. Não se ganhava muito, por volta de 2 salários.

Poucos tinham carro, a turma, por brincadeira, olhava o carro por trás: O que tinha mais sinaleiras era o mais rico.

César Celente & Dulce Pereira Dias (atriz)

Das mulheres, lembro de Rochele Hudson, atriz, uma das estrelas, Aida Terezinha era a ingênua e a Leonor de Souza

Page 134: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade134

trabalhava junto dela, fazendo a Dama Central, a Linda Gay, tinha Mariza Fernanda, também.

Em resumo, o radioteatro era programas de auditório, música, humor, esporte e novelas.

Os programas caipiras faziam grande sucesso, pois busca-vam raízes no povo do interior do Brasil e com muito bom humor e criatividade encantavam o povo gaúcho.

O RÁDIO E A TV

De repente, apareceu alguém para fazer um circuito fe-chado de televisão, a televisão ficava lá embaixo na rua, o aparelho receptor. O Maurício então gostou da TV, que tinha na Rádio Farroupilha, no morro Piratini. Um técnico dos bons, conseguiu criar um circuito por conta própria, o Maurício se entusiasmou, arrumou um sócio e abriram uma TV, onde agora é a RBS.

Como ainda não era popular, por poucos possuírem o aparelho de TV, o forte ainda era o rádio.

Com o surgimento da televisão, o rádio teve que, pro-gressivamente, encontrar outros espaços.

Na sala das pessoas, o rádio perdeu lugar para a TV. E quando isso aconteceu, percebeu-se que ele não podia ser mais um receptor estático.

Tinha de ser um receptor portátil. Enquanto o rádio pro-curava alternativas para se manter, a TV, por outro lado, ia se apropriando e adaptando a programação radiofônica ao seu formato. É lícito dizer que a maioria dos primeiros programas de TV era totalmente inspirada no parente mais velho. Aliás, grande parte dos apresentadores desse novo veículo também vinha do rádio.

E, se muita gente, acostumada às imagens por vezes eston-teantes exibidas na televisão, vê no rádio um veículo limitado devido ao fato de ele, justamente, não trabalhar com imagens, o veterano Cândido Norberto faz a justa defesa dos sons e das palavras: — Eu sustento a tese de que o rádio tem as imagens mais bonitas que se pode dispor. É aquela história da imagem criada pela imaginação de cada um dos ouvintes,

Page 135: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 135

ao toque mágico desta coisa fantástica chamada palavra. A palavra deflagra o processo da criatividade.

E o ser humano, por mais humilde, por mais ignorante que seja, tem imaginação que extrapola, que supera a melhor imagem da TV. Cada ouvinte faz a sua bela mulher, que pode ser alta, magra, esguia, gordinha...

E é informando ouvintes, fazendo companhia a centenas de milhares de pessoas e sugerindo que podem ser as mais sublimes imagens, que o rádio tem não apenas se mantido e se superado, como conquistado admiradores e ouvintes dentro e fora do Estado.

O MUNDO DO RÁDIO

Comunicação Verbal

O Surgimento do Rádio

Para que fosse possível existir a radiodifusão nos moldes que conhecemos hoje, foi necessária uma série de fatos como:

– O surgimento do telégrafo elétrico em maio de 1844– A previsão das ondas de rádio feita por James Maxwel em

1860, que só foram realmente descobertas em 1887 por Hertz.No início da década de 1880, surgiu o telégrafo sem fio,

possibilitando a comunicação entre lugares mais distantes, em 1896 o primeiro sistema de radiocomunicação foi registrado em 1897, ocorreram as primeiras transmissões marítimas e a radiotelefônia possibilitou a transmissão da voz humana pela primeira vez às vésperas do natal de 1906, que só foi possível, com a utilização da válvula elétrica de Lee Forest, melhorando e possibilitando a radiodifusão.

A primeira vez em que se levantou a possibilidade do rádio ser usado como um veículo de comunicação de massa, foi quando David Sarnoff enviou um memorando para seus superiores, após ter transmitido notícias sobre o naufrágio do Titanic, e com isso ter notado que o público deu grande atenção.

Depois disso levaram aproximadamente 10 anos para que se tornasse um fato real o rádio como meio de comunicação de massa. Também em 1919, instalou-se uma emissora ex-perimental em New York, mas o rádio só tornou um meio

Page 136: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade136

de comunicação de massa anos depois, ganhando grande popularidade.

Rádio no Brasil

No fim da década de 1890, um padre brasileiro, Rober-to Landell, conseguiu transmitir sinais que ultrapassaram as transmissões conseguidas anteriormente. Essa transmissão foi realizada na avenida Paulista, próxima ao Trianon e pode ser ouvida em um raio que atingiu Santana, mas sendo tachado de padre espírita, teve seus aparelhos destruídos.

Depois disso foi para os Estados Unidos onde patenteou seus aparelhos: transmissor de ondas, o telefone sem fio e o telégrafo sem fio.

“Pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo progresso do Brasil”

A primeira transmissão oficialmente registrada no Brasil, ocorreu em 1922, fazendo parte das comemorações do cen-tenário da independência, através de equipamentos cedidos pela Westinghouse e instalados no morro do Corcovado, e a primeira pessoa a utilizar o microfone foi o presidente Epi-tácio Pessoa. Embora essa data não possa ser considerada o início do rádio no Brasil, ela foi importante, pois despertou o interesse em pessoas como Roquette Pinto, considerado o pai da rádio brasileira, que se juntou a amigos e fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, tendo sua primeira transmissão em 20 de abril de 1923.

Como o próprio nome diz, era uma sociedade de pessoas que pagavam uma determinada taxa para a sua manutenção. A programação era elitizada, dando um grande enfoque para a educação, músicas eruditas e notícias, tendo como slogan: “Pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo progresso do Brasil”.

A qualidade do som era ruim, sendo prejudicada pela falta de pessoas qualificadas para trabalhar e por isso, trans-mitia algumas horas de programação ao dia. Devido a essa falta de qualidade na transmissão, quando surge a segunda

Page 137: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 137

estação de rádio, A Rádio Clube do Brasil em 1924, é ne-cessário que haja uma divisão da transmissão, sendo que uma delas transmitia às segundas, quartas e sextas-feiras e a outra às terças, quintas e sábados, sendo que aos domingos não havia programação.

Um grande poder político

Nessa nova fase, o rádio adquiriu um grande poder polí-tico, principalmente utilizado na campanha de Getúlio Vargas e Júlio Prestes. Getúlio Vargas foi quem consagrou o poder político do rádio, utilizando-se desse meio para seus pronun-ciamentos. Em seu governo surgiu o DOP (Departamento Oficial de Propaganda), este mesmo órgão, que legalizou as propagandas, instituiu a Hora do Brasil que passou a ser veiculação obrigatória em todas as rádios, diariamente e no mesmo horário – este programa existe até hoje.

Com a profissionalização e melhoria dos serviços do rádio fez com que aumentasse a venda de receptores e consequen-temente houve a popularização e interesses dos anunciantes. Daí surgiram os jingles (inicialmente eram versinhos, que mais tarde o apresentador Casé teve a ideia de musicá-los).

Foram introduzidos em um bom momento da economia, por isso fizeram muito sucesso, sendo o primeiro jingle exi-bido no programa Casé, o seu criador).

Programas de Calouros atraem Grande massa

Como o meio já atingia uma grande massa, começou a ocorrer uma disputa entre emissoras, que começaram a diversificar sua programação para conseguir uma maior au-diência. Essa diversificação também foi possível devido aos recursos arrecadados com as propagandas.

Nos anos 30 começaram as transmissões esportivas com jogos de futebol e corridas de cavalo. Surge também na mes-ma década os programas humorísticos, com adaptações de peças, que tem seu auge na década de 40.

Na mesma época surgem os programas de calouros, cuja população mais pobre vê uma forma de ascensão social e ao

Page 138: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade138

mesmo tempo uma forma de lazer, este tipo de programa obteve seu auge nas décadas de 40 e 50. Neste período surge a caitituagem, que consiste no fato de astros pedirem aos locutores para divulgarem suas músicas. Outra novidade é a crítica jornalística que comentava fatos ocorridos e músicas.

Repressão incrementa Indústria Fonográfi ca

Com a popularização, o rádio começa a exercer for-te influência, incomodando o governo federal, que come-ça a supervisioná-lo, e este ato partiu principalmente dos contrarrevolucionários.

Essa grande influência chamou a atenção da indústria fonográfica, que comprou várias estações de rádio, para usar como um modo de divulgação.

Uma das evidências da consolidação do rádio foi quando empresários do ramo começaram a formar associações para a defesa de seus direitos. A primeira delas surgiu em 1933 com o nome de Associação Brasileira de Rádio, a ABR, que formou uma rede de emissoras indo ao ar diariamente. Logo depois surge a Sociedade Paulista de Rádio, hoje chamada de Associação das Emissoras de Rádio.

Começaram a surgir os conglomerados de comunicação, compostos inicialmente por jornais, rádios e posteriormente pela televisão.

Um exemplo desses conglomerados foi aquele feito por Chateaubriand, que formou uma rede nacional com emissoras de rádio e os jornais Diários Associados.

Nesta época entrou em ação o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que predeterminava os assuntos transmitidos nas rádios, e as partes mais afetadas foram o jornalismo e o humorismo.

Radionovela

Iniciou-se na década de 40 um gênero muito popular: as radionovelas, ocupando principalmente o horário noturno, e obtiveram seu auge na década de 50.

Page 139: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 139

Americanização dos costumes

Nesta mesma década uma figura de sucesso foi o Repór-ter Esso, que fazia um radiojornalismo objetivando integrar pessoas, rádio e informação.

Também começaram a surgir revistas especializadas em rádio, que falavam sobre a vida dos astros, e modelos que reforçavam sua posição inatingível, as principais foram: Ra-diolândia e a Revista do Rádio.

Na década de 50 surgiu a era do populismo, com uma grande inserção de músicas estrangeiras na programação, principalmente americanas. A programação começou a evi-denciar um modo de vida urbano, sendo o rádio um veícu-lo ideológico e de estimulação do consumo. Ocorreu uma americanização dos costumes.

Este período foi a era de ouro da Rádio Nacional, (um elemento de integração nacional, ouvida em todo o país), e também dos seus programas de auditório, um exemplo era o programa César de Alencar, com um público de maioria feminina, apelidadas de “macacas de auditório”, as transmis-sões da Copa do Mundo de 1950 e 1954 consagraram os programas esportivos.

Nesta mesma época chega ao Brasil a TV, que mesmo pegando muitos profissionais do rádio, não alterou muito sua estrutura e nem sua popularidade, pois ocorreu o mes-mo que ocorreu com a chegada do rádio, o alto preço do aparelho elitizava o veículo, mas causou uma dúvida quanto ao futuro do rádio.

Embora a televisão não tenha prejudicado a existência do rádio, este teve que se adaptar a uma nova situação não mais hegemônica, entre elas o fim dos programas ao vivo.

Praticamente tudo começou a ser gravado, foi quando surgiram os disque jóqueis, que tocavam vários programas de música.

O rádio manteve-se como meio de comunicação de mas-sa, até os dias atuais com poucas adaptações para o mercado.

Page 140: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade140

Curiosidades

No Rio de Janeiro, os cinemas deixavam de exibir as ma-tinês dos sábados, face à concorrência do Programa César de Alencar.

Emilinha Borba (Programa César de Alencar) e Marlene (Programa Manoel Barcelos) foram as rainhas do rádio.

Sarita Campo produziu programas femininos, e muitos afirmam que ela tenha dado início ao movimento pelos di-reitos das mulheres.

Abelardo Barbosa, ficou conhecido como Chacrinha, a partir de um programa da rádio Fluminense que era localizada em uma chácara.

Atualidades do rádio

As rádios brasileiras são muito heterogênias. As diferen-ças já começam nas transmissões AM e FM que atingem um público muito distinto. Mesmo dentro de cada onda existem diferenças de acordo com os ideais de cada emissora.

As rádios comunitárias tentam enfocar uma determinada região para que possa interagir com a comunidade, sem fins lucrativos a serviço do social. Essas rádios não seguem o mesmo padrão estético das rádios comercias. Os seus locutores, por exemplo, apresentam diferentes sotaques, pois o importante é a identificação com seu público e não um som padronizado.

Já as rádios pertencentes à igreja, utilizam deste meio para pregar suas concepções religiosas. Mesmo aquelas que não o fazem diretamente, acabam embutindo seus ideais de alguma forma dentro da programação.

Há também as rádios pertencentes a políticos, mesmo não podendo influenciar diretamente a população, acabam fazendo de alguma forma discreta.

E finalmente as rádios com caráter apenas comercial man-tém uma programação voltada para o lucro imediato.

É importante destacar, que a lei está do lado das rádios comerciais.

As rádios comunitárias quando são descobertas perdem todos os seus equipamentos e são fechadas, isso acaba com a

Page 141: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 141

concorrência e consequentemente decai a qualidade da pro-gramação das rádios em geral.

Tendências

Atualmente existem novas tendências que estão se expan-dindo, como por exemplo, a transmissão de rádios através de canais de televisão por assinatura, e também principalmente a rádio na Internet que muitos afirmam ser o presente e o futuro da rádio difusão.

Os pontos comuns entre todos os tipos de rádio, estão na comunicação ágil e instantânea, na influência que exerce sobre seu público e seus hábitos de consumo, na interação com o público, nas prestações de serviços à população, e no fato da grande maioria oferecer uma programação variada.

A ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL

Expansão do Ciberespaço

No livro “Teorias da Comunicação de Massa”, o estudioso Melvin de Fleur propõe a divisão da história do ser humano em etapas referentes à evolução da capacidade deste de trocar, difundir e registrar informações, ao contrário da tradicional distinção calcada nos graus de desenvolvimento tecnológico e/ou político alcançados. A proposta, inovadora, interessa especialmente pela constatação de que foram os avanços na comunicação os principais responsáveis pelo atual nível de progresso em que se encontra a humanidade.

EXPANSÃO:A Internet foi criada na década de 1960, como ferramenta

de uso do governo dos Estados Unidos – e, pouco mais tarde, como instrumento de pesquisas e trocas científicas entre uni-versidades desse mesmo país – e assim permaneceu até os anos 90, mais precisamente a partir de 1995, quando começou seu processo de popularização – no qual a concepção da World Wide Web (www) teve papel fundamental.

Page 142: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade142

Os números do crescimento da rede mundial de com-putadores são fabulosos, e processam-se em uma velocidade muito superior ao de outros veículos de comunicação de massa, quando do surgimento destes.

Dos 30 milhões de usuários da Internet no planeta, em janeiro de 1996 (cerca de 0,73% da população mundial), che-gou-se a mais de 1 bilhão de pessoas em abril de 2010.

No Brasil, os dados ainda são mais impressionantes: 67,5 milhões de internautas segundo o Ibope/Nielsen em dezembro de 2009. Em setembro eram 66,3 milhões. Ou seja: em apenas 3 meses surgiu 1,2 milhão de novos brasileiros e brasileiras com mais de 16 anos na internet. O Brasil é o 5º país com o maior número de conexões à Internet.

A Internet e as perspectivas de aprimoramento da democracia

A configuração dominante na esfera política da atualidade é a forma triangular mídia-pesquisa-eleições, onde cada pon-to reforça o anterior – as sondagens reforçam o pleito, que reforça a mídia, que reforça as pesquisas – em uma estrutura fechada. Os eleitores formam a base sobre a qual o triângulo apoiam-se sem, contudo, participarem de maneira efetiva ou interferirem no processo político que o envolve.

Assim, as questões colocadas nas pesquisas eleitorais che-gam prontas, cabendo ao entrevistado respondê-las negativa ou afirmativamente. A outra ponta do triângulo é a das eleições, onde cada um que vota ajuda a balança a pender para um ou outro lado – utiliza-se, nesses casos, uma espécie de poder de massa para que um político, ou um programa de governo, ascenda ao poder.

Não há, nessa estrutura, nada que trabalhe a inteligência ou a percepção individual das pessoas. A individualidade é apagada, a singularidade é desconsiderada – e nem poderia ser de outro modo, dada a configuração vigente. É a demo-cracia massificada.

A Era da Comunicação Virtual fornece, portanto, os meios de restauração de uma democracia direta em grande escala

Page 143: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO 143

– que antes só poderia funcionar em um círculo limitado de pessoas. Essa seria uma forma de democracia diversa do sistema de representação – cuja organização política remete a um centro de decisão, e se torna “obsoleta na medida em que é tecnicamente obsoleto que as decisões sejam centralizadas”.

Há que ser feita uma ressalva a respeito dessas conside-rações no campo da política. Embora existam tanto os meios tecnológicos quanto as formulações teóricas para essa evolução da democracia, o modelo proposto ainda está muito longe de tornar-se realidade.

Trata-se, ao menos no momento, de uma utopia. Não obs-tante, a inclusão desse item nesta pesquisa encontra-se justifi-cada no que se refere às possibilidades de mudanças surgidas com a Internet.

A Internet em contraposição ao Modelo da Espiral do Silêncio

O Modelo da Espiral do Silêncio foi elaborado pela estudio-sa Elizabeth Neuman, na Alemanha, a partir de análises sobre campanhas eleitorais entre 1965 e 1972, quando foi constatada uma significativa diferença entre as intenções de voto captadas pelas sondagens e a vitória de um partido político.

Dessa forma, o modelo formulado trata da tendência ao silêncio de pessoas que constatam ser minoritária a sua opinião – diante de uma ideia majoritária, elas estarão mais propensas a se calar, evitando o isolamento e se associando aos conceitos dominantes.

A opinião minoritária entra, então, em um movimento espiral descendente, rarefazendo-se cada vez mais. Os estudos desse modelo surgiram, principalmente, a partir da difusão maciça da televisão e do reconhecimento do conceito de “opi-nião pública”. Consequentemente, foram formulados com vistas à atuação dos meios de comunicação de massa que, como já foi dito, concentram o poder de comunicar e informar – o modelo “Um e Todos”.

A descentralização desse poder ocasionada pela Internet derruba o Modelo da Espiral do Silêncio. A rede estabelece

Page 144: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade144

interconexões entre pessoas dos mais diferentes lugares do planeta, facilitando, portanto, o contato entre elas e a busca por opiniões e ideias convergentes. Há, ainda, a possibilidade de se criar, sem custos ou conhecimentos técnicos superiores, páginas a respeito dos mais diversos temas, o que acaba por estabelecer comunidades virtuais sobre determinado assunto – que pode ou não ser minoritário na totalidade da população.

Como Prova da eficiência da Internet em construir esse novo ideal de difusão de opiniões está na multiplicidade de temas que podem ser encontrados dentro dela. Além dos sites, merecem consideração as listas de discussão e as redes sociais, que agregam pessoas interessadas em um dado assunto.

A heterogeinização promovida pela rede de computadores tende, dessa forma, a acabar com a consonância (a maior cir-culação de mensagens semelhantes que diferentes) e a acumu-lação (a criação e manutenção da relevância de um tema pelos massa media) estudadas no Modelo da Espiral do Silêncio.

Page 145: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

Encerramento

HOMENAGEM A TEREZINHA DIAS

Faço aqui uma homenagem a uma mulher dona de uma voz encantadora, que era capaz de levantar aplausos de uma plateia que de pé grita bravo! Ninguém me contou, eu assisti uma massa vibrando com uma voz que só podia ser um dom divino.

Hoje ela canta e encanta na grande Rádio Celestial, onde os músicos estão misturados com os anjos.

(Terezinha Dias & Plauto Cruz)

Música é cultura, principalmente a boa música, aquela ligada aos valores da nossa terra, por esta razão estamos home-nageando esta cantora premiada do Rádio Gaúcho e Brasileiro. Trata-se de Terezinha Dias.

Page 146: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade146

TEREZINHA DIAS, cantava desde os 12 anos. Uma das mais premiadas artistas dos antigos programas de auditório do rádio gaúcho, era talvez a mais afinada cantora de choro do Rio Grande do Sul. Considerada a grande cantora dos anos de ouro da música brasileira.

Foi homenageada em 2002, recebeu o reconhecimento de seu trabalho pelo Sindicato dos Músicos do Rio Grande do Sul, por sua contribuição à cultura musical da nossa terra.

Dentre outros locais, ela se apresentou: Teatro São Pedro, Teatro Renascença, Teatro de Arena, Auditório Dante Baroni – Assembleia Legislativa, Casa Godoy, Auditório Araújo Via-na, Casa de Cultura Mário Quintana, DC Navegantes, Projeto Trensurb.

Seu repertório era bem variado, incluindo principalmente os clássicos dos grandes compositores de nossa música., tais como: O Tango e o Samba – Assis Valente, Doce de Côco – Jacob do Bandolin, Camisa Listrada – Assis Valente, Mareny – Plauto Cruz / Ela disse que tem – Assis Valente, A Hora do Calouro – Ney Lopes / Sem Compromisso – Terezinha Dias, O que vier eu traço – Jacob do Bambolim, Vou vivendo – Plauto Cruz / Apanhei-te cavaquinho – Ernesto Nazareth, Roseira branca – Assis Valente, Embarcação do amor – Assis Valente, Doce ternura – Plauto Cruz / Pedacinhos do céu – Valdir Azevedo, Brasileirinho – Valdir Azevedo.

Cantava acompanhada por profissionais de alto nível, pelos também pelos conhecidos músicos:

PLAUTO CRUZ é considerado pela crítica especializada um dos maiores flautistas do país, ao lado de Altamiro Carrilho.

Ganhador de inúmeros prêmios como o melhor instru-mentista em festivais, tem a fama de uma rara capacidade de improvisação.

Também acompanham CHICO PEDROSO no cavaqui-nho e GUARACY GOMES no violão e ANDRÉ ROCHA na percussão.

Está registrada a homenagem a esta cantora, que cantava e encantava a plateia que teve o privilégio de assisti-la.

Terezinha, que Deus te abençoe e proteja!

Page 147: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

ENCERRAMENTO 147

DEDICATÓRIA

Meu nome de batismo é Darcy Celente, mas meu nome artístico pelo qual sempre quis ser conhecido é César Celente, tanto que quando nasceu meu filho registrei-o com este nome, para não ficar idêntico ao meu e quem sabe herdar os defei-tos do pai, adicionei Antônio, nome que também me agrada muito, significa Vanguarda. Então, onde neste livro falar em César Celente saiba que estão falando de mim. Dedico esta obra a meu pai Alfredo, minha mãe Regina, a meu irmão Pe-dro Paulo, com quem gostaria de ter convivido mais, a minha cunhada Ana, a minhas sobrinhas “as alemoas”, minha mulher e companheira de jornada Dulce, meus filhos Rosângela, Paulo Ricardo, Antônio César meu parceiro e escritor desta obra, Kátia Adriana a caçula, também aos netos e netas, aos meus irmãos de jornada e a outros tantos que tenho por aí, vejam só quanta gente.

(César Celente – Edifício União – sede da Rádio Gaúcha)

Também aos meus companheiros de rádio, locutores, re-pórteres, sonoplastas, contrarregras, radioatores, humoristas e tantos outros personagens do rádio romântico de tempos que não voltam mais. Ainda hoje quando adormeço posso escutar aquelas vozes fantásticas de pessoas maravilhosas dos deuses da arte da comunicação de massa.

Page 148: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade148

Posso ouvir o Maurício Sobrinho, o Fábio Silveira (J. Bron-

quinha) meu companheiro de grandes jornadas, a Esther Cas-

tro, a Rochele Hudson uma voz encantadora, o Ivan Castro,

o Carlos Nobre, o Sandim, o Jorcely Marques, o enigmático

Pinguinho, aos locutores da Cadeia da Legalidade principal-

mente ao Lauro Hagmann (Repórter Esso), Abel Gonçalves

e aos que fazem do rádio um veículo eterno como o grande

amante do rádio, que fez dele um sacerdócio, Derli Queiroz

e tantos outros que estão gravados no meu coração, mas que

a memória me trai.

Deixo o recado o para as novas gerações, não deixem o

rádio acabar, a sua missão é de aproximar as pessoas dos mais

diversos recantos do planeta. Aos estudantes de comunicação

o meu apelo, usem o seu talento a favor do povo, o rádio

é formador de opinião e vocês representam o presente, tra-

balhem pela Liberdade de imprensa e pela Igualdade e pela

Fraternidade dos povos.

Sinto que a vida valeu a pena, foram anos e anos envolvidos

com a Magia do Rádio, onde vivi momentos imemoriáveis,

onde pude viver com toda a intensidade, onde conheci pes-

soas, fiz amigos, enfim participei deste verdadeiro movimento

social chamado rádio.

Este livro tem por objetivo deixar gravado um pouco do

sentimento daquela época, talvez eu não esteja por aqui para

ver este livro publicado, mas podem ter certeza que onde eu

estiver estarei feliz por você está lendo estas linhas que retratam

um passado de glórias e projetam um futuro com esperança

para o povo brasileiro.

Page 149: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como

ENCERRAMENTO 149

EPÍLOGO

Meus diletos leitores, na história do rádio não há epílogo, cada radialista representa a continuidade do trabalho de outro que o antecedeu. O rádio é o meio de comunicação de mas-sa mais importante da humanidade, por isso teve seu início, porém seu final é indeterminado, enquanto existir vida nes-te planeta algum radialista estará trabalhando para informar, instruir e fazer a notícia chegar aos lugares mais distantes, trabalhando em prol da construção de um mundo melhor, mais justo e mais fraterno.

ALDEIA GLOBAL

“Haverão dias em que não mais existirão fronteiras, barrei-ras, discriminação, racismo e tantas outras chagas que afligem a humanidade, neste dia haverá uma nova ordem planetária o Reino da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.”

Até Logo! Antônio César Celente

Page 150: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como
Page 151: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como
Page 152: O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961 - files.comunidades.netfiles.comunidades.net/professorcelente/O_bombardeiro_do_Piratini_2.pdf · contigo, pois sabemos que, assim carregados como