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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O CABIMENTO DO HABEAS CORPUS NAS PUNIÇÕES DISCIPLINARES MILITARES JEAN CARLOS CAETANO Itajaí , junho de 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O CABIMENTO DO HABEAS CORPUS NAS PUNIÇÕES DISCIPLINARES MILITARES

JEAN CARLOS CAETANO

Itajaí , junho de 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O CABIMENTO DO HABEAS CORPUS NAS PUNIÇÕES DISCIPLINARES MILITARES

JEAN CARLOS CAETANO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Mestre Rogério Ristow

Itajaí, junho de 2007

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AGRADECIMENTO

Agradeço:

Ao nosso DEUS SUPREMO por ter me permitido concluir mais um objetivo na minha vida, que não

é o fim, mas sim um novo começo de mais uma etapa a seguir;

Aos meus pais, MOACIR CAETANO e MARI SOLANGE CAETANO, pela presença constante,

pelo apoio incondicional e pela torcida, e acima de tudo por terem me deixado o legado básico dos

verdadeiros valores e princípios de vida;

Ao Professor Mestre ROGÉRIO RISTOW que me orientou com dedicação, brilhantismo e

competência sendo essencial para a conclusão deste trabalho.

MUITO OBRIGADO!

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha esposa ADRIANA CAMPOS CAETANO , por fazer parte da minha vida, tendo compartilhado toda essa trajetória, sempre me incentivando e fortalecendo, posto que juntos, obtivemos mais esta conquista em

nossas vidas.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 25 de junho de 2007

JEAN CARLOS CAETANO Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Jean Carlos Caetano, sob o título

“O Cabimento do Habeas Corpus nas Punições Disciplinares Militares", foi

submetida em 13 de junho de 2007 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Rogério Ristow (orientador e presidente da banca),

Emerson (examinador)e Renato Massoni (examinador), e aprovada com a nota

[10] (Dez).

Itajaí, Junho de 2007

ROGERIO RISTOW Orientador e Presidente da Banca

[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF Constituição Federal

CPM Código Penal Militar

CPPM Código de Processo Penal Militar

RDE Regulamento Disciplinar do Exército

RDM Regulamento Disciplinar da Marinha

RDAER Regulamento Disciplinar da Aeronáutica

RDPMSC Regulamento disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina

RDE R-4 Novo Regulamento do Exercito Brasileiro aprovado pelo decreto nº 4.632 de 2002 que revogou o antigo RDE

LOJMU Lei de Organização da Justiça Militar

OM Organização Militar

STM Superior Tribunal Militar

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Supremo Tribunal de Justiça

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Crime Militar

“Num sentido genérico, diz-se crime militar todo o delito ou infração prevista e

punida pela lei penal militar”.1

Direito Militar

“Assim se entende o conjunto de leis e regulamentos que disciplinam as forças

armadas de um país, instituído todas as regras indispensáveis à execução de

suas elevadas finalidades, em tempo de paz ou em tempo de guerra”.2

Direito Militar Disciplinar

“Tem por objeto as regras próprias à disciplina militar, ou sejam, as normas que

tendem a manter respeito e a ordem entre comandantes e comandados, em

virtude das quais se instituem os deveres que são da obrigação de todos os

membros componentes da corporação”.3

Habeas Corpus

“instrumento do direito processual penal, mediante o qual alguém, preso, detido

ou ameaçado em seu direito de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder, tem o

direito subjetivo público de exigir, em juízo, do Estado, cumprimento de prestação

jurisdicional, que consiste na devolução imediata de seus status quo ante”.4

Militar Brasileiro

1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8.ed. Rio de Janeiro: forense,1984.4v.p90. 2 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8.ed. Rio de Janeiro: forense,1984.4v.p90. 3 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8.ed. Rio de Janeiro: forense,1984.4v.p90. 4 CRETELA JUNIOR, Jose. Comentários à constituição Brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro.Forense Universitária,1995.6v.p.589.

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Individuo que faz parte de Organização Militar Brasileira, podendo ser Federal:

Exercito, Marinha e Aeronáutica, ou Estadual: Polícias e Corpo de Bombeiros

Militares5.

Paciente

“(...) paciente é sempre designação dada à pessoa que vai sentir os efeitos de

ação, em regra, praticada por outrem”6.

Remédio Jurídico

“Remédio. Assim, numa concepção jurídica, sem qualquer equivalência a

medicamento, remédio é o meio, a disposição ou a medida utilizados para se

reparar um dano ou para se restabelecer a relação jurídica interrompida”7.

Transgressão disciplinar Militar

“Transgressão Disciplinar é toda ação praticada pelo militar contraria aos

preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres

e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou,

ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”8.

Writ:

“A expressão writ procede, pois, do direito inglês, desde os tempos da Magna

Carta, sempre com o sentido de ordem. Em todas as espécies de writ se verifica o

exercício de um direito subjetivo à prestação jurisdicional (ação), visando um

provimento mandamental a ser editado pelo órgão jurisdicional, através de um

instrumento adequado (processo), em que se assegura a igualdade, o

contraditório e o direito de defesa, ainda que por via sumaria”9.

5 Conceito Construido 6 SILVA,De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense,1984.4v.p.298 7 SILVA,De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense,1984.4v.p.86 8 Artigo 14 do Decreto 4.346 de 26 de agosto de 2000 9 ACKEL FILHO,Domar. Writs Cosntitucionais: habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data. São PAULO: Saraiva,1988,p.135.

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................... XI

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 5

DO HABEAS CORPUS ...................................................................... 5 1.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA DO HABEAS CORPUS ...................................5 1.2 ORIGEM EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO HABEAS CORPUS ...........................7 1.3 O HABEAS CORPUS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA................................11 1.3.1 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ................................11 1.3.2 O HABEAS CORPUS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMUM.........................13 1.3.3 O HABEAS CORPUS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR ........................13 1.4 NATUREZA JURÍDICA DO HABEAS CORPUS ............................................13 1.5 ESPÉCIES DE HABEAS CORPUS ................................................................15 1.6 PRESSUPOSTOS DO HABEAS CORPUS....................................................16 1.7 SUJEITOS DO HABEAS CORPUS................................................................21

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 23

DO MILITAR BRASILEIRO.............................................................. 23 2.1 DISPOSIÇÕES GERAIS.................................................................................23 2.2 O REGIME JURÍDICO DOS MILITARES .......................................................25 2.1.1 O Estatuto dos Militares ............................................................................28 2.1.2 Dos Regulamentos Disciplinares .............................................................29 2.1.2.1 Regulamento Disciplinar do Exército (RDE).........................................31 2.1.2.2 Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAer) ...............................32 2.1.2.3 Regulamento Disciplinar da Marinha (RDM).........................................32 2.1.2.4 Regulamento Disciplinar das Polícias e Corpo de Bombeiros Militares dos Estados.........................................................................................................32 2.3 A TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR MILITAR ...............................................33 2.4 PUNIÇÃO DISCIPLINAR................................................................................35 2.4.1 Penas Não Restritivas de Liberdade ........................................................37 2.4.2 Penas Restritivas de Liberdade ................................................................38

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CAPÍTULO 3 .................................................................................... 41

O HABEAS CORPUS NAS PUPNIÇÕES DISCIPLINARES MILITARES ...................................................................................... 41 3.1 DISPOSIÇÕES GERAIS.................................................................................41 3.2 DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS EM RELAÇÃO ÀS PUNIÇÕES DISCIPLINARES DE NATUREZA MILITAR ........................................................42 3.3 O CONFLITO CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 142, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.................................................................................48 3.4 DAS ILEGALIDADES A SEREM ATACADAS...............................................52 3.5 DA COMPETÊNCIA PARA CONHECER DO HABEAS CORPUS NAS JUSTIÇAS MILITARES ........................................................................................58

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 62

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 65

ANEXOS........................................................................................... 68

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RESUMO

A presente monografia tem como objeto a investigação do

cabimento ou não do instituto do habeas corpus no combate as punições

disciplinares militares que sejam aplicadas de forma ilegal ou abusiva. O objetivo

específico é estudar a intenção do texto constitucional ao vedar expressamente a

aplicação do instituto jurídico do habeas corpus aos militares que vierem ser

punidos administrativamente por transgressão disciplinar. Para uma melhor

compreensão da temática, é importante pesquisar inicialmente no tocante ao

instituto do habeas corpus, remédio jurídico constitucional disposto no artigo 5º

inciso LXVIII da Constituição Federal de 1988, destinado a assegurar a liberdade

de locomoção do individuo na hipótese de cerceamento desta, por ato ilegal ou

abusivo, tendo muita utilidade no controle dos atos da Administração Pública que

possam repercutir na esfera do direito de liberdade do cidadão. Outrossim

vislumbra-se no presente trabalho de conclusão de curso a peculiaridade do

regime jurídico dos militares, posto que são regidos por estatutos próprios que

estabelecem seus direitos e obrigações, sujeitando-os a um regime disciplinar

rígido imposto por regulamentos disciplinares que, na sua maioria, foram

elaborados muito antes da Constituição Federal de 1988, apresentando assim

muitos dispositivos que não foram recepcionados pela atual Carta. No capítulo

final da monografia, denotar-se-á acerca da possibilidade ou não do cabimento do

habeas corpus nas punições disciplinares militares, preceituado pelo artigo 142, §

2º da atual Constituição Federal, abordando os vários entendimentos e

argumentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema, bem como, a

existência de um conflito no texto constitucional, analisando de que forma tal

contradição pode ser sanada, ou seja, se há ou não possibilidade de impetração

de habeas corpus por militares punidos administrativamente de forma ilegal ou

abusiva.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o estudo do

cabimento do habeas corpus nas punições disciplinares aplicadas

administrativamente aos militares, sejam federais ou estaduais. Pretende-se

analisar qual a verdadeira intenção do constituinte originário ao restringir o

referido remédio jurídico aos militares que venham a ser punidos disciplinarmente

de forma ilegal ou abusiva, conforme preceitua a norma contida no artigo 142,§ 2º

da Carta Magna.

O que se tem em vista. é uma aparente antinomia de

normas constitucionais positivadas, pois no artigo 5º, inciso LXVIII do referido

texto constitucional, garante a possibilidade de interposição deste instituto jurídico

em sede de liberdade de locomoção para todas as pessoas, sem distinção de

qualquer natureza.

Portanto, o objetivo geral deste trabalho de conclusão de

curso, é estudar de forma critica o instituto constitucional do habeas corpus, bem

como a regra contida no artigo 142, § 2º da Constituição da Republica Federativa

do Brasil.

Assim, em função da delimitação do problema denotam-se

como objetivos específicos desta monografia, obter dados teóricos atuais quanto

a melhor interpretação da temática suscitada, alem de denotar eventuais

inconstitucionalidades que decorrem dos regulamentos e dos processos

disciplinares militares, bem como, se existi inconstitucionalidade dentro da

própria constituição, e sobre tudo, investigar se é ou não cabível a ordem de

habeas corpus nas punições disciplinares militares.

Para uma melhor compreensão da temática abordada, o

percurso teórico realizado será distribuído em três capítulos, para tanto, no

primeiro capítulo se pesquisará especificadamente o instituto do habeas corpus,

apresentando algumas generalidades, quando se examinará a sua origem

histórica, evolução no ordenamento jurídica brasileiro, seu conceito e natureza

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jurídica dado por vários especialistas, e ainda suas espécies, pressupostos e

partes que o compõe, bem como as principais inovações referente ao remédio do

habeas corpus trazido pela Constituição Federal de 1988.

No segundo capítulo, tratar-se-á do regime jurídico especial

e peculiar a que os militares estão submetidos, apresentando um estudo acerca

dos seus Estatutos, bem como, dos Regulamentos Disciplinares das Forças

Armadas e das Forças de Segurança dos Estados (Polícias e Corpos de

Bombeiros Militares). Em seguida, será realizada uma abordagem sobre a

transgressão militar e sua conseqüente punição disciplinar, tendo por finalidade

de ambientar o leitor as peculiaridades concernentes aos militares.

O terceiro e último capítulo é o ponto fulminante do presente

trabalho, posto que tratará especificadamente sobre a temática da monografia:

investigar-se-á acerca do cabimento do habeas corpus nas punições disciplinares

militares. Para isto, será realizado um exame doutrinário e jurisprudencial,

abordando seus vários entendimentos sobre o cabimento ou não do habeas

corpus, e ainda a existência do aparente conflito de normas constitucionais, o

abuso de poder e as ilegalidades que podem ser atacadas no caso de prisão ou

detenção através de ato administrativo ilegal ou viciado, e ainda, uma breve

disposição sobre a competência para conhecer do habeas corpus na Justiça

Militar Estadual e Federal.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados sobre o “Cabimento do Habeas Corpus nas Punições Disciplinares

Militares”.

Na elaboração do trabalho foram levantados os seguintes

problemas:

1) é cabível somente a interpretação literal do texto

constitucional?

2) se pode existir a inconstitucionalidade dentro da própria

constituição?

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3) o instituto do habeas corpus é um remédio jurídico que

pode sofrer limitações ou exceções, ou é um instituto que garante o justo e

fundamental direito de liberdade a todos indistintamente?

4) se é ou não cabível a ordem de habeas corpus nas

punições disciplinares militares?

Para isto, serão levadas em consideração as seguintes

hipóteses:

1) que não é cabível somente a interpretação literal do texto

constitucional, mas sim que o hermeneuta jurídico, utilize sempre uma

interpretação progressiva e teleológica;

2) que pode existir a inconstitucionalidade dentro da própria

constituição, quando se constatar que uma norma-regra se confronte com uma

norma-princípio do texto fundamental;

3) que o instituto do habeas corpus é um remédio jurídico

constitucional que não pode sofrer limitações ou exceções, pois é um instituto que

garante o direito fundamental de liberdade a todos os indivíduos indistintamente;

4) por fim, que o habeas corpus é cabível inclusive nas

punições disciplinares militares;

Esta pesquisa tem como objetivo institucional produzir uma

monografia de conclusão do curso de graduação em Direito pelo Centro

Universitário de Itajaí – UNIVALI, para obtenção do título de Bacharel em Direito.

E ainda, com as hipóteses acima referenciadas, pretende-se entender qual o

melhor método e forma de se interpretar o texto constitucional, no intuito de

melhor aplicar seus institutos e princípios, mais especificadamente no tema em

comento, que se refere na possibilidade de o militar se socorrer do habeas corpus

como remédio jurídico aplicável às punições disciplinares militares restritivas de

liberdade.

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Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

DO HABEAS CORPUS

1.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA DO HABEAS CORPUS

Neste capítulo será abordado o instituto constitucional do

habeas corpus, dissecando os entendimentos acerca de seu conceito,

importância jurídica, origem e evolução histórica, principalmente no tocante a sua

inserção e desenvolvimento em nosso ordenamento jurídico, bem como, a

natureza jurídica, espécies e os sujeitos que podem ser partes em uma ação de

habeas corpus.

Outrossim, destaca-se que à decisão de estudar o habeas

corpus em um capítulo especifico no presente trabalho, é acima de tudo, em

razão da relevância que tem este instituto no ordenamento jurídico pátrio, tendo

status de autêntico remédio jurídico constitucional, assegurado no Título II,

Capítulo I da atual Constituição da Republica Federativa do Brasil, que trata dos

direitos e garantias fundamentais do indivíduo, mais precisamente em seu artigo

5º, inciso LXVIII, que diz: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém

sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de

locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Mirabete10 explica que a expressão habeas corpus indica a

essência do instituto, pois, significa “tome o corpo”, isto é, tome a pessoa presa e

a apresente ao juiz para julgamento do caso, o habeas corpus é uma garantia

individual, ou seja, um remédio jurídico destinado a tutela a liberdade física do

individuo, a liberdade de ir, ficar e vir.

10 MIRABETE,Julio Fabbrini. Processo Penal. 5.ed. são Paulo:a Atlas ,1996.p.770.

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No mesmo sentido denota De Plácido e Silva11, que habeas

corpus é uma locução composta pelo verbo latino habeas, de habes (que significa

ter, tomar, andar com), e o substantivo corpus (que significa corpo). Se traduzida

literalmente, tem-se, então, “tenha o corpo”, “ande com o corpo”.

O artigo 5º, inciso XV, declara “livre a locomoção no território

nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele

entrar, permanecer ou sair com seus bens”. E para garantir que essa liberdade de

locomoção, não seja cerceada ou lesada, de forma ilegal ou abusiva, tem o

individuo garantido constitucionalmente ao seu dispor o habeas corpus, conforme

art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988, que assim o consagra nos

seguintes termos: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou

se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de

locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Outrossim, à importância e relevância do habeas corpus, é

destacada por Stanich Neto12, dizendo que “este instituto é garantia

constitucional, destinado à defesa da liberdade de locomoção e foi precursor das

garantias individuais, que há tempos vem contribuindo para a justiça na historia

da humanidade”.

Vale também, lembrar as lições de Nagib Slaibi Filho13, que

“o habeas corpus é um autêntico remédio jurídico processual, de fundamento

constitucional, legitimando qualquer pessoa a ingressar junto ao Poder Judiciário

para a proteção da liberdade de locomoção própria ou de terceiro”.

O mesmo autor ainda aponta que “certamente, è a ação

mais popular em todas as camadas sociais, intuindo as pessoas que ele é um

meio de proteção individual em face de atentados a sua liberdade de locomoção e

que esta liberdade é a mais perceptível para qualquer um”.14

11 SILVA,De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8.ed. rio de janeiro: forense,1984.4v.p.234. 12 STANICH NETO, Paulo. Guia de Estagiário de Direito. Campinas, SP: Millennium,2004.p.170. 13 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.455. 14 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.455.

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1.2 ORIGEM EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO HABEAS CORPUS

Constata-se uma certa divergência doutrinária quanto a

origem do habeas corpus, pois alguns estudiosos do direito, o remontam ao

Direito Romano, dentre eles Nagib Slaibi Filho, afirmando que “desde a Roma dos

Césares era conhecido o interdito de homine libero exhibendo, através do qual se

exercia, perante o pretor, a pretensão de garantir a exibição da pessoa que

tivesse seu poder de locomoção obstado”15.

O “interdito de homine libero exhibendo” era uma espécie de

ordem que o pretor16 dava para que o cidadão fosse trazido a julgamento, em que

apreciaria a legalidade da prisão”17.

Portanto o “interdito de homine libero exhibendo”, seria um

remoto antecedente do habeas corpus moderno, que o Direito Romano instituiu

como proteção jurídica da liberdade de locomoção.

Nesse sentido, vale destacar as palavras de Pontes de

Miranda,18 dizendo que:

O Direito Romano atingiu um estágio que não foi alcançado por nenhum outro direito e nenhum outro consegui igualar. Desse modo, é que em Justiniano, no Digesto e em Gaio, se encontra raízes mais profundas do habeas corpus nos inderditos exibitórios dos quais as duas ações principais utilizadas para restituir-se um homem livre à sua faculdade de ir e vir, eram a interdictum de homine libero exhibendo e a interdctum de liberis exhibendo.

15 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.455. 16 STANICH NETO, Paulo. Guia de Estagiário de Direito. Campinas, SP: Millennium,2004.p.170. Explica que: “Dizia Pretor a quem o cidadão era dirigido, para que este decidisse se a prisão era justa ou injusta”. 17 FERREIRA, Pinto.Curso de Direito Constitucional. São Paulo: saraiva,1988.p137. 18 MIRANDA, Pontes. História e Pratica do Habeas Corpus. Rio de Janeiro: Barsa,1972.p.141.

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Ressalta ainda Pontes de Miranda19, que foi na Idade Média

que surgiram os antecedentes mais diretos das declarações de direitos,

contribuindo para isso a teoria do direito natural que condicionou o aparecimento

do princípio das leis fundamentais do reino, limitadores do poder do monarca.

Entretanto, a doutrina majoritária encontra os princípios

básicos deste instituto jurídico a serviço do homem, na Inglaterra, no ano de 1215,

na “magna Charta Libertatum”, promulgada pelo Rei João Sem Terra, em face

das pressões dos barões e do clero. O capítulo 29 da referida carta dizia que

nenhum homem livre poderia ser preso, despojado, proscrito ou exilado, a não ser

por um legítimo julgamento de seus pares e de acordo com as leis do país.

Nesta direção, é o entendimento de Pinto Ferreira20 dizendo

que:

Historicamente o habeas corpus nasceu na Inglaterra, embora com raízes no velho direito romano. Desenvolveu-se a partir da magna carta, que marcou o crepúsculo das luzes do absolutismo e acenou a imaginação do homem com uma nova era, a época da proteção à liberdade humana. O habeas corpus nasceu historicamente como uma necessidade de contenção o poder e do arbítrio. Assinala o momento inicial do liberalismo, que as tendências do neoliberalismo acentuam. Os países civilizados adotam-no como regra, pois a ordem do habeas corpus significa, em sua essência, uma limitação às diversas formas do autoritarismo.

Os princípios essências do habeas corpus, no dizer de

Bastos21, estão na Magna Carta de 1215, documento formal no processo de

fixação jurídica dos princípios de liberdade pessoal, que estabelecia no seu artigo

29:

Nenhum homem livre será detido ou preso ou esbulhado, ou proscrito, ou exilado, ou de qualquer modo lesado; e não iremos

19MIRANDA, Pontes. História e Pratica do Habeas Corpus. Rio de Janeiro: Barsa,1972.p.142. 20FERREIRA, Pinto.Teoria de Pratica de Habeas Corpus. São Paulo: saraiva,1988.P.137. 21BASTOS,Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional.18.ed.São Paulo: Saraiva,1997.p.118.

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contra ele, nem enviaremos alguém contra ele, sem julgamento legal de seus pares, conforme a Lei da Terra[...] a ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou retardaremos o direito ou a justiça.

Na lição de Heinrichs22, essa carta de liberdade era o

“verdadeiro fundamento da liberdade nacional inglesa, foi obtido pelos barões

revoltados com o reinado de João sem Terra, em 19 de junho de 1215, no campo

de Runnymead”.

O instituto do habeas corpus evoluiu, e passou a ser

incorporado ao patrimônio de conquista dos povos democráticos, no sentido de

garantir a cada cidadão a liberdade que lhe é inerente, como condição do próprio

ser humano. Isso principalmente após a Revolução Francesa, com os ideais

iluministas e liberais.

Hodiernamente esse remédio heróico, é assegurado e

garantido no ordenamento jurídico da maioria dos países onde foi estabelecido o

Estado Democrático de Direito, inclusive no Brasil, onde o instituto do habeas

corpus surgiu pela primeira vez em nossa legislação no período Constitucional

imperial, com o Código Criminal de 1830, passando a fazer parte de todas as

constituições seguintes.

J.M.Othon Sidou23 ensina que “ao versar sobre os crimes

contra a liberdade individual, o Código Criminal de 16 de dezembro de 1930

mencionou diretamente o habeas corpus pela primeira vez na sistemática

brasileira, nos arts.183 a 188”. O referido Código sancionava em forma de multa,

entre outros casos, os que o habeas corpus era recusado ou retardado pelo juiz,

quando o mesmo era regularmente requerido; ou quando o oficial de justiça se

recusasse ou demorasse na intimação de um habeas corpus que lhes tenha sido

apresentada; ou ainda, quando qualquer pessoa a quem fosse dirigida ordem

legal de habeas corpus, se recusasse ou demorasse no seu cumprimento.

22HENRICHS,Christiph. Gerschochte Von England,p.442 apud MIRANDA, Pontes de. História e Pratica do Habeas Corpus. Rio de Janeiro: Barsa,1972,p.13. 23 SIDOU, J. M. Othon. Habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data, ação popular – as garantias ativas dos direitos coletivos. Rio de janeiro, forense,2002.p.103.

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Pinto Ferreira24 apresenta alguns aspectos a respeito da

inserção do habeas corpus no ordenamento jurídico brasileiro, dizendo que:

O Código de Processo Criminal de 1832 regulou o dito instituto como remédio repressivo,porém privativo dos brasileiros, em face dos constrangimentos abusivos e ilegais. Após o habeas corpus ser adotado pelo Processo Criminal do Império, varias leis foram modificando seu regramento. Dentre elas cita-se a Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871, que promoveu grandes modificações: proclamou que não era apenas um privilegio do cidadão brasileiro, mas de qualquer um, inclusive estrangeiro; estendeu o remédio heróico àquelas hipóteses em que o cidadão ainda não estava sofrendo constrangimento em sua liberdade de locomoção, mas, apenas, estava em vias de sofrê-lo, criando, assim, o habeas corpus preventivo.

O instituto se desenvolveu a tal ponto que, logo após a

república, quando se organizou a Justiça Federal, o Decreto nº 848, de 11 de

outubro de 1890, estabeleceu até recurso para a Suprema Corte, em caso de

denegação da ordem.

O instituto ganhou relevância e se desenvolveu, passando a

status de autêntica garantia constitucional, quando foi inserido no texto da

Constituição Republicana de 1891, com previsão no artigo 72, § 22, assim

redigido: ”Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar

em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de

poder”.

E conforme denota Ferreira25, “deu-se uma interpretação

ampliativa ao instituto do habeas corpus, inclusive para a proteção de direitos

pessoais, e não só da liberdade física. Era chamada interpretação brasileira do

habeas corpus”.

Tal extensão de aplicação do habeas corpus gerou intensas

discussões no campo do direito, sendo que o dispositivo era interpretado

24 FERREIRA, Pinto.Curso de Direito Constitucional. 9ªed. São Paulo: Saraiva,1998.p.137. 25 FERREIRA, Pinto.Curso de Direito Constitucional. 9ªed. São Paulo: Saraiva,1998.p.137.

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diversamente pelos operadores do direito na época, e conforme lição de Capez26,

alguns sustentavam que o instituto se limitava à defesa da liberdade de

locomoção, não podendo ser empregado para a defesa de outros direitos líquidos

e certos. Entretanto, segundo o mesmo autor, a posição de Ruy Barbosa sagrou-

se vitoriosa no Supremo Tribunal Federal, entendendo que no silencio do texto

constitucional, não se admitia interpretação restritiva do remédio heróico, podendo

mesmo ser utilizado para a defesa de qualquer direito.

Contudo, a reforma constitucional de 1926 esvaziou a

discussão, restringindo o instituto apenas para salvaguardar o direito de

locomoção, sendo os demais direitos pessoais amparados pelo mandado de

segurança.

A partir daí todas as constituições brasileiras passaram a

trazer em seu texto, a previsão de garantia do habeas corpus, assim o fizeram a

carta constitucional de 1934 em seu art. 113, a carta 1937 no art.122, a carta de

1946 no seu art. 23, bem como a carta de 1967 no art. 153, § 20. Por fim, o

habeas corpus foi garantido na atual lex suprema no artigo 5º, inciso LXVIII com o

seguinte texto: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se

achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção,

por ilegalidade ou abuso de poder.”

1.3 O HABEAS CORPUS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

1.3.1 O Habeas Corpus na Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988, no seu Título II, Capítulo I,

Dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos, dispõe em seu artigo 5º, caput, e

respectivos incisos XXXV, LIV, LXI,LXV e LXVIII que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

26 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.518.

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XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

(...)

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

(...)

LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou pro ordem escrita e fundamentada de autoridade competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

(...)

LXV – a prisão será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

(...)

LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

Dessa forma, pode-se perceber claramente, com base nos

preceitos constitucionais acima, que a Carta Magna de 1988 elege a liberdade

como regra e a prisão, uma situação de exceção, que só deve ser restringida em

casos devidamente estabelecidos em lei, sendo que quando violada ilegalmente,

tem o cidadão a seu dispor o instituto do habeas corpus, para que seja restaurada

imediatamente.

É de destacar que o artigo 5º assegura a todos, sem

distinção de qualquer natureza os direitos ali preceituados, não podendo haver

nenhum tipo de interpretação restritiva de direito, pois seria um flagrante

desrespeito ao princípio da isonomia.

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1.3.2 O Habeas Corpus no Código de Processo Penal Comum

Especificadamente no Código de Processo Penal, o writ

constitucional do habeas corpus foi inserido pelo legislador ordinário comum no

título II, denominado “Dos Recursos em Geral, mais precisamente em seu

capítulo X, “Do Habeas Corpus e ser Processo”, e todas as suas preceituações

estão dispostas do artigo 647 ao 667 da referida lei processual, disciplinando ali a

definição, pressupostos, competência e processamento deste instituto jurídico.

1.3.3 O Habeas Corpus no Código de Processo Penal Militar

Por sua vez, no Código de Processo Penal Militar, o habeas

corpus é abordado no título II, porém denominado “Dos Processos Especiais”,

especificadamente em seu capítulo VI ”Do Habeas Corpus”, dando um sentido de

que este somente se deflagra com o seu acionamento, por conta de uma ação

autônoma e independente de um processo principal.

O habeas corpus tem suas previsões dispostas no artigo 466

ao 480 do CPPM, estabelecendo em seu escopo quando e de que forma

processual deve ser utilizado, bem como, as competências para processa-lo e

julga-lo, em que casos não são permitidos o seu acionamento, e mais, de que

maneira se dá o seu processamento.

1.4 NATUREZA JURÍDICA DO HABEAS CORPUS

Conforme observado anteriormente, o habeas corpus está

inserido em três diplomas legais distintos, sendo assegurado na Carta Suprema

de nosso país, em seu título II, capítulo I que trata “Dos Direitos e Das Garantias

Individuais e Coletivos”, bem como, foi incluído pelo legislador ordinário comum

no título II do Código de Processo Penal, denominado “Dos Recursos em Geral”

e por sua vez, no Código de Processo Penal Militar, o habeas corpus é abordado

no título “Dos Processos Especiais”.

A natureza jurídica do habeas corpus é bem discutida,

havendo uma certa divergência entre os estudiosos e operadores do direito

quanto a este aspecto.

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A respeito disso Mirabete27, entende que:

(...) é bem discutida a natureza jurídica do habeas corpus. É tido por alguns como recurso ordinário, ou recurso extraordinário, ou recurso de caráter especial e misto, instituição sui generis,etc. A opinião mais aceita é a de que se trata de uma verdadeira ação penal. Trata-se realmente de uma ação penal popular constitucional embora por vezes possa servir de recurso.

Já Alexandre de Moraes28, define a natureza jurídica deste

instituto jurídico da seguinte forma:

O habeas corpus é uma ação constitucional de caráter penal e de procedimento especial, isenta de custas e que evita ou cessa a violência ou ameaça na liberdade de locomoção, seja por ilegalidade ou abuso de poder. Não se trata portanto, de uma espécie de recurso, apesar de regulamentado no capitulo a eles destinado no Código de Processo Penal.

Destaca-se ainda os ensinamento de Tourinho Filho29,

afirmando que nas hipóteses dos incisos II, III,IV e V do artigo 648, do CPP o

habeas corpus atua como verdadeira ação penal cautelar, pois visa a impedir o

desenrolar moroso do processo ou outra providência que possa ser tomada,

venha a acarretar maior restrição ao status libertatis do cidadão. Já nas hipóteses

dos incisos VI e VII, havendo sentença condenatória com trânsito em julgado, ele

funciona como ação penal constitutiva, tendente a extinguir, desconstituir, uma

situação jurídica, tendo, aí, um caráter semelhante a de uma rescisória. Por fim,

nas mesmas hipóteses dos incisos VI e VII do artigo 648, se a sentença transitou

em julgado ou não foi instaurado processo, em razão de fase investigatória, a

ação seria declaratória, pois a finalidade é declarar a inexistência de uma relação

jurídica.

Para encetar a questão da natureza jurídica do remédio

constitucional do habeas corpus, trazemos a baila o posicionamento de Nagib

27 MIRABETE,Julio Fabbrini. Processo Penal. 5.ed. São Paulo: Atlas ,1996.p.774. 28 MORAES,Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1999.p.125 29 TOURINHO FILHO,Fernando da costa. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva,1996.p.223.

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Slaib Filho30, dizendo que ele pode ser considerado tanto uma autentica ação

popular, pois o interesse em causa não é individual, mas acima de tudo vem

defender a própria liberdade, que é um valor que interessa a todos, como também

pode ter o enfoque de uma ação autônoma de impugnação, porque mediante ele

guerreia-se decisão judicial ou administrativa, que tenha por conseqüência a

restrição efetiva ou potencial, do direito de locomoção.

Visto e observado a polêmica posição doutrinaria acerca da

natureza jurídica do habeas corpus, pode-se constatar preliminarmente que se

trata mais especificadamente de uma ação penal popular constitucional, embora,

em varias ocasiões possa servir de recurso.

1.5 ESPÉCIES DE HABEAS CORPUS

O habeas corpus quanto sua forma de execução, pode ser

impetrado nos sentido preventivo e repressivo, também chamado por alguns

doutrinadores de liberatório.

Ensina Moraes31, que o habeas corpus preventivo é utilizado

quando o indivíduo se encontra sob ameaça e na iminência de ter sua liberdade

de locomoção injustamente cerceada, e tem por finalidade impedir a consumação

de uma violência ou coação iminente. É utilizado para evitar o constrangimento,

impedindo a coação contra o direito de ir, ficar e vir, qualquer que seja sua

espécie. Neste caso o juiz lhe concede o salvo conduto.

Evaldo Corrêa32 ressalva que nos casos específicos de

restrição de liberdade por transgressão disciplinar, o militar só poderá ingressar

com a medida depois de provado que será preso ou detido, de forma ilegal ou

arbitrária. Não poderá o mesmo, requerer um habeas corpus com uma simples

alegação, visto que o instituto só é possível quando restar provado na impetração.

30 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.459. 31 MORAES,Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1999.p.116. 32CHAVES,Evaldo Corrêa. Hábeas corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade

Jurídica e Ressarcimento dos Danos. São Paulo: RCN,2002.p.38.

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O habeas corpus repressivo ou liberatório, é impetrado

“quando alguém estiver sofrendo violência ou coação em sua liberdade de

locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Pretende-se fazer cessar o

desrespeito a liberdade de locomoção”33.

1.6 PRESSUPOSTOS DO HABEAS CORPUS

Toda e qualquer medida estatal de privação de liberdade do

indivíduo, seja de natureza administrativa ou judicial, devem obedecer às

formalidades legais, sob pena de lesar o cidadão em seu direito de locomoção.

Traz-se à baila, o ensinamento de Paulo Rosa, para encetar

o que representa o direito a liberdade de locomoção, no atual estado democrático

em que vivemos:

“A liberdade de locomoção é um direito fundamental e essencial que somente pode ser cerceado no caso de prisão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, não se permitindo prisões para averiguações ou qualquer outra espécie de procedimento que não esteja previsto em lei. No Estado de Direito, a liberdade é a regra e a prisão uma medida de exceção”.34

Denota-se portanto, que o habeas corpus, é uma medida

judicial que visa proteger e garantir ao cidadão o seu direito fundamental de ir e

vir, sendo que quando este direito lhe é cerceado ilegalmente ou de forma

abusiva, poderá ser levado ao conhecimento do Estado-Juiz por qualquer pessoa,

devendo ser apreciada imediatamente, fazendo com que cesse qualquer

constrangimento, atual ou iminente, da liberdade de locomoção, desde que a

mesma provenha de constrangimento ilegal, por desvio ou abuso de poder.

33MORAES,Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1999.p.116. 34 ROSA,Paulo /Tadeu /Rodrigues. Militares e habeas corpus: inconstitucionalidade do art.

142,§2°, da CF. Jus navegandi, Teresina,ª 5, n.49, fev.2001. Disponível em:<htp://www1.jus.com.Br/doutrina/texto.asp?id=1593>. Acesso em:24 mar.2005.

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Sempre que impetrado o habeas corpus pressupõe-se a

existência de duas situações fáticas, quais sejam; a ilegalidade e/ou o abuso de

poder, quando, em razão dos mesmos alguém sofra ou se ache ameaçado de

sofrer violência em sua liberdade de locomoção.

Há o abuso de poder quando a autoridade faz o que a lei lhe

permite, mas por motivos distintos do que prega a norma legal, não obedece às

formalidades da lei, fazendo aquém do que a lei o permite.

Da expressão ilegalidade pode-se dizer respeito a tudo que

não condiz com a lei, sendo contraria a mesma, ou extrapolando os seus limites.

No caso em questão, ação ou omissão de agente público. A expressão “abuso de

poder” para Pontes de Miranda35 significa:

O exercício irregular do poder. Usurpa poder quem, sem o ter, procede como se o tivesse. A falsa autoridade usurpa-o; a autoridade incompetente, que exerce poder que compete a outrem, usurpa; a autoridade competente não usurpa, mas, de certo modo, exorbita se abusa do poder.

Para Helly Meirelles36, abuso de poder ocorre:

(...) quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas (...).O abuso de poder tanto pode revestir a forma comissiva, como a omissiva, porque ambas são capazes de afrontar a lei e causar lesão a direito individual do administrado.

Segundo ainda o mesmo autor 37, o gênero “abuso de poder”

ou “abuso de autoridade” se divide em duas espécies, quais sejam, o excesso de

poder e o desvio de finalidade (ou de poder).

O primeiro ocorre quando a autoridade pratica ato que vai

além do permitido, e neste caso excede a sua competência legal. O segundo

35MIRANDA, Pontes de .História e Prática de Habeas Corpus. 7.ed. Rio de Janeiro:barsa,1972.

p.442. 36MEIRELLES,HellyLopes.DireitoAdministrativoBrasileiro.25.ed.Malheiros:SãoPaulo,2000.p.102 37MEIRELLES,HellyLopes.DireitoAdministrativoBrasileiro.25.ed.Malheiros:SãoPaulo,2000.p.104

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ocorre quando o ato é praticado por motivo e fins diversos daqueles que a lei ou o

interesse público visam. Na linguagem de Meirelles38 é a “violação ideológica da

lei”.

Do contrário é o entendimento de Pontes de Miranda39, que

aceita a equivalência entre abuso de poder e excesso de poder.

O interesse público e o privado são tratados de forma

distinta pela lei. Por esta razão pode a Administração Pública, unilateralmente,

obrigar os seus administrados a atos que visem o interesse da coletividade. Esta

situação lhe dá responsabilidades, mas, concede poderes que viabilizam o

cumprimento de sua missão. Esses poderes já são reconhecidos pela doutrina em

favor da Administração Pública e de seus agentes, como forma de garantir a sua

razão de existir, sem os quais não atingiria os seus fins.

Se o ato ilegal e coercitivo da liberdade de locomoção, é

praticado pela autoridade pública na condição de particular e sem nenhuma

relação com o exercício funcional, ou se praticado por particular, ocorrerá o

constrangimento ilegal, e não o abuso de autoridade ou de poder.

E neste sentido Mirabete40 lembra que, atualmente, é

praticamente pacífica a admissibilidade de ordem de habeas corpus contra ato de

particular. Em razão de expressão “autoridade coatora” a que a lei se refere, por

muito tempo não se admita doutrinariamente esta possibilidade. Como a

Constituição Federal prevê, a ilegalidade pode ser cometida por qualquer pessoa,

não necessariamente devendo ser agente público, predominando o entendimento

de que o habeas corpus pode ser impetrado contra ato de particular.

A lei processual penal brasileira enumera os casos em que

se considera ilegal a coação. O artigo 648 do Código de Processo Penal dispõe o

seguinte:

38MEIRELLES,HellyLopes.DireitoAdministrativoBrasileiro.25.ed.Malheiros:SãoPaulo,2000.p.104 39 MIRANDA,Pontes de.Historia e Pratica de Habeas Corpus. 7.ed. Rio de Janeiro:Barsa,1972.

p.442. 40 MIRABETE,Julio Fabbrini. Processo Penal. 5.ed. São Paulo: Atlas ,1997.p.668.

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A coação considerar-se-á ilegal:

I- quando não houver causa justa;

II- quando alguém estiver preso por mais tempo do que

determina a lei;

III- quando quem ordenar a coação não tiver

competência para fazê-lo;

IV- quando houver cessado o motivo que autorizou a

coação;

V- quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos

casos em que a lei autoriza;

VI- quando o processo for manifestamente nulo;

VII- quando extinta a punibilidade.

No Código de Processo Penal Militar, o instituto do habeas

corpus está previsto também no artigo 466. Porém, no parágrafo único deste

mesmo dispositivo, é excetuado o seu cabimento nos casos em que a ameaça ou

coação resultar:

a) de punição aplicada de acordo com o Regulamento

Disciplinar das Forças Armadas;

b) de punição aplicada aos oficiais e praças das policias

e Corpos de Bombeiros Militares, de acordo com

os respectivos regulamentos disciplinares

c) da prisão administrativa, nos termos da legislação em

vigor, de funcionário civil responsável para com a

Fazenda Nacional, perante a administração militar;

d) da aplicação de medidas que a constituição do Brasil

autoriza durante o estado de sitio;

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e) nos casos especiais previstos em disposição de

caráter constitucional.

O Código de Processo Penal Militar estabelece elementos

para se chegar ao significado do conceito de ilegalidade ou de abuso de poder em

seu artigo 467, nos seguintes termos:

Haverá ilegalidade ou abuso de poder:

a) quando o cerceamento da liberdade for ordenado por

quem não tinha competência para tal;

b) quando ordenado ou efetuado sem as formalidades

legais;

c) quando não houver justa causa par aa coação ou

constrangimento;

d) quando a liberdade, de ir e vir, for cerceada fora dos

casos previstos em lei;

e) quando cessado o motivo que autorizava o

cerceamento;

f) quando alguém estiver preso por mais tempo do que

determina a lei;

g) quando alguém estiver processado por fato que não

constitua crime em tese;

h) quando estiver extinta a punibilidade;

i) quando o processo estiver evidentemente nulo.

Dessa forma, observa-se que os pressupostos de

admissibilidade e aplicação do instituto do habeas corpus, além de estarem

assegurados na Carta Magna, se apresentam expressamente previstos tanto no

Código de Processo Penal, como no Código de Processo Penal Militar.

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Assim sendo, a prisão do indivíduo para ser legal, precisa

estar em consonância com o que determina a lei, devendo a autoridade judicial

que a determina ser competente, além de atuar com obediência aos limites legais.

1.7 SUJEITOS DO HABEAS CORPUS

Nos termos do artigo 654 do CPP, o instituto do habeas

corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa em seu favor, ou por qualquer

pessoa em face de outrem, bem como pelo Ministério Público, sendo que nestas

duas últimas hipóteses, por se tratar de impetração em favor de terceiro, há a

substituição processual.

Ademais, Mirabete43 lembra em seu magistério que:

Qualquer pessoa, independentemente de habilitação legal ou de representação por advogado, de capacidade política, civil ou processual, de idade, sexo, profissão, nacionalidade ou estado mental, pode fazer uso do remédio heróico em beneficio próprio ou alheio.

Neste sentido, também ressalta Alexandre de Moraes44,

dizendo que até o louco pode ser impetrante de ordem de habeas corpus, e

inclusive o analfabeto, desde que alguém assine a petição a rogo, poderá ajuizar

a ação de habeas corpus.

Diante disso, vislumbram-se em uma ação de habeas

corpus, as seguintes partes: no pólo ativo da demanda temos o Impetrante e o

paciente, por seu turno no pólo passivo identificam-se o coator e o detentor.

Segundo definição dada por Nagib Slaibi Filho, “paciente é a

pessoa física em cujo favor se pede o remédio constitucional, nacional ou

estrangeiro, este, ainda que não seja residente no país, pois a liberdade de

43 MIRABETE,Julio Fabbrini. Processo Penal. 5.ed. São Paulo: Atlas ,1996.p.772. 44 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1999.p.126.

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locomoção ampara a todos”45. Portanto, vislumbra-se que se trata da pessoa que

está sofrendo a coação em sua liberdade de locomoção, ou que está na iminência

de sofrê-la, e que conseqüentemente, vem a ser beneficiado com a concessão da

ordem de habeas corpus.

Impetrante, por sua vez, segundo o mesmo autor46, é aquele

que deduz, em juízo, o pedido do remédio constitucional. É aquele que propõe a

ação, sendo que, se o impetrante é o próprio paciente, ou seja, propõe o habeas

corpus em beneficio próprio, é caso de legitimação ordinária, porém, se for em

beneficio de outrem, é caso de legitimação extraordinária.

Segundo Pontes de Miranda47, o Impetrante pode ser

qualquer pessoa física e até mesmo jurídica, pode inclusive o habeas corpus, ser

concedido ex officio pela autoridade judiciária se for competente para tal, e se

não o for, deverá comunicar ao órgão jurisdicional competente.

O Coator, é aquela pessoa que está determinando ou

praticando a coação ilegal, ou está em vias de determina-la. Geralmente, é a

autoridade pública que age com abuso de poder, o que não significa, como bem

explica Mirabete48, que não possa vir a ser cometido por particular. Já o detentor

é quem, seguindo as ordens do coator, mantém o paciente sob coação.

Feita, assim, uma apreciação acerca do conceito,

importância, origem, evolução histórica, natureza jurídica e outros aspectos do

instituto do habeas corpus, adentrar-se-á agora ao segundo capítulo, que trata do

regime jurídico do militar brasileiro.

45 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.358. 46 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.358. 47 MIRANDA,Pontes de.Historia e Pratica de habeas corpus. 7.ed. Rio de Janeiro:Barsa,1972.

p.445. 48 MIRABETE,Julio Fabbrini. Processo Penal. 5.ed. São Paulo: Atlas ,1996.p.770.

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CAPÍTULO 2

DO MILITAR BRASILEIRO

2.1 DISPOSIÇÕES GERAIS

O militar, pelo regime de trabalho que lhe é imposto, e em

decorrência de suas atribuições especiais, e ainda pela rígida hierarquia e

disciplina a que está submetido, é um profissional distinto do servidor civil comum,

e em decorrência disto é submetido a um regime jurídico muito peculiar, que em

sua essência se divorcia totalmente daquele estabelecido ao servidor civil.

O pesquisador Machado49, explica bem esta condição,

dizendo que o profissional militar se distingue do servidor civil não somente pelo

fato de estar constantemente manuseando e utilizando equipamento bélico, mas

também pelo risco de vida a que está submetido, seja nos treinamentos, na sua

rotina diária ou na guerra. Os militares estaduais que exercem atividade policial

vivem em constante estado de tensão, principalmente em regiões onde o

confronto armado é diário e o tombamento dos companheiros de farda se

tornaram uma triste rotina.

O mesmo autor50também afirma que: “(...) a existência e o

futuro das nações dependem, fundamentalmente, da capacidade de suas Forças

Armadas sustentarem as decisões estratégicas do Estado, bem como, de

atuarem contra ameaça à sua integridade”.

Observa-se o comprometimento da própria vida na atividade

militar, no juramento que o militar federal e estadual presta quando do seu

ingresso nas Forças Armadas ou nas Polícias e Corpos e Bombeiros Militares dos

49MACHADO, Alexandre Fournier. Atualização da Justiça Militar: uma necessidade. Monografia (bacharelado de direito) faculdade de direito da UFSC, Florianópolis, 1997.p.22 50MACHADO, Alexanre Fournier. Atualização da Justiça Militar: uma necessidade. Monografia. (bacharelado em direito) faculdade de direito da UFSC, Florianópolis,1997.p.23.

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Estados. O juramento perante a bandeira nacional do militar que ingressa nas

Forças Armadas está disposto no artigo 17, inciso V, do Decreto 88.515. de 13 de

julho de 1983 (Regulamento de Continência, Honras, sinais de Respeito e

Cerimonial Militar das Forças Armadas), e tem a seguinte redação:

Incorporando-me ao (Exército, Marinha ou Aeronáutica), prometo cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado, respeitar os superiores hierárquicos, tratar com afeição os irmãos de armas, e com bondade os subordinados, e dedicar-me inteiramente ao serviço da pátria, cuja honra, integridade e instituições, defenderei com o sacrifício da própria vida.

O Estatuto da Policia Militar de Santa Catarina, aprovado

pela lei nº 6.218 de 10 de fevereiro de 1983, no seu artigo 34, prevê compromisso

semelhante, nos seguintes termos:

Ao ingressar na Policia Militar do Estado de Santa Catarina, prometo regular minha conduta pelos preceitos da moral, cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado e dedicar-me inteiramente ao serviço policial-militar, à manutenção da ordem pública e à segurança da comunidade, mesmo com o risco da própria vida.

Segundo Machado51, além do comprometimento integral do

militar para com a organização, outros fatores distinguem esse profissional dos

demais servidores civis. Uma delas é a dedicação exclusiva, não podendo o

militar exercer outra atividade profissional enquanto pertencer às fileiras da

instituição militar. O mesmo poderá ser acionado mesmo estando em seu horário

de folga, quando o serviço assim necessitar, seja em caso de guerra, catástrofes

naturais ou quaisquer atividades que necessitarem de contingente extra.

51MACHADO, Alexandre Fournier. Atualização da Justiça Militar: uma necessidade. Monografia (bacharelado de direito) faculdade de direito da UFSC, Florianópolis, 1997.p.23.

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2.2 O REGIME JURÍDICO DOS MILITARES

Primeiramente é importante destacar os princípios que

norteiam o regime jurídico das instituições e corporações militares, considerados

seus pilares, quais sejam, à hierarquia e disciplina a que estão submetidos.

Segundo o artigo 14 do Estatuto dos Militares (Lei nº

6.880/80) tais aspectos são a base institucional das Forças Armadas, tanto que

aqueles que não os observam, são punidos, dependendo do caso, até mesmo,

com prisão disciplinar.

O próprio artigo 142 da Constituição Federal de 1988 coloca

a hierarquia e a disciplina militar como base organizacional das Forças Armadas.

Isto reafirma a importância de tais institutos no meio militar.

Meirelles52 conceitua poder hierárquico como aquele que

dispõe o administrador para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos,

ordenar, rever a atuação de seus agentes e estabelecer a relação de

subordinação entre os servidores de seu quadro de pessoal.

A definição legal de hierarquia militar está contida no artigo

14 § 1º, da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares), que assim dispõe:

A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antiguidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.

Especificadamente quanto ao significado e aplicação da

hierarquia para as instituições militares, Tomaz Pará53, ensina que:

A hierarquia é a base da instituição, e o mais graduado comanda tão-somente porque se preparou e revelou qualidades de chefe. É

52 MEIRELLES,Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro.15.ed.Malheiros: São Paulo,1995. p.100. 53 PARÁ, Tomaz. Códigos e Leis Militares. Globo: Porto Alegre, 1939. p.45.

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tão nobre obedecer quanto comandar. O superior só conseguirá subordinação voluntária, consciente e completa se for disciplinado,imparcial, sereno e enérgico: tornando-se exemplo pelas suas qualidades morais.

Quanto à disciplina, o Estatuto dos Militares também faz

referencia em seu artigo 14, § 2º dispondo que:

Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento de dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.

Para José Afonso da Silva54, “disciplina é o poder que tem

os superiores hierárquicos de impor condutas e dar ordens aos inferiores.

Correlativamente, significa o dever de obediência dos inferiores em relação aos

superiores”.

A especialidade do regime jurídico dos militares, e a os dois

alicerces da vida castrense, a hierarquia e a disciplina, estão vislumbrados pelo

tratamento que a nossa Carta Magna constitucional dispensa a eles, que diante

das peculiaridades reservou inteiramente o seu Capitulo II do Título V ás Forças

Armadas. Em seu artigo 142 preconiza que:

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exercito e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade suprema do presidente da república, e destinada à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Dispõe ainda, no parágrafo 1º do citado artigo, que: “Lei

complementar estabelecerá as normas gerais a serem adaptadas na organização,

no preparo e no emprego das Forças Armadas”.

54SILVA, JOSE Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 1972.p.134.

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Quanto aos militares dos Estados, Evaldo Corrêa55 denota

que tais organizações são forças auxiliares e reserva do exército, que se

subordinam diretamente a seus respectivos governadores estaduais, tudo por

força do artigo 42 da Constituição Federal.

A Emenda Constitucional nº 18, publicada em 05 de

fevereiro de 1998, alterou substancialmente o Capítulo reservado às Forças

Armadas e aos servidores militares dos estados. Com a nova redação, os

membros das Forças Armadas foram desvinculados do regime jurídico do servidor

público civil federal, e as Polícias e Corpo de Bombeiros Militares foram

designados como militares “estaduais”, com autonomia e independência

administrativa e jurídica. Dispõe a referida emenda em seu artigo 2º:

A Seção II do Capítulo III da Constituição passa a denominar-se “Dos Servidores públicos” e a Seção III do Capítulo VII do Titulo III da Constituição Federal passa a denominar-se “Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”, dando-se ao art. 42 a seguinte redação:

Art.42 Os membros das polícias e Corpo de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos territórios.

§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, §8º; do art.40, §3º; e do art.142, §2º e 3º, cabendo a lei estadual especifica dispor sobre matérias do art. 142 §3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.

Outro elemento que caracteriza a especialidade jurídica

dispensada aos militares, é que mesmo com significativo avanço que a

Constituição Federal de 1988 trouxe em matéria de direitos sociais e garantias

individuais, foram restringidos alguns importantes direitos aos militares.

55 CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas Corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos.São Paulo: RCN,2002.p.36.

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No campo dos direitos sociais, a sindicalização e a greve

são as principais restrições, conforme artigo 142 § 3º inciso IV da referida Carta.

No campo dos direitos e garantias fundamentais temos a restrição ao habeas

corpus no caso de punições disciplinares, tema este, que é o objeto deste

trabalho de conclusão de curso.

2.1.1 O Estatuto dos Militares

Segundo Evaldo Corrêa56, o Estatuto dos Militares (Lei

6.880/80) é pertinente aos militares federais e foi recepcionado naquilo que é

compatível com a Constituição Federal de 1988. Seu artigo 1º preceitua que é ele

quem regula a situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos

membros das Forças Armadas.

As instituições militares estaduais possuem estatutos

próprios de acordo com suas realidades locais, no entanto, não se desvirtuam do

que dispõe genericamente o Estatuto dos Militares Federais. No Estado de Santa

Catarina atualmente vige a lei nº 6.218, de 10 de fevereiro de 1983, que rege o

Estatuto dos Policiais e Bombeiros Militares de Santa Catarina.

As Forças Armadas e as Polícias Militares e Corpo de

Bombeiros Militares são instituições organizadas pela existência de postos de

graduação e pela imposição do respeito e obediência aos superiores por parte

dos subordinados. O § 1º do artigo 16 do Estatuto dos Militares define posto como

o grau hierárquico do oficial, conferido por ato do Presidente da República ou do

Ministro da Força Singular e confirmado em Carta Patente. Graduação está

definida no § 3ºdo mesmo artigo, como o grau hierárquico da praça, conferido

pela autoridade militar competente.

No Exército Brasileiro, Marinha do Brasil e na Força Aérea

Brasileira existem hoje respectivamente os seguintes postos e graduações,

citados aqui em ordem decrescente: Marechal,Almirante, Marechal-do-ar (estes

preenchidos apenas em tempo de guerra, conforme o §2º do artigo 16 do Estatuto

56 CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas Corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos. São Paulo: RCN,2002´.p.36.

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dos Militares); General-de-exército, general-de-divisão, General-de-brigada,

(Exército),; Almirante-de-esquadra, vice-almirante, contra-almirante (Marinha);

coronel, Capitão-de-mar-e-guerra (Marinha); Major (Exército e Aeronáutica);

capitão-de-corveta (Marinha); Capitão (Exército e Aeronáutica); Capitão-tenente

(marinha); Primeiro tenente e segundo tenente (nas três forças), Aspirante-a-

oficial (Exército e aeronáutica), Guarda-marinha (Marinha); Subtenente (Exército);

Suboficial (Marinha e Aeronáutica); Primeiro-sargento, segundo-sargento,

terceiro-sargento e Cabo (nas três forças); soldado (Exército e Aeronáutica),

Marinheiro (Marinha).

Nas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares,

excluindo os postos relativos a Oficiais Generais que não existem em tais

corporações, os demais postos e graduações seguem a mesma hierarquia e

denominação utilizadas no Exército. As patentes dos oficiais das Forças Armadas

são conferidas pelo Presidente da República conforme o artigo 142 da CF/88, e

as dos Oficiais de Polícias e Corpo de Bombeiros Militares dos Estados,

Territórios e Distrito federal, pelos respectivos Governadores, conforme artigo 42

da referida Carta Magna.

2.1.2 Dos Regulamentos Disciplinares

Os militares federais e estaduais brasileiros estão sujeitos a

dois diplomas pelo cometimento de condutas contrárias ao ordenamento jurídico:

o Código Penal Militar (Decreto-Lei nº1001/69), que especifica os crimes

propriamente militares praticados em tempo de paz ou de guerra, e o

Regulamento Disciplinar (RD), que preceitua as transgressões militares cometidas

pelos militares, sendo este ultimo de ordem administrativa militar.

O Estatuto dos Militares dispõe em seu artigo 47 que:

Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.

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Baseado neste dispositivo, constata-se que foi deixado ao

interesse de cada instituição militar elaborar seu próprio regulamento disciplinar.

O Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), o Regulamento Disciplinar Militar

(RDM), o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAer) e os regulamentos

disciplinares das Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares dos Estados

da federação.

O artigo 1º do Regulamento Disciplinar do Estado de Santa

Catarina (Decreto 12.112/80), define bem a finalidade deste diploma legal,

preceituando que tem por finalidade especificar e classificar as condutas

praticadas pelos militares que são consideradas transgressões disciplinares, bem

como, estabelecer normas relativas à amplitude e aplicação das punições

disciplinares, a classificação do comportamento policial-militar e a interposição de

recursos contra a aplicação das punições.

Evaldo Corrêa57destaca que muitos dispositivos contidos nos

regulamentos disciplinares militares conflitam com vários direitos e garantias

fundamentais da pessoa humana, assegurados na Magna Carta constitucional de

1988, que marcou o aparecimento de uma nova visão jurídica, sendo mais

humanista, volta para os direitos fundamentais.

(...)como ocorreu em outros ramos do Direito, existem disposições estatutárias e regulamentos, impostos ao homem militar, que não foram recepcionadas pelo texto constitucional. E, por conta dessas ilegalidades, o judiciário, tanto em primeira instancia como em segunda instancia, vêm repelindo essas imposições e anulando diversos atos administrativos militares. Entre eles destacam-se: a obrigatoriedade do exaurimento da via administrativa; autorização do superior hierárquico para o militar poder ingressar em juízo; a restrição imposta de só poder freqüentar determinados lugares públicos com concordância do superior; a obrigatoriedade do militar, mesmo em sendo acusado, de se auto acusar; a imposição ao militar de pernoitar no quartel, após as vinte e duas horas, só não o fazendo por autorização do superior.

57 CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos.São Paulo: RCN,2002.p.38.

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Paulo Tadeu Rodrigues é outro estudioso do direito que

alerta quanto à necessidade de mudança e adequação dos regulamentos

disciplinares militares a nova ordem constitucional, observando que:

A maioria dos regulamentos disciplinares das forças de segurança são decretos do poder executivo (estadual e federal), que em tese foram recepcionados pela nova ordem constitucional. Mas, qualquer alteração nos diplomas castrense somente poderá ser realizada por meio de lei provinda do Poder Legislativo, o que não tem sido observado na atualidade, o que torna ilegal qualquer modificação pós-1988 feita por decreto.58

Denota-se assim a rigidez dos regulamentos disciplinares,

sujeitando aos militares, punições severas, inclusive restritivas de liberdade.

Acontece que devido às características da profissão militar e ao regime especial a

que são sujeitos, é dado ao administrador um poder disciplinar especial que lhe

confere a faculdade de prender um militar que cometeu falta disciplinar, mesmo

sem ordem de autoridade judiciária competente ou sem que o mesmo encontre-se

em situação de flagrante delito.

2.1.2.1 Regulamento Disciplinar do Exército (RDE)

O Regulamento Disciplinar do Exército foi aprovado pelo

decreto nº 4.632, de 26 de agosto de 2002, que revogou o decreto nº 90.608, de

04 de dezembro de 1984 (antigo RDE). Dispõe em seu artigo 1º que “O

Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) tem por finalidade especificar as

transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a punições

disciplinares, comportamento militar das praças, recursos e recompensas”.

De todos os regulamentos, o RDE é o mais conhecido e é o

que regula e disciplina o maior contingente de militares das Forças Armadas. Seu

conhecimento se dá pelo fato de que à maioria dos civis que prestam o serviço

militar obrigatório, o fazem nesta força, e após seu licenciamento levam consigo o

conhecimento de tal regulamento disciplinar. As Polícias Militares e Corpo de

58 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Militares e habeas corpus: inconstitucionalidade do art.142, §2º, da CF/88. Jus navegandi, Teresina, 5ª, n.49, fev. 2001. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1593 Acesso em: 24 de março de 2005.

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Bombeiros Militares que não possuem regulamento próprio, geralmente utiliza-se

do RDE antigo (decreto nº 90.608, de 04 de dezembro de 1984).

2.1.2.2 Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAer)

O Regulamento Disciplinar da Aeronáutica é disposto pelo

decreto nº 76.322, de 29 de setembro de 1975 e regula as relações jurídicas entre

o soldado iniciante até o mais alto posto de carreira desta força.

De uma maneira geral, este regulamento segue as linhas

gerais dos demais regulamentos disciplinares. Existem diferenças específicas,

que são necessárias pelo fato desta força executar operações que envolvem

aeronaves militares e procedimentos especiais. O RDAer descreve como

transgressão, por exemplo, quando não constitua crime, a utilização de aeronave

militar ou civil sem autorização; o desleixo na observação do tráfego aéreo; a

execução de vôos de baixa altitude ou acrobáticos em locais não especificados

para tal ou sem autorização prévia, entre outros, justificando, assim, a existência

de um regulamento disciplinar especifico que preveja a conduta do militar

pertencente àquela força bélica.

2.1.2.3 Regulamento Disciplinar da Marinha (RDM)

O Regulamento Disciplinar da Marinha (RDM) foi aprovado

pelo decreto nº 88.5454 de 26 de julho de 1983.

Este decreto regula as condutas dos militares, levando em

consideração a sua particularidade de serviço prestado tanto por marinheiros

quanto por fuzileiros navais. Mesmo aqueles militares que atuam em terra, têm

sua missão voltada para a navegação. Como as atividades dos homens da

Marinha são especificas, ate mesmo pelo seu vernáculo, necessário foi que

existisse um regulamento disciplinar diferente dos demais.

2.1.2.4 Regulamento Disciplinar das Polícias e Corpo de Bombeiros Militares

dos Estados.

Como visto e observado acima, cada unidade da federação

possui seu corpo de tropa militar, representado pelas Polícias Militares e pelos

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Corpos de Bombeiros Militares, sendo que cada uma tem seu próprio

regulamento militar. Em alguns Estados estas duas forças são unificadas, ficando

o Corpo de Bombeiros subordinado a Polícia Militar,e portanto são regidas pelo

mesmo regulamento disciplinar. Na grande maioria dos Estados brasileiros o

Corpo de Bombeiros é independente, possuindo, inclusive, seu próprio

regulamento disciplinar.

Os regulamentos disciplinares dessas organizações seguem

em linhas gerais, os mesmos preceitos dos demais regulamentos, principalmente

o do Regulamento Disciplinar do Exército.

2.3 A TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR MILITAR

Transgressão Disciplinar Militar, segundo Univaldo Corrêa59,

é “a violação dos preceitos da ética, dos deveres e das obrigações militares na

sua manifestação simples”.

O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa

Catarina (Decreto nº12;112/80) por exemplo, dispõe em seu artigo 12 que:

Transgressão disciplinar é qualquer violação dos princípios da ética, dos deveres e das obrigações Policiais-Militares, na sua manifestação elementar e simples, e qualquer ação ou omissão contrária aos preceitos estatuídos em leis, regulamentos, normas ou disposições, desde que não constituem crime.

Um aspecto importante a frisar no presente trabalho, é a

diferenciação entre Transgressão Militar e Crime Militar. O Estatuto dos Militares

(Lei 6.880/80) dispõe, em seu artigo 42 que “a violação das obrigações ou dos

deveres militares, constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar,

conforme dispuser a legislação ou regulamento específico”.

59CORRÊA, Univaldo. A Justiça Militar e a Constituição de 1988: Uma Visão Crítica. Dissertação (mestrado em direito). Faculdade de Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.1991.p.99.

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Verifica-se dessa maneira, que muitas vezes, pode ser difícil

a missão de distinguir, exatamente, o que seja Crime Militar e Transgressão

Militar. Romeiro60, descreve esta dificuldade de distinção da seguinte forma:

(...) torna-se difícil estabelecer, por esse motivo, uma diferença essencial de conteúdo, semelhante a do direito penal e disciplinar comum, entre os dispositivos do Código Penal Militar e dos regulamentos disciplinares militares, cujos limites se estadeiam por vezes até esfumados. Haja vista certos ilícitos militares cuja configuração, como crime ou transgressão disciplinar, é confiada ao poder discricionário do julgador, como, em nosso C.P.M., o furto de coisa de pequeno valor praticado por agente primário (art.240, §§1º e 2º), a lesão levíssima (art.209, §6º), e outros mais (vejam-se os arts. 250, 253, 254, 260,parágrafo único, e 313, §2º, do C.P.M.). A diferença não é , assim, qualitativa mas quantitativa ou de grau, a critério do legislador.

O atual Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) aprovado

pelo decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002, também distingue a transgressão

disciplinar do crime, dispondo em seu artigo 14 que:

Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.

§ 1º Quanto a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar.

Jorge César de Assis61 nos dá o seguinte entendimento

acerca deste fato, afirmando que:

Logo, à diferença que existe entre o crime militar e transgressão disciplinar é apenas a intensidade. A punição da transgressão disciplinar tem caráter preventivo, ou seja, pune-se a transgressão

60ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar: parte geral. São Paulo: Saraiva,1994.p.09. 61 ASSIS, Jorge César de. Direito Militar – Aspectos Penais, Processuais Penais e Administrativos. Curitiba: Juruá,2001.p.46.

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da disciplina para prevenir o crime militar. A relação que existe entre o crime militar e a transgressão disciplinar é a mesma que existe entre crime comum e contravenção penal.

Vê-se, então, que a distinção entre transgressão e crime

militar está na gravidade do fato e na tipificação do mesmo, podendo concluir que

a Transgressão Militar é uma conduta ilícita de menor gravidade praticada pelo

um militar e prevista no respectivo Regulamento Disciplinar da instituição que

serve, sendo portanto, punido no âmbito administrativo pela Autoridade Militar, ou

pode este vir a cometer um Crime militar, que é quando o militar comete conduta

ilícita de maior gravidade, tipifica no Código Penal Militar (Decreto-Lei nº1001/69)

como crime, o que será apurado e responsabilizado junto à competente Justiça

Militar da União, se militar federal, ou dos Estados se militar estadual.

Por estar caracterizada como mal menor, as transgressões

disciplinares não estão tipificadas e compreendidas como crime militar, conforme

reza o artigo 19 do Código Penal Militar62.

2.4 PUNIÇÃO DISCIPLINAR

O servidor militar que deixa de observar os deveres que lhe

são impostos pelos regulamentos disciplinares de sua organização militar, fica

sujeito à punição disciplinar que é aplicada pela competente Autoridade Militar,

pois a inobservância de tais deveres constitui transgressão disciplinar.

É sanção aplicável à ofensa disciplinar que, na opinião de

Martins63, tal como a pena na órbita penal, cumpre dupla finalidade: é retribuída,

na medida em que a administração Pública deve buscar através do mal justo,

personificado na sanção, desestimular o mal injusto da transgressão disciplinar. E

é reeducadora, pois visa sintonizar o militar com os seus deveres. Daí não falar

em função ressocializadora da punição disciplinar, uma vez que o destinatário da

sanção não é um criminoso que precisa ser recuperado para a sociedade.

62 Art.19. Este Código não compreende as infrações dos regulamentos disciplinares. 63 MARTINS,Eliezer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar Militar e sua processualidade. São Paulo: LED,1996.p.77.

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Acrescenta ainda o referido autor que “(...) a sanção

disciplinar só pode atuar quando servir para a reeducação do transgressor. A

sanção pela sanção é estultice que ao invés de reforçar a disciplina e seus

desideratos, só se presta a desacreditar o sistema”64.

Nos termos do artigo 23 do Regulamento Disciplinar do

Exército (R-4), “A punição disciplinar objetiva a preservação da disciplina e deve

ter em vista o beneficio educativo ao punido e à coletividade a que ele pertence”.

Segundo ensinamento de Meirelles65, é indispensável para a

legalidade da punição disciplinar dois pressupostos, que seja realizada pela

autoridade administrativa competente a apuração regular da falta disciplinar

através do devido processo legal, assegurando os princípios processuais jurídicos

do contraditório e ampla defesa, e que somente depois de constatada a infração e

a autoria por parte do servidor, seja-lhe aplicada a punição disciplinar

correspondente, devidamente motivada.

As punições disciplinares a que estão sujeitos os militares

podem ser classificadas em dois grupos: as sanções meramente punitivas e as

sanções demissórias.

Na lição de Martins66, as sanções punitivas “são aquelas que

se destinam a reeducar o militar transgressor, sem que isto importe em sua

exclusão das fileiras da instituição militar a que pertence”. As demissórias, por sua

vez, “são aquelas que se destinam ao afastamento definitivo do militar

transgressor por razões disciplinares”.

Os regulamentos disciplinares militares em vigor, no geral

pouco divergem quanto ao tipo de penas impostas, sendo que suas diferenças

consistem meais referente à quantidade de dias da punição, no local de

64 MARTINS,Eliezer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar Militar e sua processualidade. São Paulo: LED,1996.p.77. 65 MEIRELLES,Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro.15.ed.Malheiros: São Paulo,1995. p.117. 66 MARTINS,Eliezer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar Militar e sua processualidade. São Paulo: LED,1996. p.79.

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cumprimento das penas restritivas, e nas diferenças de aplicação das mesmas

entre oficiais e praças.

2.4.1 Penas Não Restritivas de Liberdade

As punições não restritivas de liberdade são aquelas que

não interferem na liberdade de locomoção do transgressor. Tais punições

refletem, porém, negativamente na carreira do militar, acarretam mudança de

comportamento e perda de pontos na quantificação do mérito, conforme

legislação especifica. As referidas punições são: Advertência,

repreensão,licenciamento e exclusão a bem da disciplina.

A advertência, segundo o artigo 25 do RDE (R-4)

(Regulamento Disciplinar do Exército), é a punição mais branda destinada ao

militar infrator. Consiste numa admoestação realizada verbalmente ao mesmo,

tendo caráter reservado ou ostensivo. O parágrafo 2º do referido artigo dispõe

ainda que: “A advertência não constará das alterações do punido, devendo,

entretanto, ser registrada, para fins de referencia, na ficha disciplinar individual”.

A repreensão, diferentemente da advertência, trás prejuízos

ao militar transgressor. O RDAer (Regulamento disciplinar da Aeronáutica) dispõe

que: ”repreensão consiste na declaração formal de que ao transgressor coube

essa punição por haver cometido determinada falta”. O seu parágrafo único traz a

solicitação de publicação da referida punição em Boletim Interno, prejudicando,

dessa maneira, o militar quando da sua promoção por merecimento, pois conta

como pontuação negativa na sua avaliação.

O licenciamento é o afastamento do militar transgressor das

fileiras da organização militar quando o mesmo não possuir estabilidade, que se

adquire com dez anos de serviço. É mais comum tratando-se de militares em

início de carreira ou de oficiais e praças temporários. O parágrafo 1º do artigo 32

do RDE (R-4) (Regulamento Disciplinar do Exercito) assim dispõe:

O licenciamento a bem da disciplina será aplicado pelo Comandante do Exército ou comandante, chefe ou diretor de OM à praça sem estabilidade assegurada, após concluída a devida sindicância, quando:

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I- a transgressão afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe e, como repressão imediata, se torne absolutamente necessário à disciplina;

II- estando a praça no comportamento “mau”, se verifique a impossibilidade de melhoria de comportamento, como está prescrito neste Regulamento, e;

III- se houver condenação transitada em julgado por crime doloso, comum militar.

Já a exclusão a bem da disciplina é o afastamento definitivo

do transgressor da corporação. Diferencia-se do licenciamento, por que nesse

caso, o militar possui estabilidade, contando com mais de dez anos de serviço. O

Decreto 12.112/1980 (Regulamento Disciplinar da Polícia militar de Santa

Catarina- RDPMSC) dispõe no parágrafo 2º de seu artigo 29, que: “A exclusão a

bem da disciplina deve ser aplicada ex officio ao aspirante-a-oficial e à praça com

estabilidade assegurada de acordo com o prescrito no Estatuto dos Policiais-

Militares”.

2.4.2 Penas Restritivas de Liberdade

As penas descritas a seguir são as que mais interessam ao

presente trabalho, pois visam justamente o cerceamento do direito de ir e vir do

cidadão militar, que é o objetivo do habeas corpus, quando a mesma se dá

ilegalmente ou de forma abusiva. As penas restritivas de liberdade são: detenção,

prisão e prisão em separado.

A punição de detenção, segundo Evaldo Corrêa67, consiste

no cerceamento da liberdade do militar punido, o qual deverá permanecer em

local que for determinado. Normalmente o militar fica nas dependências do

quartel, sem, no entanto, ser encarcerado, e inclusive comparece a todos os atos

de instrução e serviço, exceto ao serviço de escala externo.

67 CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas Corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos. São Paulo: RCN,2002.p.38.

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Já a prisão consiste no encarceramento do militar punido em

local próprio e designado para tal, não podendo ultrapassar a trinta dias. Existe

uma diferenciação no cumprimento de tal punição dependendo da força a que o

militar esta subordinado, fato esse, injusto segundo Evaldo Corrêa68. O referido

autor assim justifica:

A execução da prisão depende do regulamento de cada Força, o que gera um fato injusto, já que existe uma isonomia de postos e graduações, entre os integrantes das Forças Armadas, mas o cumprimento da execução é diferenciado. Como exemplo temos os artigos 26§ 3º, e 28 do RDE, que dizem que a prisão de praças é no xadrez e que as praças inferiores a subtenente podem ter sua prisão em separado, devendo o punido permanecer encarcerado e solado. E o art. 25, alínea ‘a’, do RDM diz que, mesmo na punição rigorosa, a prisão consistirá no recolhimento do oficial, suboficial ou sargento aos recintos que na organização militar forem destinados ao uso do seu círculo. No RDAer art.21, assegura-se ao cadete, suboficial, sargento e demais alunos que a prisão será no alojamento ou local equivalente.

O Regulamento Disciplinar do Exército (R-4), especifica a

diferenciado do local de cumprimento da prisão, dependendo do posto ou

graduação do militar transgressor. Dispõe em seu artigo 29 e parágrafos, o

seguinte:

Prisão disciplinar consiste na obrigação de o punido disciplinarmente permanecer em local próprio e designado para tal

§ 1º Os militares de círculos hierárquicos diferentes não poderão ficar presos na mesma dependência.

§ 2º O comandante designará o local de prisão de oficiais, no aquartelamento, e dos militares, nos estacionamentos e marchas.

§ 3º os presos que já estiverem passiveis de serem licenciados ou excluídos a bem da disciplina, os que estiverem à disposição da

68 CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas Corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos. São Paulo: RCN,2002.p.38.

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justiça e os condenados pela Justiça Militar deverão ficar em prisão separada dos demais presos disciplinares.

§ 4º Em casos especiais, a critério da autoridade que aplicar a punição disciplinar, o oficial ao aspirante-a-oficial pode ter sua residência como local de cumprimento da punição, quando a prisão disciplinar não for superior a quarenta e oito horas.

Outra punição restritiva de liberdade é a prisão em

separado. Tal punição se dá em cárcere, onde o individuo permanece sozinho, na

maioria das vezes incomunicável. O RDPMSC (Regulamento Disciplinar da

Polícia Militar de Santa Catarina), em seu artigo 28, regula a prisão em separado

da seguinte forma:

Em casos especiais, a punição de prisão, para praças de graduação inferior a subtenente, pode ser agravada para “prisão em separado”, devendo o punido permanecer isolado, fazendo suas refeições no local da prisão. Esse agravamento não pode exceder à metade da punição aplicada.

Parágrafo único – A prisão em separado deve constituir a parte inicial do cumprimento da punição.

O presente capítulo nos deu uma idéia de como são regidos

juridicamente os militares federais e estaduais no Brasil, e como funciona o

sistema disciplinar militar. Verificamos que as organizações militares se

estruturaram dentro de um sistema rígido de normas, com fores matizes na

hierarquia e disciplina, tidas como princípios basilares dessas instituições, e que,

ao serem violadas, deflagram um mecanismo de proteção interna abrangendo o

processo administrativo e sujeitando o transgressor à responsabilidade

administrativa, penal ou civil.

No próximo capítulo estudaremos de forma criteriosa e

imparcial o objeto principal do trabalho, qual seja, do cabimento ou não do

instituto jurídico do habeas corpus nas prisões disciplinares aplicadas aos

militares, que em tese forem ilegais ou abusivas.

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CAPÍTULO 3

O HABEAS CORPUS NAS PUPNIÇÕES DISCIPLINARES MILITARES

3.1 DISPOSIÇÕES GERAIS

Conforme foi estudado e observado no primeiro capítulo

deste trabalho, desde a Constituição Federal de 1967, há preceituação legal

vedando a impetração do instituto do habeas corpus no caso de transgressão

disciplinar e sua respectiva punição administrativa.

Hodiernamente, o fundamento jurídico para denegar o

pedido de habeas corpus nas punições disciplinares militares, encontra-se

disposto no artigo 142, §2º da atual Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, da qual, assim dispõe: “Não caberá habeas corpus em relação a

punições disciplinares militares”.

No mesmo sentido, acompanhando a restrição imposta pelo

legislador constituinte, o Código de Processo Penal Militar (Decreto lei nº 1002, de

21 de outubro de 1969), exibe a mesma restrição quanto ao cabimento da

medida, ao excepcionar nas alíneas “a” e “b” do parágrafo único do artigo 466 o

seguinte, in verbis:

Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Parágrafo único. Excetuam-se, todavia, os casos em que a ameaça ou coação resultar:

a) de punição aplicada de acordo com os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas;

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b) de punição aplicada aos oficiais e praças das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, de acordo com os respectivos Regulamentos Disciplinares;

(..)

Observa-se que o instituto do habeas corpus é tratado pela

atual Constituição Federal de 1988 em capítulos distintos e separados.

Primeiramente, o habeas corpus está previsto no Título II (Dos Direitos e

Garantias Fundamentais), mais precisamente em seu Capítulo I (Dos Direitos e

Deveres Individuais e Coletivos), no art. 5º, inciso LXVIII, contendo a seguinte

redação: Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar

ameaçado de sofrer violência ou abuso de poder”.

Neste Título denota-se que não há qualquer exceção ao

emprego do referido remédio jurídico, por outro lado, no Título V do mesmo texto

constitucional (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas), em seu

Capítulo II (Das Forças Armadas), no artigo 142, §2º, o legislador constituinte

institui limitações quanto ao emprego do habeas corpus, dispondo que:”Não

caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”.

A temática, a priori, aparentemente pode ser de fácil

resolução, isso se o hermeneuta apreciar o artigo supra citado de forma absoluta,

literal e restritiva. Entretanto, não o que se vem verificando nos entendimentos da

doutrina e nos posicionamentos jurisprudenciais quanto à aplicabilidade do

instituto do habeas corpus nas punições disciplinares militares, conforme se

pesquisará no decorrer do presente capítulo.

3.2 DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS EM RELAÇÃO ÀS PUNIÇÕES

DISCIPLINARES DE NATUREZA MILITAR

Analisando acerca da interpretação jurídica utilizada pelos

operadores do direito, para fundamentar seus entendimentos, no sentido da

impossibilidade de o militar impetrar ou não o habeas corpus quando sofrerem

punições administrativas, mesmo diante da constatação de abuso ou ilegalidade,

Antoniel Souza destaca que:

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O fundamento para denegar o pedido encontra-se no art. 142, § 2º da Carta maior da Republica e no art. 466, 2ª parte, letras ‘a’ e ‘b’ do CPPM. Segundo a exegese dos referidos dispositivos haveria ‘carência de ação’ por impossibilidade jurídica do pedido. Interpretação tão restrita e atentatória dos direitos fundamentais do cidadão, não encontra guarida no moderno Estado Democrático de Direito, segundo nosso modesto entendimento. Restringir o acesso dos militares ao Poder Judiciário, tal como pretende a regra do art. 142,§2º da Constituição, é afetar o homem na sua dignidade e instalar o totalitarismo, transformando o militar em cidadão de segunda categoria.69

As divergências de interpretação do § 2º do artigo 142 da

CRFB/88, tanto na doutrina como na jurisprudência possuem argumentos em

todos os sentidos, os quais serão abordados e analisados para melhor se

entender o verdadeiro espírito do mandamento constitucional.

Quanto aos autores que defendem veementemente o

descabimento do habeas corpus no caso das punições disciplinares militares,

destaca-se, dentre eles Fagundes, citado por Arruda70, que em posição

extremada, nega a possibilidade do exame pelo judiciário de todos os atos

punitivos de cerceamento da liberdade quando emanados de autoridade militar. O

mesmo afirma que:

(...) ainda que o ato administrativo, em tal caso, se apresente com ilegalidade evidente, mesmo que esta se manifeste nos seus aspectos vinculados, como concernente à competência, não cai sob a apreciação judiciária. A restrição, prossegue ele, se inspira no propósito de fortalecer a disciplina nas corporações militares, subtraindo-se os atos dos superiores hierárquicos, considerados essenciais à sua organização e eficiência, à impugnação e discussão dos subordinados.

69 SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro da. Do Cabimento do habeas corpus nas prisões disciplinares militares ilegais e abusivas. Jus Navegandi, Teresina, ª 7, n.60, nov.2002. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3448 Acesso em:19 de out. 2005. 70 FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 4ºed. Rio de Janeiro: Forense, 927, p.168 apud ARRUDA, João Rodrigruês. Do Cabimento do Habeas Corpus nas Transgressões Disciplinares. Revista do Superior Tribunal Militar: Brasília, 10(1): 271.304, 1988, p.277.

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Em posição semelhante, Cretella Junior leciona em sua

obra que:

O habeas corpus é writ concedido a todo aquele que sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, regra jurídica constitucional que sofre exceção, em relação a punições disciplinares militares, insuscetíveis de serem garantidas por este remedium iurus, ao dispor dos cidadãos civis em geral. Excetuam-se, pois, da proteção do habeas corpus, todos os casos em que o constrangimento ou a ameaça de constrangimento à liberdade de locomoção resulta de punição disciplinar. (...) a pena ou sanção disciplinar é exceção à regra que submete outros tipos de sanções ao controle jurisprudencial, pois transgressão disciplinar, quer do servidor público, em geral, quer do militar, é infração ao poder disciplinar, à hierarquia, de onde emerge o dever de obediência. 71

Outro autor que, apesar de achar injusto tal vedação

constitucional do habeas corpus em relação a punições disciplinares militares

ilegais e abusivas, mas que entretanto, defende a literal e absoluta aplicação do

mandamento disposto no artigo 142, §2º da Carta Cidadã de 1988, é Ythalo Frota

Loureiro, denotando que:

Pensar que o habeas corpus seria cabível em relação a punições disciplinares militares, pois a ação é assegurada no art. 5º, inciso LXVIII, é olvidar o óbvio: a ação de habeas corpus é vedada em se tratando de punições disciplinares militares. Da mesma forma, não se pode argumentar que existe exceção à vedação de habeas corpus estabelecida pelo art. 142, § 2º da Constituição Federal de 1988, que não estabeleceu qualquer exceção. Seria abuso pensar que é vedado habeas corpus em punições disciplinares militares, salvo nos casos em que o habeas corpus é cabível contra punições disciplinares militares. Este tipo de interpretação é conflitante e não pretende outra coisa senão negar aplicação ao preceito constitucional, a titulo de corrigir tamanha injustiça.72

71 CRETELLA, José Júnior. Comentários á Constituiçao Brasileira de 1988. arts.92 a 144. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1992, p.3406 e 3407. 72 LOUREIRO, Ythalo Frota. A Vedação de “habeas corpus” em relação as Sanções Disciplinares Militares. Disponívelem:<http://www.acmp-ce.org.br/revista/ano5/n12/artigo01.php> Acesso em: 15 de Janeiro de 2006.

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Não obstante a posição dos doutrinadores citados, a

corrente majoritária doutrinaria entende ser cabível o referido remédio jurídico

constitucional nos casos em que a punição disciplinar possuir vícios em seu

procedimento, ou seja, ser constatado em tal ato administrativo qualquer

ilegalidade ou abuso de poder.

Um dos argumentos utilizados pelos estudiosos e

operadores do direito que defendem a possibilidade de impetração do habeas

corpus pelos militares punidos administrativamente, é a de que tal restrição

constitucional é paradoxal ao novo sistema jurídico humanitário e democrático, do

qual vivemos atualmente, vindo a atentar contra direitos e garantias fundamentais

do homem assegurados no artigo 5º da Carta Cidadã de 1988. Neste sentido

assevera Antoniel de Souza73 o seguinte:

Restringir o acesso dos militares ao Poder Judiciário, tal como pretende a regra do art. 142, § 2º da Constituição, é afetar o homem na sua dignidade e instalar o totalitarismo, transformando o militar em cidadão de segunda categoria, portanto, “a encarceração de uma pessoa(...) é uma arma menos pública. Ninguém a percebe, ou poucos poderão dela ter noticia. Oprime às escuras, nas prisões, no interior dos edifícios, nos recantos. É violência silenciosa secreta, ignorada, invisível, e portanto, mais grave e perigosa do que qualquer outra. Não seria o disposto no art. 142, § 2º resquício desta ordem totalitária? Tal dispositivo não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, pois as prisões ilegais e derivadas de abuso de poder, sejam elas de natureza disciplinar ou não, devem ser coibidas e rechaçadas pelo Poder Judiciário.

Outro discurso levantado pelos juristas que defendem a

aplicação do habeas corpus aos militares punidos disciplinarmente, é o do

princípio da isonomia do tratamento jurídico que deve ser dispensado aos

cidadãos em um Estado de Direito, conforme preceitua o artigo 5º caput da

Constituição Federal de 1988.

73 SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro da. Do Cabimento do habeas corpus nas prisões disciplinares militares ilegais e abusivas. Jus Navegandi, Teresina, ª 7, n.60, nov.2002. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3448 Acesso em:19 de out. 2005.

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Ressalta-se que a possibilidade do militar ter a sua

liberdade cerceada através da prisão administrativa decretada sem qualquer

autorização judicial, não significa que o mesmo tenha perdido o status de cidadão,

ficando sem acesso aos direitos fundamentais assegurados pela constituição

federal. O Estado apenas concedeu a possibilidade de cerceamento de liberdade

por ato diverso da autoridade judiciária nos casos expressamente previstos em lei

como crime militar ou transgressão disciplinar militar. Neste sentido, traz-se um

discurso de Joilson Fernandes74 que salienta o seguinte:

Destarte, exsurge que o servidor público militar não pode e não deve ser considerado uma subespécie de ser humano, ou entendido como um cidadão de 2ª classe. Ele é um cidadão igual a qualquer outro ser humano, não é pois, subespécie do gênero humano. Muito pelo contrário, é um cidadão com um plus, posto que assume o tributo do sangue com o sacrifício da própria vida, no cumprimento do seu dever profissional, para assegurar que os demais servidores e cidadãos tenham preservada a incolumidade física e patrimonial, a tranqüilidade, a ordem e a segurança pública. Noutras palavras, é de se questionar: será que axiológica, deontológica e juridicamente falando, a rigidez dos princípios da hierarquia e disciplina, sobrepujam os princípios de direitos e garantias fundamentais estabelecidos na própria Carta Cidadã? O servidor policial militar perde a cidadania ao tornar-se PM ou militar?

Desta forma, verifica-se que parte majoritária da doutrina

aceita a possibilidade de impetração do habeas corpus em favor de militar que

teve sua liberdade cerceada através de ato ilegal ou abusivo, bem como, os

argumentos e fundamentações suscitados por estes, a priori, parecem ser mais

sustentados e convincentes.

Contudo não são apenas estas as alegações feitas, outra

argumentação trazida por Antoniel Souza75, é acerca da hipótese de violação ao

74 GOUVEIA, Joilson Fernandes de. Os servidores públicos militares e os vetos constitucionais. Jus Navegandi, Teresina, a.2,n.25, jun.1998. Disponível em: http://www1.jus.com.br/dutrina/texto.asp?id=1579. Acesso em: 16 set. 2004. 75SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro da. Do Cabimento do habeas corpus nas prisões disciplinares militares ilegais e abusivas. Jus Navegandi, Teresina, ª 7, n.60, nov.2002. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3448 Acesso em:19 de out. 2005.

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princípio da hierarquia e disciplina que norteia as organizações militares,

suscitada por Cretella Júnior e Fagundes, conforme acima descrito, se acaso o

Poder Judiciário não respeitar o disposto no artigo 142, § 2º da Constituição

Federal, e acatar o instituto do habeas corpus em sede punições disciplinares.

Cumpre-nos registrar que tal postura por parte da Autoridade Judiciária em conceder a ordem de habeas corpus, em nada atenta contra o princípio da hierarquia e da autoridade insertos na vida dos militares, ou ingerência do Poder Judiciário nas atividades do Executivo. Outra não é a atuação do juiz, senão o controle da legalidade dos atos da administração e a preservação da ordem constitucional em sua plenitude. (...) é falsa a premissa de que para se assegurar o principio da autoridade, da hierarquia e disciplina nos meios militares, será necessário recorrer à abjeta tática de restrição do uso do habeas corpus, mesmo quando a prisão decorre de ilegalidade e abuso de poder por parte da autoridade militar.

Visando sustentar sua opinião, o mesmo autor traz a baila

uma citação de Heráclito Mossin, destacando que:

O princípio da autoridade deve ser respeitado e prestigiado quando a pessoa que dela se encontra revestida, atue dentro dos contornos legais, nos limites estabelecidos pela lei. A partir do momento que sua atuação se mostre arbitrária e transgressora do preceito legal, não pode prevalecer aquele princípio tendendo a convalidar aquilo que o direito não agasalha. Isso seria a negação do próprio direito, e seria altamente insensato que em nome da hierarquia ou dever de obediência, se tolerasse para prestigiar o princípio da autoridade, a coação ou sua ameaça da liberdade física do servidor público. O direito não deve, inexoravelmente, sancionar aquilo que por ele não é aceito e nem amparado.76

Observa-se que os argumentos doutrinários favoráveis à

concessão da ordem de habeas corpus nas punições administrativas de natureza

militar, quando ilegais e abusivas, tem um enfoque hermenêutico teleológico e

76 MOSSIN, Heráclito Antonio. Habeas Corpus. 4ed. São Paulo: Atlas, 1999. pág.86. apud. SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro da. Do Cabimento do habeas corpus nas prisões disciplinares militares ilegais e abusivas. Jus Navegandi, Teresina, ª 7, n.60, nov.2002. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3448 Acesso em:19 de out. 2005.

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progressista, onde são sustentadas questões de valores éticos e jurídicos na

analise realizada na presente temática deste trabalho acadêmico.

3.3 O CONFLITO CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 142, § 2º, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Evaldo Corrêa77 ao defender o cabimento do habeas corpus

no caso de punição disciplinar militar, traz à tona uma questão muito importante

no contexto desta discussão, que é a contradição existente entre os dispositivos

constitucionais, ora garantindo a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º,

inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou

ameaça a direito”, ora excluindo da apreciação do judiciário o Writ em relação à

transgressão disciplinar dos militares. Segundo o mesmo, seria estabelecer o

Estado de Tirania dentro das instituições militares. Não se pode tirar do judiciário

o poder de apreciação do ato administrativo eivado de vícios.

Há autores que afirmam que o preceito disposto no artigo

142, § 2° do texto constitucional pátrio padece de constitucionalidade, entendendo

que o referido dispositivo trata-se apenas de norma-regra formalmente

constitucional, e que se confronta com normas-princípios fundamentais da

Constituição. Dentre eles Antoniel Souza, que para sustentar seu entendimento,

cita que, em uma conferência de 1951, um jurista chamado Otto Bachof, já se

questionava, afirmando que:

(...) põe-se além disso, a questão de saber também se uma norma originariamente contida no documento constitucional (...) uma norma criada, portanto, não por força da limitada faculdade de revisão do poder constituído, mas de ampla competência do poder constituinte, pode ser materialmente inconstitucional. Esta questão pode parecer a primeira vista, paradoxal, pois na verdade, uma lei constitucional não pode manifestamente violar-se a si mesma. Contudo poderia suceder que uma norma constitucional, fosse de encontro a um preceito material fundamental da Constituição e, portanto carecer, por isso, de obrigatoriedade jurídica em virtude

77 CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos.São Paulo: RCN,2002. p.40.

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de uma contradição com um preceito de grau superior do mesmo documento constituinte.78

E visando reforçar sua argumentação, o mesmo autor

sustenta ainda que:

(...) a solução do conflito entre princípio e regra pode ser expandido para reforçar a tese da pertinência do Hábeas corpus nas prisões disciplinares ilegais e abusivas. Na contradição entre a norma- regra (tal como é o art. 142 § 2º, que contem uma proibição taxativa e se aplica segundo um critério de “tudo ou nada”) e as normas-princípios (da isonomia de tratamento dos indivíduos pelo Estado, da regra da liberdade, da inafastabilidade de controle e de acesso ao Poder Judiciário, do princípio da legalidade, do devido processo legal, de que toda prisão deverá ser comunicada a Autoridade Judiciária, todos consignados no magno art. 5º da CF/88 e o princípio da proporcionalidade implícito na ordem constitucional), a norma-princípio há que prevalecer com toda sua soberania e força.79

Entende-se portanto, que não é conveniente e juridicamente

correto a utilização do termo ‘inconstitucionalidade’ quando nos depararmos com

normas aparentemente conflitantes no texto constitucional originário, e que o

termo adequado seria ‘contrariedade, conflito ou contradição‘ de normas

constitucionais.

Assim, não seria admissível inconstitucionalidade dentro da

Constituição, o que pode ocorrer é uma falta de adequação da norma dentro do

texto promulgado pelo constituinte originário.

78 BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota previa de Jose Manoel Cardoso da Costa. Coimbra: Almeidina,1994. pág.54-55. apud SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro da. Do Cabimento do habeas corpus nas prisões disciplinares militares ilegais e abusivas. Jus Navegandi, Teresina, ª 7, n.60, nov.2002. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3448 Acesso em:19 de out. 2005. 79 SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro da. Do Cabimento do habeas corpus nas prisões disciplinares militares ilegais e abusivas. Jus Navegandi, Teresina, ª 7, n.60, nov.2002. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3448 Acesso em:19 de out. 2005.

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J.J. Canotilho80 também acrescente acerca do problema das

“normas constitucionais inconstitucionais”. O referido autor ensina que:

O problema das normas constitucionais inconstitucionais é levantado por quem conhece um direito supra-positivo vinculado do próprio legislador constituinte. É perfeitamente admissível, sob o ponto de vista teórico, a existência de contradições transcendentes, ou seja, contradições entre direito constitucional positivo e os “valores”, ‘diretrizes”, ou “critérios” materialmente informadores da modelação do direito positivo (direito natural, direito justo, idéia de direito).

Segundo magistério de Mirabete sobre o conflito dos

referidos dispositivos constitucionais referentes ao Writ do habeas corpus, e

aborda ainda que a punição disciplinar por ser um ato administrativo, deve

preencher seus requisitos necessários de validade, tendo por sua vez, o Poder

Judiciário o poder-dever de tutelar direitos lesados ou ameaçados dos indivíduos

que recorrerem a sua prestação jurisdicional. A lição diz que:

Resta, porém, a impossibilidade do habeas corpus em relação a punições disciplinares (art. 142 § 2º da CF/88), entretanto, como a própria Constituição Federal assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º XXXV) e a punição é ato administrativo, deve ele atender a requisitos necessários para sua validade, quais sejam os da competência, motivo, forma, objeto e finalidade, sob pena de ser ilegal, abusivo e arbitrário, pode ser ele discutido no mandamus.81

Um outro argumento que também foi suscitado por Antoniel

de Souza82, e que segundo ele é para fulminar as pretensões daqueles que

rechaçam de plano a conveniência do habeas corpus nas prisões disciplinares

militares ilegais e abusivas, é de que o Brasil ratificou o pacto de San Jose da

Costa Rica de 1969, através do Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992, o

80 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998. p.156. 81MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal – Habeas Corpus. 7 Ed. São Paulo: Atlas, 1997. p.699. 82SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro da. Do Cabimento do habeas corpus nas prisões disciplinares militares ilegais e abusivas. Jus Navegandi, Teresina, ª 7, n.60, nov.2002. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3448 Acesso em:19 de out. 2005.

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qual adquiriu status de norma constitucional no ordenamento jurídico pátrio, e no

art. 7º, nº 6 deste pacto internacional, estão assegurados alguns princípios

fundamentais da pessoa humana, sendo o do tratamento igualitário que o Estado

deve dispensar a todas pessoas em seu território, inclusive o de garantir o acesso

integral de recorrer a um juiz ou tribunal no sentido de assegurar a defesa contra

a violação ou ameaça a um direito fundamental, como é o da liberdade de

locomoção.

Outrossim, denota-se através da pesquisa, que em países

de tradição democrática, berço dos ideais liberais-burgueses, a exemplo dos

EUA, da França, da Itália, Portugal entre outros, não encontramos distinção de

direitos, garantias e deveres entre civis e militares. Todos são tratados pelo

império da Lei e dos princípios cívicos. O que se encontra é a determinação da

criação de uma espécie de estatuto próprio para a organização do contingente,

com direitos e deveres “interna corporis”.83

Vislumbra-se até agora na pesquisa, que as interpretações e

argumentos utilizados pelos autores para dirimir a temática proposta , qual seja,

do cabimento do habeas corpus nas punições disciplinares militares, foi

estabelecendo valores de ordem principiológica assegurados na atual

Constituição Federal, levantando inclusive, a tese da possibilidade de se argüir a

inconstitucionalidade do artigo 142, § 2º da mesma Carta Política.

Desta forma, após expor os entendimentos doutrinários e

jurisprudenciais, de que a punição disciplinar aplicada ao militar, sendo um ato

administrativo, e que acima de tudo trata diretamente do direito fundamental da

liberdade de locomoção do individuo, deve obedecer a certos requisitos legais

necessários para sua validade, como competência, motivação, forma, objeto e

finalidade, e que o judiciário tem o poder-dever de julgar a legalidade deste ato

administrativo, se foi, ou não, revestido de todas as garantias e formalidades

previstas, inclusive em sede de habeas corpus, surge a necessidade de se

abordar de que forma estas ilegalidades são entendidas, argumentadas e

conseqüentemente rechaçadas pelo judiciário.

83 Ver www, acmp-ce.org.br/revista/ano5/n12/artigos04.php. Acessado em 02 de abril de 2006.

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3.4 DAS ILEGALIDADES A SEREM ATACADAS

Com relação ao reexame das ilegalidades do ato

administrativo de punição disciplinar militar, que podem ser suscitadas pelo preso

ou detido militar, e que conseqüentemente devem ser rechaçadas pelo Poder

Judiciário através do habeas corpus, Marcos José da Costa84 reconhece em seu

magistério o seguinte:

Em que pese o artigo 142, § 2º da Carta Magna, vedar a possibilidade de incidência do Habeas Corpus com relação ao reexame das punições disciplinares dos militares, apenas o faz com relação ao mérito do ato administrativo punitivo e não se estende a analise de outros requisitos e condições do ato administrativo.

Neste mesmo entendimento é a lição de J.M.Othon85,que em

sua obra, discorre que:

A regra de habeas corpus contra a prisão de natureza disciplinar – orienta a jurisprudência – não era absoluta. O que não podia ser apreciado pelo remédio-interdito era a infração disciplinar em seu conteúdo especifico, ou a justiça ou injustiça da punição. Todavia, não se excluía da apreciação judicial a legalidade do ato, o conhecimento e a verificação da competência da autoridade coatora. Portanto, em se tratando de prisão disciplinar, ou administrativa, o habeas corpus só era cabível para apurar: a)se a prisão foi determinada pela autoridade competente; b) se a lei a autorizava, em tese; c) se as formalidades legais foram observadas; d) se o prazo legal foi excedido (...)

Conforme Hely Lopes Meirelles86, o ato administrativo revela

nitidamente a existência de cinco elementos, que são requisitos necessários à

sua formação, a saber: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. E que

84 COSTA, Marcos Jose da. A Natureza do Recolhimento Disciplinar e a Possibilidade de Impetração do Habeas Corpus. Revista Direito Militar, nº 34, Março/Abril,2002. p.34. 85 SIDOU, J. M. Othon. Habeas Corpus, Mandado de Segurança, Mandado de Injunção, Habeas Data, Ação Popular- As Garantias Ativas dos Direitos Coletivos. Rio de Janeiro, Forense, 2002. p.108. 86 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.140.

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sem a convergência desses elementos o ato não se aperfeiçoa, e

conseqüentemente não terá eficácia para produzir efeitos válidos.

Enfatizando ainda acerca do conceito de cada um desses

elementos, segundo Hely Lopes Meirelles87 a competência é o poder atribuído ao

agente da Administração para o desempenho, já a finalidade seria o objetivo do

interesse publico a atingir, por sua vez, a forma legal é os procedimentos

especiais exigidos por lei administrativa para que se expresse validamente o ato,

e quanto o motivo é a situação de fato e de direito que determina ou autoriza a

realização do ato administrativo, e por fim, o objeto seria as pessoas, coisas ou

atividades sujeitas à ação do Poder Público.

Quanto aos requisitos e pressupostos específicos da

punição disciplinar, Pinto ferreira88 ensina que estes são quatro, quais sejam: a)

hierarquia, pois o agente transgressor deve estar subordinado ao agende que o

pune; b) poder disciplinar, atribuindo poder punitivo ao superior; c) ato ligado à

função do punido; d) pena baseada em previsão legal. Explica ainda, que o

habeas corpus é possível em três situações: quando a sanção for determinada

por autoridade incompetente, quando ela estiver em desacordo com a lei ou os

limites da lei forem extrapolados.

Os pressupostos citados acima pelo referido autor estão

presentes no julgamento de habeas corpus realizado pelo Supremo Tribunal

Federal, que foi favorável à concessão do Writ constitucional em punição restritiva

de liberdade aplicada a um militar:

BRASIL,Supremo Tribunal Federal. habeas Corpus. o sentido da restrição dele quanto às punições disciplinares militares (artigo142,§2º, da Constituição Federal).- Não tendo sido interposto o recurso ordinário cabível contra o indeferimento liminar do habeas corpus impetrado perante o Supremo Tribunal de Justiça (art.102,II,”a”, da constituição Federal), conhece-se do presente “writ” como substitutivo desse recurso. – O entendimento

87 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.141 a 144. 88 FERREIRA, Pinto. Comentários a Constituição Brasileira: arts.22 a 53. São Paulo: Saraiva, 1990, vol.2. p.232.

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relativo ao § 20 do artigo 153 da Emenda constitucional nº1/69, segundo o qual o princípio de que nas transgressões disciplinares não cabia habeas corpus, não impedia que se examinasse, nele, a ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade dessas transgressões (a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado a função e a pena suscetível de ser aplicada disciplinarmente) continua valido para o disposto no § 2 do artigo 142 da atual constituição que apenas mais restritivo quanto ao âmbito dessas transgressões disciplinares, pois limita as de natureza militar. Habeas corpus deferido para que o S.T.J. julgue o “writ” que foi impetrado perante ele, afastada a preliminar do seu não cabimento. Manutenção da liminar deferida no presente habeas corpus até que o relator daquele possa aprecia-la, para mantê-la ou não HC-70648, Rel. Ministro Moreira Alves. 1º T. STF. j.09.11.93.dj 04.03.94 Ementa.Vol.-01735-01 PP-00110.

Um exemplo concreto de um ato viciado por ilegalidade,

buscando ilustrar os entendimentos citados, seria a de um militar subordinado

que serve em um batalhão e de um militar superior hierárquico a este, mas que

porém serve em outra unidade. Há entre ambos uma relação de subordinação

hierárquica, a qual resulta no dever de cumprir o disposto nos regulamentos em

relação aos sinais de respeito (continência) entre militares, tratamento, dentre

outros. Porém, entre eles não há relação de poder disciplinar, ou seja, o militar

superior não exerce sobre aquele subordinado poder de impor sanção disciplinar.

Logo, se a punição disciplinar for imposta sem a observância de tal requisito a

restrição da liberdade resultante desta será passível de ser resolvida por meio de

habeas corpus, segundo entendimento da doutrina majoritária.

Evaldo Corrêa89, em sua obra, afirma o ato de punição

disciplinar para ser legítimo, deve atende a seus cinco elementos constituintes: a

competência do sujeito ativo em face do sujeito passivo, o motivo, o objeto, a

finalidade e a forma. Procurando evidenciar melhor os defeitos dos atos

administrativos que podem ensejar a impetração do habeas corpus, nas

transgressões disciplinares militares, o referido autor transcreve o parágrafo único

do artigo 2º da Lei nº 4.717/65, que trata da Ação Popular, que assim dispõe:

89CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos. São Paulo: RCN,2002. p.40.

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Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;

b) o vicio de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explicita ou implicitamente, na regra de competência.

Corroborando com esse entendimento foi a decisão do

Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso de habeas corpus 1999/0066031-

5, in verbis:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. COMPETENCIA. JULGAMENTO. HABEAS CORPUS. PUNIÇAO DISCIPLINAR MILITAR. A proibição inserta do artigo 142 do parágrafo 2º da Constituição Federal, relativa ao não cabimento do habeas corpus contra punições disciplinares militares, é limitada ao exame do mérito, não alcançando o exame forma do ato administrativo disciplinar, tido como ilegal e abusivo, e por força de natureza, próprio de competência da justiça castrense.

Estudando o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de

Santa Catarina, observa-se que dentre outros poderes conferidos a autoridade

militar, é o da possibilidade de se punir um subordinado por fato não

expressamente tipificado. São as chamadas transgressões disciplinares não

especificadas. É o caso do artigo 13, item 2 do citado regulamento, que

caracteriza como transgressão, além daquelas elencadas na relação de

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transgressão no seu anexo I, quaisquer outras ações ou omissões do militar que

afetem a honra pessoal, o decoro da classe ou o sentimento de dever.

Denota-se que são critérios bastante subjetivos conferidos

pelo regulamento à autoridade militar, para se concluir se uma determinada

conduta do subordinado constitui ou não uma transgressão disciplinar. A respeito

deste assunto Martins90 é contundente em seu posicionamento:

Transgressões disciplinares militares não especificadas são aquelas destituídas de descrição, em que o conteúdo transgressional acaba por ser preenchido pelo aplicador. Como exemplo de transgressão disciplinar militar não especificada temos a do nº2 do artigo 12 do Regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado de são Paulo que dispõe ser “transgressão disciplinar todas as ações ou omissões não especificadas neste regulamento, praticadas contra as leis, as instituições, os símbolos nacionais, contra a dignidade da classe, contra os preceitos da subordinação,regra de conduta e de serviço estabelecidas nas leis e regulamentos, ou prescritas por autoridades competentes”. Somos do parecer que a categoria das transgressões disciplinares não especificadas são inaplicáveis na atualidade pelo fato de ter sido a disciplina da aplicação desta categoria tornando-se incompatível com a constituição federal de 1988 na parte em que tornou aplicável ao processo disciplinar o principio do contraditório e a ampla defesa (...) A disciplina das transgressões disciplinares não especificadas é incompatível com o Estado de direito, por desrespeitar um de seus pilares: o principio da legalidade que se desdobra na taxatividade. Não há transgressão disciplinar sem tipo (...). A própria legislação vem cedendo passo ao imperativo da absoluta tipificação das transgressões disciplinares, neste sentido à lei das execuções penais (7.210/84), ao tratar da disciplina dos presos (capítulo IV,Seção III, subseção I) em seu artigo 45 dispõe in verbis “não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal e regulamentar(...)” Assim, defender-se das acusações com sede em omissões não especificadas é como duelar com um fantasma, com uma alegoria covarde destituída de corpo de alma, com um espectro que nos ataca pelas costas, que vive de atalaia e não se apresenta por temer a espada da justiça (..) O acusado tem a garantia Constitucional do contraditório e da

90 MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar Militar e sua Processualidade. São Paulo: LED, 1996. p.87.

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ampla defesa que lhe asseguram conhecer as imputações que se lhe fazem, podendo pela qual não se lhe pode aplicar a disciplina das ignominiosas, fascistas e inconstitucionais transgressões disciplinares não especificadas.

Evaldo Corrêa91 frisa que os regulamentos disciplinares

militares, por terem sido elaborados antes da constituição Federal de 1988,

necessitam de revisão, para que os princípios constitucionais e os direitos e

garantias fundamentais do individuo sejam respeitados.

Para melhor esclarecer o tema, o mesmo autor entende que:

De tal sorte que, por conta da falta de modificação dos regulamentos militares, em especial os disciplinares, praticamente várias ilegalidades e, por via de conseqüência, a pena por transgressão disciplinar esta sendo aplicada sem o devido respeito à forma legal, adequada e justa. E por faltarem essas adequações, está se tornando comum, ao apreciar a legalidade da punição, o Poder Judiciário julgar que houve ilegalidade no ato administrativo militar, decidindo por sua nulidade92.

Para demonstrar tal explanação Evaldo Corrêa93 transcreve

uma jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal, do Rio Grande do Sul,

na Apelação Civil n°96.04.54241-9-RS:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. SANÇAO.DISCIPLINAR. CONTRADITORIO E AMPLA DEFESA.

1. A sanção disciplinar imposta ao militar deve ser precedida de processo administrativo em que seja oportunizado ao acusado o contraditório e ampla defesa, o que não é entendido apenas pela tomada de seu depoimento ou pela possibilidade de recorrer da decisão administrativa. Art.5º,LV, da CF.

91 CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos.São Paulo: RCN,2002.p.48. 92 CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos.São Paulo: RCN,2002.p.48. 93 CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos.São Paulo: RCN,2002.p.49.

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2. O parágrafo 3º do art.51,da lei 6.880/80, que determina que o militar só poderá recorrer ao judiciário depois de esgotados todos os recursos administrativos, no foi recepcionado pelo atual texto constitucional, que consagrou o principio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Art.5], XXXV, da CF.

Observa-se que tal jurisprudência ressalta outra ilegalidade

que preceituada no Estatuto dos Militares, que é a imposição do exaurimento da

via administrativa. Assim é o que dispõe o §3º do artigo 51 da Lei 6.880/80

(Estatuto dos Militares): “o militar só poderá recorrer ao judiciário depois de

esgotados todos os recursos administrativos e devera participar esta iniciativa,

antecipadamente,à autoridade à qual estiver subordinado”.

Evidencia-se, portanto, que alguns preceitos dispostos nos

Regulamentos e Estatutos Militares, a exemplo dos citados anteriormente, não

foram recepcionados pela atual Constituição Federal de 1988, que acima de tudo,

garanti como princípio fundamental, assegurado em seu artigo 5º, o respeito ao

direito da ampla defesa e ao contraditório aos litigantes em processo judicial ou

administrativo, bem como o da presunção de inocência, que conforme estudado,

as vezes não são obedecidos nos processos administrativos disciplinares

instaurados para punir militares que venham a cometer transgressões

disciplinares.

3.5 DA COMPETÊNCIA PARA CONHECER DO HABEAS CORPUS NAS

JUSTIÇAS MILITARES

Getúlio Corrêa94 ensina que ao contrário de outros países, a

Justiça Militar no Brasil é órgão do Poder Judiciário, conforme preceitua o artigo

92, em seu inciso VII da Constituição Federal, que se apresenta em dois níveis,

sendo um federal e outro estadual.

O primeiro, representado pela Justiça Militar Federal, se

divide em dois órgãos, o Superior Tribunal de Justiça Militar e os Tribunais e

94 CORRÊA,Getúlio. A Transgressão Militar, o Habeas Corpus e a Justiça Militar.Revista Direito Militar.1ª ed. São Paulo: Edjur Publicações S/C ltda,1996.nº1,1996. p.03.

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Juízes Militares, segundo o disposto nos incisos I e II do artigo 122 da

Constituição Federal, e neles são processa e julgados os crimes praticados pelos

militares das Forças Armadas, conforme reza o art. 124 do referido texto

constitucional.

Por sua vez, o segundo, no âmbito dos Estados, processa e

julga os policiais militares e bombeiros militares, sendo que é representado pela

Justiça Militar Estadual, naqueles Estados em que o efetivo dos militares

estaduais seja superior a vinte mil integrantes, e atualmente foram criados estes

órgãos apenas nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais,

conforme trata o artigo 125, §4º do texto constitucional, e pelos Auditores Militares

onde o efetivo for inferior a vinte mil.

Todos, sejam militares federais ou estaduais, serão

processados e julgados pelos competentes órgãos jurisdicionais milicianos,

quando vierem a cometer crimes militares definidos no Código Penal Militar (Lei nº

1.001/69).

No âmbito federal, a Lei de Organização da Justiça Militar

Federal (LOJMU - Lei nº 8.457, de 04 de setembro de 1992), bem como o Código

de Processo Penal Militar atribuem a competência para apreciar a ação de

habeas corpus ao Superior Tribunal Militar. Estas legislações não atribuem o

poder de apreciar habeas corpus ao juiz de primeiro grau de jurisdição da Justiça

Militar.

Univaldo Corrêa95, explicando o motivo pelo qual o legislador

não atribuiu competência ao primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar par

conhecer do habeas corpus, expõe que:

Por que se ter apenas o Supremo Tribunal Militar, quanto à Justiça Militar Federal, com sede em Brasília, para receber habeas corpus de todo o Brasil? Talvez seja mesmo uma desconfiança nos juizes de 1º instancia da Justiça Militar Federal, e isso não vem apenas de 1969, já em 1938 o quadro era o

95 CORRÊA,Getúlio. A Transgressão Militar, o Habeas Corpus e a Justiça Militar. Revista Direito Militar.1ª ed. São Paulo: Edjur Publicações S/C ltda,1996.nº1,1996. p.26.

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mesmo, pois de acordo como Código de Justiça Militar baixado naquele ano, o pedido de habeas corpus teria de ser dirigido ao então Superior Tribunal Militar (art.272), e os doutrinadores de então – pelo menos, dentre os aqui pesquisados – não estranhavam da situação, limitando-se a louvar o conhecimento e o valor dado ao habeas corpus na Justiça Militar. A única correlação possível em ter as duas épocas em que tais leis adjetivas militares foram elaboradas – 1938 e 1969 – era que, então, o regime vigente era ditatorial civil, no primeiro caso,e ditatorial militar no segundo. Ou, com outras palavras, vigia um regime de força e com, a competência que a justiça Castrense tinha para julgar os crimes políticos, acautelavam-se os dirigentes, só permitindo a concessão de habeas corpus para um órgão que, pelo menos em tese, estivesse mais afinado com as idéias políticas de quem governasse o país.

Quanto as Auditorias Militares e as Justiças Militares dos

Estaduais, Evaldo Corrêa96 explica que elas têm competência para processar e

julgar os crimes militares tipificados no artigo 9º do decreto lei nº 1.001/69 (Código

Penal Militar), bem como os atos disciplinares militares praticados por militar

estadual, e portanto, o pedido de habeas corpus referente a estes atos deverá ser

protocolado e julgado no respectivo órgão judiciário militar, do qual o

jurisdicionado militar está subordinado.

Analisando este entendimento e mais o disposto no artigo

125, § 3º e 4º da Constituição Federal, conclui-se que em nível estadual, naqueles

onde há Tribunal de Justiça Militar Estadual a competência originária para

processar e julgar a ordem de habeas corpus foi mantida em cada Estado,

através das leis de organização judiciária militar dos mesmos.

Foi o caso do Rio Grande do Sul: “Compete á Corte de

Apelação da Justiça Militar processar e julgar originariamente o habeas corpus,

nos casos previstos em lei”.97

96CHAVES, Evaldo Corrêa. Hábeas corpus na Transgressão Disciplinar – Possibilidade Jurídica e Ressarcimento dos Danos.São Paulo: RCN,2002.p.42. 97RIO GRANDE DO SUL. Lei de Organização Judiciária/RS (Lei Nº 6.155/70). Artigo 36,’b’.

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Já nos Estados onde não há Tribunal de Justiça Militar

Estadual, mais sim a Auditoria Militar, como é o caso de Santa Catarina, onde o

respectivo Tribunal de Justiça funciona como órgão judiciário de segundo grau, o

habeas corpus deve ser conhecido pelos seus juízes-auditores.

Getúlio Corrêa98, lembra que em alguns estados a função de

Juiz-auditor é exercida por Juiz de direito, e estes é que acabam decidindo a

respeito de habeas corpus na Justiça Militar Estadual, até porque já estão

acostumados a fazê-lo na Justiça Comum, como juízes singulares.

98CORRÊA,Getúlio. A Transgressão Militar, o Habeas Corpus e a Justiça Militar.Revista Direito Militar.1ª ed. São Paulo: Edjur Publicações S/C ltda,1996.nº1,1996. p.28.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho de pesquisa teve como objetivo

específico a investigação a respeito da vedação contida no § 2º do artigo 142 da

Constituição Federal, analisando os argumentos acerca do cabimento ou não do

instituto do habeas corpus para combater as prisões ilegais ou abusivas nas

punições disciplinares militares. Para isto o relato da pesquisa foi dividido em três

capítulos.

Inicialmente realizou-se um estudo sobre o instituto do

habeas corpus, onde se observou que o referido instituto é uma autêntica ação

constitucional destinada a assegurar o direito fundamental de liberdade de

locomoção contra atos ilegais e abusivos, que tem grande utilidade no controle

dos atos da administração pública que possam repercutir na esfera do deste

direito do cidadão, servindo de instrumento rápido e eficaz para o desfazimento

de tais atos.

No segundo capítulo tratou-se do regime jurídico do militar

brasileiro e das transgressões disciplinares militares, onde se verificou que os

milicianos são regidos por estatutos próprios, peculiares as suas atribuições, que

preceituam seus direitos e obrigações, tendo como pilares básicos os princípios

da hierarquia e disciplina, que os sujeitam a um regime disciplinar rígido imposto

também por regulamentos disciplinares que, na sua maioria, foram elaborados

muito antes da Constituição Federal de 1988, e portanto, muitos dispositivos não

foram recepcionados pela atual carta.

Finalmente, no terceiro capítulo passou-se ao analise do

tema da monografia, qual seja, do cabimento do instituto jurídico do habeas

corpus nas punições disciplinares militares, onde foi constatado que não há

entendimento pacífico entre os operadores do direito acerca da problemática

levantada, entretanto, em resposta a primeira hipótese levantada no início do

trabalho, vislumbrou-se que a interpretação do texto constitucional deve ser feita

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de forma teleológica, progressiva e sistemática, com a valorização e aplicação de

todos os seus princípios.

Quanto há possibilidade de se existir e declarar a

inconstitucionalidade dentro da Constituição Originária, como visto, não há que se

falar em inconstitucionalidade do § 2º do artigo 142 da Carta Constitucional, pois o

sistema jurídico pátrio não comporta inconstitucionalidade da norma originária. No

nosso ordenamento jurídico ocorre apenas o controle das normas

infraconstitucionais ou de normas derivadas a serem emendadas ao texto

constitucional.

Assim, vislumbrou-se que pode e deve ser feito pelos

operadores do direito ao enfrentar contradições no texto constitucional, é a

realização de uma hermenêutica que assegure a aplicação de princípios e valores

da justeza, unidade e harmonia da Constituição.

Restou também comprovada a hipótese de que não se pode

haver limitação ou exceção quanto ao alcance do habeas corpus, e que no caso

de prisão ilegal ou abusiva, a Constituição Federal prevê a possibilidade de

impetração deste remédio jurídico, sendo que é uma garantia constitucional que

pode ser pleiteada por qualquer pessoa, pois o artigo 5º, LXVIII, desta Carta

Magna em nenhum momento faz qualquer ressalva em relação aos brasileiros

naturalizados, estrangeiros ou militares. Bem como, deve-se respeitar o princípio

da inafastabilidade do acesso a Justiça, assegurada no inciso XXXV do referido

artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

Obtendo dados teóricos das obras e julgados dos interpretes

e aplicadores do direito pesquisados, restou por fim confirmada a hipótese de que

mesmo em face da restrição legal do cabimento do habeas corpus imposta aos

militares punidos disciplinarmente, esta punição, por se tratar de um ato

administrativo, não podem fugir ao controle jurisdicional, no sentido de que, se for

constatada alguma ilegalidade ou abuso de poder, o militar poderá sim impetrar

ordem de habeas corpus para que se faça cessar a violência em face do seu

direito fundamental da liberdade de locomoção. Porém, o mesmo não é oportuno

para o exame do mérito dos atos administrativos.

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Portanto, sem ferir a independência dos poderes, compete

ao judiciário verificar se o ato administrativo que impõe a sanção disciplinar não

resultou viciado quanto à finalidade, competência, e a forma prescrita em lei, que

são elementos de formação do ato administrativo. O Estado de Direito abrange

todos os cidadãos, indistintamente, quer, sejam eles, negros ou brancos, homens

ou mulheres, civis ou militares.

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