O candidato - Catho · preparar muito antes do primeiro encontro. Uma entrevista menos previsível...

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26 HSM Management 12 janeiro-fevereiro 1999 Este artigo traz um método completo de seleção de pessoal, desenvolvido pelo psiquiatra norte-americano Pierre Mornell ao longo de 15 anos de experiência como consultor de empresas. Trata-se de analisar sob diversos ângulos o comportamento passado de um candidato e assim prever seu comportamento futuro. A inspiração para tal abordagem, segundo Mornell, veio de Tony Razzano, responsável pelo recrutamento de jogadores para o time de futebol americano San Francisco 49ers, que, na década de 80, venceu quatro vezes o Super Bowl, o mais importante campeonato dessa modalidade esportiva. Um dos motivos do sucesso da equipe foi justamente o sistema de seleção empregado por Razzano, que consistia em observar um jogador em ação durante um mínimo de 200 jogadas. Foi assim que o 49ers percebeu talentos que ninguém fora capaz de notar antes. O San Francisco 49ers descobriu, por exemplo, Joe Montana, que estava entre os últimos da fila para contratação, e se tornou uma lenda do futebol americano. Para as empresas que quiserem encontrar seu próprio Joe Montana, o método de Mornell é apresentado a seguir, dividindo-se em estratégias aplicadas antes, durante e depois da entrevista de recrutamento, que incluem detalhes como acompanhar o candidato até seu carro. Aprenda a reconhecer os vencedores e os perdedores na difícil tarefa de contratar as pessoas que trabalharão em sua empresa. Por Pierre Mornell O candidato americano San Francisco 49ers. Mas é possível ver cerca de 20 demonstrações, se juntarmos diversas estratégias aplicadas antes, durante e depois da entrevista pessoal. É também possível ficar sabendo de outras tantas ações e reações em vários contextos, sejam eles oficiais ou oficiosos –vindos de pessoas que conhecem o candidato (veja quadro na página 28). Meu método permite que se obtenham cerca de 40 retratos do comportamento do candidato. Apresentado a seguir, ele se baseia na seguinte máxima: “A melhor forma de prever o comportamento futuro é o comportamento passado”. Antes da entrevista A maioria dos entrevistados prepara com antecedência sua estratégia para responder ao que inevitavelmente será uma série previsível de passos na en- trevista. Os candidatos podem, e devem, preparar um currículo excelente. Os candidatos podem prever as perguntas e treinar como responder. A empresa pode e deve se preparar a partir de uma redefinição do cargo, inclu- sive as habilidades críticas e o perfil da pessoa ideal para a realização do trabalho que o cargo envolve. Se você também preparar alguns roteiros com diálogos possíveis antes da entrevista, sua avaliação começará bem antes do início do jogo de contratação. RECURSOS HUMANOS Pierre Mornell é psiquiatra com 30 anos de carreira e há 15 assessora de seu escritório em Marin County, na Califórnia, EUA, presidentes de empresas na avaliação e seleção dos principais funcionários. Prestou consultoria a grandes empresas, como Intuit e Kinko’s. Nos últimos 15 anos tenho sido convidado pelos presidentes de várias empresas, de grande e de pequeno porte, do setor público e do setor privado, para ajudar na avaliação e seleção de seus princi- pais funcionários. A partir dos resultados obtidos ao longo dos anos, fruto de tentativa e erro, desenvolvi um método para prever comportamentos que consi- dero praticamente infalível, que se aplica à contratação de pessoal de todos os níveis, desde o mais baixo até a presidência de uma empresa. Com certeza, é difícil poder observar 200 demonstrações do talento do candidato a um emprego antes de decidir contratá-lo, à moda de Tony Razzano no time de futebol

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Este artigo traz um método completo de seleção de pessoal, desenvolvidopelo psiquiatra norte-americano Pierre Mornell ao longo de 15 anos deexperiência como consultor de empresas. Trata-se de analisar sob diversosângulos o comportamento passado de um candidato e assim prever seucomportamento futuro.A inspiração para tal abordagem, segundo Mornell, veio de Tony Razzano,responsável pelo recrutamento de jogadores para o time de futebolamericano San Francisco 49ers, que, na década de 80, venceu quatro vezeso Super Bowl, o mais importante campeonato dessa modalidade esportiva.Um dos motivos do sucesso da equipe foi justamente o sistema de seleçãoempregado por Razzano, que consistia em observar um jogador em açãodurante um mínimo de 200 jogadas. Foi assim que o 49ers percebeutalentos que ninguém fora capaz de notar antes.O San Francisco 49ers descobriu, por exemplo, Joe Montana, que estavaentre os últimos da fila para contratação, e se tornou uma lenda dofutebol americano.Para as empresas que quiserem encontrar seu próprio Joe Montana, ométodo de Mornell é apresentado a seguir, dividindo-se em estratégiasaplicadas antes, durante e depois da entrevista de recrutamento, queincluem detalhes como acompanhar o candidato até seu carro.

Aprenda a reconhecer os vencedores e os perdedoresna difícil tarefa de contratar as pessoas que trabalharãoem sua empresa. Por Pierre Mornell

O candidato americano San Francisco 49ers.Mas é possível ver cerca de 20demonstrações, se juntarmosdiversas estratégias aplicadas antes,durante e depois da entrevistapessoal. É também possível ficarsabendo de outras tantas ações ereações em vários contextos, sejameles oficiais ou oficiosos –vindos depessoas que conhecem o candidato(veja quadro na página 28).

Meu método permite que seobtenham cerca de 40 retratos docomportamento do candidato.Apresentado a seguir, ele se baseiana seguinte máxima: “A melhorforma de prever o comportamentofuturo é o comportamento passado”.

Antes da entrevista

A maioria dos entrevistadosprepara com antecedência suaestratégia para responder aoque inevitavelmente será umasérie previsível de passos na en-trevista. Os candidatos podem,e devem, preparar um currículoexcelente. Os candidatos podemprever as perguntas e treinarcomo responder. A empresa podee deve se preparar a partir deuma redefinição do cargo, inclu-sive as habilidades críticas e operfil da pessoa ideal paraa realização do trabalho queo cargo envolve.

Se você também preparar algunsroteiros com diálogos possíveisantes da entrevista, sua avaliaçãocomeçará bem antes do início dojogo de contratação.

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Pierre Mornell é psiquiatra com 30 anos de carreira e há 15 assessora de seu escritório em MarinCounty, na Califórnia, EUA, presidentes de empresas na avaliação e seleção dos principais funcionários.Prestou consultoria a grandes empresas, como Intuit e Kinko’s.

Nos últimos 15 anos tenho sidoconvidado pelos presidentes devárias empresas, de grande e depequeno porte, do setor público edo setor privado, para ajudar naavaliação e seleção de seus princi-pais funcionários.

A partir dos resultados obtidos aolongo dos anos, fruto de tentativa eerro, desenvolvi um método para

prever comportamentos que consi-dero praticamente infalível, que seaplica à contratação de pessoal detodos os níveis, desde o mais baixoaté a presidência de uma empresa.

Com certeza, é difícil poderobservar 200 demonstrações dotalento do candidato a um empregoantes de decidir contratá-lo, à modade Tony Razzano no time de futebol

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perfeitoDesenvolva uma estratégia para

a qual o candidato não possa sepreparar muito antes do primeiroencontro. Uma entrevista menosprevisível permite que você avaliemelhor qual será o desempenhodele ou dela no trabalho. E isso éessencial para o desempenho futuroe muito mais. Você está prestes ainiciar um relacionamento de longoprazo com a pessoa que contratar.

Pensar em um relacionamentode longa duração é bem diferentedo que só observar a linguagemcorporal e formular perguntasdeterminantes durante uma entre-vista. Seu propósito não é o dedificultar a entrevista para o candi-dato e sim de encontrar a pessoaque mais combine com o cargo.

A seguir apresentamos algumasestratégias para obter informaçõessobre o candidato informalmente,antes mesmo de a entrevistacomeçar:

Dê ao candidato uma tarefapara ser realizada antes da entre-vista. Peça que visite uma de suaslojas, plantas, escritórios ou seusite na Internet antes da entrevista.Depois peça para ele relatar suasobservações.

Esse tipo de tarefa pede umademonstração de como a pessoarealmente trabalha. Por exemplo,digamos que eu seja o diretorde marketing de uma pequenacadeia de restaurantes italianos.Se um candidato já tiver visitadoum dos restaurantes antes daentrevista e puder fazer sugestõessobre a comida, a decoração,a localização, o atendimentoe a higiene, eu diria que é umponto a seu favor.

Além disso, alguns varejistas jáme disseram que, se o candidatojamais tiver ido a seus estabeleci-Ilu

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mentos, independentemente dealguma tarefa ter sido designada,esse fato já é considerado um pontonegativo para a contratação.

Concordo que esse teste requerque os candidatos sejam fãs de seunegócio, restaurante ou loja, maso que mais eles têm para dizer?Algo relevante, específico e preciso?O candidato vê problemas, sugeresoluções?

Por exemplo, o comitê admi-nistrativo da American Golf Corp.,que opera mais de 250 campos degolfe na América do Norte e naEuropa, decidiu que todos osfuncionários potenciais, inclusiveos horistas, teriam de visitar umde seus campos de golfe antes da

entrevista. A partir disso, deveriamfazer comentários sobre as condi-ções gerais do campo, a limpezada sede, a facilidade de obter horá-rios para jogar, a qualidade do bardo campo ou do restaurante da sedee sobre o atendimento ao cliente.

Um candidato de 27 anos escre-veu, antes de se apresentar para aentrevista inicial, um relatório dequatro páginas que incluiu umaavaliação das concessões de bar erestaurante, do serviço, da equipede gerência, da qualidade docampo e sobre a loja de acessórios.Suas sugestões específicas erampráticas. Foi contratado e muitasde suas idéias foram implementadaspela American Golf.

Leia os currículos em equipe.É eficaz e mais rápido realizar aleitura dos currículos dos candida-tos com maiores chances de contra-tação em equipes de três a cincopessoas. As equipes que trabalhambem e unidas podem fazer julga-mentos mais acertados sobre oscandidatos do que um indivíduoque os analisa sozinho.

Por exemplo, um aluno depós-graduação de 27 anos enviouseu currículo para fazer um estágiode quatro meses em uma empresade marketing. A maioria dos en-trevistadores e encarregados dorecrutamento teria batido os olhosno currículo e observado os seguin-tes itens: O candidato estuda na Harvard

Business School. Fala japonês e francês. Viajou bastante.

Quando uma equipe de pessoasreleu o currículo do candidato,ficou impressionada com suaexperiência internacional e seuconhecimento do idioma japonês.Mas também questionou o intervaloentre o fim do emprego na Françaem 1991 e o início de seu emprego

A American Golf, que opera mais de250 campos de golfe no mundo, decidiuque todos os funcionários potenciaisteriam de visitar um de seus campos antesda entrevista e fazer comentários gerais

Uma jovem repórter do jornalWashington Post chamada JanetCooke criou um currículo falsodizendo ter se formado pelo VassarCollege. Algum tempo depois,Cooke ganhou o Prêmio Pulitzerpor ter escrito sobre uma viciadaem drogas de oito anos de idade. Ahistória era inventada. De acordocom a revista Time, a verificação dereferências aumentou muito depoisque a farsa de Cooke foi exposta.

A lição é clara. Quando tiverinformações sobre o candidato aum cargo em sua empresa, umadas fontes mais óbvias é seu históri-co. Se usado corretamente, serviránão só como um retrato da vidada pessoa, mas também como umálbum de pontos fortes e limitações.

Muitos empregadores não gostam

de dar referência, mas é precisoinsistir e até ir mais fundo –pedindooutras fontes às fontes de referênciafornecidas pelo candidato.

Como pedir

Peça às fontes de referência queretornem seu telefonema. Essaé a forma mais simples e eficazque conheço para a verificação dereferências. Telefone para a “referên-cia” no horário de almoço –deixeum recado com um assistente ouem uma secretária eletrônica. Diga:“Fulano de tal é candidato a talcargo em nossa empresa. Seu nomefoi-nos dado como referência. Porfavor retorne a ligação se o candida-to for um profissional muito bom”.

Os resultados costumam serimediatos e reveladores. Se o candi-

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dato for de fato muito bom, garantoque as pessoas responderão rapida-mente e quererão ajudar. Interpreteisso como um sinal verde e siga paraa próxima etapa, que é a verificaçãodo candidato do ponto de vistasocial. E, se somente duas ou três dasreferências escolhidas pelo candida-to retornarem sua ligação, issotambém lhe dará uma boa idéiado que ocorre.

Também pergunte ao candidato:“O que vou ouvir dessas referên-cias?” A pergunta é prática e justa.Prática, pois permite que o candida-to alerte as “referências” quanto aopossível contato. Justa, pois informao candidato de que você irá fundona verificação de referências e lheoferece a oportunidade de dar suaversão dos fatos.

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no Japão. Bom questionamento.O candidato esteve desempregadodurante nove meses. Além disso,o currículo sugeria que o candidatohavia dirigido lançamentos deprodutos e organizado semináriosinternacionais para uma empresajaponesa. Mas quem foi que o jovemprofissional dirigiu ou gerenciou?

Um dos integrantes da equipe deanálise definiu-o como alguém queassume riscos, um fator positivo.Outro, porém, viu isso como umponto negativo e achou que faltavafoco ao candidato para um profis-sional de 27 anos. Um terceirointegrante conhecia bem o Japãoe sabia quão rara e difícil é a adapta-ção de um estrangeiro em umaempresa japonesa tradicional. Adiscussão foi rápida; e a avaliação,mais completa do que teria sidose feita por uma única pessoa.

É claro que as equipes tambémpodem perder tempo se a dis-

cussão não for produtiva. Mas,quando uma equipe trabalha beme unida, garante uma profundi-dade à análise dos currículos queraramente pode ser obtida indivi-dualmente.

Durante a entrevista

Ao planejar uma entrevista,sempre acho importante lembrartrês pressupostos básicos:1. A entrevista só avalia quão bomé o desempenho de alguém emuma entrevista. Os resultadospodem ser impressionantes masenganosos. Um livreto de recruta-

mento publicado recentemente,que serve de guia para estudantesde MBA, ressalta o seguinte: “Lem-bre-se de que nem sempre é ocandidato com mais qualificaçõesque fica com o emprego. Muitasvezes é a pessoa que tem o melhordesempenho na entrevista quemrecebe a proposta”.2. Um bom “artista” é sempre capazde enganar. Como psiquiatra, já fuienganado por advogados alcoóla-tras e viciados em drogas que eramtão convincentes a ponto de elesmesmos não saberem quandoestavam mentindo. Tais “artistas”também são abundantes no mundodos negócios.3. As entrevistas que causamestresse raramente funcionam.O fato de colocar um candidatona defensiva somente trará à tonaseu comportamento defensivo.O objetivo de uma entrevista,creio, é baixar as defesas.

Com esses três pressupostos emmente, vejamos agora algumas dicasjá comprovadas de entrevista:

Faça todas as perguntas deuma vez. No início oficial da entre-vista, quando é dada a largada,faça todas as perguntas de uma vez.Isso mesmo. Ponha de imediatotodas as suas perguntas iniciais namesa. Essa estratégia resulta emtrês coisas: primeiro, você passouo bastão, fez as perguntas e agoracabe ao candidato responder;segundo, essa estratégia enfrentadiretamente o problema maiscomum nas entrevistas: não prestaratenção ou falar demais; terceiro,essa técnica o obriga a prestaratenção.

Pense em fazer perguntas comoas seguintes: O que diria seu empregador

anterior de positivo e de negativo aseu respeito?

A entrevista avalia o desempenho dealguém em entrevistas, nada mais.Os resultados podem ser impressionantesmas enganosos

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O que diriam seus antigos subor-dinados a seu respeito? Como reconhece a incompetência?

O que faz quando ela se manifesta? O que é excelência gerencial para

você? O que você faz com ela? O que mais gostaria de melhorar a

seu respeito? O que faz com que você perca a

paciência? Fale sobre a última vezem que isso aconteceu.

Avise que a entrevista está pertode terminar. “Temos cerca de cincominutos…” é um bom aviso paraencerrar a entrevista. Preste aten-ção quando o candidato disser:“Tem mais uma coisa…” ou “quaseia esquecendo…”, pois significa“isto é o que tenho para dizerde mais importante”.

Em minha experiência comopsiquiatra, sempre avisava quandoestava chegando o fim de umasessão, primeiro porque era minharesponsabilidade manter o horário etambém porque eu sabia que haviaoutro paciente na sala de espera.Homens e mulheres invariavelmentedizem coisas importantes nessemomento, não importa quantotempo já tenhamos passado juntos.

Mais tarde, tornei-me consultorde empresários que também tinhamexperiência com revelações de últi-ma hora. Iam almoçar com clientes esó na hora da sobremesa ou do caféo cliente anunciava “por sinal…”, eisso era o prelúdio da revelação doverdadeiro motivo do almoço.

Se você tiver tido uma entrevistaboa e o candidato sentir-se relativa-mente à vontade, você pode esperaruma boa variedade de surpresasdepois de ter anunciado que aentrevista está para terminar. Nãosó em relação a descrições do cargoou remuneração, mas tambémsobre questões mais pessoais.

Por exemplo, quando faltavamcinco minutos para o fim de umaentrevista, um gerente de vendas queestava sendo recrutado enquantoainda trabalhava para outra empresadisse: “Devo confessar que não possorealmente mudar de emprego”.

“Por quê?”, perguntei. “Estoupreocupado com a cobertura do se-guro de saúde”, e com isso os olhosdo candidato ficaram umedecidos.“Tenho uma filha de cinco anos deidade que está com leucemia.”

Colocamos o problema emanálise, consultamos a pessoa quecuidava de benefícios na empresae soubemos que a política de se-guros deixava explícito que nãopoderia ser excluída nenhumacondição preexistente da famíliade um novo funcionário. Ele ficoucom a vaga. Se essa questão desaúde não tivesse aparecido naentrevista, a empresa perderia umexcelente profissional.

Escolha um assunto em que vocêseja especialista. Como sei poucoa respeito de marketing ou finanças,raramente faço perguntas sobreessas áreas, exceto perguntas como:“Faça um resumo de sua experiên-cia em cinco minutos”. Em vez deentrar em um assunto, eu costumolevantar uma questão simples quedomino, como “fale sobre um fun-cionário que você teve de demitir”.

Este foi um dos testemunhosque ouvi: “Senti um nó no estôma-

go, mas sabia que o desempenhodaquela pessoa era medíocre e osmotivos para sua demissão haviamsido claramente documentados.Contudo, eu jamais encontrava omomento certo, pois ficava forada cidade às sextas, que é o melhordia para uma demissão. Liguei parauma empresa de recolocação depessoal e pedi conselhos. Eles meenviaram um profissional delespara estar aqui na tal sexta-feirae ajudar. Por sorte, o sujeito con-seguiu um ótimo emprego apóstrês meses”.

Outro candidato falou de umacircunstância semelhante: “O sujeitonão tinha um bom desempenho.Essa era a realidade. Então tive dedespedi-lo. Se quiser mais detalhes,ficarei feliz em fornecê-los”.

Você prefere uma respostacompleta e humana ou uma respos-ta fria e direta? Depende de você;o que mais lhe convier e estiverde acordo com seu estilo será aresposta certa. Nesse caso, acheique ambos sabiam do que estavamfalando. Por outro lado, quandoum candidato experiente diz quejamais demitiu alguém e não dámais explicações, desconfie.

Surpreenda e surpreenda-se. Façaalgo inesperado ao final da entrevis-ta, tal como acompanhar o candida-to até seu carro. Preste atenção namarca, modelo, local de origemna placa e em qualquer outro deta-lhe pessoal sobre ele. Fique atentopara surpresas.

Carros dizem muito sobre seusdonos. Certa vez conheci umcandidato muito estranho, que seatrasou para a entrevista e procura-va uma vaga de gerente de vendasnuma rede de lojas de varejo. Aofinal da entrevista fomos até seucarro, que estava repleto de ferra-

Quando o candidato disser: “Tem maisuma coisa…” ou “quase esqueci…”,significa “isto é o que tenho para dizerde mais importante”

Em vez de entrar em um assunto quenão é sua especialidade, levante umaquestão simples que domina, como “falesobre um funcionário que você demitiu”

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mentas, roupas e jornais empilha-dos até as janelas. Da mesma formaque os cães se parecem com seusdonos, o mesmo pode ser ditosobre esse carro.

Minha maior surpresa foi, aocaminhar com um candidato até seucarro, descobrir que sua esposa oaguardava lá dentro. Ela e o maridosabiam que a entrevista duraria cer-

ca de duas horas. Por que motivoela não ficou em minha sala de es-pera? Por que o candidato não su-geriu servir-lhe um refrigerante daminha copa? Por que será que elanão foi a pé até a cidade de MillValley, que fica a cinco minutos dedistância? O fato de ter ficado duashoras sentada em um carro quenteno meio do verão disse mais a res-

peito do candidato do que qualqueroutra coisa. Ao contrário de minharecomendação, o homem foi con-tratado e, como era de prever, seurelacionamento com colegas dosexo feminino era desastroso. Aca-bou sendo demitido.

Depois da entrevista

Quando o candidato deixa seuescritório, a batalha está apenasna metade. Se parar de observaro comportamento depois de con-cluir a entrevista, é como se fisgasseum peixe mas não puxasse a linha.Se ficar com os olhos abertos eos ouvidos atentos durante a fasedecisiva do processo de seleção, quevem logo após a entrevista, saberáde mais detalhes sobre o comporta-

Não pare de observar o comportamentodo candidato depois de concluir aentrevista, pois é como se fisgasseum peixe mas não puxasse a linha

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mento e o histórico do candidatodo que achava ser possível saber.

Viaje com os finalistas que plei-teiam cargos executivos. Se umretrato vale mil palavras, uma viagemvale por uma centena de entrevistas.

O fundador de uma cadeia derestaurantes em franca expansãocriou uma série de testes pós-entrevista para o finalista de umcargo de vice-presidência. E umdeles foi uma viagem. Encontrou-secom o candidato no aeroporto deSan Diego para um vôo que saíaàs 7h. O fundador estava lá às 6h15e o candidato a vice-presidente–também uma pessoa que acordacedo, como nos contou mais tarde–chegou às 6h20. Com tempo desobra, os dois puderam conversar.Mais tarde, durante uma conexãoem Salt Lake City, o fundador pôdeobservar o candidato enquanto estetratava de um problema ao telefone.

Até onde pôde perceber, ocandidato parecia estar concentra-do na conversa e, aparentemente,ajudou a resolver a situação. Aochegarem a Montana, iam paraum hotel a cerca de 300 metros doaeroporto. Enquanto esperavamo veículo que os levaria até lá, ocandidato sugeriu que andasseme carregassem as bagagens.

Claramente, o comportamentode viagem do candidato foi tãoimportante quanto qualquer umadas entrevistas realizadas nosescritórios da empresa. Semprepontual. Bem-humorado. Resolven-do problemas. O candidato conquis-tou a vaga no final da viagem.

Coloque os problemas potenciaisna mesa. Se você ainda tiver interes-se pelo candidato, faça uma últimaentrevista em que fale sobre pro-blemas potenciais. Nunca se trata

de “se” surgirão problemas numnovo trabalho, e sim “que” proble-mas serão esses. Caso você nãotenha descoberto problema algum,é porque deixou de perceber algono histórico do candidato.

Há vários anos avaliei uma execu-tiva que estava entre as finalistas paraum cargo em uma empresa local.Em uma escala de um a dez, acheique valia dez. Entretanto, no decor-rer de nossas entrevistas, dois proble-mas potenciais foram levantados.Primeiro, o marido dela estavadesempregado –como se sentiria seela ganhasse um salário de executivae ele ficasse sem trabalho? Segundo,durante quanto tempo seu mentor,o diretor de operações, ficaria nocargo? Ela não queria começar umnovo trabalho e depois de dois mesesperder o mentor.

Pedi que a candidata conversassecom seu marido e com o diretor.O resultado foi previsível e imprevisí-vel. Previsível, pois a candidatalevantou a questão diretamente comseu futuro chefe, que disse que havia“80% de probabilidade de ficar nocargo”. Disposta a aceitar as chancesde 80/20, a candidata presumiu queo chefe a manteria informada casoela aceitasse o emprego. Imprevisí-vel, pois a candidata discutiu a auto-estima de seu marido de formafranca e desarmante. Em essência, oque disse foi o seguinte:

O fundador de uma rede de restaurantesem franca expansão criou uma série detestes pós-entrevista para o finalistade um cargo de vice-presidência, entreos quais uma viagem

“Não falei sobre isso em nossaprimeira reunião, mas meu maridoe eu tentamos ter filhos por váriosanos. Tenho 42 anos de idade e jáfizemos todos os exames; até tomeiremédios para fertilidade, semsucesso. Acabamos desistindo deconstituir uma família numerosa,mesmo adorando a idéia de tercrianças. Contudo, nos últimosmeses temos reavaliado nossocasamento e nossa vida. Eu traba-lho? Ele trabalha? Adotamos? Qualnosso próximo passo após essescinco anos difíceis? E foi por essecaminho que nossa conversa seguiuapós a entrevista na semana passa-da. Meu marido sabe que quero oemprego e acha que vale a pena.Caso decidamos adotar uma crian-ça, levará pelo menos de seis mesesa um ano. Meu marido continuaráa procurar trabalho e veremos oque o futuro nos reserva”.

É raro ver tanta franqueza, huma-nidade e inteligência durante umaentrevista com alguém relativamen-te desconhecido. Mais adiante, acandidata foi contratada pela em-presa.

Todas as estratégias de contrata-ção aqui apresentadas, de antes,durante e depois da entrevista,foram criadas para economizartempo e para nos ajudar a fazer asmelhores escolhas possíveis. Contu-do, não existe atalho; tais escolhasrequerem tempo para ser feitas.Vá experimentando.

Vale a pena o tempo gasto nabusca de funcionários ótimos? Sim!Nada é mais importante no trabalhodo que escolher as pessoas certas.Não importa quanto mudem ostempos, esse princípio jamaismudará.

© Inc.

Se você ainda tiver interesse pelocandidato depois de todo o processo derecrutamento, faça uma última entrevistaem que fale sobre problemas potenciais