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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO JAMES ROBERTO DA SILVA
LÍLIAN LEITE MACHADO
O CASAMENTO
OSASCO 2007
JAMES ROBERTO DA SILVA LÍLIAN LEITE MACHADO CURSO DE PSICOLOGIA
O CASAMENTO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Bandeirante de São Paulo, como exigência do Curso de Psicologia. Orientador: Profª Drª Jurema Teixeira
OSASCO 2007
RESUMO
Este trabalho apresenta as transformações que a instituição “casamento”, passou ao longo de
sua história, desde seu surgimento, na Idade Média, como fato social a fim de garantir direitos
de herança, estabelecer normas para o comportamento sexual, organizar interesses
econômicos, assegurar a criação e educação dos filhos, até os dias de hoje. No decorrer do
trabalho pode-se verificar que as transformações culturais da sociedade influenciam as
relações humanas. O casamento é um fenômeno que do ponto de vista psicológico vem sendo
estudado há muito pouco tempo. O objetivo do presente estudo foi demonstrar que tal
fenômeno vem se transformando ao longo dos anos e que o contexto sócio-histórico e cultural
são decisivos, e que quando há a união de um casal, várias questões conscientes e
inconscientes estão em jogo. Conclui-se que no casamento, existe a necessidade que a fase
narcísica e a onipotência estejam superadas. No entanto, para que nasça uma relação de amor
é importante que o casal reconheça que ambos são apenas eles próprios, lidando com outro
real, ou seja, dentro do princípio de realidade.
Palavras-chave: Casamento. Relações Humanas. Inconsciente.
ABSTRACT
This work shows the transformations that “marriage” institution went by its history,
from its appear, in the Middle Ages, as a social fact with the purpose of guarantee the
heritage’s rights, establishing rules to the sexual behavior, organizing economics interests,
securing son’s creation and education, until today. During the work we can see how the social
transformations of the society have an influence in the human being relations. The marriage is
a phenomenon that has being studied as a psychology fact for a very short time. The
objective of this study was demonstrate that the marriage phenomenon is having
transformations by the time, and the social, cultural and historic context are decisive, and
when the couple have a union, a lot of questions conscious and unconscious have influences.
Concluding, in the marriage is necessary the narcissistic phase and the omnipotence have
been resolved. However, for to start a love relation is important recognize that couple are only
themselves, dealing with to real another one, in other words, inside the principle of reality.
Key-words: Marriage. Human being relations. Unconscious.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................
2 PROPOSIÇÃO...........................................................................................
3 REVISÃO LITERÁRIA...............................................................................
3.1. A História do Casamento...........................................................................
3.1.1 A Evolução da Família...............................................................................
3.1.2 A Família Camponesa...............................................................................
3.1.3 A Família Aristocrata.................................................................................
3.1.4 A Família Burguesa do Século XIX............................................................
3.1.5 A Família Operária do Século XIX.............................................................
3.1.6 A Família Atual...........................................................................................
3.2 A História Social da Criança e da Família.................................................
3.3 Uma Relação Amorosa..............................................................................
3.4 O Amor e o Casamento.............................................................................
3.5 Motivações Inconscientes da Escolha.......................................................
3.5.1 O Casamento.............................................................................................
3.5.2 O Inconsciente...........................................................................................
3.5.3 Atração Seletiva.........................................................................................
3.5.4 O Valor Simbólico do Objeto Eleito...........................................................
3.5.5 O Casamento Sonhado.............................................................................
3.6 A Carência Básica do Amor e o Isolamento Afetivo..................................
3.7 O Amor.......................................................................................................
3.8 Um Tipo Especial de Escolha de Objeto feito pelos Homens....................
3.9 O Casamento como fato Afetivo................................................................
3.9.1 As Faces do Casamento...........................................................................
3.9.2 Casamento e Condição Humana..............................................................
3.9.3 Os Caminhos do Casamento....................................................................
3.9.4 Cenas de um Casamento..........................................................................
3.9.5 No Amor e na Angústia.............................................................................
3.9.6 O Amor Romântico....................................................................................
4. MATERIAL E MÉTODO
5 RESULTADO
6 DISCUSSÃO
7 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
APÊNDICE
1. INTRODUÇÃO
A instituição do casamento é constantemente analisada, realçando a trajetória
diferenciadora de cada época. A literatura relata importantes transformações, considerando os
contextos sociais e culturais e revelando uma alta taxa de divórcios e separações, porém novas
formas de conjugalidade explicitam o desejo de homens e mulheres se unirem. O grande
número de recasamentos indica a busca incessante de felicidade pelo ser humano. Por piores
que tenham sido as experiências com os casamentos, homens e mulheres demonstram seu
desejo de encontrar um(a) companheiro(a) (Mattos, 2006, p. 73).
Para se entender a instituição do casamento, obrigatoriamente passamos pela história
da família. Analisando as origens da família ocidental, Aratangy (2007), destaca relações
entre família e comunidade, entre homens e mulheres, pais e filhos, forma de autoridade e
modelos de identificação entre as famílias camponesas, aristocratas, burguesas, operárias e
por fim das famílias modernas.
Observando o grande número de divórcios e separações, ao longo do
desenvolvimento, a independência da mulher é um dos fatores que fatalmente e em grande
parte, contribuem para o número de divórcios, subentendendo-se que não há mais a
necessidade de submissão por imposições de ordem financeira. Entre outros fatores, os
casamentos e recasamentos continuam acontecendo. Além de condições impostas
culturalmente e historicamente, um homem e uma mulher se unem por desejo ou por
necessidade? Quais são as motivações conscientes e inconscientes de tais escolhas? O que na
verdade une um homem e uma mulher? Amor ou angústia?
Capelatto (2006), que investiga as relações entre o casamento e o psiquismo, apresenta
uma abordagem ousada, acreditando que a base afetiva do casamento não é o amor, mas sim a
angústia. Angústia que para Freud e Lacan, nos move sempre na busca impossível para
preencher um vazio existencial e acaba nos trazendo a aliança com o outro.
2. PROPOSIÇÃO
Este trabalho tem como proposta compreender a relação amorosa com o fenômeno do
“casamento”, no contexto psicológico e social.
Segundo diversas estatísticas, o casamento é uma instituição falida, pois o número de
divórcios aumenta a cada ano. Porém, o que nos parece é que grande parte dos divórcios
acontece porque as pessoas querem oficializar novas parcerias, ou seja, tentam fazer uma
história de amor dar certo.
O fenômeno do casamento tem nos chamado à atenção pelo fato de termos observado
cada vez mais seu enfraquecimento na sociedade atual. Vemos o casamento como fato de
extrema importância para a formação da família e a investigação do tema pode constituir
numa ferramenta muito importante no exercício da nossa profissão.
3. REVISÃO LITERÁRIA
3.1 A História do Casamento.
Segundo Aratangy (2007), o casamento foi inventado para consolidar alianças,
garantir o direito de herança e proteger as mulheres. Era um contrato que estabelecia normas
para o comportamento sexual, organizava interesses econômicos e delimitava esferas de
poder. Cabia aos pais ou a alguma autoridade da família escolher os parceiros. Com isso
perceberam que o vínculo permanente de um casal com moradia fixa e conjunta era o
ambiente adequado para a criação de filhos. Nem o prazer nem a felicidade amorosa eram
previstos no contrato, cuja função até hoje é puramente social. Sua função enquanto
instituição passou por muitas transformações ao longo da História: de preservação do
patrimônio à união dos espíritos, até a legislação aparentemente liberal do início do século
XXI.
O ideal romântico, que associou o casamento à idéia de um vínculo amoroso
duradouro, com o objetivo de tornar os parceiros felizes, só entrou em cena no século XX,
como se especifica a seguir:
O que é amor? O amor é uma lembrança, uma reminiscência de completude
que o umbigo dá testemunho. Os sentimentos de desamparo e solidão,
resultantes desse corte que demarca os limites do eu e inaugura o espaço do
desejo (vale dizer, da angústia), nos fazem eternos rastreadores em busca do
aconchego, no qual toda relação amorosa se espelha (ARATANGY, 2007, P.
17).
O amor faz parte de nossa bagagem, porém só nos últimos tempos foi feita a
associação do amor com o casamento.
Sem a capacidade de amar, em forma de solidariedade dificilmente a humanidade teria
tido chance de se desenvolver. Em comparação com outras espécies pré-históricas, o Homo
erectus é uma espécie mal equipada para a defesa: não possui uma mandíbula forte como a do
lobo, não possui garras como o tigre, nem braços fortes como os do urso. Também para fugir
ou esconder-se seus recursos são precários: a postura ereta não favorece o equilíbrio, as
pernas não se prestam a corridas rápidas nem de longas distâncias, a pele sem pêlos dificulta o
mimetismo com a vegetação. No entanto, a espécie, é sem dúvida, um sucesso evolutivo.
Conseguimos sobreviver a tantos perigos e em condições tão desfavoráveis, graças à
solidariedade mútua. Fomos capazes de sublimar a agressividade, que pouco nos servia, dado
nosso precário aparato, e passamos a viver em grupo. Percebemos que a segurança de cada
um dependia da segurança do grupo, o que nos possibilitou sobrevivermos enquanto espécie.
Nesse contexto, o egoísmo defronta com a solidariedade, que é sem dúvida, uma das formas
pelas quais o amor se apresenta.
Não só na trajetória da espécie, mas também na história de cada ser humano, reaparece
nossa condenação ao vínculo amoroso. O bebê humano nasce prematuro, isto é, ao fim das
trinta e seis semanas de gestação ele ainda não está pronto para enfrentar o mundo. Essa
antecipação é necessária, pois ele precisa passar pelo estreito canal do parto quando existe
ainda um espaço não calcificado na parte superior de sua calota craniana, significando um
período de dependência, que sem os cuidados de um adulto, pereceria em poucos dias. Por
isso as expressões de um bebê mobilizam nos adultos impulsos de ternura e proteção,
componentes do sentimento amoroso: um bebê que não tivesse esses atributos não teria
chance de sobreviver na ausência da mãe (para quem seu bebê tem sempre, a não ser em
graves patologias do vínculo, o poder de mobilizar sentimentos de dedicação).
Aprendemos a linguagem do afeto na condição de dependência, o que nos leva muitas
vezes, a identificar amor com dependência.
Com a concepção, que veio a postular o vínculo amoroso como razão legítima para o
casamento, a escolha do companheiro passou a ser feita pelos parceiros, e sobre estes recaiu a
responsabilidade por opções malfeitas. A felicidade conjugal e a harmonia da família
tornaram-se atestados de que o parceiro foi bem escolhido e de que o casal é suficientemente
sábio e amadurecido para conservar o vínculo.
3.1.1 A Evolução da Família
A nossa família veio de uma estrutura judaico-cristã ocidental, é herdeira da família
burguesa européia do século XIX, que provém da família burguesa européia do século XVIII.
A família burguesa das últimas décadas do século XIX antecipa vários aspectos que
caracterizam a estrutura familiar atual. Tal modelo se tornou preponderante e rompeu com as
diferentes estruturas que caracterizavam as famílias da aristocracia, do campesinato ou
mesmo das famílias operárias burguesas do século XVIII. (ARATANGY, 2007, p.38 apud
PÔSTER, 1978).
3.1.2 A Família Camponesa
Na família camponesa, o núcleo familiar não era significativo, pois a unidade familiar,
isolada, não teria condições de sobreviver. A verdadeira família do camponês era a aldeia. No
dia a dia tudo o que ocorria de importante nas famílias era conhecido, partilhado e fiscalizado
por toda a aldeia. Casamentos, relações entre marido e mulher e entre pais e filhos, tudo era
da conta dos aldeões. Não havia convites para casamentos nem para batizados, pois não eram
eventos apenas familiares, mas comunitários, bem como para as cerimônias fúnebres, único
remanescente a permanecer até os nossos dias, quando as mortes são anunciadas publicamente
e ninguém precisa de convite para despedir-se do falecido.
Na aldeia, homens e mulheres tinham funções diferentes, as mulheres eram
subordinadas aos homens, mas tinham um poder considerável na esfera doméstica.
Os casamentos eram tardios, perto dos trinta anos, tanto para homens quanto para as
mulheres. Produziam muitos filhos, porém a taxa de mortalidade era alta.
As esposas não eram objetos sexuais nem companheiras íntimas, mas parceiras de
trabalho, escolhidas por suas habilidades e condições de saúde, pois o trabalho das mulheres
era vital para a sobrevivência da família e da comunidade.
Na época da colheita, homens, mulheres e crianças de toda a aldeia trabalhavam
juntos.
Na família camponesa, os pais não tinham autoridade especial sobre os filhos, essa função era
exercida por todos os adultos da aldeia. Parentes idosos e moças solteiras ajudavam as mães a
cuidar das crianças, num misto de assistência e controle, para garantir que os filhos fossem
criados dentro dos costumes e tradições.
__________ 1
Referência da obra de Mark Pôster, Teoria crítica da família, tradução de Álvaro Cabral, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1978.
As crianças não eram o centro da vida de um casal, e as relações com os pais não
tinham intimidade nem intensidade, talvez refreada pela alta taxa de mortalidade infantil.
Quando as mulheres eram convocadas para a colheita, as crianças eram abandonadas o dia
inteiro, e se cuidavam sozinhas. Na amamentação havia pouco contato emocional, era
realizada como uma tarefa qualquer. A criança participava de toda a rotina da aldeia desde
pequena. Aos sete anos era enviada para a casa de um outro camponês, por um período de
aprendizado e assim circulava entre as famílias aprendendo a depender da comunidade e não
dos pais. Ao circular como aprendizes entre as famílias, as crianças estavam expostas a uma
ampla gama de modelos de identificação, masculinos e femininos.
3.1.3 A Família Aristocrata
Na mesma época da família camponesa, o castelo de um aristocrata europeu era,
simultaneamente, espaço da família e lugar público, de intensa atividade política. O castelo
pertencia às duas esferas, servindo como residência e sede política e comercial. A riqueza,
representada pela posse de terras, era para ser herdada e transmitida, e não era considerado um
capital a ser explorado ou ampliado. O único trabalho do nobre era a guerra.
O casamento entre nobres era um ato político, com o objetivo de preservar
propriedades, sobretudo a terra, considerada um patrimônio a ser conservado e transmitido
aos herdeiros. Com essa função a escolha do parceiro não fazia parte da escolha pessoal dos
jovens envolvidos, mas sim tarefa de adultos competentes. Homens e mulheres circulavam em
mundos paralelos, sem uma intimidade maior entre os cônjuges. Os homens tratavam de
política e planejavam guerras e as mulheres se juntavam para fazer trabalhos manuais e
conversar.
As crianças de uma família aristocrática ficavam sob os cuidados de criados, com
pouco ou nenhum contato com os pais. As condições de moradia favoreciam a promiscuidade,
e as crianças recebiam um treinamento mínimo de hábitos de higiene. A sexualidade não era
escondida da criança, que era vista como um animalzinho sexuado, com quem os adultos
brincavam. As fezes, longe de serem consideradas repugnantes, serviam à leitura de
presságios e de traços de personalidade. A preocupação maior do ponto de vista da educação,
era ensinar a criança a obedecer à hierarquia. A desobediência levava a punições humilhantes,
que mobilizavam a vergonha, mas não a culpa. A vida emocional das crianças não girava em
torno dos pais, mas propagava-se por uma vasta gama de figuras adultas, com quem a criança
não formava laços verdadeiros, pois a maioria hospedava-se no castelo, mas não vivia nele.
Tanto na aldeia, quanto no castelo, o processo era semelhante. Com o distanciamento
entre pais e filhos, as crianças tinham de aprender a obedecer à hierarquia, isto é, devia
obediência a todos os adultos que lhe fossem hierarquicamente superiores.
Nos castelos, os pequenos aristocratas também tinham contato com muitos adultos,
homens e mulheres, que serviam como modelos de identificação. No entanto a constante
circulação desses adultos não favorecia a formação de vínculos afetivos, de modo que os
modelos eram distantes e flutuantes.
3.1.4 A Família Burguesa do Século XIX
Depois da Revolução Industrial, as relações familiares passaram a ser regida por
rigorosas divisões dos papéis sexuais. O marido era autoridade e provedor. A esposa,
considerada menos capaz, era responsável pelo lar e totalmente dependente do marido. A
identidade da mulher derivava do status do marido, seu foco de interesse eram os filhos. Tal
proximidade gerou intimidade e profundidade emocional nas relações entre pais e filhos e
conferiu aos filhos uma importância até então desconhecida.
Essa nova forma de amor maternal, passou a ser considerada natural para as mulheres,
que além de cuidarem da sobrevivência dos filhos, cabia-lhes também educá-los para que
ocupassem um lugar respeitável na sociedade. Os cuidados extremos com as crianças e com o
lar isolaram-nas do mundo externo.
As normas de relacionamento familiar deixaram de ser ditadas pelas tradições da
comunidade. As relações internas da família burguesa ficaram fora da jurisdição da sociedade,
pois ao renunciar à função produtiva, o lar burguês também se distanciou da autoridade
externa. As relações entre marido e mulher, pais e filhos, definiram-se pela autoridade interna,
ou seja, pelo chefe da família.
As formas de amor e autoridade deram origem a uma nova estrutura emocional. O
cuidado e a dedicação da mãe nas primeiras fases de desenvolvimento do bebê deixaram as
crianças imersas num paraíso de gratificação sensorial e emocional, porém criaram novas
formas de ansiedade e tensão para as mães, isoladas das redes femininas que antes a
apoiavam.
O cuidado com a casa e as descobertas das formas de transmissão de doenças
provocou preocupação com a higiene. A criança tinha que aprender a manter o corpo limpo e
a controlar precocemente os esfíncteres, sob pena de severas recriminações. Pela primeira vez
na história, os pequenos eram obrigados a renunciar ao prazer corporal para conservar o afeto
da mãe.
Mulheres e crianças eram consideradas assexuadas, portanto os sentimentos de ternura
estavam dissociados da sexualidade, o que gerou conflitos emocionais inéditos. A
sensualidade e a paixão só podiam ser vividas longe da família. A conseqüência desse duplo
padrão era a prostituição.
O casamento vinculava o casal para a vida toda, porém era sinônimo de rígida
respeitabilidade e não de paixão intensa ou amor profundo.
31.5 A Família Operária do Século XIX
No início da Revolução Industrial, ainda no final do século XVIII, a família operária
tinha uma estrutura semelhante à família camponesa. No decorrer dos séculos seguintes,
tornou-se cada vez mais parecida com a família burguesa. Na mesma época, a maior parte da
burguesia perdeu o controle da propriedade, tornando-se mãos-de-obra qualificadas, ficando
mais próximo da classe operária.
Toda a família tinha que trabalhar, num padrão semelhante aos dos camponeses, pois
os salários eram baixos. O trabalho não se realizava em torno da casa, mas em minas e
fábricas, em locais mais distantes e em condições insalubres, tanto de saúde quanto aos
horários, que eram de catorze a dezessete horas diárias.
Os padrões sexuais estavam próximos aos pré-burgueses, porém sem o controle da
comunidade. A forma de emprego acessível às mulheres recém chegadas do campo, era a
prostituição. A autoridade do pai não tinha como se basear na propriedade nem no sustento da
família, e os jovens adquiriam sua independência com treze a catorze anos de idade. Saíam de
casa em busca de trabalho e casavam-se cedo. As relações entre homens e mulheres eram
mais proporcionais, pois as mesmas também trabalhavam e recebiam salários, participando do
sustento da casa, além da responsabilidade dos afazeres domésticos.
Na primeira metade do século XIX, o padrão emocional dos proletários era diferente
do padrão burguês. Os filhos eram criados da maneira camponesa, mais informal, sem a
constante vigilância da mãe. Mas não havia a pressão, nem a presença da comunidade a zelar
pelas crianças, que eram criadas pela rua. Sem a autoridade do pai e o controle da aldeia, as
crianças não desenvolviam nem culpa nem vergonha. Os filhos de operários conviviam com
uma ampla gama de adultos, mas as formas tradicionais de autoridade estavam enfraquecidas,
e os jovens não possuíam elementos de identificação com os donos das minas ou fábricas,
cuja autoridade lhes eram estranhas.
Nas últimas décadas do século XIX, surgiu uma espécie de aristocracia dentro da
classe operária: o trabalhador qualificado. Com salários mais altos, esse pequeno grupo podia
garantir a subsistência da família. Já havia uma certa preocupação com as condições de vida
dos trabalhadores, com tentativas de limitar as horas de trabalho das mulheres e crianças, com
a imposição de padrões morais mais próximos dos burgueses. Como parte desse esforço para
disseminar aspectos da estrutura da família burguesa, mulheres da classe média faziam visitas
aos lares operários para ensinar práticas de puericultura e estimular a privacidade do núcleo
familiar e a assistência materna às crianças. Em conseqüência a família proletária passou a
valorizar a mulher em casa, com os filhos, aproximando-se do padrão burguês de
diferenciação dos papéis sexuais. Durante essa fase, os homens operários uniam-se em grupos
que giravam em torno do trabalho e do bar, enquanto as mulheres estabeleciam sua
comunidade baseada na vizinhança. As mulheres se conheciam e o padrão de relacionamento
social estava mais próximo ao dos camponeses na aldeia do que no isolamento da família
burguesa.
Os laços com a comunidade só foram quebrados numa terceira etapa, quando os novos
casais se deslocaram para os subúrbios. A esposa proletária ficou isolada no lar, e o futuro
dos filhos passou a ocupar o centro de suas preocupações. Os operários mais qualificados
passaram a criar os filhos segundo o padrão burguês, com a mesma estrutura de autoridade e
amor durante os estágios iniciais do desenvolvimento infantil, o isolamento da família no lar,
ou seja, a família operária que de início se estruturava conforme o modelo da família
camponesa, assumiu então o padrão da família burguesa, que passou a figurar como modelo
de estrutura e dinâmica familiar.
A principal singularidade da estrutura burguesa residia não na repressão e no poder
absoluto dos pais, mas no conflito gerado entre prazer e afeto. A autoridade dos pais era
absoluta e ao mesmo tempo estava pautada no mais profundo dos amores. As crianças
aristocratas tinham sentimentos hostis em relação aos pais, mas não estavam expostas à
infinita bondade da mãe e nem se sentiam protegidas pelo pai. Portanto não se sentiam
culpadas pelos sentimentos que os castigos corporais mobilizavam. Mas as crianças burguesas
não podiam se rebelar contra os pais. Não pelo temor diante da autoridade, o que estava em
pauta e impedia a revolta, era que a renúncia ao prazer se fazia em nome do profundo amor
dos pais pelos filhos e pelo uso de ameaças da retirada do afeto.
Esse conflito gerou, simultaneamente, hostilidade e culpa, pois se a escolha era feita
por amor, à cólera não podia se expressar. A raiva então era dirigida contra a própria criança,
que se sentia indigna e má. A única saída para o conflito entre o intenso ódio que as ameaças
dos pais mobilizavam na criança e o profundo amor que ela sentia por eles era o processo de
identificação. Assim, as diferenças sexuais converteram-se em diferenças de personalidade. O
masculino passou a ser caracterizado como um ser controlador, agressivo, racional e ativo;
enquanto o feminino era identificado como emotivo, frágil, irracional e passivo. As diferenças
de idade eram padrões de hierarquia. Uma criança era especial, mas era inferior.
3.1.6 A Família Atual
Importantes transformações ocorreram a partir da segunda metade do século XX. Os
estabelecimentos comerciais e as pequenas fábricas foram substituídos por conglomerados
internacionais. As livrarias a as pequenas lojas não sobreviveram à competição de shopping
centers, os bens de capital deixaram de ser controlados por figuras humanas para passarem
aos cuidados de instituições.
A publicidade, com um inusitado poder de sedução, provocou uma elevação de
consumo, propondo a troca do objeto antigo pelo novo. Sentimentos de inferioridade e inveja
são instrumentos de campanhas que tornam intensas a competição e o consumismo, afetando
a dinâmica da família. Esse processo atinge principalmente as crianças, aumentando sua
dificuldade natural para tolerar a frustração. Tornou-se um argumento poderoso para
mobilizar sentimentos de insuficiência e incompetência dos pais, que se esforçam para
satisfazer tais demandas.
Os meios de comunicação, da popularização do carro e da televisão, a Internet e a
violência das ruas, favorecem o isolamento da família, que se fecha dentro de casa. Cada vez
mais um objeto de uso pessoal, o computador também colabora para isolar os membros da
família, criando um novo tipo de distância entre eles. A Internet propõe uma comunicação
imediata com amigos distantes, mas pode tornar-se uma defesa contra as dificuldades
inerentes aos contatos humanos, deixando seus usuários ainda mais isolados.
O amor, antes considerado estranho ao relacionamento conjugal, volta a ser
valorizado, talvez como compensação pela impessoalidade e distanciamento das relações
sociais e profissionais. O amor romântico é, mais do que nunca, considerado a única base
legítima para o casamento. Com isso aumenta o peso sobre os casais, que depositam na
relação conjugal a esperança de realização de todos os sonhos e fantasias, até então adiados.
Essa idealização de casamento, produtos de expectativas irreais, é a porta de entrada para
muitas frustrações.
Com isso, o casamento deixou de ser a única modalidade aceita de relacionamento.
A evolução da família, desde a família burguesa do começo do século XX, até hoje,
não foi um percurso linear nem homogêneo, porém algumas demarcações foram importantes,
como:
- As pílulas anticoncepcionais, que possibilitou a desvinculação do prazer sexual ao risco de
reprodução, possibilitando uma nova maneira de encarar o universo da sexualidade. A mulher
passou então, a ter um poder maior sobre seu próprio corpo, podendo escolher sobre a decisão
de ter filhos, quando e quantos.
- A independência financeira da mulher, fez com que se tornassem menos submissas e
passivas, desobrigando-as a manter um casamento insatisfatório em troca do sustento e
proteção de um marido.
- O individualismo exacerbado gerou uma espécie de compromisso com o prazer, que teria de
ser imediato e sem custo. Tal crença leva as pessoas a assumirem uma conduta de baixo
investimento na relação amorosa, porém com uma alta expectativa de gratificação e baixa
tolerância à frustração.
- Os progressos científicos e tecnológicos alongaram a vida humana. Com isso o futuro dura
mais tempo, e assim a “felicidade para sempre” tem hoje um significado mais pesado do que
nas gerações antecedentes. Essa perspectiva torna as pessoas mais exigentes e menos
tolerantes.
3.2 História Social da Criança e da Família.
Philippe Ariès (2006), considerado um dos maiores historiadores contemporâneos nos
aponta em sua obra, a formação da família, da Idade Média até a atualidade.
Na Idade Média, as crianças se misturavam com os adultos quando eram consideradas
capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas, aproximadamente, aos sete anos de idade.
As pessoas não conservavam suas crianças em casa, encaminhavam os filhos para a casa de
outras famílias, para que com elas aprendessem boas maneiras e um ofício, ou para que
freqüentassem uma escola e aprendessem as letras latinas. Permaneceriam aí, por um período
de sete a nove anos.
O serviço doméstico como aprendizagem era uma forma comum de educação, pois era
através dele que o mestre transmitia a uma criança, que não era o seu filho, conhecimentos,
experiência prática e valor humano.
Esse costume era difundido em todas as classes sociais.
Pelo fato das crianças se afastarem muito cedo da família, não era possível estabelecer
um sentimento profundo entre pais e filhos.
Dessa época em diante, sob forte influência da igreja e do Estado, a educação passou a
ser fornecida pela escola, que deixou de ser exclusividade dos clérigos para se tornar um
instrumento de iniciação social, da fase da infância para a fase adulta, quando foram
necessárias algumas modificações nos métodos originais.
Essa evolução correspondeu a uma necessidade nova de rigor moral da parte
dos educadores, a uma preocupação de isolar a juventude do mundo sujo dos
adultos para mantê-la na inocência primitiva, a um desejo de treiná-la para
melhor resistir à tentação dos adultos (ARIÈS, 2006, p. 159).
Com isso houve uma preocupação dos pais, em cuidar e permanecer mais perto de
seus filhos, não os abandonando.
Com a substituição da aprendizagem através da escola, houve uma aproximação entre
pais e filhos, reatando o sentimento de família. A família se concentrou a partir daí em torno
da criança. O clima sentimental aproximou-se do nosso, dando a entender que a família
moderna surgiu ao mesmo tempo em que a escola.
Neste período os pais reclamavam dos magistrados urbanos, reivindicando a
multiplicação das escolas para que seus filhos pudessem estudar mais próximos de casa.
Surgem sob uma nova luz, os problemas morais da família. Dentre outros fatores, o
fim da exclusividade dos bens dirigidos ao primogênito e por decorrência, o incentivo aos
filhos mais novos foi a principal causa da formação familiar formal, situação inaceitável para
a época. Mesmo havendo indicadores de abertura, ainda vigorava a realização de casamentos
arranjados, visando à manutenção e expansão do patrimônio das famílias, pois quando se
tratava de casamento, ninguém pensava em contestar o poder dos pais.
Outro aspecto importante do final do século XVII é em relação à falta de privacidade.
As casas eram como grandes galpões, não havendo delimitações.
“Não havia locais profissionais, nem para o juiz, nem para o comerciante, nem para o
banqueiro, nem para o negociante. Tudo se passava nos mesmos cômodos em que eles viviam
com sua família”. (ARIÈS, 2006, p. 180).
Com o tempo surgiram novos valores, como a ambição e a reputação. Para atingir tais
valores, ninguém deveria se contentar com sua condição e para elevá-la sujeitavam-se a uma
polida e detalhada disciplina social, disseminada em manuais de civilidade que consistia em
ensinar práticas de educação e saúde, ou seja, postura e higiene.
Verifica-se nos estudos de Ariès (2006), que entre o fim da Idade Média e os séculos
XVI e XVII, a criança conquistou um lugar junto aos pais. “Essa volta da criança ao lar foi
um grande acontecimento: ela deu a família do século XVII sua principal característica, que a
distinguiu das famílias medievais” (ARIÈS, 2006, p. 189).
A criança passou a ser o centro das atenções da vida dos adultos, que passaram a se
preocupar com sua educação, carreira e futuro.
A evolução da família medieval para a família do século XVII e para a família
moderna, se limitou por muito tempo aos nobres. A partir do século XVII, e até nossos dias, o
sentimento de família modificou-se muito pouco, por outro lado se estendeu a outras camadas
sociais.
Com a Revolução Industrial, no fim do século VXIII, constataram-se progressos na
vida familiar:
Os trabalhadores agrícolas tenderam a se instalar numa casa própria, em
lugar de morar na casa dos empregadores, e o declínio da aprendizagem na
indústria têxtil permitiu casamentos mais precoces e famílias mais
numerosas (ARIÉS, 2006, p. 189 apud ASHTON).
Enfim, vários fatores contribuíram para que a vida familiar se estendesse a quase toda
a sociedade, a tal ponto que as pessoas se esqueceram de sua origem aristocrática e burguesa.
3.3 Uma Relação Amorosa.
O que faz nascer uma história de amor? O que faz uma pessoa acreditar que aquele ser
é o único caminho para preencher sua incompletude, para afastar o sentimento de solidão? Por
que duas pessoas, que nunca se viram, de repente se olham de uma maneira diferente... Daí
em diante, a paz estará para sempre comprometida pelo medo da perda, pois sem o outro,
torna-se impossível sobreviver.
Nem a ciência, nem a filosofia, nem a arte foram capazes de responder tais questões,
mas podemos identificar alguns componentes da trajetória amorosa, a partir de uma leitura
psicanalítica.
3.4 Amor e Casamento.
A história do homem na Terra está associada com seu esforço em dominar a natureza.
Nossa espécie não foi dotada de equipamentos naturais para sobreviver com facilidade, porém
somos dotados de um cérebro privilegiado, capazes de inventarmos e descobrirmos com a
finalidade de tornar nossas vidas mais agradáveis e mais longas.
O homem modifica a natureza e depois tem que se adaptar ao novo meio que criou e
há uma resistência à adaptação à nova realidade que nós mesmos criamos, por duas razões:
somos limitados na nossa capacidade de adaptação por causa dos condicionamentos culturais
dos quais estivemos submetidos no processo de educação e porque constatamos que as
mudanças também têm conotações desfavoráveis. Com a instituição casamento, não foi
diferente (GIKOVATE, 1984).
É indiscutível que a família se estabeleceu, além de várias questões, também pela
perpetuação da espécie. Durante muito tempo, foi o casamento e a vida em família que
sustentava, como única condição aceitável à atividade sexual da mulher, sendo esta,
totalmente dependente de um homem que se achava no direito de exigir disto uma garantia de
paternidade.
Segundo Gikovate (1984), anseios psicológicos também estavam em jogo, pois é mais
aconchegante tal condição do que ser só. Entretanto, quando o casamento deixou de ser a
única opção de vida, em virtude das mulheres já poderem se sustentar e poderem optar entre
ter ou não filhos, o que presenciamos não foi uma redução do número de ligações e nem uma
quantidade crescente de pessoas optando por viver só. O que presenciamos foi ao chamado
casamento por amor, por livre escolha.
Quando a necessidade do casamento se atenuou, o mesmo continuou a existir, porém
baseado no desejo de viver junto próprio das pessoas que se amam. Verificamos então, que há
uma tendência das pessoas, tanto homens quanto mulheres de reproduzir os padrões de vida
em comum próprio dos casamentos por necessidade, por exemplo:
O homem quer continuar a ser prestigiado dentro de casa como se ele ainda
fosse o “herói” que trazia o sustento indispensável para todos, além de
sabotar os eventuais desejos da mulher de apesar de esposa, continuar a
exercer atividades pessoais fora de casa. O processo é ao meu ver, bilateral,
pois as mulheres também parecem voltadas para a idéia de se dedicar ao
marido e aos filhos, se deixando proteger e sustentar. Desta forma, em pouco
tempo o casamento que se iniciou por amor se perpetua por necessidade
(GIKOVATE, 1984, p. 19).
Hoje em dia, o casamento por necessidade não faz mais sentido. Os casais revivem
modelos caducos apenas por causa dos condicionamentos culturais muito fortes e presentes
em todos nós, porém quando atingem um ponto de saturação, se separam.
Necessidades psicológicas têm um importante papel no retardamento desse epílogo
inevitável, pois a maiorias das pessoas têm muito medo de se perceberem sozinhas, pois as
remetem a experiências de vivenciar o desamparo da condição humana, ou seja, uma sensação
muito forte da subjetividade desde o momento do nascimento. Corresponde a um estado de
desespero, intensamente associado ao medo com o qual nos deparamos sempre que nos
sentimos desprotegidos e sem referências.
Isto só foi possível graças a um eficientíssimo sistema repressivo. Um sistema
composto por uma mistura de ingredientes religiosos com ameaças de castigos para condutas
desviantes, associado a mecanismos psicológicos relacionados com represálias afetivas
(GIKOVATE, 1984).
O medo foi o resultado subjetivo, de modo a ficarmos condicionados a respeitarmos as
regras impostas por uma pequena minoria.
No entanto, as pessoas sentem a necessidade de um vínculo afetivo.
As pessoas que vivem sozinhas não deixaram de ter anseios de natureza
amorosa; convivem melhor com o desamparo, estabelecem vínculos menos
exigentes, eventualmente múltiplos e de vários tipos, mas gostam de se
sentirem ligadas, juntas. Além de ser importante atenuador do desamparo, a
intimidade física e intelectual própria do encantamento amoroso é uma das
experiências mais ricas, prazerosas e gratificantes...A maioria das criaturas
continua a preferir vínculos estáveis e duradouros às aventuras passageiras
(GIKOVATE, 1984 P. 66).
O amor está deixando de ser uma necessidade vital, mas não deixou de ser um desejo
muito intenso. Portanto é interessante reformularmos os conceitos a respeito do amor e do
casamento.
Para que o amor seja gratificante é necessário que ele deixe de ser vivido como vital,
ou seja, como condição geradora de ansiedade e insegurança e que haja um esforço brutal de
amadurecimento pessoal, de independência e auto-suficiência.
O amor não implica obrigatoriamente em casamento, pois o termo parece ser apenas
um dos dogmas que regem nossas mentes. O casamento não pode estar vinculado como prova
de amor, ou a única conseqüência de um amor bem sucedido e correspondido.
Segundo Gikovate (1984), amor trata-se do desejo de se estabelecer uma intimidade
máxima e peculiar com outra criatura, desejo este que deriva da recíproca admiração.
Costumamos entender o amor como dependência, fusão de duas pessoas em uma só,
como um tipo de simbiose uterina, o que parece ser uma manifestação imatura, infantil, algo
que não combina com a natureza desta emoção.
O objetivo amoroso, raramente foi atingido na vida real. Em tempos passados, era
devido ao fato de que tais encantamentos quase sempre se davam em oposição às regras que
governavam as alianças matrimoniais. Os jovens apaixonados eram obrigados a renunciar o
amor e se casar com aqueles aos quais estavam prometidos; paixões entre pessoas casadas
tinham que ser vividas como clandestinas e incompletas em virtude da indissolubilidade do
casamento. Quando os jovens ganharam liberdade para a escolha do cônjuge, em geral o
fizeram em torno do vinte anos de idade, unindo-se segundo grandes diferenças de
temperamento e caráter, devido ao fato de terem a auto-estima baixa e só poderem admirar o
seu oposto, o que resultou em envolvimentos superficiais e atritados. Pessoas mais velhas
tendem a se apaixonar por afinidade parecem ter mais facilidade em viver o sentimento por
inteiro (GIKOVATE, 1984).
O prazer derivado da fusão de duas pessoas, do encontro com a outra metade é algo
que já se pode realizar, e mais, já sabemos de alguns de seus desdobramentos. A palavra
paixão vem sendo usada como encantamento amoroso máximo associado a fortes
manifestações de insegurança e medo de perder o outro, “o que gera palpitações é o medo e
não o amor” (GIKOVATE, 1984).
O caráter altamente possessivo da paixão se manifesta através do afastamento social
do casal apaixonado, que sonha com uma vida reclusa em algum lugar deserto. As pessoas se
sentem gratificadas e completas em todos os sentidos. Inclusive o da vaidade de ser o máximo
para o outro. Não sentem necessidade de amigos, de sucesso no trabalho, de dinheiro e outros
aspectos que possam prestigiá-las. Um basta para o outro. Reencontra-se dessa forma o
paraíso perdido. O grande desejo, de ambos é permanecerem o tempo todo juntos. Nada é
sentido como restrição à liberdade individual. Os obstáculos externos, em geral, relacionados
com os problemas individuais antes de se encontrarem acabam sendo um fator de união.
De repente, começam a surgir os anseios de individuação, de maior independência, de
se desfazer da relação possessiva e isto gera uma impressão de traição aos ideais românticos
antes tão fortes.
É provável que o mecanismo seja o seguinte: a própria realização amorosa
determina um enorme desenvolvimento pessoal (amadurecimento), de tal
forma que o desejo amoroso perca sua importância original, ou pelo menos
tenha que ser repensada em termos novos. Em uma frase: a realização
amorosa determina a “cura” de mágoas infantis e definitivamente fica
cicatrizado o cordão umbilical, (que do ponto de vista emocional, é ferida
aberta para a maioria dos adultos) (GIKOVATE, 1984, p.79).
Se os casais não se aperceberem deste processo, poderão desenvolver uma irritação
recíproca e encaminharem suas vidas para a separação a pretexto de divergências até há pouco
tempo irrelevantes.
O resultado da plena realização amorosa é o aumento do desejo de individuação, e
jamais se poderia suspeitar que era isso que viria depois do “casaram e foram felizes para
sempre”.
O encontro amoroso é a resolução das mágoas e inseguranças de nossos anos de
formação (trauma do parto, separação da mãe no período Edipiano, etc.). E o que vem depois
de se viver bem a ligação dual é a individualidade, o buscar se resolver como ser
independente. Quando o casal entende a reversão do processo, resta um enorme prazer na
companhia um do outro, uma sensação de ser muito importante um para o outro, mas não
mais o único.
“Prazer grande na companhia um do ouro, importância menos vital um para o outro,
isso entre duas pessoas mais independentes e auto-suficientes, é uma emoção que se poderia
chamar de amizade”(GIKOVATE, 1984).
Amizade real implica em grande intimidade, confiança recíproca, identidade
relativa de ponto de vista e visão de mundo, em se achar graça especial na
outra pessoa, seu jeito de falar, de contar piadas; tudo isso determina um
enorme desejo de se estar junto com freqüência para qualquer tipo de
programa (também irrelevante, pois a graça é a companhia por si só). A
amizade, segundo penso, se distingue do amor, por conter uma carga bem
menor de vaidade; de único se passa a muito importante. Em contrapartida,
as exigências e cobranças se atenuam na mesma proporção (GIKOVATE,
1984, p.80).
Talvez a amizade seja uma manifestação mais adulta do anseio amoroso. Relações de
amizade existem também entre duas pessoas que sonham com o amor pleno e de fusão, mas
como vivências paralelas, secundárias. Manifestam-se em pessoas do mesmo sexo e que
vivem relações amorosas, satisfatórias ou não, com o sexo oposto. Muitas pessoas casadas
sentem maior prazer na companhia de um amigo do que do próprio cônjuge, se sentem mais à
vontade, não se sentem cobrados ou julgados; coisas que só o amor, como costumamos
pensar, nos autoriza a fazer. Se pensarmos melhor, o principal requisito para se viver junto é
exatamente o de duas pessoas amigas.
3.5 Motivações Inconscientes da Escolha.
3.5.1 O Casamento
Segundo o Dicionário Brasileiro Globo, casamento significa o ato de casar ou união
legítima entre homem e mulher, matrimônio, cerimônia ou festa nupcial. Já o Dicionário de
Símbolos de Jean Chevalier, casamento é o símbolo da união amorosa do homem e da mulher,
com a finalidade de ser a instituição que preside à transmissão da vida, simbolizando a origem
divina da vida.
Na verdade, podemos pensar no casamento como a forma mais elementar de o ser
humano se sentir acompanhado, acolhido e pertencente a alguém. Pode-se dizer que o
casamento foi uma criação humana para atender suas necessidades, principalmente as de
sobrevivência, tarefas compartilhadas, lazer e proteção entre outras muitas que poderíamos
citar. A solidão na maioria das vezes pode ser algo aterrorizador por estar acompanhada de
sentimentos de exclusão, abandono e menos-valia, e é no casamento que as pessoas
encontram o local ideal para cessar essa angústia. Segundo Anton (1991):
O outro é uma fonte de referência indispensável para a conservação
da percepção lógica e organizada de si mesmo. Uma criança antes de
descobrir o ‘Eu’, descobre a mãe, o pai, o irmão... Um adulto, mesmo sem o
saber, conserva a própria unicidade e lucidez no confronto com as demais
pessoas. A solidão em suas formas mais radicais, leva à confusão entre
realidade e fantasia. Muitas infelizes relações não terminam nunca,
justamente porque os indivíduos nelas envolvidos sentem-se incapazes de
estabelecer laços mais felizes com outras pessoas e preferem estarem mal
acompanhadas a ficarem sós, pois esta alternativa pode estar associada a um
insuportável medo da loucura (ANTON, 1991, p. 11).
Porém, a autora é enfática ao afirmar que individualidade e solidão podem ser
experiências gratificantes e enriquecedoras para aqueles que se sentem pertencentes, e cuja
vida tem valor, tanto em grandes grupos como em pequenos grupos sociais ao qual ela faz
parte. São os sólidos laços criados a partir das inter-relações significativas que vão garantir a
integridade do “Eu”. O “outro” vai sempre fornecer o contorno do “Eu”, e essa convivência
sadia onde há a diferenciação é condição primordial para a saúde mental.
Na nossa cultura, o casamento pode ser visto como instrumento de libertação e de
felicidade: o investimento no outro pode torná-lo responsável pela realização dos sonhos de
quem investe, fazendo com que o outro de alguma forma faça cessar as carências através dos
papéis que vai representar, devendo em alguns casos coexistir, mesmo que incompatíveis
entre si.
É muito comum se ouvir dizer que o despreparo das pessoas para o casamento deve-se
às promessas da mais ampla felicidade que são feitas antes dele acontecer, configurando
assim o clássico final feliz: “Casaram-se e foram felizes para sempre”.
Anton (1991), cita:
O despreparo emocional tem muito mais a ver com a evolução global da
personalidade do que com estes esquemas pré-fabricados, uma vez que as
experiências anteriores, responsáveis pelo desenvolvimento do ego, é que vai
determinar a capacidade de reconhecimento e de adaptação à realidade, ou o
predomínio da ilusão, em detrimento do real. Mais decisiva do que a
incompatibilidade entre o casal é a preponderância do conflito entre os
objetivos conscientes e inconscientes de ambos, a cerca de si mesmos como
indivíduos, e acerca da relação conjugal” (ANTON, 1991, p. 14).
Partindo-se do princípio que o casamento é a relação mais íntima e estável entre um
homem e uma mulher, é de suma importância termos a compreensão acerca das motivações
inconscientes que influenciam na escolha do cônjuge.
3.5.2 O Inconsciente
Ao pensarmos no papel do inconsciente quando falamos na escolha do cônjuge, alguns
cuidados importantes devem ser levados em consideração. O primeiro deles é considerar que
hoje temos uma grande quantidade de elementos que nos comprovam que o homem é, em
muito larga escala, autor de sua própria história, apesar de muitas das suas escolhas e postura
perante a vida serem inconscientemente motivadas. O segundo cuidado é em relação ao termo
motivações inconscientes: ele não deve ser entendido como algo determinista, que leve a
entender que estamos falando de algo determinado pelas forças do destino, alheio às vontades
da pessoa.
Existem elementos em constante movimento na mente de uma pessoa, muitas vezes
em conflito, como fantasias, por exemplo. Dados gravados na memória inconsciente exercem
influências consideráveis nos momentos de escolha, influenciando muitas vezes de maneira
decisiva o caminho a seguir.
Anton (1991), diz que a memória inconsciente pode ser comparada à memória de um
computador, pois o material “esquecido” está fielmente registrado no psiquismo humano,
capaz de gravar e de relacionar absolutamente tudo o que o indivíduo experimenta, no nível
das sensações, de sentimentos, de fantasias, de pensamentos, etc.
Portanto, estímulos atuais do espaço externo podem desencadear uma série de
descargas de energia no mundo interno, evocando os mais diversos sentimentos e emoções,
aos quais podem ser imperceptíveis ao sujeito, porém, este sofre influências em seus atos do
cotidiano. A energia psíquica flui de um lado para o outro, realimentando todo o sistema,
sendo que os dados da realidade externa mobilizam os da realidade interna e vice-versa.
Assim os indivíduos organizam suas vidas de acordo com elementos do mundo interno
que são na maioria das vezes desconhecidos, inconscientes. Anton (1991), afirma que
acertos e desacertos, sucessos e insucessos, felicidade e sofrimentos não são frutos do acaso,
mas sim de uma construção pessoal que ocorre ao longo da vida do indivíduo.
3.5.3 Atração Seletiva
Quando escolhemos um parceiro(a), conteúdos conscientes e inconscientes estão em
jogo, fazendo parte alguns elementos como os impulsos, as fantasias e os mecanismos de
defesa entre outros. Por isso muitas vezes a escolha do objeto pode ser a busca do equilíbrio
interno no parceiro(a) real, externo, passando ele(a) a ser a representação da segurança.
Esses objetivos podem ser conquistados de algumas formas como:
a) Diminuição ou desaparecimento do desejo na medida em que o objeto real não corresponde
ao fantasiado.
b) Atitude repressiva e controladora do parceiro(a), bloqueando suas manifestações,
impedindo se extravasar aquilo que rejeita em si;
c) O parceiro(a) assume e realiza a função que o sujeito reprime.
Segundo Anton (1991), nas escolhas feitas, boa parte do “motivo” fica retido no
inconsciente, e as justificativas da escolha explicam apenas uma parte de um conjunto de
motivações de uma complexidade bem maior, de camadas bem mais profundas do
inconsciente. Ela faz uma comparação entre os níveis de consciência e as camadas de uma
cebola, ao qual o que se vê mais são as camadas mais externas.
Na escolha do cônjuge, pode-se sugerir que o que ocorre é a percepção dos motivos
mais superficiais das camadas mais conscientes, ficando os motivos mais inconscientes
ocultos.
3.5.4 O Valor Simbólico do Objeto Eleito
O objeto eleito muitas vezes se constitui num verdadeiro símbolo, pois representa ou
evoca algo de muita importância na vida da pessoa, por exemplo, o pai ou a mãe. É como se
na situação atual, quando o objeto é eleito, há uma evocação e representação de uma pessoa(s)
importante(s) dos tempos da infância, inteiramente ocultas à consciência. Ocorre o fenômeno
do deslocamento do passado para o presente, e do objeto(s) antigo(s) para o objeto atual.
Atualizam-se sentimentos e desejos vividos naquelas ocasiões do passado no objeto do
presente. Portanto, segundo cita Anton (1991), qualquer relacionamento significativo, por
mais realista que seja, implica nesta mistura entre passado e presente, realidade e fantasia.
É interessante ainda citar que:
Freud parte de que, em nossas modalidades de relação amorosa, se dão
determinadas pautas, estereótipos ou clichês, que se repetem continuamente,
por toda a vida, isto é, que cada um enfrenta uma situação amorosa com toda
a bagagem do seu passado, como modelos que, reproduzimos, configuram
uma situação na qual o passado e o presente se põem em contato (ANTON,
1991, p.19 apud ETCHEGOYEN, 1987, p. 64).
3.5.5 O Casamento Sonhado
Existe nesse tema uma dissociação criada pela própria sociedade atual entre o
casamento de fato e o casamento sonhado. De um lado a família, a igreja e outras instituições
sociais defendem a idéia de que no casamento deve prevalecer a “gratuidade” e “doação
total”. São idéias que vem da experiência primitiva do amor materno-filial simbiótico.
O sistema cria e nutre normas, rituais, mitos e ilusões que determinam formas de
comportamento que promovem o não desenvolvimento do indivíduo. Isto gera uma
sobrecarga de conflitos inconscientes que podem acarretar em dificuldades ou fracasso na
escolha do cônjuge, e na evolução de uma relação.
As próprias famílias contribuem para manter uma situação de equilíbrio neurótico,
através de sua força perante seus membros, atribuindo e reforçando o desempenho dos papéis.
O desempenho dos papéis corresponde à imposição dos símbolos, que citamos anteriormente,
as ilusões, os mitos, e assim se perpetua uma ideologia, e as repetições acontecem.
As escolhas então se baseiam na percepção inconsciente de que o objeto se dispõe a
exercer o papel que lhe atribuiu o sujeito e vice-versa.
3.6 A Carência Básica do Amor e o Isolamento Afetivo
Podemos caracterizar o isolamento afetivo segundo Anton (1991), como o indivíduo
que tende claramente à não expansão de seu eu, à limitação dos mundos interno e externo e a
renúncia às trocas emocionais, sendo este o seu mecanismo típico de funcionamento.
Diferente do que se pensa no senso comum, o isolamento afetivo não é algo somente presente
nas pessoas que vivem em mosteiros e clausuras, lugares ermos e solitários, podem ocorrer
em pessoas de normal convívio social, cercado por amigos, parentes e com vida social,
intelectual e profissional ativas.
O isolamento é o responsável pelas barreiras que o indivíduo constrói. É uma atitude
de caráter interno, às vezes intransponíveis às relações mais íntimas. Esse mecanismo se
constitui a partir de uma fortíssima necessidade que a pessoa tem de se proteger, evitando se
expor e criar laços. Tende a ser lógico e racional ao extremo, sendo seu pensamento carregado
de uma objetividade fria e desconcertante. Suas tendências ao afeto se expressam
normalmente através de habilidades artísticas, interesse por plantas, animais, atividades
filantrópicas. Essas experiências somente vão garantir uma relação limitada de intimidade e
de apego. Toda essa situação deve-se ao fato de que no inconsciente desse tipo de pessoa
repete-se sempre o aviso de que relações afetivas íntimas e profundas são perigosas e não
confiáveis, portanto, manter a distância é o mais seguro, porém o conflito é inevitável, já que
o desejo de se relacionar intimamente existe. Conscientemente buscam-se relações afetivas
verdadeiras, mas por razões inconscientes e de modo inconsciente a própria pessoa destrói o
que foi construído através das mais variadas atitudes e comportamentos, o que sensibiliza o
parceiro de forma negativa, desmanchando o seu amor.
Pessoas isoladas raramente buscam alguém com características semelhantes as suas.
Buscam pessoas que expressem vivamente suas sensações emocionais e que sustentem a
fantasia de serem “as salvadoras” dos que sofrem. Mas quando o parceiro(a) possui o mínimo
de maturidade, percebe-se não correspondido e a relação geralmente se rompe. A escolha
então recai sobre um imaturo que por suas características infantis mais facilmente obedecem
às regras do jogo. A dependência e o desejo de agradar do imaturo levam-no à submissão, o
que de certa forma o torna menos valorizado, portanto, menos ameaçador, e mesmo quando
frustrado o isolado-controlador fornece algum subsídio que o mantém por perto, cumprindo
sua função, não mobilizando grandes afetos.
O isolado de uma maneira geral, tende a não se expor e a evitar qualquer tipo de
dependência, principalmente as afetivas, porém, quando consegue o feito de transpor essas
barreiras, mostra-se como o mais leal dos companheiros, o melhor dos amigos. Tal fato
raramente acontece, haja visto que o temor inconsciente leva à resistências quase
intransponíveis. Só é possível quando ao longo do primeiro ano de vida, ao lado das enormes
frustrações sofridas acontecem algumas gratificações marcantes, com objetos maternos
complementares, o que permite aproximação e envolvimento afetivo.
Anton (1991), cita que:
A imagem que surge é de uma borboleta, lutando para sair de seu casulo, e
momentaneamente confusa com a luz do sol, com a ampliação do espaço,
com a força do vento. Não é fácil sair, nem é fácil voar. Mas nascer e se
expandir é um processo fascinante, e é esta a sensação que fica, acerca da
alegria de superar a si mesmo, e de aprender a voar (ANTON, 1991, p. 35).
O isolado pode a partir daí transformar sua intimidade, dentro de uma relação de
tolerância mútua e amorosidade confiável, sendo que o cônjuge, seja homem ou mulher,
desempenha inconscientemente o papel de “objeto materno”, auxiliando na elaboração de
conflitos e na correção das fantasias. Chegar até esse ponto não é tarefa fácil, já que de
maneira inconsciente, todos os mecanismos possíveis vão ser colocados em prática a fim de
desencorajar as oportunidades que lhe são dadas.
Concluindo, tudo leva a crer que o isolado tem medo de uma relação gratificante e
duradoura por conta da frieza e da instabilidade de suas primeiras relações objetais, levando-o
a uma permanente atitude de reserva e temor. Apegar-se pode ser algo ameaçador, já que o
medo do abandono é uma constante. Desejar ardentemente um carinho que parece vir, e de
repente pode ser retirado, é uma experiência frustrante, que nenhum ser humano deseja
experimentar.
3.7 O Amor
A capacidade de amar não é uma característica inata do ser humano. Ela é aprendida
em um processo lento, a partir do nascimento. Podemos pensar que o sorriso de uma
criancinha é o primeiro passo nesse sentido. Porém, algo muito importante é citado por Anton
(1991), quando diz que não há amor nas fases autística e simbiótica, e sim uma mistura entre
mãe e filho, mas esta fase é extremamente importante e necessária para que o bebê entre em
contato com a experiência do amor. O que lhe proporciona um aprendizado que irá perdurar
por toda sua vida. Quando a criança começa a diferenciar-se da mãe, e percebe que o mundo
externo é povoado por objetos bons, nasce à confiança básica, que é necessária para que ela
possa desejar e ser capaz de estabelecer vínculos. Essa capacidade de amor se dá
através de um processo contínuo, ao qual a criancinha tem suas necessidades básicas
satisfeitas, e sente que alguém zela por ela, sem que muitos esforços sejam necessários, sendo
o choro mais que suficiente.
Esse processo, quando bem sucedido, vai fornecer elementos indispensáveis para uma
vida adulta feliz e realizadora, evidenciando-se a capacidade de dar e receber, que caracteriza
o amor maduro. Anton (1991), faz uma citação interessante a uma autora de psicologia
infantil sobre esse processo, descrito assim:
Klein examina profundamente o vínculo entre a criança e a mãe, desde a
época em que a relação se fazia em nível de objetos parciais. A integração do
seio bom com o seio mau vincula-se diretamente à integração entre libido e
agressividade. A interiorização de objetos bons, amorosos e protetores,
favorecem o desaparecimento da tendência à cisão. Isto é indispensável para
que os sentimentos ternos e o amor pelo objeto não sumam, engolfados pelas
frustrações sofridas. Quem não atingiu este estágio não suporta revezes, e
dissocia sempre. Seu mundo continua a ser povoado por seres absolutamente
bons e belos (perfeitos), ou maus, feios, odiosos e persecutórios (ANTON,
1991, p. 172).
Esta citação leva-nos a entender que, pessoas que nasceram e se desenvolveram num
ambiente favorável, registram em seus inconscientes objetos arcaicos de caráter altamente
positivos, os quais proporcionam um equilíbrio na vida emocional, o que permite uma
existência útil e prazerosa. O que sofreu mais não é necessariamente o fracassado ou incapaz
de estabelecer bons vínculos, porém essa capacidade pode ficar sensivelmente abalada. O
importante é como cada indivíduo resolveu seus conflitos, curou suas feridas, festejou suas
alegrias e vitórias, e de que forma ocorreram as integrações de todas essas vivências. É a
partir da internalização de objetos bons ou maus que a pessoa procura estabelecer relações
gratificantes ou frustrantes, até perigosas, colocando em risco sua integridade física e moral,
porém, quando o registro de experiências positivas é o que prevalece, há a permissão ao ego
para criação de mecanismos adaptativos de ordem superior, não havendo motivos para temer
impulsos e emoções vindos do meio externo ou do mundo interno, que fazem parte de
qualquer relacionamento. A libido integra-se à agressividade liderando-a e neutralizando seus
elementos de caráter destrutivo, permitindo que a energia disponível torne a pessoa mais
adaptada à realidade.
Nos relacionamentos as frustrações existem, e sempre os mecanismos agressivos são
acionados, voluntária ou involuntariamente, mas na medida em que há o amor na relação, a
raiva não se manifesta de forma ofensiva e destruidora, havendo espaço para as negociações,
trocas e um espaço livre para a individualidade de cada um, evitando-se novas situações
frustrantes.
A capacidade de amor objetal se dá a partir do momento em que há a desidealização
da figura da mãe, aprendendo amá-la como figura humana, aceitando suas qualidade e
defeitos. Aí se passa para o afeto paterno, para os irmãos e para as outras pessoas de uma
forma geral.
O desenvolvimento da capacidade de amar tem uma relação direta com toda a história
infantil de cada um de nós, bem como das relações inconscientes que temos estabelecido com
nossos primeiros objetos, especialmente a mãe e depois o pai.
3.8 Um Tipo Especial de Escolha de Objeto feito pelos Homens
Sigmund Freud, em seu texto intitulado “Um tipo especial de escolha de objeto feito
pelos homens – Contribuição à Psicologia do Amor” (1910), descreve alguns tipos de escolha
de objeto que ocorrem, ditas como condição necessária ao amor, a seguir descritas:
1) Escolher um objeto necessariamente compromissado, ou seja, nunca escolherá uma
moça solteira ou uma mulher separada, mas sim aquela que possuir algum vínculo
amoroso com um homem;
2) Menos freqüente, porém digna de nota, na segunda condição, mulheres aparentemente
honestas e dignas de amor verdadeiro nunca exercem atração a ponto de se tornar
objeto amoroso, mas o inverso é o que vai atrair tais homens, ou seja, mulheres de má
reputação sexual, que despertem neles a sensação da infidelidade. Nessa segunda
condição à qual o homem vai se relacionar com uma mulher que se assemelha a uma
prostituta coloca-o diante da experiência do ciúme, o que parece ser a motivação
principal para que homens desse tipo façam essa escolha. Segundo Freud (1910), a
paixão desse tipo de homem só atinge o apogeu e a mulher só adquire pleno valor
quando, apenas, conseguem sentir ciúmes e eles nunca deixam de aproveitar a ocasião
que lhes permita experimentar essas emoções tão poderosas. Uma característica
interessante desse grupo é o conforto que demonstram quando estão na situação
triangular;
3) No amor considerado normal, a mulher valorizada e escolhida é aquela que demonstra
ter integridade sexual, não se valorizando nesse grupo as com características
semelhantes às prostitutas. Eles consideram a escolhida como “objeto amoroso do
mais alto valor”, porém, esse fato aponta para algo não muito normal. É um tipo de
amor de natureza compulsiva, já que pode se repetir exatamente da mesma forma com
outra parceira. Existe ainda mais um aspecto importante a ser citado que é a grande
necessidade que esses homens tem de “salvar” a mulher amada, acreditando em sua
fantasia que ela é totalmente dependente dele moralmente falando, chegando a
emprestar traços de sua personalidade para manter o objeto amado no caminho da
“virtude”.
Todos os tipos expostos estão diretamente relacionados às escolhas objetais dos homens
considerados normais, assim sendo, de um modo geral a escolha do objeto está relacionada ao
protótipo materno, e derivam da fixação infantil de seus sentimentos de ternura pela mãe.
Através de sua investigação Freud conseguiu demonstrar com êxito que
independentemente da escolha do objeto, seja uma prostituta, uma que precisa ser “salva”, ou
uma compromissada, existe uma relação direta entre o período infantil do desenvolvimento
envolvendo o triangulo pai, mãe e filho, e a repetição dos sentimentos vividos nessa época
na vida adulta com a escolha do objeto de amor, caracterizando uma escolha inconsciente da
representação da própria mãe como objeto de amor.
3.9 Casamento como Fato Afetivo.
Segundo Capellato (2006), o casamento primordialmente surge como fato etnológico,
das etnias, a partir de um homem primitivo e das suas dificuldades em sobreviver e subsistir,
somado as necessidades orgânicas, instintivas e intuitivas da procriação. A partir desse
pressuposto básico, quando o homem se encontra numa posição de maior organização
cultural, dividindo-se em grupos e tribos, e com a necessidade de manter essa situação, o tabu
do incesto surge como elemento principal, como fato antropológico comum e psicanalítico.
Ele define o incesto como sendo um valor cultural, um tabu, que aparece em todos os escritos
do homem primitivo, como algo de muita importância, sendo de caráter primeiramente
cultural, antes de ser psicológico. Como os grupos eram pequenos, a procriação somente
dentro dele promovia o seu desaparecimento. Nesse primeiro momento a proibição do incesto
tinha o objetivo principal da sobrevivência do grupo, e os casais passaram a se formar com o
homem ou a mulher buscando seus parceiros em outro grupo. A relação entre membros do
mesmo clã estava proibida. Outro motivo da proibição do incesto era a diminuição das
guerras entre tribos, já que a troca entre membros de clãs diferentes promovia uma aliança
entre os grupos. Não acabava a hostilidade, porém, não haviam as guerras, e
conseqüentemente não haviam mortos e os grupos subsistiam. Esse é o fator mais
fundamental, etnológico, e antropológico, porém, o afeto nesse dado momento da história não
é o que mobiliza os humanos.
Dando um salto na história, até fins do século XIX e início do século XX, no mundo
Ocidental, os casamentos tinham o objetivo de preservar a economia, e eram chamados de
“casamentos arranjados”. Os noivos não se conheciam antes de se casar, porém, por motivos
econômicos, os matrimônios ocorriam por imposição de suas famílias, e só no mundo
contemporâneo, passa a ser um fato psíquico, afetivo. Na sociedade atual, o casamento
ganhou um novo aspecto, e foi passado a ser considerado um fato jurídico, já que muitos
casais decidem na justiça de maneira litigiosa sobre a separação dos bens.
Fases do casamento:
1º momento: preservação do grupo:
2º momento: preservar a economia dos grupos;
3º momento: fato afetivo
4º momento: fato jurídico.
3.9.1 As Faces do Casamento
A relação ou idéia de casal na história do homem não começou como um fato afetivo.
Somente a partir da década de 50 é que nasceram estudos dentro da antropologia, psicologia e
psicanálise sobre esse fenômeno complicado que é o casamento. Hoje ele tenta manter um
status de fato afetivo, mas está mais para ser um fato jurídico em função da quantidade de
brigas judiciais que ocorrem, do que afetivo. Primeiramente foi considerado como um fato
cultural, passou a ser econômico, e, por um breve período, foi um fato afetivo, e agora é um
fato jurídico. É uma instituição que não se fixou em nenhum sustentáculo ou alicerce, não
pertencendo mais ao social, ao cultural ou ao afetivo, estando hoje mais para jurídico. Alguns
estudiosos do casamento dizem que ele vai se tornar um fato perdido, e as sociedades vão
procurar o casamento mais por uma necessidade do que por um desejo.
3.9.2 Casamento e Condição Humana
Segundo Capellato (2006), a base do ser humano, sua condição primordial é a
angústia, que como ele próprio cita, é a mãe de todos os sentimentos e comportamentos. Cita
ainda a definição que Jacques Lacan (1901-1980) dá a palavra angústia: “Angústia é a
sensação de que me falta algo, alguma coisa, que existe um “objeto” que está perdido e que
não sei qual é.” O movimento de busca que o ser humano faz no sentido de preencher esse
vazio, esse constante deslocamento é a força motriz formadora da nossa civilização, da nossa
cultura e da nossa sociedade e de tudo mais que é pertencente ao mundo humano. Tudo o que
somos e temos são frutos dessa busca, porém, esse vazio, ou este “objeto” perdido jamais será
encontrado.
3.9.3 Os Caminhos do Casamento
A partir desse sentimento de angústia, que é algo inerente ao ser humano, é que
nascem todos os fenômenos psicológicos, como a doença, o amor, o ódio, o medo, os
sentimentos de uma forma geral e os desejos. Para Capelatto (2006), o casamento é toda
união entre duas pessoas independentemente de sexo, e se caracteriza pela busca angustiante
de um “objeto” perdido no outro. Essa busca se inicia de uma maneira social e não psíquica, a
partir de padrões culturais. A busca narcísica é o primeiro importante fator psíquico a se
considerar. A busca pelo outro é a busca para preencher nosso vazio, e casando-se os
parceiros unem-se na angústia. Para a psicanálise, o casamento tem a idéia dos parceiros a
partir de três fatores:
1º) anaclítico: possibilidade de o indivíduo repetir uma vida familiar;
2º) narcísico: possuir alguém exclusivamente para si;
3º) fato afetivo: a união transformar-se em fato afetivo ou psicológico.
O fato afetivo ou psicológico é aquele que exclui o fato étnico e o fato social. Então o
fato afetivo passa a ser a capacidade de tornar a união entre duas pessoas possível do ponto de
vista da angústia, ou seja, é o momento onde um passa a suportar a angústia do outro.
3.9.4 Cenas de um Casamento
Um casal após passar da fase social e narcísica, tem o fato afetivo como o mais
importante para que a relação se mantenha, ao qual um tem a capacidade de suportar a
angústia do outro e vice-versa. As pessoas se ligam pelas angústias que são à base de nossas
vidas. Sendo a angústia mãe de todos os sentimentos e desejos, havendo o amparo delas entre
o casal, existe a possibilidade de nascer o amor. Toda relação afetiva é uma necessidade
humana na qual um deposita no outro suas angústias de sobrevivência. O amor é um termo
criado pelo homem para justificar a união, mas a escolha se dá exatamente pela forma ou
propriedade que o outro tem de receber as angústias do parceiro. O amor é saber identificar no
outro que certos sentimentos como a raiva, o ódio, o ciúme entre outros são na verdade
angústias.
3.9.5 No Amor e na Angústia
O casamento produz a possibilidade de haver o amor, a partir da idéia de que ambos
vão suportar as angústias um do outro. Para que esse fato ocorra deve-se estar superada a fase
narcísica da relação e a onipotência de que o outro pode mudar, tornando-se algo muito
próximo ou exatamente igual ao da idealização. Lidar com o outro real, dentro do princípio de
realidade, reconhecendo que ele ou ela é apenas o outro, e que ambos suportam as angústias
um do outro, é o suficiente para que nasça uma relação de amor.
Capelatto (2006), faz uma citação interessante sobre alguns ritos que acontecem no
casamento, mas principalmente o anúncio da angústia nesse ritual é o que chama mais
atenção: “na saúde e na doença, na alegria e na tristeza... até que a morte os separe”. Porém,
durante todo o ritual do casamento, esse detalhe quase sempre passa desapercebido pelos
noivos.
Enquanto haver esse pacto, ou seja, enquanto esse casal se suportar, às vezes com
amor, raiva, medo, saudade, ódio, enfim, com todo e qualquer sentimento, a relação se
mantém, porém, se em algum momento começar haver a indiferença, deixa de existir o fato
afetivo, ocorrendo a morte da relação de união.
O encanto do casamento se quebra quando o narcisismo e a onipotência acabam,
porém a escolha já foi feita, e o “pacote” todo está presente na relação. O princípio de
realidade deve ser dito para as pessoas para que seja possível sobreviver no casamento, e ter
consciência de que o outro é apenas um sujeito humano. Quando a relação é narcísica, e a
onipotência do amor existe, a angústia certamente será agredida, e sendo o amor filho da
angústia, este é também agredido e impossibilitado de existir.
A angústia existe o tempo todo, todo o tempo.
3.9.6 O Amor Romântico
Há a possibilidade do amor romântico numa relação vivida dia a dia. O romântico
nasce quando as angústias de ambos são colocadas por completo, e são amparadas, sendo o
cuidar a oferta principal para a manutenção desse romantismo.
Renovar a angústia comum é a receita que mantém o amor romântico vivo e a magia
da união. A mágica é a possibilidade daquele que está mais forte poder ouvir a angústia do
outro nos momentos de crise do casal.
4. MATERIAL E MÉTODO
Este trabalho consiste em uma pesquisa descritiva e de levantamento, com a utilização
de materiais diversos como livros, revistas, documentários e filmes. Foram selecionados
quatro casais de classe social média e graduados com nível superior, sendo dois casais com
faixa etária entre 25 e 35 anos de idade, casados entre 2 e 3 anos e dois casais com faixa etária
entre 45 e 65 anos de idade, casados entre 25 e 35 anos. Foi elaborado um roteiro de
entrevista a partir da revisão literária, com perguntas abertas direcionadas aos interesses de
nossa pesquisa.
As entrevistas foram aplicadas aos casais em horários pré-estabelecidos e em
condições favoráveis para o trabalho, com o objetivo de alcançar a maior fidedignidade
possível.
A partir dos dados coletados, confrontamos com o material pesquisado no qual
analisamos os resultados e chegamos a nossa conclusão.
5. RESULTADO
A análise do resultado foi realizada mediante coleta de dados do questionário,
(APÊNDICE A), elaborado especialmente para o nosso estudo, onde se procurou analisar
questões associadas ao objeto da pesquisa.
Dos quatro questionários aplicados verificamos que, de acordo com o anexo A, ambos
relatam que se casaram com a finalidade de permaneceram juntos por um período maior do
que quando estavam solteiros, namorando. Sentiam-se sós apesar de viverem com as devidas
famílias, pai, mãe e irmãos. Tinham sonho em constituir família e terem filhos. Casaram-se no
religioso e no civil por formalidade, esta exigida segundo eles pela sociedade. No caso do
casamento religioso pelo fato de sentirem-se abençoados. Quanto a rotina do casamento, o
que faz com que a mesma aconteça é o compromisso com o trabalho, grande parte de
dedicação de tempo se deve ao compromisso com o profissional por parte do homem. Ambos
vêem nos casamentos de seus pais com poder excessivo por parte do homem (pai) e anulação
da mulher (mãe), se resumindo em cuidados com a casa, marido e filhos.
Em relação ao contrato e o amor, o amor prevalece, servindo o contrato somente para cumprir
formalidades impostas pela sociedade. Uniram-se por sentirem-se desejosos um pelo outro e
para suprir uma necessidade afetiva, sendo que ambos tinham situação financeira
estabelecida.
Em relação ao anexo B, relatam terem se casados pela necessidade de ficarem juntos,
sendo que a princípio a mulher sente também uma necessidade de fugir da repressão imposta
pelos pais. Casaram-se porque tinham desejo de constituir família, em terem filhos para
darem-lhe o “nome” da família e fazerem este “nome” ser respeitado. Também por pensarem
no futuro, em não se sentirem sozinhos e com finalidade de criarem raízes. No que diz
respeito a rotina, o que interfere de forma mais drástica são os compromissos profissionais,
tomando grande parte do tempo de ambos. Vêem o casamento dos pais de uma forma que não
desejariam o deles. Relatam que não percebem proximidade intíma entre os pais, acreditando
até que possa ser excesso de respeito ou talvez timidez. Percebem que os homens (pais) são
extremamente rigorosos, autoritários e que as mães se tornaram submissas, que são mulheres
que se anularam a fim de dedicarem suas vidas ao marido, aos filhos, a casa e aos serviços
domésticos. Acreditam que o contrato exigido pela sociedade tem como finalidade
complementar o amor. Neste caso a mulher relata ter tido a intenção de morar junto, sem a
necessidade de um contrato formal, porém por exigência dos pais e do próprio marido
casaram-se tanto no civil quanto no religioso. Segundo a idéia dos pais, o casamento “certo”
consistia nas duas versões: civil e religioso moralmente mais adequado, pois ambos tinham
um nome a zelar, sem contar a importância da benção da igreja. Afirmam que o que
prevalece, independente do contrato é o amor. Casaram-se por sentirem necessidade afetiva,
para que no futuro não se vissem sozinhos e por um desejo de amor recíproco.
No caso do anexo C., comentam terem-se casados pelo fato de serem na época,
pessoas maduras, vividas, e que sentiam a necessidade de firmarem um compromisso e
encontraram um no outro o que buscavam como “ideal” para constituírem uma família.
Ambos procuravam pessoas responsáveis, trabalhadoras e estabelecidas financeiramente.
Acreditam que o casamento como instituição só em significado quando duas pessoas se
encontram afetivamente e que por outro lado também tem a função de preservar e garantir o
conceito de família. A mulher neste caso, também acrescenta que a família deve ser o núcleo
que dê condições para que os filhos sintam-se seguros, tanto emocionalmente quanto
financeiramente, sendo somente possível se houver o “verdadeiro” casamento, ou seja, união
com respeito e responsabilidade. Comentam também que para eles, a família é a razão da
existência do ser humano, pois é o que dá incentivo ao homem em trabalhar, realizar,
prosperar, tudo em função dos “seus”. Com referência a rotina, também consideram como
fator principal o excesso de trabalho, principalmente no caso do homem. Viram o casamento
dos pais como uma relação muito autoritária por parte do homem. Acreditam que as mulheres
(mães), se submetiam à ordens por questões de dependência financeira e até moral, pois
mulheres separadas não eram bem vistas pela sociedade. Porém, também acreditam que foram
felizes, de acordo com as regras estabelecidas para a época. Em relação ao contrato e amor,
acham que o contrato é pura formalidade, que o que vale é a vontade de estarem juntos, no
entanto, a sociedade cobra tal formalidade e para satisfazer as exigências sociais as pessoas
acabam cedendo para sentirem-se inseridas na sociedade, mas mo que vale é o amor.
Acreditam também que o contrato tem a finalidade de garantir direitos da família. Quanto a
necessidade e o desejo, se manifestam dizendo que as pessoas tem o desejo de terem alguém,
sentem necessidade afetiva, não acreditando que na atualidade haja uniões por necessidade
financeira.
No anexo D, relatam terem se casado por afinidade, identificação e amor. Relatam que
enfrentaram vários problemas de aceitação entre famílias, mas que superaram pelo desejo de
viverem juntos. Acreditam que a instituição do casamento significa companheirismo,
participação e apoio um para com o outro e principalmente ter alguém para curtir a vida.
Segundo eles, família é de suma importância para o ser humano e que a união entre duas
pessoas tem como finalidade a constituição de uma família, consistindo em pai, mãe e filhos,
mas também a união entre as duas famílias maiores, sendo pai, mãe, irmãos do homem e pai,
mãe e irmãos da mulher, formando uma só. Quanto a rotina dizem sempre desviá-la de seus
caminhos, pois estão sempre viajando, passeando, se divertindo de uma forma ou de outra.
Neste caso a mulher as vezes pede para que fiquem mais tempo em casa, pois se sente mais
“caseira”, no entanto percebe que o homem fica inquieto quando passa algum tempo sem
fazer algo diferente. Viram o casamento dos pais como algo sem sentido, sendo os homens
(pais), muito autoritários e as mulheres (mães), se anulando em função de propiciar bem-estar
ao marido e aos filhos. Acreditam que foram casamentos infelizes, só de aparências. Quanto
ao contrato e amor, defendem como fator de importância, somente o amor, pois os mesmos
realizaram um contrato para justificar a união para os pais, e que mesmo assim não foi aceito
e depois de vários anos juntos refizeram um contrato por questões de ”balanços” familiares.
Quando falam sobre necessidade e desejo, acreditam que as pessoas se unem por desejo de ter
alguém ao lado. Acham que pessoas que não se casam tem grandes chances de sentirem-se
tristes e abandonadas e que é muito importante terem um companheiro para se ampararem no
final da vida.
6. DISCUSSÃO
Em todas as entrevistas os casais falam que se uniram com a finalidade de
permanecerem juntos por mais tempo, quando na realidade os compromissos profissionais,
geralmente por parte dos homens, acabam influenciando para que o mesmo não aconteça,
automaticamente caindo na rotina.
Declaram a união pelo desejo, afirmam que as questões contratuais não têm peso na
atualidade, porém, a grande maioria continua formalizando as uniões como no início da
história do casamento, alegando que o contrato tem por finalidade garantir direitos aos filhos e
ao casal, indo de encontro com o que Aratangy (2007), cita: “que o casamento foi inventado
para consolidar alianças e garantir o direito de herança”.
Em relação à constituição de família e criação dos filhos, acreditam que a maneira
mais adequada é através da instituição do casamento, mesmo que não manifestem por
palavras, inconscientemente dão a entender que as crianças necessitam de um lar, de pai e
mãe para serem bem dirigidas e aceitas pela sociedade, novamente compactuando com o que
Aratangy (2007), cita: “... era um contrato que estabelecia normas para o comportamento
sexual...” e conseqüentemente “... o vínculo permanente de um casal com moradia fixa e
conjunta era o ambiente adequado para a criação de filhos...”.
Ao longo da evolução, as mulheres se libertaram profissionalmente, tornando-as
independentes financeiramente, portanto casamento por necessidade não faz mais sentido,
apesar das questões culturais ainda prevalecerem. As necessidades antes financeiras, tratando-
se no caso das mulheres, passaram, nos dias atuais a terem uma conotação psicológica, tanto
para os homens como para as mulheres. Necessitam terem um companheiro (a), a fim de
suprirem necessidades afetivas, ou seja, as pessoas têm muito medo de se perceberem
sozinhas, pois as remetem a vivenciar o desamparo da condição humana (GIKOVATE, 1984).
Em unanimidade, na questão do casamento de seus pais, relatam a autoridade paterna e
submissão e anulação materna. Comparando com os casamentos atuais, percebemos que tais
convicções já não fazem tanto sentido, porém há ainda uma tendência tanto dos homens
quanto das mulheres em reproduzir padrões de vida em comum, próprio dos casamentos por
necessidade. (GIKOVATE, 1984).
Por questões culturais fortes, as mulheres tendem a se dedicar ao marido e aos filhos,
independente de serem também profissionais, deixando-se proteger e sustentar pelo marido,
em contra partida, o homem continua a ser prestigiado dentro de casa, como se fosse ainda o
herói, o provedor (GIKOVATE, 1984).
Os casais priorizam o amor, porém percebemos que os casais mais jovens entendem o
amor como uma intimidade total, como dependência, fusão de duas pessoas em uma só, como
se fosse uma simbiose uterina, o que parece ser uma manifestação imatura, algo que não
combina com a natureza da emoção e que ao mesmo tempo aprendemos em nossa cultura.
Isso não quer dizer que os casais mais experientes não passaram pelo mesmo processo. No
entanto, os casais com maior experiência demonstram terem aprendido com o tempo a
valorizar a amizade, pois somente com o tempo, surgem os anseios de individuação, de
independência, que era até então caracterizado pela “paixão”, que segundo Gikovate (1984), a
paixão se manifesta através do afastamento social do casal apaixonado que sonha com uma
vida reclusa em algum lugar deserto.
Entendemos que com o tempo de convívio, as pessoas vão se tornando amigas,
parecendo ser a amizade uma manifestação mais adulta do anseio amoroso, ou talvez em
nossa cultura consideramos ou manifestamos erroneamente o sentimento de amor, que
geralmente vem carregado de sofrimento.
7. CONCLUSÃO
Do estudo efetuado, podemos afirmar que as transformações culturais em nossa
sociedade influenciaram as relações humanas, porém em questão a instituição do casamento,
no que diz respeito à história do casamento e constituição de família, influências remotas
ainda são bastante relevantes.
Apesar da independência financeira, tanto do homem quanto da mulher em relação a
dotes de família e a realizações profissionais atuais, ou seja, com os recursos atuais, com o
advento do capitalismo o aspecto financeiro continuou a ser muito valorizado. Por mais que
esteja latente a questão, as pessoas continuam dando ênfase a tal valor. Por mais que seja
romântico dizer que o amor prevalece, o que percebemos na atualidade é que principalmente
nas classes médias e superiores há muito interesse nessa questão. Parecem não conseguirem
sustentar o amor caso o financeiro venha a falir.
Do ponto de vista psicológico que é o fenômeno que vem sendo estudado há pouco
tempo, o que percebemos é que o casamento assumiu um papel favorável para o
desenvolvimento individual, desde que ambos se conscientizem de seus papéis, que valorizem
sua individualidade sem deixar de respeitar um ao outro, levando em consideração suas
crenças, atitudes, ideais, capacitações e limitações, ou seja, aprendendo, experienciando,
entrando em acordos, compactuando um com o outro.
Em outras palavras, o casamento visto pelo ponto de vista psicológico pode resultar
num processo de autoconhecimento, no qual ambos possam desenvolver suas potencialidades,
preservando o amor, ou melhor, a verdadeira amizade, tornando-se adultos e independentes.
REFERÊNCIAS
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ARATANGY, L.R. O anel que tu me deste: o casamento no divã. 1.ed. São Paulo: Artemeios, 2007. 192 p.
ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006. 196 p.
CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos: mitos sonhos, costumes, gestos formas, figuras, cores, números. 20.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. 996 p.
COLOMBO, S. F. Gritos e sussurros, interseções e ressonâncias: trabalhando com casais, Volume II. In: MATTOS, E.B.; Crise conjugal: furtando-se a olhar mais de perto. 1.ed. São Paulo: Vetor, 2006. 202 p.
FERNANDES, F.; LUFT, C.P.; GUIMARÃES, F.M. Dicionário Brasileiro Globo. 21.ed. São Paulo: 1991. 778 p.
FREUD, S. (1910). Um tipo de especial de escolha de objeto feito pelos homens. (Contribuição à Psicologia do Amor) In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2.ed. Rio de Janeiro: Imago 1970.
GIKOVATE, F. O amor nos anos 80. 1.ed. São Paulo: MG Ed. Associados, 1984. 151 p.
FERNANDES, F.; LUFT, C.P.; GUIMARÃES, F.M. Dicionário Brasileiro Globo. 21.ed. São Paulo: 1991. 778 p.
O CASAMENTO como fato afetivo. Direção: Ivan Capelatto. Produção: Espaço Cultural CPFL. São Paulo: Cultura Marcas, 2006. 1 DVD.
APÊNDICE A – Questionário aplicado em quatro casais a fim de avaliar questões sobre o
casamento.
QUESTIONÁRIO
- Como se conheceram?
- Porque se casaram?
- O que chamou atenção no outro (o que um viu no outro).
- O que acham ou imaginam que o outro viu em você?
- O que ele representa para você?
- O que ela representa para você?
- O que o casamento significa?
- Qual o significado de família?
- Tem filhos? Quantos?
- Quais os tipos de conflitos? Porque?
- Falem sobre a rotina e o casamento.
- Como vêem ou viram os casamentos dos pais?
- Contrato X amor.
- Necessidade X desejo.