O CONTROLE DA BUROCRACIA SOBRE O PODER … CONSAD/paineis... · Consoante José Afonso da Silva...
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III Congresso Consad de Gestão Pública
O CONTROLE DA BUROCRACIA SOBRE O PODER
REGULAMENTAR
Valéria Alpino Bigonha Salgado
Painel 34/133 Gestão e controle: tensões recorrentes
O CONTROLE DA BUROCRACIA SOBRE O PODER REGULAMENTAR
Valéria Alpino Bigonha Salgado
RESUMO Este artigo propõe-se a avaliar se a recente exacerbação da função de controle dos atos da administração pública e de penalização da conduta do administrador, que tem engessado e dificultado o funcionamento do Executivo, não tem raízes infiltradas na própria burocracia, que contribui para o avanço da função legislativa sobre as matérias reservadas aos atos administrativos. O estudo analisa um conjunto de legislações que dispõem sobre a organização e o funcionamento do Executivo Federal, cuja proposição é iniciativa privativa do presidente da república, com vistas à identificar a incursão da lei sobre matéria reservada ao poder regulamentar do Presidente. A base para a análise é a separação dos poderes, disposta pela Constituição Federal Brasileira, que dispõe que a produção de leis que gerem direitos e obrigações para a sociedade é atribuição do Poder Legislativo (art. 44), enquanto que a produção de atos infralegais regulamentares é atribuição do Executivo.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 03
2 TENSÕES ENTRE OS ESPAÇOS DA RESERVA LEGAL E DA ATIVIDADE NORMATIVA.............................................................................................................. 08
3 UMA BREVE ANÁLISE DA ATIVIDADE LEGISLATIVA E NORMATIVA PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988................................................................................ 12
4 A RENÚNCIA DA BUROCRACIA AO SEU PODER REGULAMENTAR................ 17
5 CONCLUSÃO......................................................................................................... 19
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 22
3
1 INTRODUÇÃO
Versa o parágrafo único do Art. 1o da Constituição Federal que “Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente”, o que demonstra de forma inequívoca a opção nacional pelo Regime
Democrático de Direito, no qual a expressão de igualdade entre os cidadãos se
estabelece pela soberania popular, exercida por meio de variadas formas de
representação desse poder político que se circunscreve apenas aos cidadãos.
A prevalência da vontade coletiva sobre a vontade individual e estatal é,
ainda, convalidada pelo texto consagrado pelo Poder Constituinte de 1988, em seu
art. 5o que dispõe, como direito e garantia fundamental do cidadão brasileiro, que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei”. A determinação constitucional de que Estado e particulares se submetem à
norma legal, pré-estabelecida pelo legislador, rompe, inexoravelmente, com o
modelo político-jurídico autoritário que fora assumido no país, nas décadas de 1960
a 1980 e lança luzes para uma nova relação Estado e sociedade, onde a atividade
legislativa é a fonte legítima de definição das bases políticas e jurídicas para o país.
Consoante José Afonso da Silva (2007),
o princípio da legalidade, num Estado democrático de direito, fundamenta-se no princípio da legitimidade, senão o Estado não será tal. Os regimes ditatoriais também atuam mediante leis. Tivemos até recentemente uma legalidade extraordinária, fundada em atos institucionais e atos complementares, embasada no critério da força e não no critério da legitimidade. Prova de que nem sempre a ordem jurídica é justa. O princípio da legalidade só pode ser formal na exigência de que a lei seja concebida como formal no sentido de ser feita pelos órgãos de representação popular, não tem abstração ao seu conteúdo e à finalidade da ordem jurídica”. E mais, “o princípio da legalidade de um Estado Democrático de Direito assenta numa ordem jurídica emanada de um poder legítimo, até porque, se o poder não for legítimo, o Estado não será Democrático de Direito, como proclama a Constituição (art. 1o). Fora disso, teremos possivelmente uma legalidade formal, mas não a realização do principio da legalidade.
É essencial à ordem político-jurídica que se assenta no princípio da
legalidade, a prevalência da legitimidade, ou seja, do poder soberano de os
cidadãos, por meio dos processos constituinte e legislativo, produzirem suas
próprias regras e converterem a vontade geral em expressão política, a partir da
qual todo a ordem jurídica será organizada.
4
É por essa razão, para preservar o conceito de igualdade definido
coletivamente, que somente a lei pode inovar no ordenamento jurídico e criar ou
extinguir, direito, dever, obrigação ou restrição de qualquer natureza, aplicável aos
cidadãos e às suas instituições públicas ou privadas; fixar requisitos e identificar os
delegatários dos institutos jurídicos que criar.
Os regulamentos são atos administrativos emanados do Poder Publico no
exercício de sua competência normativa, de fixar as normas de conduta internas à
administração que desenvolvem e explicam conteúdo previamente expresso pela lei.
Cabe ao Poder Público apenas executar as leis e organizar a sua aplicação, por
meio do exercício do poder regulamentar do Chefe do Poder Executivo, na forma do
art. 84 da Constituição, que prevê que compete privativamente ao Presidente da
República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei e dispor,
mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal,
quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos
públicos e a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.
Assim, o espaço regulamentar do Poder Executivo trata-se, na verdade,
de restrito espaço de discricionariedade, devidamente limitado pelas disposições
legais prévias, que estabelecem os contornos do instituto criado. A Administração
Publica não tem liberdade nem vontade e, nesse caso, são matérias de sua
discrição apenas as estratégias, mecanismos e instrumentos a serem adotados na
aplicação da lei, no objetivo de conseguir os seus plenos efeitos, na forma mais
eficiente possível.1
Diógenes Gasparini (2004) reconhece, no poder regulamentar,
fundamentos políticos, que residem na conveniência e oportunidade conferida ao
Poder Executivo, para disciplinar os comandos legalmente previstos e dispor
internamente sobre a estrutura da Administração ou pormenorizar o conteúdo de
determinadas matérias. Alexandre de Moraes (2002) entende que a principal
finalidade desse poder é a de facilitar a execução das leis e remover eventuais
obstáculos práticos que possam surgir em sua aplicação.
1 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editora, 28ª Edição,2007, fl. 427
5
Trata-se, no entanto, de poder limitado, que não pode interferir no
equilíbrio entre interesses de indivíduos, grupos e Estado, sendo-lhe vedado dispor
sobre direito e obrigação para terceiros e sobre competências, autonomias e
obrigações do Poder Público. Seus limites naturais situam-se no âmbito da
competência executiva e administrativa, onde se insere. Ultrapassar esses limites
importa em abuso de poder, em usurpação de competência, tornando-se írrito o
regulamento dele proveniente2. Cumpre, portanto, ao regulamento fixar
as regras orgânicas e processuais destinadas a por em execução os princípios institucionais estabelecidos por lei, ou para desenvolver os preceitos constantes da lei, expressos ou implícitos, dentro da órbita por ele circunscrita, isto é, as diretrizes, em pormenor, por ela determinada3.
No entendimento de Gilmar Mendes (2009),
a fórmula geral, constante do art. 84, IV, da Constituição, reflete a tradição constitucional brasileira. De forma idêntica dispuseram a Constituição de 1891 (art. 48, 1o), a Constituição de 1934 (art. 56, 1o), a Carta de 1937 (art. 74,a) a do Império, por seu turno, não estabeleceu orientação diversa, ao consagrar a atribuição do Imperador, para, por meio dos Ministros de Estado, ‘expedir os decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução das leis’ (art. 102, XII”). Mendes entende que “a diferença entre lei e regulamento, no Direito brasileiro, não se limita à origem ou à supremacia daquela sobre este. A distinção substancial reside no fato de que a lei pode inovar originariamente no ordenamento jurídico, enquanto o regulamento não o altera, mas tão-somente fixa as ‘regras orgânicas e processuais destinadas a por em execução os princípios institucionais estabelecidos por lei,ou para desenvolver os preceitos constantes da lei, expressos ou implícitos, dentro da órbita por ele circunscrita, isto é, as diretrizes, em pormenor, por ela determinada’.4
A Constituição de 1988 distingue dois tipos de regulamento: o
regulamento executivo e o regulamento autônomo. O primeiro, previsto no inciso IV
do art. 84, surge vinculado a determinada lei com o objetivo de complementar o
conteúdo da lei, por meio de seu detalhamento, de forma a melhor orientar os
agentes públicos no cumprimento dos preceitos legais. Nesse aspecto, o poder
regulamentar é função típica do Poder Executivo porquanto, se a ele incumbe a
função de executar os comandos legalmente previstos, também a ele compete
avaliar a melhor forma de executar o conteúdo da lei e definir estratégias
compatíveis com os recursos disponíveis.
2 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editora, 28ª Edição,2007, fl. 425. 3 Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1979) 4 Gilmar Mendes cita Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Princípios gerais de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Forense, 1969,
6
O outro tipo de regulamento consiste no regulamento autônomo, previsto
no inciso VI do art. 84 da Carta Maior e introduzido na ordem constitucional por meio
da Emenda Constitucional no 32/20015.
A aplicação dessa forma de poder regulamentar circunscreve-se às
matérias relativas à estruturação interna do aparelho do Estado, ou seja, ao arranjo
institucional interno dos órgãos e entidades do Poder Executivo. Seu campo material
é, portanto, restrito. Pode dispor sobre organização e atribuições dos Ministérios e
órgãos da administração pública, desde que não resulte aumento de despesa ou
influxo restritivo sobre direito de particulares (artigo 84, VI, “a”, combinado com o
artigo 5o, II, ambos da Constituição). Não pode criar ou extinguir Ministérios e
órgãos da administração pública, bem assim criar, transformar e extinguir cargos,
empregos e funções públicas (ressalvada a possibilidade de extingui-los quando
vagos, a teor do artigo 84, VI, “b”, da Constituição)6.
Interessante destacar que o regulamento autônomo independe de lei que
o fundamente. Constitui instrumento do Poder Executivo para a expressão de sua
competência sobre matéria não reservada à lei e inova a ordem jurídica,
equivalendo-se a uma lei baixada pela Administração.7
José Levi Mello do Amaral Junior entende que ao introduzir a figura do
regulamento autônomo, ou seja, do decreto autônomo, a Emenda Constitucional no
32, de 2001 consagrou dicotomia propugnada pela doutrina de que existem normas
de arbitragem, reservadas à lei e normas de impulsão, confiadas ao regulamento e
confiou ao Chefe do Poder Executivo a competência de disciplinar a organização da
Administração Pública Federal, cujo caráter é claramente de norma de impulsão.
Entendeu que, nos casos em que não houvesse criação ou extinção de função,
cargo ou órgão publico, nem medida que demandasse aumento de despesa, é
desnecessário o concurso do Poder Legislativo.
5 José Levi Mello do Amaral Junior, em artigo denominado Decreto autônomo: questões polêmicas, entende que o instituto do decreto autônomo introduzida pela EC 31/001, corrigiu distorção do modelo constitucional de 1988: enquanto os Poderes Legislativo (v. g. incisos VI e VII do art. 49, incisos III e IV do art. 51 e incisos XII e XIII do art. 52, todos da Constituição de 1988) e Judiciário (v. g. alíneas a
e b do inciso I do art. 96 da Constituição de 1988) organizam-se a si próprios, o Poder Executivo só o podia fazer com o concurso do Poder Legislativo, o que não fazia sentido nos casos em que não há aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. 6 José Levi Mello do Amaral Junior, em artigo denominado Decreto autônomo e administração pública. 7 Ivana Mussi Gabriel, sítio Jus Navegandi
7
A respeito, dispõe Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1958),
(...) Devem pertencer ao rol das normas a serem estabelecidas por um arbitramento de interesses, todas as que tenham por objeto definir quer a situação do indivíduo em face do Estado e dos grupos, quer a situação dos grupos em face de outros grupos e particularmente em face do Estado. Tudo o mais tem um caráter instrumental, servindo como meio para que certas metas sejam atingidas, de modo que seu papel ancilar se mostra preponderante.
Em termos concretos, essa separação foi realizada pela Constituição francesa de 1958, ao discriminar o domínio da lei e o do regulamento. Aquele é fundamentalmente o domínio da arbitragem, já que tem por cerne o equilíbrio de interesses entre indivíduos, grupos e Estado, este como representante do interesse geral. Já o domínio do regulamento compreende toda a matéria que, servindo à realização da política governamental, não diz respeito às bases essenciais do relacionamento social. 8
Amaral Junior considera que, uma vez respeitados os parâmetros da EC
nª 32/2001 e observado o princípio da legalidade, o decreto autônomo é instrumento
em harmonia com a Constituição de 1988, aperfeiçoando-a.
8 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo..., pág. 270 – na Constituição francesa de 1958, a matéria está disciplinada nos arts. 34 e 37 – a propósito, Louis Favoreau. Los tribunales constitucionales, Barcelona: Ariel, 1994, pág. 109.
8
2 TENSÕES ENTRE OS ESPAÇOS DA RESERVA LEGAL E DA ATIVIDADE
NORMATIVA
O exercício da competência regulamentar do Poder Executivo, não raras
vezes, tem suscitado polêmicas e questionamentos relacionados a invasões em
matéria de natureza legal, especialmente nos casos de autorizações legislativas
puras ou incondicionadas, cujo conteúdo denuncia clara renuncia, pelo Legislativo,
do poder de legislar. Gilmar Mendes (2009) entende que tais medidas representam
inequívoca deserção do compromisso de deliberar politicamente, e se configura
manifesta fraude ao princípio da reserva legal e à vedação de poderes. Nesse
aspecto, pode-se mencionar o debate que se tem travado em torno das
competências normativas das agências reguladoras, investidas pela lei ordinária em
competência legislativa que nem mesmo o Chefe do Poder Executivo possui.
Ainda que essa matéria seja muito interessante e altamente provocativa,
o foco principal deste artigo é a análise das tensões entre lei e norma que ocorrem
quando a lei contempla matéria de natureza normativa e com isso invade o âmbito
de competência do Executivo e lhe usurpa o seu poder regulamentador.
Alexandre de Moraes (2002) lembra que, segundo a melhor técnica, as
leis devem ser redigidas em termos gerais, não só para alcançar a totalidade das
relações que nelas incidem, mas também para privilegiarem a sua adequação às
diversas realidades sempre presentes nos cenários complexos e mutáveis como os
quais se deparam os agentes públicos na implantação das políticas públicas.
É bom lembrar que os requisitos dos processos legislativo e executivo são
diametralmente diversos. Enquanto que o produto do processo legislativo tem
impacto sistêmico e, em ambiente democrático, demanda amplo debate no qual
participem as forças políticas nacionais, a sua implementação pelo Executivo requer
tempestividade, agilidade, flexibilidade e capacidade de alcance individual ou
localizado. Por isso, é imperativo que os textos legais contemplem as definições e
orientações essenciais à garantia do interesse público, disposta de forma clara e
objetiva, sem descer a detalhamentos. Em contrapartida, os regulamentos, esses
sim devem ser o mais detalhados possível, de forma a orientar os agentes públicos
e tornar transparente a ação governamental.
9
Alexandre de Moraes (2002) ensina que
o exercício do poder regulamentar do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da separação de poderes (CF, arts. 2o; 60,§ 4o, III), pois salvo em situações de relevância e urgência (medidas provisórias), o Presidente da República não pode estabelecer normas gerais criadores de direitos ou obrigações, por ser função do Legislativo.
A vedação não implica que o regulamento reproduza o texto da lei, mas
que ele evidencie e explicite todas as previsões contidas na lei e decida quais as
melhores formas de executá-las e eventualmente, supra suas lacunas de ordem
prática ou técnica.
Sendo assim, da mesma forma que a invasão, pela norma, do espaço de
reserva legal afeta negativamente o sistema democrático, porquanto usurpa à
vontade popular o seu espaço indelével de arbítrio, num retorno ilegal e
inconstitucional à centralidade do poder político; a invasão da lei em espaço
reservado à norma afeta negativamente a capacidade do Executivo e de suas
instituições públicas de prover estratégias adequadas, tempestivas e exequíveis à
implantação do direito ou obrigação legalmente instituídos. Enfraquece, deslegitima
e descompromete o Poder Público com aquilo que é a vontade dos cidadãos9.
Há corrente doutrinaria que defende que ao sancionar lei com conteúdo
tipicamente normativo, o Poder Executivo convalidaria o vício de iniciativa e a lei
ingressaria na ordem jurídica com força de decreto autônomo10. Embora esse
entendimento, à primeira vista possa parecer razoável, ele conflita frontalmente com
o conceito fundamental, inerente ao regime democrático, de que as competências
privativas do Poder Executivo (de propor leis e expedir regulamentos vinculados ou
autônomos) lhe foram outorgadas pela Constituição para que ele, Executivo, as
exercesse diretamente e em nome do interesse geral e não para que fossem
delegadas11. Sendo assim, uma vez constatado o vício de iniciativa, e em defesa do
interesse público, caberia ao Executivo revogar ou modificar o conteúdo da lei
ordinária e expedir o competente decreto vinculado ou autônomo, conforme o caso.
Resta destacar que a jurisprudência tem julgado inconstitucional a
invasão da lei no espaço reservado a atividade normativa do Executivo, com base
na violação do disposto no art. 84 da Constituição.
9 Luiz Moreira, A Constituição como Simulacro, 2007, Lúmen Júris Editora. 10 Vide STF, ADIn no 266-0/RJ, Tribunal Pleno, Rel.: Min. Octávio Gallotti, DJ de 06.08.1993. Além disso, ao julgar a ADIn no 2.806-5/RS, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional lei do Estado do Rio Grande do Sul que havia adentrado em matéria reservada a decreto autônomo. 11 Á exceção dos casos em que há expressa previsão constitucional para a delegação.
10
Posto isso, é interessante levantar aqui as não raras ocorrências de
constatação de “vício de iniciativa” em legislações propostas pelo próprio Executivo.
Na forma do art. 61 da Constituição, é privativa do Presidente da República a
iniciativa de proposição de leis que:
I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II – disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.
Mais uma vez, o texto constitucional dá mostras da necessidade de
circunscrever as matérias de organização e funcionamento da Administração Publica
ao âmbito do próprio Executivo e preservá-la. Assim, mesmo quando se trata de
matéria de natureza legal, a Constituição reconhece na Administração a fonte
legítima da propositura, uma vez que, em todos os casos previstos no §1o do art. 61,
o conteúdo da lei não envolve o arbítrio, a definição de direitos e deveres que afetem
diretamente os cidadãos. Tratam de medidas de organização administrativa, de
criação, modificação e extinção de estruturas e de cargos e funções típicas ao Poder
Executivo. Ainda que essas matérias sejam, essencialmente, objeto de lei, visto que
alteram competências e/ou demandam aumento de despesas, sua propositura deve
estar fundamentada em elementos e razões técnicas, relacionadas às necessidades
intrínsecas da Administração, de melhor organizar-se na implementação das
políticas públicas. Padecem, por conseguinte, do conteúdo político, de defesa dos
direitos e interesses coletivos e difusos, natural às atividades legislativas. E, nesse
caso, a Constituição é clara ao reconhecer, no Chefe do Executivo, o legítimo e
competente proponente da lei.
Por essa razão é que as diversas ocorrências, no ordenamento jurídico
nacional, de leis de iniciativa do Executivo, promulgadas com farto conteúdo
normativo, representam uma paradoxal renuncia da burocracia ao seu poder
regulamentador.
11
De fato, quando considerados os graves problemas de organização e
funcionamento que hoje enfrenta a Administração Pública Brasileira, nas três esferas
de governo, muitos deles creditados aos efeitos negativos dos controles e limitações
nas formas de atuação dos órgãos e entidades do Poder Executivo introduzidos pela
Constituição de 1988 e à obsolescência e fragmentação do atual ordenamento
jurídico, é, no mínimo, contraditório que a própria Administração agrave o seu
engessamento e castre sua própria autonomia, por meio de proposições legislativas
que invadem sua competência regulamentar.
12
3 UMA BREVE ANÁLISE DA ATIVIDADE LEGISLATIVA E NORMATIVA PÓS-
CONSTITUIÇÃO DE 1988
Luiz Moreira (2007) ensina que, no regime democrático, onde o Estado é
a própria expressão da soberania popular, é o sistema jurídico organizado que
vincula a todos os cidadãos às mesmas prescrições e, dessa forma, viabiliza a
autonomia – o poder de os cidadãos produzirem suas próprias leis – e a equidade,
uma vez que todos serão igualmente livres. Portanto, para que o Estado se expresse
como ente político soberano e se torne a ordenação da liberdade, é preciso que o
sistema jurídico converta a vontade geral em expressão política, a partir da qual todo
o Direito deverá se organizar. É por meio do poder constituinte e do poder legislativo
que se edifica o Estado e se reconfiguram os propósitos da sociedade, sendo
constituídas e fundamentadas todas as relações a ela subjacentes.
Decorre daí a importância política da promulgação da nova Carta
Nacional, que surge como marco da superação do modelo ditatorial implantado no
país durante os vinte anos de regime militar e lança as bases políticas e jurídicas
para o processo de redemocratização nacional: consagra amplos direitos
fundamentais como condição de efetivação da igualdade; reconhece a garantia de
acesso dos cidadãos aos serviços públicos sociais e a universalidade dos benefícios
da seguridade social; reafirma a independência e atuação harmônica dos três
poderes; reforça o papel dos Estados e, principalmente, dos municípios na
implementação de políticas públicas, resguardando à esfera federal o papel de
coordenação e de articulação nacional; introduz o conceito de atuação sistêmica e
integrada entre Poder Público e sociedade, especialmente no campo das políticas
sociais e dentre outras, traça diretriz de participação da sociedade na concepção, na
execução e no controle das políticas públicas.
Inicia-se, então, no país, o movimento, ainda em curso, de realinhamento
do sistema jurídico brasileiro para absorção dos novos comandos constitucionais
que consagram os ideais democráticos de liberdade e igualdade e de implantação
de um Estado laico e plural, almejados pela sociedade brasileira. Importante
destacar o caráter dinâmico e complexo desse movimento de ajuste legislativo,
eivado pela simbiose dos elementos políticos e jurídicos.
13
Entre os acertos e desacertos dos últimos vinte anos, em que os cidadãos
brasileiros puderam vivenciar as vantagens e os desafios da experiência
democrática, ressalta-se a promulgação de sessenta e quatro emendas
constitucionais; a promulgação de setenta e sete leis complementares e quatro mil,
quatrocentos e oito leis ordinárias, em salutar atividade legislativa, que demonstra
que o país tem buscado aperfeiçoar o seu modelo democrático á medida que
amadurece na prática democrática. No período foram aprovados pelo Poder
Executivo oito mil e oitenta e três decretos.
A Tabela I apresenta os números de emendas e legislações promulgadas
anual, a partir de 1988 e o Gráfico I contém demonstrativo da evolução da produção
legislativa ano a ano.
Tabela I: Quantitativo de leis e decretos promulgados pelo Poder Legislativo e Executivo Federal, respectivamente, por ano, a partir de 198812
LEIS E DECRETOS PROMULGADOS
leis complementares
leis ordinárias decretos TOTAL
1988 2 68 613 683
1989 3 137 463 603
1990 2 166 524 692
1991 6 238 442 686
1992 1 222 305 528
1993 7 225 320 552
1994 3 131 325 459
1995 2 281 408 691
1996 5 177 235 417
1997 4 169 336 509
1998 3 178 219 400
1999 5 175 203 383
2000 3 218 217 438
2001 10 209 211 430
12 Pesquisa realizada no sítio www.planalto.gov.br. em 15 de fevereiro de 2010.
14
0
100
200
300
400
500
600
700
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
leis ordináriasdecretos
LEIS E DECRETOS PROMULGADOS
leis complementares
leis ordinárias decretos TOTAL
2002 2 237 493 732
2003 1 197 383 581
2004 1 252 383 636
2005 3 176 328 507
2006 3 178 351 532
2007 4 198 330 532
2008 1 259 385 645
2009 5 290 562 857
2010 1 27 47 75
TOTAL 77 4408 8083
Fonte: Presidência da República
Gráfico I – Análise comparativa da produção legislativa e normativa da esfera federal, por ano, a partir de 1988 Fonte: Presidência da República13 13 Pesquisa realizada no sítio www.planalto.gov.br. em 15 de fevereiro de 2010.
15
A análise do Gráfico I permite constatar que a média de leis
promulgadas, no âmbito federal, situa-se em torno de 200 leis anuais, enquanto
que a média anual de produção normativa, por via do decreto presidencial gira em
torno de 360 decretos.
A análise superficial do conteúdo das legislações ordinárias aprovadas
entre 1988 e 2010 revela que cerca de 40% das 4.408 leis promulgadas trataram de
matéria orçamentária. Outros 10% podem ser creditados a temas relacionados com
as estruturas do Executivo Federal, tais como criação de órgãos, alteração de
competências, dentre outros, o que significa que, no mínimo, da atividade legislativa
do Congresso Nacional tem sido direcionada para temas interinos da administração.
Destaca-se o dado relativo à produção legal e normativa do ano de 1988.
Quanto às leis promulgadas, tem-se, no exercício o menor número de promulgações
de todo o período, ou seja 68 leis aprovadas. Em contrapartida, registra-se naquele
ano a edição de 613 decretos pelo Executivo, entre os meses de setembro e
dezembro, sendo que, apenas no mês de dezembro, registra-se a publicação de 252
decretos. Do total dessa produção normativa anual, aproximadamente 64 trataram
de autorizações ou renovações de concessões da área de comunicações e energia
elétrica e 340 de matéria orçamentária, que abriam créditos suplementares a órgãos
e entidades públicos.
É perfeitamente visível a diferença das curvas do desempenho anual da
atividade legislativa e normativa antes da Constituição de 1988 e pós-constituição.
Os dados levantados, relativos ao período de 1984 a 1987 demonstram uma baixa
produção legislativa e uma desproporcional edição de normas pelo Executivo,
marcas do modelo centralizador e autoritário do regime militar.
A partir de 1988, observa-se o crescimento gradual e crescente da
atividade legislativa e o decréscimo da atividade normativa, conformando duas
curvas que se aproximam e, por vezes se encontram, prova de que, paulatinamente,
a atividade política tem conseguido se consolidar e conviver, de forma harmoniosa
com a atividade normativa.
16
Tabela II: Quantitativo de leis e decretos promulgados pelo Poder Legislativo e Executivo Federal, respectivamente, por ano, de 1984 a 1987
Fonte: Presidência da República14
14 Pesquisa realizada no sítio www.planalto.gov.br. em 15 de fevereiro de 2010.
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
1987 1986 1985 1984
leisdecretos
17
4 A RENÚNCIA DA BUROCRACIA AO SEU PODER REGULAMENTAR
A análise de algumas das principais peças legislativas que orientam e
regulam a ação do Poder Executivo comprova a presença de vício de iniciativa em
leis propostas pelo Governo. É o caso, já clássico, da Lei no 8.666, de 21 de junho
de 1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui
normas para licitações e contratos da Administração Pública. É notório que o
conteúdo dessa lei em muito ultrapassa os limites das regras gerais, recomendado
pela doutrina, e avança impiedosamente no espaço normativo do Poder Executivo.
Mais agravante, ainda, é que o longo e intrincado texto legal os conteúdos legais e
normativos estão, de tal forma amalgamados, que praticamente inviabiliza a
correção do dispositivo, na forma sugerida pela doutrina, sendo, para isso,
necessário por todo o texto abaixo e construir outro. Na questão específica da Lei
no 8.666/93, concorrem fatores políticos importantes em função da alta relevância
dos processos que regulamenta. As compras e os contratos governamentais
constituem-se, atualmente, numa das atividades mais complexas e nevrálgicas da
atividade publica, à vista dos altos valores envolvidos, do grande interesse que
desperta junto ao mercado e à sociedade e da desconfiança no uso da
discricionariedade do administrador.
Pode-se dizer, em relação aos atuais conteúdos procedimentais, de
caráter claramente normativo, contemplados na Lei no 8.666/93, que quaisquer
medidas que visem corrigir o vício de iniciativa do diploma legal e resgatar a
competência da Administração Pública de, por meio de regulamento vinculado à lei,
dispor sobre os procedimentos e instrumentos para a aplicação do diploma, tenderá
a se tornar um jogo de soma zero, tais as resistências e tensões políticas existentes
em torno da matéria.
Essa é uma questão grave visto que, na impossibilidade de fazer retroceder
o vício de iniciativa, a Administração avança e, novamente, castra o próprio poder
regulamentar, ao propor e aprovar, junto ao Congresso Nacional, a Lei no 10.520, de
17 de julho de 2002, que institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de
licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns.
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Podem, ainda, ser encontrados vícios formais, embora de menores efeitos
negativos sobre a prática Administrativa, na Lei no 9.784 , de 29 de janeiro de 1999,
que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal;
na Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para
licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração
pública; na Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de
contratação de consórcios públicos, assim como em diversas legislações que dispõe
sobre os órgãos e entidades públicos e paraestatais15, dentre outras
Dentre os dispositivos legais selecionados, dois foram aprovados antes
da alteração do art. 84 da Constituição, por força da Emenda Constitucional no
32/01: a Lei no 8.666/1993, que trata das licitações públicas e a Lei no 9.784/99, que
regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
15 A título exemplificativo, mencione-se que podem ser verificados conteúdos normativos nas legislações:
a) Lei no 10.668, de 14 de maio de 2003, que autoriza o Poder Executivo a instituir o Serviço Social Autônomo Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex-Brasil), altera os arts. 8o e 11 da Lei no 8.029, de 12 de abril de 1990, e dá outras providências;
b) Lei no 12.154, de 23 de dezembro de 2009, que cria a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) e dispõe sobre o seu pessoal; inclui a Câmara de Recursos da Previdência Complementar na estrutura básica do Ministério da Previdência Social; altera disposições referentes a auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil; altera as Leis nos 11.457, de 16 de março de 2007, e 10.683, de 28 de maio de 2003; e dá outras providências.
c) Lei no 12.155, de 23 de dezembro 2009, que dispõe sobre a concessão de Bônus Especial de Desempenho Institucional (BESP/DNIT) aos servidores do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT); altera as Leis
d) Lei no 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e dá outras providências.
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5 CONCLUSÃO
A ocorrência de vício de iniciativa na lei ordinária, pela positivação de
matéria de natureza normativa, parece ser mais um fenômeno político-cultural do
que uma prática decorrente da inabilidade e falta de conhecimento do gestor público
que propõe o dispositivo legal e do legislador que a convalida.
O fenômeno oculto nesse procedimento de auto-castração da burocracia
é que, apesar da sociedade brasileira haver alcançado respeitável avanço, no
campo jurídico, em direção à consolidação do regime democrático (como bem o
demonstra o breve levantamento da produção legislativa e normativa nacional), as
instituições nacionais, os cidadãos e a própria burocracia ainda receiam os efeitos
negativos da discricionariedade excessiva de seus governantes e não têm plena
confiança nos seus institutos democráticos.
São elementos de ordem sócio-cultural que urgem serem superados.
Nesse aspecto, é importante considerar que os vinte anos de normalidade
democrática no conseguiram apagar resquícios de autoritarismo estatal, visíveis no
processo de formulação de políticas, ainda centralizado na esfera federal; na baixa
participação social na governança pública; nas estruturas decisórias hierarquizadas.
Ao lado de modelos modernos de gestão por resultados, preocupados
com a transparência da ação governamental e com a promoção do controle social, é
possível detectar a coexistência de práticas patrimonialistas, típicas do período do
“coronelismo”. Subsistem “áreas ocultas”, camufladas no corpo da burocracia onde
ainda sobrevivem “capitanias hereditárias”, comandadas por agentes públicos que
delas se sentem donos. O apego aos velhos costumes, o burocratismo
desnecessário, a submissão formalista a normas, o ritualismo exagerado e o receio
à mudança, à experimentação de novas práticas abertas à participação e focadas
em resultados são obstáculos a serem removidos.
É preciso considerar que, sendo a experiência democrática brasileira um
processo ainda não plenamente consolidado, a alternância do poder político, por
ocasião das eleições, é um gerador de insegurança e de desconfiança no corpo
burocrático que, muitas vezes teme eventuais impactos negativos da assunção das
novas lideranças governamentais no andamento das políticas públicas e da própria
máquina estatal. Teme, a burocracia, pela política de “terra arrasada”, adotada por
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vezes por novos administradores ao tomar posse do cargo, em relação a projetos e
planos em andamento, concebidos pelos seus antecessores e, por isso, busca no
Poder Legislativo um aliado para petrificar seus institutos administrativos, de
natureza infra-legal, consignando-o em dispositivo legal.
Ao abrigo do texto constitucional de 1988, fortaleceram-se as instituições
de controle interno e externo das atividades governamentais, como a Controladoria
Geral da União, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público, que tem
atuado de forma decisiva em defesa do interesse público. Realizam o controle
institucional, fundamentado na avaliação da conformidade da ação administrativa
com o ordenamento jurídico e com os seus propósitos políticos, consignados nos
planos de governo.
No entanto, para que o regime democrático ocorra, e haja o basilar
equilíbrio entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, é preciso mais que
controle institucional. É fundamental que haja inclusão social e participação dos
cidadãos na vida pública e, especialmente, nos processos decisórios do governo,
notadamente no planejamento, avaliação e controle das políticas públicas.
As dificuldades nacionais em ampliar o nível de cidadania de seu povo e
diminuir o número de brasileiros à margem da ação do Estado é, portanto, fator de
relevância a ser considerado nesta análise. A ausência de uma sociedade atuante e
preparada para exercer o controle social favorece posturas auto-centradas na
burocracia nacional que, por vezes, parece amalgamar seus interesses corporativos
nos interesses públicos que deve realizar.
Como conseqüência, tem-se uma natural desconfiança no gestor público,
que se consolida como uma cultura geral, vigente dentro e fora da administração.
Esse espírito de desconfiança na discricionariedade do administrador, além de
fomentar a mentalidade de cerceamento e de criminalização do agente público,
conduz à lógica do imobilismo, do “não fazer”, visto que, em ambiente caracterizado
por um arcabouço legal limitado “não há como fazer” e, conseqüentemente, “quem
se aventura e faz” assume muita responsabilidade e fica mais sujeito à penalização.
Vê-se, portanto, que a tendência de limitar o espaço de atuação
autônoma do administrador e de penalizar sua conduta está tão presente nas
atividades de controle interno e externo do Poder Executivo quanto na lógica interna
da administração pública, visível nesses excessos de conteúdo nas legislações de
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iniciativa do Poder Executivo, nas disposições normativas e até em regras internas
de funcionamento dos principais sistemas da administração que, no afã de perenizar
conceitos ou padronizar procedimentos, resultam em maior cerceamento da
liberdade dos agentes públicos e culminam por usurpar ao administrador a
autonomia que lhe foi concedida pela Constituição.
A superação desse quadro passa, inexoravelmente, pelo investimento em
cidadania – em inclusão e em efetiva participação social. Somente pelo
enriquecimento da vida política do cidadão brasileiro (em grande parte, restrita aos
momentos em que ele é chamado às urnas) é que se poderá alcançar a plena
experiência democrática, na qual as instituições se integram e assumem, de forma
harmoniosa, o desafio de alcançar o bem comum.
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REFERÊNCIAS
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AUTORIA
Valéria Alpino Bigonha Salgado – Formada em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB) (1986) e no Curso de Especialização em Gestão Pública e Qualidade em Serviços da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (1995). Exerce o cargo em comissão de Gerente de Projeto do Departamento de Articulação Institucional da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Endereço eletrônico: [email protected]