O delicado manejo da transferência em paciente de difícil acesso

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    Artigo

    O Delicado Manejo daTransferncia em Paciente

    de Difcil Acesso

    Gentle Handling of Transference in a PatientWho is Difficult to Reach

    El Delicado Manejo de la Transferencia en Paciente de Difcil Acceso

    Eduardo Name Risk &Manoel Antnio dos Santos

    Universidade de So Paulo

    http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703000872014

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    O Delicado Manejo da Transferncia em Paciente de Difcil Acesso

    Resumo: A transferncia constitui um acervo de experincias emocionais revividas pelopaciente com o analista. Em pacientes de difcil acesso, as manifestaes transferenciaiscostumam ser intensas e imprevisveis. Este artigo tem por objetivo analisar algumas vivnciastransferenciais de uma paciente de 29 anos durante seu atendimento psicoterpico em umservio-escola de Psicologia. Utilizou-se como estratgia metodolgica o estudo de caso e o

    enfoque psicanaltico para anlise dos dados. Durante o processo teraputico em questo, ovnculo era constantemente atacado por defesas paranoides e por manifestaes de angstia,que interrompiam o fluxo associativo, por vezes recuperado mediante a continncia afetivado terapeuta. Do ponto de vista transferencial, notou-se que a permanncia do contatoanaltico desestabilizava os padres de pensamento e condutas defensivas da paciente, oque suscitava-lhe o sentimento de que parte de seu mundo interno estava desorganizado. Emvrios momentos, a paciente sinalizou estar incomodada com as interpretaes. Conclui-seque, frente potencial desorganizao do mundo interno, as possibilidades interpretativasadvindas da transferncia devem ser manejadas com cautela pelo psicoterapeuta, para queno intensifiquem estados primitivos de fragmentao egoica.

    Palavras-chave:Transferncia. Psicoterapia. Interpretao psicanaltica.

    Abstract:Transference is the redirection of past emotional experiences of the patient relivedin the relation with the psychotherapist. In patient who is difficult to reach, transferencemanifestations are usually intense and unpredictable. This study aims to analyze thetransference experience of a 29-year-old woman during the course of a psychoanalyticoriented psychotherapy in an educational psychology service. A case study was used asthe methodological strategy, and the psychoanalytic approach was applied to analyze thedata. In therapy, the link was constantly attacked by paranoid defenses and manifestationsof distress that interrupted the flow of associations, sometimes redeemed by the therapistsemotional continence. From the standpoint of transference, the permanence of analyticcontact, destabilizing the thought patterns and defensive behaviors of the patient, possiblyproduced the feeling that part of his inner world was in disarray because in many instances,the patient seemed to bother with the interpretations. The results indicate that considering thepotential disorganization of the patients internal world, the possibilities of using transferenceinterpretations should be handled carefully and with moderation by the psychotherapist sothat it does not intensify the primitive states of ego-fragmentation.

    Keywords:Transference. Psychotherapy. Psychoanalytical interpretation.

    Resumen:La transferencia constituye una coleccin de experiencias emocionales revividaspor el paciente con el terapeuta. En los pacientes de difcil acceso las manifestacionestransferenciales son generalmente intensas e impredecibles. Este artculo se propone analizaralgunas vivencias transferenciales en una joven de 29 aos con tratamiento psicoterpico deorientacin psicoanaltica en un servicio escuela de Psicologa. Fue utilizada como estrategiametodolgica el estudio de caso y el enfoque psicoanaltico para analizar los datos. En la terapia,

    el enlace fue atacado constantemente por las defensas paranoides y las manifestaciones deangustia, que interrumpi el flujo asociativo a veces redimido por la continencia emocionaldel terapeuta. Desde el punto de vista de la transferencia, se observ que la permanenciadel contacto analtico desestabilizaba los patrones los patrones de pensamiento y loscomportamientos defensivos del paciente, producindole la sensacin de que parte de sumundo interior estaba desorganizado. En varios momentos la paciente se mostr molestacon las interpretaciones. Se concluy que, frente a la potencial desorganizacin del mundointerno de la paciente, las posibilidades interpretativas provenientes de la transferencia debenser manejadas con cautela y parsimonia por el terapeuta, para que no se intensifiquen estadosprimitivos de fragmentacin ecoica.

    Palabras clave:Transferencia. Psicoterapia. Interpretacin psicoanaltica.

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    Introduo

    Este artigo situa-se conceitualmente nointrincado campo da transferncia e se pro-

    pe a discutir as vicissitudes transferenciaisem paciente de difcil acesso. Utiliza, paratanto, o caso clnico de uma jovem atendidaem psicoterapia psicanaltica no contextode um servio-escola de Psicologia. Comesse objetivo, apresentam-se inicialmenteas formulaes de Freud, Klein e Winnicotta respeito do tema, a fim de fundamentara descrio clnica e a anlise do relatode caso. Na apresentao do estudo decaso, discutem-se as especificidades doprocesso transferencial.

    Desde sua formulao original por Freud, anoo de transferncia recebeu contribui-es de inmeros autores que expandiramconsideravelmente seus limites e aplicaes.Nesse sentido, no mbito deste estudo, sempreque utilizarmos o termo transferncia estamosaludindo a um fenmeno multifacetado,complexo e polissmico, que no pode sertomado como um fenmeno unitrio, linear eunidimensional, dadas as diversas formulaesexistentes nas diferentes escolas psicanalticas.

    Para Laplanche e Pontalis (2001), uma defi-nio de transferncia tarefa desafiadora,uma vez que esse construto assumiu umamultiplicidade de significados para diversostericos, sendo apresentada como:

    O processo pelo qual os desejosinconscientes se atualizam sobre deter-minados objetos no quadro de umcerto tipo de relao estabelecida comeles e, eminentemente, no quadro darelao analtica [...]. A transferncia classicamente reconhecida como o ter-reno em que se d a problemtica deum tratamento psicanaltico, pois soa sua instalao, as suas modalidades,a sua interpretao e a sua resoluoque caracterizam este (Laplanche &Pontalis, 2001, p. 514).

    Ainda segundo os referidos autores, huma lacuna no que tange conceituaoda transferncia na obra de Freud, uma vezque, s concepes explcitas sobre sua defi-nio sobrepem-se as experincias afetivas

    relatadas nos casos clnicos, em que se podenotar este fenmeno em ao, tal qual inten-tamos relatar no presente estudo clnico. Nocabe aqui uma reviso do desenvolvimentodesse conceito na obra de Freud, bastandono perder de vista que ele sofreu modifi-caes durante seu percurso de elaboraoterico-clnica. Em Fragmentos da anlisede um caso de histeria, Freud (1905/1996)discorre sobre a interrupo do tratamento porDora, justificando-a por no ter conseguidonotar os primeiros sinais da transferncia, emque ele era colocado, na fantasia incons-ciente, como substituto do pai da paciente. Oautor considera que a transferncia constituium aspecto prprio da neurose que reveladapelo tratamento psicanaltico, definindo-acomo: reedies, reprodues das moese fantasias que, durante o avano da anlise,vm despertar-se e tornar-se conscientes, mascom a caracterstica (prpria do gnero) desubstituir uma pessoa anterior pela pessoado mdico (p. 111).

    Para Laplanche e Pontalis (2001), Freuddeparou-se de modo contraditrio com afuno da transferncia ao longo de sua obra,

    j que ao mesmo tempo em que essa constitui

    uma forma de resistncia, tambm permiteque analista e paciente revivam sensivel-mente elementos de sua singularidade, aose confrontarem com seus desejos e fantasiasinconscientes.

    No trabalho A dinmica da transferncia,assim como em outros escritos que tratamdo tema, Freud (1912/1996a) consideraque a transferncia constitui uma forma deresistncia, visto que, conforme a anlisevai progredindo, o mdico passa a investigar

    pontos em que a libido est fixada, procu-rando torn-la acessvel conscincia. Noentanto, nessas ocasies, os impulsos quecolaboraram para regresso da libido semanifestam sob a forma de resistncias aotrabalho analtico, que podem irromper comoassociaes que dizem respeito figura doanalista, cuja compreenso se d via inves-tigao de suas relaes com a resistncia.Ainda no referido artigo, o autor argumentaque os impulsos inconscientes tendem aser recordados pelo paciente conforme a

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    atemporalidade do inconsciente e sua capa-cidade de alucinao (pp. 119), devendo oanalista esforar-se para remont-los suahistria de vida e ao mbito do tratamento,o que se d mediante anlise dos processos

    transferenciais. Essa concepo inova porquecoloca em evidncia que, a despeito de suasdificuldades de manejo, a transfernciapresta grande servio ao tornar conscientesos impulsos erticos reprimidos, considera-o reafirmada na conferncia Resistncia erepresso (Freud, 1916-1917/1996).

    Em Esboo de Psicanlise, texto escrito porFreud (1938-1940/1978) no final de sua vida epublicado postumamente, o autor afirma queo paciente no se contenta em ver o analistacomo um conselheiro, um guia numa difcilescalada de montanha. Ao contrrio, con-cebe-o tambm como o retorno de algumafigura importante de seu passado ou de suainfncia, transferindo para ele sentimentose reaes que, indubitavelmente, aplicam-sea esse prottipo (p. 221).

    Essa transferncia logo demonstra serum fator de importncia inimaginvel,por um lado instrumento de insubsti-tuvel valor, e por outro, uma fonte de

    srios perigos. A transferncia ambi-valente: ela abrange atitudes positivas(de afeio), bem como atitudes nega-tivas (hostis) para com o analista, que,via de regra, colocado no lugar deum ou outro dos pais do paciente, deseu pai ou de sua me [...] uma vezque a transferncia reproduz a relaodo paciente com seus pais, ela assumetambm a ambivalncia dessa relao(Freud, 1938-1940/1978, pp. 221-222).

    Assim, na concepo freudiana, quando posi-

    tiva, a transferncia potencializa a condiodo paciente de colocar-se em contato coma realidade psquica, a qual recorre paratornar-se sadio e livre de seus achaques,decorrendo da o desejo de agradar o analista,de conquistar seu amor, o que motiva suacolaborao. Pelo perodo que dura essa lua-de-mel, o paciente desiste dos sintomas eaparenta ter-se restabelecido por amor aoanalista(Freud, 1938-1940/1978, p. 221).Essa situao contribui tambm para umaespcie de ps-educao do neurtico,

    segundo Freud, ou seja, estando no lugar dopai ou da me, o analista pode corrigir errosde responsabilidade das figuras parentais,uma vez que elas so o esteio e a origemdo superego. Na delegao que o paciente

    faz na transferncia positiva, concede aoanalista o poder exercido pelo superegosobre o seu ego. Todavia, essa tarefa deve serdesempenhada respeitando-se a idiossincrasiado paciente, ou seja, o analista no podedeixar-se levar por suas prprias inclinaes,sob pena de repetir o que foi realizado pelospais, ou seja, a retirada da independncia eautonomia do filho (Freud, 1938-1940/1978).De acordo com DAvila Loureno (2005),que realizou um estudo terico sobre oconceito de transferncia na obra de Freud,o mtodo psicanaltico deve propiciar meiosque reportem os contedos da neurose aosetting analtico, particularmente figura doanalista, isso faz da cena analtica o palcoprivilegiado de manifestaes dos conflitosintrapsquicos do paciente (p. 144).

    Por se tratar de conceito plural, definidoconforme a abordagem terica que norteiao processo analtico, apresentamos breve-mente as ideias de outros autores a respeitodo tema, a fim de no apenas evidenciar apletora conceitual e de vivncias que eleabarca, como tambm de fundamentar asvinhetas clnicas coligidas na segunda partedeste estudo. Klein (1952/1991), que dedicouapenas um artigo ao fenmeno transferencial,aproxima-se da concepo freudiana quandodefine transferncia como conjunto de expe-rincias psicolgicas, que so revividas nasituao analtica como se fossem inditase no pertencentes ao passado do paciente.

    Que so transferncias? So novas edi-es ou fac-smilesdos impulsos e fan-tasias que so despertados e tornadosconscientes durante o andamento daanlise [...] sua premncia em trans-ferir suas primitivas experincias, rela-es de objeto e emoes reforada,e elas passam a localizar-se no psica-nalista. Disso decorre que a pacientelida com os conflitos e ansiedadesque foram reativados, recorrendo aosmesmos mecanismos e mesmas defe-sas, como nas situaes anteriores(Klein, 1952/1991, p. 71).

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    Winnicott (1993) discute como a transfernciase d em casos em que o ego do paciente nose estabeleceu plenamente, quando aindano capaz de manter defesas contra aansiedade provocada pela pulso e de assu-mir a responsabilidade por elas (p. 484),portanto, o analista tomar contato comestgios anteriores ao estabelecimento doego. Para o autor, a transferncia implica aexistncia de um ego capaz de erigir defesascontra a ansiedade decorrente da pulso,assumindo-as responsivamente, ocasio emque o analista preocupar-se- mais com otrabalho analtico do que com a manuten-o do setting.Ao contrrio do que ocorrecom pacientes cujo ego no se estabeleceuverdadeiramente, isto , em que o falso selfprotege o verdadeiro self para garantir suacontinuidade, sob aparncia de uma integri-dade ilusria. Nesses casos, o settingtorna-semais importante do que a interpretao. Oanalista deve prover um ambiente suficien-temente bom que promova paulatinamente aemergncia de um ego capaz de suportar aspresses do id. Ao sentir o ambiente confivele estvel, o paciente pode expressar seu selfverdadeiro, e a partir disto, pode finalmenteser feita uma anlise comum das defesas doego contra a ansiedade (p. 487).

    Fundamentando-se nas proposies de Win-nicott, Safra (2005) afirma que a situaotransferencial deve ser manejada pelo analistade modo semelhante ao que a me realizaem sua funo de apresentar objetos, ouseja, apresentando a realidade de maneiragradual e dosada criana, conforme suaspossibilidades de apreend-la. Assim, naanlise, o analista apresentaria as situaesemergentes no campo transferencial conforme

    a possibilidade do paciente em utiliz-laspara alargar as fronteiras de contato comseu mundo mental.

    Opaciente de difcil acesso definido comoaquele que, apesar de sua aparente coope-rao e interesse no processo psicoterpico,apresenta forte resistncia a entrar em contatocom seus afetos (Joseph, 1992). Como a psico-terapia psicanaltica promove uma aproxima-o mais genuna ao mundo interno, na buscada integrao do self, as defesas desse tipo de

    paciente so um considervel desafio para aobteno das mudanas psquicas (Villela,2006). A identificao das foras que atuamno sentido de dificultar a integrao psquica uma diretriz do tratamento psicanaltico

    desses casos (Zimerman, 1988), comumentereferidos na literatura psicanaltica comodesvitalizados, desobjetalizados, de difcilacesso (Lamanno-Adamo, 2010).

    Considerando os pressupostos apresentados,este artigo tem por objetivo analisar algumasvivncias transferenciais de uma pacientede 29 anos durante seu atendimento psi-coterpico em um servio-escola de Psico-logia. Pretende-se contribuir para o debatea respeito do manejo da transferncia noprocesso teraputico, particularmente emcasos considerados de difcil acesso.

    Mtodo

    O presente estudo debrua-se sobre um casoclnico seguido em contexto de clnica-escola,destacado como proposta de estudo de casopor sua relevncia clnica e implicaes tera-puticas. Propomos investigar as vicissitudesdo vnculo transferencial em paciente de

    difcil acesso. Para tanto, utilizou-se comoestratgia metodolgica o estudo de casoindividual (Peres & Santos, 2005) e o enfoquepsicanaltico para anlise dos dados (Franke& Silva, 2012), tomando em consideraoque o mtodo de interpretao na clnicapsicanaltica no pode engessar a experinciaclnica em valores universalizantes (Almeida& Atallah, 2009). Para a seleo do casoclnico foram seguidas as recomendaespreconizadas por Alt e Nunes (2007).

    Atualmente, reconhecida a relevnciados delineamentos de caso nico no estudodo processo teraputico, porm cada vezmais discutida a necessidade de se definiremestratgias para aumentar a fidedignidadee validade dos estudos de caso, utilizadasna gerao de pesquisa emprica em psi-coterapia e psicanlise (Serralta, Nunes, &Eizirik, 2001). A estratgia utilizada paraincrementar a fidedignidade e validadedo presente estudo de caso compreende aelaborao de um registro minucioso, sesso

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    por sesso, do atendimento psicoteraputicorealizado com a paciente, complementadopela elaborao de narrativas que sumari-zavam as supervises que se seguiram ssesses teraputicas realizadas.

    Em relao ao referencial terico escolhido,neste estudo, toma-se a psicanlise comomtodo de investigao do inconsciente, apartir da qual se fundamenta um tratamentoembasado em uma tica da escuta ao discurso,que manifesta o desejo de um sujeito (Franke& Silva, 2012). Como notam esses autores,h um compromisso direto com a pessoaque busca livrar-se dos constrangimentos eentraves que obstaculizam seu desenvolvi-mento. Por outro lado, o psicanalista estinserido em uma comunidade de profissionaisque tambm tm uma responsabilidade paracom a produo de conhecimento e evoluoterica e tcnica da psicanlise.

    Mezan (1998) problematiza o exerccio daescrita do caso clnico para o psicanalistapreocupado em pensar e trabalhar, por meiodesse recurso, as questes caras clnica.Prope uma nova concepo do valor clnicoda escrita, que vai muito alm da formulaoracional de ideias, pois entende que a escritapermite ao autor renovar a experincia dedialogar consigo prprio.

    Participante

    Beatriz (nome fictcio), 29 anos, solteira,estudante universitria e mora com os pais.Informaes mais detalhadas sero fornecidasna seo Resultados e Discusso.

    Procedimento

    Coleta de dados.Foram tomados os devi-dos cuidados ticos implicados neste tipode estudo, relativos ao consentimento daparticipante e garantia do direito ao ano-nimato, sigilo e confidencialidade dos dados.Todos os dados pessoais da paciente foramsalvaguardados, assim como as questesticas inerentes ao processo teraputico.Com esse propsito, algumas informaesforam omitidas ou mascaradas na descriodo caso clnico.

    Os encontros foram realizados individual-mente, em uma sala de atendimento psico-lgico de um servio-escola de Psicologia.Os nomes prprios mencionados so fictciose algumas informaes veiculadas nesteestudo foram alteradas, de modo a evitara identificao da paciente e a preservar osigilo dos dados.

    A elaborao do corpus de pesquisa foiguiada pela inteno de destacar as vivnciastransferenciais da jovem paciente, que seencontrava em atendimento psicoterpicode orientao psicanaltica (Busch, 2010).O registro das sesses foi realizado peloterapeuta logo aps o seu trmino. Os rela-

    tos clnicos foram registrados na ntegra eliteralmente, em forma de discurso direto,e submetidos pelo terapeuta supervisosemanal, oferecida por um docente comespecializao em psicoterapia psicanaltica.Ao trmino de cada superviso clnica, oterapeuta redigia uma sntese dos achadoselaborados naquele encontro, sob a formade narrativa, que inclua seus prpriosapontamentos, percepes e sentimentosdespertados pelo contato com o materialclnico em interlocuo com o supervisor.

    Os registros das sesses e as narrativas ela-boradas aps as supervises compuseramo corpusda pesquisa.

    Anlise dos dados.A interpretao do materialclnico foi realizada concomitantemente obteno dos dados, isto , ao longo doprocesso teraputico em sesses semanaisde superviso, nas quais o pesquisadorera supervisionado por um psicoterapeutaexperiente, professor com livre-docncia empsicoterapia psicanaltica. As interpretaes

    basearam-se nas pautas de anlise preconi-zadas pela literatura psicanaltica (Franke &Silva, 2012; Serralta, Nunes, & Eizirik, 2001),atentando-se para a questo da complexidadeda posio assumida pelo pesquisador napesquisa em psicoterapia psicanaltica (Borsa& Nunes, 2008).

    O material coligido ao longo do processoteraputico foi submetido anlise de con-tedo (Bogdan & Biklen, 1994), o que pos-sibilitou examinar de forma pormenorizada

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    os movimentos transferenciais. Os dadosforam organizados levando-se em conta osncleos de sentido ou seja, a regularidadedas respostas e os padres convergentes decontedo. Para melhor inteligibilidade domaterial, optou-se por apresentar os Resul-tados articulados Discusso, aps umabreve contextualizao do caso clnico(apresentao da paciente).

    Resultados e Discusso

    Pelo vrtice das manifestaes transferenciais,focalizaremos as experincias emocionaise os recursos psquicos de que a duplaterapeuta-paciente pde lanar mo para

    dar consistncia relao teraputica. Nodecorrer do relato clnico, descrevemos oscaminhos partilhados pela dupla em buscada manuteno do vnculo at sua iminenteruptura, na tentativa de recompor a experi-ncia analtica por meio da escrita da tramatransferencial (Andrade & Santos, 2009; Rosa& Santos, 2011).

    Apresentao da paciente

    Beatriz esteve sob atendimento psicoterpicoindividual, de orientao psicanaltica, con-duzido em um servio-escola de Psicologia,por aproximadamente nove meses. Os encon-tros teraputicos tinham frequncia de duassesses semanais e totalizaram 48 sesses.As sesses duravam 50 minutos e ocorriamem situao face a face.

    A paciente apresentava boa capacidade dereflexo e evidenciava inteligncia acima damdia. Frequentou regularmente o servio

    at a segunda metade do segundo semestre,quando passou a ausentar-se de forma recor-rente, tendo o cuidado de avisar o terapeutaquando no poderia comparecer. Em geral,

    justificava suas ausncias alegando acmulode trabalhos e outros compromissos, comoprovas escolares.

    Na entrevista inicial, a paciente queixou-se da qualidade do relacionamento quemantinha com sua supervisora de estgio,classificando-a como intransigente. No curso

    do atendimento, estendeu essa queixa paraoutras pessoas, como seu namorado, suame, sua irm, amigas e parentes. Durante assesses, relatou ter um relacionamento afetivoe caloroso com sua me, apresentando-acomo uma figura provedora de cuidado eafeto; ao mesmo tempo, essa imagem dededicao parecia ser rompida por fantasiasde retaliao. Sentia sua irm como umapessoa impositiva, sobretudo em relao aela, sugerindo um relacionamento marcadopor ambivalncia, j que esta, ao mesmotempo em que a incentivava, punia seusinvestimentos internos e externos em direoao seu amadurecimento pessoal.

    Evoluo do caso

    O incio do vnculo teraputico foi marcadopor manifestaes persecutrias da paciente,manifestadas sob a forma de receio de queo terapeuta pudesse control-la, na medidaem que a relao teraputica colocava-a emcontato com seus prprios sentimentos. Essasvivncias a levaram a adotar manobras deevitao e recuo no movimento de aproxi-mao realidade interna. Por outro lado,em certas situaes, apesar da considervel

    desorganizao de seu mundo interno, Beatrizsentia-se claramente satisfeita em encontraro terapeuta. Nas primeiras sesses e nodecorrer das demais, a paciente evidenciousentir-se extremamente desorganizada e con-fusa, conseguindo suportar a duras penas aansiedade decorrente dessas manifestaes.As vivncias de insatisfao eram recorrentese associadas a momentos de desorganizaointerna. Em vrias ocasies, Beatriz revelou-seperplexa e assustada frente ao contato comseu mundo interno, relatando ter receios de

    que espritos a perseguissem. Em momentosde intensa angstia, parecia no alcanar umaconvivncia satisfatria com seus pensamentose sentimentos, como se estivesse a ponto defragmentar-se totalmente. Em outras situaes,frente considervel intensidade de sofrimentopsquico, essa confuso interna era substitudapor aquilo que ela denominava de branco,um vazio de pensamentos que algumas vezesa assaltava e que tambm ocorria quando suasupervisora dava-lhe broncas, momentosem que se sentia impotente.

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    Essas situaes de vazio tambm eramreproduzidas com frequncia na psicoterapia,incrementando vivncias de ansiedade. medida que o tempo da sesso decorria,com o auxlio da continncia do terapeuta, a

    paciente acalmava-se e aparentava recuperarum senso mnimo de integrao psquica.Esse movimento aplacatrio pode sugerirque, para Beatriz, era muito importanteperceber a condio do terapeuta de estarcom ela, disponvel e contenedor, em umaposio acolhedora e no-intrusiva, tentandosuportar as angstias suscitadas pelo contatocom seus vazios e brancos que o settingteraputico estimulava. Podemos entenderesses vaziosebrancos como expressesde certas dimenses do psiquismo que no

    puderam ser suficientemente desenvolvidas,a ponto de adquirirem representao simb-lica. Esses fenmenos evocavam aquilo queZimerman (1999) denominou de buracos

    psquicos, ou seja, aspectos do aparelhopsquico que no puderam ser amadurecidose transformados devido ausncia de capa-cidade de continncia (revrie) da figura deapoio geralmente, a figura materna. Essaslacunas do desenvolvimento emocional, dei-xadas por aquilo que no se pde completar,estariam na raiz das patologias do vazio

    que povoam a clnica contempornea.

    Para Palhares (2008), o fenmeno trans-ferencial promove o contato do pacientecom suas emoes, ao mesmo tempo emque o analista tambm se sensibiliza diantedessas manifestaes. De acordo com MelloNeto (2012), o paciente constri um projetotransferencial, no qual o psicoterapeuta temdesignado um lugar; se este se recusa a par-ticipar desse projeto, a psicoterapia no seinicia. Desse modo, trata-se de um encontro

    intersubjetivo, visto que ambos veem-setomados reciprocamente por manifestaesinconscientes, afetos e vivncias, em umdevir intra e interpsquico. O tratamentoanaltico recupera o tempo morto do vazioinercial e do empobrecimento psquico, quese manifestam nas reaes hostis, defensivasdo paciente, ao mesmo tempo em que con-vivem com manifestaes de afeto positivo,um duplo tempo no linear comea a servivido pelo par analista-analisando. No uma crnica dos acontecimentos que

    vai ser empreendida, mas a vivncia doacontecimento passado ser atualizada,fundindo-se com o tempo analtico (p.101).

    No curso da psicoterapia, frente conti-nncia afetiva do terapeuta, a paciente, aospoucos, foi capaz de controlar melhor osassomos de angstia e retomar o fio asso-ciativo. Todavia, essa maior aproximaoemocional com o terapeuta muitas vezesera sentida como fonte de ameaa. Por isso,ao recuperar sua capacidade de associarideias, o vnculo era fortemente atacadopor defesas paranoides. Por exemplo,em uma das sesses iniciais o terapeutaindagou se Beatriz gostaria de colocar sua

    cadeira mais prxima poltrona dele, vistoque lhe parecia que estavam por demaisdistantes. Ela respondeu que no, quedaquela maneira estava bom, o queparecia traduzir uma posio de reserva ecautela, um recuo frente possibilidade decontato mais ntimo com seus sentimentose, tambm, em termos da transferncia,frente proximidade fsica e psquica com oterapeuta. Em situaes como essa, Beatrizsentia-se exposta e vulnervel, como setivesse baixado exageradamente a guarda,

    a ponto de se sentir com poucas defesas,correndo o risco de ser controlada ousubjugada pelo objeto persecutrio queera projetado no terapeuta.

    Em outros momentos, era o prprio tera-peuta que se mostrava ansioso, perseguidopor pensamentos de que no conseguiriaatender satisfatoriamente a paciente, de queno seria capaz de ajud-la a suprir suasnecessidades emocionais. Por diversas vezes,percebeu-se com dio de Beatriz, sobretudo

    quando ela faltava seguidamente ou quandoracionalizava ou negava as interpretaesrelativas transferncia, talvez por sentir-seinvadida pelo contedo apresentado por ele.Essas reaes contratransferenciais culmina-ram no impacto desagradvel ocorrido emdeterminada sesso, em que o terapeuta sedeu conta de que estava sentindo um fortecheiro de tabaco emanado pela paciente, oque o levou a ter desejo de afastar-se dela,de modo anlogo ao que ela tambm faziaem algumas situaes.

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    Em outra sesso, o impacto produzido peloencontro da dupla, que por vezes pareciaser sentido como desagradvel para ambos,culminou na queixa de vertigem da paciente,que afirmou ter sentido tontura assim que

    se sentou na poltrona da sala de atendimento.Pareceu haver, nesse instante, uma forte comu-nicao de inconsciente para inconsciente.A vertigem representaria uma tentativa dapaciente de defender-se do que era vivenciadocomo potencial desagregao de seu mundointerno, j comentada anteriormente. Nessasituao, o terapeuta tentou tranquiliz-la,tomando a iniciativa de arejar o ambiente,ao aumentar a extenso da abertura das

    janelas e ligar o ventilador, demonstrandoestar atento s suas manifestaes. Todavia,

    no explorou com a paciente a experin-cia emocional intensa vivida pela duplanaquele momento. A atitude de holdingfoieminentemente fsica, limitou-se a um nvelde comunicao sensorial de acolhimento,perdendo-se a oportunidade de explorar aspotencialidades da situao indagar, porexemplo, a que ela atribua sua falsa percep-o de movimento a vertigem deflagradaao encontrar-se com ele. O decurso dessasesso, em certos momentos, foi permeadopor conversas amenas, como se a dupla

    tentasse esquecer-se do que incomodava aambos ou aliviar-se da tenso suscitada pelochoque do encontro emocional, que parecialevar ao desfalecimento do vigor criativo.

    No que tange ao contato da dupla, Freud(1912/1996b) afirma que o analista deveimiscuir-se em seu prprio inconsciente demaneira que possa tornar-se permevel eabrir-se ao inconsciente do outro. Para tal,no pode permitir que resistncias que semanifestam em si prprio ocultem a identifi-

    cao do material inconsciente, o que levaria introduo de uma nova seleo no corpoda anlise, pautando-se no princpio de queo paciente abriu mo de objees lgicas eafetivas que poderiam lev-lo a selecionarsuas associaes. O autor ainda aponta quea anlise pessoal do terapeuta fundamentalpara que esse processo de sensibilizao aoinconsciente do outro se efetive de maneirafavorvel ao curso da anlise, a fim de queno projete na figura do paciente, dimensesque lhe so intrnsecas.

    Em uma leitura kleiniana, os acontecimentosdescritos anteriormente se aproximam teori-camente das proposies de Segal (1982), queafirma que o paciente projeta para dentrodo analista suas figuras internas, afetando-o, o

    que leva admisso de que a transferncia estassentada em situaes primitivas pr-verbais.As situaes pr-verbais, em que o pacienteatua sobre a mente do analista, podem estarrelacionadas a outras formas de comunicaoprimrias, dando-lhes ressonncia afetiva, oupodem ser predominantemente expressadas,significando ataques comunicao, que, noentanto, quando compreendidas de formaapropriada, transformam-se em experinciascomunicativas de fato.

    Se olharmos desta maneira para a trans-ferncia, ento se torna bastante claroque o que Freud descreve como aten-o livremente flutuante se refere noapenas abertura intelectual da mente,mas tambm a uma abertura especialdos sentimentos permitir que nossossentimentos, nossa mente sejam afeta-dos pelo paciente em um grau muitomais elevado do que ns permitimossermos afetados nas relaes sociaisnormais (Segal, 1982, p. 119).

    Segundo Segal (1982), a contratransferncia fonte importante para obteno de informa-es sobre o paciente, alm de ser elementofundamental da interao paciente-analista.A maior parte dos processos transferenciaise contratransferenciais de origem incons-ciente. Quando a contratransferncia doanalista encontra-se afinada ao paciente,tem-se uma relao dupla, que contm ecompreende ao mesmo tempo, que interpretae produz conhecimento, dando origem aofenmeno intitulado intuio psicanaltica

    ou sentir-se em contato. Todavia, h situ-aes em que esse fenmeno se rompe. Oterapeuta pode tomar conscincia de seusprocessos analticos, na tentativa de pensaro que tais sentimentos evocam em sua rela-o com o paciente. A atitude de atenoflutuante envolve a capacidade de sustentaressa demanda paradoxal na dinmica dovnculo transferencial. Cabe notar que qual-quer comunicao envolve desejo de ao,de produzir efeitos na mente do outro, noentanto, a intensidade com que isso ocorre,

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    sejam situaes verbais ou no-verbais, variade paciente para paciente e de momentopara momento, intensificando-se conformese aproximam dos processos psicticos.

    Para Ogden (1979), os processos contra-transferenciais constituem um conjunto defantasias e relaes objetais correlacionadas,que, por serem indesejveis, levam o selfadeposit-las em outra pessoa, para ento,recuperar o que foi projetado em versomodificada. Em trabalho posterior, que atestao desenvolvimento desse conceito em suaobra, Ogden (1996) toma-o em sua qualidadeintersubjetiva, na medida em que transformaa subjetividade daquele que projetou e do

    outro (recipiente):[] assim sendo, a identificao proje-tiva um processo pelo qual a subjetivi-dade, tanto do projetor quanto do reci-piente, est sendo negada de diferentesmaneiras: o projetor est recusando umaspecto de si prprio que ele imaginaestar sendo evacuado para dentro dorecipiente, ao passo que o recipienteest participando de uma negao de siprprio ao se render (criar espao para)ao aspecto da subjetividade do projetor(Ogden, 1996, p. 96).

    No obstante essas manobras defensivas,em outras situaes, o impacto emocionaldespertado pelo encontro da dupla pareciaser menos violento, embora permanecesseintenso e vigoroso. A paciente logo no incioda sesso evidenciava estar satisfeita e abriaum sorriso tmido, o que, transferencial-mente, poderia significar que se regozijavapor poder estar com o terapeuta, apesar daconfuso presente em seu mundo interno e

    das fantasias persecutrias estarem sempre espreita. Notava-se, nesses momentos demaior harmonia da dupla, que ela conseguiaaproveitar-se do novo espao de confiana ecuidado que a terapia instaurava em sua vida.

    Essa situao amistosa tambm podia semodificar no desenrolar da prpria sesso,quando Beatriz relatava sua dificuldade emconciliar as mudanas exigidas em sua vidae em seu cotidiano. Do ponto de vistatransferencial, possvel hipotetizar que a

    possibilidade de manter contato com o tera-peuta, de ser ouvida em suas necessidadese tambm de ouvir o que ele tinha a lhedizer, poderia desestabilizar seus padresde pensamento e condutas estabelecidas, ou

    seja, aquilo que ela j tinha como definidoe definitivo em sua vida. Isso produzia ointenso desconforto de sentir que parte deseu mundo interno estava desorganizado ouprestes a se quebrar. O que poderia explicarporque, em vrios momentos, Beatriz pareciasentir-se incomodada pelas interpretaes dasituao transferencial. Em certos momen-tos, pedia ao terapeuta que dissesse quaiscondutas deveria tomar, com o claro intuitode que concentrasse sua ateno e fala nocontedo manifesto da sesso. Segundo

    Green (1979/2004), a palavra do analista metfora de ao (p. 17), o que levaalguns pacientes a se frustrarem frente interpretao do analista, pois esperam queele situe sua fala no mbito do manifesto, daao em vez da reflexo, a fim de gratificara pulso.

    Em geral, quando o terapeuta interpretavaas manifestaes transferenciais, a pacientenegava o contedo interpretado ou faziauso de racionalizao, parecendo ter receio

    das consequncias que o estreitamentodo vnculo poderia acarretar. A potencialdesintegrao de seu mundo interno tambmpode ter contribudo para suas ausnciasou atrasos recorrentes, como se o temorde um eventual colapso das defesas e, porconsequncia, o triunfo da desagregaoe do caos psquico, no permitissem quea paciente chegasse ao atendimento compontualidade e assiduidade, de modo adesfrutar do encontro em plenitude. Green(1988) chama a ateno para o significado

    da ausncia no contexto analtico. Ausnciaque no o mesmo que falta, mas um estadode carncia. Ausncia que est no lugar dealgo do psquico que malogrou, por falhasde operao do processo de simbolizao.Nesse sentido, uma ausncia repleta,da mesma maneira que o silncio pode, svezes, ser bastante eloquente. De acordocom Green (1979/2004, p. 25): o silnciopode, de fato, ser repleto de palavras silen-ciosas, portadoras do sentido consciente einconsciente: pode, igualmente, estar cheio

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    de outras coisas alm de palavras. Mas podetambm ser o inaudvel do nunca ouvido.

    Nota-se que, frente a esses sentimentospenosos e inaudveis, o consumo excessivode cigarros possibilitava-lhe um sentimentode aparente coeso, de ser preenchidapor algo, ainda que evanescente e fugaz,produzindo um alvio imediato que, momen-taneamente, permitia-lhe esquecer de suabusca incessante o movimento repetitivoe estereotipado em busca de integrao.O odor forte que deixava impregnado naatmosfera da sala era uma maneira sutil demarcar sua presena, garantindo que serianotada mesmo na ausncia, ao imprimir

    sua marca indelvel no corpo e na mentedo terapeuta. Cuidava, assim, de deixarsuas pegadas na memria de seu cuidador,buscando assegurar de algum modo que noseria esquecida ou negligenciada.

    Essa maneira prpria de se fazer notada serevela, na transferncia, como uma manobrainconsciente para sepresentificarna mentedo terapeuta, aps dele se afastar. Com isso, apaciente busca suprir a necessidade de refazerum tempo que se desfez com a separao

    de suas figuras primrias, uma perda cujarestaurao exige um trabalho rduo de reco-lher os sentimentos e coloc-los no corao(re-cordar) uma outra vez. Para reparar aexperincia afetiva perdida, precisar utilizaro lastro do investimento pulsional que dorigem s fundaes do narcisismo, sendoo ego, nos primrdios, a simples projeodo corpo, como Freud (1923/1996) notoucom propriedade.

    Pode-se conjeturar que, por meio de uma

    marca corporal o hlito de cigarro , Beatrizcomunica, de modo no-verbal, seu desejode permanecer vinculada figura de apoio,ao mesmo tempo em que esse desejo incons-ciente se articula de uma maneira tal queparece ser bastante desagradvel para oterapeuta, produzindo efeito aversivo. Pode-sedepreender, a partir da reao de repulsa queela desperta inconscientemente no terapeuta,que o sentimento de ser rejeitada pelo objeto uma dimenso central das experincias devazio reproduzidas no vnculo teraputico.

    O objeto sentido como no-confivel eabandonador, uma espcie de supervisoranegligente em sua funo, que em vez deorientar, invariavelmente d broncas,diante de quem Beatriz se sente como umacriana frgil, incapaz de se defender eexpressar seu desapontamento. O vnculotorna-se, assim, intoxicante, perpetuando asexperincias de desamparo e o sentimentode abandono. Por outro lado, a pacienteno consegue se desvencilhar desse laotantalizante, sente-se aprisionada justamentepor negar sua dependncia afetiva e sentir-seaturdida ao enderear sua demanda amorosaao terapeuta.

    No decorrer das sesses, o relato queixoso emrelao supervisora ressurgiu em diversasocasies, com nfase sobre sua condutaautoritria. No entanto, nos meses finais doatendimento, Beatriz passou a relatar que,nas situaes em que se sentia criticada,estava conseguindo argumentar e exporseus motivos, sem cair em prantos ou terbrancos, como era de hbito. Provavelmenteisso decorreu de uma mudana intrapsquica:a represso macia do dio que sentia pdeser abrandada, na medida em que conseguiu

    compreender a natureza de seus sentimentose elaborar sua experincia emocional durantea terapia.

    Na continuidade do processo teraputico,a paciente, que at ento havia se mantidoassdua, comeou a faltar sistematicamentes sesses, buscando, no plano concreto docomportamento, substancializar a ausnciaque no pde ser simbolizada e inscritacomo uma realidade psquica. Quando essaausncia de simbolizao tenta se inscrever

    de algum modo no contexto analtico, aindaque seja na concretude de uma passagemao ato, abre-se a possibilidade de o analistaoperar nessa fenda. Para tanto, preciso estaratento para no reeditar, na experinciade cuidar emocionalmente da paciente,certas experincias desastrosas que foramvivenciadas no passado. Por outro lado, apaciente precisava perceber que o terapeutamantinha-se atento ao que estava sucedendono vnculo transferencial. Ela parecia ter des-locado para sua relao com ele parte da

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    impotncia que sentira anteriormente frente supervisora: agora era ali, com ele, que sesentia impedida de conseguir argumentare mostrar seus motivos, ou seja, seu diodecorrente da frustrao por no obter a

    gratificao esperada.

    A conduta de distanciamento da pacientesugere a necessidade defensiva de recon-quistar a distncia, isto , retomar o intervaloem relao ao objeto, para restaurar a inte-gridade de seu self, que havia se plasmadoem vivncias de indiferenciao. A dinmicaque se estabelece entre intimidade e distan-ciamento instaura o movimento desejante,que precisa ser manejado adequadamente,de modo a fortalecer a confiabilidade dosetting, que prenuncia a possibilidade doencontro emocional. A estabilizao dosettinganaltico um requisito crucial paraa conduo clnica desses casos. Na medidaem que as vivncias caticas e primitivasso reeditadas na situao analtica, comsegurana e confiabilidade, cria-se a pos-sibilidade de uma experincia emocionalcorretiva, que poder conduzir o conflito aum desfecho mais satisfatrio.

    Consideraes finaisNo presente estudo apresentamos o casoclnico de Beatriz para ilustrar um processoteraputico no qual a paciente se mantmaprisionada a um sistema mental primitivo(Villela, 2006), marcado por movimentosde ciso e projeo dos conflitos psquicos.Diante do material clnico exposto, atenta-mos para as proposies tericas de Klein(1952/1991), que prefere tratar de situaestotais de transferncia, haja vista que durante

    todo o relato analisado percebe-se um movi-mento intenso da paciente em atribuir figura

    do terapeuta certas fantasias e representaesque permeavam seu mundo interno e quehaviam sido vivenciadas em seu passadoremoto com as figuras parentais.

    Durante a primeira etapa do atendimento, apaciente mostrou-se muito disponvel para otrabalho teraputico. Aceitou prontamente assugestes de horrios e frequncia semanal,comparecendo s sesses com assiduidadee pontualidade durante os primeiros meses.Esse padro foi se alterando, na medidaem que a transferncia que estabeleceufoi se mostrando, com o passar do tempo,mais idealizada do que positiva. A relaoemocional da dupla suscitou diversos

    matizes de manifestaes transferenciaise contratransferenciais, em uma ligaode inconsciente para inconsciente muitasvezes impossvel de ser interpretada, porno emergir em nvel consciente.

    Por outro lado, deve-se atentar para recomen-dao de Winnicott (1975) de que o analistadeve conduzir o tratamento da maneira comoa me se introduz na relao com seu beb,isto , apresentando os objetos do ambienteaos poucos, para que ele no se sinta invadidoem suas frgeis fronteiras e precocementeassolado pelas asperezas da vida. Assim,frente a potencial desorganizao do mundointerno da paciente, as possibilidades inter-pretativas advindas da transferncia devemser manejadas com cautela e parcimnia peloterapeuta, como uma me suficientementeboa frente ao seu beb, para que no agu-dizem estados primitivos de fragmentaoegoica. Caso contrrio, corre-se o risco deintensificar manifestaes de vulnerabilidade

    presentes em algumas situaes da vida dopaciente de difcil acesso.

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    Eduardo Name RiskDoutorando pelo Programa de Ps-Graduao em Psicologia, Faculdade de Filosofia,

    Cincias e Letras de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto SP.Brasil. Apoio financeiro: CAPES.E-mail: [email protected]

    Manoel Antnio dos SantosProfessor Associado 3 da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto,Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto SP. Brasil. Apoio financeiro: CNPq.E-mail: [email protected]

    Endereo para envio de correspondncia:Avenida Bandeirantes, 3900. Monte Alegre. CEP: 14040901. Ribeiro Preto SP. Brasil.

    Recebido: 12/06/2014, Aprovado: 03/11/2015.