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Sessão temática Cidade - 117 O DESENVOLVIMENTO DA CIDADE DE TORRES/RS ACOMPANHADO PELAS LENTES DO FOTÓGRAFO ÍDIO K. FELTES 1930/1970 Camila Eberhardt 1 RESUMO A presente comunicação pretende analisar imagens fotográficas provenientes do estúdio fotográfico de Ídio K. Feltes, na qual, a cidade de Torres/RS iniciou seu processo de desenvolvimento urbano com maior intensidade. Torres/RS está localizada no litoral Norte do Rio Grande do Sul, e a partir dos anos de 1930, a cidade passou a ser visitada por turista que vislumbravam as belezas naturais, as praias e as falésias. É nesse intuito que Torres/RS se tornou um dos principais balneários turísticos no Estado, a cidade foi se tornando cada vez mais reconhecida como destino turístico, e, portanto, foi crescendo. Foi esse crescimento que Feltes acompanhou durante muitos anos por meio de seu trabalho na cidade como fotógrafo, e que a presente comunicação objetiva compreender. Palavras-chave: Fotografias Aéreas. Cidade. Cultura Visual. História. Memória. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho propõe a análise de fotografias aéreas produzidas pelo estúdio fotográfico de Ídio K. Feltes, realizadas na cidade de Torres, durante o século XX. Essas fotografias acompanham o desenvolvimento urbano de Torres. O Município de Torres está localizado no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Durante muito tempo, serviu como posto militar de observação, mas que, com a colonização alemã 2 e, posteriormente, a italiana, obteve um desenvolvimento significativo no seu interior, embora tenha se mantido tímido até as primeiras décadas do século XX no que diz respeito à área urbana. O que mudou essa realidade e permitiu com que o município iniciasse seu processo de desenvolvimento urbano foram os atrativos do mar e de suas falésias. Na beira do mar da cidade, podem ser vistas três torres (falésias) que, praticamente, 1 Doutorando em História pela Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos). Mestra em História pela PUCRS. Bolsista de pesquisa CNPQ. Email: [email protected] . 2 Sobre a imigração alemã, ver: SELAU, José Krás. Imigração alemã em Torres: por quê? A Gazeta, Torres, 1999.

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Sessão temática Cidade - 117

O DESENVOLVIMENTO DA CIDADE DE TORRES/RS

ACOMPANHADO PELAS LENTES DO FOTÓGRAFO

ÍDIO K. FELTES – 1930/1970

Camila Eberhardt1

RESUMO

A presente comunicação pretende analisar imagens fotográficas provenientes do estúdio

fotográfico de Ídio K. Feltes, na qual, a cidade de Torres/RS iniciou seu processo de

desenvolvimento urbano com maior intensidade. Torres/RS está localizada no litoral

Norte do Rio Grande do Sul, e a partir dos anos de 1930, a cidade passou a ser visitada

por turista que vislumbravam as belezas naturais, as praias e as falésias. É nesse intuito

que Torres/RS se tornou um dos principais balneários turísticos no Estado, a cidade foi

se tornando cada vez mais reconhecida como destino turístico, e, portanto, foi

crescendo. Foi esse crescimento que Feltes acompanhou durante muitos anos por meio

de seu trabalho na cidade como fotógrafo, e que a presente comunicação objetiva

compreender.

Palavras-chave: Fotografias Aéreas. Cidade. Cultura Visual. História. Memória.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe a análise de fotografias aéreas produzidas pelo

estúdio fotográfico de Ídio K. Feltes, realizadas na cidade de Torres, durante o século

XX. Essas fotografias acompanham o desenvolvimento urbano de Torres.

O Município de Torres está localizado no Litoral Norte do Rio Grande do Sul.

Durante muito tempo, serviu como posto militar de observação, mas que, com a

colonização alemã2 e, posteriormente, a italiana, obteve um desenvolvimento

significativo no seu interior, embora tenha se mantido tímido até as primeiras décadas

do século XX no que diz respeito à área urbana.

O que mudou essa realidade e permitiu com que o município iniciasse seu

processo de desenvolvimento urbano foram os atrativos do mar e de suas falésias. Na

beira do mar da cidade, podem ser vistas três torres (falésias) que, praticamente,

1 Doutorando em História pela Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos). Mestra em História pela

PUCRS. Bolsista de pesquisa CNPQ. Email: [email protected]. 2 Sobre a imigração alemã, ver: SELAU, José Krás. Imigração alemã em Torres: por quê? A Gazeta,

Torres, 1999.

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adentram o mar, o que originou o nome do município. Essas falésias, juntamente com as

águas, proporcionaram, e vale dizer, ainda proporcionam, uma bela paisagem aos

turistas que começaram a frequentar a região a partir dos anos 30 (séc. passado), com a

instalação do Hotel Picoral. Uma iniciativa de José Antonio Picoral que criou um dos

roteiros turísticos mais importantes do turismo no Estado do Rio Grande do Sul.

Ruschel irá descrevê-lo como a

maior iniciativa turística do Rio Grande do Sul de então. Tratava-se de

estabelecimento integrado com o hotel, chalés, fornecimento de luz e água,

restaurante, lavanderia, carpintaria, serraria, bar, diversões, transportes,

propaganda, “marketing”, etc. Torres passou a ser famosa como RAINHA

DAS PRAIAS GAÚCHAS, lotando-se de veranistas a cada temporada.

(RUSCHEL, 1996) (Grifo do autor).

A cidade de Torres, durante algumas décadas do século XX, conviveu com um

dualismo: nos meses de verão, recebia a elite gaúcha, sendo considerada a “Praia da

Alegria”, a praia aristocrática do estado, e comparada, como revelou a Revista do

Globo,3 como a “Copacabana” do Rio Grande do Sul. Entretanto, durante boa parte do

ano, sofria as intempéries do inverno e de sua monocultura, conforme atesta a

reportagem “Torres, cenário maravilhoso!”, realizada pela Revista do Globo, no qual, o

então prefeito Moisés Camilo de Farias lamentava a situação do município:

Tenho o máximo prazer em conversar com o representante da “Revista do

Globo”. Mas tenho pouca coisa para lhe dizer. O meu município é pobre.

Talvez seja mesmo o mais pobre do Estado. A nossa única cultura é a cana de

assúcar, e com a proibição da adição do assúcar aquí fabricado, de inferior

qualidade, no café e no vinho, estagnou completamente o comércio dêsse

produto, sendo que a aguardente, além de seu baixo preço, tem uma

exportação insignificante. O nosso colono encontrasse em difícil situação

financeira, notando-se entre os mesmos um grande abatimento. (Revista do

Globo, ano XII, n. 285, p. 32-33, 30 nov. 1940.)

Foi somente nos anos 80 do mesmo século, que reais mudanças ocorrem no

aspecto urbano de Torres, que deixava de ter espaços somente para receber os turistas

nos meses de verão e passava a desenvolver atividades comerciais e culturais em seu

território urbano durante o ano todo. Todavia, essa situação foi impulsionada justamente

3 A Revista do Globo era um periódico ilustrado, editado pela Livraria do Globo, em Porto Alegre, com

tiragem quinzenal, que esteve nas bancas gaúchas entre 1929 e 1967.

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pelas possibilidades advindas do turismo, que foi promovido em grande parte pelos

turistas da Argentina e do Uruguai, o que se refletiu no desenvolvimento acentuado da

construção civil. Nessa época, houve um aumento da população urbana, como aponta

Graciano:

Em 1980, Torres possuía 18.430 habitantes no perímetro urbano, contra

23.209 habitantes na zona rural. Comparados com os anos 70 aonde só

residiam no perímetro urbano cerca de 9 mil habitantes, pode-se afirmar que

a cidade em si cresceu cerca de 100%. O êxodo rural observado nos anos 80

está relacionado às transformações no setor primário, onde foi aberto cada

vez mais espaço para o território, intimamente ligado à indústria do turismo e

da construção civil. (GRACIANO, 2004. p. 32-33)

Foi em meio a essa realidade que Ídio. K Feltes iniciou suas atividades como

fotógrafo na cidade, adquirindo um grande espaço na sociedade torrense e registrando

as mais diversas temáticas no município. A família de Feltes era de origem alemã e

residia na colônia de São Leopoldo/RS. Na década de 20, ele deixou seus familiares

para viver na cidade de Torres, e, inicialmente, trabalhou como apontador4 no aeroporto

do município. Foi nessa cidade que se casou e constituiu sua família. Seu contato com a

técnica fotográfica iniciou devido à troca de conhecimentos com o fotógrafo Breno

Kleser, que atuava como fotógrafo amador. Além da fotografia, Ídio exercia outras

atividades, como a de cinematógrafo. Foi a partir dele que a cidade de Torres teve sua

primeira projeção de filme em uma sala de cinema, o cinema Marajó.

Possuía um estabelecimento comercial e um estúdio fotográfico, o que era

recorrente no século XX. Possamai (2005), em seus estudos sobre fotografias de Porto

Alegre, descreve que esses estabelecimentos não se resumiam somente à venda de

materiais fotográficos, nestes, uma diversidade de materiais era disponibilizada à venda,

era um meio para a sobrevivência dos proprietários.

Assim, o estabelecimento comercial Feltes, que esteve localizado na Rua Júlio

de Castilho 539, em todo o período de atuação,5 vendia-se diversos produtos de

ferragem, caça e pesca, inclusive, à prefeitura de Torres, que, durante mais de 30 anos,

4 De acordo com Fernando Feltes seu pai exercia a função de chefe dos funcionários que trabalhavam na

construção do aeroporto em Torres/RS. 5 O prédio não pertence mais a família, no entanto, permanece intacto no local.

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comprou produtos do comércio Feltes, que fornecia, por exemplo, também dinamite.6

Durante sua atuação na cidade, encontram-se algumas propagandas em jornais locais,

como o jornal O Torrense de 1949.

Feltes trabalhava em família. Teve quatro filhos que trabalhavam com o

fotógrafo juntamente com sua esposa Idegarte, ora na loja de ferragens, ora

fotografando ou trabalhando no estúdio fotográfico. Mas Feltes também empregou

muitos cidadãos torrenses ao longo de sua atuação, entre eles: Samuel Farias,

Nascimento J. Oliveira,7 e a figura de Luiz Álvaro de Lima, filho de Elcio Lima

8, um

importante personagem torrense. Luiz Álvaro de Lima realizava trabalhos externos, mas

também trabalhava na revelação das imagens, sendo responsável pela produção da

primeira imagem colorida do estúdio.

Em sua maioria, as fotografias produzidas pelo estúdio, cuja identificação

prontamente era e é visualizada pelo olhar do expectador, possuíam uma característica

peculiar: uma legenda de cor branca era inscrita, em cima da fotografia, na direção

horizontal, na parte inferior, onde eram registradas informações quanto ao local, o mês e

o ano de sua produção. Essa era uma identificação singular do estúdio de Ídio K. Feltes.

Somando-se a isto, muitas fotografias possuíam um carimbo, com o nome do estúdio,

no verso da imagem.

As fotografias aéreas realizadas pelo estúdio Feltes foram feitas pelo próprio

fotógrafo Ídio K. Feltes, de acordo com seu filho Fernando Feltes, seu pai gostava de

realizar pessoalmente essas imagens.

Entretanto, para poder compreender como essas imagens se produziram e

significam, é necessário que, primeiramente, se compreendam os mecanismos que

engendram suas fontes. Para tanto, segue-se com alguns apontamentos no que diz

respeito à fotografia.

6 O documento de compra e venda de dinamite entre o comércio de Ídio k. Feltes e a prefeitura de

Torres/RS encontra-se no acervo da Casa de Cultura. 7 Nascimento J. Oliveira adquiriu conhecimentos da técnica fotográfica e depois abriu seu próprio estúdio

...fotográfico, o estúdio Tokyo, tornando-se concorrente de Feltes. 8 Élcio Lima foi responsável pela instalação de energia elétrica na cidade de Torres/RS, atuava na área de

rádio e era fotógrafo amador.

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2. CONSIDERAÇÕES SOBRE FOTOGRAFIA

Desde os tempos mais remotos, inúmeros foram os usos atribuídos às imagens.

As sociedades consideradas orais faziam uso das imagens para diversas funções. Debray

(1994. p. 23) destaca que “para um antigo grego, viver não é respirar, como para nós,

mas ver; e morrer é perder a vista. Nós dizemos ‘seu último suspiro’, quanto a eles, ‘seu

último olhar’”. Ainda, o mesmo autor identifica três momentos da imagem: o primeiro

decorre de sua função sagrada, por meio do olhar mágico (a imagem associada aos

ritos); o segundo, o olhar estético (a arte, as pinturas); e o último, o olhar econômico,

em que, por fim, encontra-se a fotografia (DEBRAY, 1994. p. 23). No entanto, é

importante ressaltar que esses momentos não têm um término datado, pois, em

diferentes sociedades, eles se entrecruzam e se complementam, ressignificando cada

etapa do visível. Assim, as imagens representam, registram e contribuem na formação e

constituição de visibilidades e invisibilidades.

Segundo Menezes,

o visível (como, naturalmente, o invisível) representa o domínio do poder e

do controle, o ver/ser visto, dar-se/não se dar a ver, os objetos de observação

obrigatória assim como os tabus e segredos, as prescrições culturais e sociais

e os critérios normativos de ostentação ou discrição – em suma, de

visibilidade e invisibilidade. (MENEZES, 2005, p. 36)

A imagem é uma das formas pelas quais o homem atribui representações e se

relaciona em sociedade (KNAUSS, 2006); os suportes e mecanismos alteraram-se ao

longo da história, e, em 1839, surgiu uma técnica, que transformou profundamente a

relação do homem com a imagem. Trata-se da descoberta do daguerreótipo,

desenvolvido por Niépce e Daguerre. A técnica permitia a produção de uma imagem, ou

seja, um registro em positivo. Esse processo demandava um tempo de exposição

imensamente maior do que as máquinas fotográficas de hoje necessitam, e, ainda, uma

única imagem era realizada. Dadas essas características, as fotografias geradas pelos

daguerreótipos possuíam alto valor, sendo consideradas como artigos de luxo, pois

poucos tinham acesso a elas.

Nesse contexto, Francastel (2004) aponta que nenhuma tecnologia ou inovação

surge sem que haja, em contrapartida, uma demanda ou uma necessidade da sociedade

para sua criação. O século XIX substituiu a pintura, que até então tinha status de

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representação, pela fotografia, que, por meio de lentes, o fotógrafo se permitia

representar o mundo (SONTAG, 2004) e “introduziu um novo tipo de ver e dar-a-ver a

diversidade do mudo moderno” (BORGES, 2003. p. 12).

Segundo Amar (2001), o termo fotografia se consolidou, de fato, a partir de

William Henry Fox Talbot, que seria o inventor da fotografia moderna e teria

desenvolvido a técnica fotográfica, em 1841, possibilitado a reprodução de imagens,

que, anteriormente, eram únicas, por meio de uma imagem “negativo-positiva”, que

permitiu uma produção em larga escala, oportunizando a outras classes sociais o acesso

ao registro, que antes estava direcionado somente a uma classe social que podia pagar

seu alto custo.

Alguns anos mais tarde, em 1850, a carte de visite, invenção de André Adolphe

Eugène Disderi, inaugurou a fase industrial da fotografia. Os valores tornaram-se ainda

mais acessíveis, pois era possível uma tomada simultânea de oito clichês.

Fabris comenta sobre essa nova técnica, destacando que

o “efeito Disderi” não pode ser dissociado de uma análise da função social do

retrato na sociedade oitocentista. Se, no século XIX, o retrato pictórico

começa a ser questionado como gênero em função das transformações

profundas pelas quais passa a arte moderna, não se pode, porém, esquecer

que esse mesmo século conhece um desenvolvimento extraordinário da

representação e da auto-representação do indivíduo em consequência da

crescente necessidade de personalização da burguesia.(FABRIS, 2004, p. 29)

Assim, a fotografia ampliou o número de seus admiradores, mas, sobretudo de

seus consumidores, fazendo com que os registros fotográficos deixassem de ser feitos

somente em momentos extremamente necessários e considerados importantes, como

apontam Boni e Acorsi (2006), para adentrar com maior expressão no cotidiano e nas

relações públicas e privadas da sociedade.

No Brasil, da mesma forma que em diversos países do mundo, a fotografia

obteve grande recepção, pois o daguerreótipo chegou em 1840, antes mesmo que em

Portugal, como assinala Vasquez (2003), estimulado por Dom Pedro II, um dos grandes

apoiadores da inserção da fotografia no Brasil, que era um colecionador apaixonado

dessas imagens.

Nosso país teve fotógrafos importantes, que registraram o Brasil e seu respectivo

desenvolvimento, capturando principalmente aspectos urbanos, uma característica dos

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meios fotográficos, de acordo com Rouillé (2009). Esses “artistas” também

contribuíram na constituição de acervos familiares, visto que poucas famílias tinham

condições de ter uma câmera fotográfica. Muitos fotógrafos atuaram como itinerantes

nas regiões interioranas de nosso país e, com o passar do tempo, passaram a fixar

estúdios nas localidades, como foi o caso de Torres – RS.

Dessa forma, ao trabalhar com fotografias, Menezes (2011) lembra que é

“crucial que o pesquisador se familiarize com as inúmeras variáveis que definem a

natureza da imagem e a multiplicidade de significados e papéis que ela pode assumir

historicamente”.

Portanto, uma dessas variáveis está presente nas relações entre imagem e

representação, pois representar não significa uma mímese do real, mas parte dele, apesar

de que, durante muito tempo (e até hoje), no senso comum, a relação entre fotografia e

cópia do real esteja presente.9

De acordo com Brizuela (2014), a credibilidade imprimida à fotografia está

“ancorada em seu caráter de índice, ou seja, um traço do real”. Entretanto, como

menciona Rouillé (2009, p. 18), a fotografia “não representa automaticamente o real”,

mas é possível que represente, ou como propõe Menezes (2011), “reapresentar”

praticamente toda vivência humana por meio de fotografias.

Por meio das associações destacadas acima, a sociedade conferiu diversos

significados e funções às fotografias. Sontag (2004) elucida o que afirma ser um

“mundo imagem”, proveniente do mundo moderno e da foto da seguinte forma:

Uma sociedade se torna “moderna” quando uma de suas atividades principais

consiste em produzir imagens, quando imagens têm poderes excepcionais

para determinar nossas necessidades em relação à realidade e são, elas

mesmas, cobiçados substitutos da experiência em primeira mão e se tornam

indispensáveis para a saúde da economia, para a estabilidade do corpo social

e para a busca da felicidade privada. (SONTAG, 2004, p. 170)

Ademais, Moscovici (2003, p. 46) resume como ocorre o esquema de

representações: “representação = imagem/significação; em outras palavras, a

representação iguala toda imagem a uma ideia, e toda ideia, a uma imagem”. Portanto, é

9 Sobre essa questão, Philippe Dubois em O ato fotográfico, descreve o que seriam os três momentos da

fotografia: o 1º em que a fotografia fora ícone (espelho do real); o 2º em que fora símbolo

(transformação do real); e o 3º em que fora índice (traço do real).

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necessário que se compreendam e identifiquem os códigos e mecanismos geradores

dessas imagens; em outras palavras, é preciso ir além de sua “dimensão plástica”, visto

que “uma dada imagem é uma representação do mundo que varia de acordo com os

códigos culturais de quem a produz” (BORGES, 2003).

Assim, a produção fotográfica não está isenta de relações de poder, ou seja, não

há ingenuidade na produção das imagens como nos lembra Flusser (2002). Kossoy

(2005, p. 31) ressalta que a imagem é “resultante do processo de criação/construção do

fotógrafo”. As fotografias simbolizam e são portadoras de sentido (BELTING, 2010) e,

em sua trajetória, a produção iconográfica, segundo Canabarro (2014), possibilita a

constituição de um patrimônio cultural em nossa sociedade.

Isso se dá em virtude das relações com a memória. Segundo Kossoy (2005, p,

40), “fotografia é memória e com ela se confunde”, haja vista que, por meio da

fotografia, a humanidade criou um arquivo visual de referência. Sinson (2005, p. 20)

atesta que o suporte imagético orienta e reconstrói, individual ou coletivamente, a nossa

memória de indivíduos.

Para tanto, Catroga (2001, p.66) enfatiza que a memória é “uma das expressões

da condição histórica do homem,” e Ricoeur (1993, p. 38) complementa ao afirmar que,

quando recordamos o passado, ele “aparenta ser mesmo a de uma imagem”. Assim

sendo, a memória coletiva, seja em suas condições sociais, seja em suas condições

culturais, consiste, de acordo com Schimitt (2007, p. 46), “antes de tudo em imagens”.

3. TORRES VISTA DE CIMA

Inicialmente, destaca-se que as fotografias aqui analisadas, pertencem a dois

acervos fotográficos digitalizados: o Acervo da Casa de Cultura e o Acervo do Banco de

Imagens e Sons da Ulbra/Torres. O primeiro é acessível à comunidade na própria Casa

de Cultura,10

o segundo, encontra-se disponível na internet11

para o público e

pesquisadores. Os acervos são distribuídos por temáticas visuais, dessa forma, o acervo

da Casa de Cultura possui 100 fotografias aéreas em uma temática específicas, já o

10

O acervo da Casa de Cultura de Torres – RS conta com 1.081 fotografias digitalizadas, que estão

disponíveis para pesquisadores, por meio de contato com a secretária de Turismo. 11

O acervo de Sons e Imagens da Ulbra/Torres conta com 2.680 fotografias digitalizadas e está

disponível no endereço eletrônico: <http://imagensesons.ulbratorres.com.br/>.

Sessão temática Cidade - 125

Banco de Imagens e Sons possui a temática cidade que contempla 362 fotografias.

Nestes acervos, as fotografias aéreas que correspondem ao estúdio de Ídio K. Feltes

apresentam-se da seguinte maneira: acervo da Casa de Cultura apresentou 54

fotografias; acervo do Banco de Imagens e Sons contempla 34 fotografias. É importante

destacar que o Banco de Imagens e Sons congrega fotografias do Litoral Norte do Rio

Grande do Sul, portanto, apesar de um número maior de imagens, apresentou número

mais reduzido de fotografias de Ídio K. Feltes.

Destas fotografias serão destacadas cinco. Foram selecionadas, pois permitem ao

observador compreender que Torres/RS ao longo no século XX passou por

transformações em suas características urbanas.

Na primeira imagem (Figura 1), que está disponibilizada no acervo da Casa de

Cultura de Torres, é possível observar que o fotógrafo buscou registrar o Hotel Picoral,

ou como popularmente foi conhecido o Quadrado Picoral, que estava localizado

próximo ao mar, em terreno mais alto, assim como, as demais construções que se

encontravam nessa região. Na imagem, uma Torres tímida, com poucas moradias e ruas

sem pavimentação, uma realidade que perdurou na cidade durante muitos anos.

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Figura 1 – Quadrado Picoral em Torres/RS. / Data: Década de 1930

Autor: Ídio K. Feltes.

Dimensões: Não informado.

Fonte: Acervo da Casa de Cultura de Torres – RS.

A segunda imagem (Figura 2) avança no tempo por duas décadas, e revela um

planejamento e uma ampliação da cidade ao longo da costa em direção ao Rio

Mampituba, na direção norte. Algumas casas já contemplam esses novos locais,

entretanto, ainda pode-se perceber que o centro concentra-se na parta alta da cidade.

Sessão temática Cidade - 127

Figura 2 – Imagem parcial de Torres – RS / Data: Década de 1950.

Autor: Ídio K. Feltes.

Dimensões: Não informado.

Fonte: Casa de Cultura de Torres/RS.

Na sequência (Figura 3) é possível observar o centro da cidade mais de perto. A

cidade possui poucos prédios, concentra-se na parte alta. As dunas na direção sul, são

presença marcante, e delimitavam o crescimento da cidade para esta direção,

atualmente, toda essa área é ocupada pela construção civil. Ainda, a lagoa do violão está

com seu formato original, na direção oeste é contornada por uma plantação de

eucaliptos que foram plantadas por moradores. Nota-se que a parte baixa da cidade, não

havia sido ocopuda até o momento, tendo em vista que, era uma terreno que alagava

constantemente com as chuvas e as águas da lagoa.

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Figura 3 – Fotografia aérea de Torres – RS / Data: Década de 1950.

Autor: Ídio K. Feltes.

Dimensões: Não informado

Fonte: Acervo da Casa de Cultura de Torres – RS.

Ao longo dos anos de 1960, o fotógrafo registra as mudanças pela qual Torres

passou. Na imagem (Figura 4) a Avenida Barão do Rio Branco principal acesso da

cidade a BR 101, possui pavimentação somente na sua parte inicial junto ao centro. Mas

nessa fotografia, e possível perceber um crescimento acentuado da cidade na direção

oeste, o território que até então era pouco utilizado, passou, em resposta ao crescimento

da cidade, a expandir-se para a parte baixa da cidade de Torres.

Sessão temática Cidade - 129

Figura 4 – Vista parcial de Torres / Data: Década de 1960.

Autor: Ídio K. Feltes.

Dimensões: Não informado.

Fonte: Banco de imagens e Sons da Ulbra Torres.

A última fotografia (Figura 5) selecionada revela o processo de desenvolvimento

da construção civil em frente a praia grande, os prédios possuem no máximo três

andares, realidade que, hoje em dia, mudou drasticamente. No entanto, no período ainda

são poucas as construções, apesar de notar-se que a região já estava com o traçado das

quadras e das ruas.

Sessão temática Cidade - 130

Figura 5 – Vista parcial de Torres – RS / Data: década de 1960.

Autor: Ídio K. Feltes.

Dimensões: Não informado.

Fonte: Banco de Imagens e Sons da Ulbra Torres.

Por meio dessas breves considerações, é notável a atuação de Ídio K. Feltes por

meio de seus registros. Hoje a cidade de Torres encontra-se em amplo desenvolvimento

da construção civil, realidade, que nem sempre fora assim. Portanto, ao observar essas

fotografias, pode-se perceber como a cidade transformou-se ao longo dos anos de 1930

até meados da década de 1960, período que o fotógrafo atuou com mais ênfase na

cidade.

Ademais, a maioria das fotografias, além da área urbana, contempla como objeto

o mar e as praias da cidade, praias que atraem desde tempos passados muitos turistas, e

que, fez com que a cidade obtivera condições de desenvolver-se.

Portanto, a observação e análise dessas imagens contribuem de modo

significativo na memória e na história de Torres, que hoje é buscada pelos seus

moradores e pesquisadores.

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Sessão temática Cidade - 131

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