O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf ·...

27
217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se no Brasil d. Pedro I para emancipar de Portu- gal nosso Império e encaminhá-lo à via constitucional, comum às nações modernas. Leitor do Revérbero Constitucional Fluminense, jornal por mim editado junto a Januário da Cunha Barbosa, foi com entusiasmo que o jovem estadista abordou-me em ocasião pública, a fim de sinalizar seus cumprimentos pela folha. Dali em diante, fiz-me sorte de conselheiro eventual para assuntos políticos envolvendo as tramas personalistas e oficiosas do Rio de Janeiro. Mais tarde, compus o Conselho de Estado. Em agosto de 1822, solicitou-me a Alteza eu o ajudasse a redigir o Manifesto da Independência. “Está acabado o tempo de enganar os homens”, escrevemos, Os governos, que ainda querem fundar o seu poder sobre a pretendida ignorância dos povos, ou sobre antigos erros, e abusos, têm de ver o colosso da sua grandeza tombar da frágil base, sobre que se ergue- rá outra. Pesem todas as diferenças entre nossas formações, Pedro e eu nutríamos afinidades filosófica e política bastantes para trocar- mos como iguais. O movimento pela Independência uniu corações e mentes de muitos homens da imprensa, e dentre eles muitos havia os que a Pedro tomavam qual dos nossos. Liberal e argutamente jacobino, Pedro queria ser, sobretudo, americano. Guardávamos traduções dos escritos do pensador Ralph Waldo Emerson, “nosso Montaigne curado”, nas palavras do príncipe.

Transcript of O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf ·...

Page 1: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

217

ººº ºººO DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO

ººº ººº

1 Conservou-se no Brasil d. Pedro I para emancipar de Portu-gal nosso Império e encaminhá-lo à via constitucional, comum às nações modernas. Leitor do Revérbero Constitucional Fluminense, jornal por mim editado junto a Januário da Cunha Barbosa, foi com entusiasmo que o jovem estadista abordou-me em ocasião pública, a fim de sinalizar seus cumprimentos pela folha. Dali em diante, fiz-me sorte de conselheiro eventual para assuntos políticos envolvendo as tramas personalistas e oficiosas do Rio de Janeiro. Mais tarde, compus o Conselho de Estado. Em agosto de 1822, solicitou-me a Alteza eu o ajudasse a redigir o Manifesto da Independência. “Está acabado o tempo de enganar os homens”, escrevemos,

Os governos, que ainda querem fundar o seu poder sobre a pretendida ignorância dos povos, ou sobre antigos erros, e abusos, têm de ver o colosso da sua grandeza tombar da frágil base, sobre que se ergue-rá outra.

Pesem todas as diferenças entre nossas formações, Pedro e eu nutríamos afinidades filosófica e política bastantes para trocar-mos como iguais. O movimento pela Independência uniu corações e mentes de muitos homens da imprensa, e dentre eles muitos havia os que a Pedro tomavam qual dos nossos. Liberal e argutamente jacobino, Pedro queria ser, sobretudo, americano. Guardávamos traduções dos escritos do pensador Ralph Waldo Emerson, “nosso Montaigne curado”, nas palavras do príncipe.

Page 2: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

218

Leitora de Petrarca no medievo tropical carioca, princesa Leopoldina diria do Amor, em sua confusão narcísica de frustrações e impulsos,

ché poco dolce molto amaro appaga

Do outro lado da suíte real da Quinta, Pedro repetiria com Emerson:

The hero is not fed on sweetsDaily his own heart he eats,Chambers of the great are jails,And head-winds right for royal sails.

2 Democracia significa governo do povo. Não há democracia sem ‘demos–’, a gente em sua abrangência humanamente inclusiva. Quando nasce Governo no Brasil na capitania de São Vicen-te, nasce também a necessidade de rejeitar as Ordenações do Reino do além-mar para decidir o certo e o errado a partir da realidade local, experimentada pela gente daqui. Criam-se as Câmaras, chamadas então repúblicas, nas quais os representantes do povo de cada municipalidade estariam aptos a tecer legislação específica e transformar nossos “hábitos e costumes” em letra legal e comum. Ocupavam as Câmaras apenas os ‘homens bons’, proprietá-rios de empresas. O prejuízo causou doses cavalares de mandonismo e corrupção de interesses, estragando, na largada, o que se entendia por representação. Logo, os vereadores entenderam que representação políti-ca seria modo de auferir mais segurança aos negócios. Brigavam, assim, os homens bons entre eles, donos de terras e suores negros. Excluída a burguesia e o trabalhador autônomo da deputação legis-

Page 3: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

219

lativa, a maturidade política, e a plena democracia, restavam num longínquo plano teórico. A Colônia sustentar-se por 300 anos como governo sem Constituição cumpriu o desserviço de acentuar as diferenças não sob o mérito da necessidade, mas a partir de favorecimentos parti-culares, ocasionais, ora absurdos. Manter o território unido e semear e cultivar o imprescindí-vel sentimento de orgulho nacional pedia uma Assembleia Consti-tuinte. O retorno de d. João e a abertura surpreendente de d. Pedro animaram jornalistas, trabalhadores rurais e urbanos e famílias, que há tanto se ocupavam do complexo xadrez das possibilidades civili-zacionais nesta terra. O primeiro passo para fabricarmos Carta constituinte pró-pria e singular era romper com as Cortes de Lisboa. Para tanto im-perava ficasse Pedro. Só um Chefe do Executivo reconhecido por ou-tras nações poderia legitimar a Independência sem demoras e conter as rebeliões desgastantes. Tendo o moço 24 anos, era compreensível sua hesitação. Jo-vialidade ativa e razoavelmente mouca para assuntos de gabinete, distância oceânica da segurança familiar, e uma revolução em Portu-gal que se recusava a aceitar sua competência. Transcrições das seções das Cortes de Lisboa de 1821 trata-vam Pedro por ‘rapazinho’ e, pior, por ‘brasileiro’, em Portugal um insulto grave. As afrontas deviam-se às sucessivas recusas do delega-do e filho dileto de João VI em obedecer a ordem de retornar à terra natal.

3 O Fico do Pedro, publicado a nove de janeiro de 1822, é resultado de três estágios de determinação e crescimento pessoais, distintas na origem e convergentes na expressão.

Page 4: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

220

O primeiro estágio foi o despertar sensual à terra brasileira. Consumido por paixão pela terra em que vivera os últimos quinze anos de vida, Pedro mirava Portugal e via decadência. Portugal ca-penga se comparado à época de ouro das navegações, Europa amar-fanhada em abutrices e avacalhos tardofeudais de toda sorte... O príncipe mastigava seu mamão, chupava seu caju, olhava os céus onde tonitruavam as araras e cogitava-se brasileiro. Rememorada de sua feliz infância e revivida diariamente em sua compulsão aventureira e extroversão avessa a protocolos, a sedução idílica do desejo sensual e enamorado pela terra cativan-te cedeu naturalmente ao segundo, etapa que chamaremos maturar político ante os problemas de monta. Advento de seus parcos e erráticos e entretanto concentra-dos e certeiros estudos, acrescidos das não poucas ocasiões de dis-cussões em viva voz com variados cidadãos esclarecidos e homens de letras e ideias do Rio de Janeiro, a maturação forjou artífice político atento e pragmático. Sua feição era tão protocolar quanto permitia a indignação comungada às mais destras desforras contra o impropério colonial. Sabia Pedro com fluência hierarquizar as prioridades de construção. O terceiro estágio será sua firme intenção de governar. Atuar executivo como chefe de estado para desmontar a rebelião lusitana contra a independência e garantir a coesão das províncias. O Brasil permaneceu território unido, ao contrário da América espanhola, graças ao empenho de Pedro governador.

4 O Direito é a mais cara das obras humanas que preferiríamos viver sem. Nasce em senso lato no decálogo do Velho Testamento e atinge maioridade secular na Instituição Jurídica do Império Ro-mano. Está intimamente ligado à construção das cidades, isto é, à necessidade da regulação comum entre vivências incomuns aproxi-

Page 5: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

221

madas. Moisés alertava seus filhos a fim de balizar os comportamen-tos das futuras gerações ante a profusão de nações. O Direito Ro-mano possibilitava, escrito, verificável e compartilhável, expansão formal da organização política mundo afora. O sucesso militar da campanha romana destaca-se pela en-genharia multiplicadora de cidades a partir da padronização das edi-ficações culturais, institucionais e infraestruturais. A oferta bastante direta ao estrangeiro era aprender a língua e seguir a lei romana. Nem a síntese bem intencionada e paternal do Monte Sinai, nem a arrogância imperialista poderiam prever no entanto a varia-ção de intentos, motivações, anseios, justificações, perspectivas, sor-tilégios, erudições e subterfúgios dos grandes grupos sociais. Seria insuficiente esperar perpetuação e profusão dos pre-ceitos de retidão humilde dos primeiros hebreus, bem como da coe-são garantida por um estado meramente policial, preparado para conquistar inimigos e puxar água da montanha mas despreparado para conter rebeliões e guerras civis dentro da própria tessitura de cidadania. Este vazio vem ocupar a Igreja. Da expansão romana e das Cruzadas até o Medievo e então à Contrarreforma e às conquistas do além-mar, ela cuidou de consolar as aflições das milhares de in-congruências entre os usos tradicionais dos povos, a letra da lei da polis, e as novas formas de sofrimento com que se vinha costurando a Modernidade. No entrecho colonial deste sombrio começo de Brasil, as vi-las seriam vilas até o ano de 2500 não fosse a Igreja. As cidades, dotadas de personificação jurídica e Câmara de vereança, nascem cedo apenas porque a Igreja precisava assentar bispados, e conse-quentemente Paróquias, no novo mundo. Restamos com a paradoxal evidência de que a mais secular das instituições, as assembleias de representação cidadã, da mais secular das invenções da polis, a democracia, espalhar-se no Brasil graças à expansão e ao enraizamento aqui da Santa Instituição reli-giosa fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Page 6: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

222

Perceber a importância da municipalidade na maturação democrática das nações modernas pressupõe a coordenação, num mesmo entendimento, de 1) a novidade da participação popular no exercício do poder contra o exercício absolutista; e 2) a pregação do Evangelho contra a outorga temerária da lei. Idealmente, a política moderna teria à direita a voz viva e inalienável do povo no ditame do poder e, à esquerda, a contínua ex-pressão comunitária em sentido civilizatório amparado pela prática das virtudes teologais. Tal seria o projeto.

5 Sim por acaso, mas não sem profunda significância, as três etapas da maturação política de d. Pedro I relacionam-se à evolução do Direito, aqui apresentado também em três graus. Mas não só. A Independência do Brasil também pode ser lida em três eventos-cha-ve, todos ao longo de 1822. E para não dizerem que fujo do assunto central da reportagem, o Dia do Fico também pode, entre o desper-tar antes do sol ao lado da esposa, e o anúncio de sua resolução, ao pôr-se atrás dos montes o mesmo astro, compartimentar-se em três episódios dramaticamente arqueados e relacionados aos outros três eventos. Para facilitar a compreensão das doze células evolutivas, ofereço, ao final, tabela resumida. Quais seriam, então, os três estágios do Direito, desde as no-tas da escolástica peninsular até esta tarde de abril do primeiro terço do século XIX em que eu, aposentado, pito um fumo riograndense e ouço ao longe, sem distúrbios, quero-queros legislarem sobre a pró-pria, e livre, felicidade? A fusão mosaico-romana da percepção e da conceituação da Lei fomentou nos eruditos católicos a interessantíssima, mas deveras prematura, ideia do Direito Natural. Seriam o mundo e no mundo a vida artes tão bem desenha-das que a preocupação com seus desígnios, mesmo quando dos mais

Page 7: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

223

prosaicos conflitos tratassem, poderia ser a menor possível. A partir de uma postura não exatamente passiva, mas meramente paciente e observadora. No cerne de toda disputa civil restaria, evidente a quem sou-besse escutar o Espírito Santo, a semente fácil e fértil de sua própria resolução. A excessiva cautela prescritiva de Moisés, bem como a obsti-nação vigilante e padronizadora dos romanos cederiam, com a novi-dade do jusnaturalismo, à concepção universalista da comunidade. O Direito haveria de manter-se difuso e praticamente senti-mental, observável no desdobrar das horas, desde que os cidadãos jurassem, além de sua cidadania política, cristandade verdadeira. Outra vez, no entanto, os acontecimentos frustraram as ex-pectativas. Ambição desmedida, intolerância desinformada, inépcia dos governantes, preguiça e ignorância transtornadas em contravenção, afasia anímica do ímpeto punitivo, levianas paixões disfarçadas de divergências ideológicas tornaram risíveis as esperanças de frutifica-ção em grande escala do belo conceito do Direito Natural. Pior. O jusnaturalismo não raro foi usado como pretexto para abusos de poder e práticas injustas, virando pelo avesso o pro-jeto e o estudo escolástico. Num mundo de arraigados paganismos, era urgente a maturação da antessala mosaico-romana aflorada em mediação global do Direito Natural num segundo estágio, sintético e sóbrio ante ao torpor atribulado da multiplicidade viva. Este que supera o afã da boa vontade para erigir o sacramen-to do Contrato não é, no entanto, um regresso aos tempos de Roma. O aprendizado da primeira etapa, simbolizado na adúltera que Jesus Crista salva do apedrejamento, impingiu na cidadania o entendi-mento radical de que a Lei não é final, que o caso dá o contexto do juízo, e que a justiça atua em favor, e nunca contra, a humanidade comum. Na antessala romana, a codificação da convivência visava garantir eficácia na expansão imperialista. No Direito Contratualis-ta, um referencial oficial e processual visava garantir que mesmo os

Page 8: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

224

fracos, vulneráveis, diferentes, minoritários, sensíveis, estrangeiros e sonhadores gozariam de iguais oportunidades diante da economia, proteções diante da lei, dignidade diante da cidadania. Tal é o estado em que gostávamos de participar o Brasil do Império de Pedro, retirando-o de sua nada divinal Idade Média colo-nial e emprestando-lhe roupagem minimamente elegante. Neste segundo estágio, a palavra de primeira ordem da rea-lidade democrática nacional é Constituição. Diploma fundador do código mínimo, máximo e comum — mínimo no conteúdo, máximo no valor, comum na imputação — do mecanismo territorial, a Carta Magna brasileira foi a condição, motivo e objeto do Dia do Fico.

6 O ano de 1822, anotávamos Cunha Barbosa e eu no Revér-bero, é de “feliz regeneração” à terra brasileira. A luta percorrera as sendas tradicionais da revolução política, unindo as Câmaras e seus procuradores, os governantes das Províncias, a boca pequena e as grandes ondas, homens bons e as Cortes lusitanas numa propria-mente tensa ocasião de indefinição e apostas. Se a Independência também pode ser lida em três eventos--chave, todos ao longo deste ano que não terminou, quais seriam eles? Dediquei-me, à época, ao divertido e laborioso exercício de recortar e organizar em pastas as mais inspiradas crônicas e notícias acerca de cada um dos momentos decisivos à emancipação. Porque há amplo valor na coleção e reapresentação do registro histórico da imprensa, divido com o leitor, a seguir, alguns excertos em literal transcrição.

j

O primeiro momento decisivo é o Dia do Fico, a nove de ja-neiro de 1822. Disseram:

Page 9: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

225

Consagra o fim de tarde na Assembleia da capital do Império volumosa ocupação unindo peças do comércio, tropas, senhoras, homens do me-tiê mais escravos interessados, a que aportou Real Princesa e d. Pedro de Alcântara em figuração protocolar e brios adventícios. A ansiar por resolução frente à pressão de Portugal, atenta e altiva nossa verve e vida em pulso. Fontes próximas às ajudas de V.M.I. assuntaram quase imperceptível adendo ao cetro da Real pertença, em nada entretanto desprezível. Fulgindo preclara e rija, e sem sombra de polimento, nesga rara de esmeralda iria encravada ao nobre tronco bragantino, à altura de de d. Pedro um seu dedão. Amiúde, conquanto nos ouvisse, e sua ru-tura com a península pronunciasse, o homem agradava a pedra verde abacate como a um filho.

— Orlando Silveira Resende, na Folha Constituinte

Não tardou piparotes e folguedos acabrunharem porção invista de mo-ças na Praça do Rossio. Relatou-se comércio sem alvará das supostas iguarias baianas tais quais os bolinhos de feijão fritos no dendê, bem como a assim apelidada cocada maluca, em que além do coco enchar-ca-se no açúcar aguardente da mesma cana. Ora erguiam, ora baixa-vam as camadas das saias temendo contágio das faíscas e a vergonha pública, respectivamente. Indeciso entretanto não restava o Príncipe, este em solerte postura, corado e bem nutrido. Fez travar os trabalhos da Assembleia para, num pronunciamento de exíguos seis minutos e trinta segundos, garantir que tomará com mãos de cavaleiro, enxa-drista, esgrimista e marceneiro a imensidão americana cabralina, tupi, vicentina, pantaneira, missionária, africana, sertaneja, latina, ama-zonense, costeira e platina — eia, Brasil intransitivo filho de Nossa Senhora e de São Jorge afilhadíssimo, não mais solto no mar cósmico sem os devidos papéis. Ficarão, contra as ordens exorbitantes das Cor-tes de Lisboa, Pedro e Maria Leopoldina, camareiras, conselheiros e so-corros diletos, sob a real família as tropas e cultivado o sonho de fazer nascer na nação personalidade constitucional verdadeira.

— Álvaro Pereira Rocha, na tribuna PoPular do rio

Page 10: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

226

Infelizmente logo choveu, afastando as pretensões de improvisada quermesse no foro Legislativo. O clima de reisado joanino, no entanto, mais que nítido quedou, e não mentiríamos se a vastidão entusiasmada daquela praça a lembrássemos transbordar o peito em pueril, angus-tiada consolação. Ramos frutuosos nasçam do anúncio formal de uma histórica desobediência. D. Pedro de Alcântara e Maria Leopoldina, a discreta, ficarão. À frente, o ambicioso e digno projeto de fundar as ba-ses constitucionais do renascimento desta terra, terra por se emancipar e ver prosperar sua gente nova. Eram tantos os sorrisos, tão sinceros e sentidos, que a iníqua urbe soube dominar seus muitos vetores de asco, amalgamando irreconciliáveis patrícios, mascates, crioulos, caboclos, fandangueiras, tímidos clérigos e mamalucos num abraço histórico de união e esperança.

— Reginaldo Adolfo Mansueto, no Colibri alvorada

j

O segundo momento decisivo da emancipação brasileira é o Grito da Independência, por ocasião da excursão de Pedro a São Paulo. Do sete de setembro, disseram:

Sem cetro nem clâmide, brinda o fim de auspicioso tour o Regente nas ribanceiras do Ipiranga em um nada pedestre gesto, mas despojado das parafernálias corteses, de dizer de pleura própria o slogan e a ameaça da marcha resoluta do Despertar de um país que desde Anchieta nosso apóstolo São Paulo instrui, edifica e cobra. Afirmam testemunhas que terá, em teatral mas sincera postura, levantado ao Cruzeiro do Sul sua espada e sua língua de dragão d. Pedro, e impostando nalgo entre o mezzo soprano e o soprano as palavras a selar, não por acaso onde Nóbrega e Ramalho pressentiram a identidade nacional, que era ‘Inde-pendência ou Morte’, assim mesmo em duas e secas palavras, de fazer corar um republicano qualquer.

— Flávio Paramonte Sampaio e Silva, no Correio da Manhã

Page 11: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

227

Não foi retumbante nem solene por sofrer o príncipe, desde as longas quatro horas que precederam a encenação, desenfreado corrimento in-testinal. Mas é digno notar, por motivos menos simbólicos que proto-colares, e de modo algum oficiais, que d. Pedro proferiu valoroso grito de guerra contra eventuais carbonários que a pescar se encontrassem no córrego do Ipiranga. Se havia, decerto fugiram, temendo o trote ca-prichoso de sua égua apache de nome Vesúvia, a quem é tão fiel o mon-tador e Regente. Afirmou o príncipe que entre a vida e a morte está a Independência. Se tamanha novidade não fosse tacitus consensus po-puli, ele galoparia os quatro cantos da nação para tanto deixar claro e cristalino, espada ao alto e botas bem tratadas. Devem estar a tremer, no escuro, nossos antigos colonizadores, antecipando a inclinação dos canhões transatlânticos cariocas à frágil Europa.

— Montenegro e Sancho, do seManário tíPiCo

Varreu a São Paulo das luzes vermelhas da noite preocupada a in-formação desconcertada. Teriam sido seis cavalos mais dois jumentos na comitiva Real. Os relatos entretanto desencontram-se. Passantes e moradores do Ipiranga garantem terem sido oito cavalos, dos quais dois puxados e menores, apenas semelhantes a jumentos. De qualquer modo, o teatro de operações consumou-se em coração solto. Por nós er-gueu-se divino e correto monarca, e todos os males e injustiças sumirão do mapa ainda antes do Natal de Nazareno. Se não sumirem os percal-ços, paciência, seguiremos operosos os paulistas, e a respeitosamente celebrar única e legítima família real. Independência ou Nossa Senhora desaparece, teria bradado d. Pedro.

— Vicente Ataualpa e Silvo, do diário Paulista

j

O terceiro e decisivo momento de nossa maioridade é a Aclamação, por meio da qual d. Pedro é aceito Chefe de Estado. Deste doze de outubro, disseram:

Page 12: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

228

Partiu Recife em carta a mais esperada declaração provincial, redigida por Joaquim da Silva Rabelo, em apoio pactuado à tenção constitucio-nal de d. Pedro. Comovido, o príncipe teria deixado escapar, na intimi-dade do gabinete, a oração enamorada, Temos Pernambuco! Aclamado Chefe do Executivo conforme prevê a Constituição de Portugal, o re-gente doravante arroga-se, sem licença, direito de conduzir Assembleia Constituinte distinta e nova, completamente brasileira enfim para que fundemos harmônico compêndio de leis nativas e a nossos usos e con-sensos arrazoadas.

— Antunes Godofredo de Melo, em o ajax Mineiro

Aclamado para jurar o espectro e o desejo de uma Constituição inexis-tente, na data de seu próprio natalício d. Pedro de Alcântara Primeiro Imperador do Brasil fez propalar no ar dos ‘verdadeiros brasileiros’ a frequência combativa de um moderno governante e intérprete da von-tade maior do povo, restando a ela submisso, e por ela leal e vanguar-dista. Ver à frente nada além de um Constituição, “digna do Brasil e de mim”, asseverou o Chefe em comovida entrega. Que floresça, na terra do papagaio e da Santa Cruz, a Primavera Democrática que fizemos tantos homens e famílias dignas e trabalhadoras por merecer.

— Ataliba D. Bartolomeu, n’o ConstituCional Paraense

Não se dorme em terra de corridos doiro e mercações em paus ocos, danças despropositadas e ébrias de vícios sobre balcões, sinistras tran-sações legisleiras por quais untam-se despotismos, filhotismos e compa-drios. Não mais. Doravante empoderado, inclinado e desimpedido à fa-tura obsessiva da Carta Parturiente da razão mesma de uma civilidade tributária da estirpe valorosa e evangélica, nela o Imperador fará mo-notemáticos seus sonhos e vigílias, e nós enquanto não estiver positiva e operante a Assembleia dos Procuradores Gerais reunidos no Rio de Janeiro tampouco doutro assunto trataremos ou sequer pretenderemos existir. Salvemos tempo erguendo mais e mais duradouras pontes, mais e melhores trabalhadores livres formando. Olham-nos como deuses, d. Pedro e Leopoldina. Façamos jus – é nossa virtude que corre nas veias

Page 13: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

229

do sangue real.

— Raimundo Brasil, no exPresso do oriente

j

Eis, pacientes leitores, breve exposição documental dos humores a correr nalgumas das folhas nacionais daqueles três estágios que imi-tam e contradizem, completam e interpõem-se, aos três estágios da formação de Pedro o pequeno príncipe, Pedro o filósofo político, e Pedro o Chefe de Estado.

7 Devaneio gostoso e impúbere que o amarra em afeto tátil ao trópico americano; despertar de um ofício contingencial mas bem maturado na melhor biblioteca pós-1789; regresso de d. João VI e toda sua família à distância da península; amparo e crescimento junto à solicitude espirituosa e erudita de Maria Leopoldina. Assim conforma Pedro um seu destino. Da parte do Príncipe, sobriedade e entrega íntegra perfazem a passagem segura do despertar sensual ao maturar político. Que Pedro leu Locke, Voltaire e Emerson não é novidade para ninguém. O que pouca gente sabe é da existência de pequena joia, meditativa e inteiriça, na biblioteca particular do Regente. Peça que viria sacramentar a passagem do primeiro ao segundo estágio de sua formação. Contida quase inverossímil num volume familiar da Eneida, e desde sempre negligenciada até chamar-lhe a atenção sua arguta esposa, assim diz o epigrama:

quem é aquele quecoberto com um manto de palhafaz nascer flores na primavera?

Page 14: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

230

lido na travessia do Atlântico mas ignorado, ou não compreendido, ou mesmo confundido com o latim da epopeia virgiliana. Despachados pai João e séquito de volta a Portugal, em 1821, Pedro retorna à Quinta e comanda transformações nos cômodos, am-bientes e afeições do palácio improvisado. Remexendo num velho baú que guardava itens diletos da infância, dali resgata sua Eneida, lido na travessia aos nove anos de idade. Folheia a obra sorridente e um bocado constrangido por ter deixado apagar da memória certas passagens outrora sabidas de cor. Senta ao lado de Maria Leopoldina num banco da varanda. Ela percebe, nas marcas do tempo no livro e no semblante indefeso do esposo, o valor sentimental daquele encontro. Folheia ela também, e depois de duas ou três páginas chega, dedos ágeis de relojoeira, ao tecido perdido da folha invasora mas sutilmente agradável, gravada sem serifa em papel fino de arroz,

quem é aquele quecoberto com um manto de palhafaz nascer flores na primavera?

A esposa soergue-se, perfaz o perímetro da área avarandada e enfim declama a inquirição lacônica do que, segundo ela, deve ser um eremita japonês. Assalta Pedro paradoxal sensação de familiari-dade abstrusa, íntimo estranhamento, chamejante neblina. Pergunta à amiga se neste instante ela haverá traduzido a passagem do latim; se sim, qual a situação específica de Enéas? Lembrava sem ver completamente, ressentia sem tocar, abo-nava suspeitando. Chegara a ler aquilo? Aquilo que, em lúcida e bre-ve constatação, Leopoldina afirmava não pertencer, de modo algum, à natureza do livro, caprichando ao indicar a costura bastarda, a gramatura e a alvura distintas da folha, a versão tipográfica em tudo exógena à composição original? Desde quando Enéas foi um eremita japonês, teria perguntado de volta Leopoldina. Consultou, ante sucessivas negativas, se as senhoras da Casa de Bragança tinham por costume emendar as obras clássicas com

Page 15: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

231

bricolagens enigmáticas. Não. Nem a avó Maria, nem a mãe Carlota, nem a mãe Genoveva. A imagem sugerida na pergunta do excerto, encoberta por agência divinal e ao mesmo tempo humana, zoroastra e jardineira, suspendeu o intelecto de Pedro e estacou, teúda e soldadesca, a me-sura da tarde no preito da dúvida. Dois anos depois, a solução ainda difusa em especulações pretensas, indolentes, fugidias e apenas bafejadas entre os galhos folhudos da memória e do saber novamente assaltaria, desde um elo frágil no improvável em que se dá, a introspecção esvaziada do príncipe. Fábula imagética livremente associada ao dedicar carícias à expectante esposa na manhã do dia nove de janeiro de 1822, o man-to de palha do idoso prestidigitador oriental, face, cabeça, tronco e membros encobertos pelo junco tratado e trançado de uma capa de régia vulnerabilidade e, no entanto, de venturosa consequência. Sem a palha que as protejam das nevascas invernais, as flores de Quioto não expõem-se em primavera. Esta a especulação mais con-vincente, ainda que ao casal escapasse de todo a autoria.

8 Aqueles que esperavam, à cela de Frade Sampaio, a visita de Pedro nas primeiras horas da manhã, frustraram-se. A caminho do convento, desviou-se, égua ocre e vinho de nome Ipojuca e teceu, com surpresa e inspiração, o primeiro estágio do Dia do Fico distan-te de tudo e de todos numa longa e silenciosa meditação no alto da Pedra da Gávea. Ali, o que poderia desejar Pedro não desejando, querer não querendo, dissolveu-se em Brasil. Abjurando as tralhas passadistas, transportando à aventura democrática do Novo Mundo a mais man-sueta estirpe da empresa viçosa. À sintética esfinge do haiku de Bashô, cujo ritmo alinhado

Page 16: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

232

preenchia a ladainha da concentração, uniu-se outro texto, fresco na memória e complementar em sua pedagogia. Tratava-se de um de nossos diletos ensaios de Emerson, lon-gamente discutido nos intervalos semanais do Conselho. Tanto dis-cutimos, e tão pontuais eram nossas preferências por substitutos aos nomes de Emerson, que propusemo-nos, numa tarde de domingo, o desafio de verter o original ao português e comparar os resultados. Busco em meus cadernos as traduções. Exibo um trecho do exercício em que nossas orientações tomam leves mas importantes liberdades com a redação original. A seguir, o excerto do bardo e pastor Emerson e as duas versões diletantes, ambas talvez cogitadas e misturadas por Pedro àquela altura da manhã no alto da cidade:

The heroic cannot be the common, nor the common the heroic. Yet we have the weakness to expect the sympathy of people in those actions whose excel-lence is that they outrun sympathy and appeal to a tardy justice. If you would serve your brother, because it is fit for you to serve him, do not take back your words when you find that prudent people do not commend you. Adhere to your own act, and congratulate yourself if you have done something strange and extravagant and broken the monotony of a decorous age. It was a high counsel that I once heard given to a young person — ‘Always do what you are afraid to do.’

Em minha versão,

O heroico não pode ser o vulgar, nem o vulgar o heroico. Pesará contudo a fraqueza se esperarmos assentimento aos atos cuja excelência está em des-prezar a recepção simpática se a justiça alcançada é fim maior. Se cá viemos servir nossos irmãos, não refuguemos diante da desconfiança incauta e vul-

Page 17: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

233

gar. Persistir, altivo mesmo na excentricidade, e na contrariedade dos decoros tacanhos. Difícil conse-lho a um jovem, dizer, Fazeis sempre o que temeis.

Na versão do Príncipe,

O heroico não é barato, e nada barato será heroico. Tenta-nos, outrossim, a oferta da guirlanda, quan-do melhor é desprezar a guirlanda se ela obstrui a honradez atemporal e comum. O dever é servir fraternalmente, sem preferência ou distinção, nem recato quando nos renega e desafia o estatuto. Per-sistir, propositado, ainda que se contrarie o confor-to vulgar. Dissuadir o filho de uma vida obtusa não será, jamais, escudá-lo da boa aventura.

9 Terra tanto tempo embaixo d’água é a terra carioca, lento despertar de um dilúvio postergado, contido, caprichosamente re-cuado, tornando ilhotas grandes montes fragilizados, arredondados sobre os pântanos de decomposição por onde aflorassem desmedi-das cores, tamanhos de verdes e ouros, lilases e arranques de crista-linos brancos, púrpuras, ocres, turquesas, flastros e laranjas. Pedro entende, sentinela altíssima, que o manto marinho cobrir por tanto tempo a capital daquele império, enquanto em outras bandas do planeta civilizações já nasciam, colhiam e codificavam, foi esmero e poeira de um sagrado ritmo, vicinal ao milagre da cooperação que Deus empenha junto às crias. Brota mais bela essa costa porque mais tempo restou submersa, pensa. O litoral brasileira nasce tarde no mundo, e a ele descem, da Amazônia, nossos tupis 300 anos antes de Cabral. Cá estou, 300 anos depois, comissionado pela nova ocupação, heteróclita e viçosa,

Page 18: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

234

na mesma ou quase mesma medida a fim de origem e história, renas-cimento e tradição. Quem sabe não nos reserva, o destino cá no Brasil, uma nova identidade para o homem, para a fé, e sobretudo para a política, especula. A vida moderna estar na ordem do dia numa Europa arrui-nada reverbera, nesta manhã de nove de janeiro, no penso da gente brasileira, cansada de não ser, não ter, não poder dizer. Dizer regra e direito, dizer trabalho e ganho, dizer escola, comércio e futuro, nos modos e jeitos crescidos e criados em terra nova, quimicamente nova, literalmente nova, pois que a Europa já teorizava o romance enquanto cá Nóbrega e Anchieta premiam no chão os indícios das estrelas, terra portanto digna de novidades, competente para as ver-dadeiras novidades, primas de sua beleza e abundância, sabores e cores, climas amigos e águas que tudo tocam. Num rasante em sua cabeça aérea e prenhe, cinco espéci-mes graúdas de verdosas maritacas quase atacam, mas arremetem e parecem até rir, em vítrea cacofonia lentamente harmonizada, dan-çando exibição moleca aos olhos crédulos e críveis do Regente. Ao debandar as aves formam, militares, a exata proporção do Cruzeiro do Sul. Dissolvem-na descendendo ao mar, esgarçando. Conquanto descesse Pedro a pedra a galgar nova, invista tri-lha, ter-se-á perdido o homem. Ou se fez perder? Assoviasse à égua branca, carmim e negra de nome Itaúna era o mesmo que chamar as folhas secas para um simpósio no Rossio, e delas não se ouvia um pio ou farfalhar. Só, estimulado pela entrante da resolução, queria o príncipe voltar e penetrar a Quinta, anunciar sua decisão. Subsumiam-lhe esposa e filha, e ele à imagem na família. Mais querer era entretanto menos saber naquele entorno de verdes precípites e sombras graúdas, umidade e solidão inumerada, irmanada apenas aos espíritos apaziguados e à res orgânica amaina-dos, aninhados, filiados. Custa recobrar sem cerimônias ou escusas o dia em que Pe-dro a mim narrou, e a mais ninguém, as verdades parciais sobre a porção fantástica do caso que seguiu. Discreto, não soube este

Page 19: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

235

repórter objetiva e responsavelmente impelir sua fonte a um exame de minúcia verificadora. Amigo, não soube por outro lado descrê-lo, nem rir-lhe, ou tampouco escarnecer-me. Se o que a que meteu-se Pedro, na psicogênese excêntrica e antípoda a todas as razões e mesmo às mais selvagens lendas e crendices, ao ponto de chegarmos ao relato a seguir, símbolo e grau segundo do Dia do Fico, guarda bocado de pura invenção, já será demais querer saber ou especular. Fiquemos mormente fixos à crua sequência dos fatos narra-dos, generosos ao fundo mensageiro das hipérboles, e observadores da tensão super-humana de um príncipe europeu na Terra Incógni-ta, da noite para o dia fundador e motivador de uma democracia pretensamente moderna e concertada, íntegra e partícipe do grande jogo das nações. Com a palavra, Pedro.

j

Temi, nas horas tenras da perdição, voltar não mais aos braços do sossego e até da vida. Ânimo abaulado, sofrido peso, e vidas mui pequenas focinhando entrâncias. Era meu corpo e dele eu não mais que vítima da vil, trevosa entranha da floresta. Ousava medrar, da infância, minutos, salmos, breviários de salvação. Conjurava cantigas, brincadeiras e pegas das aldeias lusitanas e brasileiras, definhada e trêmula voz esquecida de uns rosários. Num instante eu era bravo, enflorado e firme. Noutro ia cedendo... De alento, valor e faculdade desertado. Um tronco fez-se áspide, enovelada em morcego e este em jaguar. Ferocidade junta, abeirada morte. Minúscula frecha asseverava um seu calor no verso da testa, a febre acontecia. Musgo e verme, ente placentário num rito de lobos, banda fraca do delírio e a vastidão do-rida e escura. A fera, malfadado instante, suspensão do todo e também do sequer. Beira alheada de uma queda. Plano incongruente a outros, e a quaisquer. Curvatura sem passado distendido, sem traço tangencial e sem reflexo. A caridade ímpia do rogo reverso, boca adentro e indi-gesta. Não se está sequer sozinho. Passos históricos, adivinhados numa larga hesitação e a trompa da nave encoberta pela turba de almas

Page 20: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

236

frias, transitórias, esquecíveis, mentirosas, cruas, perecíveis, fabrica-das, mínimas, máximas e longínquas. Produto e usura num só ébrio e indistinto toque artesanal da loucura, arrastada antecipação da tez despida e nuns escuros de pavor ensolarada. Leve qual doméstico cão, e amestrado ao assassínio, o jaguar confundido às trocas de ar entre me-mória e vácuo, febre e mira, anti-oásis e caprichos dissonantes. A mão, antípoda e motivo do braço, e nela o mistério simples da face da pele e seu anverso, guardador de rezas, pretensões e catecismos. Montanhas cariocas atiradas ao mesmo mar de Maldoror e Adamastor, casa de Pedro, jangadas deslizando no pendor dialogal das ondas. Cego e ileso, desdobrado e imune, o morcego fiel da noite e ferreiro do invisível es-tampa o parto mercurial da revolução, empurra-empurra e cataclismo cartilhado, impuro como um vinho vivo, justo e decantado, voo de foice que apara restos esquecidos de uns bigodes temperados nas mais cruas orfandades. Os dedos, filhotes e orgulho da distinta mão da família, simulacro da vida transportada dos astros, tanto quanto dos meios e processos deste encontro, pois que pensam, fantasiam, desenham e fabricam o camafeu oracular dos telescópios. Parturiente da fome, re-gente do apocalipse dos excessos, aviária dos progressos fúnebres e ca-muflados, áspide taróloga das distrações e consumadora das demoras. Candente vertedora das bacias, evocadora das submersões e delas filha e ousada joia. Fecundada e exsudando os cascos da revolta, um corpo é ser transpirador e sedativo das auroras. Não morre nem avança, mas semeia o cúmulo e o aleph dos métodos. Afasia de sopros, ciclos dis-formes do areal ereto em cripta e homúnculo. Terramoto atamancado em queda, a escada perplexa trepida no gélido, ávido carmim, desastre interrompido na ponte raiz da vida, nobre flanco arturial, procurador da luz e auferes dos ventos e das máculas, das hóstias e presunções de íons, silícios e carbonos condutores da branda e tensa peste. Arremeti-do na estiagem do furor ambíguo de uma genitiva descrença, o corpo cede, faz-se joelhos, busca no flanco rigorista das seivas a alma penada do candor material e uno. A mínima parte de um sexo, mucosa e ma-deira incontidas na água maior, e todos os sinais desferem beijos de renúncia ou passagem.

Page 21: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

237

10 Se a Aclamação de d. Pedro, a doze de outubro, é o terceiro estágio da emancipação brasileira em 1822, ganhando a nação nova bandeira e brasão de armas, a data coincide com o também terceiro estágio da formação do Regente, seu atuar executivo. Nesta manhã, no palácio do conde dos Arcos, Campo de San-tana, com Leopoldina a Real Princesa e Maria da Glória a filha e futura rainha de Portugal, a família soberana acolhida não pela in-vocação do direito divino, mas por escolha popular, ouviu 101 salves da artilharia. Na boca das gentes corria reticular esperança perante a transformação política, com ênfase na assunção constitucional e lu-tadora, nova e alegre, de uma terra renascida. A festa atravessou seis dias em que às portas e janelas do Rio de Janeiro lenços brancos balançavam em perempto agito, símbolo pacífico de fé renovada. Levaríamos, nós os brasileiros, quase um ano para garantir a expulsão ou liquidação das tropas portuguesas, mas o país seria nosso e nosso enfim. Marca a inflexão petrina ao terceiro estágio, o atuar exe-cutivo inaugurado na Aclamação, sua primeira investida litigiosa e militar contra o país natal. D. Pedro I faz guerra contra Portugal em solo brasileiro, e devemos ponderar serenamente a coragem e a vívida demonstração de propósito e firmeza resoluta que o gesto bélico, naquela altura, sugere. Corria o risco d. Pedro de nunca mais retornar a seu berço pátrio. Um maior e mais delicado risco, no entanto, chamava a aten-ção e a todos nos colocava em ativa vigília — fazer da guerra pela Independência uma guerra não só a Portugal, mas contra a Inglater-ra, a Espanha, a França e toda a Europa. Desta, não sairíamos em boa forma.

Page 22: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

238

Eis que na Europa iam conturbados e revolucionários os tem-pos. E apenas por isso, pela contingencial sismopolítica napoleônica a reverberar e claudicar velhas certezas absolutistas no continente central, pudemos nos salvar. A exemplo dos irmãos do norte, re-clamamos e conquistamos personalidade nacional autônoma e voz própria.

j

Corria passado o sol do meio dia do nove de janeiro, súbito enegrecido num céu de eclipse surpreendente. Torrenciais, saias tos-cas de chuva varriam de viés a capadócia carioca, reenchiam as pis-cinas esquecidas do pretérito dilúvio. Vivia-se no meio aquoso baixo a salva percussionista entre águas em queda e vegetação solerte, exagerada e brilhante. Despido, sem remissão de sua égua cor de areia apelidada Itapecuim, o vigésimo oitavo rei de Portugal e Defensor Perpétuo do Brasil marchou à prussiana, picando com os punhos a mata cerrada da floresta da Tijuca. Corria-lhe, por sortilégio etéreo, o sangue ancestral tamoio e quilombola, e Pedro a um tempo perseguia a margem de um rio onde fruir da igara de pau só; visava distantes as palmeiras do quilombo redentor brasileiro, constituição clandestina e rediviva das garras e presas de usura e exploração, indignas correntes do Velho Mundo. Dias depois no Conselho, o governante de 24 anos hesitava quando perguntado sobre o abrigo que teria ao acaso encontrado, sorte de lapa sacral a encobrir aquífera nascente numa entrância do morro, nunca mais avistada por homem nenhum. Mas sabe-se, por ter confidenciado à esposa, que ali Pedro ajoelhou-se e orou, baixo a tempestade que não distinguia da finda terra começo de mar, e de terra e mar o céu, tudo tornando um só oceano de história e resistência, transformação e sobrevivência, na, com, e pela elevação de um homem, a par de sua vontade. Sabe-se também, graças a que a esposa fez deslizar às cama-reiras, que após a oração dedicada à filha Maria da Glória, o príncipe

Page 23: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

239

viu cingirem o céu enegrecido linhas de prata, princípio de um sin-gelo, fugaz e idílico esgarçamento atmosférico por onde correriam os primeiros banhos de saúde solar. Alguns poucos feixes, por capricho do desígnio a coroar a entrada da lapinha, fletindo no chão de areia e brita e nas paredes de ágata a iluminação que aos crentes sói aclamar-se divinal e pura. Sucessivas excursões posteriores ao sítio descrito furtaram--se por corroborar o testemunho. Mas sabemos: Pedro despiu-se de fio a pavio, e esticou o traje rude que o disfarçava de reles forastei-ro a fim de secá-lo naquela nesga de sol. Ao pentear com os dedos rutilante, encharcada melena, flexionou o tronco para distender os músculos lombares. Pondo-se face a face com as paredes da gruta, testemunhou, lado a lado, as imagens de Nossa Senhora da Concei-ção e Nossa Senhora Aparecida, aquela um tanto embotada, olhos semicerrados e mais corpulenta, esta em cores mais vivas, semblante vigilante e compleição enxuta. As duas naves-mães vigiaram a jangada de pedra do homem que destravou a colônia brasileira e confrontou a Europa, consti-tuindo o Brasil para logo retornar ao nascedouro e retirar Portugal das mãos de um miguelismo deficitário. Homem que cedo fez tanto, e que por força de sua temperança singular cultivou sob um mesmo teto duas amantes, cedendo de forma que muitos não souberam per-doar à indiscrição dum pendor iníquo e paradoxal por simetria.

11 O terceiro estágio do Dia do Fico inicia-se na visão miraculo-sa das duas Senhoras e termina na Câmara do Rio de Janeiro, Praça do Rossio, onde Pedro comunica aos deputados a resolução. Não haveria festa tamanha como a do futuro doze de outu-bro, mas nos corações dos brasileiros cá chegados de tantas e tão distintas partes do mundo, conformava-se esperança radical de re-sistência e nome próprio.

Page 24: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

240

No Manifesto da Independência, lemos

marchando por esta estrada, ver-me-eis sempre à vossa frente, e no lugar do maior perigo. A minha felicidade (convencei-vos) existe na vossa felicida-de: é minha glória reger um povo brioso e livre. Dai-me o exemplo das vossas virtudes e da vossa união. Serei digno de vós.

Se, como tanto acreditou Leopoldina, o desígnio dos homens e de seus projetos são desde sua gênese marcados pela proteção significante das constelações, podemos os cidadão mais céticos ou simplesmente ignorantes das tecnicidades astrológicas crer no ba-tismo que lavram as palavras destes mesmos homens em seus mais importantes documentos. Nascer o Brasil com tão cristalinamente apostólica entrega de um Chefe de Estado, se não significar a constância da virtude no poder, que sirva de âncora onde mirarmo-nos e regressarmos sempre que a crise e a decadência conspurcarem, do projeto nacional, sua ingênua esperança.

12 Imaginar a evolução do juscontratualismo, o qual sequer chegamos a levar à boa operação, sendo franca obra em meio do caminho, demandará que retornemos ao início da organização da convivência, quando as diferenças culturais quiçá implicassem in-transigências de ‘razões’. Assim o Direito avança, animal complexo, cavalgando na floresta rumo à ideia de uma perfeição pressentida, divinal justiça natural, tributária da experiência religiosa e da comunhão familiar entre os entes e coisas da terra. Ocorre entretanto o choque das civilizações, tempestade em

Page 25: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

241

que perde-se a cavalgadura fácil e mesmo os sinais da trilha de che-gança. O sol eclipsado o céu complica. Mister debruçar com cuidado, maturar à luz artificial e construída da Razão contra a segregação, a desconfiança, o abuso, a servidão, a vingança e o crime. De modo temporário mas inevitável para a sobrevivência dos convívios, instalamos o organismo social na gruta contratualista. Erguemos, em proporções presunçosas como num mapa em escala de um para um a encobrir a natureza inteira, uma outra, se-gunda e construída natureza. Esta segunda natureza acabaria por nos afastar do saber profundo do habitat para aproximar-nos e res-guardar-nos na inteligência artificial da referenciação. De tal sorte, trocamos o saber profundo e ecológico por este nomear ansioso e dinâmico, sempre melhorável porque equívoco, e usurpador incan-sável de nossa atenção e intelecto. Na realidade construída da economia semântica, a inteligên-cia artificial predispõe as relações não mais baixo a convenção amo-rosa da religião, pois que o tempo fechara ensombreado por espadas e banhado a sangue. Resta em seu lugar a planificação explicativa e exclusivista das leis escritas e comuns, dos códigos e das consti-tuições, dos contratos e dos cartórios, dos devidos processos legais e dos meandros lavrados nas tribunas competentes e reconhecidas, júris e parlatórios oficiais. Tal morada, ora em franca construção, clama por leveza pragmática, mas também por clareza de propósitos. Seu fim é redu-zir, a um mínimo de conteúdo, o maior campo possível de ordena-ção comum e estimulante. Estimulante para darmos continuidade ao projeto das democracias nacionais com qualidade de vida e inclusão. Um Direito estimulante, indo além da inclinação mosaica do temor e da rigidez romana da submissão, dando passo desde as for-mas de obediência e homogeneização na direção de novas formas de felicidade e autorrealização num mundo prenhe de plurais. Despertar nos homens livres e emancipados seu milagre es-pecífico, a invenção original nas produções de trabalho e vida, por convergência dos milagres individuais em milagres sociais, eis o fim e o ferramental do Direito em construção.

Page 26: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

242

Imagina-se pois a terceira etapa do florescimento jurisdicio-nal como um equilíbrio em que a fixação aos nomes cede, como numa volta elíptica à vizinhança evoluída do primeiro estágio, ao fiar silencioso do saber radical e mais profundo. Porque sentiríamos, todos da terra, seres de uma só família e morada, as mesmas belas, fáceis e universais restrições estimulantes, onde quer que andássemos e nos venturássemos. Um Direito sem pátria portanto, sem especificidade, sem ex-ceções e quase pétreo, pois que antes fluido, concordado menos aos detalhes contemporâneos das faltas e mais à generalidade atemporal de uma orientação da vida pressentida, decerto religiosa, mas fácil de ouvir, apreender e praticar, pois que aliada sem preferência à téc-nica, às redes, à ciência e à poesia. Que o Brasil, 600 anos depois do êxodo tupi à baía de Gua-nabara, não careça de outros 600 para dar o exemplo do que é capaz a gente feita e a fazer numa terra universal, país do mundo inteiro, sertão cósmico, praia internacional.

Page 27: O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDOtourobengala.com/wp-content/uploads/2018/12/CNB-217-243.pdf · 217 ººº ººº O DIA DO FICO SEGUNDO GONÇALVES LEDO ººº ººº 1 Conservou-se

243

Quatro eventos, três estágios

( tabela resumida (

Para auxiliar a visualização do todo, ou de como se avizi-nham, concomitantes não no tempo mas em suas essências motívicas e possibilidades poético-filosóficas de descrição, os três episódios cá esboçados em jornalística urgência, ofe-reço ao leitor a tabela a seguir. Em corte horizontal, temos no primeiro estágio a fundação íntima, no segundo a labuta incerta e arriscada, no terceiro a mão na massa e a entrega do produto necessário. Em corte vertical, o Dia do Fico é o caminho individual da jornada, seguido pela jornada do Sujeito, pelo arco da emancipação Nacional, e refletidos, todos, na evolução do Direito, objeto-convivência e sentido da vida.