O DIREITO À MORADIA E A INCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL · moradia, muitos por meio do Programa Minha...

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BALCÃO DE REDAÇÃO TEMA 7 – 2020 | Entregar até 17 de setembro ENSINO MÉDIO SÉRIE www.poliedroeducacao.com.br 1 a ORIENTAÇÕES PARA O ALUNO A coletânea a seguir aborda um problema de longa data no Brasil: a falta de moradia – que é um direito assegurado pela Constituição – em razão da desigualdade social. Os textos também apontam para o descaso dos governantes e da sociedade frente a essa situação, o que torna as pessoas sem moradia invisíveis , ou seja, sem valor social. Desse modo, mais do que um direito funda- mental para a sobrevivência e o bem-estar, a moradia é importante para a afirmação da existência, da identidade e da autonomia dos indivíduos e para o real pertencimento à sociedade. Leia os textos a seguir e relacione-os aos seus conhecimentos pré- vios sobre essa realidade brasileira para realizar a atividade proposta. TEXTO 1 Disponível em: <www.vestibulandoweb.com.br/educacao/enem/simulado- enem-tirinhas-charges/>. Acesso em: 7 ago. 2020. TEXTO 2 Moradia é a base central para reinserção do morador de ruaPesquisador Luiz Kohara estudou o assunto em sua tese de doutorado, pela Universidade Federal do ABC, em São Paulo Há 40 anos atuando com moradores de rua, o pesquisador Luiz Kohara não tem dúvidas: o acesso à moradia é, mais do que qual- quer outra ação, a base central para pavimentar a autonomia e a reinserção dessa população. Ele estudou o assunto em sua tese de doutorado, pela Universidade Federal do ABC, em São Paulo. Jornal do Commercio – Quais as principais conclusões da sua pesquisa? Luiz Kohara – Eu trabalho com população de rua em São Paulo há 40 anos. No ano passado, fiz uma pesquisa para avaliar o impacto na vida das pessoas que estavam em situação de rua e acessaram a moradia, muitos por meio do Programa Minha Casa Minha Vida. En- trevistamos 52 pessoas em quatro capitais: São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza. A moradia é a base central da inserção social. É muito difícil você ter reinserção se você não tiver direito à moradia. O DIREITO À MORADIA E A INCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL Não significa, necessariamente, entregar a chave à pessoa, ter que financiar uma moradia. Mas no sentido de dar uma autonomia, um aluguel social, ter um acompanhamento, para que, em um primeiro momento, ela possa ir construindo um processo de estabilização. JC – Já existe esse entendimento por parte dos gestores? Kohara – Infelizmente, não. A pesquisa evidenciou que o reco- nhecimento e a efetivação da população em situação de rua como demanda prioritária dos programas habitacionais ainda não exis- tem. É inexpressivo o número de acessos à moradia por meio de pro- gramas públicos. Ainda falta essa visão aos gestores. São políticas fragmentadas. A experiência internacional mostra que é mais barato e dá mais resultado se você, primeiro, dá acesso à moradia e, de- pois, vai construindo os demais acessos, como ao trabalho. Porque você estabiliza. Sem a moradia, fica tudo mais difícil. JC – Que impactos diretos o acesso à moradia provoca nesse segmento da população? Kohara – A moradia é vista como proteção ao corpo. Tem toda a questão da identidade, poder ter um endereço, ter acesso a servi- ços públicos. Todos as pessoas que eu entrevistei puderam recons- truir e retomar a vida familiar. Do total, 38% conseguiu emprego formal e 35%, trabalho informal. Só 10% dependia de ajuda. Então, é uma mudança muito grande, em termos de trabalho. Muitos nunca tinham tido um emprego com carteira registrada. [...] CARVALHO, Ciara. “‘Moradia é a base central para reinserção do morador de rua’”. Jornal do Commercio, 14 abr. 2019. Disponível em: <https:// jc.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2019/04/14/moradia-e- a-base-central-para-reinsercao-do-morador-de-rua-376239.php>. Acesso em: 7 ago. 2020. TEXTO 3 Carmen Silva: pertencer, não possuir Para Carmen Silva, líder do Movimento dos Sem-Teto do Centro, em São Paulo, moradia é o lugar em que criamos hábitos – mas, para haver um lar, é preciso dignidade e pertencimento Carmen Silva, 59 anos. Mulher preta e nordestina. A abertura do pequeno perfil biográfico enviado por sua assessoria é como um endereço para a principal liderança do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC). [...] Depois de viver um tempo na rua, dormindo em albergues, Carmen encontraria o seu lugar no mundo ao se deixar levar a uma reunião de um dos mutirões que organizavam o movimento por moradia na época. Viu que não estava sozinha e que tinha gente muito mais arrebentadaque ela na incompreensão do que era perto e do que era longe – não só de onde houvesse trabalho, mas também dignidade. [...] 2

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BALCÃO DE

REDAÇÃOTEMA 7 – 2020 | Entregar até 17 de setembro ENSINO MÉDIO

SÉRIE

www.poliedroeducacao.com.br 1

a

ORIENTAÇÕES PARA O ALUNO

A coletânea a seguir aborda um problema de longa data

no Brasil: a falta de moradia – que é um direito assegurado pela

Constituição – em razão da desigualdade social. Os textos também

apontam para o descaso dos governantes e da sociedade frente a

essa situação, o que torna as pessoas sem moradia “invisíveis ”, ou

seja, sem valor social. Desse modo, mais do que um direito funda-

mental para a sobrevivência e o bem-estar, a moradia é importante

para a afirmação da existência, da identidade e da autonomia dos

indivíduos e para o real pertencimento à sociedade.

Leia os textos a seguir e relacione-os aos seus conhecimentos pré-

vios sobre essa realidade brasileira para realizar a atividade proposta.

TEXTO 1

Disponível em: <www.vestibulandoweb.com.br/educacao/enem/simulado-

enem-tirinhas-charges/>. Acesso em: 7 ago. 2020.

TEXTO 2

“Moradia é a base central para reinserção

do morador de rua”Pesquisador Luiz Kohara estudou o assunto

em sua tese de doutorado, pela

Universidade Federal do ABC, em São Paulo

Há 40 anos atuando com moradores de rua, o pesquisador Luiz

Kohara não tem dúvidas: o acesso à moradia é, mais do que qual-

quer outra ação, a base central para pavimentar a autonomia e a

reinserção dessa população. Ele estudou o assunto em sua tese de

doutorado, pela Universidade Federal do ABC, em São Paulo.

Jornal do Commercio – Quais as principais conclusões da sua

pesquisa?

Luiz Kohara – Eu trabalho com população de rua em São Paulo

há 40 anos. No ano passado, fiz uma pesquisa para avaliar o impacto

na vida das pessoas que estavam em situação de rua e acessaram a

moradia, muitos por meio do Programa Minha Casa Minha Vida. En-

trevistamos 52 pessoas em quatro capitais: São Paulo, Belo Horizonte,

Salvador e Fortaleza. A moradia é a base central da inserção social.

É muito difícil você ter reinserção se você não tiver direito à moradia.

O DIREITO À MORADIA E A INCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL

Não significa, necessariamente, entregar a chave à pessoa, ter que

financiar uma moradia. Mas no sentido de dar uma autonomia, um

aluguel social, ter um acompanhamento, para que, em um primeiro

momento, ela possa ir construindo um processo de estabilização.

JC – Já existe esse entendimento por parte dos gestores?

Kohara – Infelizmente, não. A pesquisa evidenciou que o reco-

nhecimento e a efetivação da população em situação de rua como

demanda prioritária dos programas habitacionais ainda não exis-

tem. É inexpressivo o número de acessos à moradia por meio de pro-

gramas públicos. Ainda falta essa visão aos gestores. São políticas

fragmentadas. A experiência internacional mostra que é mais barato

e dá mais resultado se você, primeiro, dá acesso à moradia e, de-

pois, vai construindo os demais acessos, como ao trabalho. Porque

você estabiliza. Sem a moradia, fica tudo mais difícil.

JC – Que impactos diretos o acesso à moradia provoca nesse

segmento da população?

Kohara – A moradia é vista como proteção ao corpo. Tem toda

a questão da identidade, poder ter um endereço, ter acesso a servi-

ços públicos. Todos as pessoas que eu entrevistei puderam recons-

truir e retomar a vida familiar. Do total, 38% conseguiu emprego

formal e 35%, trabalho informal. Só 10% dependia de ajuda. Então,

é uma mudança muito grande, em termos de trabalho. Muitos nunca

tinham tido um emprego com carteira registrada. [...]

CARVALHO, Ciara. “‘Moradia é a base central para reinserção do morador

de rua’”. Jornal do Commercio, 14 abr. 2019. Disponível em: <https://

jc.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2019/04/14/moradia-e-

a-base-central-para-reinsercao-do-morador-de-rua-376239.php>.

Acesso em: 7 ago. 2020.

TEXTO 3

Carmen Silva: pertencer, não possuir

Para Carmen Silva, líder do Movimento dos Sem-Teto

do Centro, em São Paulo, moradia é o lugar em que

criamos hábitos – mas, para haver um lar, é preciso

dignidade e pertencimento

“Carmen Silva, 59 anos. Mulher preta e nordestina”. A abertura

do pequeno perfil biográfico enviado por sua assessoria é como um

endereço para a principal liderança do Movimento dos Sem-Teto do

Centro (MSTC). [...]

Depois de viver um tempo na rua, dormindo em albergues, Carmen

encontraria o seu lugar no mundo ao se deixar levar a uma reunião de

um dos mutirões que organizavam o movimento por moradia na época.

Viu que não estava sozinha e que tinha gente “muito mais arrebentada”

que ela na incompreensão do que era perto e do que era longe – não

só de onde houvesse trabalho, mas também dignidade. [...]

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BALCÃO DE REDAÇÃO

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Gama – Pode haver certa ingenuidade na pergunta, mas como

você entende a ideia de lar? Pode existir um lar sem uma casa para

chamar de sua?

Carmen Silva – Pode sim. Lar é um conceito. Veja bem, a pes-

soa está na rua e você vê que ela começa a criar hábitos, a lavar

aquele pedaço da calçada, muitos têm seu plástico, seu papelão,

seu cobertor, às vezes uma barraca, então aquilo é o lar. Mesmo

nos baixos dos viadutos, ela procura ter o seu cachorro, os objetos

normais de uma casa, um fogão, uma panela. Eu costumo dizer que

não tem coisa mais eficaz para a dignidade de um ser humano do

que poder um dia levantar e fritar um ovo. Uma coisa tão simples

e tão ótima para o ser humano. Então, você vê que é adaptação

até mesmo para quem vive na rua. Agora, na perspectiva de um lar

seguro, de fato são quatro paredes que a pessoa pode dizer “isso é

meu”. É óbvio que precisa ter segurança. [...]

G – Você gosta de São Paulo? Foi bem acolhida pela cidade?

Carmen – Eu gosto. Costumo dizer que sou uma cidadã paulista-

na de origem baiana. São Paulo me trouxe a visão de que eu estando

aqui ou eu estando em Salvador, a falta de política pública é a mes-

ma. Só passei a me sentir em casa quando conheci a possibilidade

de lutar por direitos. Mas não foi fácil quando eu cheguei, me sentia

uma refugiada em meu próprio país. A cidade me deu oportunidade

de conhecer o coletivo e de me aprofundar no fato de que nós, brasi-

leiros, necessitamos entender as políticas públicas, entender, acima de

tudo, que o direito não é assistencialista, é o direito de conquista. [...]

G – Como explicar ao leitor a diferença entre invadir e ocupar?

Carmen – Quando a gente ocupa um prédio, ele está totalmen-

te vazio, sem nenhuma função social, muitas vezes carregado de

lixo, abandonado, deteriorado. Seria uma invasão se eu chegasse

com as famílias em qualquer espaço com pessoas trabalhando ou

morando nele e a gente entrasse dizendo “agora sou eu quem vai

ocupar”. Aí está errado, aí é uma invasão. [...]

G – Sobre a questão da beleza da moradia, como é para fazer

esse sentimento emergir em uma comunidade em que as pessoas che-

gam em tamanha dificuldade? É mais difícil? Isso tem importância?

Carmen – Isso é difícil e é importante sim, porque, além de a

gente estar lidando com um fator social, que é a falta da moradia, tem

também a falta da pessoa; ela está totalmente arrebentada, sem em-

prego, chega sem nenhuma perspectiva, e a gente também tem que

fortalecer o interior da pessoa. A primeira providência que a gente

toma quando ocupa um prédio é caiar ele todo por dentro por duas

razões: primeiro porque o cal mata micróbios, segundo porque fica

tudo claro. Quando tudo está claro, as pessoas veem sua vida melho-

rando, porque entrar num local que o aspecto está escuro, está feio,

está sujo, só faz com que a sua autoestima decaia e a gente sempre

quer melhorar a autoestima das pessoas. [...]

COUTINHO, Tato. “Carmen Silva: pertencer, não possuir”. Gama,

19 jul. 2020. Disponível em: <https://gamarevista.com.br/semana/

ta-em-casa/carmen-silva-do-mstc-sp-fala-sobre-moradia-e-lar/?utm_

source=NexoNL&utm_>. Acesso em: 25 jul. 2020.

TEXTO 4

Disponível em: <www.nanihumor.com/2009/03/>.

Acesso em: 7 ago. 2020.

PROPOSTA DE REDAÇÃO

Com base na coletânea e em suas reflexões, redija uma dis-

sertação argumentativa sobre o tema O direito à moradia e a

inclusão social. Delimite um ponto de vista e procure sustentá-lo

por meio de argumentos consistentes e exemplos a eles conectados

de modo coeso e coerente. Lembre-se de que os textos de apoio

servem apenas para nortear suas ideias, portanto evite copiar ou

parafrasear trechos da coletânea. Respeite a norma-padrão da lín-

gua portuguesa, dê um título ao seu texto e escreva no mínimo 25

e no máximo 30 linhas.

Boa produção!

Professora Andressa Tiossi

Orientações para o professorA coletânea suscita reflexões sobre as consequências sociais da falta

de moradia no Brasil. No entanto, o assunto é amplo, portanto é co-

mum que os alunos apresentem dificuldade para delimitar um ponto

de vista. Se desejar, promova uma discussão com a turma sobre o

conceito de moradia digna, a relação da moradia com a ideia de

pertencimento e o papel da sociedade na inserção social das pessoas

sem moradia no país. Assim, espera-se que os alunos percebam que

não apenas os governantes, mas também a população em geral tem

participação relevante na resolução desse problema. Esse pode ser

um assunto distante da realidade dos estudantes, portanto, se neces-

sário, apresente a eles outras produções que abordem o tema. Uma

sugestão é o documentário À margem do concreto (2006), dirigido

por Evaldo Mocarzel, que mostra a vida dos sem-teto e os movimen-

tos de luta por moradia em São Paulo.