O Duque #14

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Ano II - abril - Nº 14 www.oduque.com.br O TAMANHO DO PROBLEMA #Sarau com conto de Marco Aurélio de Souza e poesia de iago Damião JE SUIS TRANS Vinicius Huggy nos alerta para uma realidade assustadora CAMINHOS FOTOGRÁFICOS Rafael Saes mostra Arles, uma homenagem francesa à Van Gohg OS BEATLES VÃO PRA FACULDADE Elton Telles vai conhecer temas de pesquisa que fogem do comum e mais pág 14 pág 10

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Jornal de Cultura do Paraná

Transcript of O Duque #14

1abril

Ano II - abril - Nº 14www.oduque.com.br

O TAMANHODO PROBLEMA

#Sarau com conto de Marco Aurélio de Souza e poesia de Th iago Damião

JE SUIS TRANSVinicius Huggy nos alerta para uma

realidade assustadora

CAMINHOS FOTOGRÁFICOS

Rafael Saes mostra Arles, uma homenagem francesa à Van Gohg

OS BEATLES VÃO PRA FACULDADE

Elton Telles vai conhecer temas de pesquisa que fogem do comum

e mais

pág 14

pág 10

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CONSELHO EDITORIALEdição nº 13 / Ano II

O jornal da cultura de Maringá e região18.427.739/0001-40

DIRETORMiguel Fernando

JORNALISMOGustavo Hermsdorff Mtb 9966

CHEFE DE REDAÇÃOLuana Bernardes

REVISORZé Flauzino

COLABORADORESVinicius Huggy - Give-me a Huggy (página 18)Donizeti Pugin - Filosofi a (página 19)Gilmar Leal Santos - Poesia (página 20) Ademir Demarchi - Literatura (página 21 e 22)Marco Aurélio Souza - #Sarau (página 23)Th iago Damião- #Sarau (página 23)

Departamento Comercial44 9959-8472

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As colocações expostas por convidados ou entrevistados é de responsabilidade exclusiva dos mesmos.

DESIGN EDITORIAL E REPORTAGENS

ARTISTA DO MÊS

FILIADO

Ricardo BaggeCapa e especial

Impressão: Editora CentralTiragem: 3.000 exemplares24 Páginas / Tablóide Americano

QUE SE FAZÉ CAMINHANDO

O CAMINHONós, espectadores, conseguimos imaginar,

quando muito, o trabalho que tiveram os artistas para a preparação de um espetáculo. Difi cilmente nos prendemos aos detalhes que fi zeram com que a apresentação fosse possível. Todo show, peça, fi lme, exposição requer não só que o artista tenha brilho nos olhos e fé na arte, como uma quantia de recursos materiais (seja pouco ou muito).

Do conforto dos sofás das nossas salas não vemos todos os técnicos envolvidos em qualquer produção, mas estes profi ssionais – além dos artistas – bem como seus equipamentos, precisam ser remunerados de alguma forma para que o exercício se torne de fato parte da vida de cada um. Para fazer isso possível, no entanto, há todo um processo que se inicia na Declaração de Direitos Civis e se desenrola no Brasil através de leis e programas de incentivo criados e conquistados à luz de muito esforço.

Com o objetivo de contextualizar de forma clara e ampla todos os passos dados até aqui, a equipe do jornal O Duque montou uma reportagem especial que parte do princípio de cultura como identidade, apresenta o caminho político desse assunto e depois apresenta as alternativas que existem – e como elas precisam ser trabalhadas paralelamente.

Finalizando o Especial, apresentamos o mais novo Programa de Incentivo estadual, o PROFICE, lançado no fi nal do ano passado. Operando como mecanismo de apoio via ICMS, o programa abre espaço para que um leque maior de empresas possam apoiar projetos de caráter regional, semeando assim novas alternativas culturais que podem ser aproveitadas futuramente em todo o Estado.

Quem aí já teve o prazer de provar uma legítima cerveja artesanal? Tendência em Maringá, o novo conceito de cerveja encontrou apaixonados que transformam o prazer em negócio e ganham destaque com isso. Para entender melhor o processo de feitura dessas cervejas, a repórter Paula Mariah foi conhecer produtores que dividiram seus segredos com os leitores do O Duque. Está na página 10.

Logo ao lado, Elton Telles precisou voltar para a faculdade para investigar alguns temas de pesquisa acadêmica que fogem do comum, como uma leitura da identidade latino-americana representada no seriado mexicano Chaves ou a análise da relação entre

arte e música dos álbuns do quarteto Os Beatles. E para quem ainda não teve a oportunidade de

visitar a França, o Jornal O Duque traz duas páginas com belíssimas imagens feitas pelo fotógrafo Rafael Saes, quando visitou Arles para conhecer o legado que o pintor holandês Van Gohg deixou na cidade. A matéria faz parte de uma série chamada Caminhos Fotográfi cos que fará parte do nosso editorial a partir dessa edição.

Na #Confraria dessa nossa edição, fomos conhecer a história de Th iago Teixeira, bailarino maringaense que ensaiou os primeiros passos por aqui e agora faz parte do balé mais famosos do mundo, o Bolshoi. Ainda no Confraria, você vai saber um pouquinho mais sobre um projeto que convida crianças e adultos a ler a céu aberto, o Piquenique da Leitura.

Para abrir o ano das nossas publicações, conversamos com bandas maringaenses para saber o que podemos esperar para 2015. Prepare-se para atualizar a playlist, porque o resultado foi uma matéria que com certeza vai colocar muita gente na expectativa.

Inaugurando a seção dos colunistas, Vinicius Huggy nos aproxima de uma realidade para a qual não podemos fechar os olhos: o Brasil lidera o ranking de violência homofóbica e também é um dos países que mais registra mortes de travestis e transexuais no mundo. Ainda como alerta, Donizeti Pugin escreve "Todo poder emana do povo" para relacionar Habermas aos manifestos promovidos pelos professores no início do ano.

Na coluna de poesia, Gilmar Leal Santos nos aquece o peito com uma das mais belas criações do poeta americano e. e. cummings. "[eu levo seu coração comigo (eu levo dentro]. Fazendo dupla na literatura, o escritor e ensaísta Ademir Demarchi resgata a história do primeiro livro de fi cção contra o golpe de 1964, que foi publicado em Curitiba. Vale a leitura e a pesquisa a respeito dessa importante obra.

Fechando nossa décima quarta edição, temos um #Sarau dividido entre Marco Aurélio de Souza, que nos traz um conto intrigante sobre uma mãe completamente desolada pelas escolhas do fi lho e Th iago Damião, com uma poesia fi na sobre o cotidiano.

Aproveite a leitura!

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Especial

SAIBA QUEO SEGREDO DAS ARTES É CORRIGIR A NATUREZAou "Das tentativas de explicar como é fundamental falar sobre política e burocracia para defender uma liberdade de manifestação artística"

Entendemos como cultural tudo aquilo que é socialmente aprendido e transmitido e que, através desse processo, interfere em nosso modo de pensar e agir, além de fortalecer a identidade de um povo e o desenvolvimento dos seus indivíduos. Como refl exos culturais, as manifestações artísticas, portanto, são um processo de cultivo e desenvolvimento mental, subjetivo e espiritual, que reforçam ou transformam costumes e tradições.

Como seres sociais, produtos da vida em comum e da apropriação da cultura, nos reconhecemos enquanto grupo por meio dessa identidade. Para o psicólogo e professor Vinicius Romagnolli, a discussão em torno do tema “identidade” é ainda mais relevante em nosso tempo, uma vez que a cultura ocidental rompeu com laços tradicionais que conferiam um sentimento de pertinência ao sujeito; uma certeza sobre o que se é. "A cultura enquanto

lugar de sustentação simbólica ampara os indivíduos. No entanto, o que vemos atualmente é que a crise de representações identitárias sobre 'quem somos' ou 'quais são os meus valores' trazem uma insegurança que difi culta a nossa confi ança em algo ou alguém", completa.

Partindo desse princípio, caro leitor, gostaria de te convidar a perceber: 1) como é importante para todos nós discutirmos as políticas culturais e seus passos, 2) a extrema necessidade de analisar como as formas de fi nanciamento de projetos culturais acabam infl uenciando o tipo de cultura que consumimos, positivamente ou negativamente e 3) como, mesmo exposto à criticas e sugestões, um programa estadual de fomento à cultura como o PROFICE, pode funcionar para a preservação e o desenvolvimento de projetos culturais que reforcem e incentivem as manifestações artísticas (e os próprios artistas) da nossa região.

Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabeleceu no artigo 22º que qualquer pessoa "tem o direito de realização dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade." Em 1982, na Conferência Mundial sobre Políticas Culturais no México é estabelecido que "a cultura em seu sentido mais amplo é considerada como o conjunto de traços distintivos espirituais, materiais, intelectuais e emocionais da sociedade ou um grupo social. " Ela inclui não apenas as artes e literatura, estilos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, sistemas de valores, tradições e crenças. Em 2001, a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural foi uma oportunidade para que os países reafi rmassem a sua convicção de que a proteção da diversidade cultural é a melhor garantia de paz para evitar confl itos entre culturas e civilizações. Em 2005, a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais reafi rma os princípios estabelecidos em declarações anteriores. A Declaração de Friburgo (1998) reitera essas fundações aprofundamento.

origemDireitos Culturais

VoltaireFilósofo e ensaísta francês, conhecido pela sua espirituosidade na defesa dos direitos civis, uma das principais contribuições da Revolução FrancesaSAIBA QUE

ARTES É CORRIGIR

Repórter

GustavoHermsdorff

5abril

Especial

da constituiçãoao planonacional

Com um longo caminho pela frente, a discussão sobre as formas de apoio à cultura nascem na Constituição e até hoje buscam validar o que lá está defi nido

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

Os Direitos Culturais, além de serem direitos humanos previstos expressamente na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), no Brasil foram garantidos pela Constituição Federal de 1988 devido sua relevância como fator de singularização de cada indivíduo. Acontece que, como uma carta de princípios, a Constituição apenas defi ne aquilo que deve ser alcançado, fi cando para as Leis e Projetos criados a responsabilidade de defi nir como isso vai ser alcançado.

Para entender esses passos é preciso voltar um pouco, mais precisamente em 15 de março de 1985, quando foi criado o Ministério da Cultura (MinC) que conhecemos – antes as atribuições faziam parte do Ministério de Educação e Cultural (MEC), que mantém a sigla até hoje. Às vésperas de uma abertura econômica nacional, que viria a se confi gurar a partir da década de 1990, a cultura se mostra um bom negócio, preparada para atender ao mercado e capaz de legitimar a cultura popular associada

ao desenvolvimento e a geração de trabalho e renda.Nesse contexto, foi instituído em dezembro de 1991,

a Lei Federal de Incentivo à Cultura, também conhecida como Lei Rouanet, por meio da qual empresas (pessoas jurídicas) e cidadãos (pessoas físicas) poderiam aplicar uma parte do Imposto de Renda em ações culturais. A partir desse momento, portanto, uma parte bem pequena dos impostos, que chegariam aos cofres públicos, poderia ser canalizada para projetos culturais e o valor seria abatido da declaração anual.

Apesar de, nos anos a seguir, a Lei se provar capaz de viabilizar inúmeros projetos culturais no país (só em 2014 foram destinados cerca de R$ 1,3 bilhão por meio dela), a centralização dos recursos no eixo Rio-São Paulo e a submissão da aprovação dos projetos ao empresariado se tornaram críticas cada vez mais presentes e contundentes, exigindo do Governo a criação de novas alternativas que respondessem à essas demandas.

Para a atriz, mestre em Políticas Públicas e ativista de longa data, Laura Chaves, apesar disso, a efetivação da Cultura como um direito do indivíduo garantido por Lei se deu somente em 2005, quando foi aprovada a Emenda Constitucional n.º 48, que coloca a Cultura no patamar de política pública. "Um ano depois, foi criado o Projeto de Lei que propunha a criação do Plano Nacional de Cultura, que comporia o Sistema Nacional de Cultura com o objetivo de aprimorar o debate sobre a política de Cultura do país. Com isto estamos ainda na implementação da política que irá ou não confi rmar o que propõe o Artigo 215", defende Laura.

Chegamos em 2015, portanto, com o trabalho de diversos movimentos paralelos buscando, cada qual à sua maneira, destacar a importância de se investir em arte e cultura para a manutenção de nossa identidade como grupo e indivíduos. Enquanto as discussões para democratização do acesso às verbas públicas através de um sistema nacional igualitário infl amam o país, o trabalho de conscientização e orientação aos empresários por uma melhor (e maior) destinação de verbas também sustenta o seu papel e a sua importância para o futuro.

Constituição Federal de 1988

coexistir é mais que necessárioAssim como em todas as áreas, a discussão sobre

participação do Estado versus Iniciativa Privada também rende bons questionamentos na Cultura. As divergências, que normalmente são de cunho político-ideológicas, funcionam como combustível para acelerar discussões cada vez mais profundas e criar projetos cada vez mais precisos, num processo de autoafi rmação da classe artística onde a soma sempre vai ser positiva.

Para o consultor e produtor cultural Valdir Grandini, é importante que cada um defenda sua linha, mas também é perfeitamente possível que ambas funcionem paralelamente. "Particularmente, defendo o repasse orçamentário direto, como é feito em Londrina, por meio do Promic [e em Maringá através do Prêmio

Aniceto Matti]. Mas pode funcionar de forma mista, sim. Em São Paulo funciona assim. Lá existem as duas modalidades, mas também falta um trabalho que interiorize as oportunidades.", completa.

Segundo o diretor executivo do Instituto Cultural Ingá (órgão que trabalha no apoio a produtores culturais junto ao empresariado) Miguel Fernando, o mais importante é perceber, na soma dos esforços, um objetivo comum. "Todos queremos que os artistas trabalhem de forma autônoma e se sustentem através da arte, oferecendo cada vez mais opções culturais para a comunidade. Como vamos conseguir chegar nisso é o que precisamos pensar. Nesse caso, com as condições que temos e o momento econômico que estamos passando, toda alternativa deve ser aplaudida".

Sobre as formas de fi nanciamento

quase 30 anos de

discussões

Aniceto Matti]. Mas pode funcionar de forma mista, sim. Em São Paulo funciona assim. Lá existem as duas modalidades, mas também falta um trabalho que

Segundo o diretor executivo do Instituto Cultural Ingá (órgão que trabalha no apoio a produtores culturais junto ao empresariado) Miguel Fernando, o mais importante é perceber, na soma dos esforços, um objetivo comum. "Todos queremos que os artistas trabalhem de forma autônoma e se sustentem através da arte, oferecendo cada vez mais opções culturais para a comunidade. Como vamos conseguir chegar nisso é o que precisamos pensar. Nesse caso, com as condições que temos e o momento econômico que estamos

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precisamos falar sobre QUEM BANCA

O exercício artístico é um ofício como qualquer outro – e como qualquer outro, precisa ser pago, incentivado e respeitado, totalmente, em suas particularidades. Defender a remuneração para aqueles que querem fazer da arte sua profissão é uma das formas mais sensatas e honestas que cada um de nós temos de defender o tipo de cultura que queremos em nossa cidade ou em nossa região.

Mas para isso, meu amigo, é preciso fazer sua parte e não torcer o nariz quando uma banda autoral cobra entrada para o seu show. Ou esperar que aquela peça entre no circuito gratuito para, enfim, ir prestigiar um amigo que participa. Você consegue imaginar o quanto está contribuindo quando compra um livro cuja impressão o escritor bancou do próprio bolso? Talvez essa tenha sido a única forma que ele encontrou para viabilizar sua obra.

O que pouca gente sabe, ou procura saber, é que discutir viabilização é fundamental para entendermos que tipo de arte estamos consumindo na nossa cidade. Quando pagamos ingresso para um artista independente estamos dando liberdade para que ele continue criando e evoluindo sem depender de compromisso com empresa ou canal de financiamento. Sem isso, ou sem essa certeza, é claro que as outras formas de financiamento acabam se tornando as opções mais seguras e eles adaptam sua arte aos critérios de aprovação de cada um.

Há outra parcela de artistas e ativistas que cobra a responsabilidade do Estado no papel de financiador, com base no que está definido no artigo 215 da Constituição Federal. Para eles, essa discussão sobre formas de viabilização nem seria necessária caso o Governo fosse capaz de articular o financiamento de uma forma democrática e descentralizada. Se essa alternativa já parece necessária para todo artista, ela é fundamental para aqueles que trabalham temáticas que não se alinham ao interesse das grandes empresas, aquelas que podem trabalhar com Leis de Incentivo.

Enquanto essa frente ativa se movimenta através de Grupos de Trabalho e Conselhos para exigir a implantação completa e irrestrita do Sistema Nacional de Cultura, a forma de financiamento mais representativa ainda é o mecenato, que já conta com um processo bem estruturado e a adesão cada vez maior da iniciativa privada. O grande problema, nesse caso, é descentralizar do eixo Rio-São Paulo o direcionamento dessas verbas, além de aumentar o número de empresas que podem participar das leis de incentivo (com atual mecânica, via Lei Rouanet, corresponde aproximadamente a 5% do total de empresas no país).

Por isso uma alternativa estadual de utilização do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços), que abre o leque de empresas para cerca de 70% e restringe a aplicação do montante recolhido em projetos estaduais, é um passo a ser levado em conta.

Para que um show, uma peça, um livro ou exposição aconteça, é preciso que o artista invista do próprio bolso ou busque uma forma de financiamento. Pensar sobre isso é fundamental para entender o tipo de cultura que está sendo feita na nossa região

Especial

Partindo de um exemplo clássico, a “Paixão de Cristo” realizada todo ano em Maringá, entenderemos como um evento cultural consegue oxigenar uma cadeia de profissionais que passam a acreditar no seu trabalho artístico. Na equipe de mais de 300 pessoas mistura-se atores, dubladores, figurinistas, cenógrafos, iluminadores, marceneiros e outros profissionais técnicos das mais diversas funções que têm a oportunidade de uma participação remunerada.

Além das pessoas envolvidas, cada material utilizado em cena é fornecido por uma empresa (normalmente da região), criando, também, uma demanda de materiais mais específicos para apresentações artísticas, eliminando a necessidade de improvisações.

Acontece que é preciso unir as duas pontas para que o fortalecimento da classe seja alcançado: ao mesmo

tempo em que se cria demanda por esses profissionais, é preciso também criar cursos ou treinamentos para capacitá-los. Para a produtora Rachel Coelho, perceber essa importância também dá espaço para o desenvolvimento de novos artistas. "A técnica também é arte. Tem a identidade, o talento de um cenógrafo, de um figurinista. Hoje é muito difícil pensar em nomes daqui da região para essas funções. Ou os atores e diretores mesmo se viram, ou temos que buscar de fora", acrescenta.

Uma das alternativas para esse gargalo vai ser o projeto Formação e Capacitação de Artistas (FOCA), ciclo de oficinas e palestras proposto por Rachel e recém-aprovado no Prêmio Aniceto Matti, que será realizado durante quatro finais de semana do mês de junho em Maringá.

toda TÉCNICA TAMBÉM É ARTEPrecisamos entender

Stolen Byrds, de Maringá, prepara o segundo álbum com investimento própio

"A Paixão de Cristo", do Grupo Lírius, é o maior evento da região realizado por meio de uma Lei de Renúncia Fiscal

Foto: Dri Maganha

Foto: Arquidiocese de Maringá

7abril

PROFICEPrograma

Estadual de Fomento e

Incentivo à Cultura

forma de financiamento virou destaque em são paulo

Não são todas empresas que podem optar pela renúncia fiscal via Lei Rouanet, isso porque o mecanismo restringe a participação àquelas que estão enquadradas no Lucro Real (uma das faixas de tributação que define a porcentagem que cada empresa deve pagar de imposto sobre o produto ou serviço). No Brasil, por volta de 5% das empresas estão nessa categoria, isto é, 5 em cada 100 empresas brasileiras podem apoiar projetos via Lei Rouanet.

É aí que fica a grande diferença. O PROFICE (Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura) é um canal de financiamento que utiliza outra forma de classificação para decidir se a empresa pode ou não participar: o ICMS. Através desse programa, portanto, toda empresa que recolhe esse tributo poderá destinar uma parte do valor para projetos que queira apoiar. Incidente em toda circulação de mercadoria e/ou serviço, o ICMS é recolhido por cerca de 70% das empresas do Estado, desde o microempreendedor até aquelas de grande porte, o que aumenta em quase 35 vezes o número de potenciais patrocinadores.

Dessa forma, produtores culturais que antes ficavam restritos a uma parcela mínima de patrocinadores, agora podem buscar apoio em empresas mais próximas, que representem um interesse regional. Ao mesmo tempo, essas empresas também passam a ter a opção de apoiar projetos executados na própria cidade, criando uma experiência positiva e dialogando diretamente com os moradores daquela região. O que é denominado

No Estado de São Paulo um programa de incentivo à cultura que utiliza o ICMS não é novidade. Criado em 2006, o ProAC (Programa de Ação Cultural do Governo) é hoje o principal mecanismo de fi nanciamento aberto à classe artística, com um orçamento de R$ 53 milhões previsto para 2015.

No período entre janeiro e outubro, proponentes podem enviar suas propostas de projetos com orçamento justifi cado, contrapartidas sociais e demais aspectos a serem adequados ao formato requerido pelo ProAC. Semanalmente, acontecem reuniões da Comissão de Avaliação de Projetos (CAP), que avalia se os projetos serão ou não aprovados. Os aprovados são divulgados no Diário Ofi cial do Estado e, a partir desse momento, o processo de captação de recursos pode ser iniciado, visando o aporte total para sua realização.

A lei permite às empresas a possibilidade de abater até 3% do seu ICMS devido para incentivar os projetos aprovados pelo ProAC. As empresas que desejam patrocinar devem ter feito seu credenciamento no site da Secretaria da Fazenda (SEFAZ), no início do mês seguinte ao do pedido, após a verifi cação sobre os requisitos estabelecidos pela legislação, a empresa é habilitada no sistema.

Assim, a empresa pode patrocinar projetos aprovados pelo ProAC, por meio do próprio sistema da SEFAZ, que calcula a cada mês o valor máximo de patrocínio a ser aproveitado nos programas. A empresa habilitada emite boletos bancários via sistema da SEFAZ, para patrocinar projetos culturais, aprovados no ProAC, devendo pagá-los até o último dia útil do mês da emissão.

pelo Instituto Cultural Ingá (ICI) como "Investimento Inteligente". Segundo Miguel Fernando, diretor executivo do ICI, “essa é a mecânica onde o empresário patrocina um projeto cultural sem investir seus ativos e ainda veicula sua marca naquela proposta."

Criado em 2011, junto com o Fundo Estadual de Cultura, o PROFICE foi sancionado no final do ano passado depois de uma série de audiências públicas onde foram debatidos os principais pontos junto à classe e à comunidade. O primeiro edital foi publicado em novembro e o período para inscrição durou de 15 de dezembro de 2014 até 31 de março passado, quando foi encerrado com 703 inscrições feitas.

A maior porcentagem de projetos foi da área de Música, com 216 inscritos (30,72% do total). Em seguida veio a área do Teatro, com 142 projetos (20,19%). Aparece na terceira posição o Audiovisual, com 118 projetos (16,78%). Os projetos serão avaliados por uma Comissão formada por membros da Secretaria de Estado da Cultura e a perspectiva é que a lista com os habilitados seja divulgada até junho.

Uma vez habilitados, os produtores partem para captar o valor junto ao mercado. É nesse momento que o empresariado pode conhecer quais projetos estarão disponíveis para a região que atua e optar pela renúncia fiscal para apoiá-los. O valor destinado para o projeto cultural poderá ser abatido da Declaração do Imposto de Renda.

Criado em 2011 e sancionado no ano passado, o programa possibilita que cerca de 70% das empresas possam apoiar projetos culturais via renúncia fi scal (ICMS); o primeiro edital teve mais de 700 projetos inscritos

Sobre o programa

Como funciona nos outros estados

Especial

ProAC - Programa de Ação Social de São Paulo

2013 - R$ 30 milhões previsto

2014 - R$ 44 milhões previsto2015 - R$ 53 milhões previsto

"A simples história de uma menina e um artista", de Leiza Maria, é um dos projetos inscritors para Teatro.

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Especial

cidades que souberam fazer

O papel da integração e participação nofomento da cultura

Que há críticas de diferentes frentes às mais diversas modalidades de incentivo à cultura por meio de Renúncia Fiscal, todo mundo sabe. Essa ala defende a intervenção integral do Estado assumindo este papel, já que este recurso acaba sendo público.

Em verdade, mais que eles, os que utilizam as Leis de Incentivo, prioritariamente o mecenato, pactuam da mesma posição. Eles também priorizariam uma forma de financiamento de seus projetos com recursos mais seguros, como fundos ou editais públicos, não ficando à mercê de intempéries e variações econômicas, que impactam diretamente no poder de patrocínio de empresas que trabalham com a destinação de Imposto de Renda e/ou ICMS.

Posto isso, vale a máxima: ninguém negará recursos financeiros. Mas ainda vale uma quebra de paradigma. Para aqueles que defendem, prioritariamente, somente a intervenção do Estado, ressalta-se que, ainda assim haverá concentração de recursos, que é justificada pela maior estruturação técnica de determinadas regiões. Mesmo nas chamadas públicas, prevendo a descentralização, há dificuldade para neutralizar definitivamente esta problemática.

O que efetivamente precisa ocorrer é uma equiparação entre mecenato (renúncia fiscal do setor privado) e intervenção pública (editais e financiamentos públicos) de modo que o Estado intervenha junto a segmentos menos favorecidos que, por alguma questão ideológica ou adversa, o setor empresarial não demonstre interesse em patrocinar. Como por exemplo, projetos que tenham como base os LGBTs, terreiros de umbandas, benzedeiras ou mesmo propostas para espetáculos experimentais. Mas a questão ainda é como pagar a conta?

O orçamento do MinC para 2015 é de R$ 3,26 bilhões. Pouco mais 0,14% do orçamento geral do Governo Federal que é de R$ 238 trilhões. Esse modelo se replica aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Com isso, o cobertor do gestor público acaba sempre sendo curto demais para qualquer tipo de avanço. Por isso, a PEC 150 se faz fundamental. Se for aprovada estabelecerá percentuais mínimos de aplicação dos orçamentos públicos para a Cultura: 2% para o Governo Federal, 1,5% para os Estados e 1% para os Municípios.

A Lei Rouanet é tratada como um orçamento hipotético e é contabilizada fora do custo geral do MinC. Isto é, está aprovado um limite de R$ 2 bilhões para captação de recursos. No entanto, essa aplicação depende do envolvimento do setor empresarial. Aqui vale uma discussão mais aprofundada.

Que existe concentração de recursos, todo mundo sabe. Boa parte dos 70% dos valores desta mecânica tem destino certo: as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. O restante é uma batalha que puxa de lá pra cá sem muito sucesso efetivo, pois não se procuram no local correto. Como assim?

Historicamente, as empresas têm destinado um

valor médio de R$ 1,3 bilhão para a Lei Rouanet. Estes recursos, em sua grande maioria, acabam por ter projetos já pré-definidos ou muito bem encaminhados, o que vai dificultando a entrada de novas propostas no mercado cultural (com raras exceções dos editais privados, como é o caso do VIAPAR Cultural, na região de Maringá-PR). Assim, se faz fundamental encontrar onde estão os R$ 650 milhões ainda não captados do total geral aprovado para a Lei Rouanet.

Segundo estudos mais recentes, as grandes capitais já estão completamente saturadas e possuem pequena possibilidade de ampliação de suas destinações. Realidade que acaba por se inverter no interior dos Estados, onde o crescimento empresarial avança significativamente, gerando oportunidades para o setor cultural.

Logo, entra em pauta o poder da participação e interação do setor empresarial no fomento à cultura. Também aqui vale uma quebra de paradigma, diferente do que ocorre nas capitais, as empresas, que patrocinam projetos culturais nas regiões interioranas, buscam propostas que tenham apelo social e participação democrática nos produtos gerados. Quero dizer, as empresas destes casos, em sua maioria, nem se preocupam tanto com a exposição de sua marca como patrocinador, mas sim com o impacto a longo prazo que determinados projetos gerarão em benefício da região onde ela está instalada.

Portanto, aceite você ou não, o modelo ideal de financiamento da cultura no Brasil é, sem dúvidas, a gestão equilibrada entre mecenato via renúncia fiscal e fomento público. Onde o gestor não alcançar, a empresa vem em socorro do produtor e vice-versa. Nem sempre isso acontecerá, claro. Mas é um meio de se avançar a cultura como base da sociedade, gerando renda, empregos, comércio e criando produtos turísticos em determinadas localidades.

Se for uma oportunidade para o produtor cultural, o empresário se faz fundamental nessa participação, assumindo sua responsabilidade fiscal junto às destinações de impostos possíveis. O gestor, por sua vez, precisa se identificar como fomentador, saindo do ato de executar projetos culturais e criando condições para estabilizar o mercado com oportunidades que democratizam o acesso aos recursos públicos.

Mas, nada adianta se não houver a participação social em todos os processos. Essa integração é o segredo do avanço cultural no país. Podemos ter pontos de vista distintos, mas devemos sentar numa única mesa e encontrar as melhores alternativas que contemplem a maioria. Criticar e não propor melhorias é o mesmo que não fazer nada.

Avante Maringá, Paraná e Brasil. A Cultura não pode parar!

Quando uma cidade é sede de uma produção cultural de destaque, ela acaba herdando os ativos culturais gerados pelo evento, contribuindo não só para a cultura local, como também para a promoção de toda uma cadeia turística.

Quantos de nós conhecemos Gramado-RS por conta do maior festival de cinema do Brasil? Criado em 1973, como parte integrante de uma festa local, o Festival de Cinema de Gramado foi recebido com tanto entusiasmo que a comunidade artística, a imprensa, turistas e os gramadenses criaram o engajamento necessário para transformar o evento no que ele é hoje.

O movimento teve apoio Prefeitura Municipal de Gramado, da Companhia Jornalística Caldas Júnior, da Embrafilme, da Funarte e das secretarias de Turismo e de Educação e Cultura do Estado que saíram em defesa da ideia e a tornaram realidade. A cidade soube aproveitar desse "ativo cultural" e só em 2014 recebeu mais 7 milhões de turistas durante o ano todo.

Outro exemplo claro de como as cidades podem aproveitar essas realizações para desenvolver o turismo é o Festival Literário Internacional de Paraty criado em 2003. Considerado um dos principais festivais literários do Brasil e da América do Sul, a FLIP tem o financiamento assegurado por um sistema hierarquizado de patrocinadores e, sem fins lucrativos, conduzido pela organização Associação Casa Azul. Além de palestras, também são realizadas discussões, oficinas literárias e eventos paralelos para crianças (Flipinha) e jovens(Flipzona). Só durante o evento, a cidade recebe cerca de 25 mil visitantes, além de toda a divulgação sobre sua história e patrimônio a céu aberto.

Os ativos culturais gerados se tornam importantes estratégias de turismo

Como podemos aproveitar tudo isso

Artigo

MiguelFernando

9abril

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Gastronomia //

Repórter

PaulaMariá“Aí, foi para isso que a gente aprendeu

matemática na escola, para beber cerveja”, brinca o estudante Willians Castellan, tentando explicar à equipe d’O Duque as muitas fórmulas escritas pelas paredes, em folha sulfite, atrás de calendário, usadas para nada menos do que fabricar a cerveja que os amigos consomem ao final de semana.

O laboratório utilizado era de Luiz Carlos Volpato, bioquímico. O local de trabalho, fechado há alguns anos, acabou virando o ponto de encontro do filho, Luiz Volpato, e dos amigos Douglas Bonacine e Willians. Os três trocaram a clássica mesa de boteco semanal pelas panelas, peneiras e termômetros que permitem que o melhor do bar venha para dentro de casa: a cerveja.

Tudo começou com um kit, “que foi péssimo, mas foi muito bom”, conta Luiz. Trocando em miúdos, os três viram na internet um kit para fazer cerveja em casa e, de repente, resolveram fazer uma vaquinha e tentar. “No fim das contas o kit não ajudou em muita coisa, era tudo pequeno, de má-qualidade, mas temos que admitir que, se não fosse com ele, talvez não tivéssemos começado nunca”, explica. Hoje os três, que levam suas rotinas e empregos durante a semana, usam os sábados para se dedicarem a prazerosa – e trabalhosa – atividade de fazer cerveja de qualidade.

Por sorte, eles não são os únicos. Maringá tem desenvolvido essa área e o clima entre os produtores é muito mais de cooperação do que de competição. Eles fornecem matéria-prima e buscam ajudar como podem uns aos outros. “Não tem por que se preocupar com isso. A realidade é que quanto mais gente produzir, mais cerveja a gente vai ter para beber”, brincam os três fabricantes da Morte Lenta - India Pale Ale.

As cervejas artesanais têm conquistado um espaço importante na cidade, tornando-se hábito tanto de quem produz quanto de quem consome. Recentemente, o Festival Brasileiro da Cerveja – maior avaliador do país sobre o tema – selecionou as três melhores fabricantes de cerveja do Brasil em uma premiação que aconteceu em Blumenau, mas que presenteou o Paraná. Concorrendo com outros 122 expositores, a maringaense Cervejaria

Araucária levou o terceiro lugar, enquanto a segunda e a primeira colocação ficaram, respectivamente, com produções de Pinhais e Curitiba.

1. Matéria-primaExistem tantos tipos de maltes e

de lúpulos quanto existem de cervejas e nem todos são fáceis de ser encontrados. Definir que tipo de cerveja se quer fazer e encontrar os ingredientes necessários, na medida certa, é o primeiro passo.

2. BrassagemBora mexer! O malte é levado ao fogo

com a água e mexido durante 1h30 ou mais. Durante esse tempo a temperatura precisa ser controlada e ajustada.

3. FiltragemÉ hora de “lavar” os grãos, nessa etapa

é necessário acrescentar mais água e a

própria bebida, que é retirada da panela e jogada novamente no malte repetidas vezes, até que fique clarificada.

4. FervuraÉ hora de adicionar o lúpulo – e aqui a

medição também é variável, já que o lúpulo define aroma e sabor da bebida – e levar tudo ao fogo para deixar ferver.

5. Adição da LeveduraEssa etapa envolve muitas outras:

primeiro é preciso esperar o resfriamento e toda a decantação do lúpulo (não pode mexer, viu!). Feito isso, o líquido é transferido para outro recipiente onde recebe o fermento.

6. MaturaçãoSem pressa, é hora de esperar. Antes

do final da maturação a bebida recebe mais açúcar, que é para dar aquele "gás". Cada uma tem seu tempo certo de maturação e é preciso segurar a ansiedade pelos próximos dias.

7. O Número da PerfeiçãoTrabalhe durante a sexta-feira toda,

com dedicação. Chame dois ou três amigos, só os mais chegados, para um happy hour capaz de extravasar qualquer estresse. Gele a cerveja. Gele um copo. Sirva-se.

Bom final de semana para você!

Concorrendo com outros 122 expositores, a maringaense Cervejaria Araucária levou o terceiro lugar,

enquanto a segunda e a primeira colocação ficaram, respectivamente, com produções de Pinhais e Curitiba.

O bar está em casa

Como faz? por Luiz Volpato, Douglas Bonacine e Willians Castellan

Como o quarteto de Liverpool, os super-heróis da Marvel e o Chaves do 8 contribuem na compreensão do comportamento da sociedade

11abril

Acadêmica //

Os Beatles vão prafaculdade

Repórter

EltonTelles

Todo mundo que concluiu o Ensino Superior deve se recordar, no último ano, da professora de TCC repetindo nas primeiras aulas “Escolha um objeto de estudo cujo você goste para desenvolver seu trabalho”. Alguns preferem se desafi ar com temas que têm pouca familiaridade, já outros levam o conselho ao pé da letra e adaptam algo de seu apreço a uma determinada linha de pesquisa. No entanto, essa escolha não signifi ca ser menos arriscada. Um dos desafi os empreendidos pelo mestrando Diogo Saes, 29, por exemplo, foi o “lado fã”. “Tive o devido cuidado para não deixar o meu gosto infl uir no senso crítico. Depois que eu defi ni os limites entre o lógico e a paixão, eu tive condições de fazer as associações que considero as mais intrigantes ao longo do trabalho.”, ponderou ele.

Saes analisa a visualidade e as relações sinestésicas de cinco álbuns dos Beatles, criando laços entre capa, letra, música, psicodelismo e entorno social. Segundo ele, muito se fala dos Beatles, mas raramente com enfoque no recorte que gostaria de esmiuçar em sua dissertação, o que difi cultou na hora de garimpar bibliografi as para embasar o tema. “Tive que recorrer a estudos paralelos e aplicá-los no meu universo de pesquisa”, comenta.

À frente das bandas Tequila Jones e Lady Cobra – ambas tocam covers de Beatles –, o acadêmico acredita que muitas pessoas não imaginavam que fosse possível fazer um mestrado sobre a banda, levando em consideração a reação dos mais chegados ao ouvirem a notícia. Segundo ele, o mais bacana neste processo foi a quantidade de pessoas que pediram uma cópia da dissertação quando estivesse concluída. “Não sei se alguns falaram só por educação, mas isso também me motivou.”, confessa sob risos.

Embora de caráter científi co, essa é mais uma empreitada: não deixar esse tipo de pesquisa se manter restrita à área acadêmica, pois certamente também é

“Ainda que as histórias em quadrinhos sejam tratadas como entretenimento, são carregadas de aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos que nos ajudam a compreender nossa sociedade. Se quiser compreender a sociedade no momento em que vivemos é importante que se tenha um olhar atendo aos bens culturais que tanto infl uenciam como são infl uenciados pelo entorno.”

Lucas Dalbeto, pesquisador

de interesse de quem admira o quarteto de Liverpool conhecer essa perspectiva de encará-los como agentes multimidiáticos, conforme proposto pelo estudo.

Não muito exploradas nas universidades brasileiras, as linhas de pesquisa que buscam analisar os efeitos na cultura pop são utilizadas de forma abundante em países como Estados Unidos e Inglaterra como refl exão ontológica. O fi lósofo norte-americano Douglas Kellner enfatiza a teoria de que estudar os fenômenos culturais presentes no dia a dia das pessoas é fundamental para compreender a sociedade contemporânea, já que todos estão impregnados pela cultura massiva e dominante.

O designer Lucas Dalbeto, 30, também contribui para esse tipo de estudo no Brasil. Sua dissertação analisa traços de homossexualidade nas histórias em quadrinhos da editora Marvel. Mesmo diante de reações adversas, ele afi rma que a maioria dos docentes foi receptiva à análise. Já quanto ao público externo, Dalbeto observa que pesquisas nas áreas de humanas, ainda mais com um tema de conhecimento popular, podem ser facilmente desprezadas por alguns. “Mais de uma vez fui questionado por amigos por só ler ‘gibi’ e como isso poderia se caracterizar como uma dissertação de mestrado”, relata. Na mesma moeda, a temática também desperta interesse dos curiosos. “Não foram poucas as vezes em que pessoas se aproximaram para me perguntar quais são os super-heróis gays, sobre a relação entre Batman e Robin e coisas relacionadas.”

Admirador da franquia mutante dos X-Men, ele enumera como percalços durante o processo a difi culdade em encontrar uma teoria adequada para a pesquisa e a desgastante seleção dos super-heróis analisados, pois no amplo mapeamento de personagens o qual se submeteu, Dalbeto contabilizou 149 super-heróis com as características requisitadas, sendo que somente seis foram utilizados: Estrela Polar, Kylie, Shatterstar, Rictor, Hulkling e Wiccan.

Por este problema, pelo menos, a jornalista Natália Gomes, 21, não passou. Durante uma aula em que foi discutida de maneira crítica a personifi cação de Chaves, ela elegeu o clássico personagem criado por Roberto Bolaños como objeto de estudo. Em “Chaves: um retrato da identidade latina”, Natália repercute o

potencial da mídia como formadora de identidades e ressalta quais elementos da série endossam a premissa de que a mídia cria representações e modelos de identifi cação. “Com o olhar de pesquisadora”, ela se justifi ca, “eu pude enxergar a beleza intelectual e a riqueza cultural por trás de um humor tão simples”.

Como o quarteto de Liverpool, os super-heróis da Marvel e o Chaves do 8 contribuem nacompreensão do comportamento da sociedade

12

Caminhos Fotográficos //

ARLES, PELOS OLHOS DERAFAEL SAESQuando o fotógrafo maringaensedescobriu a magia das luzes da cidade que Van Gogh escolheu para morar etrabalhar nos últimos anos de vida

13abril

Caminhos Fotográfi cos //

Em êxtase pelo jogo de luzes proposto pelas obras do pintor americano Edward Hopper, o fotógrafo maringaense Rafael Saes encontrou em Arles, França, a luz mágica que Van Gogh passou a vida admirando.

O que seria a fotogra� a senão a arte de brincar com luzes? Pela lente de uma câmera é possível enxergar e registrar qualquer coisa, mas Saes foi buscar inspiração nas artes plásticas para aperfeiçoar seu olhar de fotógrafo. E viajar foi o primeiro passo para isso.

O convite veio da modelo e atriz Priscila Buiar, quando descobriu que as obras do americano Edward Hopper seriam expostas em Paris. "Foi quando ela me apresentou Hopper, e foi fascinante. Aproveitamos a viagem para conhecer outras cidades da França, mas com certeza essa foi a melhor exposição que eu já vi em toda minha vida", relembra Saes.

Além de Paris, entre os destinos inspiradores escolhidos, estavam Aix-en-Provence - historicamente conhecida por ser paisagem das obras de Paul Cézanne - e Arles, a cidade da luz mágica que o pintor holandês Vincent Van Gogh escolheu para viver e trabalhar nos últimos anos de sua vida. "Nós não sabíamos como seria o dia, se estaria chovendo ou nublado, mas era a única chance que tínhamos. Ficamos um dia só em

Arles, e tivemos a sorte de pegar um dia lindo. O jeito como incidia a luz da manhã, a forma como delineava perfeitamente cada traço daquela cidade. Van Gogh tinha razão. De� nitivamente Van Gogh tinha razão", relembra deixando clara a admiração.

Verdadeiro museu a céu aberto, a Arles de quase dois mil anos parece reconhecer a importância do ilustre holandês que a escolheu como atelier. Quem caminha por suas ruelas encontra os passos de Gogh marcados no chão de pedra, além de placas indicativas dos lugares onde o pintor fez seus quadros mais importantes.

Às margens do Rio Ródano, aproveitando os últimos minutos da visita para contemplar a Noite Estrelada, Rafael ainda lembra de um senhorzinho fotógrafo aposentado que, vendo-os encantados pela paisagem, se ofereceu para levá-los aos famosos campos de girassol que conqusitaram Van Gogh. "Infelizmente não tivemos tempo, mas quem sabe eu reencontre ele numa próxima visita?".

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#Sarau

O dia 29 de julho de 2014 foi um divisor de águas na vida do maringaense Thiago Teixeira. Nesta data, em pleno inverno, o sol brilhou mais forte para o adolescente ao saber que, entre 563 dançarinos de todo o Brasil, ficou entre os 15 selecionados

Projeto Piquenique da Leitura é realizado todos os domingos em praças públicas de diferentes bairros da cidade

para ingressar na prestigiada Escola do Teatro Bolshoi, em Joinville (SC), a única extensão do Bolshoi no mundo fora da Rússia. É lá que Thiago reside desde a aprovação no teste e busca se profissionalizar naquilo que mais nutre paixão: a dança. Ou melhor, o balé. “Eu não sei, já veio dentro de mim. O balé é mais clássico e eu me identifico muito com esse estilo. Sinto que nasci para isso”, comenta um jovem tímido de voz trêmula que, sobre os palcos, é pura

Com uma manta de piquenique no chão e diversas obras literárias à disposição do público, uma tarde ensolarada de domingo torna-se agradável para conhecer novas histórias. Esse é o cenário ideal do Piquenique da Leitura, evento semanal organizado pela Cia. Manipulando, que tem como principal objetivo aproximar adultos e crianças do universo da literatura.

Todo domingo até 31 de maio, das 14h às 17h30, os contadores de história Danilo

poesia em forma de movimentos. Thiago começou a dançar aos 11 anos

e hoje, aos 15, concilia os estudos do 1º ano do Ensino Médio com as aulas práticas e teóricas de diversas disciplinas do Bolshoi, que, segundo ele, são bem exigentes Pelo seu desempenho, o maringaense entrou diretamente na 3º série, faltando cinco anos para se formar. No início, diz que sentia dificuldade em entender a língua, pois a maioria dos professores são nativos, mas

Furlan, Karla Morelli e Rô Fagundes farão apresentações, darão dicas de livros e realizarão leitura para crianças. O projeto ainda tem a participação de contadores de histórias convidados de outros estados.

Para que toda a comunidade possa participar, cada Piquenique da Leitura é realizado em uma praça diferente da cidade, totalizando 12 pontos de encontro em diferentes regiões. Confira a programação do projeto no Facebook: /piqueniquedaleitura.

logo pegou o jeito e foi se adaptando ao conteúdo ministrado na sala de aula.

Adepto do Método Vaganova, uma das vertentes do balé clássico, o bailarino pretende, assim que concluir os estudos, ir à

Rússia para aperfeiçoar a sua performance, pois lá “o balé é mais valorizado e difundido, justamente por ser uma prática mais comum entre as pessoas”, explica.

Quanto a Maringá, Thiago diz sentir falta de seus irmãos e da professora Claudia Nanni, que teve a iniciativa de criar em 1998 o projeto “Ballet da Pastoral da Criança”, fundada na Paróquia São José Operário para atender as crianças que não tinham estrutura familiar e eram acompanhadas pela Pastoral. Após um ano, o jovem passou a frequentar aulas do grupo Passantes e Pensantes. “Queria ir com mais frequência pra Maringá, mas infelizmente não tenho muito tempo para isso, não”, diz Thiago, que, entre poucas palavras, abrevia a entrevista por telefone para ir ensaiar seus passos.

Pouca idade, dedicação de sobra.

‘‘Eu nasci para dançar’’

Um parágrafo, uma mordida

"Viajar me inspira para escrever, para fotografar e, sobretudo, me acalma. Eu

fico literalmente nas nuvens"

Vamos realizar juntos.Qual o seu sonho?

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Foto: Bruna Bechtold

15abril

Música //

Após o lançamento do disco de estreia, algumas bandas com mais de década e outras com menos de 12 meses entraram em estúdio para a gravação do próximo álbum, confi rmando as novidades musicais que reserva o cenário do rock maringaense. Quem abriu as portas e saiu na frente foi o pessoal da Retrosense, formado por Rash (vocal), Otávio Kosak (guitarra) e José Roberto (bateria). O EP “Wind Chimes” contém cinco faixas inéditas e já estava concluído em novembro de 2014, mas por ser fi nal de ano, o trio optou por lançar o material em fevereiro deste ano. Para quem quiser conferir o resultado, o disco está à venda por R$15,00 na loja virtual da Full Dead (www.fulldead.com.br).

Quem também já está com o álbum disponível na íntegra para ser apreciado no SoundCloud são os caras do Montanas Trio. O álbum, batizado de “Emancipação”, é composto por dez faixas e propõe uma mistura fi na e contagiante de psicodelismo, funk, rock, salsa, samba e soul. Esse novo trabalho é sucessor do EP de estreia “A Primeira Vez”, lançado em 2013, que rendeu para banda shows dentro e fora do Brasil.

Por falar em apresentações, o Montana já está com o pé na estrada em turnê de divulgação do novo projeto. No itinerário dos caras, constam São Paulo, Rio de Janeiro, cidades do interior e fi nalmente em Maringá no dia 11 de abril, durante o Maringá Rock Festival, onde o trio divide o palco com Mestre Ouriço e o FracaSoul. “Tesão demais! Muitas dessas cidades nós já passamos com o primeiro disco e a galera pirou. Nossa receptividade fora de Maringá também é muito massa”, comenta o guitarrista Th iago Guglielmi.

O surf rock em Maringá também é renovado com o lançamento do EP “Maristela é meu Limite”, do Brian Oblivion & Seus Raios Catódicos. As gravações tiveram início na última semana de janeiro e foram fi nalizadas recentemente em março. O lançamento do disco, que contém cinco faixas, acontece em abril. Entre os planos da banda estão o de produzir um LP de 7 polegadas e disponibilizar as músicas no iTunes, mas não sem antes fazer o básico: lançar no formato de CD.

As infl uências de “Maristela” são cinema western, histórias em quadrinhos, camisas malpassadas, vibrato e muito reverb. Desde o lançamento em 2011 do primeiro EP, o “Conforto Acústico”, a banda passou por algumas

modifi cações, sobretudo na formação original. A recente entrada do Julio Maia deixou as músicas mais ricas com arranjos no órgão e teclado, além do baixo. Elise Savi destaca-se também no repertório com a presença marcante e indispensável de seu trompete. “A banda hoje está mais madura. Nada de gravação lo-fi , desta vez as canções passam por um processo de mixagem que não havia antes e as melodias não são executadas apenas

pela guitarra. Hoje exploramos as melodias com outros instrumentos”, comenta o guitarrista Gustavo Bordin.

Há mais quatro anos na estrada, a banda Dogday também está prestes a lançar seu primeiro disco. A prévia do material foi liberada em fevereiro: os singles “Coke & Smoke" e "Spaceship of Dream" são baseadas em experiências de vida dos integrantes, cada um com estilo diferente, que vai do grunge ao hard rock, passando por várias nuances do rock. O videoclipe da primeira música já foi divulgado e pode ser conferido no YouTube. O álbum da banda, ainda sem nome de batismo, está em fase de fi nalização e a previsão de lançamento é para o primeiro semestre.

“Dark Sun” é o título do novo álbum do Corona Kings, que após o excelente “Explode”, lançado em 2012, volta com o pé na porta. As gravações tiveram início em novembro e foram fi nalizadas em março para que o público possa curtir as 12 músicas inéditas já em abril. “Neste novo trabalho, a gente queria estar mais aberto nas composições e buscamos muito encontrar nosso próprio som, nossa própria identidade. Eu sempre falo que só estamos aqui por causa do ‘Explode’, mas é no ‘Dark Sun’ que as pessoas vão ver quem é o Corona Kings”, adianta o vocalista Caique Fermentão.

A capa ainda não foi concluída, mas o artista para criar o conceito visual do álbum já foi escolhido: o designer e vocalista da banda paulista Sugar Kane, Alexandre Zampiei, o Capilé, que também assume o vocal de uma das faixas do disco. “Dark Sun” também conta com a participação especial do guitarrista João Manoel, do Stolen Byrds, que, inclusive também estão com fi lho prestes a nascer.

E isso é admirável! Afi nal, faz só pouco mais de um ano que o quinteto lançou o seu álbum de estreia, “Gypsy Solution”. Quando perguntado sobre o curto intervalo de tempo, a banda é categórica. “Isso só foi possível porque não paramos de trabalhar e ir atrás de shows”, esclarece o frontman Edwardes Neto, “Construir um caminho independente é algo difícil e muito recompensador. Quem vive da música sabe que não se pode esperar uma ajuda cair do céu e é esse entusiasmo que alimenta ainda mais todo o nosso trabalho”, complementa.

Em parceria com a gravadora paulista Wikimetal, o Stolen Byrds atualmente está trabalhando na pré-produção do novo disco, compondo as canções e os arranjos. A banda pretende iniciar as gravações em julho e lançar o disco – ainda sem nome de batismo – entre novembro e dezembro.

O que vamos ouvir em 2015Montanas Trio, Corona Kings, Stolen Byrds, Retrosense eBrian Oblivion afinam osinstrumentos no estúdio

Repórter

EltonTelles

Emancipação (2015)Montanas Trio

Wind Chimes (2015)Retrosense

Já lançados

16

17abril

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O ano mal tinha começado e o mundo já estava solidário aos franceses após o atendado ao jornal satírico Charlie Hebdo. Entretanto, não podemos dizer que a comoção foi unânime, vários segmentos dos movimentos sociais que até então eram satirizados pela revista, encamparam uma contrapartida a esta “solidariedade”, montando uma bela campanha de memória às vítimas do sistema patriarcal e conservador. Nomes como Amarildo e Cláudia da Silva foram ressuscitados pelos ativistas.

Além das vítimas da ditadura militar brasileira, da herança colonial, das desigualdades sociais, do machismo, do racismo, da homofobia, temos uma parcela da sociedade que é vítima de uma atrocidade histórica de acesso aos seus direitos fundamentais a quem dedico este texto. Refi ro-me às pessoas trans, aquelas que, em determinado momento de suas vidas, assumem uma identidade de gênero diferente daquela designada no momento de nascimento.

Dentre as letras LGBT, todas as orientações, expressões e identidades sexuais e de gênero são vítimas das violências da sociedade patriarcal-heteronormativa. Contudo, as pessoas trans são aquelas que mais sofrem com o modelo social, pois ao estabelecer sua nova identidade, não costuma “homogeneizar-se” às pessoas cis¹. Se um gay ou uma lésbica for ao supermercado ou ao posto de saúde e não mencionar a sua orientação sexual, provavelmente ninguém se intrometerá na sua intimidade, já no caso de uma mulher trans, por exemplo, a todo o momento ela será alvo de especulação e humilhação de pessoas preconceituosas e intolerantes. Ser trans é uma resistência diária.

Em 29 de Janeiro celebrou-se o dia da visibilidade

trans, data importante para discutirmos o fator principal de toda exclusão de transgêneros. A luta pela visibilidade pode soar estranha às pessoas que não vivenciam a realidade de uma vida marginal, ou seja, a necessidade de lutar pela inclusão nos espaços convencionais da vida contemporânea.

Geralmente, a maioria das travestis é associada diretamente com o ofi cio da prostituição, ao universo de casas noturnas, a hiperssexualização e a promiscuidade que os veículos de comunicação às atribuem como de sua designação natural. O mais grave é que este quadro simbólico se replica na realidade, uma vez que as travestis são constantemente vítimas de humilhações em espaços como escolas, universidades, mercado de trabalho e etc. Quantas vezes em um hospital você foi atendido por uma médica trans? Ou se lembra de quando foi a última vez que procurou uma representação legal e sua advogada era uma travesti?

Quando falamos de transgêneros é preciso ter em mente que não estamos nos referindo apenas a travestis femininos, mas também aos homens trans, as mulheres trans e a todas as identidades de gênero dentre os polos masculino e feminino, os denominados transexuais não-binários.

Como exemplo de inacessibilidade dos direitos básicos que as pessoas trans vivem, cito o caso de um trans homem. No livro “Viagem Solitária” de João W. Nery, o autor que é considerado o primeiro transhomem do Brasil, conta a própria história e relata como teve de abandonar o diploma de psicologia por não poder regulamentar seu nome social em outro documento, tendo então que optar pelo trabalho braçal mesmo com formação acadêmica.

1 – Pessoas cis: são as pessoas que se identifi cam com o gênero que lhe designaram no nascimento. Pessoas não trans. * Fonte: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República- relatório do ano de 2012.

Existem tragédias que acontecem diariamente em todo o mundo e que resistem cotidianamente. Não é preciso ir longe para se deparar com tragédias para solidarizar-se. O Brasil lidera o ranking de violência homofóbica*, e é também o país que registra mais morte de travestis e transexuais no mundo.

Embora a constituição nacional defi na o Brasil como um estado laico, a infl uência do fundamentalismo religioso impede importantes avanços na conquista dos direitos LGBTs, sobretudo no cenário político. É importante ressaltar que a luta dos movimentos LGBTs, com destaque ao movimento trans, é garantir o acesso às políticas públicas, aos direitos civis e a uma vida como de qualquer outro cidadão. Esta é uma luta que precisa de apoio.

Em Janeiro de 2004, 27 pessoas trans expuseram no Congresso Nacional a campanha “Travesti e Respeito, já está na hora dos dois serem vistos juntos: em casa, na boate, na escola, no trabalho, na vida” e até hoje esta luta está longe de triunfar. Não temos representante na esfera política nacional, nem estadual que seja trans, como não temos abertura para essas pessoas em muitos outros espaços. No Brasil morreram mais travestis em 2014 do que houve inscrições de pessoas com nome social no ENEM do mesmo ano. Estima-se que 90% das travestis ganham a vida com a prostituição e nenhuma estimativa de quantas fazem por opção.

Estas brasileiras e brasileiros estão mais próximas do que você pode imaginar e precisam da sua solidariedade. Não é preciso ser negro para lutar contra o racismo, não é só papel da mulher lutar contra o machismo, também não precisa ser trans para lutar contra a transfobia.

JE SUIS TRANSColunista

ViniciusHuggy

Give me a Huggy //

Existem tragédias que acontecem diariamente em todo o mundo e que resistem cotidianamente. Não é preciso ir longe para se deparar com tragédias para solidarizar-se. O Brasil lidera o ranking de violência homofóbica, e é também o país que registra mais morte de travestis e transexuais no mundo.

19abril

A segunda semana de fevereiro desse ano entrou para a história do Paraná. Uma multidão de servidores públicos, encabeçada pelos professores da rede pública tomou a praça e o plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, em Curitiba. Durante quatro dias acompanhamos, na imprensa e nas redes sociais, a luta dos grevistas para que os deputados não aprovassem um conjunto de medidas que afetavam diretamente os direitos do funcionalismo público estadual. Quero propor uma leitura desse evento histórico a partir das ideias do fi lósofo alemão Jürgen Habermas.

Nascido em 1929, Habermas faz parte da segunda geração da Escola de Frankfurt, conhecida por seu programa de desenvolvimento de uma teoria crítica da sociedade. Partindo, como seus colegas, da crítica à razão instrumental, fruto do Iluminismo (Esclarecimento) do século XVIII e do positivismo do século XIX, Habermas pretende encontrar na linguagem a arma contra o que chamaram de racionalidade técnica ou instrumental.

A razão instrumental centra-se no Sistema e se manifesta pelo estado e pelo mercado, seus principais mecanismos de difusão. De posse do poder econômico, essa racionalidade técnica transforma-se na principal responsável pela exploração da natureza e do homem. Com o desejo de dominar a natureza, a técnica utiliza-se de uma racionalidade formal como ferramenta para a obtenção desse fi m.

A principal crítica dos frankfurtianos refere-se a essa frieza com que a razão instrumental trata os seres humanos. O que surgira como projeto de libertação e autonomia, terminou em repressão e alienação. Esse tipo de racionalidade, segundo Habermas, é utilizado pelo que ele chamará de Sistema.

A técnica é o fogo roubado por Prometeu dos nossos dias: sob a aparência do desenvolvimento esconde-se a escravidão e a tortura. Em nome de futuros investimentos do estado, alegava o governador em uma nota à imprensa, é necessário instaurar um plano de austeridade. Desta vez, em nome do progresso da economia paranaense, os funcionários públicos pagariam com a redução de algumas de suas conquistas trabalhistas e o contínuo sucateamento das escolas e universidades estaduais.

Como enfrentar esse Sistema que oprime as pessoas, disfarçado de progresso? Para Habermas, a solução passa por uma questão linguística: era necessário recuperar, da tradição fi losófi ca antiga, uma razão essencialmente comunicativa. Inspirado na democracia ateniense, fundamental para o surgimento da fi losofi a, Habermas defende um retorno de uma participação mais efetiva dos cidadãos nos debates políticos. A democracia representativa está falida no mundo chamado pós-moderno. Em vez de celebrarmos a cada dois anos a “festa da democracia”, deveríamos organizar um solene velório desse modelo político em

decomposição.Segundo Habermas, somente essa razão

comunicativa, que se fundamenta numa lógica discursiva e consensual, poderia fazer oposição à razão instrumental. Ao trazer para a esfera pública o debate político, transformando nossas ruas e praças em novas ágoras, o “mundo da vida” consegue enfraquecer e acuar o Sistema. Foi isso que vimos acontecer nessa segunda semana de fevereiro em Curitiba. Esse mundo da vida tem a função de reestruturar a sociedade, por meio dos movimentos sociais, dando vez e voz às pessoas, defendendo sua autonomia e combatendo os mecanismos de controle econômico e ideológico do Sistema. Nesse “agir comunicativo”, o debate livre, sem intermediários, moderadores, dogmas, tabus e hierarquia, todos teriam espaço para defender seus interesses, fazendo prevalecer a vontade da maioria, e não os interesses dos poderosos.

Em suma: que o poder esteja – como reza o parágrafo único do artigo 1º da nossa Constituição – nas mãos do povo. Os funcionários públicos, na ausência de alguém que os representasse, assumiram para si o direito de posse do plenário da Câmara. Talvez o futuro da política (e sua redenção) esteja nessa ampliação da participação democrática: não basta eleger representantes, precisamos acompanhá-los, incomodá-los e, se for preciso, expulsá-los pela porta dos fundos.

TODO PODEREMANA DO POVO

Colunista

DonizetiPugin

Filosofi a //

Como enfrentar esse Sistema que oprime as pessoas, disfarçado de progresso? Para Habermas, a solução passa por uma questão linguística: era necessário recuperar, da tradição filosófica antiga, uma razão essencialmente comunicativa. Inspirado na democracia ateniense, fundamental para o surgimento da filosofia, Habermas defende um retorno de uma participação mais efetiva dos cidadãos nos debates políticos.

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Poesia //

O título faz todo o sentido. Aliás, o aforismo não é meu; é de e. e. cummings – escreve-se assim mesmo, em minúsculas - poeta, dramaturgo, roteirista e pintor norte-americano que apesar de não ter tido, à época, o reconhecimento da crítica, teve e continua a ter um enorme reconhecimento popular (o meu grande e querido amigo revisor daqui d’O Duque provavelmente ou por certo iria corrigir “norte-americano” para “estadunidense”, não fossem estes parênteses). De volta... Da mesma maneira, faria todo o sentido se trocássemos de lugar as duas palavras principais do ditado: morto e vivo. Ao fazer esta inversão, a gente se depara com um trocadilho bacana: “NÃO ESTAR VIVO NÃO É ESTAR MORTO”.

Refletir sobre o significado destes dois aforismos é ardiloso. Há toda sorte de interpretação: há quem caminhe a estrada da autoajuda e escolha o pensamento de que estar vivo não é somente ou ainda ter a habilidade de inspirar e expirar, e sim que a ideia de estar vivo é sentir o coração bater apressado quando da iminência de se fazer algo que nunca se imaginara capaz ou, dito de outra maneira: estar vivo é pegar todo o segundo que a vida oferece e trabalhar para ser feliz o maior número de minutos possível.

Mas, hoje, a autoajuda não é a estrada que eu quero seguir. Quero continuar a falar de um poeta único que experimentou radicalmente a forma, a pontuação, a sintaxe e abandonou as técnicas e estruturas tradicionais para criar uma nova forma de expressão poética: e. e. cummings, nascido Edward Estlin Cummings, foi, desde cedo, encorajado pelos seus pais liberais a desenvolver seu dom artístico. Formou-se em Harvard (magna cum laude) e em seu último ano naquela Universidade, ficou imensamente interessado nos novos rumos que a literatura e a pintura estavam a tomar naquela época. Em companhia de John dos Passos, Foster Damon e Scofield Thayer, começou sua experimentação com o verso livre e também, autodidata, como pintor cubista. Seu primeiro poema apareceu na publicação Eight Harvard Poets de 1917.

É curioso notar que já em seus primeiros poemas, Cummings descobrira uma maneira original de expressar suas ideias: ele empregava verbos/advérbios como substantivos, abusava de neologismos e utilizava-se de indulgência para brincar com a pontuação: as letras minúsculas eram a regra, as maiúsculas eram utilizadas

somente para dar ênfase. Particularmente, o uso da letra minúscula para a letra “i”, que, em inglês, normalmente é escrita em letra maiúscula, criou uma identidade, uma marca bem conhecida para o poeta, uma personagem que não era para ser notada dentro do poema, porém era muito conhecida por todos os que o liam.

Sobre sua vida pessoal, Cummings casou-se a primeira vez com Elaine Orr, ex-mulher de seu mentor e colega, Scofield Thayer. Tiveram uma filha, Nancy, que nasceu enquanto Elaine ainda era casada com Thayer. Depois de um ano, Elaine divorciou-se de Cummings e foi morar na Irlanda, para onde levou Nancy e, além disso, proibiu Cummings de ver a filha. Seu segundo casamento, com Anne Barton, também terminou em divórcio. Esses desastres domésticos afetaram a personalidade de Cummings, transformando-o num crítico duro da cultura americana.

e. e. cummings foi, também, um romântico incurável em sua visão da vida e um avant-garde modernista que procurou explorar meios nada usuais para expressar-se. O poeta morreu em setembro de 1963, porém, para validar o trocadilho de seu aforismo, está vivo através de seus quase três mil poemas, pinturas e outras artes.

O poema que traduzi: [eu levo seu coração comigo (eu o levo dentro] é um exemplo muito interessante do estilo de Cummings. Pode-se pensar que a falta de espaços entre pontuações ou a inclusão de colchetes no título, além de anáforas e paralelismo, não têm função dentro do poema e serviria apenas para criar uma assinatura do poeta. Não é bem assim! Numa rápida análise, observem que a voz que vem de dentro dos parênteses, apesar de ser a mesma voz em todo o poema, tem um tom mais terno e suave, além de funcionar como uma espécie de voz explicativa; é como se o personagem – ou a voz - revelasse o que está dentro do seu coração. Fica claro, para o leitor, que as palavras que estão fora dos parênteses são mais simples e menos clichê. A falta de espaço entre palavras e parênteses tem a clara intenção de, através da forma visual, criar uma unicidade entre os amantes do poema (afinal, o personagem leva um coração dentro de seu coração). Cummings, com o poema, ensina como ser lírico e moderno ao mesmo tempo sem cair na armadilha do romantismo exacerbado.

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eu levo seu coração comigo(eu o levo dentrodo meu coração) eu nunca estou sem ele(qualquer lugar quevou você vai, querida; e qualquer coisa que é feitapor mim também é seu fazer, meu bem) não temodestino nenhum (pois você é meu destino, doçura) não desejomundo nenhum (pois linda você é o meu mundo, minha verdade)e é você que é tudo o que a lua sempre significoue tudo que o sol sempre cantará é você

aqui está o segredo mais profundo que ninguém conhece(aqui está a raiz da raiz e o broto do brotoe o céu do céu de uma árvore chamada vida;que crescemais alta do que a alma pode esperar ou a mente pode esconder)e esta é a maravilha que vem mantendo as estrelas separadas

eu levo o seu coração(eu o levo dentro do meu coração)

i carry your heart with me (i carry it inmy heart)i am never without it (anywherei go you go, my dear; and whatever is doneby only me is your doing,my darling) i fearno fate (for you are my fate,my sweet) i wantno world (for beautiful you are my world,my true)and it's you are whatever a moon has always meantand whatever a sun will always sing is youhere is the deepest secret nobody knows(here is the root of the root and the bud of the budand the sky of the sky of a tree called life;which growshigher than the soul can hope or mind can hide)and this is the wonder that's keeping the stars aparti carry your heart(i carry it in my heart)

[eu levo seu coração comigo(eu o levo dentro]

[i carry your heart with me(I carry it in]

(e. e. cummings, in Complete Poems by e. e. cummings: 1904-1962)

(e. e. cummings, in Complete Poems by e. e. cummings: 1904-1962)

GilamarLeal Santos

“NÃO ESTAR MORTO NÃO É ESTAR VIVO”

21abril

O primeiro livro de fi cção contra o golpe de 1964 foi publicado em Curitiba, em maio de 1965. Foi organizado pelo escritor Walmor Marcelino, intitulado 7 de amor & violência, e reunia sete escritores que Valêncio Xavier, imitando os fi lmes de bangue-bangue que eram caros para essa geração, chamou na segunda edição “A volta dos sete homens maus”, parodiando “Sete homens e um destino”, clássico de 1960 dirigido por John Sturges: Elias Farah, Jodat Nicolas Kury, Nelson Padrella, Oscar Milton Volpini, Sylvio Back, Valêncio Xavier e Walmor Marcelino.

Impresso por Orlando Ceccon na sua gráfi ca e Editora Lítero-Técnica, o livro saiu com 1.500 exemplares que se esgotaram rapidamente na cidade, tanto porque era contra a ditadura, mas também porque, embora tenha ido para as livrarias, usou um recurso de distribuição novo para livros naquele momento: as bancas de revistas. Walmor Marcelino sabia como se comunicar com esse meio e encomendou uma capa apelativa a Álvaro Borges, que caprichou com a ilustração de uma mulher de busto nu tendo sobre o peito, acima do seio e na direção do coração, um punhal e, logo abaixo, um enorme número 7 e o título complementar. Segundo Valêncio Xavier, “Walmor queria uma capa assemelhada à dos livros de sacanagem para o ‘7’ poder circular livremente – sacanagem podia, subversão, não”. O livro foi também ilustrado com desenhos de outros artistas. O recurso, além de buscar um apelo popular que chamasse a atenção dos leitores, procurava, por outro lado, disfarçar seu conteúdo dos militares, uma vez que vários dos escritores já haviam amargado cadeia

por suas militâncias na esquerda, sendo Marcelino o mais calejado “recém-saído de uma das muitas canas que gramou desde o golpe de 64”, conforme Valêncio. Porém, não demorou para que o DOPS descobrisse o livro e o carimbasse como subversivo, indo às livrarias e bancas para recolhê-lo um mês após. Chegou tarde e pegou apenas alguns exemplares, pois a edição se esgotou rapidamente, tornando-se um best-seller e demandando segunda tiragem que já estava em andamento quando se deram as primeiras apreensões. Com o DOPS alerta, a segunda edição foi inteiramente apreendida e destruída.

A segunda edição só veio a sair 20 anos depois, em 1986, publicada pela Criar Edições, e, com os novos tempos, em co-edição com o Governo do Estado. Hélio Pólvora, no Diário Carioca, no Rio de Janeiro, em março de 1965 alertara para o fato de esse ser o primeiro livro fi ccional sobre o golpe, dizendo que “é a primeira experiência fi ccional que toma a ‘revolução’ (vai mesmo entre aspas, porque não se entende revolução sem povo) como pano de fundo, mostrando como ela repercutiu na palhoça do camponês esquecido e como reagiram os jovens angustiados de uma cidade grande”.

Essa angústia estava registrada em várias das epígrafes adotadas como prefácio do livro. Destaca-se a de Sartre: “LIBERDADE – Roquetin: ‘Sou livre: não me resta mais nenhuma razão para viver’”. Havia também uma de Engels: “CONSCIÊNCIA: ‘...Achou-se um novo meio de explicar a consciência dos homens por sua vida, ao invés de explicar sua vida pela sua consciência, como se havia feito anteriormente...’”. Havia uma outra, porém, assinada por “BURMAN”, curiosa porque,

afi nal, “o tal de Burman era um dos mil pseudônimos do Walmor Marcelino”, como informa Valêncio Xavier no posfácio à segunda edição. Os mil pseudônimos não se deviam, é certo, a uma típica frescura beletrista nacional, mas sim à militância clandestina em partidos proibidos naquelas décadas de intensa luta política.

O primeiro conto, de Elias Farah, já começava incisivo no título “Primeiro de abril” e sua explicação: “1º de Abril – Dia consagrado à mentira (tradição brasileira). - 1.o de abril (1964) – Culminância do movimento revolucionário que derrubou João Goulart, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil”. O conto iniciava sua ação com uma fala: “- Compadre, você está preso”. Farah era irônico com a “revolução” caseira e caipira tal como se dera no interior, em que um compadre de repente se via prendendo outro, que estava justamente em meio a uma pescaria a “dar banho nas minhocas”. O pescador achou que era a típica brincadeira de primeiro de abril e continuou a conversa e o banho de minhocas até que o outro disse que ele estava sendo preso por ser comunista, tal como o delegado que ele agora substituía se dizendo “nós, da democracia”, enquanto a mulher do pescador bem lembrava que ele era um próspero dono de cinco casas de meretrício... O fato é que, entre uns tiros e outros, quedas de cavalo roubado e conversa fi ada, Farah diverte o leitor com o golpe que será sempre lembrado pelo 1.o de abril.

Valêncio Xavier, também no espírito irônico, inicia seu conto com um manifesto típico da época sindicalista dos anos Jango que desembocou no golpe. O manifesto, contudo, é do Sindicato dos Profi ssionais do Roubo, que

Sete homens e um destino:contra os foras-da-lei de 1º de abril

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AdemirDemarchi

Música //

Existem tragédias que acontecem diariamente em todo o mundo e que resistem cotidianamente. Não é preciso ir longe para se deparar com tragédias para solidarizar-se. O Brasil lidera o ranking de violência homofóbica, e é também o país que registra mais morte de travestis e transexuais no mundo.

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anunciam que estão entrando em greve pelas péssimas condições de “trabalho” provocadas pela polícia e suas taxas extorsivas... E seguindo a mesma toada, também o Sindicato dos Jogadores e o dos Assassinos e também os bicheiros paralisam suas atividades: “Uma onda de honestidade avassalava a cidade e a Polícia mantinha-se impotente para contê-la”. A Polícia se irritou com a perda de ganhos até que um delegado sabido recorreu ao Ministério do Trabalho, que declarou a greve ilegal... e o Exército entrou em prontidão e assumiu o jogo do bicho planejando também alguns assaltos para acabar com a greve sindicalizada...

Volpini, com “Quem grita na escuridão” relata os percalços de uma moça que vem do interior e perde tudo na capital, obtendo ajuda de apenas um homem que, logo após anunciada sua redenção com essa ajuda, acaba violentamente preso acusado de ser comunista e ela jogada de volta à incerteza.

Kury, em “A Síria após o Atlântico” narra o percurso de seu povo árabe, que passou por cinco séculos de “torpes humilhações” sob as mais diversas ditaduras até chegar a esse narrador do conto, que nasceu num ambiente de conspirações, veio parar em Curitiba e foi obrigado a emigrar de volta para a Síria... As suas descrições sobre tzares, czares e sultões tinham endereço certo na semelhança com os militares.

Nelson Padrella, com “Baralho cortado a 7” e “A serraria” relata a vida de sindicalistas de primeira viagem oportunistas, ecos da criação de grupos guerrilheiros na serra de Paranaguá e conversas sindicais e políticas sobre a conjuntura do país no primeiro conto e a vida explorada de operários numa fábrica no segundo.

Sylvio Back com “Os caranguejos” relata uma invasão surpreendente de caranguejos que começa num estádio de futebol e passa a tomar conta de tudo. Após uma atrapalhada disputa entre o time dos vermelhos com o time dos azuis, os caranguejos passam a ser liderados por um maioral que age como

um general, numa associação direta com o general Castelo Branco.

Walmor Marcelino com “Violenta paz imposta aos mortos (narrativas)” faz o relato do impacto do golpe na vida e nas mentes dos intelectuais e sindicalistas, vários deles foragidos. O conto se inicia com as sugestivas frases: “A verdade foi banida e todos, se quiserem sobreviver ou preservar sua trivial liberdade, devem admitir a regra do jogo. Para falar a verdade é necessário superar o medo e, com estranhos e prepotentes, pedir licença para falar ‘o seu ponto de vista’, a verdade mesma”. Um desses homens sente-se absolutamente só e desnorteado em meio à multidão; outro, aos 37 anos, é tido como impotente sexual pela mulher, alheia ao fato de que ele está tenso com a situação política; um deles sai de casa sem saber se vai retornar, enquanto, no ônibus “Santa Quitéria”, seus pensamentos são tomados pelos boatos de “Banho de sangue em São Paulo. Cadáveres jogados no Tietê”; outro, embora revoltado com a prisão de um amigo, só consegue sentir medo, beber e se esconder; um jornalista e funcionário público, sempre à espera de ser preso, passa por uma sindicância, acusações e finalmente um interrogatório militar, feito por fardados que gentilmente apertam a mão na despedida, de onde finalmente vai para a prisão.

O relato de Walmor Marcelino é de desencanto com as pessoas e o que nelas provocou o golpe. No final do relato, olhando à volta as pessoas conhecidas ou não, o personagem diz: “Sensação de desequilíbrio. Merda de alienados em toda parte. Não haverá um jeito de jogar a juventude, os estudantes, trabalhadores e intelectuais dentro da vida... Como resistir a toda essa massa viscosa, à lama que sobe pelas calçadas e ameaça os pés?” Descartando todos esses que conhece, “intelectuais velhos e novos alienados, mulheres “prostituidoras” das filhas, profissionais da violência...” tenta ser otimista: “Ainda assim a vida é possível. Tem de ser possível”.

Capa orignal

"Walmor Marcelino sabia como se comunicar com esse meio e encomendou uma capa apelativa a Álvaro Borges, que caprichou com a ilustração de uma mulher de busto nu tendo sobre o peito, acima do seio e na direção do coração, um punhal e, logo abaixo, um enorme número 7 e o título complementar. Segundo Valêncio Xavier, 'Walmor queria uma capa assemelhada à dos livros de sacanagem para o ‘7’ poder circular livremente – sacanagem podia, subversão, não'."

23abril

Eu nunca pensei que essas coisas pudessem acontecer com fi lho meu. Tinha tudo, o desgramado. Família católica, sempre ensinando o bom caminho. Estudo a gente deu, amor também. Carinho de mãe? Pra todos os fi lhos, em medida igual. E por que só ele foi parar nessa roubada, então? Você me explica uma coisa dessas? Explica nada. Tragédia assim, a gente sempre pensa que só dá na família dos outros. Agora eu sei, e aviso quem for: pode acontecer com qualquer um. Só que, depois de feito, remédio não há.

No começo, andava triste, assustado, escondido pelos cantos. Na missa não ia mais. Brigava, fazia escarcéu, protestava nossa fé. Dizia que ninguém era obrigado a seguir Pai com Mãe. Só que acabava indo, mais por conta da aporrinhação. E apanhava também, quando dava desboca, pra criar respeito. Adiantava não: continuava sabotando os nossos planos. Calado, mudo, em perigo maior. Conversar não dava mais. Parecia coisa de outro mundo. O Diabo nos olhos! – Jesus que me perdoe. Rebeldia assim inexplicável. Manias de adolescente, eu pensava que fossem. Fiz saber só muito mais tarde que me desenganava, o malicioso.

Com o tempo, foi perdendo a ligação. Com os santos da casa já não tinha o respeito. Rezar? Dizia que rezava sozinho. E a boba pensando que fossem rezas de crença nossa. Acho que fui muito largada, atentei pouco pro que acontecia com o fi lho. Mesmo a vizinha, a casada com o turco, falou um dia: caçula com muitos mimos, não escapa, é sempre assim, desviante. Vá cuidar dos teus problemas que dos meus cuido eu, pensei. No fi m, não devia ter pensado. Deu no que deu: meu fi lho, o mais novo, caindo na teia da pilantragem. Fizeram a cabeça do menino.

Não julgo o meu piá. Fez besteira, anda perdido. Todo mundo erra - quem sabe aprende um dia. Quem eu condeno mesmo é o monstro que alicia. O aproveitador, esperto pras maldades, o que ganha dinheiro com a inocência dos coitados como o fi lho meu. Os que vão atrás não são ruins. Nem querem o mal de ninguém. Caíram na lábia de um safado, os ingênuos. Mas fechar os olhos é impossível. Dinheiro meu, nem fi lho leva. Que vá trabalhar pra sustentar loucura sua.

Às vezes, quando estou na cama, penso no fi lho, o coitado. Nunca pensei que fosse cair nessa roubada. Nós demos tudo pra ele, tudo mesmo. Boa família – foi batizado no primeiro mês de vida. Católico desde sempre. Sou praticante, o marido também. Contribuo na paróquia por vontade própria, não por obrigação e ameaças – capetalismo de outras igrejas que a gente vê por aí. E agora o fi lho caçula anda perdido, confuso das ideias? Será que Jesus perdoa? Será que não é pecado demais? Será que não é muita blasfêmia essa mania de desrespeitar santo e Ave Maria, a mãe de Deus, essa moda de enfrentar pai e mãe?

Apanhar já não dá mais. Ficou um homem, de uns tempos pra cá. Logo aparece com as namoradas, daí o meu medo. E se me arranja uma nora nessa vida que está levando? Contra, não tenho nada não. Só penso que mulher assim não é pra ele, que foi educado certinho, pela família. Pode até ser boa gente, mas que não serve pra ele, ah, isso não serve não. Imagina só se o desgramado se enrosca com uma dessas – imagine o tamanho do problema! Filho meu não vai virar-casaca a vida inteira. Logo volta para o bom caminho, deixa de besteira e manda pastar o tal pastor. Mas casar os dois em que Igreja, se a noiva crente também for?

#Sarau

O tamanho do problema

Marco Aurélio de Souza 

Th iagoDamião

Marco Aurélio de Souza vive em Ponta Grossa (PR) e é formado em História e Linguagem. Publicou os romances O Intruso (2013) e Conexões Perigosas (2014).Escreve no blog: escritaforadesi.tumblr.com/

O malandro anda devagar,atravessa a rua,passa pelo ponto de ônibus,depois se dirige ao bar.

O sol brilha lá no altoe também queima o asfalto.Agora é o meio diada segunda feira. Um empresário apressadodecide ir ao ponto,pois seu carro está quebrado.Ela encontra uma soluçãoe espera ao solchegar uma condução.

Uma moça apaixonadaespera o coletivo chegar.Nada a incomoda.Ela não disfarça seu riso,pois está cheia de amor.

Hoje é o início da semana.Os pontos estão lotadose parecem formigueiros.O trânsito é constante,é lento. Os motoristastêm pressa e nas ruas hámovimento.

Esperam no pontohomem, moça, empresário,

aluno uniformizado,mendigo, operárioe um ceguinho com um cão.O ônibus chega no horário.O motorista do coletivo segue todo diasempre a mesma direção.

No bar perto do ponto,todos estão sossegados.O vagabundo e o malandrosão como empregados ,que têm horário marcado.O malando, à toa, joga sua sinuca e o vagabundo não quer trabalhar.

O pontode ônibus

Não julgo o meu piá. Fez besteira, anda perdido. Todo mundo erra - quem sabe aprende um dia. Quem eu condeno mesmo é o monstro que alicia. O aproveitador, esperto pras maldades, o que ganha dinheiro com a inocência dos coitados como o filho meu. Os que vão atrás não são ruins. Nem querem o mal de ninguém. Caíram na lábia de um safado, os ingênuos. Mas fechar os olhos é impossível. Dinheiro meu, nem filho leva. Que vá trabalhar pra sustentar loucura sua.

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