O EDITORIAL: UM ESPAÇO PARA O ENSINO DA LEITURA · leitura e a escrita de diferentes tipos de...

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O EDITORIAL: UM ESPAÇO PARA O ENSINO DA LEITURA

Ivone Salvalagio Pereira1

Lídia Maria Gonçalves 2

Resumo

Este artigo tem o objetivo de relatar uma experiência pedagógica realizada como implementação do projeto elaborado para o Programa de Desenvolvimento

Educacional do Estado do Paraná (2010/2011). A proposta foi desenvolvida no 2º ano do Ensino Médio como um instrumento para incentivar a leitura e, consequentemente, a escrita desses alunos. O trabalho teve como principal objetivo a formação de leitores e esta ocorreu a partir da leitura de jornais. A importância dos alunos apropriarem-se dos diversos gêneros que o jornal apresenta é inegável, pois são textos que circulam socialmente e com conteúdos da atualidade. De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação, a leitura deve ser compreendida como “um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento” (p. 56). Sendo assim, ter contato com os textos jornalísticos, que já fazem parte do cotidiano das pessoas letradas, é uma maneira de trabalhar o currículo previsto para a sala de aula, de forma a fomentar o interesse por questões políticas/sociais e, assim, realmente formar leitores. Em nossa vida nos deparamos com grande quantidade de gêneros textuais e, embora cada texto seja construído de acordo com sua função e seu objetivo, portanto, cada um possui a sua especificidade, ele faz parte de um agrupamento relativamente estável, isto é, adota características comuns ao gênero discursivo do qual faz parte (BAKHTIN, 2003). O editorial é um dos textos de opinião da esfera jornalística e foi o gênero jornalístico selecionado como ferramenta didática para o ensino de Língua Portuguesa neste projeto. Afinal, concebemos a linguagem como interação entre indivíduos num determinado grupo social (VIGOTSKY, 1989) e os textos midiáticos são instrumentos para promover esta interação entre alunos leitores e o meio social em que vivem.

Palavras-chave: formação de leitores; jornais; editorial.

____________

1 Professora Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura da rede Estadual de Educação do

Estado do Paraná no Colégio Estadual Souza Naves.

2 Professora Pós-Doutora da Universidade Estadual de Londrina - Orientadora.

Abstract

This article aims to report a pedagogical experience conducted as implementation of the project prepared for the Educational Development Program of Paraná (2010/2011). The proposal was developed in the 2nd year of high school as a tool to encourage reading and consequently writing of these students. The work had as main objective the forming of readers and this occurred from reading newspapers. The importance of the students taking ownership of the various genres that the newspaper presents is undeniable, because they are texts that circulate socially and with current content . According to the Education Curriculum Guidelines, reading should be understood as "a dialogical interlocutive act that involves social, historical, political, economic, educational and ideological demands of a given time" (p. 56). Thus, having contact with the journalistic texts, which are already part of everyday life of literacy people is a way to work the planned curriculum for the classroom in order to foster interest in politics / social questions, and thus actually to form readers. In our lives we are faced with large amounts of text genres, and although every text is constructed in accordance with its function and purpose, so each one has its specificity, it is part of a group relatively stable, if that is adopts it common characteristics to the genre to which it belongs (BAKTIN, 2003). The editorial is one of the texts of opinion in the journalistic sphere and journalistic genre was selected as a teaching tool for teaching the Portuguese language in this project. After all, we conceive language as interaction between individuals in a particular social group (VYGOTSKY, 1989) and media texts are tools to promote this interaction between students and readers and the social environment in which they live. Keywords: forming of readers, newspapers, publishing. 1 Introdução

A pedagogia contemporânea volta-se para o desenvolvimento da criticidade e

vê a escola como um espaço democrático onde todos têm direito à apropriação do

conhecimento acumulado pela sociedade. O ensino da língua materna, tanto na

escola pública como na particular, no momento atual, baseia-se na aprendizagem de

gêneros textuais e busca facilitar o acesso ao maior número possível destes gêneros

em sala de aula, levando os alunos a interagirem com o conhecimento. Por meio do

contato com textos diversos e por intermédio da leitura, o aluno adquire novos

conhecimentos. A leitura de textos dos mais diversos gêneros ajuda no

desenvolvimento do aluno como leitor e como cidadão participativo de uma

sociedade ao impulsionar a interação entre os indivíduos e o meio sócio-cultural.

Apesar de todas as pesquisas sobre a importância da leitura para o cidadão,

das campanhas incentivadoras da leitura e do trabalho de muitos professores, o

desinteresse em sala de aula é visível. O descomprometimento com o aprendizado

tem sido um desafio no ambiente escolar e, quando se trata do ensino de Língua

Portuguesa, não é diferente. No geral, os alunos ainda demonstram dificuldade em

compreender e em interpretar os textos propostos, bem como de produzi-los com

clareza, criatividade e criticidade. Esse diagnóstico evidencia a necessidade de

revisão das práticas pedagógicas à luz da produção científica na área educacional.

Neste sentido, o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) é um caminho

para que a qualidade do ensino avance, pois este programa gera condições para o

educador repensar a sua prática e otimizá-la, a medida que considera o

conhecimento didático acumulado e alia a ele contribuições de várias áreas do

saber. No caso das ciências da linguagem revimos estudos oriundos da

psicolinguística, da sociolinguística, da semiótica, da linguística textual, da análise

do discurso, entre outros ramos. Tais estudos são o alicerce teórico que nos

respaldam para respondermos questões da prática pedagógica e impulsionarmos

nossos alunos no processo de letramento. Para Signorini (2001), letramento são as

inúmeras práticas sociais que integram a produção e a leitura de materiais escritos.

Durante as atividades diárias, são muitos os gêneros textuais com os quais

nos deparamos e temos que compreendê-los; cada um tem estrutura, função,

linguagem e objetivo diferentes. Compreender essas características favorece a

leitura e a escrita de diferentes tipos de textos, colaborando para desenvolver um

perfil de leitor proficiente. E é a escola que deve trabalhar desenvolvendo a

habilidade de leitura e capacitando o aluno a ser esse leitor eficiente. De acordo com

as Diretrizes Curriculares (2008), o conceito de letramento a ser posto em prática é

aquele em que o indivíduo consegue lidar com a linguagem em qualquer situação

social e, além disso, utiliza a leitura e a escrita em sua vida, a seu favor e com

eficiência.

O professor de Língua Portuguesa precisa, então, propiciar ao

educando a prática, a discussão, a leitura de textos das diferentes

esferas sociais (jornalística, literária, publicitária, digital, etc.) Sob o

exposto, defende-se que as práticas discursivas abrangem, além dos

textos escritos e falados, a integração da linguagem verbal com

outras linguagens (multiletramento). (PARANÁ, 2008, p.50)

A partir dessa orientação para o ensino da Língua Portuguesa, propomo-nos

a desenvolver propostas para o trabalho em nossa sala de aula com textos que

circulam na sociedade e que tenham relação com a realidade em que o aluno vive.

Os textos jornalísticos são ótimos instrumentos para trabalharmos com textos reais,

pois são produzidos e postos em circulação, diariamente ou com uma frequência

que lhes garanta o frescor, a atualidade.

Fundamentados nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica (2008)

elegemos o ensino dos gêneros discursivos como conteúdo básico de Língua

Portuguesa. Este artigo apresenta uma proposta pedagógica desenvolvida com

alunos do 2º ano do Ensino Médio e consiste em oportunizar a leitura e a

compreensão de um dos gêneros jornalísticos considerados mais complexos, por

apresentar uma linguagem mais elaborada e abordar diferentes temas políticos,

sociais e econômicos, em outras palavras, o editorial foi o gênero enfocado neste

projeto, a fim de favorecer a competência comunicativa de nossos alunos. As

atividades foram centradas na leitura de editoriais diversos e na análise dos

mesmos; as atividades elaboradas em uma sequência didática para que houvesse

uma continuidade e aprofundamento da capacidade leitora do aluno.

Este trabalho iniciou-se com a escrita de um projeto de intervenção

pedagógica sobre o tema “Ensino e Aprendizagem de Leitura: a utilização do jornal

como ponto de partida para a formação do leitor”, e desenvolveu-se sob a orientação

da Professora Pós-doutora Lídia Maria Gonçalves, do Departamento de Letras

Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Após a

aprovação do projeto, foi elaborado um Caderno Pedagógico intitulado “O editorial:

um espaço para o ensino da leitura” e, a partir dele, a implementação em sala de

aula com os alunos.

A leitura, apesar de aparentar ser um comportamento solitário, isolado de

outros, não o é. É uma atividade social, pois há um diálogo entre o leitor e o texto e

este vem permeado de várias vozes que foram utilizadas pelo autor e da voz do

próprio autor. Estas vozes passaram pelo filtro ideológico do momento histórico em

que o discurso foi produzido e do momento de recepção desse texto, isto é, a

participação do leitor para que o texto se concretize. Ler informa e traz

conhecimentos, pode auxiliar o indivíduo a ser mais participante na sociedade onde

vive, a assumir um ponto de vista, desenvolver o sentimento de pertinência a uma

comunidade e, com isso, tomar atitudes em prol do lugar onde vive.

Os textos trazidos pelos diversos jornais que circulam no país, quer

diariamente, quer com outra frequência editorial, sempre discutem assuntos da

atualidade e que são pertinentes para a sociedade. E, justamente por isso, podem

ser ótimas ferramentas para o trabalho em sala de aula e para que a formação do

leitor aconteça de fato. Dentre os diversos gêneros contidos em um jornal, o editorial

é um texto argumentativo, sobre um assunto atual, que traz ao leitor a opinião da

empresa jornalística ou da equipe de redação sobre tema polêmico, na tentativa de

convencer o seu leitor a aderir àquele posicionamento. Em classe, podemos planejar

atividades didáticas para estimular o desenvolvimento do senso crítico e, assim,

fazer com que o leitor posicione-se a favor ou contra as ideias apresentadas e

formule argumentos para justificar o seu parecer.

Este é um tipo de texto que privilegia o ensino da criticidade. A partir do

editorial, é possível refletir sobre o momento de produção e a intenção do produtor

ao escrever, pois nenhum discurso, por mais que busque a impessoalidade, é

neutro, todos têm uma intenção e o bom leitor deve ser capaz de identificá-la. Ele

deve ser capaz de analisar em que contexto histórico o texto foi produzido, pensar

sobre quais interesses políticos e/ou econômicos possui a empresa jornalística que

o publicou e do que ela pretende convencer. Tais procedimentos necessitam da

habilidade de ler também as antrelinhas.

Por isso, essa proposta de trabalho pretendeu formar leitores, isto é, levar o

aluno a desenvolver as habilidades de leitura necessárias ao bom leitor, promover

uma prática de leitura na sala de aula e a continuidade dessa prática além dos

muros da escola. Pretendeu ainda que as práticas de leitura sejam feitas de forma

eficiente, contribuindo com a formação de um cidadão capaz de empregar a

linguagem em variadas situações sociais. Para alcançar esse objetivo, levamos os

alunos a conhecerem, lerem e pesquisarem editoriais diversos e a perceberem

nestes textos as marcas que mostram a posição dos redatores e o posicionamento

ideológico da empresa que os publicam. Enfim, tomamos o texto como unidade de

ensino e desenvolvemos a prática de reflexão sobre a língua por meio de textos

usados em situações reais; no uso da linguagem posta em funcionamento, o aluno

aprende a interpretar textos e a ler a vida.

2 Concepções sobre a prática de leitura

O conhecimento nos chega através da linguagem, por isto a leitura é

importante para todos os cidadãos, pois vivemos em uma sociedade que exige cada

vez mais o contato com a língua escrita e o domínio de informações. Fazer a leitura

de um texto envolve primeiramente a capacidade de decodificar as palavras e, para

isso, é imprescindível que o leitor domine o código em que o texto está escrito. Mas,

decodificação é somente a primeira parte do processo, simultaneamente, deve

acontecer a compreensão da mensagem e, a seguir, sua interpretação.

Atualmente, a concepção de linguagem que predomina entre os estudiosos

da língua é sintetizada nas Diretrizes da Educação Básica (2008) e denomina-se

interacionista, entende-se que o produtor e o receptor são sujeitos que interagem

com o texto oral ou escrito, alinhavando o sentido a partir do espaço e do momento

da produção e da recepção, pois ambos são interlocutores, funcionam como

participantes ativos para que o texto tenha significado e haja comunicação. Essa

concepção de linguagem a entende como prática social, isto é, pressupõe atitudes e

reações a partir do contato com a leitura e a escrita e não uma mera decodificação

dos signos.

Numa concepção interativa da linguagem, o leitor tem a mesma importância

do autor do texto, pois as suas experiências/conhecimentos contribuem para dar

significado ao texto. A leitura, apesar de ser individual, é determinada pelas

circunstâncias em que acontece, isto é, depende das condições sociais, históricas,

culturais e afetivas do leitor. É ele que, conforme sua capacidade leitora amplia o

sentido esperado; suas impressões, de certa forma, completam o texto. Podemos

ver a leitura como “o momento de interação verbal, uma vez que é nele que se

desencadeia o processo de significação” (ORLANDI, 1998). Assim, não há leitura

sem que haja significação e, para que este processo de compreensão seja eficaz, é

necessário estabelecer relações entre os textos lidos e aprender a ler também os

elementos implícitos e, até mesmo, o que não foi dito ou escrito, refletindo sobre o

porquê das omissões.

Como se vê, o modo de se enfocar a linguagem não é mais fundamentado

por um conceito estruturalista (de transmissão e devolução de conhecimentos) e sim

na reflexão crítica. Entretanto,

O aluno-leitor é uma ilha cercada de textos fragmentados por todos os lados. As solicitações de leitura são tantas e tão dispersas que podemos até pensar na imagem desse currículo como o de um “ouriço invertido” lançando espinhos torturantes a todo o momento e acabando por frustrar as interações significativas do leitor com os textos. O estilhaçamento dos conteúdos e referenciais é tão grande (seja numa disciplina, seja entre as disciplinas) que podemos atribuir a qualidade de heróis aos sobreviventes desse meio caótico. (SILVA, 2005, p.24).

Levando-se em consideração que o aluno que lê é o aluno que escreve, pois

a formação de leitores encaminha a produção de textos eficazes, o trabalho com a

leitura e com a escrita, isto é, orientar a leitura e a escrita é tarefa de

responsabilidade de todos os professores da escola, e não somente do professor de

Língua Portuguesa. Afinal, a linguagem está entre o sujeito e o objeto da

aprendizagem, seja ele qual for. E cada professor de acordo com sua disciplina,

trabalha textos escolhidos por ele. O aluno pode ler, analisar esse texto e o

esquecer/ deletar da memória, pois, na aula seguinte, lerá outro texto, de gênero e

conteúdo diferentes, e assim sucessivamente.

Como melhorar esse trabalho, para que deixe de ser como uma colcha de

retalhos costurada sem planejamento? Conseguir encaminhar um trabalho conjunto

em todas as disciplinas ainda é difícil, por razões que variam de um estabelecimento

escolar para outro. Mas é possível conseguir desenvolver projetos interdisciplinares

em algumas escolas e que, pelo menos, nas aulas de Língua Portuguesa, o trabalho

com a leitura seja feito conforme a teoria interacionista, pois esta orienta para o

estudo dos gêneros textuais e haja uma sequência desse trabalho, para que faça

sentido para o aluno leitor. Em outras palavras, é preciso considerar os usos e

funções dos textos em situações comunicativas concretas e promover um ensino em

espiral, que estimule o intelecto do aluno a apropriar-se de conhecimento a partir

dos que já possui e tendo o professor como um mediador, isto é, um possibilitador

das interações entre os alunos com os objetos de conhecimento. (VYGOTSKY,

2001)

De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica, a leitura é

vista como um ato dialógico, interlocutivo e o leitor têm um papel ativo no processo

da leitura. (p.56) Um texto não pode ser entendido sem levar-se em conta o seu

momento de produção: o contexto, a linguagem, a cultura, a história, a economia,

outros textos que tenham relação com este, entre outros fatores.

A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão. (KLEIMAN, 2009 p. 13).

Sob esse enfoque sugere-se, nas Diretrizes, que o ensino da leitura seja

utilizado para "propiciar uma atitude crítica que leve o aluno a perceber o sujeito

presente nos textos e tomar uma atitude responsiva diante deles" (PARANÁ, 2008, p

71).

2.1 Contribuições da linguística aplicada ao ensino de Língua Portuguesa

Levando-se em conta o que sugerem as Diretrizes curriculares para a Língua

Portuguesa sobre a concepção de linguagem a ser adotada e a visão de leitura a ser

encaminhada no trabalho prático da sala de aula, a escolha do texto a ser analisado

é muito importante. O trabalho com um texto que discute assuntos próximos à vida

dos alunos é uma forma de motivá-los a ler, pois há uma interação entre os diversos

envolvidos (autor, veículo, tema, local, leitor), sendo mais fácil despertar o interesse

quando se trata de temas mais próximos à sua vida. Porém, cabe ao professor levar

o aluno a perceber o aspecto social do tema em questão, relacioná-lo com a sua

realidade e, assim, atribuir um sentido à leitura. Para que o leitor menos experiente

torne-se, realmente, um leitor capaz e crítico passando a ler com maior frequência e

com melhor proficiência, ele necessita da mediação de um leitor mais experiente,

que atue de forma a ampliar o seu universo cultural. Por isso, deverão ser realizadas

atividades que levem à reflexão dos fatos linguísticos e à discussão dos fatos sociais

para que realmente as leituras realizadas tenham significado para o aluno, pois não

é possível trabalhar pensando em texto sem contexto.

É importante ponderar a pluralidade de leituras que alguns textos permitem, o que é diferente de afirmar que qualquer leitura é aceitável. Deve-se considerar o contexto de produção sócio-histórico, a finalidade do texto, o interlocutor, o gênero. Desse modo, para o encaminhamento da prática de leitura, é preciso considerar o que se quer trabalhar e, então, planejar as atividades. (PARANÁ, 2008, p. 72).

Realmente, o ato de ler tem várias finalidades de acordo com as

circunstâncias e as necessidades de cada leitor: conhecimento, informação,

curiosidade, diversão, entre outros fins. Portanto, o aluno vai interessar-se mais pela

leitura, ao conseguir identificar-se com o texto, quer seja em razão do espaço

enfocado, dos personagens, do assunto discutido. Enfim, as situações colocadas

são determinantes para o sucesso ou insucesso de toda ação de ler. Atualmente,

vários pesquisadores dedicam-se a investigar o efeito do texto sobre o leitor em

particular, como esse leitor reage ao texto.

A característica mais saliente do leitor proficiente é sua flexibilidade na leitura. Ele não tem apenas um procedimento para chegar aonde ele quer, ele tem vários possíveis, e se um não der certo, outros serão ensaiados. (…) O leitor experiente tem duas características que tornam a sua leitura uma atividade consciente, reflexiva e intencional: primeiro, ele lê porque tem algum objetivo em mente, isto é, sua leitura é realizada sabendo para que está lendo, e, segundo, ele compreende o que lê, o que seus olhos percebem seletivamente é interpretado, recorrendo a diversos procedimentos para tornar o texto inteligível quando não consegue compreender. (KLEIMAN, 2009, p. 51).

Para se tornar um leitor, ter acesso a materiais de leitura é fundamental. Os

textos literários, aliados a outros que circulam na sociedade, como os jornalísticos e

os científicos, podem ajudar a formar o hábito e o gosto pela leitura, dependendo da

maneira que ocorrer a transposição didática dos mesmos, por isso o papel da escola

é decisivo na formação do leitor. É na escola que se tem maior oportunidade de

contato com textos diversos. Zilberman (1990, p.18) diz: “A execução dessa tarefa

depende de se conceber a leitura não como o resultado satisfatório do processo de

alfabetização e decodificação de uma matéria escrita, mas como atividade

propiciadora de uma experiência única com o texto”.

Aguiar (1993, p.61) confirma a importância da escola como formadora de

leitores: “A leitura não é um comportamento natural do ser humano, como comer ou

dormir, ela é cultural e precisa ser adquirida normalmente, cabe à escola nossa

introdução no mundo das letras”.

Esse conceito é reafirmado por Silva (2005, p.64), ele assegura:

A leitura (ou a resultante do ato de se atribuir um significado ao discurso

escrito) passa a ser, então, uma via de acesso à participação do homem

nas sociedades letradas, na medida em que permite a entrada e a

participação no mundo da escrita; a experiência dos produtos culturais que

fazem parte desse mundo só é possível pela existência de leitores. Daí ser

a escola uma instituição formal que objetiva facilitar a aprendizagem não só

do falar e ouvir, mas principalmente do escrever e ler.

Para ser mais amplo, o conceito de leitura deve ser estendido como expõe

Paulo Freire, “à leitura do mundo”. E nesse sentido, dar espaço no ambiente escolar

aos textos jornalísticos é muito importante. Afinal, lemos com diferentes finalidades;

muitas vezes, lemos para estudar e aí incluímos textos científicos, resumos,

resenhas e fichamentos; outras vezes, lemos por prazer, para apreciarmos a

linguagem como manifestação artística e, nesse contexto, a literatura é essencial;

também lemos para nos atualizar sobre o que se passa em nosso mundo, então

revistas e jornais são indispensáveis. Portanto, precisamos ampliar o capital cultural

de nossos alunos, e podemos fazer isto com o auxílio de diversos suportes textuais.

A pluralidade de gêneros textuais e de suportes onde são veiculados é

enriquecedora. Não queremos limitar o letramento escolar aos gêneros da esfera

midiática, pois este processo envolve a apropriação de gêneros de variadas esferas

da atividade humana, inclusive da mídia.

Tendo contato com diversos gêneros textuais, o aluno terá maiores chances

de progredir sistematicamente em sua capacidade de leitor competente. O jornal é

um suporte que oferece diferentes gêneros e que deve ser um material aproveitado

em sala de aula. O texto trazido pelo jornal está situado em um contexto sócio-

histórico, existe um posicionamento, uma finalidade de quem o produz, a sua

construção composicional é definida pelo gênero discursivo adotado e pelo estilo do

autor, e a linguagem adequada ao seu objetivo é a culta. Por isso, este suporte

textual é uma opção atraente, tanto para o trabalho com a leitura, quanto para o

ensino da produção escrita, pois textos reais, circulantes na sociedade e não criados

artificialmente para a sala de aula.

Nesta perspectiva, propomos um programa para a formação de leitores e ensino da língua culta em uso, capturando-a viva e pulsante na mídia jornalística escrita. Tal abordagem favorece um maior domínio da variedade culta da língua por parte dos alunos, pois não trabalhamos com a língua, de forma abstrata, fora do contexto de uso. Aliás, o primeiro argumento que nos faz pensar no jornal como ferramenta alternativa para a formação de leitores é a linguagem em seu contexto de uso. (GONÇALVES, 2010, p.67).

Desse modo, utilizar o jornal para o trabalho em sala de aula é uma opção

para que o estudo da língua realize-se em situação de uso, é até mais fácil

organizarmos o trabalho com atividades significativas a partir de um veículo de

comunicação real e dentro da perspectiva de linguagem interacionista, conforme

orientação das Diretrizes Curriculares do Paraná. E, se não for mais fácil,

certamente é produtivo. No entanto, o professor deve estar motivado e acreditar

efetivamente que o trabalho com a mídia escrita é um recurso didático eficaz. Esta

compreensão é o motor que nos move a encaminhar a implementação de

sequências didáticas com os gêneros textuais da esfera jornalística.

Segundo Gonçalves (2004, p. 237- 238) o jornal é um recurso didático capaz

de:

• Diminuir o tempo morto: por oferecer textos de interesse para os alunos, pois o jornal traz vários temas familiares e interessantes, o que estimula os alunos a realizarem a leitura em busca de informações socialmente significativas;

• Atenuar as contradições: por relacionar os conteúdos teóricos com a realidade social, estabelecendo ligação entre os conteúdos ensinados na escola e o que acontece na vida real, como requer a política do MEC;

• Eliminar os estigmas: por permitir o conhecimento da diversidade e poder ser usado para atividades que socializam o aluno, como compartilhar com os colegas seus conhecimentos e experiências sobre o tema;

• Atender às cobranças externas: por estimular a relação entre escola e sociedade, com base nos temas da atualidade, o que pode instigar maior participação social e gerar interação entre a realidade dos alunos e a realidade escolar;

• Influenciar no domínio institucional: por facilitar o relacionamento dos conteúdos com a realidade social e outorgar atualidade aos conteúdos abordados, além de dinamizar criativamente a programação do professor já que não traz exercícios prontos;

• Democratizar a interpretação oficial: por apresentar diversas informações e interpretações sobre os fatos da atualidade, o jornal representa uma fonte de atualização, que, entretanto, são guiadas pela política administrativa da empresa. Portanto, se procurarmos a mesma notícia em outro jornal ou veículo de comunicação, é possível encontrar diferentes versões ou interpretações sobre o mesmo evento ou assunto.

Os textos apresentam aspectos comuns de formato e de linguagem.

Pertencendo a uma mesma esfera ou domínio discursivo, Dolz, Noverraz e

Schneuwly propõe um agrupamento de gêneros com base nos domínios sociais de

comunicação: narrar, relatar, argumentar, expor e prescrever. (cf. SAITO e

NASCIMENTO, 2005, p.23)

O editorial é um dos gêneros discursivos apresentados pelos jornais, e por ser

altamente argumentativo, pertence à ordem do argumentar. É um texto de opinião

que lida com ideias, argumentos, colocando a posição do jornal acerca de um

determinado assunto da atualidade, principalmente sobre matérias publicadas no dia

anterior. Seu tema é considerado relevante naquele momento e publicado sem

assinatura, por ser o seu conteúdo de responsabilidade da empresa jornalística.

Segundo a Folha de São Paulo, em seu manual de redação:

"o editorial é um texto que expressa a opinião de um jornal. Na Folha, seu estilo deve ser ao mesmo tempo enfático e equilibrado. Deve evitar a ironia exagerada, a interrogação e a exclamação. Deve apresentar com concisão a questão de que vai tratar, desenvolver os argumentos que o jornal defende, refutar as opiniões opostas e concluir condensando a opinião adotada pela Folha". (WWW.folha.uol.com.br)

O editorial não costuma ser um texto muito simples e é destinado a um

público mais específico, aquele que se interessa por política, economia e sociedade,

ou seja, sujeitos cultos, como os alunos que pretendemos formar com este perfil.

Estes textos costumam utilizar uma grande variedade de recursos linguísticos, o que

possibilita a oportunidade de discussão e de aprendizagem da língua, tornando a

aula de leitura um momento para se construir sentidos a partir de textos que

oferecem essa possibilidade, pois não são meramente conjuntos de palavras, mas

são formados por palavras que expõe visões de mundo. Dentro de um contexto

social democrático, as opiniões podem ser diversas e para fundamentar as minhas

devo conhecer a dos outros, tendo liberdade para aceitá-las ou refutá-las.

3 Procedimentos metodológicos

A proposta de se trabalhar com jornais em sala de aula iniciou-se com muita

leitura sobre o assunto. A partir do estudo de pesquisas realizadas na área da

Linguística aplicada ao ensino de Língua Portuguesa e em outros ramos das

ciências da linguagem aconteceu a elaboração de um projeto de pesquisa e de um

caderno pedagógico onde foram organizadas atividades diversas para a realização

da implementação em sala de aula, ocorrida em uma etapa posterior.

Essas atividades foram, planejadas a partir do referencial teórico pesquisado

e foram desenvolvidas durante quatro meses, com alunos do Ensino Médio, com o

objetivo geral de conscientizá-los da importância da leitura em suas vidas e não

somente na escola, e com o objetivo específico de aproximar este grupo de alunos

de textos jornalísticos e tornar o gênero editorial familiar para eles. Para desenvolver

a habilidade de leitura e reflexão de textos jornalísticos, trabalhamos com o texto

integral e, sempre que possível, em seu suporte de circulação; instigamos os

estudantes a conhecer e compreender o gênero editorial publicado diariamente no

país e os capacitamos a analisar os mecanismos de textualização que compõem o

gênero selecionado; desse modo, conciliamos o ensino da linguagem com a

formação de um leitor capaz de ter e expor sua opinião.

O momento inicial de execução desse projeto foi escolhido para ser realizada

uma diagnose. A partir de alguns questionamentos, o aluno foi estimulado a expor

seu conhecimento sobre textos jornalísticos, em especial sobre o editorialista, mas

também relatar a constância na leitura desse suporte e preferências pessoais em

relação à leitura do jornal. Deixamos bem claro que o único propósito daquela

atividade era a necessidade de informações para a professora sobre o

conhecimento deles em relação a este veículo de comunicação. Com base nessas

informações, realizaríamos o trabalho naquele semestre.

As questões colocadas aos alunos foram:

1- O que é ler para você? Quando é possível dizer que uma pessoa sabe ler? E

quando dizemos que um indivíduo é leitor?

2- Você costuma ler jornais? Com que frequência? A quais jornais você tem

acesso?

3- É importante ler os jornais que circulam na cidade? Por quê?

4- Por quais cadernos você tem maior interesse?

5- Você sabe o que é um editorial? Quem o escreve? De que assuntos este

gênero textual trata? Explique.

6- O editorial é um texto publicado em todos os grandes jornais. Por que isto

acontece?

7- Nos jornais diários, o editorial é um texto publicado diariamente ou é uma

seção que circula em alguns dias da semana? Por que isto ocorre?

8- Quando lê jornais, você lê o editorial? Sempre? Algumas vezes? Nunca lê?

Recolhidas as respostas, ao fazer a análise das mesmas, nos deparamos com uma

realidade ainda mais difícil do que havíamos imaginado. Poucos alunos tinham

contato esporadicamente com o jornal e, diariamente, nenhum deles. Dos 38 alunos

que responderam às questões, 19 disseram não ler jornais por não se interessarem

mesmo e, na verdade, não liam nada. Os outros 19, disseram ler, mas não

diariamente. Liam em alguns domingos. Em relação aos meninos, somente o

caderno de esportes ou classificados, já as garotas liam o caderno denominado

folha 2 (o jornal a que disseram ter acesso é a Folha de Londrina) e alguma notícia

cuja manchete chamou a atenção. Contudo, apesar de os garotos afirmarem ler

somente o caderno de esportes, percebemos depois, conversando com eles, que

passavam os olhos pela primeira página e sabiam quais eram as principais notícias

do dia.

Ficou claro com a diagnose, que, apesar de 50% apenas desse grupo ler

esporadicamente algum texto dos jornais, todos, sem exceção, disseram acreditar

ser importante ler os jornais da região e de outros lugares também, pois sabem que

é essencial ter-se conhecimento dos fatos acontecidos na região, no país e em

outros lugares do mundo, isto é, manter-se atualizado. E ainda afirmaram que o

jornal traz uma linguagem diferente da linguagem contida nos livros e eles

acreditavam que esses textos também deveriam ser lidos.

Em relação ao gênero textual editorial, 100% dos alunos não conheciam nem

sabiam explicar o que era esse texto, quem era responsável por ele ou os assuntos

tratados. Se haviam lido o editorial alguma vez, não se lembravam ou não sabiam

tratar-se deste texto. Dos 38 alunos, somente seis (6) deles arriscaram-se a tentar

responder se o editorial seria publicado diariamente e por quê. Colocaram que

deveria ser uma parte importante dos jornais e atrair leitores, por provavelmente,

tratar de assuntos que interessariam muito às pessoas.

Foi possível observarmos que, mesmo sem conhecer o gênero e ter o hábito

de lê-lo, esses estudantes devem ter percebido que, se a professora fez uma

pergunta direta sobre ele, deveria ser um texto interessante ou importante no jornal.

Após a diagnose, tendo em mãos o resultado, veio a certeza de que seria

necessário iniciar apresentando o jornal ao aluno, como um veículo de informação

que contém textos variados, pois a maioria não estava familiarizada com ele.

Fizemos uma motivação para o trabalho e uma familiarização com o jornal: quais

cadernos ele apresenta, quais seções são publicadas em cada caderno, quais são

diárias. Para isso, vários jornais circularam livremente pela sala, para que lessem o

que quisessem e, depois, acompanhassem a professora na apresentação de cada

caderno.

Na próxima aula, alguns questionamentos foram feitos oralmente pela regente,

para que a turma pensasse sobre textos jornalísticos e interagisse entre si:

É difícil entender os textos jornalísticos?

Todos os textos publicados nos jornais apresentam as mesmas

características?

Será que alguns são mais difíceis que outros, para o leitor? Por quê?

O editorial é um texto fácil ou difícil de ser lido por você?

Ler editoriais de qualquer jornal em circulação no país poderia ajudar a

ler bem outros tipos de textos? Por quê?

O que seria preciso fazer para lermos mais os editoriais?

Após os questionamentos e comentários obtidos, ficou claro que, apesar de

não terem o hábito de ler jornais, a grande maioria dos alunos percebia a

importância deles e o porquê de circularem até diariamente, e consideravam

provável que um leitor de jornal fosse um bom leitor de outros textos também.

Restava, então, atenuar a resistência deles em relação a ler editoriais, textos que

eles consideravam difíceis, sem ao menos conhecê-los.

Nesta fase introdutória, a atividade proposta foi relacionar o editorial com uma

notícia veiculada por dois telejornais de empresas diferentes: um vídeo do “Jornal

Nacional” da Rede globo e outro do “Jornal da Band” da Rede Bandeirantes, ambos

veiculados em maio de 2011, sobre o livro didático “Por uma vida melhor”,

distribuído pelo Mec para o Ensino de Jovens e Adultos (EJA). A televisão apresenta

a notícia, informando sobre o assunto, enquanto o artigo de opinião, a carta do leitor,

o editorial - gêneros da ordem do argumentar- procuram analisar o fato, trazer

exemplos, divulgar opiniões de outras pessoas, instigando o leitor a formar uma

opinião. É muito mais fácil cair no comodismo do telejornal e somente ouvir as

notícias, aceitá-las e não refletir sobre os acontecimentos. No entanto, sabemos que

para o aluno do Ensino Médio que está preparando-se para a vida adulta, neste

mundo cada vez mais letrado e competitivo, é preciso mais.

A concorrência de linguagens e veículos, certamente de maior apelo aos mais jovens, como é a televisão e o computador, acarreta maior dificuldade em conseguirmos a atenção deles para ler um livro, uma revista ou um jornal, veículos que, além de tudo são mercadorias caras em nosso país. A capacidade de ler e interpretar múltiplos textos é absolutamente essencial no e para o mundo que vivenciamos, mundo em que circula um infinito volume de informações com as quais estabelecemos variados nexos, gerando conhecimentos que nos instrumentalizam como cidadãos capazes de atuar na sociedade. O desenvolvimento tecnológico requer um leitor que seja capaz de apropriar-se da mensagem, que estabeleça relações entre o texto lido e as experiências de leitor, entre os textos e o mundo. (GONÇALVES, 2010, p.69).

Concordando com a afirmação, pensamos ser necessário que o aluno

perceba as diferenças entre um gênero e outro quanto ao tema, ao estilo e a

construção composicional. E não somente distinções na linguagem, mas também na

ideologia de cada veículo de comunicação. Por isso, após assistirem aos vídeos

foram levados a refletir e colocar o que perceberam.

Após assistirem ao vídeo, debatemos:

O que os vídeos têm em comum?

Qual é o assunto deles?

Já tinham conhecimento do assunto?

Onde ouviram ou leram a esse respeito?

Este é um assunto que interessa a quem?

Vocês têm uma opinião a esse respeito? O que pensam sobre isso?

Na sequência, foi realizada a leitura de dois textos jornalísticos que tratavam

do mesmo assunto analisado já analisado por eles via vídeo. Leram um texto de

opinião, assinado pelo articulista e um editorial. Os textos apresentavam opiniões

opostas e ambos traziam argumentos suficientes para convencer sobre o ponto de

vista apresentado. O trabalho realizado, então, foi uma comparação entre os vídeos

e os textos e, a seguir, entre os textos escritos, pois eles possuem diferenças de

estrutura e não somente diferenças no ponto de vista apresentado, por exemplo, o

texto de opinião estava assinado e o editorial não. Os alunos foram levados a pensar

sobre isso e, assim, o gênero editorial foi introduzido. Inicialmente, levamos vários

editoriais para a leitura a fim de que eles reconhecessem as suas principais

características e, coletivamente, pouco a pouco fomos constatando as

características do gênero editorial.

O próximo passo foi levá-los a se familiarizar com o primeiro caderno e com a

página opinião, para que percebessem a diversidade de temas e de gêneros

encontrados. Somente depois de muitos editoriais serem lidos é que analisamos

todos os aspectos que este gênero apresenta. Normalmente, o editorial apresenta

uma estrutura fixa: apresentação do assunto, os argumentos que sustentam a tese

defendida e a conclusão. Os alunos passaram a atentar para a estrutura do texto

pertencente ao gênero textual em análise, visualizaram a importância de argumentos

para sustentar a tese defendida e de saber relacionar o término do texto à ideia

inicial. Também chamamos a atenção para os recursos expressivos utilizados em

cada texto lido.

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 262-263).

Durante estas atividades, alguns alunos apresentaram muita dificuldade em

perceber os argumentos utilizados pelo autor. Muitos textos foram lidos e relidos até

que todos percebessem que os argumentos estão diretamente ligados ao tema e ao

ponto de vista veiculado. Fizemos debate sobre o tema de cada editorial

selecionado, conversamos sobre o que já sabiam do assunto, a fim de fazê-los

falarem sua opinião, para perceberem que é necessário mais que somente discordar

ou concordar com algo; para convencer, é preciso ter argumentos e saber como

defendê-los, é preciso conhecimento do assunto. No desenrolar da sequência

didática puderam perceber quais argumentos foram utilizados e que fontes de

pesquisa foram eleitas pelo autor para afirmar ou exemplificar dados.

Ficou mais claro ao aluno, então, como o texto foi construído pelo editor, e

que o conhecimento que ele – o leitor – já tem sobre o assunto auxilia na

compreensão do texto, quando acionados por ele.

Como apontamos anteriormente, o leitor eficiente faz predições baseadas no seu conhecimento de mundo. Na aula de leitura é possível criar condições para o aluno fazer predições, orientado pelo professor, que além de permitir-lhe utilizar seu próprio conhecimento, supre eventuais problemas de leitura do aluno, construindo suportes para o enriquecimento dessas predições e mobilizando seu maior conhecimento sobre o assunto. (KLEIMAN, 2008, p.52).

E foi isso que procuramos fazer nos textos lidos pelos alunos, que eles

acionassem o conhecimento que já dispunham, para facilitar a compreensão do

texto e, então, tendo compreendido o exposto no editorial pudessem ampliar o

conhecimento sobre o assunto. Afinal ao termos mais informações, termos uma

visão mais ampla, podemos concordar ou não com o autor, posicionando-nos de

forma mais objetiva.

Várias atividades foram realizadas com editoriais diversos, e,

progressivamente, fomos capacitando os nossos alunos para reconhecer a

construção de um editorial, tornando-os conscientes sobre a estrutura e também

quanto ao estilo e temas enfocados nos editoriais. Observando os argumentos

utilizados, levamos os alunos a perceberem que, para o texto ser bem redigido, o

autor escolhe os argumentos de acordo com o tema e o público a que se dirige e

deve utilizá-los de forma consistente e bem fundamentada para que deixe claro ao

leitor as razões que o levaram a tomar determinada posição e convença-o a

compartilhar dos seus posicionamentos.

Os estudantes foram levados, através de releituras e da reflexão, a

compreenderem que esses argumentos são, muitas vezes, as vozes de outras

pessoas, utilizadas pelo autor a fim de validar a própria opinião (quando apresenta

opiniões iguais à sua), ou para rebatê-las (quando coloca opiniões contrárias às que

ele defende). Mesmo sem citações diretas no texto, perceberam que um texto é

sempre a resposta a outro, que há um diálogo entre outros textos já escritos ou

proferidos oralmente. É o que chamamos de dialogismo, conceito desenvolvido por

Bakhtin, que defendia que o discurso não se constrói sobre si mesmo, mas se

elabora em vista do outro.

Natureza dialógica da consciência, natureza dialógica da própria vida humana. A única forma adequada de expressão verbal da autêntica vida do homem é o diálogo incluso. A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. (...) Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal. (BAKHTIN, 2003, p.348).

Em aulas seguintes, trabalhamos também a importância do título para o texto,

pois este deve ter sentido de acordo com o desenvolvimento do tema. É uma

escolha cuidadosa do autor, para envolver e despertar a curiosidade do leitor, pois,

pelo título, este pode fazer inferências sobre o texto, habilidade que também muito

auxilia na compreensão da leitura e na interpretação do dito.

Fazer predições baseadas no conhecimento prévio, isto é, adivinhar, informados pelo conhecimento (procedimento que chamamos de formulação de hipóteses de leitura), constitui um procedimento eficaz de abordagem do texto desde os primeiros momentos de formação do leitor até estágios mais avançados, e tem o intuito de construir a autoconfiança do aluno em suas estratégias para resolver problemas na leitura. As predições não precisam ficar reduzidas apenas àquelas baseadas em conhecimentos mais fechados, como as hipóteses a partir do conhecimento sobre o gênero textual, (...) mas podem ser sobre questões muito mais abertas, como por exemplo, o assunto. Como o professor já conhece o texto, ele pode servir de orientador para as predições sobre o desenvolvimento do tema, fornecendo ao aluno pistas necessárias para a predição. (KLEIMAN, 2008, p.56).

Baseados em afirmações desta e de outros pesquisadores, que afirmam ser a

predição uma habilidade importante para o leitor, atividades a partir do título foram

realizadas para que o aluno formulasse hipóteses sobre o tema e sobre a posição

daquele editorial em relação ao tema. Também ficou claro que, se a escolha do

título deve ser feita com bastante cuidado pelo autor do editorial, ele – o estudante -

ao escrever os próprios textos também deve se preocupar com isso.

Durante todo esse processo descrito acima, observamos os alunos

melhorando gradativamente, a sua capacidade de compreender textos do gênero

editorial e passaram a buscar a página opinião quando levávamos o jornal para a

sala de aula. Alguns que, de início, nem sabiam como encontrar o texto, já não

precisavam perguntar mais “É esse professora?” Agora, os alunos já reconheciam e

liam os textos.

Concluída essa parte, os alunos estavam preparados para procurarem esse

gênero textual individualmente. Propusemos uma atividade de pesquisa, realizada

por eles em jornais escritos e on-line. Trouxeram para a classe editoriais com temas

diversos. Alguns foram lidos para os colegas e comparados para observarem se

havia diferença no uso da linguagem, na estrutura básica, na argumentação.

Também observaram as vozes de outros utilizados pelo autor em seu texto e

sugestões incluídas na conclusão, para resolver ou amenizar o problema discutido.

A próxima etapa foi a escrita de um texto do gênero trabalhado. Solicitamos

que buscassem informações sobre temas que são considerados polêmicos, que

dividem as opiniões, como a legalização do aborto e a legalização da pena de morte

no Brasil. Eles deveriam ler e conversar com amigos e familiares para terem

argumentos válidos, pois deveriam defender seu ponto de vista diante dos colegas.

Seria importante que eles trouxessem outras vozes além da sua e não ficassem no

lugar comum/senso comum. Não bastava somente concordar ou discordar com um

posicionamento, deveriam ser capazes de argumentar.

De posse da pesquisa de opinião, coletada entre os membros da comunidade

mais ampla (extraclasse) realizou-se o debate na sala; parte dos alunos posicionou-

se contra e parte a favor da legalização do aborto no Brasil. Foi um momento

também para ouvir o outro e aceitar o direito de cada um de ter a sua opinião, que

pode ser diferente e, nem por isso, é menos valiosa. Adotaram-se atitudes de

respeito ao outro. Perceberam que é possível posicionar-se de maneira crítica e - ao

mesmo tempo – respeitosa, utilizando o diálogo como ferramenta para convencer o

outro e para atenuar conflitos. Nosso mundo é plural e nenhuma diferença (quer de

crença, cor,sexo ou qualquer outra) justifica a intolerância.

Vários textos foram lidos sobre o assunto em pauta e, finalmente, a produção

escrita foi realizada por eles. O texto deveria ter a estrutura do gênero que

estudaram: apresentação, defesa do ponto de vista através da utilização de

argumentos e a conclusão, sintetizando ou oferecendo alternativas para o tema

escrito. Escreveram sob a nossa orientação, pois nunca haviam escrito um editorial

antes. Durante todo o processo, até chegar à construção do texto, os alunos

conheceram os elementos articuladores, importantes para realizarem a sequência,

mantendo a coerência e coesão do texto.

Na avaliação de cada produção textual, além da estrutura, observamos se:

Ficou clara qual é a questão abordada?

Colocou com clareza a posição assumida?

Defendeu seu ponto de vista, com argumentos convincentes?

Apresentou o pensamento de outros sobre a questão?

Conseguiu apresentar o pensamento do outro com clareza?

Há dificuldades na pontuação, ortografia, concordância ou outras

relacionadas à escrita?

Estes critérios de avaliação foram estabelecidos coletivamente, junto aos alunos.

Os textos foram trocados entre eles, para que houvesse mais interlocutores, além da

professora. E, em suma, com o desenrolar deste projeto obtivemos desenvolvimento

na capacidade de ação, ou seja, de reconhecimento do gênero e sua relação com o

contexto de produção; também na capacidade discursiva, isto é, no reconhecimento

de modelos discursivos, no que se refere ao plano textual do gênero editorial, e

ainda na capacidade linguístico-discursiva, que se refere ao domínio das operações

de seleção das unidades linguísticas típicas de cada gênero (SCHNEUWLY e DOLZ,

1999). E a tudo isto some-se o fomento na consciência da cidadania.

Depois, com base nas observações feitas pela professora e relembrando o que

haviam estudado, redigiram novamente o texto exercitando sua capacidade de

lapidação do mesmo, acrescentando argumentos, reescrevendo para melhorar a

clareza das informações e colocações.

Vale a pena ressaltar que o projeto desenvolvido, permitiu verificar na prática que

o uso do jornal, tão comum e ao mesmo tempo, às vezes, tão distante de nosso

aluno, é um valioso material para o ensino da Língua Portuguesa. Afinal, a leitura é

muito mais que decodificação simplesmente. É compreensão do que se lê quando o

indivíduo realiza a vivência que possui no momento em que a realiza. Nas palavras

de Paulo freire ”a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior

leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele”. (2005, p.11-

12).

Portanto, o professor deve auxiliar o aluno a fazer a sua própria leitura, e ajudá-lo

a compreender o que lê. No entanto, isso não significa esperar que o aluno

reproduza exatamente o que o professor compreendeu com aquela leitura e não

reflita sobre ela.

Ou associamos o que lemos ao que já conhecemos ou não faz sentido o que lemos. Sem associação que possa fazer sentido ao leitor, estamos apenas mecanizando, destituindo de sentido o ato de ler. (REZENDE, 2009, P.34).

Por concordarmos com a autora (com essa afirmação) é que realizamos este

trabalho com a leitura de um gênero que circula diariamente na sociedade e ao qual

o aluno leitor deve estar preparado para compreender. Estamos convictos de que

promover condições para o aluno desenvolver habilidades de leitura e mostrar-lhe o

que é importante observar em um texto, vai auxiliá-lo nesta caminhada em direção à

competência leitora.

4 Considerações finais

De acordo com Bakhtin, não é viável separar o uso da língua de uma situação

comunicativa. Assim sendo, não é bom separarmos as atividades de leitura de

situações de comunicação concretas. Ler não é um ato individual, solitário, mesmo

que pareça ser. A leitura pressupõe interação entre os indivíduos; interação entre o

leitor, sua vida, seu conhecimento, suas crenças ideológicas e a vida, o

conhecimento, as crenças e ideologia do autor. Deve haver entre os dois - autor e

leitor – um diálogo, uma enunciação. “Enunciação é, portanto, processo de natureza

social, não individual, vinculado às condições de comunicação que, por sua vez,

vincula-se às estruturas sociais – o social determinando a leitura e constituindo seu

significado”. (SOARES, 2001, p.19).

Portanto, é indispensável democratizar a leitura, não tratá-la em sala de aula

como algo possível apenas para poucos afortunados, como se estes possuíssem um

dom reservado a um grupo minoritário no qual se incluem os professores. Ela deve

ser tratada como direito de todos os alunos, fazendo-o perceber a leitura como algo

significativo e possível de ser aprendido e como uma prática que amplia a visão de

mundo de cada um de nós e nos insere na cultura letrada.

A utilização do jornal em sala de aula comprovou que o título escolhido para

este projeto é verdadeiro: o jornal é uma ferramenta muito útil na formação do leitor

proficiente, e o editorial é sim um espaço para o ensino da leitura. Por intermédio

dos editoriais expandimos os nossos conhecimentos a respeito da língua e do

mundo. Propiciar ao aluno apropriar-se de aspectos linguísticos por meio de textos

jornalísticos foi uma maneira de melhorar sua competência leitora e de escrita. São

textos que favorecem o desenvolvimento da capacidade de argumentação e, assim,

a formação de um indivíduo mais crítico capaz de melhor participar da vida em

sociedade. O trabalho desenvolvido a partir dos editoriais oportunizou a formação de

um leitor capaz de posicionar-se de modo mais consciente, ou seja, adotando maior

criticidade diante de cada texto lido.

Sem dúvida, dificuldades surgiram durante a implementação do projeto. De

início, nem todos os estudantes interessaram-se pelo tipo de texto estabelecido

como objeto de estudo e alguns resistiram nas primeiras aulas, considerando estes

textos como desinteressantes e difíceis. Contudo, com o andamento das atividades,

foram percebendo que os temas eram interessantes e, ao final, a grande maioria

demonstrou um maior interesse pelos textos de opinião publicados nos jornais. Foi

um desafio a ser superado, e, durante a implementação, percebemos que muitos

dos alunos resistentes participaram ativamente das atividades desenvolvidas e

melhoraram realmente sua capacidade leitora. Conseguimos estimular estes nossos

alunos do Ensino Médio a ler os editoriais e também desenvolvemos o desejo de ler

outros gêneros da esfera jornalística, além dos contidos no Caderno de Esportes.

É evidente que este foi somente o início da construção de um perfil: o de leitor

da mídia impressa. Criar alunos leitores é tarefa longa. É preciso que haja uma

continuidade do trabalho que não se esgota durante um ano letivo. A fundamentação

teórica pesquisada e as alternativas encontradas para ir além do uso do livro

didático em aulas de leitura abrem opções para o trabalho a ser desenvolvido nos

próximos anos tanto em relação ao acompanhamento da turma enfocada neste

trabalho, como nas que se seguirão para enriquecer nossa jornada profissional.

Referências

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leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

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