O ENSINO NO DIDASCALICON DE HUGO DE SÃO VITOR · temperança, a outra nas potências como razão,...

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1 O ENSINO NO DIDASCALICON DE HUGO DE SÃO VITOR CARNEIRO, Douglas de Castro (UEM) INTRODUÇÃO Nos primórdios da Idade Média foram as cidades. O intelectual da Idade Média no Ocidente nasceu com elas. De acordo com Le Goff (1986, p33), foi com o desenvolvimento urbano ligado as funções comercial e industrial que ele apareceu, como um desses homens de ofício que se instalavam nas cidades nas quais se impôs a divisão de trabalho. Um homem, cujo ofício é de escrever ou ensinar, de preferência as duas coisas juntas.a um só tempo, um homem, que profissionalmente tem uma atividade de professor e de erudito, em resumo, um intelectual. Nesse meio tempo, deve-se notar a importância no desenvolvimento dos intelectuais, isso inclui o ensino propagado por eles. De acordo com Oliveira (2005, p5), ao enfatizarmos a educação na Idade Média, devemos recorrer a Escolástica, a principal observação que devemos fazer é sobre as análises que dela foram feitas ao longo da história. A Escolástica foi um método de pensamento que surgiu e se formou nas escolas medievais e se plasmou de modo inexcedível nas universidades do século XIII através do magistério de São Tomás de Aquino. Para Nunes (1979, p .249), outro processo fundamental da tradição pedagógica no ensino da retórica foi à imitação dos bons autores praticados nos exercícios filosóficos e literários. A primeira forma fundamental do ensino era a lectio: a leitura dos textos que proporcionava a aquisição do conhecimento. A disputa era o debate, o exercício autônomo próprio do mestre universitário que se organizará para os seus estudantes. Assim a Escolástica é uma criação medieval que surgiu no interior das relações medievais, de acordo com Terezinha Oliveira: A Escolástica é filha dos conventos, das catedrais e mais tarde das Universidades Medievais. Trata-se de algo novo. Mais do que isso, ela responderia às questões humanas, de sua época, revelando assim um impulso vital que passa despercebido aos estudiosos que a Escolástica nada teria criado. (2005, p.245)

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O ENSINO NO DIDASCALICON DE HUGO DE SÃO VITOR

CARNEIRO, Douglas de Castro (UEM)

INTRODUÇÃO

Nos primórdios da Idade Média foram as cidades. O intelectual da Idade Média no

Ocidente nasceu com elas. De acordo com Le Goff (1986, p33), foi com o desenvolvimento

urbano ligado as funções comercial e industrial que ele apareceu, como um desses homens de

ofício que se instalavam nas cidades nas quais se impôs a divisão de trabalho. Um homem,

cujo ofício é de escrever ou ensinar, de preferência as duas coisas juntas.a um só tempo, um

homem, que profissionalmente tem uma atividade de professor e de erudito, em resumo, um

intelectual.

Nesse meio tempo, deve-se notar a importância no desenvolvimento dos intelectuais,

isso inclui o ensino propagado por eles. De acordo com Oliveira (2005, p5), ao enfatizarmos a

educação na Idade Média, devemos recorrer a Escolástica, a principal observação que

devemos fazer é sobre as análises que dela foram feitas ao longo da história.

A Escolástica foi um método de pensamento que surgiu e se formou nas escolas

medievais e se plasmou de modo inexcedível nas universidades do século XIII através do

magistério de São Tomás de Aquino. Para Nunes (1979, p .249), outro processo fundamental

da tradição pedagógica no ensino da retórica foi à imitação dos bons autores praticados nos

exercícios filosóficos e literários. A primeira forma fundamental do ensino era a lectio: a

leitura dos textos que proporcionava a aquisição do conhecimento. A disputa era o debate, o

exercício autônomo próprio do mestre universitário que se organizará para os seus estudantes.

Assim a Escolástica é uma criação medieval que surgiu no interior das relações

medievais, de acordo com Terezinha Oliveira:

A Escolástica é filha dos conventos, das catedrais e mais tarde das Universidades Medievais. Trata-se de algo novo. Mais do que isso, ela responderia às questões humanas, de sua época, revelando assim um impulso vital que passa despercebido aos estudiosos que a Escolástica nada teria criado. (2005, p.245)

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Os estudiosos que assim procedem não levam em conta que a Escolástica surgiu em

decorrência da aspiração de anseios e de elementos organizadores da vida do homem. Esses

estudiosos, não consideram deste modo o aspecto extremamente progressista que esse método

teve no renascimento cultural e comercial dos séculos XII e XIII.

Nesse contexto, Hugo de São Vitor provavelmente nasceu no ano de 1096, em Hartingan na

Saxônia, no Sacro Império Romano Germânico, representante mais ilustre da Abadia de São

Vitor. Faleceu no ano de 1141 com fama de santidade. Entre suas obras, destaca-se De

Sacramentis Christianiae Fidei, Epítome in Philosophiam, Comentum (A Hierarquia Celeste)

e Didascalicon este é composto por sete livros, é a obra mais completa sobre o saber da

época.

O DA ARTE de LER, antes de tudo é um texto de filosofia. Nele não se faz o uso dos

livros sagrados como faria a teologia. Trata-se claramente de uma filosofia cristã cujo ponto

de partida é a existência do ser transcendente. De acordo com Marchionni ( 2001, p.15), Deus

dá ao mundo a existência, a forma, a matéria e a finalidade. A obra é também uma introdução

aos estudos mais diversos, a primeira introdução no segundo milênio.

O autor tinha diante dos olhos outras introduções ao saber, de outros grandes

pedagogos, as quais lhe serviram de fontes: o da Doutrina Cristã de Santo Agostinho, Das

Núpcias da filologia e de Mercúrio de Marciano Capela, as instituições das lições divinas e

seculares de Cassiodoro e as Etimologias de Isidoro, Da Formação dos Clérigos de Rábano

Mário.

Para Hugo de São Vitor, a leitura é o primeiro passo para se ensinar ou se aprender daí

a ler, um afeto de amizade, um ato moral e social, um ócio reparador, restaurador e inspirador.

A leitura informativa deve se, portanto seguida pela reflexão meditativa na qual alcança-se o

discernimento crítico.

Um dos primeiros ensinamentos de Hugo de São Vitor é à busca da sapiência, a

mente de Deus, o renovo do espírito do homem. De acordo com Athayde (2007, p.179), para

ele a sapiência é a razão organizadora de todas as formas, pois dela nasceu tudo o que tem no

universo, ou seja, tudo que existe, criado originalmente de um arquétipo ou de uma forma

primeira. Esta passagem elaborada através do Didascalicon:

A Sapiência ilumina o homem para que se conheça a si mesmo, ele que, quando não sabe que foi feito acima das outras coisas, acaba-se se achando semelhante a qualquer outra coisa. A mente imortal do homem, iluminado

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pela sapiência se volta pra o princípio e percebe-se quanto é inconveniente ao homem procurar coisas fora de si. (Hugo de São Vitor, I Capítulo I)

Um aspecto importante que se faz presente ao longo do Didascalicon,

concomitantemente é uma discussão sobre o ensino, uma questão de ação humana prática.

Para Oliveira (2007, p.3), do ponto de vista do mestre da escola de São Vitor, as pessoas que

se dedicam aos estudos e ao ensino, precisam antes de tudo, ter inteligência e memória,

inteligência para aprender e conhecer. Memória para conservar o que foi aprendido e

ensinado.

Para Hugo de São Vitor, o estudioso ou mesmo mestre medieval, deveria sentir amor

pela sapiência, pois para ele este era uma iluminação do espírito inteligente. De acordo com o

autor:

Esta sapiência transfere para todo o tipo de alma o primor de sua divindade e as traz de volta para sua força e pureza natural. Daqui nasce à verdade das especulações e dos pensamentos, assim como a compostura santa e pura dos atos. (Hugo de São Vitor Livro I, II,)

Do ponto de vista do mestre vitoriano, o ser humano é homem pelo conhecimento e

pela virtude, ou seja, somos seres racionais quando usamos nosso intelecto e nossa memória

com a finalidade de realizar o conhecimento e praticar um conhecimento vitorioso.

O profissional do saber, o intelecto precisa vir em socorro dos demais profissionais.

Sendo um homem de ofício, ele tem que saber fazer a ligação entre ciência e ensino. Para Le

Goff ( 1989, p66), o intelectual tem clareza de que o conhecimento não pode ser entesourado.

Ao contrário, precisa ser divulgado pela sociedade.

No livro II destacando o capítulo I sobre a diferença das Artes, o autor dá um destaque

à diferença das Artes. Para o autor:

A filosofia é a arte das artes, e a disciplina das disciplinas. Isto é, aquela para qual todas as artes e disciplinas olham. A filosofia é a disciplina que investiga com provas plausíveis as razões de todas as coisas divinas e humanas. (Hugo de São Vitor Livro II, I)

Neste contexto a filosofia é obra prima do Didascalicon aquela que investiga as

questões divinas e humanas. Neste longo processo para se discutir sobre o auxílio da

Aritimética para o desenvolvimento do ensino:

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Da aritmética quer dizer força do número. A força do número consistia no fato de que todas as coisas foram formadas a sua semelhança.(Hugo de São Vitor Livro II, VII)

O contexto que o autor trabalha é sobre a questão da música. Há três tipos de música,

do universo, do homem e dos instrumentos. A música do universo existe nos elementos, nos

planetas e nos tempos:

A música da alma, uma consiste nas virtudes, como na justiça, piedade e temperança, a outra nas potências como razão, ira e concupiscência. Esta música consiste em que a carne seja amada, mas o espírito ainda mais, o corpo seja reforçado e a virtude não seja destruída. (Hugo de São Vitor Livro II, XII)

A especificidade de cada arte é verdade que todas as artes tendem para o único

objetivo da filosofia, mas nem todos percorrem o mesmo caminho, aliás, cada uma possui

determinadas ponderações próprias pelas quais se diferencia das outras:

O objeto da lógica são as coisas, cuidando dos conceitos das coisas, ou pela inteligência, quando não estão presentes nem as coisas, nem as imagens delas, ou pela razão, quando não estão presentes as coisas, mas o estão as imagens delas. (Hugo de São Vitor Livro II, XVII)

No capítulo XX, a Mecânica contém sete ciências: ciência da lã, ciência das artes, armas,

navegação, agricultura, caça, medicina, teatro. De acordo com Hugo de São Vitor, estas

ciências se chamam mecânicas por este fato, comprovado através dessa passagem:

Estas ciências se chamam mecânicas, isto são imitativas, por que tratam do trabalho do artífice, que da natureza toma emprestada a forma. Paralelamente, as outras sete ciências foram chamadas liberais, ou porque existem espíritos livres, isto é prontos e treinados, pois disputam sutilmente das causas, das coisas, ou porque antigamente somente os livres, isto é os nobres, costumavam-se se dedicar a elas, enquanto os plebeus e os filhos dos ignorantes costumavam-se se dedicar às ciências mecânicas por sua capacidade de operar. (Hugo de São Vitor Livro II, XX)

Neste aspecto o abade de São Vitor chama atenção para diversos tipos de ciência, a ciência

dita como nobre eram dedicadas as pessoas de uma determinada classe social, os plebeus

dedicavam-se às ciências mecânicas.

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A segunda é a ciência das armas. Ás vezes ditas armas todos os instrumentos, como

quando dizemos todos os instrumentos, como quando dizemos armas de guerra, armas de

nave, isto é instrumentos de guerra e da nave. Para o autor:

As armas são chamadas assim do termo latim armus, que significa braço, porque ela mune o braço que costumamos opor aos golpes. (Hugo de São Vitor Livro II, XXIII)

A medicina se divide em duas partes, as ocasiões e as operações. As ocasiões são seis: ar,

movimento e repouso, esvaziamento e enchimento, alimento e bebida, sono e vigília as

ocorrências que influem na alma. Hugo de São Vitor diz que:

Alguém não se admire se incluo entre os atributos da medicina, o alimento e a bebida, coisas que acima tenho atribuído à caça, porque isto foi feito, segundo ângulos diversos. (Hugo de São Vitor Livro II, XXVI)

No capítulo XXVIII, o mestre vitoriano chama atenção sobre a lógica e diz que ela se divide

em gramática e teoria da argumentação. A gramática, segundo alguns afirmam não é parte da

filosofia, mas antes um apêndice e um instrumento para a filosofia. De acordo com o autor:

Dito simplesmente, a gramática trata das palavras, isto é especificamente de sua invenção, formação, composição, modulação, enunciação e todo o resto relacionado somente com a pronúncia. (Hugo de São Vitor Livro II, XXVIII)

A gramática se divide em letra, sílaba, palavra e frase. Ou dito, diferentemente, a

gramática se divide em letras, isto é aquilo que se escreve, e palavras àquilo que pronuncia.

Para ou autor:

Ou, de outra maneira, a gramática se divide em nome, verbo, particípio, pronome, advérbio, preposição, conjunção, interjeição, palavras articuladas, letra, silaba, pés de métrica, acentos de pontuação, notas, ortografia, analogia, etimologia, glosas, diferenças, barbarismos, solecismos, anamalias, metaplasmos, esquemas, tropos, prosas, metros, fábulas, histórias. (Hugo de São Vitor Livro II,XIX)

O mestre da abadia de São Vitor vem ao encontro com o pensamento de Le Goff neste

momento. A respeito da ciência, da forma como ela pode ser interpretada:

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Mas se deve saber que a ciência pode ser interpretada de duas maneiras: ou como uma das disciplinas, quando digo, por exemplo, que a dialética é uma ciência, isto é uma arte ou disciplina ou como qualquer conhecimento, quando, por exemplo, digo que alguém conhece alguma coisa tem ciência daquilo. (Hugo de São Vitor Livro II, XXX)

Na Idade Média, em todas as escolas monacais, episcopais e palatinas a prática

religiosa constituía algo natural sendo transferida espontaneamente para a universidade. Para

o mestre vitoriano os estudantes precisam ter conhecimento das três áreas para desenvolver as

qualidades naturais, o trabalho e a persistência:

Três coisas são necessárias aos estudantes: qualidades naturais, o exercício, da disciplina. As qualidades naturais, para que entenda facilmente aquilo que se ouve e memorize firmemente aquilo que entendeu. O exercício para que eduque as qualidades naturais mediante o trabalho e a persistência. A disciplina para que vivendo de modo louvável, harmonize a conduta com o saber. (Hugo de São Vitor Livro III, VI)

O autor chama atenção que os estudantes deveriam possuir as qualidades naturais e o

exercício da disciplina. Estes aspectos segundo ele torna os estudantes verdadeiros

intelectuais. Aqueles que se dedicam ao saber teórico devem dispor de inteligência e de

memória ao mesmo tempo, coisas em qualquer estudo ou disciplina estão conexas que uma se

faltar à outra não pode conduzir ninguém a perfeição. Para o mestre Vitorino:

O exercício do engenho se dá mediante duas atividades: a leitura e a meditação. Na leitura a partir do quanto foi escrito, ficamos formados nas regras e nos preceitos. E há três tipos de leitura do docente, do discente, do autodidata. De fato, nós dizemos leio um livro para ele e leio um livro apresentado por ele e leio um livro. Na leitura devem ser tidos em máxima consideração a ordem e o método.(Hugo de São Vitor Livro III, VII).

Permaneceu, portanto que os homens de saber, eram fundamentalmente e, sobretudo,

aos olhos dos seus contemporâneos homens do livro e de escrita era inclusive a todos os

grupos sociais, uma de suas especialidades mais marcantes.

Para o intelectual, ou seja, o professor, a meditação é um pensar freqüente com

discernimento, e investiga profundamente a causa, e a origem, o gênero, e a utilidade de cada

coisa. Para Hugo de São Vitor:

O inicio da aprendizagem esta na leitura, o fim da meditação e se alguém aprendê-la a amar com afinco com mais intimidade e dedicar-se com mais

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afinco ela lhe torna a vida muito jucunda e na tribulação oferece-se uma grandíssima consolação. (Hugo de São Vitor Livro III, X)

O abade de São Vitor chama atenção sobre a questão da disciplina moral, tão comum

entre os monges. O começo da disciplina moral é a humildade, da qual existem muitos

ensinamentos e dá recomendações aos estudantes:

O estudante prudente, portanto ouve todos com prazer, lê tudo não despreza escrito algum, pessoa alguma, doutrina alguma. Pede indiferente de todos aquilo que vês lhes esta faltando nem leva em conta quanto sabe, mas ignora. (Hugo de São Vitor Livro III, XIII)

Ainda no capítulo XIII do livro III, notamos como o mestre exorta os seus alunos a

serem mansos, afastados totalmente das preocupações vãs:

O bom estudioso deve ser humilde e manso, afastado totalmente das preocupações vãs e dos ilícitos das volúpias, diligentemente e conscientemente para que se aprenda com todos, nunca se presuma da sua ciência, fuja dos autores de doutrinas perversas, como do veneno, aprenda a refletir antes de julgá-la, não queira parecer douto, mas sê-lo ame os ensinamentos aprendidos dos sábios e procure tê-los sempre diante do espelho do seu próprio rosto. (Hugo de São Vitor Livro III, XIII)

Neste aspecto, deve-se notar o quanto o quesito da humildade é valorizado, o

ensinamento dados pelo mestre e por Hugo de São Vitor no campo do ensino e do estudo

como um todo.

Como grande intelectual do seu tempo, Hugo de São Vitor chama atenção dos seus

estudantes sobre dedicação e pesquisa. Para ele, o bom estudante deveria se dedicar com todo

afinco e paixão a ela. Conforme, o mestre da Abadia de São Vitor:

A dedicação à Pesquisa pertence ao campo do exercício, e nisto o estudante preciso mais de exortação do que de ensinamento. Gostaria que nossos estudantes tivessem uma tal diligência que neles a sabedoria nunca envelhece. (Hugo de São Vitor Livro III, XIX).

Ele procurou chamar atenção daquilo que se intitula dos quatro preceitos que foram

dispostos alternativamente de modo que uns se refere sempre à disciplina, o outro ao

exercício. Este preceito para os quais chama atenção são: a quietação, a análise minuciosa, a

sobriedade e o exílio.

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De acordo com ele, a quietação da vida, seja interior, para que a mente não se perca

em desejos ilícitos, seja no exterior para que o ócio e a comodidade permitam estudos

honestos e úteis, ambas pertencem à disciplina moral.

A análise minuciosa, isto é a meditação, pertence ao exercício. A primeira vista,

parece que a análise minuciosa já é contida na dedicação a pesquisa, e assim fosse seria

supérfluo volta a ela, uma vez que já foi listada. De acordo com o erudito Hugo de São Vitor,

o trabalho e o amor caminham juntos:

O trabalho e o amor perfazem a obra, a cura e a vigília engendram o bom conselho. No trabalhar você faz, no amor você aperfeiçoa. Na cura você provê, na vigília, você preserva. (Hugo de São Vitor Livro III, XVII).

Neste contexto, o ideal para o homem medieval era a pobreza, uma regra fundamental

para que a disciplina moral se desenvolve na mente deste homem.

No livro V, Hugo de São Vitor começa chamar atenção sobre as particularidades da

Escritura Sagrada e o modo de lê-las. O autor chama atenção dos seus alunos para a questão

do tríplice entendimento:

Antes de tudo deve-se saber que a Escritura Sagrada apresenta três modos de entendê-la o modo histórico, o modo alegórico e modo tropológico. Certamente, nem todas as passagens que se encontram no discurso divino devem ser forçadas a ter essa interpretação, como se todo qualquer texto possa ser imaginado contendo simultaneamente a interpretação histórica, alegórica e tropólogica. (Hugo de São Vitor Livro V, II)

Hugo de São Vitor demonstra que ao estudar as sagradas escrituras, o estudante deve

ser ciente que não existe apenas uma forma de interpretá-la, mas três formas.

Após o abade de ter escrito aos estudantes, ele afirma que pouquíssimos conhecem

chegar de fato ao conhecimento. De acordo com o autor:

E sem falar, daqueles que por natureza são obtusos e lentos na aprendizagem é sobremaneira provocante e merecedor de reflexão saber como acontece que duas pessoas aplicadas com igual engenho e afinco, não consegue entendê-lo com o mesmo efeito.(Hugo de São Vitor Livro V, V).

A leitura divina tem como objetivo a formação do homem, porém antes de tudo, deve-

se conhecer seu fruto. Nada deve querer sem motivo, nem provoca desejos aquilo que não

promete utilidade. Para o autor:

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O fruto da leitura sagrada é duplo, pois instrui a mente com o conhecimento ou adorna com os bons costumes. Ela ensina aquilo que agrada saber e aquilo que vale a pena imitar. (Hugo de São Vitor V, VI)

Neste aspecto o homem torna-se perfeito através do ato da contemplação. A leitura, a

instrução, a meditação, a prática e a oração somam todos estes fatores para tornar o intelectual

medieval o grande estudioso.

O mestre vitoriano interpreta como a escritura sagrada deve ser lida por aqueles que

procuram saber. Ele recomendou algumas coisas, a ordem e o método:

Na apresentação destas coisas, todavia não deixarei tudo, a sua capacidade, nem lhe prometo que por meio da minha diligência, você ficará satisfeito, mas passarei brevemente por alguns pontos, lambiscando-os de maneira que você encontre seja algumas coisas tratadas, com as quais se instrua, seja outra preterida sobre as quais se exercite. (Hugo de São Vitor Livro VI, II)

Neste mesmo contexto, Hugo de São Vitor chama atenção das letras que às vezes é

perfeita, quando aquilo que se diz é necessário acrescentar ou diminuir nada fora daquilo é

expresso, a sabedoria vem de Deus. Para o autor:

De vez quando a letra é tal, que não se é resolvida numa outra parece não significa nada ou ser imprópria. Nestas expressões o nominativo do nome e o genitivo do pronome são postos em lugar do genitivo, e há muitos exemplos semelhantes. O significado incoerente pode ser incríveis, impossíveis, absurdos ou falsos. (Hugo de São Vitor Livro VI, X)

Conclusão

Este trabalho teve como objetivo analisar o conceito de educação em Hugo de São

Vitor, destacando o conceito de ensino em sua obra. Após uma longuíssima análise de sua

obra, notamos que o ensino circundava-se pela busca, portanto, um dos primeiros

ensinamentos de Hugo de São Vitor é à busca da sapiência, a mente de Deus, o renovo do

espírito do homem. Um aspecto importante que se faz presente ao longo do Didascalicon,

concomitantemente a uma discussão sobre o ensino, uma questão de ação humana prática.

Em suma, notamos que Hugo de São Vitor é um autor que apesar de sua origem estar

no mundo medieval, nos faz lembrar de como a educação naquele contexto era importante

principalmente para os nossos padrões em pleno século XX.

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FONTE

DIDASCALICON DA ARTE DE LER. Hugo de São Vitor Ed Vozes, 2001.

BIBLIOGRAFIA.

ATHAYDE, Rodrigues Wesley A Sapiência e as Sete Artes Liberais Segundo Hugo de São

Vítor USP Leste - Universidade de SP, v. 1, p. 179 - 195, 01 nov. 2007.

DE BONI, Luis Alberto A Universidade Medieval- Saber e Poder. In: Luzes sobre a Idade

Média. Terezinha Oliveira (org) Eduem 2002.

LE GOFF, Jacques Os Intelectuais na Idade Média. José Olimpio Editora Rio de Janeiro,

2006.

MARCHIONNI, Antônio Introdução a Hugo de São Vitor. Ed Vozes, 2001.

NUNES, Ruy. História da Educação na Idade Média. São Paulo EDUSP, 1979.

OLIVEIRA, Terezinha Considerações sobre o caráter histórico da Escolástica. In Luzes

Sobre a Idade Média. Terezinha Oliveira (org) EDUEM 2002.

______. Escolástica Notandum Libro 4. Editora Mandruvá 2005.

______. DIDASCALICON: DA ARTE DE LER: A LEITURA COMO INSTRUMENTO

EDUCATIVO NO SÉCULO XII MEDIEVO. In: 16 Congresso Nacional de Leitura.

Campinas : Editora da Unicamp, 2007. v. 1. p. 1-9.