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O ESPAÇO COLONIAL NO OLHAR DO IMIGRANTE: EXPECTATIVA E REALIDADE Rosane Marcia Neumann Universidade de Passo Fundo [email protected] Resumo No decorrer do século XIX e no início do século XX, emigrar para o sul do Brasil era uma das possibilidades apresentadas aos emigrantes alemães em potencial. Nesse contexto, objetiva-se analisar a trajetória migratória do emigrante citadino Wilhelm Schäffer e sua família, que partiram da Alemanha em 1902, rumo à colônia Neu- Württemberg, noroeste do Rio Grande do Sul, onde chegaram em dezembro e, em maio de 1903, retornaram à Alemanha. A chegada, instalação e partida na/da colônia foi registrada por Schäffer em um conjunto de 56 imagens fotográficas, nas quais representou o seu estranhamento frente ao espaço da colônia em formação e os seus sujeitos. O cruzamento da documentação, somado à leitura dessas imagens fornecem indícios sobre a sua expectativa em relação ao espaço colonial e pistas para entender o seu retorno. Palavras-chave: E/i/migrações; Colônia Neu-Württemberg; Wilhelm Schäffer. E/i/migrações: utopias A emigração é um processo complexo e completo, onde o emigrante do ponto de partida e o imigrante no ponto de chegada são o mesmo (SAYAD, 1998). Expectativas, sonhos, expressos e sintetizados na busca da “nova Canaã”, no “fazer a América”, na concretização da sua utopia o não lugar, segundo Thomas Morus. Enfim, a busca por um futuro mais promissor do que o presente. Como fator de expulsão/atração, constam motivações diversas, desde econômicas, sociais, políticas, religiosas ou demográficas (RAISON, 1986; SAYAD, 1998). Emigrar para o sul do Brasil era uma das possibilidades entre tantas, apresentada aos emigrantes alemães em potencial, nos séculos XIX e XX. Famílias, indivíduos, camponeses e citadinos deixavam sua heimat, na expectativa de encontrar uma nova heimat, idealizada e representada pela propaganda que circulava nas conversas do cotidiano, em panfletos, jornais, impressos e imagens. O choque com a realidade foi narrado com caráter de denúncia, relativo a São Paulo, pelo imigrante suíço Thomas Davatz, na década de 1850.

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O ESPAÇO COLONIAL NO OLHAR DO IMIGRANTE: EXPECTATIVA

E REALIDADE

Rosane Marcia Neumann

Universidade de Passo Fundo

[email protected]

Resumo

No decorrer do século XIX e no início do século XX, emigrar para o sul do Brasil era

uma das possibilidades apresentadas aos emigrantes alemães em potencial. Nesse

contexto, objetiva-se analisar a trajetória migratória do emigrante citadino Wilhelm

Schäffer e sua família, que partiram da Alemanha em 1902, rumo à colônia Neu-

Württemberg, noroeste do Rio Grande do Sul, onde chegaram em dezembro e, em maio

de 1903, retornaram à Alemanha. A chegada, instalação e partida na/da colônia foi

registrada por Schäffer em um conjunto de 56 imagens fotográficas, nas quais representou

o seu estranhamento frente ao espaço da colônia em formação e os seus sujeitos. O

cruzamento da documentação, somado à leitura dessas imagens fornecem indícios sobre

a sua expectativa em relação ao espaço colonial e pistas para entender o seu retorno.

Palavras-chave: E/i/migrações; Colônia Neu-Württemberg; Wilhelm Schäffer.

E/i/migrações: utopias

A emigração é um processo complexo e completo, onde o emigrante do ponto de

partida e o imigrante no ponto de chegada são o mesmo (SAYAD, 1998). Expectativas,

sonhos, expressos e sintetizados na busca da “nova Canaã”, no “fazer a América”, na

concretização da sua utopia – o não lugar, segundo Thomas Morus. Enfim, a busca por

um futuro mais promissor do que o presente. Como fator de expulsão/atração, constam

motivações diversas, desde econômicas, sociais, políticas, religiosas ou demográficas

(RAISON, 1986; SAYAD, 1998).

Emigrar para o sul do Brasil era uma das possibilidades entre tantas, apresentada

aos emigrantes alemães em potencial, nos séculos XIX e XX. Famílias, indivíduos,

camponeses e citadinos deixavam sua heimat, na expectativa de encontrar uma nova

heimat, idealizada e representada pela propaganda que circulava nas conversas do

cotidiano, em panfletos, jornais, impressos e imagens. O choque com a realidade foi

narrado com caráter de denúncia, relativo a São Paulo, pelo imigrante suíço Thomas

Davatz, na década de 1850.

Lindas descrições, relatos atraentes dos países que a imaginação entreviu;

quadros pintados de modo parcial e inexato, em que a realidade é por vezes

deliberadamente falseada, cartas ou informes sedutores e fascinantes de

amigos, de parentes; a eficácia de tantos prospectos de propaganda e também,

sobretudo, a atividade infatigável dos agentes de emigração, mais empenhados

em rechear os próprios bolsos do que em suavizar a existência do pobre... –

tudo isso e mais alguma coisa contribuiu para que a questão da emigração

atingisse um grau verdadeiramente doentio, tornando-se uma legítima febre de

emigração que já contaminou muita gente. E assim como na febre física

dissipa-se a reflexão tranquila, o juízo claro, coisa parecida ocorre nas febres

de emigração. Aquele a quem ela contagiou, sonha com o país idealizado

durante o sono e durante a vigília, no trabalho e no descanso; agarra-se a

prospectos e folhetos que tratam, do seu tema favorito, dando-lhes o maior

crédito (em regra, porém, quando afagam as suas aspirações). Ao mesmo

passo, no entanto, desprezam geralmente as advertências e conselhos dos

homens sensatos e, logo que se ofereça oportunidade, decidem-se com

frequência a realizar os seus projetos até o dia em que – quantas vezes! – nada

restará senão confessar o triste engano. ‘Fui ludibriado!’, ou: ‘Desta vez estou

perdido!’, ‘Tenho de aguentar a brincadeira e fazer das tripas coração!’,

‘Arrependo-me amargamente do dia em que resolvi embarcar, mas agora é

suportar tudo em silêncio. Fulano avisou-me em tempo mas é tarde para

confessar-lhe o erro!’ Não faço meras conjecturas; limito-me a reproduzir o

que, desgraçadamente, tenho escutado, e muitas vezes, com estes ouvidos”

(DAVATZ, 1972, p. 1-2).

Os relatos fantasiosos, encontrados principalmente nas cartas do século XIX,

estavam relacionados à censura do governo brasileiro ou dos responsáveis pela

colonização, como o próprio Thomas Davatz (1972) denunciava, evitando a vazão de

notícias desfavoráveis à imigração e colonização. Somava-se a isso o próprio orgulho do

imigrante, de não se confessar derrotado, preocupando os seus parentes deixados na terra-

natal. Inúmeras vezes, omitia a real situação em que se encontrava, incentivando seus

familiares a emigrar também, reunindo novamente a família.

Logo, era necessário baixar a febre de emigração, poupando muitos de um

arrependimento tardio. Davatz (1972, p. 193) aconselhava a todos aqueles que almejavam

emigrar a adiar esse projeto o máximo possível, mesmo que estivessem levando uma vida

pobre e cheia de privações, mas honrada e honesta em sua terra natal. Justificava que a

decepção, além dos perigos da viagem, não compensa. Ou, quando realmente

convencidos de que a emigração seria a única saída, que a priori realizassem uma rigorosa

investigação sobre a credibilidade do projeto de colonização em questão, buscando uma

colocação no país de destino antes de abandonar o de origem. Enfim, desaconselhava o

emigrante a se aventurar cegamente rumo à “terra da promissão”, pois “não há quem

imagine, em sua terra, como é doloroso ter de definhar em um país distante, onde não se

encontrou a felicidade apetecida...”.

Outra publicação, de autoria de Heinrich Pillmann (1921), iniciava explicando que

o autor havia emigrado para uma colônia pública no Rio Grande do Sul trinta anos atrás,

e, nessas circunstâncias, percebeu quão pouco os “novos colonos” sabiam sobre a nova

Heimat e a vida que ali levariam. Ainda, que no momento de decidir-se pela emigração,

induzidos pelas leituras, cartas e o que ouviam dizer, criavam a sua imagem desse novo

espaço, porém, esses materiais não condizem com a realidade, por isso a maioria acabava

se decepcionando ao se deparar com a colônia real. Assim, seu objetivo era indicar aos

emigrantes em potencial aquilo que precisavam nos dois primeiros anos de sua nova vida

em uma colônia.

O tema da nostalgia e o empobrecimento dos imigrantes foi tema do relato de João

Weiss (1949), pautado em sua experiência na colônia de Erechim. Segundo ele, a saudade

à terra natal “é uma força indomável, capaz de influir de um modo extraordinário no

sucesso do emigrante. Ela nem sempre é eliminada por uma vida de bem estar, mas

sempre é fomentada quando se encontrar em situação material menos agradável ou

difícil” (WEISS, 1949, p. 11). Segundo ele, os tropeiros que conduziram sua família da

sede da colônia até o seu lote teriam contado que “há dois anos traziam colonos para a

mata, mas que a metade tinha novamente voltado, procurando a cidade onde era mais

fácil obter meios de vida. Tinham ido para seus lotes com mulas carregadas, como nós,

mas voltavam a pé, só com um saquinho de roupas rotas” (WEISS, 1949, p. 31). O

sonhado enriquecimento, nesses casos, transformava-se em pobreza. O estabelecimento

na gleba de terras, por um lado, atendia às expectativas acalentadas desde a Alemanha,

mas, por outro, descortinava uma gama de dificuldades não imaginadas. “Impossível

descrever a sensação de que estávamos possuídos nos primeiros momentos quando

constatamos e compreendemos que estávamos longe, muito longe da civilização, longe

de meios normais de vida, numa solidão de fazer doer a alma em angustiosa dúvida quanto

à nossa existência futura (WEISS, 1949, p. 34).

Certa dose de fantasia e credulidade existiu sempre à origem de todas as migrações

em grande escala. O migrante tende a exagerar as possibilidades disponibilizadas pelo

local de destino, como se fossem infinitas, onde a capacidade de ação não encontra

obstáculos, idealizando em excesso. Os relatos de imigrantes sobre as dificuldades

enfrentadas no novo meio são escassos. A grande epopéia da imigração, construída a

posteriori, silencia os pormenores, afirmando que as dificuldades foram vencidas pelo

trabalho (cf. SANT’ANA, 1991).

No século XIX, Hermann Blumenau (2002, p. 32) escreveu que “uma Colônia

deve ser um ponto de apoio para a imigração e não um empecilho ou uma armadilha, onde

é fácil chegar, mas difícil ou impossível sair. Pela natureza de seu trabalho e também

pelas suas proporções limitadas, ela não pode oferecer ocupação e nem satisfazer os

desejos de todos os imigrantes”, logo, chegar e partir fazia parte do cotidiano de qualquer

projeto de colonização. Acreditava também que nem todos serviam para uma colônia

recém-formada, mas somente aqueles que concordavam em se adaptar a esse estilo de

vida inicial, valendo-se do auxílio de pessoas experientes.

Enfim, os movimentos migratórios não seguem uma trajetória linear – partir,

chegar, permanecer, progredir –, mas se adaptam a um leque de possibilidades,

atravessadas por inúmeros fatores internos e externos. Os vestígios da presença dos

e/imigrantes que retornaram para seu local de origem são quase imperceptíveis na

documentação e nas narrativas coletivas, onde as histórias de fracasso ocupam um espaço

marginal (cf. ELMIR; WITT, 2014).

Indícios da trajetória do imigrante Wilhelm Schäffer

A opção por alterar a sua trajetória normal de vida, por meio da e/imigração, torna

o e/ imigrante um sujeito com um diferencial em relação aos demais, pertencentes ao

mesmo grupo (VANGELISTA, 2010). Todavia, poucos são aqueles que deixaram algum

vestígio sobre sua trajetória, afora os registros formais – quando não desapareceram

nesses também. Consequentemente, resta-nos tratar dos relatos dos e/imigrantes de forma

indireta, a partir do coletivo. Em outros casos, o registro produzido, anônimo ou autoral,

destina-se aos familiares do além-mar, em um contexto conhecido por ambos.

O cruzamento de dados diversos fornece pistas e indícios sobre a e/imigração das

famílias de Wilhelm Schäffer e Friedrich Garn. Trata-se de duas famílias citadinas,

residentes na cidade de Kiel, capital do estado de Schlesvig-Holstein, no norte da

Alemanha, que embarcaram em novembro de 1902 no porto de Hamburgo, no vapor

Rosário, que fazia a linha Hamburgo-América do Sul, e desembarcaram no porto de Rio

Grande em início de dezembro de 1902. O destino final era a colônia Neu-Württemberg,

de propriedade da Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, localizada em Cruz

Alta, no noroeste do estado do Rio Grande do Sul.

O deslocamento das duas famílias seguiu o trajeto da época: via fluvial de Rio

Grande até Porto Alegre, seguindo de trem até Santa Maria, com conexão para Cruz Alta.

A partir de então, seguia de carroça até a colônia. As duas famílias chegaram em Neu-

Württemberg em fins de dezembro de 1902, permanecendo, possivelmente, por alguns

dias no barracão do imigrante, na sede da colônia.

O imigrante Wilhelm Schäffer era eletrotécnico de profissão. Emigrou com a

esposa e quatro filhos com idade entre 8 e 14 anos. Já Friedrich Garn emigrou com esposa

e pelo menos três filhos menores. A documentação consultada não permite afirmar se

havia algum grau de parentesco entre as duas famílias. Fato é que compraram em

sociedade, em primeiro de janeiro de 1903, o lote colonial número 9, na Linha 15 de

Novembro, com área de 26,4 hectares, pelo preço de um conto de réis (Rs. 1:000$000),

pagando como entrada no ato da compra cem mil réis (Rs. 100$000). O restante do valor,

conforme o contrato, seria pago em duas prestações, a vencer em 3 e 6 anos, com juros

de 6% ao ano.1

As duas famílias se instalaram no lote colonial, localizado às margens do rio

Palmeira, no limite norte da colônia, relativamente afastado da sede da colônia. Nesse

ponto, cabe questionar, conforme Giovanni Levi (2015), porque uma família permaneceu

na colônia, enquanto a outra, nas mesmas condições, retornou para a Alemanha. Uma das

possíveis variáveis foi a situação econômica e o erro de cálculo, pois imediatamente após

a sua chegada na colônia, Schäffer recorreu ao administrador da colonizadora em Porto

Alegre, Horst Hoffmann, solicitando a sua intervenção para agilizar a remessa de capital

da Alemanha referente aos bens que havia vendido, ou providenciar um adiantamento,

pois estava em uma “situação insuportável”. Ao emigrar com Rs. 2:250$000, Schäffer e

Herrmann Meyer haviam previsto que não teria problemas financeiros, mas a realidade

mostrou-se outra e, segundo ele, havia faltado mais orientação ao partir na Alemanha.

1 Contrato particular de compra e venda, n. 88. Neu-Württemberg, 1/1/1903. Vendedora Empresa de

Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Wilhelm Schäffer e Friedrich Garn. Caixa 1-2 Contratos,

MAHP.

Após reiterados pedidos, o capital foi enfim remetido em fevereiro de 1903.2 Contudo,

em maio de 1903, a família Schäffer retornou para a Alemanha, sem deixar rastros.3

Na mesma condição, a família de Friedrich Garn permaneceu na colônia Neu-

Würrtemberg. Sabemos que em julho ainda permanecia no lote, como proprietário de um

cavalo.4 No contrato de compra e venda do lote colonial, não consta se o mesmo foi

devolvido e em qual condição. Possivelmente, a devolução para a Colonizadora foi

efetivada quando venceu o prazo para quitar a primeira prestação, visto que em 1908 o

lote já contava com outro proprietário.5

Pelas evidências é possível afirmar que Garn também não se adaptou à vida de

colono, transferindo-se para a sede urbana. Em três de fevereiro de 1903, Garn adquiriu

o terreno urbano número 18, na quadra 19, na sede Elsenau, com a área de 0,30 hectares,

pelo preço de Rs. 100$000, pago no ato da compra. Em 1912 e 1913 vendeu esse terreno

fragmentado em dois.6 Posteriormente, Garn adquiriu mais terrenos na sede urbana: em

12 de março de 1904 comprou o terreno número 16, da quadra 12, com área de 0,10

hectares, por Rs. 50$000. Em 1912 e 1914 devolveu para a Colonizadora.7 Em três de

abril de 1906 adquiriu o terreno 14, da quadra 19, com área de 0,12 hectares, por Rs.

50$000, pagando no ato da compra Rs. 20$000. Devolveu esse terreno em partes, em

1916 e 1918.8 Em seguida, estabeleceu-se mais afastado da zona urbana, na área das

chácaras. Em 14 de dezembro de 1909 adquiriu a chácara nº 10, com área de cinco

hectares, na Linha Berlim nº 7, pelo valor de Rs. 300$000. Devolveu a mesma para a

2 Carta. Neu-Württemberg, 3/2/1903. W. Schäffer a Horst Hoffmann, Porto Alegre. Anexo do Relatório 24.

De 16 a 31/12/1902. Porto Alegre, 7/1/1903. Horst Hoffmann a Herrmann Meyer, Leipzig. Pasta

Transcrição Livro Copiativo 44, Caixa 109, MAHP. 3 Relatório 22/23. De 16/11 a 15/12/1902. Porto Alegre, 17/12/1902. Horst Hoffmann a Herrmann Meyer,

Leipzig. Pasta Transcrição Livro Copiativo 44, Caixa 109, MAHP. 4 Friedrich Garn foi contado com os proprietários da Linha Brasil. Tabela estatística dos animais em Neu-

Württemberg, elaborada por Hermann Faulhaber, em julho de 1903. Livro Copiativo 10, Fl. 110-112,

MAHP. 5 Contrato particular de compra e venda, n. 240. Neu-Württemberg, 2/09/1908. Vendedora Empresa de

Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Paul Wagner. Caixa 1-2 Contratos, MAHP. 6 Contrato particular de compra e venda, n. 101. Neu-Württemberg, 3/2/1903. Vendedora Empresa de

Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 1-2 Contratos, MAHP. 7 Contrato particular de compra e venda, n. 136. Neu-Württemberg, 12/3/1904. Vendedora Empresa de

Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 1-2 Contratos, MAHP. 8 Contrato particular de compra e venda, n. 193. Neu-Württemberg, 3/4/1906. Vendedora Empresa de

Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 1-2 Contratos, MAHP.

colonizadora em 1914.9 Por fim, a última transação registrada junto a Colonizadora

transcorreu em 19 de janeiro de 1911, ao adquirir a chácara nº 11, com área de 5,2

hectares, pelo valor de Rs. 300$000, onde possivelmente permaneceu.10

Na trajetória de Friedrich Garn há inúmeras lacunas, como a sua formação

profissional. Todavia, em novembro de 1903, Garn assumiu o moinho construído na

colônia em 1901 e a serraria em anexo, mas comprou todo complexo apenas em 1906 –

o lote urbano 14, da quadra 19, na sede Elsenau. Permaneceu nessa atividade até 1913,

quando vendeu a serraria a vapor e o moinho anexo, pelo preço de Rs. 18:000$000, e o

lote urbano n. 14, na quadra 19, na Karlstrasse, pelo valor de Rs. 4:000$000, em

26/7/1913, incluindo o açude e o moinho, para Albino Weissheimer, comerciante e

industrialista residente no município de Montenegro.11

Observando a configuração populacional da colônia de Neu-Württemberg e o

comportamento dos imigrantes nesse meio, o pastor Hermann Faulhaber anotou, em

inícios de 1903:

Quase metade dos nossos camponeses são “velhos colonos” [alte Kolonisten],

acostumados à vida e ao trabalho na floresta, a maioria já nascidos no Brasil

ou imigrados bem jovens. Eles vieram em sua maioria da antiga zona colonial

da região leste do estado, em busca de terras baratas e lugar para ter os seus

filhos. Eles têm como característica ser individualistas, independentes e

autoconsciente, mais do que nossos camponeses lá [na Alemanha]. Eles são

independentes, pelo menos em relação ao Estado, à Igreja, ao jornal, ao partido

político, apesar de toda sua simplicidade são reis livres em sua terra.

Aproximadamente ¼ de nossos colonos são compostos de pessoas, que como

artesãos (Handwerker) imigraram há anos, e em Porto Alegre ou outro lugar

qualquer, exerciam o seu ofício, mas em decorrência da depressão econômica

dos últimos anos, foram forçados a tornarem-se colonos: funileiro, serralheiro,

sapateiro, marceneiro, ourives. Eles não sabem trabalhar tão bem como os

velhos colonos, mas são bem ágeis. Até onde a situação permite, eles exercem

paralelo ao seu trabalho agrícola o seu ofício. E só os alemães recém-chegados

(Deutschländer) imigraram há pouco. Entre eles, há vários tipos humanos

misturados. Eu lembro de dois jovens instruídos, agricultores de lá

9 Contrato particular de compra e venda, n. 286. Neu-Württemberg, 14/12/1909. Vendedora Empresa de

Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 3-4 Contratos, MAHP. 10 Contrato particular de compra e venda, n. 389. Neu-Württemberg, 19/01/1911. Vendedora Empresa de

Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 3-4 Contratos, MAHP. 11. Um incêndio consumiu o moinho e a serraria, em 18/9/1918, paralisando o fornecimento de energia

elétrica. Albino Weissheimer devolveu o lote e as benfeitorias que não foram destruídas pelo fogo em 2 de

dezembro de 1918, passando-as ao seu genro Hermann Krapf (Cruz Alta, 09/10/1913; Contrato manuscrito.

Pasta 4 - Empresa de Colonização – diversos documentos, Caixa 149, MAHP; Relatório. Neu-

Württemberg, 19/12/1910. Hermann Faulhaber ao Major Antonio Pereira dos Santos, delegado de polícia

de Cruz Alta. Livro Copiativo 8, Fl. 125-127, MAHP).

[Alemanha], solteiros, os quais estão morando juntos em uma tenda de cigano.

Vieram com todo tipo de teoria de agricultura para cá, e devido à quebra do

arado e de outros experimentos, não plantaram nada ao longo deste ano que

eles aqui se encontram; e apesar disso, se sentem homens importantes e

regularmente vem a cavalo, com rostos sérios, para o Stadtplatz para comprar

pão, fazer contato com os demais e saber dos últimos acontecimentos! Ao ver

as suas figuras, muitas vezes lembro dos rapazes que brincam de “Urwälder”!

Todavia, são pessoas simpáticas e eu gosto de vê-los na casa pastoral.

Recentemente veio um eletrotécnico de Berlin com grande família, e era até

então diretor de uma grande fábrica, e então perdeu toda sua fortuna, e procura

aqui agora sua salvação. Um autêntico berlinense: “agora eu venho, agora tudo

vai mudar aqui! Até agora não tinha ninguém aqui ainda que pudesse fazer

algo por essas pessoas. Isso vai mudar. E uma festa de Natal bem diferente nós

teremos da próxima vez, não mais demoradas velas de cera, mas sim lâmpadas

elétricas. Isso vai impressionar as pessoas! Elas vão arregalar os olhos com

isso!” Agora ele está lá no meio da floresta e provavelmente está trabalhando

na sua plantação. E na colônia tudo está como antes... Outros, após ter

enterrado as ilusões que trouxeram, logo se encontram bem aqui, como um

Stuttgarter com família, até então empacotador em uma livraria; um

marceneiro de Brettach; um eletrotécnico de Stuttgart com esposa, um

Siebenbürger com família camponesa veio recentemente. Também não quero

esquecer daqueles que, após uma curta estada, partiram novamente, porque a

vida na floresta, uma vez experimentada, era bem diferente daquela que eles

haviam imaginado. Trabalho e não pombas assadas voando, pequeno

camponês e nenhuma salvação! [...]. O destino desses que vem para a colônia

e em breve já jogam o machado e a enxada para o lado é, na maioria, difícil e

triste! Muitos passam a beber cachaça, e acabam morrendo na beira de alguma

estrada. Por isso, nunca é demais insistir: só pessoas que são acostumadas a

pesados trabalhos braçais e têm alguma experiência, como nossos pequenos

camponeses, ou um ofício, podem, depois de superadas as dificuldades iniciais,

conquistar aqui uma existência satisfatória. Outros só com raras exceções

(FAULHABER citado por FAULHABERSTIFTUNG, 1933, p. 14-15).

Enfim, Wilhelm Schäffer e Friedrich Garn integram o grupo dos imigrantes

alemães urbanos, atraídos pela possibilidade de ser proprietário de terras, mas

fracassaram como colonos, optando o primeiro pelo retorno e o segundo, pela sede

urbana, tornando-se moleiro. Mas a experiência como desbravadores de um lote colonial

foi registrada por Schäffer em imagens fotográficas, narrando nesse formato sua

percepção desse espaço, seus sujeitos, utopias e desafios.

A colônia no olhar do imigrante

O imigrante Wilhelm Schäffer trouxe na bagagem entre os seus pertences um

moderno aparelho fotográfico, chapas e um pequeno laboratório de produtos químicos, o

que denota que tinha domínio da técnica da fotografia e da reprodução das chapas para o

suporte de papel. Com esse diferencial, documentou a sua chegada, instalação e partida

na/da colônia, em um conjunto de 56 imagens fotográficas. Em 18 de outubro de 1903,

Horst Hoffmann identificou esse conjunto de fotografias, remetendo-as para Herrmann

Meyer, em Leipzig,12 que publicou parte dessas imagens em seus prospectos fotográficos,

sem mencionar, porém, o fotógrafo (MEYER, 1904; 1906). Note-se que a fotografia, em

fins do século XIX, ainda era um recurso caro, mas já amplamente difundido na Europa

e no Brasil. Os imigrantes eram grandes consumidores desse recurso/produto, pois era

uma “prova real” e de fácil compreensão para seus pares, cruzando o oceano de lado a

lado (NEUMANN, 2016).

Aqui, a trajetória do documento e da pesquisa são tão relevantes quanto o acervo.

A investigação e leitura exaustiva de diferentes documentos confirmava a existência

desse conjunto fotográfico. Porém, o acervo documental de Herrmann Meyer, em

Leipzig, Alemanha, foi danificado durante a II Guerra Mundial e restaram poucos

documentos, recentemente organizados e disponibilizados no Leipnitz Institut für

Volkerkunde, em Leipzig. O fundo documental Dr. Hermann Meyer está reunido em três

caixas de documentos, onde constam alguns escritos originais, os prospectos e fotografias

diversas. Contudo, toda documentação administrativa da Colonizadora Meyer e a

documentação pessoal de Meyer foi extraviada ou destruída. A expectativa de localizar

as fotografias produzidas por Schäffer, após esgotar todas possibilidades apresentadas no

guia de busca do arquivo, levou a uma caixa de documentos desconectada do fundo

Herrmann Meyer, na qual constava uma pasta identificada como “fotografias de Neu-

Württemberg” e eis as fotografias produzidas por Schäffer.13

A particularidade e excepcionalidade desse conjunto de imagens está no ato

fotográfico e, consequentemente, na construção de sua narrativa. O olhar é, ao mesmo

tempo, o do imigrante diante da nova Heimat, e do colono (kolonist), empenhado em

registrar o seu estabelecimento na floresta e a sua vida de colono nesse lugar. Ou seja, a

representação em imagens de seu estranhamento frente ao espaço da colônia em formação

e os seus sujeitos, documentado para uso privado, sem compromisso com a Colonizadora.

Já a leitura dessas imagens fornece indícios sobre a sua expectativa em relação ao

espaço colonial, o contato com a “colônia real” em formação e pistas sobre as motivações

12 Lista de fotografias. Avulso, Caixa 43, MAHP. 13 Fundo Dr. Herrmann Meyer, Caixas 12, 13 e 14. Leipnitz Institut für Volkerkunde (IFL), Leipzig,

Alemanha.

para o seu retorno. Do total das 56 imagens, a família Schäffer é tema de 27 fotografias,

que representam a sua instalação no lote colonial e o seu cotidiano como colono –

kolonisten leben – no lote colonial número 9, na linha 15 de Novembro, às margens do

rio Palmeira. Os recortes tratam da chegada da família no lote, o acampamento provisório

– hütte – e definitivo, a formação da roça, a família em suas atividades, e o rio Palmeira,

evidenciando seu potencial hídrico.

Também constam 14 fotografias retratando propriedades de outros colonos

instalados nas proximidades, com pequenas casas mais sólidas, com suas roças e alguns

animais, o trabalho cotidiano, aqui evidenciando a mulher – buscar água, assar pão, tratar

os animais. Outro conjunto de sete fotografias trazem momentos de sociabilidade, com

destaque ao pastor Hermann Faulhaber e sua esposa Marie, chegados na colônia também

em dezembro de 1902, garantindo a partir de então atendimento religioso e escolar. Os

recortes aqui são variados: um batizado em meio a mata, o retorno do culto, uma pose do

casal Faulhaber, o pastor Faulhaber e três colonos, um grupo de colonos. Ainda, há seis

imagens da sede: uma vista panorâmica de toda área e retratos das poucas construções.

Por fim, duas fotografias do campo (kamp). Logo, do total do acervo, 41 imagens tratam

da formação da colônia e das condições do colono em seu lote colonial, evidenciando a

precariedade das suas instalações, o predomínio da mata, o trabalho de derrubada das

árvores, as queimadas e a formação das primeiras roças. As demais, exibiam a nascente

sede urbana, com destaque para a casa do imigrante, a casa do pastor e o atendimento

pastoral.

Contrastando com a sede da colônia, já “civilizada”, estava a floresta ou Urwald,

onde se localizavam os lotes coloniais. Após uma curta estada no barracão do imigrante,

o recém-chegado estabelecia-se, provisoriamente, no seu lote colonial, principiando a

abertura de uma clareira para a construção do rancho ou cabana e a formação da primeira

roça. Essa simplicidade da vida do recém chegado em uma colônia em fase de instalação,

era mais penosa do que os imigrantes imaginavam. Talvez por isso foi o tema central das

tomadas fotográficas do imigrante Schäffer, que registrou, detalhadamente, a chegada e

instalação de sua família no lote colonial –e das famílias Garn e Uhr –, a derrubada das

primeiras árvores, o trabalho na formação de uma pequena roça, enfim, aquilo que

denominou de “vida de colono” – kolonisten leben.

Dentre as representações, a mais emblemática da simplicidade e das dificuldades

da vida na colônia, foi sintetizada na fotografia Anfang des kolonisten Schäffer – o

começo do colono –, Figura 1, que apresenta a chegada em seu lote colonial.

Imediatamente, a família improvisou um pequeno abrigo com estacas cobertas de palha,

para proteger seus pertencentes e alimentos. Além do núcleo central – sua esposa em pé,

segurando uma panela, onde provavelmente pretendia improvisar nas estacas à sua frente

um fogo de chão para fazer a comida; atrás dela, sentados no tronco de uma árvore, os

filhos: dois meninos maiores, um menor em pé, e a filha sentada em uma cadeira, o único

indício de conforto nesse meio. A ausência do patriarca na imagem deve-se ao fato dele

próprio ser o fotógrafo. Contornando e limitando o cenário, a mata – Urwald. Esse

registro fotográfico talvez foi o mais emblemático desse primeiro contato do imigrante

com o seu lote colonial, visto que no século XIX predominaram as gravuras e pinturas.

Também é uma das mais conhecidas, por estar publicada na obra de Jean Roche (1969).

As informações coletadas permitem afirmar que Schäffer permaneceu por 5 meses

na colônia, mas não sabemos quantos dias eles permaneceu no barracão do imigrante, e

quantos dias levou para construir o seu rancho provisório – Hütte –, formado por uma

pequena construção precária, com telhado de tábuas e tabuinhas, além de folhas de

palmeira, com um pequeno puxado anexo e um telhado separado, que servia de cozinha.

O lugar escolhido para construir a habitação foi a margem do rio Palmeira, em uma

pequena clareira no meio da mata. Essa proximidade com o rio contribuía para abastecer

a família além de facilitar as suas atividades cotidianas.

Figura 1 – Instalação do imigrante Wilhelm Schäffer em seu lote colonial

Fonte: Fotografia de Wilhelm Schäffer, Neu-Württemberg, 1903. Leipnitz Institut für Volkerkunde (IFL),

Leipzig, Alemanha. Reproduzida em: MEYER, 1904, fl. 3; MEYER, 1906, fl. 17; ROCHE, 1969.

A partir de então, essa pequena moradia e seus moradores foram retratados, por

vezes tomadas pousadas, outras, espontâneas, mostrando o movimento nesse espaço rural

– mulher pegando água, mulher cortando lenha, crianças caminhando, Schäffer a cavalo

com as crianças, dentre outras.

Vistas panorâmicas, obtidas da outra margem do rio Palmeira, permitem ter uma

ideia do todo da propriedade, como na Figura 2. O rio como o limite – aqui da imagem,

mas também territorial, pois marcava a divisa entre os municípios de Cruz Alta e Palmeira

–, interligado de margem a margem por uma pinguela de corda, delimita o cenário na

parte inferior. Ao centro, a moradia provisória da família, cercada por troncos de árvores

caídas, indicando para o avanço da derrubada da mata e o início da formação de uma roça.

Ao fundo da imagem, indicando para um terreno mais acidentado, a mata, aqui como

limite e possibilidade de expansão.

Figura 2 – Colônia e Hüte (cabana provisória) de Wilhelm Schäffer

Fonte: Fotografia de Wilhelm Schäffer, Neu-Württemberg, 1903. Leipnitz Institut für Volkerkunde (IFL),

Leipzig, Alemanha.

Esse enquadramento fotográfico foi realizado sob diversos ângulos e distâncias.

Porém, o cenário é o mesmo, com destaque à presença da mulher e das crianças à margem

do rio, variando, neste caso, as suas poses – ora a mulher pegando água, ora as crianças

no rio, ou atravessando o pinguela. Enfim, a família no cenário rio, rancho, roça foi o

tema da maior parte das fotografias de Schäffer.

Apesar da rusticidade representada nas imagens, o imigrante/colono era

proprietário de suas terras, de sua produção, e de tudo o mais que ali houvesse. Um lote

colonial de 25 hectares era uma área considerável para os parâmetros de propriedade de

pequenos camponeses na Alemanha, na época. Outro indício de que valia a pena migrar

e se submeter a essas dificuldades era a possibilidade de posse de animais para o trabalho,

como mulas e cavalo, enquanto na Europa o cavalo era de posse restrita da alta elite. E

mais: se na Europa a obtenção de lenha era problemática após o cercamento dos campos

públicos, na nova Heimat havia uma mata inteira para ser explorada.

Já a moradia, observada sob vários ângulos, denota uma construção rústica, feita

com o que havia à disposição, sem muita técnica, mas capaz de abrigar a família.

Comparada com os outros pequenos ranchos, era talvez o mais precário. De acordo com

Horst Hoffmann, tanto os imigrantes suabos quanto os alemães-russos que já estavam em

Neu-Württemberg construíam casas de madeira, visto serem as mais baratas e rápidas

para serem concluídas, e por não disporem de recursos para construir casas como aquelas

de sua terra natal.14 Assim, as maneiras de habitar próprias de sua pátria são adaptadas

nesse e a esse novo meio, e com essa combinação de elementos, “cria para si um espaço

de jogo para maneiras de utilizar a ordem imposta do lugar”, instaurando a pluralidade e

criatividade (CERTEAU, 2007: 92-93).

Essa fase pioneira era provisória e fazia parte da epopéia da colonização, superada

em dois ou três anos, quando então o colono já conseguiu acumular capital suficiente para

construir uma casa para abrigar a sua família, bem como galpões, estábulos, currais.

Segundo a orientação de Herrmann Meyer, os imigrantes deveriam preocupar-se primeiro

em cultivar as suas roças e prover o seu sustento, o que revertia em acúmulo de capital

suficiente para prover as demais necessidades, como as construções e a ampliação da área

de cultivo.

Na viagem de retorno, ao passar no escritório da Colonizadora Meyer em Porto

Alegre, Schäffer deixou uma cópia dessas imagens, as quais foram remetidas para Meyer,

em Leipzig. A partir de então, o circuito de circulação das mesmas passou do uso privado

para o público, servindo de propaganda à Colonizadora Meyer, atendendo ao seu discurso

de “mostrar a colônia real”, sem criar ilusões ou idealizações em relação à colônia e as

privações na fase de formação desse espaço (NEUMANN, 2016). Meyer organizou seu

acervo fotográfico em um álbum, reunindo as fotografias de sua autoria, de Schäffer e de

funcionários da colonizadora, disponibilizando-o à consulta dos interessados em seu

escritório, em Leipzig.15

Paralelamente, com o objetivo de colocar em circulação um conjunto de vistas

parciais da colônia e de seus colonos, Herrmann Meyer organizou e editou pelo Instituto

Bibliográfico de Leipzig um prospecto fotográfico, Ansichten aus Dr. Herrmann Meyers

Ackerbaukolonien Neu-Württemberg und Xingu in Rio Grande do Sul (Südbrasilien) –

[Vista das colônias agrícolas Neu-Württemberg e Xingu no Rio Grande do Sul (sul do

Brasil)]. A primeira edição veio a público em novembro de 1904, contendo 31 imagens

14 Relatório 1-4. De 1°/1 a 18/2/1903. Porto Alegre, 15/03/1903. Horst Hoffmann a Herrmann Meyer,

Leipzig. Pasta Transcrição Livro Copiativo 44, Caixa 109, MAHP. 15 Carta. Leipzig, 8/8/1908. Walter Schimpf a Hermann Faulhaber, Stettin/Alemanha. Pasta 9 - Cartas

Walther Schimpf a Kolonisations-Unternehmen Dr. H. Meyer, Caixa 45, MAHP.

distribuídas em 18 páginas; e a segunda edição, ampliada para 47 imagens, com 27

páginas, em 1906.16

Ao comparar as fotografias presentes nos prospectos fotográficos com as

fotografias produzidas por Schäffer, percebe-se que significativa parcelas das imagens

são as mesmas, especialmente aquelas que abordam a instalação dos colonos em seu lote

colonial e a vista da sede urbana, realçando o barracão do imigrante, a casa pastoral e o

prédio escolar. Tratamos aqui de circulação de imagens, com a temática colonização no

sul do Brasil, divulgadas junto com notas nos jornais, anexadas a correspondências

encaminhadas às autoridades do governo alemão e meios emigrantistas, pelo Dr. Meyer,

com o propósito de comprovar a existência e êxito de seu empreendimento, na busca por

apoio governamental, financeiro e novos emigrantes.17 Na época, tendo em visto o perfil

da produção e uso dessas fotografias, não foi observada nem preservada a autoria como

informação relevante.

Considerações finais

O imigrante Wilhelm Schäffer foi um dentre tantos que “passou” pela colônia Neu-

Württemberg, durante a sua fase de instalação. Muitos não deixaram rastros, outros, são

localizados em cartas de reclamações enviadas à Colonizadora Meyer, ao Consulado da

Alemanha ou à imprensa, externando a frustração de suas expectativas. Note-se que

Schäffer era um sujeito que circulava em diferentes instâncias: na Alemanha, fez contato

com Meyer, por correspondência ou pessoalmente; na colônia, apesar de se instalar em

um lote colonial distante da sede urbana, transitava entre seu lote e a sede, pois enviou

várias cartas para Meyer, e fotografou esse espaço; ainda, tinha uma boa relação de

vizinhança, tanto com a família Garn, quanto com outras famílias, cujas propriedades e

sujeitos fotografou; por fim, frequentava os nascentes espaços de sociabilidade em

formação pelo pastor Faulhaber.

16 O prospecto fotográfico da edição de 1904 encontra-se arquivado na Biblioteca do Instituto Ibero-

Americano de Berlin, Alemanha (Bibliothek des Ibero-Amerikanischen Instituts – SPK). Já a edição de

1906 está disponível no acervo do MAHP. 17 A divulgação e recepção do projeto de colonização do Dr. Herrmann Meyer na Alemanha, junto ao

governo e nos meios emigrantistas, especialmente a Kolonialgesellschaft, foi tema de pesquisa durante o

pós-doutorado na Freie Universität, em Berlim, Alemanha (julho de 2017 a fevereiro de 2018), cujos

resultados serão publicados futuramente.

Portanto, esse estudo contribui para aprofundar e ampliar as discussões em torno

das expectativas e idealizações – ou utopias – dos emigrantes e as migrações de retorno

decorrentes, quando o ideal e o real possível não convergem. O estranhamento de Schäffer

frente ao cotidiano de uma colônia em formação no norte rio-grandense era uma prova

do que aguardava o emigrante.

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Württemberg und Xingu in Rio Grande do Sul (Südbrasilien). Leipzig: Bibliographischen

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