O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

15
Publicado in Planejamento Urbano no Brasil – Conceito, diálogos e práticas Editora Argos – 2008 p.110 a 126 O Espaço Urbano e as estratégias de planejamento e produção da cidade. Arlete Moysés Rodrigues 1 INTRODUÇÃO O planejamento tenta criar um mundo como ele deveria ser e não como é. Propõe metas para o futuro Trata-se de uma condição da produção compulsiva e viciosa da modernidade é o planejamento. O planejamento setorial, territorial, urbano, rural, ambiental visa um mundo de ordem, de formas “adequadas” de apropriação do território, da produção do espaço. Tem como meta o desenvolvimento, o progresso. No planejamento tradicional os problemas existentes são tidos como desvios do modelo idealizado, que existe apenas nas matrizes discursivas do saber competente. O planejamento urbano tem como objetivo a cidade ideal, a ocupação harmônica e integrada das áreas urbanas, o progresso, o desenvolvimento das cidades. Raramente há ênfase à cidade real, à vida da população nas cidades. Os instrumentos de planejamento urbano obedecem a normas e diretrizes de propriedade da terra, aos interesses de mercado, às idéias de padrão de vida moderno, simplificando as possibilidades de compreensão. As contradições ficam ocultas para colocar “ordem” no traçado de ruas, avenidas, circulação, definição de lotes, mantendo sempre a propriedade da terra e das edificações. Os “pobres” devem ficar em lugares não visíveis para não atrapalhar a ordem prevista nos planos e metas. 1 -Professora Livre Docente- UNICAMP- IFCH e IG- Texto apresentado na Universidade Federal de Santa Catarina Planejamento urbano no Brasil e na Europa- Um diálogo Possível? -

Transcript of O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

Page 1: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

Publicado in Planejamento Urbano no Brasil – Concei to, diálogos e práticas

Editora Argos – 2008

p.110 a 126

O Espaço Urbano e as estratégias de planejamento e produção da cidade.

Arlete Moysés Rodrigues1

INTRODUÇÃO

O planejamento tenta criar um mundo como ele deveria ser e não como é.

Propõe metas para o futuro Trata-se de uma condição da produção compulsiva

e viciosa da modernidade é o planejamento. O planejamento setorial, territorial,

urbano, rural, ambiental visa um mundo de ordem, de formas “adequadas” de

apropriação do território, da produção do espaço. Tem como meta o

desenvolvimento, o progresso.

No planejamento tradicional os problemas existentes são tidos como

desvios do modelo idealizado, que existe apenas nas matrizes discursivas do

saber competente.

O planejamento urbano tem como objetivo a cidade ideal, a ocupação

harmônica e integrada das áreas urbanas, o progresso, o desenvolvimento das

cidades. Raramente há ênfase à cidade real, à vida da população nas cidades.

Os instrumentos de planejamento urbano obedecem a normas e diretrizes

de propriedade da terra, aos interesses de mercado, às idéias de padrão de vida

moderno, simplificando as possibilidades de compreensão. As contradições ficam

ocultas para colocar “ordem” no traçado de ruas, avenidas, circulação, definição

de lotes, mantendo sempre a propriedade da terra e das edificações. Os “pobres”

devem ficar em lugares não visíveis para não atrapalhar a ordem prevista nos

planos e metas.

1 -Professora Livre Docente- UNICAMP- IFCH e IG- Texto apresentado na Universidade

Federal de Santa Catarina Planejamento urbano no Brasil e na Europa- Um diálogo Possível? -

Page 2: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

A complexidade de relações societárias, as contradições, conflitos, de

apropriação, posse e propriedade da terra não são considerados. Qualquer

elemento que demonstre falta de ordem é um problema a ser resolvido com a sua

exclusão. Os problemas são enunciados de forma simplista como: a população

cresceu mais do que os equipamentos urbanos, as favelas são um câncer, os

cortiços precisam ser erradicados, os “pobres” o devem ser.

Mas o mundo não é ordenado e nem caótico. Ordem e desordem,

contradições, conflitos, embates constituem a realidade das formas de

apropriação, propriedade e posse do território, do espaço, das riquezas naturais,

dos meios de produção e das relações societárias.

José Saramago no romance “Ensaio sobre a Cegueira” mostra como

numa grande cidade as algumas pessoas ficam súbita e inexplicavelmente cegas.

A cegueira é contagiante, assim o primeiro grupo de cegos é isolado com guardas

para vigiá-los. Em poucos dias, porém, todos ficam cegos. A luta pela

sobrevivência é acirrada, dolorosa e desconhecida.

São desventuras de uma sociedade que, acostumada a uma única forma

de perceber o mundo é levada a depender dos demais sentidos para tentar

sobreviver. O isolamento é semelhante ao que se faz com problemas como

“favelas, cortiços, ocupações” que devem ser escondidos. A cegueira generalizada

pode ser comparável com o planejamento simplificador que tem como base uma

falsa harmonia. A cidade ideal é o local de troca, de realização de

acontecimentos, da ciência, do conhecimento, planejada, sem pobres e sem

pobreza, com alto padrão de qualidade de vida.

Na cidade real, os agentes capitalistas da produção do espaço urbano têm,

entre si, contradições e conflitos pois procuram obter a maior renda, lucro, juros.

A produção e o consumo do espaço urbano, obedece à lógica dos agentes

tipicamente capitalistas : os proprietários de terras; os promotores imobiliários; os

setores industriais ligados aos insumos para a produção na e da cidade; a

indústria de edificações, o setor de incorporação imobiliária e o capital

financeiro. A segregação sócio-espacial, poluição da água, do ar, falta de moradia,

saneamento ambiental, equipamentos de consumo coletivo, transportes coletivos,

Page 3: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

congestionamentos, moradias inadequadas, insalubres, constituem alguns

elementos da cidade real.

O Estado, em geral, é mediador de conflitos, e o planejamento parece uma

solução para resolver os problemas. Ao Estado capitalista, em suas diversas

instâncias, cabe definir a propriedade da terra, as normas de apropriação e uso

da terra e fornecer os meios para a produção ampliada do capital e para a

reprodução da força de trabalho.

Quanto mais quanto mais cidade se produz, mais caro é o preço da terra e

das edificações, tornando inacessível o ideal para a maior parte dos que moram

nas cidades. A terra urbana e a cidade não são mercadorias elásticas. Não

diminuem de preço quando há maior oferta de terras e de unidades de moradia. È

o que se observa na expansão da área urbana dos municípios, na implantação de

infra-estrutura e meios de consumo coletivo. Terras desocupadas, imóveis

construídos vazios, são concomitantes ao déficit habitacional, à precariedade de

moradias.

A morfologia do urbano real revela contradições e conflitos de classes e

parcelas de classes que vivem da venda da força de trabalho ou do produto do

seu trabalho sem acesso ao padrão de vida urbano e a urbanidade.

CIDADE E URBANO

O urbano é um conceito que qualifica um modo de vida, que hoje atinge a

maioria da sociedade brasileira. As atividades urbanas extrapolam os limites das

cidades, como é possível verificar em várias atividades como no agro-negócio,

atividades turísticas, na utilização de áreas inundadas para produção de energia

elétrica.

A relação campo/cidade, rural/urbano na atual dinâmica precisa ser

relativizada, tendo em vista as diferenças sócio-espaciais das regiões brasileiras.

A sociedade rural se recria e requalifica, traz novos conteúdos necessários para a

construção de novos paradigmas.O urbano não é uma realidade acabada mas

um horizonte de transformações territoriais, sociais, políticas e econômicas que se

Page 4: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

difunde em fluxos materiais e imateriais. Campo e cidade, rural urbano não têm

oposição, mas complementariedade

A cidade deve ser compreendida como forma espacial e lugar de

concentração da produção, circulação, consumo de bens e serviços. A cidade,

que concentra e difunde o urbano, é um centro de decisão política.

“A cidade intensifica, organizando a exploração de toda a

sociedade. Isto é dizer que ela não é o lugar passivo da produção

ou da concentração dos capitais mas sim que o urbano intervém

como tal na produção” (Lefebvre, 1999 p. 57- grifos nossos).

Cidade é definida como a projeção da sociedade urbana num dado lugar.

Política e territorialmente as cidades são sedes político-administrativas dos

Municípios.

Para compreender a dinâmica societária consideramos que conceito é

aplicável ao urbano, exprimindo a complexidade do processo de urbanização, a

extensão de um modo no de vida no espaço. Definição é aplicável à Cidade

considerando que do ponto de vista da ação política permite analisar a

concentração da população urbana nas metrópoles, grandes, pequenas, médias-

concentração de população e que é - objeto do planejamento urbano.

As cidades, como definição corresponde, ás áreas urbanas dos municípios.

União, estados e municípios têm superposição de atribuições de planejar,

estabelecer normas de uso do solo; as diversas esferas do capital investem onde

podem obter maior renda, juros e lucros, independente das normas gerais. Há

uma problemática que se refere a fragmentação do território brasileiro em 5.561

municípios, cada um deles “planeja” sua área urbana na maioria das vezes sem

atentar para o atendimento das reais necessidades da maioria da população.

A criação de municípios, por desmembramento de outros, implica em

delimitar novas áreas urbanas, em instalar um arcabouço institucional que nem

sempre corresponde à necessidade e à realidade econômica e social. Os

empreendimentos privados ou públicos, interferem, delimitam, incentivam a

Page 5: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

ocupação de áreas urbanas com a instalação de distritos industriais, estradas

intermunicipais, estaduais, vias de acesso, usinas hidroelétricas, entre outras.

A dimensão mais problemática está relacionada aos agentes tipicamente

capitalista da produção do espaço. È comum a ampliação “desnecessária” das

áreas urbanas, pelo poder municipal, para obtenção de recursos advindos do

Imposto Predial e Territorial Urbano. Mas a forma mais “usual” é ampliação da

área urbana pela atuação dos promotores, especuladores imobiliários,

proprietários de terra, que a utilizam como reserva de valor. Desde o final do

século XX, verifica-se a implantação de condomínios “murados”, descontínuos do

tecido urbano, destinados a uma camada de classe que se isola de outras

camadas de classes, da vida na cidade, provoca aumento do preço nas áreas

vazias, cristalização e/ou ampliação de espaços segregados nas cidades.

Domicílios Particulares Permanentes por Situação 1991 e 2000

Situação 1991 % 2000 % Área urbanizada de vila ou cidade 27.330.30977,237.240.29781,8 Área não urbanizada 183.784 0,5338.343 0,7 Área urbanizada isolada 183.758 0,5283.386 0,6 Rural - extensão urbana 311.087 0,9276.519 0,6 Rural – povoado 697.391 2,0781.014 1,7 Rural – núcleo 43.476 0,1 35.644 0,1 Rural – outros aglomerados 12.229 0,0 24.534 0,1 Rural - exclusive aglomerados rurais6.655.61918,8 6.527.77914,3 Fonte:IBGE, Censo Demográfico 1991 e 2000. Elaborado por Rafael Faleiros de Pádua – 2004.

PLANEJAMENTO URBANO

No planejamento urbano coexistem vários modelos e dimensões.

O Planejamento estratégico cria a imagem de cidade ideal que tenta

mostrar a eficiência da administração pública e, assim, obter recursos financeiros,

nacionais e internacionais. A cidade parece um organismo com vida própria,

desvinculada dos citadinos, dos produtores e consumidores da e na cidade.

O planejamento que antecede a produção e a ocupação – as cidades

planejadas no qual está presente a delimitação de áreas a serem ocupadas por

Page 6: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

segmentos de classes sociais. Em poucos anos a cidade real extrapola e modifica

o projeto ideal como ocorreu em Goiânia, Belo Horizonte, Brasília, Teresina.

Planejamento setorial urbano – caracteriza-se pela intervenção de setores

econômicos que intervem na dinâmica de ocupação e produção do espaço:

indústrias, agroindústrias, exploração de minerais e fontes de energia, produção e

distribuição de energia, vias de circulação, portos, aeroportos, moradias de

interesse social, equipamentos específicos, infra-estrutura.

Planos diretores urbanos, planos diretores estratégicos aparecem também

como uma forma de “planejar” o futuro da área urbana.

Predomina a tendência de imaginar a cidade , as atividades econômicas,

os equipamentos em sua potencialidade para o “desenvolvimento” sem considerar

as contradições e conflitos e o fato de gerarem trabalhos temporários , geração

de empregos permanentes, falta e precariedade de moradia, bairros, escolas,

infra-estrutura, vias de circulação, abastecimento de água potável, saneamento

ambiental e as contradições da apropriação, propriedade das terras urbanas.

Os movimentos sociais urbanos e o Estatuto da Cidad e

Nas décadas de 70 e 80 do século XX moradores de áreas periféricas,

de favelas, de cortiços, lutam para obter o valor de uso da cidade. Inicialmente se

organizam no local onde moram, tendo em vista as necessidades específicas de

cada lugar. São movimentos fragmentados por local de moradia e tipo de

reivindicação.

No final da década de 80 se organizam, se agrupam, se aliam ao

verificarem que têm uma luta semelhante para usufruir do valor de uso da cidade

que trabalham para construir. No congresso constituinte apresentam a emenda

popular da reforma urbana tendo como princípio a função social da cidade e da

propriedade e instrumentos para sua aplicação em todas as áreas que não

atendem aos interesses coletivos.

O Congresso Constituinte- 1988- aprova alguns instrumentos, porém,

define que os planos diretores municipais delimitaram as áreas onde propriedades

não cumprem sua função social. A função social é atrelada ao planejamento em

Page 7: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

municípios com mais de 20 mil habitantes. A aplicação só será efetivada após

2001 com a aprovação da Lei 10.257/01 – O Estatuto da Cidade.

O Estado não pretendia comprometer suas terras para a função social da

cidade e da propriedade,porém, manifestação dos movimentos populares faz com

as terras públicas sejam incluídas. Medida Provisória – 2020/01.

O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01 :

“Estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da

propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e bem estar dos

cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (art.1o.) “a política urbana tem por

objetivo ordenar o pleno funcionamento das funções sociais da cidade e da

propriedade urbana...”.(art.2º).

Salienta-se que os movimentos sociais urbanos nacionais e internacionais

se articulam, na Conferência das Nações Unidas - Desenvolvimento e Meio

Ambiente - CNUMAD-. Na Conferência das Nações Unidas sobre os

Assentamentos Humanos (1996) - HABITAT II a participação de movimentos

internacionais consegue que conste na agenda Habitat II, o direito á moradia

como direto humano, com ressalvas. Consta também que os despejos forçados

só poderão ocorrer quando estiverem fora da lei mas mesmo assim cabe ao

Estado lhes dar assistência.

Nos Fóruns Sociais Mundiais está em debate a carta mundial pelo Direito

à Cidade que é, antes de tudo, um instrumento dirigido ao fortalecimento dos

processos, reivindicações e lutas urbanas. A luta pelo direito à cidade não se

restringe a construção, e obtenção de direitos individuais. O objetivo central é

tornar o valor de uso predominante sobre o valor de troca e construir o direito

coletivo. O processo de mobilização internacional dos movimentos referenciando

direitos individuais propõe a coletivização dos direitos.

Entre os princípios da luta pelo direito à cidade está a construção de

direitos coletivos. A dimensão política é a premissa que permite caracterizar o

lugar das escolhas e decisões coletivas.

Page 8: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

OS INTRUMENTOS DO ESTATUTO DA CIDADE APLICÁVEIS NO PLANO

DIRETOR

No Estatuto da Cidade, para definir a função social da cidade e da

propriedade, o plano diretor é obrigatório para os municípios com mais de 20 mil

habitantes; para os incluídos em regiões metropolitanas; os de especial interesse

turístico; e os que terão impactos ambientais de âmbito regional ou nacional por

empreendimentos públicos e privados.

O Estatuto reconhece que a cidade é produção coletiva. Deixa evidente

que a população que recebe baixos ou nenhum salário, não é a causa dos

problemas urbanos. Permite que a problemática da expansão urbana, da riqueza

produzida, da escassez de urbanidade seja analisada na sua complexidade e

inova ao fundamentar suas premissas na cidade real.

Mas não há soluções que não se resolvam com uma lei, mesmo que

debatida com a sociedade. Apontamos a seguir instrumentos que podem auxiliar

o a que a cidade possa cumprir sua função social.

Participação

A participação social é tida como fundamental para a elaboração do Plano

Diretor. Mas é não possível afirmar que esteja sendo cumprido este preceito do

Estatuto da Cidade. A participação deve ocorrer na etapa de levantamento, de

definição de prioridades, na delimitação de áreas especiais para moradia e demais

instrumentos contidos no Estatuto. Os planos deverão ser submetidos a

audiência públicas pelo executivo e legislativo antes de ser transformada em Lei.

Uma lei específica - Estudo de Impacto de Vizinhança - definirá também

quando deve haver participação e consulta em empreendimentos que alteram a

vida cotidiana, coletiva.

Reconhecimento do direito à moradia nas áreas ocupa das.

O usucapião urbano – individual e coletivo- é aplicável nas áreas privadas

que estão ocupadas para moradia por mais de 5 anos, no limite de 250 m2, para

Page 9: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

cada família, e que até a data do Estatuto da Cidade não tenha contestação do

proprietário.

A posse – individual e coletiva - é aplicada nas terras nas públicas,

ocupadas para moradia familiar nas mesmas condições das terras privadas.

A população ocupante pode assim permanecer nas áreas ocupadas, ou

seja, considera-se a realidade como ela é.

As áreas ocupadas devem ser delimitadas no Plano Diretor como de

especial interesse de habitação, denominada de ZEIS, que deve garantir a

permanência em áreas ocupadas, e regularização fundiária, e definir outras áreas

no tecido urbano para atender as necessidades dos trabalhadores.

Em terras públicas a regularização fundiária já estava em andamento

através da Medida Provisória 292 mas como não foi votada, em tempo hábil, pelo

legislativo, está sendo elabora um Projeto de Lei que permite a regularização

fundiária nas terras da União.

A cidade real parece entrar na dinâmica do planejamento.

Limites à especulação imobiliária

O Estatuto reafirma a propriedade privada/individual e, ao mesmo tempo,

impõe alguns limites à especulação.

IPTU – progressivo no tempo A aplicação do IPTU se fará por um prazo

de 5 anos, após o qual se o terreno não estiver cumprindo sua função social,

haverá desapropriação por títulos de dívida pública . Este instrumento pode limitar

a especulação. As áreas objeto de aplicação do IPTU progressivo no tempo

precisam ser delimitadas no Plano Diretor.

O Parcelamento Edificação e Utilização Compulsória do solo urbano

não edificado, subutilizado, deverá também ser delimitada na lei do plano diretor.

Com relação a subutilização há dificuldades em delimitar as propriedades

quando estão parcialmente utilizadas, como se observa alguns lotes numa gleba,

ou algumas unidades num edifício.

O direito de preempção : preferência para aquisição quando o proprietário

colocar à venda, pode ser utilizado quando o Poder Público necessitar de áreas

Page 10: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

para: regularização fundiária; execução de programas e projetos habitacionais de

interesse social; ordenamento e direcionamento da expansão urbana; implantação

de equipamentos urbanos e comunitários; criação de espaços públicos de lazer e

áreas verdes; de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de

interesse ambiental e; áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.

Deve constar no plano diretor e ser elaborada uma lei específica para ser

apresentada aos proprietários de propriedades que não cumprem sua função

social.

Direito de propriedade e garantia de rendas imobili árias

Há instrumentos, como já dito, que reafirmam a propriedade e a obtenção

de renda.

Outorga onerosa do direito de construir: é aplicável em coeficientes de

aproveitamento do solo nas zonas rurais e urbanas especificado nas leis de

zoneamentos. O direito de construir acima do potencial com contrapartida também

tem que contar com uma Lei Especifica.

O direito de propriedade é garantido, bem como construir acima do

coeficiente permitido, dependendo das condições de infra-estruturas. Em

contrapartida o proprietário deverá fornecer recursos para uma atividade

vinculada à função social da cidade. O poder público não poderá utilizar para

outros fins.

Operações urbanas: representam um conjunto de intervenções e

medidas coordenadas pelo Município, com a participação dos proprietários,

moradores, usuários permanentes e investidores privados.

O objetivo é promover transformações urbanísticas estruturais e

melhorias sociais. As operações consorciadas mostram que além da garantia da

propriedade privada há também participação da iniciativa privada nas operações

urbanas.

As operações urbanas, além de serem demarcadas nos planos diretores,

dependem de lei específica que deve explicitar a finalidade, a contrapartida dos

Page 11: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

proprietários, e investidores privados. A contrapartida será aplicada

exclusivamente na própria operação urbana.

Há muitos questionamentos sobre as operações urbanas que têm

representado aumento do preço da terra e das edificações, provocado o

deslocamento de trabalhadores para áreas mais distantes.

Consorcio imobiliário Está relacionado às operações urbanas e é

aplicável quando o proprietário de área que deverá ter parcelamento, edificação

ou utilização compulsória poderá propor ao Município, como forma de viabilização

financeira do aproveitamento do imóvel, a transferência de seu imóvel para o

Poder Público, recebendo, após a realização das obras, como pagamento,

unidades imobiliárias urbanizadas ou edificadas.

Transferência do direito de construir : A transferência do direito de

construir, estabelece condições para que o proprietário de imóvel urbano, privado

ou público, aplique em outro local o direito de construir, quando o seu imóvel for

necessário para fins de Implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental,

paisagístico, social ou cultural; servir a programas de regularização fundiária,

urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de

interesse social.

Quem doar ao Poder Público seu imóvel ou parte dele para os fins acima

citados também poderá exercer em outro local ou alienar o direito de construir.

O Direito de superfície : propicia que os proprietários concedam a

outrem, de modo gratuito ou oneroso, o direito de superfície de seu terreno, por

tempo determinado ou indeterminado. O direito de superfície abrange o direito de

utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma

estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

Algumas ponderações.

Apesar das intenções de considerar a cidade como bem coletivo, de ser um

dos produtos dos movimentos sociais, ainda predomina o planejamento estático,

setorial e que pensa o futuro e não o presente. Contribui para a continuidade do

Page 12: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

paradigma dominante o sombreamento de atribuições das unidades da federação

e o fracionamento territorial.

Há no Brasil 5.561 municípios, dos quais 1.070 foram criados entre 1991

e 2002, com grande diversidade de atividades urbanas e rurais. Apesar dos planos

diretores abrangerem a extensão dos municípios a maioria dos instrumentos do

Estatuto é aplicável na área delimitada como urbana.

Nº de Municípios Criados de 1940 a 2002

315

877

1186

39

500

1070

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1940-50 1950-60 1960-70 1970-80 1980-91 1991-2002

Períodos

de M

unic

ípio

s

Cada um dos municípios, independente de sua extensão territorial, de suas

atividades, da população urbana e rural integra a federação brasileira.

Um outro aspecto que dificulta pensar num planejamento calcado na

realidade é o não reconhecimento institucional de Regiões Metropolitanas como

unidade da federação. Não há obrigatoriedade de realizar planos conjuntos o que

impossibilidade debater problemas comuns.

Após 1988 há uma proliferação de metrópoles e regiões metropolitanas

que poderiam dar a idéia de agregar a fragmentação, porém na pratica não se

concretiza a união de municípios , com raras exceções.

A obrigatoriedade para elaboração de Plano Diretor é vinculada à

população de mais de 20 mil habitantes, independente da extensão territorial das

atividades econômicas, exceto nas áreas de especial interesse turístico.

A população urbana está concentrada em pouco mais de mil municípios, o

que demonstra que há um reconhecimento das características do processo de

urbanização. Cerca de 27% dos municípios concentra 80,31% da população

urbana. Do ponto de vista da população significa que a maior parte da população

Page 13: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

urbana poderá ser, pelo menos teoricamente, beneficiada do cumprimento da

função social da propriedade e da cidade, excetuando-se as regiões

metropolitanas que continuaram a realizar planos em separados.

Considerando dimensão do número de municípios o Plano Diretor não é

obrigatório para 72,96% dos municípios brasileiros que contam com apenas

19,69% da população. Também não se considera a extensão territorial de

municípios. Significa exclusão da população moradora nesses municípios de

participar do planejamento como processo e da possibilidade e também a

construção de um processo de planejamento territorial participativo.

O sombreamento de atribuições das unidades da federação limita a

construção de um novo paradigmática.

O Estatuto contém, de modo geral, germes da utopia do Direito à Cidade.

Como diz Santos, “A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades

humanas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, em

nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e

porque merece a pena lutar” .

Para construir a Utopia do Direito à Cidade, o urbano, deve ser

compreendido como modo de vida não restrito aos limites das cidades. As

dimensões da reprodução da vida, as culturais, as questões de gênero, de etnia,

do trabalho, de emprego, do uso do espaço público, do espaço coletivo, da

segurança também são fundamentais para compreender o processo de

urbanização.

A construção da Utopia do Direito à Cidade depende, fundamentalmente,

da ação política da sociedade civil organizada e de estudos que possibilitem

construir uma teoria geral dos tempos-espaços urbanos.

O Estatuto da Cidade, decorrente das lutas sociais, aponta um novo

paradigma de planejamento urbano e de gestão do território do município.

Pode ser considerado como diz Harvey (2003), a utopia de um processo

social, resultado de um longo período de conflitos, de lutas e negociações, de

pressões da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais, condensa e

sintetiza uma diversidade de idéias, ideologias e projetos coletivos de sociedade.

Page 14: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos

Uma utopia não se concretiza numa lei, mas pode ser uma virtualidade

utópica de pensar o espaço, a sociedade, o território, a produção do espaço.

O paradigma da função social da propriedade, da cidade pode ser uma

virtualidade para atingir-se o Direito à Cidade. Mas ainda domina o planejamento

estático, setorial e visando um ideário do que e como deveria ser o espaço

urbano.

Bibliografia citada

Brasil . Governo Federal – Medida Provisória n. 2020 de 2001. Estatuto da Cidade – Lei 10.257/01 – Governo Federal -

Harvey, David – 2003- Espacios de esperanza- Ediciones Akal- Madri- Espanha

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Censo Demográfico de 1980

Censo Demográfico de 1991

Censo Demográfico de 2000

Lefebvre, Henry - 1999 - A revolução Urbana – Editora UFMG- Minas Gerais

Rodrigues, Arlete Moysés – 2005– Direito à Cidade e o Estatuto da Cidade –in

Revista Cidades –n.3- volume 2

2004 -Nota técnica sobre conceito da Cidade – julho e novembro – edição

para Ministério das Cidades

Santos, Boaventura Sousa – 1995- Pela Mão de Alice – O social e o Político na

Pós modernidade. Cortez Editora-SP

Saramago, José – Ensaio sobre a Cegueira – Editora

Page 15: O espa+ºo urbano e as estrat+®gias de planejamento e produ+º+úo da cidade editora a rgos