O exercício da docência e a preservação da saúde mental do … · PDDE Programa Dinheiro...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS MESTRADO EM PSICOLOGIA
Valéria Maria da Conceição Mota
O exercício da docência e a preservação da saúde mental do professor:
um estudo a partir de suas condições de trabalho e existência
Belo Horizonte 2011
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Valéria Maria da Conceição Mota
O exercício da docência e a preservação da saúde mental do professor:
um estudo a partir de suas condições de trabalho e existência
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de Concentração: Psicologia Social Linha de pesquisa: Trabalho, saúde e sociabilidade. Orientadora: Profª. Dra. Maria Elizabeth Antunes Lima
Belo Horizonte 2011
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150 Mota, Valéria Maria da Conceição M917e O exercício da docência e a preservação da saúde mental do 2011 professor [manuscrito] : um estudo a partir de suas condições de Trabalho e existência / Valéria Maria da Conceição Mota.-2011.
131 f. Orientadora: Maria Elizabeth Antunes Lima. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
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1. Psicologia - Teses. 2. Saúde - Teses 3. Trabalho – Teses.4. Professores – Teses. I. Lima, Maria Elizabeth Antunes. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título
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O homem é são na medida em que é normativo em relação às flutuações de seu meio.
Georges Canguilhem
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Dedico e ofereço aos meus pais todo o esforço empreendido na realização desse trabalho, assim como os frutos que, porventura, nascerão a partir dele.
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Agradecimentos
Aos meus pais, que acreditaram em mim, me incentivaram e me compreenderam nos momentos de inquietude. Ao meu irmão André, que me acolheu com a palavra certa nas minhas incertezas. A Profª. Draª. Maria Elizabeth Antunes Lima, minha orientadora nesse trabalho, pela generosidade, disposição em ajudar-me e pelos ensinamentos importantes no curso e na minha vida profissional. Aos docentes, que, generosamente, colaboraram com a realização dessa pesquisa e dispuseram o seu tempo, gentilmente, cedendo suas experiências e relatos, permitindo-me conhecer um pouco mais do seu trabalho. Aos Professores Antônia Vitória Soares Aranha e Wanderley Codo, por aceitarem o convite para serem membros da banca e pelas valiosas contribuições a esse estudo. Ao Colegiado da Pós-Graduação em Psicologia da UFMG, pela oportunidade de cursar e concluir o Mestrado. Aos funcionários da Secretaria do Colegiado de Pós-Graduação em Psicologia, pelo auxílio no decorrer do curso. À Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Ensino Superior – CAPES, pela concessão da bolsa. A todos que, de alguma forma, colaboraram para a realização e finalização desse trabalho.
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Resumo
A presente pesquisa teve o propósito inicial de investigar possíveis relações entre as condições do trabalho docente e o adoecimento mental dos professores. Seu ponto de partida foi um levantamento de cunho epidemiológico realizado em prontuários de pacientes do Hospital Espírita André Luiz. Os resultados desse levantamento apontavam para uma possível relação entre o trabalho docente e o adoecimento mental. Em um segundo momento, foi realizado um estudo de caso em uma escola municipal de Belo Horizonte, visando não apenas conhecer uma experiência bem-sucedida, como aprofundar no conhecimento a respeito das causas do alto índice de adoecimento verificado nessa categoria profissional. Na segunda etapa, foram utilizados observações clínicas do trabalho e o método biográfico proposto por Louis Le Guillant (2006). Os resultados apontam que a preservação da saúde do professor depende da associação entre suas características individuais e uma determinada forma de organização do trabalho que lhe permita criar formas inovadoras de realizar o seu trabalho a partir dos meios disponíveis e estabelecer trocas de experiências com seus pares. Palavras-chave: saúde, trabalho, experiências, professores.
Abstract
The initial aim of the current work was the investigation of the possible relations between the conditions of teaching and teachers' mental illness. Its starting point was an analysis based on epidemiologic data from the patients of the André Luiz Hospital. The results of this research suggested the possibility of the relationship between the teaching conditions and teachers' mental illness pointed above. In a second step, we performed a case study in a municipal school in the city of Belo Horizonte, not only to know a successful experience, but also to go deeper on the knowledge about the causes of high rates of illness observed in this professional. In this stage, we used the clinical observations of the teachers’ work and the biographical method proposed by Louis Le Guillant (2006). The results indicate that preserving the teachers’ health depends on the association between individual characteristics and a particular way of work organization that allows the creation, from the available resources and the establishment of exchanges of experiences with their peers, of innovative ways to conduct their work.
Keywords: health, work, experiences, teachers.
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Lista de siglas
AVALIA BH Avaliação do Conhecimento Aprendido de Belo Horizonte
CID Código de Doenças
CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
EJA Educação de Jovens e Adultos
HEAL Hospital Espírita André Luiz
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação básica
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola
PROALFA Programa de Avaliação da Alfabetização
RME/BH Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte
SIMAVE Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública
SMED Secretaria Municipal de Educação
SIMPRO-MG Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais
UMEI Unidade Municipal de Educação Infantil
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IX
Sumário
Introdução 10
1 A abordagem metodológica 14
1.1 O método biográfico 17
1.2 Observações clínicas do trabalho 19
Capítulo I 22
1 A origem da pesquisa 22
1.1 A análise dos prontuários do HEAL 22
1.1.1 Análise descritiva dos prontuários do Hospital E. André Luiz 22
1.1.1.1 Principais resultados 25
1.1.2 Os professores na amostra do HEAL 28
1.1.2.1 Aspectos descritivos da população 28
1.1.2.2 Aspectos qualitativos da população 29
1.2 A história de Jandira 34
1.2.1 O trabalho como professora 35
1.2.2 A relação com o trabalho 36
1.2.3 O adoecimento 39
1.2.4 Os sintomas 41
1.2.5 A aposentadoria 42
1.2.6 Análise do caso 44
Capítulo II 49
2 O exercício da docência 49
2 1 O trabalho docente - breve histórico 49
2.2 Um trabalho a partir das interações entre pessoas 51
2.3 As pesquisas em torno do trabalho do professor 53
2.4 Outros estudos sobre a docência 59
Capítulo III 65
3 A escola EMBRA 65
3.1 O cotidiano da EMBRA 68
3.1.1 A coordenação pedagógica 70
3.1.2 A direção da escola 71
3.1.3 A implantação da Escola Plural na EMBRA 74
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3.1.4 A sala de aula 80
3.1.5 Algumas considerações sobre a escola 84
Capítulo IV 86
4 Caso clínico 86
4.1 A história de Cristina 86
4.1.1 O início da carreira profissional 86
4.1.2 A reação diante da Escola Plural 89
4.1.3 Mãe, esposa e professora 91
4.1.4 A escala de valores pessoais 93
4.1.5 As tarefas e o ambiente de trabalho 94
4.1.6 O comprometimento com o trabalho 97
4.1.7 Experimentar novos meios de trabalho 99
4.1.8 Respeitar e ser respeitada 100
4.1.9 O dado e o recebido no trabalho 103
4.1.10 A escola e o grupo de trabalho 105
4.1.11 Estratégias para preservar a saúde 108
4.2 Análise do caso 110
Capítulo V 119
5 Considerações finais 117
Referências 128
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INTRODUÇÃO
Este estudo originou-se do nosso interesse em identificar evidências de possíveis
nexos entre certos distúrbios mentais e o exercício da atividade do professor.
Em 2009, com o objetivo de validar a nossa participação na disciplina Saúde
Mental e Trabalho, ministrada pela Drª. Maria Elizabeth Antunes Lima do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da UFMG, realizamos o estudo de caso de uma
professora que, então, nos relatou o processo de seu adoecimento em decorrência de sua
ocupação profissional. Sua descrição despertou nosso interesse por pesquisar as
características do trabalho docente que contribuem para o adoecimento mental do
professor.
Além disso, a análise descritiva dos dados coletados junto aos prontuários de
pacientes do Hospital André Luiz (HEAL) que realizamos, na mesma ocasião, com o
objetivo de identificar possíveis relações entre o adoecimento mental e o tipo de
ocupação profissional exercida pelo sujeito revelou que a categoria dos professores é
uma das que apresentavam considerável frequência de certos tipos de transtorno
mental1, como apresentaremos adiante.
Apesar dessas evidências, nosso propósito inicial, que consistia em investigar
possíveis relações entre as condições do trabalho docente e adoecimento mental dos
professores, mudou para o enfoque de uma experiência bem-sucedida ocorrida em uma
escola na qual o professor encontrara possibilidades efetivas de preservação da saúde.
Consideramos que, por meio desse novo enfoque, poderíamos aprofundar não apenas as
causas do adoecimento desses profissionais, mas também a compreensão dos fatores
que permitem a preservação da saúde deles.
Assim, ao entrarmos em contato com o campo, observamos que as experiências
bem-sucedidas em docência não são tão raras, embora ainda tenham pouca visibilidade.
Apesar de estarem submetidos a condições de trabalho cada vez mais exigentes, sendo
também pouco valorizados em termos financeiros, é possível encontrar profissionais em
docência que permaneçam por longo período de tempo no exercício de suas atividades,
sem adoecer.
1 Entre as cinco categorias profissionais com maior frequência na amostra do HEAL considerada, estão os servidores militares, os trabalhadores do comércio, os escriturários, os empresários e os professores.
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Para o estudo dos processos saúde/doença relacionados ao trabalho, destacamos
aqui a grande contribuição de Le Guillant (2006) um dos fundadores da Psiquiatria
Social na França. Ele conseguiu perceber, por meio de suas investigações, que, nas
diferentes formas de organização do trabalho de sua época, existiam fatores que
poderiam ser relacionados com a incidência de alguns distúrbios mentais em certas
categorias profissionais. Identificou também a relação entre as doenças mentais e as
condições de vida, pois, quando observados em diferentes épocas da história, alguns
distúrbios eram mais frequentes do que outros em determinadas populações.
Esse autor verificou que alguns grupos sociais constituíam-se de objetos de
estudo privilegiados, especialmente, aqueles expostos a conflitos decorrentes de
contradições entre seus valores de origem e aqueles com os quais deviam entrar em
contato, em decorrência de novos modos de vida. Desse modo, elaborou uma
investigação dos distúrbios psicopatológicos identificados em pessoas da Bretanha que
migravam para Paris. Essa pesquisa justificou-se a partir de um levantamento estatístico
que revelou os números elevados de doentes mentais internados e que eram nascidos na
Bretanha: em um grupo de 1500 pacientes, verificou-se a presença de 9,3% daqueles
originários dessa região da França, enquanto na população total de Paris, os nascidos na
Bretanha constituíam-se de 5% da população. Esse resultado indicava que o número de
pacientes da Bretanha internados era 1,86 vezes maior que o número de pessoas
originárias da Bretanha vivendo em Paris. Observou, finalmente, que esses pacientes
vinham de meio homogêneo, apegados a tradições e que foram transferidos para Paris,
em uma passagem brusca para condições de vida e relações sociais inteiramente novas e
muitas vezes difíceis: profissões pouco valorizadas, moradias em bairros simples,
situações de exploração e humilhação decorrentes de uma baixa condição
socioeconômica e educacional. Além disso, o baixo nível cultural desses pacientes e a
persistência de uma prática religiosa, impregnada da ideologia da região natal,
permitiam apenas uma tomada de consciência superficial e impediam uma imersão na
nova cultura que permitisse a expressão da subjetividade por meio das novas condutas
sociais. A nova realidade entrava em conflito com as antigas estruturas morais, sociais e
religiosas e as novas condutas eram experimentadas com sentimento de culpa. Desse
modo, a perplexidade e a ansiedade dos pacientes originários da Bretanha, diante dessa
contradição, pareciam estar associadas à eclosão dos distúrbios mentais.
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Outro fato que chamou a atenção de Le Guillant (2006) era uma espécie de
imunidade psiquiátrica das pessoas oriundas do litoral da Bretanha e que se explicava
justamente pelas diferenças profissionais e de estilo de vida entre pescadores e
agricultores nascidos no interior dessa mesma região francesa, indicando que as
diferenças nas condições de trabalho e de vida podem ter influência na incidência de
distúrbios mentais.
Mas esta não constituirá a relação de causalidade simples e direta entre o
adoecimento mental e as dificuldades vividas no trabalho. Recordemos que a proposta
de Le Guillant (2006) era de uma psicopatologia social, que ultrapassasse um
sociologismo que atribua somente aos fatores sociais, as causas de distúrbios tais como
alcoolismo, criminalidade, alterações de caráter, delinquência entre jovens, atentados
contra a própria vida, atos de violência contra terceiros, dentre outros. Os dados
individuais não devem ser considerados em separado dos dados sociais, pois estão em
contínua interação e transitividade. As condições do meio e os acontecimentos
cotidianos têm um significado singular para cada indivíduo e, para que possamos
apreender o papel das contradições sociais, é necessário conhecer bem as situações
morais e materiais do presente e as experiências vivenciadas no passado pelo sujeito.
Em suas investigações, Le Guillant (2006) observou que algumas atividades
profissionais constituíam fatores patogênicos indiscutíveis, mostrando que as
predisposições do sujeito não eram capazes de explicar a eclosão de alguns distúrbios
mentais em determinadas profissões:
Qualquer trabalho insere-se em um conjunto mais amplo de condições de vida, mais ou menos satisfatórias ou penosas, que podem ou não aumentar a fadiga que ele acarreta [...] o aspecto psicológico deste trabalho desempenha um papel considerável que aparece claramente em todos os estudos dedicados à psicologia do trabalho. No plano psicopatológico algumas situações parecem singularmente patogênicas. (LE GUILLANT, 2006, p. 72).
Nas situações patogênicas estudadas por esse autor, as contradições e os conflitos
eram particularmente intensos. Desse modo, sua proposta foi a de empreender uma nova
clínica baseada em situações concretas, identificadas na origem dos distúrbios mentais.
Para isso, era necessária uma investigação aprofundada do desenvolvimento da
personalidade do sujeito, assim como eram fundamentais os estudos que permitissem a
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apreensão das tensões existentes em grupos de pessoas que vivessem em condições
semelhantes.
Enfim, Le Guillant (2006) considerava que uma psicopatologia objetiva só seria
possível a partir do estudo das situações e acontecimentos vivenciados de forma
concreta pelo sujeito e que os fatos deveriam ser abordados não somente em relação às
suas implicações nas condições sociais mais gerais, mas também nas suas repercussões
em nível individual.
Da mesma forma, os estudos em saúde mental e trabalho, desenvolvidos por
Clot (2010), com o objetivo de compreender como o trabalho pode “cumprir o papel de
operador da saúde” 2 são norteadores da nossa investigação.
Ao abordar a possível interseção entre o trabalho e o adoecimento mental, esse
autor destaca que o trabalho perde o sentido para o homem quando não permite a
realização das metas vitais que o sujeito extrai de todos os domínios de sua vida
pessoal. Quando o trabalho leva o sujeito a duvidar de seu próprio valor, também os
valores cultivados em todas as esferas de sua existência são atingidos, podendo
favorecer ao adoecimento. Clot (2007) apoia-se em Canguilhem para concluir que ter
saúde implica a possibilidade de obter certo domínio sobre as coisas, ou seja, depende
da possibilidade de perceber-se na origem de certos fenômenos, de ser criador de
normas, de ser responsável pelos seus próprios atos, de ter condições para criar relações
na realidade objetiva que não poderiam ocorrer sem a intervenção do sujeito. Enfim,
possuir autonomia sobre o seu fazer.
Além disso, para o autor, o trabalho é muito mais que uma reação do trabalhador
às suas necessidades imediatas. Ele não é somente previsto pelos projetistas, pelas
diretrizes e pelo enquadramento das prescrições. Ele é, sobretudo, organizado por
aqueles que o realizam e é nessa possibilidade maior ou menor de organizar sua própria
atividade que pode ocorrer o encontro ou a perda de sentido para o sujeito.
Por esse motivo, Clot (2006) aborda a questão do adoecimento no trabalho
considerando que quando o destino da atividade no qual se está colocado já é conhecido
previamente, temos uma organização de trabalho opressora, pois não permite ao sujeito
a criação de possibilidades diversas daquelas que lhe são impostas. Para esse autor,
nesse caso a atividade, pode ser considerada como impedida, uma atividade contrariada,
2 Palestra proferida durante o I Colóquio Internacional de Clínica da Atividade em Outubro de 2010, Universidade Federal de São João Del Rei - MG.
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reprimida, pois “trata-se de uma amputação do poder de agir que proíbe os sujeitos de
dispor de suas ações, que não os deixa transformar seu vivido em recurso de vivência de
uma nova experiência.” (CLOT, 2006 p. 10).
Assim, as condições de trabalho que impedem a realização da atividade ou que
impõem um enorme esforço para se realizar a tarefa da forma que se considera
adequada podem contribuir para o adoecimento.
Clot (2006, p. 18) ressalta que “o trabalho só preenche sua função psicológica
para o sujeito se lhe permite entrar num mundo social cujas regras sejam tais que ele
possa ater-se a elas.” Caso contrário, o desenvolvimento da vida pessoal e social do
sujeito, através de seu trabalho, estará comprometido.
1 A abordagem metodológica
O ponto de partida de nossa escolha metodológica consistiu na aproximação do
docente para conhecermos sua atividade profissional. Essa etapa foi fundamental na
medida em que nos permitiu compreender melhor o significado dos resultados
estatísticos obtidos na primeira fase da pesquisa, conforme veremos mais adiante.
De acordo com Codo et alii (2002, p. 93) em um estudo sobre a docência, não
podemos negligenciar o fato de que “quem faz a educação é o educador”. Assim, é
importante considerarmos o dia a dia do professor em seu ambiente de trabalho. Para
esse autor “qualquer debate, por mais profícuo, por mais ilustrado que seja, ou leva em
conta as condições de trabalho na escola, as condições dos trabalhadores que o realizam,
ou estará fadado a engordar as estantes de nossas bibliotecas apenas.” (CODO, 2002, p.
93).
Desse modo, como nossa proposta partiu da escolha de uma forma mais adequada
de aproximação do objeto a ser pesquisado, foi necessário que obtivéssemos maior
clareza sobre esse objeto, sobre os aspectos a serem considerados e sobre o tipo de
informação que pretendíamos obter.
A questão sobre o método que nos permitiria a apreensão da realidade estudada
tornou-se então, crucial, pois é a orientação teórica subjacente à investigação que deve
direcionar essa escolha.
Para conhecermos, de forma mais detalhada possível, as condições materiais do
trabalho, o tipo de relação que os indivíduos estabelecem com tais condições, o sentido
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que atribuem às atividades que realizam, as pressões psicológicas que sofrem para
realizá-lo e como reagem a elas, consideramos importante contextualizar a atividade
profissional e tentar compreendê-la em seus determinantes históricos, sociais,
econômicos e culturais. Buscamos compreender mais amplamente as dimensões
concretas da situação de trabalho e seus impactos sobre o indivíduo. Para isso, foi
fundamental adequarmos o método ao nosso objeto de modo a obtermos maior
aproximação da realidade.
Dentro da perspectiva adotada, consideramos importante dirigir nossa atenção ao
objeto, tentando deixar de lado qualquer ideia preconcebida a seu respeito. O
conhecimento sobre o objeto de estudo deve ser constituído a partir da compreensão de
como ele se constitui e não dos pressupostos que o pesquisador tem a seu respeito. Lima
se inspira em Chasin (1995) para concluir que
Só é possível falar de um método se este se basear no respeito à integridade ontológica das coisas e dos sujeitos, oferecendo apenas uma indicação genérica dos passos da atividade mental da escavação das coisas e alcançando o máximo de autonomia em relação àquilo que pretendemos examinar. (LIMA, 2002, p. 3).
A partir desses parâmetros, a escolha do método para a investigação a que nos
propusemos foi norteada pela questão: qual abordagem facilitaria a apreensão do objeto
de maneira mais adequada? Desse modo, nossa opção foi pela abordagem
multidimensional, proposta por Louis Le Guillant (2006), segundo a qual todas as
perspectivas possíveis a respeito do objeto devem ser investigadas, desde que seja
respeitada sua integridade ontológica.
Assim, um levantamento inicial de cunho epidemiológico nos direcionou para a
elaboração de um estudo qualitativo que complementasse seus resultados numéricos.
Os dados quantitativos revelaram indícios de possíveis nexos entre o trabalho docente e
o adoecimento mental do professor e nos despertaram para a necessidade de
acompanharmos o cotidiano de uma escola municipal de Belo Horizonte, de conhecer o
dia a dia do trabalho docente.
Desse modo, adotamos como instrumentos da etapa qualitativa, as observações
clínicas do trabalho e o estudo de caso associando-os, pois uma apreensão fidedigna a
respeito do trabalho do professor somente seria possível se transitássemos entre os
dados obtidos na análise das condições objetivas da docência e aqueles coletados na
história do sujeito, num “ir e vir” constante de uma perspectiva à outra. Lima (2004, p.
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144), expõe, assim, a ideia de que, numa investigação multidimensional, os dados
estatísticos nos remetem aos dados coletados nas entrevistas e aos estudos de casos e
que estes, por sua vez, nos fazem retornar aos resultados quantitativos permitindo sua
elucidação.
Assim como Le Guillant (2006), pensamos não haver motivos para um dilema
entre a pertinência das abordagens quantitativas ou qualitativas no estudo do
adoecimento mental. Valendo-se de todos os instrumentos disponíveis para a busca de
informações tais como questionários, entrevistas, observações, esse autor também
recorreu aos sindicatos, aos serviços de saúde, aos setores de acompanhamento da
medicina do trabalho nas empresas, aos livros técnicos e até mesmo aos romances
literários. Ao estudar as domésticas, ele disse “a ajuda dos romancistas e poetas foi tão
importante quanto a contribuição dos exames clínicos, questionários e números.” (LE
GUILLANT, 2006, p. 245). Entretanto, em seus estudos sobre os impactos do meio e do
trabalho na saúde mental, esse autor não desconsiderou os aspectos do universo
subjetivo do indivíduo.
Para Lima (2010), baseando-se em Chasin, é impossível compreender os aspectos
singulares do trabalho sem nos remeter ao coletivo, pois os indivíduos se comportam de
modos diferentes durante o curso de suas vidas, conforme os tempos e lugares onde se
encontram. O conhecimento efetivo sobre o homem não pode se restringir às leis gerais.
A realidade expressa nas experiências individuais é reveladora do contexto de uma
época e os estudos de caso são instrumentos que facilitam a apreensão de aspectos
particulares da vida do sujeito que muito dizem da realidade do coletivo.
Conforme Vieira, Lima & Lima (2010) o estudo de caso individual permite a
apreensão dos dados objetivos e subjetivos que se entrecruzam na experiência do
sujeito. A obtenção do conhecimento objetivo é possível apenas quando o pesquisador
propicia a articulação entre as análises quantitativas e qualitativas, de modo que não seja
definida a prioridade de uma em relação à outra. Esses autores defendem uma reflexão
constante sobre a realidade que se revela no decorrer da pesquisa.
Desse modo, em nosso estudo, as particularidades do trabalho docente foram mais
bem apreendidas a partir do resgate da trajetória biográfica das professoras, nos dois
casos que acompanhamos. A coleta das impressões pessoais das professoras a respeito
de seu trabalho, por meio das entrevistas em profundidade, minimizou as chances de
estabelecermos conclusões prematuras e equivocadas em nosso estudo e por esse
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motivo, esses instrumentos foram fundamentais para complementarmos as informações
obtidas nas observações clínicas.
Enfim, não ficamos limitados a um único recurso para coleta de dados em nossa
investigação. Do caso clínico inicial que nos sugeriu a necessidade de estudarmos os
possíveis nexos entre as formas de organização do trabalho docente e o adoecimento
mental, passamos à análise dos prontuários do HEAL, cujos resultados revelaram
indícios da importância de se pesquisar o adoecimento do professor. Para compreender
essa questão, concluímos ser necessário conhecer uma experiência bem-sucedida, uma
vez que esta permitiria ter acesso às duas faces do problema: o adoecimento e a
preservação da saúde. Além disso, conforme veremos mais adiante, a maioria dos
estudos tem como objeto apenas o adoecimento dos docentes, o que por si só justifica
nosso duplo enfoque.
Para ampliarmos a compreensão sobre o trabalho, docente optamos por não seguir
uma trajetória linear em relação aos dados coletados. Sempre que julgamos ser
pertinente, retornamos aos dados quantitativos antes de prosseguirmos a busca dos
aspectos qualitativos. Entendemos que nossa investigação não seria bem realizada se
não tivéssemos a disposição de retornarmos aos dados obtidos sempre que necessário,
procurando assim verificar a sua validade a partir do que a realidade concreta nos
apresentava.
1.1 O método biográfico
Sistematizado por Le Guillant (2006), o método biográfico consiste no resgate
da trajetória pessoal e profissional do sujeito. Busca-se tornar explícitas as formas com
que o sujeito se julga e se conduz. Aprofunda-se, de modo, o nosso conhecimento sobre
o sujeito. A explicação para os conflitos do sujeito, quando se trata da psicopatologia do
trabalho, não se encontra nem nos dados de sua personalidade, nem no contexto social
vistos isoladamente, mas nas formas pelas quais eles se articulam, revelando o enredo
que se traduz na trajetória individual. Na tentativa de apreender os fenômenos na sua
realidade concreta, o esforço de Le Guillant (2006) foi direcionado para a compreensão
das determinações sociais dos distúrbios mentais admitindo, inclusive, a primazia
ontológica do meio sobre os indivíduos. Nessa abordagem, o pesquisador analisa o
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material recolhido de forma a privilegiar os aspectos que considera fundamentais para
atingir os objetivos de sua pesquisa.
Consideramos oportuno lembrar aqui o caso Marie L, no qual o autor expôs
como as experiências de vida da paciente se articulavam com seu adoecimento,
revelando, então, a relação existente entre os acontecimentos importantes de sua vida
pessoal e a eclosão ou intensificação dos sintomas apresentados por ela. Conforme
palavras de Le Guillant,
Para descrevê-la, utilizei, propositalmente, na medida do possível, as próprias expressões da paciente, anotadas ao pé da letra. Esta linguagem popular, fruto de uma experiência individual e coletiva, direta e insubstituível, parece-me ser mais adequada do que outra descrição que viesse a ser feita do exterior ou em termos mais científicos suscetíveis de evocar a realidade, para tornar perceptíveis os aspectos sensíveis de situações que escapam sempre, em parte, àqueles que não as vivenciaram. Assim, em meu entender, tal linguagem é a forma mais adaptada a um estudo objetivo das condições de vida de nossas pacientes. (LE GUILLANT, p. 332).
Para Lima (2006), a proposta de Le Guillant (2006), a partir do método
biográfico, é a de tentar “estabelecer possibilidades de compreensão e de intervenção no
plano de conhecimento prático do homem, da história dos pacientes e de suas condições
concretas de existência”. Desse modo, as condições sociais, culturais, econômicas e
ideológicas, presentes na história em que o sujeito se encontra inserido, devem ser
compreendidas de forma integrada à sua vida pessoal.
O indivíduo experimenta de modo particular os acontecimentos da história, de
acordo com o seu modo próprio de compreender e significar o mundo. Conforme Sève
(1969), a maneira como cada sujeito experimenta o mundo é menos determinado pela
biologia do que pelas dinâmicas sócio-pessoais de sua biografia, ou seja, a
personalidade do sujeito não é resultante de vivências infantis ou mesmo da bagagem
genética do indivíduo. Para ele, a personalidade continua se desenvolvendo no decorrer
de toda a vida do sujeito sempre em relação com o contexto histórico-social. Trata-se
daquilo que esse autor denominou personalidade biográfica. Estando submetida à
passagem do tempo, ela deve ser compreendida a partir de sua inserção em uma história
coletiva e deve ser abordada como o conjunto de atividades que vão influenciar a
trajetória da vida particular do indivíduo, na sua realidade social concreta. Por esse
motivo concluímos que o meio mais fidedigno de conhecermos o trabalho docente seria
a partir do relato do próprio sujeito, dentro da sucessão cronológica dos fatos, no curso
de sua vida.
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É preciso que estejamos atentos aos mediadores que se instalam entre os dados
do cotidiano do indivíduo e os aspectos ligados à sua subjetividade. Assim, quando
privilegiamos o método biográfico para conhecermos as condições de trabalho e
existência do professor, devemos estar atentos à cronologia dos acontecimentos em sua
vida, aos seus hábitos cotidianos, aos dados referentes à sua educação e ao seu meio
cultural, ao emprego de seu tempo, àquilo que ele privilegia em sua vida como sendo
prioridade, sem nos esquecermos, entretanto, que os indivíduos são autores da própria
história.
Desse modo, optamos por realizar entrevistas em profundidade com os sujeitos de
nossa investigação baseando-nos no método biográfico concebido por Le Guillant
(2006). O sujeito teve, então, oportunidade de expor sobre sua experiência profissional e
suas experiências de vida, revelando como elas se entrelaçavam.
Conforme Lhuilier (2007), a narrativa da atividade e das experiências pessoais
permite sua elaboração pelo sujeito que a descreve, pois, ao pensar sobre seu gesto e na
tentativa de explicar os motivos de suas ações a um terceiro, o sujeito pode conseguir
um entendimento sobre suas decisões.
As entrevistas foram realizadas de maneira livre e informal, com a intenção de
coletar o maior número de informações possíveis sobre a história ocupacional, além de
dados sobre a história pessoal do sujeito que, assim, teve a possibilidade de relatar
situações conforme seu interesse e de acordo com a ordem cronológica que preferiu
seguir. Em alguns momentos, realizamos intervenções apenas para lhe solicitar detalhes.
Além disso, as entrevistas foram gravadas mediante autorização dos sujeitos e,
posteriormente transcritas para facilitar uma fidedigna apreensão de seu relato.
1.2 Observações clínicas do trabalho
Para complementar as informações que coletávamos nos casos clínicos,
concomitantemente realizávamos também observações sobre o dia a dia da escola. Para
isso, contamos com a permissão e concordância dos professores e da direção da
instituição escolar. Tivemos oportunidade de acompanhar algumas reuniões entre a
direção, a coordenação da escola e alguns docentes. Participamos também de momentos
de descontração na sala dos professores, além de conversarmos com funcionários da
área administrativa a fim de obter maiores informações sobre o funcionamento
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operacional daquele estabelecimento de ensino. A oportunidade de entrar em contato
com o trabalhador no ambiente escolar, nos possibilitou uma apreensão realista do
contexto em que atualmente o trabalho docente se efetiva.
Essas observações foram utilizadas para facilitar nossa compreensão de como o
professor realiza sua atividade no cotidiano, de quais são as dificuldades que encontra e
de quais estratégias adota para enfrentá-las. O trabalhador é quem mais conhece sobre
sua atividade profissional, e por isso, consideramos que seria importante estabelecer um
contato direto com os sujeitos da pesquisa, valorizando seus depoimentos e suas
opiniões espontâneas.
Para Lhuilier (2007), o recurso da observação clínica no estudo da atividade
profissional pode facilitar a apreensão minuciosa da narrativa do sujeito a respeito de
seu trabalho e daquilo que escapa à sua verbalização. Trata-se daquilo que o sujeito
pretendia fazer e não foi possível, daquilo que gostaria de fazer e não lhe é permitido,
daquilo que deveria realizar e que decidiu não fazer, enfim, daquilo que Clot (2006)
denominou como o real da atividade. Nesse caso, as observações não devem ser
realizadas à distância, pelo contrário, é necessário que o pesquisador esteja em contato
direto com a situação observada. Estando o mais próximo possível da realidade concreta
da atividade é possível coletar informações que são comunicadas por outros meios
diferentes da fala do sujeito, ou seja, seus gestos, sua postura física, suas expressões
faciais, suas exclamações e suas escolhas ou omissões diante das tarefas a realizar.
As observações clínicas e os estudos de caso, utilizados como recursos que se
complementam na nossa investigação, possibilitaram o resgate da história profissional
do professor, enriquecida com detalhes de sua experiência pessoal, revelando também
que esses aspectos não se apresentam separadamente em sua vida.
Desse modo, a apresentação de nosso estudo se organiza a partir da exposição, no
primeiro capítulo dessa dissertação, dos resultados da análise descritiva dos prontuários
do HEAL de modo geral para, em seguida, passarmos à apresentação dos aspectos
específicos da categoria dos professores na referida amostra, tanto no que diz respeito
aos dados quantitativos quanto aos resultados qualitativos. Apresentamos também nesse
capítulo o caso de uma professora que adoeceu no exercício de suas atividades
profissionais, com o objetivo de tornar ainda mais evidente o nosso interesse em
aprofundar o conhecimento sobre os possíveis nexos entre o trabalho docente e o
adoecimento mental do professor.
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21
No segundo capítulo, de um breve histórico da docência, passamos a uma
reflexão sobre o trabalho do professor com pretensão de lançar luz sobre a posição que
essa categoria profissional ocupa na sociedade atual. Prosseguindo em nossa exposição,
apresentamos também uma revisão bibliográfica dos estudos sobre o trabalho docente
que foram referências importantes em nossa investigação. Eles expõem as dificuldades
presentes no cotidiano do professor bem como os possíveis nexos existentes entre as
condições de trabalho adversas e o adoecimento mental desse profissional. Alguns
desses estudos apresentam a síndrome de burnout como um dos principais transtornos
mentais3 que atualmente estão associados ao trabalho do professor.
O terceiro capítulo consiste na apresentação do nosso campo de estudo, ou seja, a
escola pública onde realizamos as observações sobre o trabalho do professor e onde
também realizamos as entrevistas.
No quarto capítulo, passamos à apresentação do caso clínico de uma professora
que sempre trabalhou com a educação e leciona, há mais de dez anos, na escola onde
realizamos esse estudo. Apresentamos a análise desse caso considerando que a
professora estudada conseguiu superar, em grande medida, as dificuldades que se
apresentavam no seu cotidiano.
O quinto capítulo expõe nossas considerações finais, ou seja, uma análise global
dos resultados, sendo proposta uma discussão sobre quais as alternativas possíveis para
a realização do trabalho docente. Refletimos, a partir das teorias que nortearam essa
investigação, sobre o papel da instituição escolar, do grupo de professores e da direção
da escola, bem como da sociedade em geral, no sentido de colaborar na preservação da
saúde mental dessa categoria profissional. Enfim, nesse capítulo destacamos nossas
principais conclusões a partir deste estudo, propondo alternativas para alguns dos
problemas identificados e expondo as questões que surgiram durante essa pesquisa que,
a nosso ver, merecem atenção em investigações posteriores.
3 Conforme o capítulo X, do Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde do Ministério da Saúde do Brasil (2001), a síndrome de burnout está incluída entre os transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho.
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CAPÍTULO I
1 A origem da pesquisa
1.1 A análise dos prontuários do HEAL
A investigação que serviu de ponto de partida para nosso estudo foi realizada
pelo Núcleo de Pesquisa em Saúde Mental e Trabalho da UFMG e coordenada pela
profª. Maria Elizabeth Antunes Lima a partir da análise de 3.912 prontuários de
pacientes de clínicas e hospitais psiquiátricos de Barbacena, MG, que revelou
evidências significativas de possíveis nexos entre alguns distúrbios mentais e certas
atividades profissionais4. Posteriormente, essa pesquisa teve continuidade por meio de
um levantamento realizado nos prontuários do pacientes do Hospital Espírita André
Luiz (HEAL). Esta etapa veio complementar os resultados obtidos na primeira
investigação, uma vez que essa instituição atende a um perfil socioeconômico diferente
dos contemplados na etapa anterior5.
Desse modo, nossa proposta inicial foi a de dar prosseguimento à primeira
pesquisa elaborando a análise descritiva dos dados coletados junto aos prontuários de
pacientes do HEAL para, em seguida, realizar um estudo qualitativo em torno da
categoria de professores por ser uma das mais frequentes entre aquelas identificadas nos
prontuários dessa instituição, além de apresentar grande diversidade de diagnósticos.
1.1.1 Análise descritiva dos prontuários do Hospital Espírita André
Luiz
A primeira etapa de nossa pesquisa consistiu na análise de 516 prontuários de
pacientes do Hospital Espírita André Luiz (HEAL). Esta é uma instituição hospitalar
filantrópica com 38 anos de existência, localizada em Belo Horizonte, MG, que oferece
serviços de diagnóstico, tratamento e reabilitação nos casos de distúrbios mentais.
4Ver Lima, M.E.A. (2004). A relação entre distúrbio mental e trabalho – evidências epidemiológicas recentes. In Codo, W. (org.) O trabalho enlouquece? Um encontro entre a clínica e o trabalho. Petrópolis: Vozes. 5 Ressaltamos que os pacientes das clínicas e hospitais de Barbacena eram essencialmente oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto o HEAL atende em especial a uma clientela de classe média.
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23
O objetivo inicial da análise estatística foi caracterizar a amostra de 516
prontuários de pacientes do Hospital Espírita André Luiz - HEAL, a partir da descrição
da porcentagem das principais variáveis que compõem essa base de dados. Com esse
mapeamento, buscamos a identificação dos distúrbios mentais mais frequentes por
categoria profissional na referida amostra. Os dados coletados nesses prontuários foram
organizados conforme as seguintes variáveis: proporção de pacientes atendidos por
filantropia, convênios; proporção de pacientes com atendimento particular, data de
nascimento, cidade onde reside, naturalidade, sexo, estado civil, quantidade de filhos,
pessoa com quem o paciente reside, escolaridade, idade de início da patologia,
antecedentes na família, ocupação principal, outras atividades exercidas e idade de
início da patologia.
O mapeamento estatístico que realizamos foi baseado em formulários preenchidos
por funcionários da instituição. Por esse motivo, muitos itens foram desconsiderados e
não foram respondidos, gerando a ausência de algumas informações. Desse modo, o
cálculo das porcentagens foi realizado a partir das respostas válidas, ou seja, das
respostas que atestavam a presença ou mesmo a ausência da variável.
O banco de dados analisado foi dividido em duas partes, sendo a primeira
formada pelas variáveis relativas ao perfil do paciente e a segunda parte relativa aos
sintomas.
Não há informações precisas da data de coleta e digitação dos dados, o que tornou
pouco útil a data de nascimento dos pacientes, uma vez que não foi possível utilizá-la
para estimar a idade dos pacientes na época do atendimento.
Com relação ao perfil dos pacientes, as variáveis com maior número de dados
faltantes foram:
• Número de filhos, não informado para 65,1% (336) dos pacientes;
• Com quem o paciente residia, não foi informado para 33,1% (171) dos pacientes;
• Nível de escolaridade, não informado para 60,1% (310) dos pacientes;
• Idade no início da patologia, não informado para 40,6% dos pacientes;
• Presença de antecedentes da doença na família, não informado para 64,2% (331) dos
pacientes;
Apenas 36 pacientes não apresentaram informações a respeito das cinco variáveis
citadas. Além disso, 82 pacientes não apresentaram informações para a intercessão das
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24
variáveis “número de filhos”, “nível de escolaridade”, “idade no início da patologia” e
“presença de antecedentes na família”, sendo que 162 (31,4% do total) não
apresentaram informações para a intercessão das variáveis “número de filhos”, “nível de
escolaridade” e “presença de antecedentes na família”.
Os 336 pacientes que não tiveram o número de filhos informado são em sua
grande maioria homens (70%); 64,3% (216) também não tiveram a escolaridade
informada, 37,8% (127) não informaram com quem moram; e 65,8% (221) não
informaram a presença de antecedentes da doença na família.
Entre os 251 pacientes que não tiveram a idade do início da patologia informada,
63,3% também não tiveram a presença de antecedentes na família e 57,4% não tiveram
a escolaridade informada.
As variáveis relacionadas à modalidade de financiamento do atendimento tais
como filantropia, convênio e atendimento particular, que isoladamente apresentam
grande número de dados faltantes, foram agrupadas em uma nova variável denominada
“tipo de atendimento”, sendo que, dessa forma, não verificamos informações de apenas
4 pacientes.
Desse modo, os pacientes, por vínculo de atendimento, estão assim distribuídos:
• 69 atendimentos por filantropia;
• 297 por convênio;
• 142 atendimentos como particular;
• 2 atendimentos por convênio e particular;
• 1 atendimento por filantropia e convênio;
• 1 atendimento por filantropia e particular.
A base de dados resultante dos prontuários do HEAL trouxe uma listagem prévia
dos sintomas característicos das patologias que, então se apresentavam assinalados ou
não, conforme sua presença ou ausência no diagnóstico do paciente. A partir de nossa
análise, verificamos que dos 194 sintomas listados, 2,9% (15) não foram encontrados
em nenhum paciente, e os demais foram identificados em pelo menos um paciente.
Apresentamos, a seguir, um resumo dos resultados obtidos conforme as
informações válidas, ou seja, as que efetivamente foram preenchidas nos prontuários.
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25
1.1.1.1 Principais resultados:
A partir da análise descritiva realizada nos 516 prontuários que compõem a
amostra do HEAL, verificamos que entre os pacientes:
21,9% são servidores militares;
8,33% trabalham no comércio;
6,01% são escriturários;
5,81% são empresários;
5,43% são professores;
4,65% são profissionais da saúde com escolaridade superior;
4,07% são trabalhadores da construção civil.
As demais profissões apresentaram freqüências inferiores a 4%.
QUADRO 1 Ocupação principal dos pacientes
FEMININO MASCULINO NR
APOSENTADO 6 1,16 1,16 33,33 66,67 0,00
ARTISTA 8 1,55 2,71 37,50 50,00 12,50
AUTÔNOMO 17 3,29 6,01 58,82 41,18 0,00
COBRADOR DE
TRANSPORTE URBANO3 0,58 6,59 33,33 66,67 0,00
COMÉRCIO 43 8,33 14,92 30,23 65,12 4,65
CONSTRUÇÃO CIVIL 21 4,07 18,99 0,00 100,00 0,00
EMPRESÁRIO 30 5,81 24,81 26,67 73,33 0,00
ESCRITURÁRIO 31 6,01 30,81 54,84 45,16 0,00
ESTUDANTE 5 0,97 31,78 40,00 60,00 0,00
INFORMÁTICA 7 1,36 33,14 28,57 71,43 0,00
MECÂNICO 12 2,33 35,47 0,00 100,00 0,00
METALÚRGICO 18 3,49 38,95 0,00 94,44 5,56
MOTORISTA 31 6,01 44,96 0,00 100,00 0,00
NR 2 0,39 45,35 0,00 50,00 50,00
OUTROS 32 6,20 51,55 31,25 68,75 0,00
PROFESSOR 28 5,43 56,98 82,14 17,86 0,00
SEGURANÇA 5 0,97 57,95 0,00 100,00 0,00
SERVIÇOS GERAIS 17 3,29 61,24 17,65 82,35 0,00
SERVIDOR MILITAR 113 21,90 83,14 3,54 95,58 0,88
SERVIDOR PÚBLICO 11 2,13 85,27 45,45 54,55 0,00
SUPERIOR DE HUMANAS 11 2,13 87,40 45,45 54,55 0,00
SUPERIOR DE SAÚDE 24 4,65 92,05 45,83 54,17 0,00
SUPERIOR EXATAS 16 3,10 95,16 31,25 68,75 0,00
TÉCNICO DE SAÚDE 11 2,13 97,29 72,73 27,27 0,00
TRABALHADOR RURAL 14 2,71 100,00 0,00 100,00 0,00
TOTAL 516 100,00 132 378 6
OCUPAÇÃO PRINCIPAL FREQUÊNCIAPERCENTUAL
(%)
PERCENTUAL
ACUMULADO
(%)
SEXO
Figura 1 – Frequência de ocupação principal
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26
GRÁFICO 1 Distribuição da Ocupação Fonte: MOTA, V.M.C. & LIMA, M.E.A.
A análise quantitativa dos dados coletados também revelou que:
• 50% dos diagnósticos de transtornos mentais orgânicos (CID F0 a 9) são
apresentados pelos servidores militares;
• Os transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substâncias
psicoativas (CID F10 a 19), esquizofrenia (CID F20 a 29), transtornos de
humor (CID F30 a 39) e transtornos neuróticos (CID F40 a 49) foram
diagnosticados em quase todos os tipos de ocupações, porém a maior
frequência foi entre os servidores militares;
• Os dois casos de síndromes comportamentais associadas a disfunções
fisiológicas e a fatores físicos (CID F50 a 59) foram diagnosticados entre os
professores e pacientes com curso superior na área da saúde;
• A classificação que corresponde às disfunções da personalidade do adulto (CID
F60 a 69) teve a maior proporção entre os servidores militares, embora esteja
presente em quase todas as ocupações;
• Foram diagnosticados apenas dois casos de retardo mental (CID F70 a 79), um
caso entre os pacientes que não tiveram a ocupação informada e outro entre os
servidores públicos;
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27
• Os professores e os pacientes com curso superior que trabalham na área de saúde
apresentaram maior diversidade de diagnósticos (transtornos mentais
orgânicos, transtornos mentais decorrentes do uso de substâncias psicoativas,
transtornos psicóticos/esquizofrenias, transtornos de humor, neuroses e
transtornos somatoformes, transtornos do comportamento associados aos
fatores fisiológicos ou físicos, distorções da personalidade e do
comportamento).
Na amostra do HEAL aqui considerada, destacamos que entre as cinco categorias
que apresentam maior frequência e um percentual superior a 5% do total da amostra
estão os servidores militares, os trabalhadores do comércio, os escriturários, os
empresários e os professores6.
Os docentes apresentaram maior diversidade de diagnósticos conforme o CID-10
e representam 5,43% da amostra estudada. Estabelecendo uma comparação dessa
categoria na nossa amostra com a população economicamente ativa (PEA) de Belo
Horizonte, encontramos resultados que revelam que a amostra de professores do HEAL
foi proporcionalmente maior que a PEA da região: os professores correspondem a
0,83% da PEA de Belo Horizonte, indicando que esses profissionais são,
proporcionalmente, 6,5 vezes mais numerosos nessa amostra do que na PEA de Belo
Horizonte.
Além disso, considerando que 96,4% dos professores de nossa amostra residem
em Minas Gerais, verificamos que o número de docentes nesse Estado corresponde a
2,4% da PEA de Minas Gerais. Realizando uma comparação desse resultado com o
número de 28 professores na amostra do HEAL, que significa 5,43% do total de 516
prontuários analisados, verificamos que o número de trabalhadores dessa categoria
profissional é 2,3 vezes maior na amostra estudada do que na PEA de Minas Gerais.
Esses resultados nos pareceram ser indicadores importantes a respeito do caráter
patogênico do trabalho do professor. Entretanto, somente os resultados estatísticos são
insuficientes para obtermos conclusões consistentes a esse respeito. Uma reflexão mais
6Outras categorias profissionais que também emergiram nessa etapa de nosso estudo deverão ser objeto de investigações posteriores, assim como já ocorreu com a categoria dos militares a partir de uma investigação dos fatores que contribuem para o alcoolismo entre policiais usuários dos serviços do HEAL. Esse estudo foi desenvolvido por Valéria R. Gischewski, sob orientação da Profª. Maria Elizabeth Antunes Lima, da UFMG.
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28
detalhada sobre a atividade profissional do professor torna-se necessária para que
possamos compreender o significado desses números.
1.1.2 Os professores na amostra do HEAL
1.1.2.1 Aspectos descritivos da população
Privilegiamos, em nosso estudo, os professores que trabalham no ensino
fundamental7, pois representam 44% do total de docentes de Belo Horizonte conforme o
Censo Educacional 2007. Apresentaremos a seguir os principais resultados quantitativos
a respeito dos profissionais em docência na amostra do HEAL.
No total de 516 prontuários analisados, identificamos que 28 eram professores
sendo que 10 foram atendidos por meio de convênio com a UNIMED (35,71%), 12
como paciente particular (42,86%), um por filantropia (3,57%) e os restantes foram
atendidos por meio de diversos convênios (17,86%).
Quanto ao sexo, temos 23 mulheres e cinco homens. O sexo feminino
corresponde a 82,1% do total de 28 docentes da amostra do HEAL, ou seja, a maioria.
A respeito do estado civil, entre os professores da referida amostra verificamos
que 16 são casados, oito solteiros, três divorciados/desquitados e uma viúva, ou seja, a
maioria (57,1 %) dos professores na amostra estudada é de casados.
Em relação à naturalidade verificamos que, entre os 28 professores, 25 (89,3%)
são nascidos em Minas Gerais, enquanto três nasceram em cidades de outros Estados
brasileiros. Entre os mineiros, sete são naturais de Belo Horizonte (28%) e os 18
restantes nasceram em diversas cidades de Minas Gerais (72%).
A média entre as idades dos docentes na amostra do HEAL é 47,64. A mediana é
igual a 44 e a moda corresponde a 428. O intervalo entre as idades é de 30 a 82 anos.
7O ensino fundamental corresponde ao anteriormente chamado ensino de primeiro grau. As funções do professor consistem em: desenvolver nos alunos a capacidade de comunicação e expressão, além de ministrar outros conhecimentos básicos para a formação do aluno tais como integração social e iniciação às ciências, transmitindo os conteúdos pertinentes de forma integrada no sentido de proporcionar aos discentes os princípios elementares de comunicação e instruí-los sobre os fundamentos básicos da conduta científica e social, conforme o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Veja mais em http://www.mte.gov.br/empregador/CBO/procuracbo/conteudo
8A média entre as idades corresponde à soma de todas as idades da amostra dividida pelo número de parcelas desse conjunto. Isso nos dá uma indicação do escore típico da amostra. A mediana é o valor que está no meio da amostra, ou seja, que apresenta o mesmo número de valores acima e abaixo dela. A moda é o valor mais repetido, isto é, a idade que mais se repete.
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29
Considerando o local de residência, temos que 11 professores de nossa amostra
moram em Belo Horizonte e isso corresponde a 39,2% do total de 28 docentes.
Verificamos também que 57,1% residem em outras cidades mineiras e 3,7% ou seja, um
paciente apenas, mora em cidade do Estado da Bahia. Portanto, verificamos que 96,3%
dos 28 professores da amostra do HEAL moram em Minas Gerais.
Não obtivemos informações precisas se são docentes de ensino superior, ensino
médio, ensino fundamental ou pré-escola. Em apenas um caso existe a informação de
que se trata de uma professora de escola primária. Além disso, os dados sobre a
escolaridade desses profissionais não estão especificados em 71,4% dos casos e apenas
17,85% desses pacientes informaram que obtiveram escolaridade de 3° grau. Também
não há informações se os profissionais com escolaridade superior têm pós-graduação ou
capacitação para o ensino superior. Desse modo, tudo indica que, se há docentes do
ensino superior, não são maioria nessa amostra.
1.1.2.2 Aspectos qualitativos da população
O banco de dados sobre o qual nos debruçamos apresentou um grande número de
variáveis, entretanto, por ter sido originado a partir dos prontuários médicos, há muitas
lacunas, mas isso não compromete os resultados de nossa investigação, pois
consideramos somente os dados presentes para a análise dos aspectos qualitativos.
Em nossa análise privilegiamos o teste dos agrupamentos CID F10-19
(Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substâncias psicoativas), CID
F30-39 (Transtornos do humor/afetivos) e CID F40-48 (Transtornos neuróticos,
transtornos relacionados ao estresse e transtornos somatoformes), conforme o Código
Internacional de Doenças (CID–10).
Nosso interesse em investigar se há associação entre a ocupação profissional e os
transtornos somatoformes, surgiu a partir das indagações de Le Guillant (2006) a
respeito da influência dos conflitos decorrentes da relação homem-meio social sobre a
eclosão de transtornos psicossomáticos. Esse autor se interessava em demonstrar, de
forma efetiva, como se dá a relação entre o meio em que sujeito vivia e a sua atividade
psicofisiológica, pois considerava não haver uma rígida separação entre o psiquismo e a
fisiologia humana.
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30
Conforme o CID-10, os transtornos somatoformes (F45) caracterizam-se pela
presença repetida de sintomas físicos, múltiplos, recorrentes e com duração variável no
tempo, apesar de não se encontrarem uma base orgânica que justifique sua presença,
sugerindo origem psicogênica. Nesse agrupamento encontramos também os transtornos
de somatização (F45. 0), geralmente associados a uma alteração do comportamento
social, interpessoal e familiar do sujeito.
Ressaltamos ainda que, entre os distúrbios que fazem parte do agrupamento CID
F40-48, encontramos os transtornos de despersonalização (F48.1) que, conforme Codo
(2002), estão entre os principais fatores que caracterizam a síndrome de burnout9.
Além disso, na análise epidemiológica dos prontuários de pacientes das clínicas
e hospitais psiquiátricos de Barbacena, realizada por Lima (2004) foram identificados,
entre os principais diagnósticos encontrados, os transtornos mentais relacionados ao uso
do álcool e os transtornos de humor. Como nossa proposta consiste também em dar
prosseguimento a essa investigação, justifica-se o nosso interesse em verificar como se
apresentavam essas variáveis na nossa amostra.
Desse modo, ainda na primeira etapa de nosso estudo - que consistiu da análise do
banco de dados com o objetivo de identificarmos as ocupações que apresentassem
maiores chances de diagnósticos em distúrbios mentais, foram calculadas as chances
para a ocorrência dos distúrbios relacionados ao uso de substâncias psicoativas (CID 10
a 19), aos distúrbios de humor (CID F 30 a 39) e aos transtornos somatoformes (CID 40
a 48). Comparando os indivíduos de uma dada ocupação com todos os demais
indivíduos da amostra, tentamos identificar se pertencer à profissão considerada poderia
revelar alguma relação com os diagnósticos identificados nos prontuários, conforme o
Código Internacional de Doenças (CID -10).
Observamos que 82,1% (23 professores) apresentaram diagnósticos pertencentes
ao agrupamento CID F30-39 e 28,6% (8 professores) apresentaram diagnósticos do
agrupamento CID F40-49, reforçando o nosso interesse em estudar essa categoria
profissional.
9Codo (2002) considera a síndrome de burnout como um transtorno mental caracterizado por uma atitude de desistência do educador em relação a seu trabalho.
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31
Tabela 1 - Percentual de pacientes com diagnóstico por agrupamento conforme o
CID 10 e por ocupação
F10-F19 F30-F39 F40-F49
APOSENTADO 0,0% 33,3% 0,0%
ARTISTA 62,5% 37,5% 12,5%
AUTÔNOMO 29,4% 52,9% 23,5%
COBRADOR DE TRANSPORTE URBANO 0,0% 66,7% 0,0%
COMÉRCIO 48,8% 53,5% 7,0%
CONSTRUÇÃO CIVIL 71,4% 23,8% 9,5%
EMPRESÁRIO 53,3% 40,0% 16,7%
ESCRITURÁRIO 22,6% 41,9% 19,4%
ESTUDANTE 20,0% 80,0% 0,0%
INFORMÁTICA 28,6% 28,6% 28,6%
MECÂNICO 41,7% 16,7% 16,7%
METALÚRGICO 50,0% 44,4% 33,3%
MOTORISTA 51,6% 25,8% 3,2%
NR 0,0% 0,0% 0,0%
OUTROS 40,6% 34,4% 9,4%
PROFESSOR 10,7% 82,1% 28,6%
SEGURANÇA 20,0% 60,0% 20,0%
SERVIÇOS GERAIS 41,2% 5,9% 5,9%
SERVIDOR MILITAR 50,4% 46,9% 22,1%
SERVIDOR PÚBLICO 36,4% 45,5% 0,0%
SUPERIOR DE HUMANAS 27,3% 81,8% 0,0%
SUPERIOR DE SAÚDE 45,8% 58,3% 8,3%
SUPERIOR EXATAS 37,5% 56,3% 6,3%
TÉCNICO DE SAÚDE 36,4% 27,3% 27,3%
TRABALHADOR RURAL 35,7% 28,6% 0,0%
Total 41,9% 44,2% 14,7%
Grupos de CID10Ocupação
Ao realizarmos o teste qui-quadrado10 para a ocupação exercida e o CID F 30 a
39 verificamos que há associação entre essas variáveis, com p-valor indicando diferença
10 O teste qui-quadrado é um teste de hipóteses que se destina a comparar o valor da dispersão para duas variáveis qualitativas, avaliando a associação existente entre elas. Busca-se comparar as possíveis divergências entre as freqüências observadas e as freqüências esperadas para certo evento. Como hipótese a ser testada, temos que a hipótese nula é: as freqüências observadas não diferem das freqüências esperadas, ou seja, não existe associação entre os grupos. A hipótese alternativa é: as freqüências observadas diferem das freqüências esperadas, portanto existe diferença entre elas, ou seja, há associação entre os grupos. Pode-se dizer que dois grupos se comportam de forma semelhante se as diferenças entre as freqüências observadas e as esperadas em cada categoria forem muito pequenas, ou seja, próximas à zero.
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significativa entre a frequência observada e a frequência esperada (p
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33
QUADRO 2 Frequência dos sintomas na amostra
Sintoma Frequencia
Alterações de humor 10,13%
Ansiedade 22,20%
Atenção dispersa 100,00%
Atos compulsivos 16,67%
Delírios de grandeza 11,76%
Desadaptado sócio-afetivo-
emocional
12,50%
Desmaios 18,18%
Desorientado emocionalmente 10,00%
Despersonalização 14,29%
Discurso acelerado 22,22%
Discurso pobre 16,67%
Hipotimia 33,33%
Impaciência 16,67%
Impulsividade 10,00%
Incoerente 25%
Insegurança 33,33%
Libido exacerbada 12,50%
Idéias negativas 11,11%
Pensamento acelerado 16,67%
Pensamento lentificado 20%
Poliqueixoso 33,33%
Prolixo 50%
Quadro psicotiforme 14,29%
Repetitivo 25,00%
Sentimentos de culpa 11,11%
Timidez 14,29%
Traços neuróticos 11,11%
Fonte: MOTA, V.M.C. & LIMA, M.E.A.
Além dos resultados dessa análise quantitativa, outro fator também reforçou
nosso interesse a respeito do trabalho em docência e suas relações com a saúde do
professor. Conforme já dissemos, ao mesmo tempo em que trabalhávamos com os
dados do HEAL, colhemos o relato de uma professora – por meio da realização de
entrevistas em profundidade – com o objetivo de elaboração de um trabalho de
finalização de uma disciplina do mestrado. Tratava-se do caso de uma professora
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acometida por uma grave disfonia12 que, evidentemente, causava muitas dificuldades
em sua vida profissional e pessoal. A aposentadoria precoce foi a única saída para essa
professora, pois nem mesmo o desvio de função, ou seja, sua transferência para a
biblioteca, foi suficiente para suprimir os sintomas. Apresentamos a seguir o seu caso
clínico com o objetivo de reforçar a justificativa pelo nosso interesse em aprofundarmos
o conhecimento sobre os possíveis nexos entre o trabalho docente e o adoecimento
mental do professor.
1.2 A história de Jandira
Jandira tem 52 anos de idade, é casada e atualmente tem uma filha adotiva. É a
terceira entre cinco irmãos, sendo quatro mulheres e um homem. Seu pai é metalúrgico
aposentado e sua mãe, já falecida, era dona de casa. Cursou magistério na mesma
instituição em que, posteriormente, foi trabalhar como professora desde que se formou
aos 18 anos. Este sempre foi o seu trabalho, pois nunca exerceu outra atividade diferente
da docência. Além disso, ela afirma que não saberia fazer outra coisa, por não ter
exercido outra atividade profissional. Trabalhou tanto com turmas de alfabetização
como também com adolescentes. Sua experiência como professora inclui atividades na
escola pública, situada em zona rural, e em escola particular, considerada como a
melhor instituição de ensino de sua cidade.
Nascida em uma cidade do interior de Minas Gerais, distante 60 km de Belo
Horizonte, Jandira foi educada na religião católica e procura seguir os preceitos de sua
crença religiosa.
Em sua cidade natal, não teve muitas possibilidades de escolher uma carreira,
na época de sua juventude. Havia somente formação para a profissão de professora ou
de contabilista, mas preferiu cursar o magistério. Seu pai não concordava com a idéia de
suas filhas estudarem ou mesmo trabalharem em outras cidades e ao mesmo tempo, era
complicado sair para estudar fora, pois pertencendo a uma família numerosa, seus pais
não dispunham de recursos para financiar seus estudos e sua estadia numa cidade que
oferecesse outras opções de carreira profissional.
12 Dificuldades para emitir os sons da fala que, no caso dessa professora, resultava numa perda total da voz em algumas ocasiões.
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Jandira demonstra ter muito respeito e admiração pelos pais, especialmente por
sua mãe. Relatou que, em sua casa, nunca teve como obrigação realizar as tarefas
domésticas, pois sua mãe cuidava de tudo. Às vezes, ajudava apenas em alguns
cuidados da casa, mas a prioridade deveria ser os seus estudos e o trabalho. Seu pai
garantia o sustento da casa sozinho e seus filhos trabalhavam apenas para suas próprias
necessidades. Nunca lhe foi exigida uma contribuição nas despesas da família. Embora,
seus pais não fossem pessoas com elevado grau de instrução, Jandira sempre os
considerou como pessoas muito sábias, especialmente sua mãe.
Em seu relato, ela se revela uma pessoa exigente e perfeccionista tanto no
trabalho como em sua vida pessoal e caracteriza-se como alguém preocupada com os
resultados de seu trabalho, que é o aprendizado de seus alunos. Também ressaltou que
ser rigorosa consigo, pois se preocupava em seguir fielmente aquilo que considerava
correto, a ponto de se sentir ansiosa por conseguir cumprir todas as prescrições em seu
trabalho.
Quando criança, também era comprometida com os resultados de seus estudos,
pois temia ser reprovada e não gostava da ideia de ficar retida, enquanto seus colegas
prosseguissem. Além disso, sempre foi muito nervosa e exigente, mesmo em suas
relações pessoais, revelando-se uma pessoa pouco paciente e muito detalhista, inclusive
em seu relacionamento conjugal. Quando sabe que vai receber uma visita em sua casa,
não consegue dormir na véspera de sua chegada, por se sentir preocupada em preparar a
casa para receber aos convidados e desse modo, causar-lhes boa impressão. Entretanto,
assim que o visitante se despede, apressa-se em novamente ajeitar sua casa e recolocar
tudo no seu devido lugar. Mas Jandira não se sente confortável com essa postura,
percebe que, agindo assim, fica muito mais cansada fisicamente.
1.2.1 O trabalho como professora
Jandira fez o magistério na mesma escola particular em que, posteriormente, foi
trabalhar. Logo que se formou começou a lecionar como contratada em uma escola do
Estado, onde trabalhou durante 10 anos. Entretanto, teve que deixar esse trabalho
porque uma professora efetiva deveria assumir o cargo. Em alguns momentos, trabalhou
paralelamente tanto na escola pública, situada em zona rural próxima à sua cidade,
como na escola privada.
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Durante 15 anos exerceu a docência concomitantemente na escola pública e na
escola particular, o que lhe causava enorme desgaste físico e mental, mas percebeu
diferenças importantes em seu trabalho em cada uma das instituições de ensino. Para
ela, a escola particular oferecia maiores recursos materiais para que o aluno ampliasse o
seu conhecimento, além disso, os pais dos estudantes tinham maior interesse pela
formação de seus filhos. Dizia: Os pais acompanham mais. Eles acompanham e até
atrapalham. Mas a escola particular... Eu acredito que é uma escola que dá mais
condições de uma criança passar no vestibular.
A escola pública, em sua opinião, também tinha alunos que atingiam resultados
satisfatórios na aprendizagem. Mas Jandira considerava que, se tivessem melhor suporte
material, teriam maior possibilidade de desenvolvimento. Por esse motivo, empenhava-
se em elaborar, conforme sua experiência, materiais alternativos que também
favorecessem a aprendizagem dos alunos na escola pública, mas nem sempre percebia
os mesmos resultados quando comparados aos da escola particular. Nesse caso, o aluno
tinha acesso aos cinemas, às diversões, às bibliotecas, às excursões, aos brinquedos
pedagógicos, recursos importantes para despertar o interesse do estudante e estimular a
aprendizagem do conteúdo ensinado.
1.2.2 A relação com o trabalho
Sempre responsável e comprometida, Jandira procurava criar condições para
realizar seu trabalho da melhor maneira possível, tanto na escola particular quanto na
escola pública. Muitas vezes, orientava os pais de seus alunos sobre as dificuldades de
seus filhos, mas percebia que na escola particular, nem sempre as famílias aceitavam
sua opinião porque temiam a reprovação da criança. Jandira avaliava que esses pais
consideravam que o investimento financeiro que faziam na educação da criança era
mais importante do que o seu desenvolvimento. Isso lhe causava sofrimento, pois nem
sempre podia contar com o apoio das famílias.
De outro lado, à direção da escola particular também não interessava
desagradar aos pais dos alunos, pois eram tratados como clientes que compravam os
serviços que a escola comercializava. Assim, o professor tinha que tentar atender às
expectativas dos familiares, ou seja, os alunos deveriam obter os bons resultados pelos
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quais os pais estavam pagando. Desse modo, o professor muitas vezes era
responsabilizado quando a criança não conseguia obter boas notas, tanto pelas famílias
quanto pela escola.
Às vezes, os pais colocam os filhos numa escola particular e acham que a escola vai fazer tudo e que os filhos vão sair dali cem por cento [...] e isso não condiz com a realidade porque a criança, muitas vezes, vai para a escola particular, mas tem limitações, ela não aprende. Aí, muitos pais acham que é a professora que não está ensinando direito e não olham a limitação do filho [...] ou, às vezes, enxergam e não querem ver.
Jandira procurava cumprir da melhor maneira possível às prescrições em
ambas as escolas, mas considerava que a escola particular era mais exigente em relação
ao professor. Às cincos horas da manhã já estava de pé para se preparar para seu
trabalho e não era preciso que ninguém a chamasse ou que ela usasse o despertador para
acordar, pois estava sempre atenta aos seus compromissos. Considerava que, apesar de
sua dedicação, o trabalho como professora nem sempre era reconhecido, além de ser
mal remunerado e desgastante. Sua mãe comentava que, se tivesse mais filhas não
gostaria que fossem professoras. Mas apesar disso, Jandira sentia sua atividade como
gratificante. Afirma que, embora a escola pública oferecesse piores condições físicas de
trabalho, achava injusto não se dedicar aos seus alunos tanto quanto o fazia na escola
particular. Entretanto, revela ter sido pouco reconhecida pela instituição de ensino
particular como boa profissional, apesar de se considerar competente.
A escola particular reza assim: aqui é uma escola particular, a gente precisa do aluno. Professor tem muitos. [...] Ainda mais numa escola de irmãs... elas são muito financistas. Aí, a gente pensa na caridade... elas não se preocupam. Elas se preocupam com o dinheiro. [...] Eram muitos rígidas assim por olhar o lado delas, a vantagem para elas.
Muitas pessoas reconheciam o seu trabalho e ainda se lembram de como era
boa professora, mas Jandira afirma que seu trabalho foi pouco valorizado na instituição
particular, especialmente quando começou a apresentar os primeiros sintomas de
adoecimento.
Eu acho... Inclusive a gente vê agora muita gente que a gente encontra e diz: “Nossa! Como você era boa professora!” A maioria reconhece seu trabalho. Agora... eu me sinto assim... No ambiente da escola, enquanto você está prestando serviço, você vale. Se você adoeceu, você não vale. Você é esquecida, sabe? As pessoas não procuram saber como você está: “Oh, fulana, aqui é da escola, você está melhor?” Nem um dia! Eles colocam outra pessoa e ali eles vão se movendo e acontecendo e continuando.
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Ela se mostra decepcionada em relação à escola particular, pois esperava que o
seu esforço fosse reconhecido, uma vez que, conforme suas palavras, vestia a camisa da
instituição e procurava cuidar da imagem pública do colégio, realizando um bom
trabalho. Ressalta, entretanto, que gostava de ser respeitada como uma profissional
responsável e competente e não admitia ter que bajular os superiores hierárquicos para
conseguir vantagens, embora procurasse manter bom relacionamento com a direção.
Entre as dificuldades de sua profissão acha que o trabalho docente tem sido
pouco valorizado e faz comparações entre o momento atual e o que imagina ter sido o
trabalho docente em sua infância. Considera que as famílias não têm mais o mesmo
interesse pela educação das crianças e, desse modo, o professor perdeu um poderoso
aliado, ficando com grande parcela de responsabilidade pela formação das gerações
futuras.
As pessoas mudaram pra pior porque aí a mãe sai, o filho faz e acontece com a empregada, faz e acontece dentro da escola, com a professora, faz e acontece na sociedade. E as próprias mães não estão querendo educar o filho não. Elas preferem sair fora, pegar a bolsa e ir trabalhar e deixar o problema rodar, do que ensinar ao filho uma tarefa que é chata.
Mas, apesar das dificuldades que encontrou em seu trabalho, especialmente na
escola particular, Jandira também ressaltou que gostava muito de sua profissão e que
preferia estar ainda exercendo a docência a estar aposentada por invalidez. Lembra-se
que, em seu grupo de trabalho, era considerada uma pessoa divertida e entusiasmada e
sente falta da convivência com suas colegas de profissão, embora seja uma pessoa que
ainda tenha facilidade para fazer amizades. Afirma que o benefício que recebe da
Previdência Social é suficiente para seus gastos pessoais e que não precisa pedir
dinheiro ao esposo para isso. Além disso, ele tem recursos financeiros para assumir as
despesas da casa, não necessitando de sua contribuição. Mas ela ressalta que quando
trabalhava fora de casa, também sentia mais interesse em se cuidar.
Mas assim... faz falta a gente sair, conversar, até mesmo para se arrumar. Porque a pessoa que trabalha, a pessoa se sente na obrigação de estar arrumando o cabelo, fazendo uma unha. Eu ainda faço isso porque toda vida eu fui muito vaidosa, mas assim... A pessoa tem aquele compromisso de ter uma aparência melhor para sair para trabalhar porque você não vai trabalhar de qualquer jeito, né? E você ficando em casa, você fica mais a vontade, né? Então faz falta até para isso. É... ele dignifica. O trabalho dignifica.
Apesar das dificuldades do cotidiano, ainda considera que seu trabalho lhe
causava satisfação especialmente por perceber o quanto contribuía para o
desenvolvimento de seus alunos.
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Mas é gratificante... é complicado e é gratificante. Quando você vê uma criança lendo, você pensa assim: não fui eu que ensinei; de uma hora pra outra ele pega o livro e fala: “professora, já sei ler”. Você fala: mas não fui eu que ensinei!... Então, nas séries iniciais... Eu achava ainda mais gratificante porque nas outras, a criança já aprendeu a ler, mas nas séries iniciais é bonitinho demais.
1.2.3 O adoecimento
Jandira se sentia pouco à vontade para realizar o seu trabalho na escola particular,
pois se percebia impedida de sustentar suas convicções quando alguma situação não lhe
agradava e, desse modo, calava-se para evitar conflitos com seus superiores
hierárquicos, pois temia ser demitida.
E às vezes a gente escuta algumas regras que a gente não gosta. Eu sou uma pessoa muito falante, eu gosto de expor as minhas idéias, eu gosto de estar explicando o motivo do que eu não gostei e às vezes em escola particular a gente não pode. Então eu me calava... Aí eu me calava... Mas eu estava adoecendo.
As diversas tentativas de explicar aos pais a respeito das dificuldades de alguns
alunos e ser mal interpretada causavam-lhe enorme dissabor. Quando não concordava
com alguma situação, preferia usar a franqueza para tentar solucionar os conflitos, mas
percebeu que na escola privada, não podia apresentar suas idéias e opiniões,
especialmente quando eram contrárias a algumas prescrições da instituição. Jandira
percebia que não havia espaço para diálogo, pois numa escola que visava à obtenção de
lucro, a lógica era a de que “o cliente sempre tem razão”. Isso a deixava triste:
Eu fui me entristecendo de ver muita coisa, de ver aluno que era ruim e a gente ia falar que tava ruim e as mães não aceitavam porque estavam pagando. Tudo isso me aconteceu.
Desse modo, não lhe era permitido expressar as suas impressões sobre o
desenvolvimento dos alunos, tampouco exprimir o saber que adquiria no exercício de
sua atividade, cotidianamente. Não era possível elaborar meios alternativos de realizar o
seu trabalho de acordo com sua percepção do processo de ensino e aprendizagem, pois
era obrigada a seguir às diretrizes e prescrições da escola fielmente. Assim, Jandira foi
impelida a se calar, o que parece ter favorecido a eclosão de seu adoecimento.
Descobriu-se envolta em contradições, pois a forma como foi educada enquanto ex-
aluna da mesma instituição era muito discrepante de como deveria agir como
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professora. Além disso, lhe parecia incoerente que uma escola cuja proposta era
oferecer um ensino de qualidade, desse pouca autonomia para o professor realizar o seu
trabalho. Ela associou seus sintomas a essa impossibilidade de se expressar e ao fato de
ter que aceitar viver sob condições e valores diferentes daqueles que serviram de base
para sua formação.
Eu tenho essa facilidade de estar dialogando e como eu não gostava e não podia sempre estar colocando as minhas idéias... aí eu guardava... aí veio a doença. (...) Eu nunca briguei, eu nunca discuti com colega... mas eu acho que eu fui adoecendo pela postura que eu vi... que a minha criação de um jeito... Eu achei aquilo constrangedor, eu não aceitava o que as pessoas faziam, o que as pessoas diziam, sabe? Eu não aceitava e aí eu fui...eu acho... atacou o que atacou. Toda vida eu fui muito positiva, o que é correto... Eu sei até onde que eu posso, eu sei aonde que eu dou conta e que eu não dou conta.
Quando solicitava à direção da escola o empréstimo de algum equipamento
audiovisual para utilização em sala de aula, percebia que não tinham confiança em
deixá-lo sob sua responsabilidade. Também considera que o acúmulo de atividades, a
sobrecarga de trabalho, a preocupação excessiva por realizar suas tarefas da melhor
forma possível, também contribuíram para o seu adoecimento. Por esse motivo,
necessitou se afastar de suas atividades profissionais em diversas ocasiões, pois foi
acometida de uma grave disfonia que a impedia de realizar o seu trabalho. Mas, muitas
vezes, não era compreendida em suas necessidades de cuidados com a saúde. Alguns
colegas de trabalho duvidavam que conseguisse uma aposentadoria, pois era muito
jovem. Jandira percebeu que, em muitos casos, as pessoas julgavam que estava
“fazendo corpo mole.”.
Consequentemente, ela se sentia ainda mais deprimida, passando a não mais
confiar em sua capacidade como professora e temendo cada vez mais enfrentar tudo que
estivesse relacionado ao seu trabalho na escola particular. Sentia-se impotente diante de
muitas situações que a desagradavam e que iam contra seus princípios morais e
convicções religiosas e, desse modo, julga que foi impedida de realizar o seu trabalho
conforme seu saber, sendo este, o principal motivo de seu adoecimento, culminando
numa aposentadoria precoce.
Ela atribui a doença e a aposentadoria precoce, sobretudo, à experiência na escola
particular, dizendo ter se sentido “podada”.
Mas eu julgo que foi mais pela escola particular do que pela escola pública. Com isso eu aposentei muito cedo. Eu fui prejudicada, eu fui podada. Quando eu falo com os outros que sou aposentada, os outros até estranham. Acham que sou muito nova. Realmente eu fiquei sem atividade.
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1.2.4 Os sintomas
Jandira começou a apresentar dificuldades para emitir os sons da fala. Havia
ocasiões em que perdia totalmente a voz. Entretanto, os exames realizados por diversos
especialistas, não revelaram qualquer comprometimento orgânico que justificasse a sua
disfonia.
Desde o início, ele (o médico) disse que poderia ser assim um estado de stress, ele falou que poderia ser alguma coisa nas cordas vocais e ele tentou olhar que poderia ser alguma coisa na faringe, labirintite, mandou ir à fonoaudióloga para ver o que daria para ser da voz, mas só que eu fiz a microfilmagem e não deu nada. Eu fui ao otorrino e ele também não constatou nada. Então, ele achou que poderia ser um estresse e que poderia ser assim... alguma coisa que eu não gostasse e que me bloqueasse. Era um bloqueio do que às vezes eu via, queria falar e não falava. Ele achou que a causa da minha doença seria essa.
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