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Departamento de Artes e Design O fazer-pensar no Design Estratégico: a transformação do plano entre mídias físicas e digitais como fonte de inovação Aluno: Leticia de Almeida Brand Prof. Claudio Freitas de Magalhães Introdução A partir do início dos anos 90, observou-se o crescimento do interesse na área do Design sobre os aspectos que antecedem a concepção de produtos, definidos como os conteúdos concernentes a um Design Estratégico (Magalhães, 1995). Tanto o exercício profissional quanto o ensino e a pesquisa do design passaram demonstrar interesse sobre este tema e a incorporar discursos e práticas voltadas principalmente para a fase anterior à definição do projeto e do produto a ser desenvolvido. Nesta fase, de caráter principalmente analítico, busca-se um entendimento da situação de projeto e uma maior fundamentação da definição do produto. Utiliza-se para isso uma série de métodos para análises do ambiente de negócios, mercadológico, tecnológico, social e cultural, oriundas de diversas áreas do conhecimento. O Design Estratégico absorveu inicialmente a cultura do Marketing e da Gestão da Qualidade. As consultorias de design no Brasil foram influenciadas pelo contato com as agências de publicidade que terceirizavam a maioria dos projetos que não fossem anúncios e publicidade. E o Branding, que foi a base teórica de sustentação do discurso estratégico do design e permanece até o momento, também teve sua origem na área da administração de marcas. Assim, o Design Estratégico foi se estabelecendo. O discurso estratégico do design de algum modo foi sendo incorporado ao do universo da administração, em especial através do “Design Thinking” (CROSS, 2001) e sendo divulgado por Tim Brown (2009) e seu estúdio IDEO (http://www.ideo.com). Verifica-se portanto, que o Design Estratégico, não pouco pertinente e necessário em um primeiro momento, representa um dos paradigmas preponderantes no ensino e principalmente na prática profissional nos dias atuais. Desta maneira, verifica-se uma ênfase no processo analítico e um desequilíbrio entres fundamentos do design, especialmente em detrimento do conhecimento e vivência dos elementos básicos da forma e da composição. Ou seja, estratégias centradas no núcleo da concepção de produtos, oriundas de uma experimentação na ação são restritas a uma fase de síntese, plenamente delineada por uma fase analítica do projeto, e por um briefing de produto que não contempla investigações no campo da materialidade ou da configuração. Esta situação é determinada pela utilização de uma estrutura restrita do método de design, especificamente onde se determina uma rígida distinção entre uma fase analítica anterior e uma fase de síntese posterior. Objetivos Esta pesquisa visa experimentar e propor processos distintos para o método de design de produtos, em especial aqueles que alterem a estrutura clássica de análise/síntese de um projeto. Esta pesquisa pretende investigar a potencialidade estratégica de inovação da geração de conceitos e soluções, a partir da exploração da transformação do plano, antecedendo a definição de problemas e ou oportunidades de projeto. Para efeito da delimitação desta

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Departamento de Artes e Design

O fazer-pensar no Design Estratégico: a transformação do plano entre mídias físicas e digitais como fonte de

inovação

Aluno: Leticia de Almeida Brand Prof. Claudio Freitas de Magalhães

Introdução A partir do início dos anos 90, observou-se o crescimento do interesse na área do

Design sobre os aspectos que antecedem a concepção de produtos, definidos como os conteúdos concernentes a um Design Estratégico (Magalhães, 1995). Tanto o exercício profissional quanto o ensino e a pesquisa do design passaram demonstrar interesse sobre este tema e a incorporar discursos e práticas voltadas principalmente para a fase anterior à definição do projeto e do produto a ser desenvolvido. Nesta fase, de caráter principalmente analítico, busca-se um entendimento da situação de projeto e uma maior fundamentação da definição do produto. Utiliza-se para isso uma série de métodos para análises do ambiente de negócios, mercadológico, tecnológico, social e cultural, oriundas de diversas áreas do conhecimento. O Design Estratégico absorveu inicialmente a cultura do Marketing e da Gestão da Qualidade. As consultorias de design no Brasil foram influenciadas pelo contato com as agências de publicidade que terceirizavam a maioria dos projetos que não fossem anúncios e publicidade. E o Branding, que foi a base teórica de sustentação do discurso estratégico do design e permanece até o momento, também teve sua origem na área da administração de marcas. Assim, o Design Estratégico foi se estabelecendo. O discurso estratégico do design de algum modo foi sendo incorporado ao do universo da administração, em especial através do “Design Thinking” (CROSS, 2001) e sendo divulgado por Tim Brown (2009) e seu estúdio IDEO (http://www.ideo.com). Verifica-se portanto, que o Design Estratégico, não pouco pertinente e necessário em um primeiro momento, representa um dos paradigmas preponderantes no ensino e principalmente na prática profissional nos dias atuais. Desta maneira, verifica-se uma ênfase no processo analítico e um desequilíbrio entres fundamentos do design, especialmente em detrimento do conhecimento e vivência dos elementos básicos da forma e da composição. Ou seja, estratégias centradas no núcleo da concepção de produtos, oriundas de uma experimentação na ação são restritas a uma fase de síntese, plenamente delineada por uma fase analítica do projeto, e por um briefing de produto que não contempla investigações no campo da materialidade ou da configuração. Esta situação é determinada pela utilização de uma estrutura restrita do método de design, especificamente onde se determina uma rígida distinção entre uma fase analítica anterior e uma fase de síntese posterior.

Objetivos

Esta pesquisa visa experimentar e propor processos distintos para o método de design de produtos, em especial aqueles que alterem a estrutura clássica de análise/síntese de um projeto. Esta pesquisa pretende investigar a potencialidade estratégica de inovação da geração de conceitos e soluções, a partir da exploração da transformação do plano, antecedendo a definição de problemas e ou oportunidades de projeto. Para efeito da delimitação desta

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pesquisa, pretende-se estudar o contexto dos produtos produzidos a partir de materiais transformados e disponibilizados em forma plana, como papéis, chapas metálicas e plásticas ou tecidos. Pretende-se partir da solução para o problema: através da geração de protótipos e soluções formais genéricas chega-se ao problema de projeto. A situação de projeto é induzida pela solução. Neste período de pesquisa foi dada continuidade ao estudo comparativo entre o bordado manual (tradicional) e o digital (mecanizado).

Desenvolvimento

Como gatilho para inovação utilizou-se transposições entre mídias e técnicas físicas e digitais para a realização de modelos e protótipos experimentais. Os experimentos relacionados ao bordado eletrônico foram realizados ao longo do primeiro e segundo semestre de 2016 com participação de Maria Teresa Leal, que desde 2016 está cursando o mestrado no Departamento de Artes e Design na PUC Rio. Maria Teresa Leal é Co-fundadora da Cooperativa de Trabalho Artesanal e de Costura da Rocinha Ltda (1987-2015), e tem uma longa experiência com artesanato têxtil.

No final de 2016 surgiu a oportunidade de trabalhar com um grupo de bordadeiras de diferentes áreas da cidade do Rio de Janeiro. As atividades foram realizadas no CRAB (Centro Sebrae de Referência do Artesanato Têxtil) e resultaram em uma peça que esteve na exposição “Territórios”, ao longo do primeiro semestre de 2017. O bordado foi realizado em um tecido de 45 metros, integrando 23 bordadeiras com diferentes níveis técnicos.

O trabalho manual realizado nesta etapa contribuiu para a investigação dos processos de produção do bordado, seus conceitos e soluções.

A partir deste experimento sobre o bordado manual, passamos para a integração do bordado eletrônico e o manual em um mesmo produto. Não se tratou mais de focar na questão da tridimensionalidade – 3D, mas o partido adotado foi elaborar planos distintos na composição da imagem, com diferentes texturas – “2,5D”.

Foram então selecionadas imagens da galeria da fotógrafa Lena Trindade, com o foco em pássaros da Mata Atlântica, para iniciar a nova fase de experimentação nos bordados. Após feita a seleção das imagens, uma das fotos foi impressa em cetim. Foi feito um primeiro teste com bordado manual na área referente a um galho, bem como estudadas outras possibilidades de materiais para compor a peça, como o uso de foil (laminado) preto para dar brilho aos olhos do pássaro.

Foi observado que a impressão em cetim, apesar de ressaltar as cores vibrantes do pássaro, não o destaca dos outros elementos da imagem, como galhos e folhas. Assim sendo, surgiu a proposta de recortar a silhueta do pássaro à laser.

Paralelamente, usando outra imagem da fotógrafa, foi realizado um experimento que envolve apenas o bordado eletrônico: a ideia foi partir dos diferentes tipos de pontos oferecidos pelo software Wilcom Embroidery Studio e de um minucioso trabalho de desenho em camadas para reproduzir de forma realista, no caso, a textura das penas de uma gaivota.

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Os dois primeiros estudos foram feitos em cima de versões estilizadas da foto, enviadas pela fotógrafa. Ambas em tons de cinza e com áreas de cores simplificadas, imitando um desenho feito à lápis. Por terem sido baseados em versões sem muita definição nos detalhes, tratou-se de uma prática com a ferramenta e de uma ambientação com os recursos do software.

A partir de uma análise das texturas de bordado e interação das áreas de cores e seus tamanhos em escala real, foram pensadas alterações para que em futuras versões a gaivota se tornasse mais realista.

Imagem 1: Primeiro experimento realizado com o software, gaivota estilizada. No primeiro estudo foi utilizado o ponto cheio em todas as formas, além de cores que

replicassem os efeitos de luminosidade e sombra da imagem de referência. Apesar de compor apenas uma prática para o processo, ficou evidente que a imagem bordada não cumpriria o objetivo proposto utilizando-se apenas com camadas de cores cobrindo grandes áreas.

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Imagem 2: Segundo experimento realizado com o software, gaivota estilizada. No segundo estudo foi utilizado como alternativa o ponto tatami para o corpo e o ponto

cheio para a mancha que representa o olho. Este tipo de ponto não favoreceu sequer o corpo da ave, e logo foi descartado para uso futuro. O ponto cheio remanescia como a melhor opção, porém não estava ainda adequado à simulação de uma cobertura orgânica.

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Em seguida, e trabalhando com a imagem original em maior resolução, teve início o bordado da versão final. Foi decidido utilizar o ponto cheio ao longo de todo o bordado. Com o estudo de variações de ângulo e espaçamento do ponto para tentar criar diferentes texturas nas penas, foi eliminado o ruído que um novo formato de ponto traria à composição.

Foi feito um trabalho em duas etapas: captar as cores através das áreas de manchas, e dos detalhes através do desenho individual dos elementos. Nas áreas de manchas de cores, o ajuste dos pontos foi feito de modo a deixar os pontos mais próximos entre si, evitando a formação de textura. Já nas áreas de detalhes, cada peça foi criada de modo individual para permitir uma diferente angulação no sentido do bordado e assim adquirir um aspecto mais orgânico.

Imagem 3: Arquivo original para referência dos estudos seguintes.

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Imagem 4: Detalhe de estudo de angulação do ponto.

Imagem 5: Detalhe de novo estudo de mancha de cor.

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Como pode ser constatado nas imagens 4 e 5, a proximidade dos pontos no bordado cria texturas indesejadas semelhantes a ondas e sulcos. Em áreas de detalhes facilmente caracterizáveis, como o sentido do fio da pena, esse atributo parecia ter caído como uma serendipidade, mas apenas quando observado de perto. Em escala real, mesmo que apenas virtualmente, a textura dessas áreas tornou-se visualmente incômoda.

As imagens a seguir são referentes à última versão e estão dispostas respectivamente à esquerda e à direita, apenas o bordado e o mesmo sobreposto à imagem de referência.

Imagem 6: Detalhe de novo estudo de mancha de cor e penas individuais. A imagem acima tem duas áreas destacadas: na primeira o experimento de replicar

penas individualmente, com angulação e espaçamento de pontos individuais. Na segunda, experimentando recriar uma área sem textura evidente de penas.

A solução de desativar o dimensionamento automático da linha deu muito mais liberdade estética, uma vez que permitiu sumir com os problemáticos sulcos que se formavam em determinadas angulações do fio.

O contraste visual entre os dois tipos de solução é bem chamativo, e apresenta-se como uma possível limitação da tecnologia versus o olho humano: na referência (Imagem 3) pode-se observar que a proximidade das penas negras na gaivota faz com que nosso olho enxergue uma grande área escura, vendo então as bordas de cada pena como um tom levemente mais claro. Esse tom mais claro, no bordado, sendo representado por uma nova forma, criou um ruído desproporcional à sutileza da fotografia.

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Imagem 7: Detalhe de primeiro experimento com penas individuais.

Imagem 8: Detalhe de segundo experimento com penas individuais.

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Levando em consideração o resultado da experiência descrita na Imagem 6, uma nova tentativa de delimitação da área das penas surgiu. Na Imagem 7 o destaque é nas penas da área do rabo da gaivota. Na referência, apesar de serem todas brancas, apresentam uma leve nuance de tom devido à iluminação.

Optei então por trabalhar com tons próximos, porém que fossem diferentes o bastante para que a própria forma pudesse se destacar de suas vizinhas. O momento foi de ruptura com a ideia de uma representação fiel da imagem para criar em cima da mesma e tentar atingir uma representação fiel do objeto retratado na imagem. Novamente individualizando a angulação do fio e a distância do ponto, este experimento teve um resultado mais satisfatório que seu antecessor. A distância entre os fios, inclusive, foi o fator determinante para trazer uma sensação de leveza ao bordado, uma vez que a trama ligeiramente aberta faz lembrar as bárbulas das penas.

Na porção da asa retratada na Imagem 7, o procedimento usado foi similar ao da Imagem 6, porém aliado à área de cor sem textura. Também foi experimentado o uso de uma linha simples na área central da pena para auxiliar a lhe conferir o aspecto devido, como observado na área marcada, em detrimento da técnica de tom sobre tom usada na pena vizinha à direita. Novamente a criação prevalece sobre a cópia, uma vez que esta última pena não está tão nítida quanto às demais. O raque, quando representado com espessura de alguns milímetros, se assemelha a uma mancha ou a um caule.

As Imagens 9 e 10, assim como as últimas, vem apenas corroborar a ideia já exposta de que a representação da transição de cores na tecnologia têxtil de forma orgânica é extremamente complexa. Apesar de terem sido obtidas na imagem de referência, as cores não somente estão interagindo de maneira desagradável aos olhos, mas também as formas igualmente retiradas da Imagem 3 aqui se assemelham a chamas. Destaque para os olhos, bico e patas, que fazem bom uso do relevo natural do ponto fechado.

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Imagem 9: Detalhe de experimento com cores em áreas de textura lisa.

Imagem 10: Detalhes do rosto.

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Imagem 11: Visão geral.

Conclusões A partir da observação e experimentação de tentativas de aplicação do bordado

tradicional e eletrônico verificou-se que o conhecimento necessário para a utilização dos mesmos, apesar de parcialmente técnico, é também criativo. Como qualquer solução, elas apresentam pontos fortes e pontos fracos: as ferramentas, apesar de complementares no caso da integração de analógico e digital, ainda precisam ser operadas com habilidade criativa: o processo de concepção da solução está centrado no projeto de design.

O bordado eletrônico possibilita a criação de peças de acabamento preciso e torna mais simples a replicação de imagens em tecidos e ultrapassou a barreira da bi-dimensionalidade, porém a transição de cores e efeitos de transparência derivados da luz e sombra ainda representam barreiras que devem ser contornadas com o auxílio de outros materiais.

Após reestruturação do bordado adotando os resultados positivos dos experimentos em toda a sua extensão, o próximo passo é trazer o bordado do mundo digital ao material para que possa interagir com outros materiais anteriormente citados e compor um projeto híbrido.

Bibliografia

BROWN, T. Change by Design: how design thinking can transform organizations and inspire innovation. NewYork: Harper Business, 2009.

CROSS, Nigel. Designerly Ways of Knowing: Design Discipline Versus Design Science, Design Issues: Volume 17, Number 3 Summer 2001.

MAGALHÃES, C. F., Design estratégico: integração e ação do Design industrial. In Estudos em Design.Vol. III, n. 1, Julho de 1995.