O imaginário - Durand

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COLEÇÃO ENFOQUES Filosofia Gilbert Durand O imaginário Ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem Tradução René Eve Levié Copyright © Hatier, 1994 Título original: L’imaginaire Capa: Raul Fernandes Editoração: Art Line 1999 Impresso no Brasil Printed in Brazil

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COLEÇÃO ENFOQUES

Filosofia

Gilbert Durand

O imaginário Ensaio acerca das ciências

e da filosofia da imagem

Tradução

René Eve Levié

Copyright © Hatier, 1994 Título original: L’imaginaire Capa: Raul Fernandes Editoração: Art Line 1999 Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Sumário INTRODUÇÃO 3 I. O PARADOXO DO IMAGINÁRIO NO OCIDENTE 9 1. Um iconoclasmo endêmico 9 2. As resistências do imaginário 16 3. O efeito perverso e a explosão do vídeo 31 II. AS CIÊNCIAS DO IMAGINÁRIO 35 1. As psicologias das profundezas 35 2. As confirmações anatomofisiológicas e etológicas 40 3. As sociologias do selvagem e do comum 46 4. As “Novas Críticas”: da mitocrítica à mitoanálise 57 5. O imaginário da ciência 68 6. Os confins da imagem e do absoluto do símbolo: homo religiosus 71 III. O BALANÇO CONCEITUAL E O NOVO MÉTODO PARA A ABORDAGEM DO MITO 79 A/ O alógico do imaginário 79 1. O pluralismo específico e as classificações 79 2. A lógica do mito 82 3. A gramática do imaginário 88 B/ A tópica sociocultural do imaginário 92 C/ A dinâmica do imaginário: a bacia semântica 100 CONCLUSÃO 117 BIBLIOGRAFIA 121

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Introdução

Seria muito banal afirmar que os enormes progressos das técnicas de reproduções por imagens (a fotografia, o cinema, os vídeos, “as imagens de síntese” etc.) e de seus meios de transmissão (o belinógrafo,* a televisão, o fax etc.) permitiram ao século 20 acompanhar a construção de uma “civilização da imagem”. Por conseguinte, torna-se fácil imaginar que uma inflação de imagens prontas para o consumo tenha transtornado completamente as filosofias, que até então dependiam do que alguns denominam “a galáxia Gutenberg”1, isto é, a supremacia da imprensa e da comunicação escrita — com sua enorme riqueza de sintaxes, retóricas e todos os processos de raciocínio — sobre a imagem mental (a imagem perceptiva, das lembranças, das ilusões etc.) ou icônica (o figurativo pintado, desenhado, esculpido e fotografado...). Esta inovação permitiu recensear, e eventualmente classificar num trabalho exaustivo e que possibilitou o estudo dos processos de produção, transmissão e recepção, o “museu” — que denominamos o imaginário — de todas as imagens passadas, possíveis, produzidas e a serem produzidas. Contudo, não terá sido este mesmo processo que provocou uma ruptura, uma verdadeira revolução “cultural”, nesta filosofia de livros e escritos que constituiu o privilégio bimilenar do Ocidente? As civilizações não-ocidentais nunca separaram as informações (digamos, “as verdades”) fornecidas pela imagem daquelas fornecidas pelos sistemas da escrita. Os ideogramas (o signo escrito copia algo num desenho quase estilizado sem limitar-se a reproduzir os signos convencionais, alfabéticos e os sons da língua falada) dos hieróglifos egípcios ou os caracteres chineses, por exemplo, misturam com eficácia os signos das imagens e as sintaxes abstratas.2 Em contrapartida, antigas e importantes civilizações como a América pré-colombiana, a África negra, a Polinésia etc., mesmo possuindo uma linguagem e um sistema rico em objetos simbólicos, jamais utilizaram uma escrita. Todas estas civilizações não-ocidentais, em vez de fundamentarem seus princípios de realidade numa verdade única, num único processo de dedução da verdade, num modelo único do Absoluto sem rosto e por vezes inominável, estabeleceram seu universo mental, individual e social em fundamentos pluralistas, portanto, diferenciados. Aqui, toda diferença (alguns mencionam um “politeísmo de valores”3) é percebida como uma figuração diferenciada com qualidades figuradas e imaginárias. Portanto, todo “politeísmo” ipso facto é receptivo às imagens (iconófilo) quando não aos ídolos (eidôlon, em grego, significa “imagem”). Ora, o Ocidente, isto é, a civilização que nos sustenta a partir do raciocínio socrático e seu subseqüente batismo cristão, além de desejar ser considerado, e com muito orgulho, o único herdeiro de uma única Verdade, quase sempre desafiou as imagens. É preciso frisar este paradoxo de uma civilização, a nossa, que, por um lado, propiciou ao mundo as técnicas, em constante desenvolvimento, de reprodução da comunicação das imagens e, por outro, do lado da filosofia fundamental, demonstrou uma desconfiança iconoclasta (que “destrói” as imagens ou, pelo menos, suspeita delas) endêmica.4

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I

O PARADOXO DO IMAGINÁRIO NO OCIDENTE

1. Um iconoclasmo endêmico Sem dúvida que nossa herança ancestral mais antiga e incontestável é o monoteísmo da Bíblia. A proibição de criar qualquer imagem (eidôlon) como um substituto para o divino encontra-se impressa no segundo mandamento da lei de Moisés (Êxodo, XX. 4-5). Outrossim, como podemos constatar no Cristianismo ( João, V. 21; I. Coríntios, VIII 1-13; Atos, XV. 29...) e no Islamismo (Corão, III. 43; VII. 133-134; XX. 96 etc.), a influência do judaísmo nas religiões monoteístas e que se originaram nele foi enorme. O método da verdade, oriundo do socratismo e baseado numa lógica binária (com apenas dois valores: um falso e um verdadeiro), uniu-se desde o início a esse iconoclasmo religioso, tornando-se com a herança de Sócrates, primeiramente, e Platão e Aristóteles em seguida, o único processo eficaz para a busca da verdade. Durante muitos séculos e especialmente a partir de Aristóteles (século 4 a.C.), a via de acesso à verdade foi a experiência dos fatos e, mais ainda, das certezas da lógica para, finalmente, chegar à verdade pelo raciocínio binário que denominamos de dialética e no qual se desenrola o princípio “da exclusão de um terceiro” na íntegra (“Ou... ou”, propondo apenas duas soluções: uma absolutamente verdadeira e outra absolutamente falsa, que excluem a possibilidade de toda e qualquer terceira solução). Lógico que, se um dado da percepção ou a conclusão de um raciocínio considerar apenas as propostas “verdadeiras”, a imagem, que não pode ser reduzida a um argumento “verdadeiro” ou “ falso” formal, passa a ser desvalorizada, incerta e ambígua, tornando-se impossível extrair pela sua percepção (sua “visão”) uma única proposta “verdadeira” ou “falsa” formal. A imaginação, portanto, muito antes de Malebranche,* é suspeita de ser “a amante do erro e da falsidade”. A imagem pode se desenovelar dentro de uma descrição infinita e uma contemplação inesgotável. Incapaz de permanecer bloqueada no enunciado claro de um silogismo, ela propõe uma “realidade velada” enquanto a lógica aristotélica exige “claridade e diferença”. Não devemos esquecer que a mensagem cristã foi difundida em grego, a língua de Aristóteles. Para alguns foi a sintaxe grega que permitiu a lógica aristotélica! São Paulo, o “segundo fundador” do cristianismo, era um judeu helenizado. O texto dos Evangelhos só nos foi transmitido na sua forma primitiva em grego. Além disso, antes da grande redescoberta dos textos de Aristóteles pelo Ocidente cristão no século 13, não espanta que, a partir do século 8, a questão das imagens tenha se colocado com grande precisão na região mais helenizada da cristandade: o Oriente bizantino (a Igreja ainda não se separara de Roma e do Papa) que estava ameaçado tanto espiritual quanto materialmente pela invasão muçulmana. Os imperadores de Bizâncio, sob o pretexto de enfrentar a pureza iconoclasta do Islã ameaçador, destruirão, durante quase dois séculos (730-780 e 813-843), as imagens santas guardadas pelos monges que acabarão perseguidos como idólatras. Contudo, e voltaremos ao assunto mais adiante, os iconólatras (adoradores de ícones) acabaram triunfando. De certa forma, esta famosa “querela”5 é um

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exemplo dos motivos e razões que ao longo dos séculos levaram o Ocidente a minimizar e perseguir as imagens dos seus defensores. Não podemos deixar de lembrar outro momento da construção da base sólida do iconoclasmo: a escolástica medieval. As obras de Aristóteles quase desapareceram ao longo dos treze séculos de peripécias que cobrem a história do Ocidente, a qual acompanhou, sucessivamente, o naufrágio da civilização grega e do Império de Alexandre, o surgimento e a destruição do Império romano, o nascimento do Cristianismo, o cisma de Bizâncio e Roma, o aparecimento do Islamismo e das Cruzadas etc. De repente, eis que Averroes de Córdoba (1126-1198), um sábio muçulmano da Espanha conquistada pelos mouros, descobre e traduz para o árabe os escritos do filósofo grego. Os filósofos e teólogos cristãos passaram a ler avidamente as traduções. O mais famoso e influente foi São Tomás de Aquino. Numa tentativa enorme para conciliar o racionalismo aristotélico e as verdades da fé numa “suma” teológica, seu sistema tornou-se a filosofia oficial da Igreja Romana e o eixo de reflexão de toda a escolástica (a doutrina da escola, isto é, das universidades controladas pela Igreja) dos séculos 13 e 14. Muito mais tarde, Galileu e Descartes fundaram as bases da física moderna e o terceiro momento do iconoclasmo ocidental. Embora corrigissem muitos erros cometidos por Aristóteles, nenhum dos dois jamais contradisse sua meta filosófica nem a de seu seguidor, Tomás de Aquino, pois consideravam a razão como o único meio de legitimação e acesso à verdade. A partir do século 17, o imaginário passa a ser excluído dos processos intelectuais. O exclusivismo de um único método, o método, “para descobrir a verdade nas ciências” — este é o título completo do famoso Discurso (1637) de Descartes — invadiu todas as áreas de pesquisa do “verdadeiro” saber. A imagem, produto de uma “casa de loucos”, é abandonada em favor da arte de persuasão dos pregadores, poetas e pintores. Ela nunca ascenderá à dignidade de uma arte demonstrativa. O legado do universo mental, as experiências de Galileu (lembremo-nos da demonstração da “lei da queda dos corpos” no plano inclinado) e o sistema geométrico de Descartes (na geometria analítica, uma equação algébrica corresponde a cada imagem e a cada movimento, donde a cada objeto físico) representam um universo mecânico no qual não há espaço para a abordagem poética. A mecânica de Galileu e Descartes decompõe o objeto estudado no jogo unidimensional de uma única causalidade: assim, tomando como modelo de base bolas de sinuca que se chocam, o universo concebível seria regido por um único determinismo, e Deus é relegado ao papel de “dar o empurrãozinho” inicial a todo o sistema. O século 18 acrescentará outra coluna da tradição aristotélica a esta herança cristã de cinco séculos de racionalismo incontornável: o empirismo factual (que delimitará os “fatos” e fenômenos). Os grandes nomes de David Hume e Isaac Newton permanecem atrelados ao empirismo e com eles esboça-se o início do quarto momento (no qual ainda estamos mergulhados) do iconoclasmo ocidental. O “fato”, aliado ao argumento racional, surge como outro obstáculo para um imaginário cada vez mais confundido com o delírio, o fantasma do sonho e o irracional. Este “fato” pode ser de dois tipos: o primeiro, derivado da percepção, poderá ser tanto o fruto da observação e da experiência como um “evento” relacionado ao fato histórico. Mas, se o século das Luzes6 nem sempre atingiu o frenesi iconoclasta dos “enraivecidos” de 1793, colocou, cuidadosamente — com Emmanuel Kant, por exemplo —, um limite intransponível entre o que pode ser explorado (o mundo do fenômeno) pela percepção e a compreensão, pelos recursos da Razão pura, e o que permanecerá desconhecido para sempre, como o campo das grandes questões metafísicas — a morte, o além e Deus (o universo do “númeno”)... — as quais, com suas soluções possíveis e contraditórias, constituem as “antinomias” da Razão.

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O positivismo e as filosofias da História, às quais nossas pedagogias permanecem tributárias (Jules Ferry era discípulo de Auguste Comte), serão frutos do casamento entre o factual dos empiristas e o rigor iconoclasta do racionalismo clássico. As duas filosofias que desvalorizarão por completo o imaginário, o pensamento simbólico e o raciocínio pela semelhança, isto é, a metáfora, são o cientificismo (doutrina que só reconhece a verdade comprovada por métodos científicos) e o historicismo (doutrina que só reconhece as causas reais expressas de forma concreta por um evento histórico). Qualquer “imagem” que não seja simplesmente um clichê modesto de um fato passa a ser suspeita. Neste mesmo movimento as divagações dos “poetas” (que passarão a ser considerados os “malditos”), as alucinações e os delírios dos doentes mentais, as visões dos místicos e as obras de arte serão expulsas da terra firme da ciência. Vale observar que na lei francesa que regulamentava as construções dos edifícios públicos, apenas 1% das despesas destinava-se à decoração e ao embelezamento artístico. O recalcamento e a depreciação são tenazes que ainda influenciam a teoria da imaginação e do imaginário de um filósofo contemporâneo como Jean-Paul Sartre.7 Embora, por um lado, tenha sido a lenta erosão do papel do imaginário na filosofia e epistemologia do Ocidente que possibilitou o impulso enorme do progresso técnico, por outro, o domínio deste poder material sobre as outras civilizações atribuiu uma característica marcante ao “adulto branco e civilizado”, separando-o, assim como sua “mentalidade lógica”, do resto das culturas do mundo tachadas de “pré-lógicas”, “primitivas” ou “arcaicas”. Todavia, esta consolidação exclusiva de um “pensamento sem imagem”,8 de uma rejeição — da natureza e de tantas civilizações importantes — dos valores e poderes do imaginário em prol dos esboços da razão e da brutalidade dos fatos encontrou muitas resistências no próprio Ocidente. 2. As resistências do imaginário Desde o alvorecer socrático do racionalismo ocidental e com o objetivo de dar uma legitimidade à imagem, o próprio Platão — no qual reconhece-se a filosofia de Sócrates, seu mestre — defende uma doutrina mais matizada do que a de Aristóteles, seu sucessor. É verdade que os famosos Diálogos difundirão e garantirão a legitimidade do raciocínio dialético. Afinal, não é à toa que Platão é o mestre de Aristóteles! Mas Platão sabe que muitas verdades escapam à filtragem lógica do método, pois limitam a Razão à antinomia e revelam-se, para assim dizer, por uma intuição visionária da alma que a antigüidade grega conhecia muito bem: o mito. Ao contrário de Kant, e graças à linguagem imaginária do mito, Platão admite uma via de acesso para as verdades indemonstráveis: a existência da alma, o além, a morte, os mistérios do amor... Ali onde a dialética bloqueada não consegue penetrar, a imagem mítica fala diretamente à alma. Esta herança platônica animará uma parte do século 8: a famosa “querela” dos iconoclastas vitoriosos. Na mais pura tradição do idealismo platônico, no qual paira um mundo ideal que justifica e ilumina o mundo aqui embaixo onde reinam a “reprodução e a corrupção”, São João, o Damasceno (século 8), foi arauto e vencedor da defesa das imagens contra uma teologia da abstração, da recondução pelo ícone para um “outro lugar” além deste mundo vil. Ícone cujo protótipo foi a imagem de Deus encarnada na pessoa visível de Jesus, seu filho. Essa mesma imagem viva, projetada e reproduzida no véu com o qual a misericordiosa Santa Verônica teria enxugado o rosto do Cristo supliciado. Graças à encarnação do Cristo em face da antiga tradição iconoclasta do monoteísmo judeu estava criada uma das primeiras reabilitações das imagens no Ocidente cristão. Pois, à imagem do Cristo, a imagem concreta da santidade de Deus, logo acrescentar-se-ia a veneração das imagens de todas as pessoas santas (aquelas

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que tivessem atingido uma certa semelhança com Deus), da Virgem Maria, mãe de Cristo (théotokos, “a mãe de Deus”), seguida pelas do precursor João Batista, dos apóstolos e, por último, de todos os santos... Portanto, na cristandade, e paralelamente à corrente tão poderosa do iconoclasmo racionalista, germinavam ao mesmo tempo uma estética da imagem “santa” que a arte bizantina perpetuaria durante vários séculos e bem depois do cisma de 1054, assim como, com a mariolatria (o culto da Virgem) e as hiperdulias dos santos, um culto pluralista às virtudes da santidade divina que por vezes beirava a idolatria ou, pelo menos, introduzia as variantes politeístas no monoteísmo estrito e originário do judaísmo. E, por último, a oração diante dos ícones privilegiados constituía um acesso direto e não sacramental (pois escapava à administração eclesiástica dos sacramentos) que ultrapassava o sacrossanto...9 A esta resistência bizantina à destruição da imagem somou-se, nos séculos 13 e 14 da cristandade do Ocidente, a grandiosa floração do culto à imaginária sacra (iconodulie)* gótica sustentada, em grande parte, pelo êxito da mentalidade da jovem e fraterna ordem de São Francisco de Assis (1226). A “época das catedrais” pregada por São Bernardo, com sua rica ornamentação figurativa (estátuas, vitrais, iluminuras etc.), substituirá progressivamente o iconoclasmo gentil da estética cisterciense do século 12. Aos poucos ela suplantará no coração da cidade a clausura austera dos monastérios isolados nas terras agrestes e nos vales rurais. Os franciscanos, monges não enclausurados, serão os propagadores desta nova sensibilidade religiosa — devotio moderna — e os criadores de inúmeras “transposições para imagens” dos mistérios da fé (representações teatrais dos “Mistérios”, das quatorze estações do “Caminho da Cruz”, criação da devoção ao presépio da Natividade, encenação no Sacro Monte dos episódios da vida do santo fundador, divulgação das “bíblias moralizadas” ricamente ilustradas etc.). Entrementes, no Ocidente, os promotores de uma das raras filosofias da imagem darão início com os “fioretti” de São Francisco à abertura para a natureza, cantando nosso irmão Sol e nossa irmã Lua, que abrangerá o Itinerarium mentis in Deum (Itinerário da alma até Deus) de São Boaventura, o Superior Geral da Ordem e sucessor de São Francisco. Ao ser contemplada, a imagem da santidade não apenas instiga, como em João, o Damasceno, e na tradição platônica, a penetrar na própria santidade (o naturalismo empírico aristotélico já passou por isso!). Como toda representação da natureza e da criação, ela é um convite para seguir o caminho até o Criador. Qualquer contemplação, qualquer visão da Criação, mesmo no seu grau mais baixo, é um “vestígio” (vestigium) de Toda a Bondade do Criador. Mas é pela imagem (imago) que a alma humana representa com maior exatidão ainda as virtudes da santidade. Por fim atinge-se a etapa suprema do caminho: Deus tem o poder de conceder à alma santa uma “semelhança” (similitudo) à sua própria imagem e a alma criada será reconduzida ao Deus Criador seguindo os graus das três representações imaginárias: o vestígio, a imagem propriamente dita e a semelhança. Esta doutrina propiciará o impulso para as várias receitas de uma Imitatio Christi e o florescimento de cultos aos santos nos quais os dominicanos e franciscanos rivalizarão com suas “lendas douradas”10 concorrentes. Ela passará a ser tão determinante, especialmente na estética da iconografia e da cristandade ocidental, quanto a estética e o culto ao ícone foram para a Igreja do Oriente. De certa forma essas duas estéticas da imagem, a de Bizâncio e da cristandade de Roma, desenvolveram-se em sentido inverso. Enquanto Bizâncio concentrava-se na figuração e contemplação da imagem do homem transfigurado pela santidade, da qual Jesus Cristo é o protótipo vivo, São Francisco de Assis e uma Roma pontifical introduziam a “senhora” natureza nas pinturas. E a sensibilidade dos países celtas (a França, a Bélgica, os Países Baixos, a Irlanda, a Escócia...) mergulhará deliciada nessa opção, pois a mentalidade da antiga cultura dos celtas investia-se, em grande parte, do culto e das mitologias das

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divindades da floresta, do mar, das tempestades...11 A preferência por cenas ao ar livre passará a dominar paulatinamente nas pinturas de temas religiosos (a Fuga do Egito, o Sermão da Montanha, as Pescas Milagrosas, os Judeus no Deserto, a Sarça Ardente etc.) e predominará progressivamente até invadir toda a superfície da imagem. A liberdade da abertura voltada para a natureza e suas representações provocará uma espécie de efeito perverso duplo: por um lado, a imagem do homem apaga-se cada vez mais da paisagem natural das águas, florestas e montanhas; por outro, paradoxalmente, o culto à natureza facilita o retorno das divindades elementais mas antropomórficas dos antigos paganismos. O humanismo do Renascimento do Quattrocento (século 15) verá, sempre paradoxalmente, a exaltação ao homem natural e sua paisagem agreste, mas, também, o retorno ao paganismo e à teologia natural das forças antropomórficas que regem a natureza... A necessidade de uma Reforma e o que denominaremos de terceira resistência à imaginária sacra explodirão neste momento de crise da teologia cristã e provocarão a Contra-Reforma. A Reforma Luterana, sobretudo a dos seus sucessores, como Calvino, representa uma ruptura com os maus hábitos adquiridos pela Igreja ao longo dos séculos, notadamente pela contaminação humanista dos grandes papas do Renascimento (Pio I, Alexandre Borgia, Júlio II, Leão X, filho de Lourenço, o Magnífico). A Reforma combaterá a estética da imagem e a extensão do sacrilégio do culto aos santos. O iconoclasmo evidente traduz-se nas destruições das estátuas e dos quadros. Todavia, devemos assinalar que, no meio protestante, este iconoclasmo, no sentido estrito de “destruição de imagens”, diminui de intensidade com o culto às Escrituras e também à música12 — Lutero, que também era músico, colocava a Senhora Música (Frau Musika) imediatamente atrás da teologia! De passagem, podemos observar que, nas grandes religiões teístas com um iconoclasmo bem solidificado como no Islamismo e Judaísmo, a necessidade de uma representação relaciona-se tanto à imagem literária quanto à linguagem musical. Henry Corbin, protestante francês e grande estudioso do Islamismo, não se enganou neste ponto. O Islamismo compensava a proibição das imagens pintadas ou esculpidas com poetas de primeira grandeza (Attar, Hafiz, Saadi), a prática de recitais sagrados da música espiritual (sama) e a “recitação visionária” por meio de imagens literárias, portanto sem um suporte icônico, que consistia em uma técnica de recondução (tawil) à santidade inefável. Da mesma forma há no Judaísmo, ao lado das exegeses puramente legais, uma exegese “poética” das Escrituras (nas quais incluem-se os “livros” poéticos tais como o famoso e tão decantado “Cântico dos Cânticos”) e, sobretudo, um investimento religioso na música do culto e mesmo na música denominada profana. Como ponto de comparação com essas “imagens” dos monoteísmos judeu e muçulmano, que poderíamos denominar “espirituais”, podemos citar a imensa exegese musical — e tão poética! — da obra de Johann-Sebastian Bach (1685-1750), o maior compositor protestante. Bach, músico e protestante tardio da Reforma, manteve intactas a inspiração e a teoria estética de Lutero. Os textos e as músicas de suas duzentas cantatas e “Paixões” são testemunhas magníficas da existência de um “imaginário” protestante de uma profundidade incrível mas que se destaca na pureza iconoclasta de um lugar de oração do qual as imagens visuais — os quadros, as estátuas e os santos — foram expulsos. A Contra-Reforma da Igreja Romana tomou exatamente a atitude oposta a essa decisão iconoclasta dos Reformadores. Num primeiro momento, felizmente logo esquecido, chegara mesmo a suspeitar da onipresente Senhora Música no ofício luterano.13 Mas será principalmente a imaginária sacra das imagens carnais da Santa Família “jesuítica” (Jesus, Maria e José), dos santos Doutores e Confessores da Igreja que se oporá ao imaginário “espiritual” protestante do culto. Com a codificação do famoso Concílio de Trento, no século 16, o triunfo da Contra-Reforma pode ser considerado como o terceiro

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grande momento da resistência ao iconoclasmo do Ocidente. A partir de agora, esta resistência possui um alvo preciso. Ela oporá aos excessos da Reforma os excessos inversos da arte e da espiritualidade barrocas. Dois famosos especialistas neste período14 deram às suas análises subtítulos que circunscrevem em duas imagens as qualidades deste novo imaginário. O Barroco é realmente “um banquete dos anjos” — título que une duas imagens antitéticas (ou “oximoros”): as dos seres de espírito puro, os anjos, e aquela do banquete, totalmente carnal — mas, ao mesmo tempo, é a “profundidade da aparência” (título não menos enigmático, pois a profundidade nos é sugerida pelo que há de mais superficial: apesar de toda pompa a aparência nega em mostrar-se...). Estas são as qualidades da imagem propostas pelo Barroco: uma pletora profundamente carnal, trivial mesmo, da representação, mas que também dá acesso à profundidade do sentido por meio destes efeitos superficiais de jogos de epiderme e virtuosismos triunfalistas. Diante desse imaginário protestante voltado para o texto literário ou musical, a Contra-Reforma também irá exagerar o papel espiritual conferido às imagens e ao culto aos santos. As imagens esculpidas ou pintadas, ou às vezes as imagens pintadas que imitam esculturas à trompe-l’oeil, invadem o vasto espaço desocupado das naves das novas basílicas de “estilo jesuíta” e os virtuosismos arquiteturais com os quais o Barroco beneficiará a Europa — o famoso “crescente barroco”15 —, e que se estenderá durante quase três séculos pela Itália, Europa Central e... América do Sul. Por trás das obras de arquitetos tais como Borromini e o cavalheiro Bernin e pintores como Veronese, Ticiano e Tintoretto, Rubens e Andréa Pozzo encontram-se os Exercitia spiritualia (1548) de Santo Inácio de Loyola, o fundador da sociedade — ou Companhia — de Jesus. Trata-se de um verdadeiro tratado de contemplação imaginativa que, com o Itinerarium de São Boaventura, tornou-se uma das duas Cartas mais importantes apoiadas primeiro pelos franciscanos e depois pelos jesuítas, as duas ordens religiosas mais poderosas da devoção moderna e do imaginário místico do Ocidente cristão. O companheiro de Jesus é submetido a exercícios de imaginação sistemáticos desde o noviciado: visualização seguida de contemplação de cenas do Inferno, da Natividade, da fuga do Egito, da crucificação e da raríssima representação da aparição de Jesus à sua mãe (uma aparição concreta, segundo um exercício de aparições).16 Nessa mesma época, o imaginário teatral de um certo Shakespeare apresentará durante a encenação principal de uma peça uma cena secundária. Isso é tão verdadeiro que, para atingir a profundidade da iluminação pela própria aparência e pelo sentido, a sensibilidade e a espiritualidade “barrocas” comprazem-se na multiplicação das aparências “por abismos”. No entanto, apesar da concorrência tão proveitosa do imaginário da Reforma e da Contra-Reforma, a ruptura definitiva com a cristandade medieval, as “Guerras das Religiões” e a Guerra dos 30 Anos particularmente — que arruinou e cobriu de sangue a Europa até o tratado da Westfália (1648) — obrigou os valores visionários do imaginário a procurarem refúgio longe dos combates fratricidas das Igrejas. Eram individualismos reivindicando a independência, hostilidades contra os jesuítas ou calvinistas ou movimentos à margem de qualquer instituição religiosa. Claro que este imaginário autônomo junto com a desvalorização dos seus suportes confessionais enfraqueceram os poderes da imagem, e o preço desta autonomia foi, com freqüência, o neo-racionalismo dos filósofos que, no século 18, retomaram a estética de um ideal clássico. O neoclassicismo reintroduz o desequilíbrio iconoclasta entre os poderes da Razão e a parte devida à imaginação no século das Luzes. Objetivando desde logo uma funcionalidade pura,17 o símbolo das arquiteturas austeras é substituído pela alegoria insípida. Contudo, no século das Luzes, os movimentos como o pré-romantismo (Sturm und Drang, na Alemanha) e o Romantismo foram portos privilegiados e triunfantes. A estética pré-romântica e os

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movimentos românticos daí decorrentes demarcam perfeitamente a quarta resistência do imaginário aos ataques maciços do racionalismo e do positivismo. Pela segunda vez, esta estética reconhece e descreve um “sexto sentido” além dos cinco que apóiam classicamente a percepção.18 Mas este “sexto sentido”, que possui a faculdade de atingir o belo, cria, ipso facto, ao lado da razão e da percepção costumeira, uma terceira via de conhecimento, permitindo a entrada de uma nova ordem de realidades. Uma via que privilegia mais a intuição pela imagem do que a demonstração pela sintaxe. Será com a Razão pura e prática que Emmanuel Kant irá teorizar este procedimento de conhecimento pelo “juízo de gosto”. Mas não apenas. No âmago do processo do juízo racional da Razão pura, e para permitir a união entre as “formas a priori” da percepção (espaço e tempo) e as categorias da Razão, Kant reabilita a imaginação como uma “esquematização” preparando, de certa forma, a integração da simples percepção nos processos da Razão. Os sistemas filosóficos mais importantes do século 19, como os de Schelling, Schopenhauer e Hegel, terão uma participação régia nas obras da imaginação e da estética.19 O poeta Hölderlin afirmará, no alvorecer do século: “Os poetas autenticam o que permanece”* e será retomado por Baudelaire e Rimbaud. O primeiro coroará a imaginação com o título de “A Rainha das Faculdades”, enquanto o segundo constatará que “qualquer poeta tende a tornar-se um visionário”. Não há dúvida de que o artista tornou-se “maldito” devido ao sucesso insolente das ciências e técnicas que inauguraram uma inquisição política e uma ditadura econômica novas. Mas nem por isso todos os artistas deixam de reivindicar ferozmente os títulos de “gênio”, “vidente”, “profeta”, “mago” e “guia”... No final do século 19, a arte passa a uma “religião” autônoma, revezando-se com seus cenáculos e suas capelas com a nova Igreja positivista e o esgotamento das religiões tradicionais do Ocidente. Mas isto não aconteceu de um dia para o outro. Embora as primeiras insurreições do Sturm und Drang (1770) — a etapa da doutrina romântica da “arte pela arte” seguida de seu herdeiro imediato, o perfeccionismo “parnasiano” — explorassem e consolidassem o território imaginal do “sexto sentido”, elas não foram além da perfeição imanente das imagens. Será preciso aguardar a chegada da corrente “simbolista” para desprezar a perfeição formal e elevar a imagem icônica, poética, até musical, a vidência e conquista dos sentidos. Dar o título de “símbolo” à imagem artística significa apenas fazer do significante banal a manifestação de um simbolismo inefável. Segundo um especialista em Simbolismo, seria o mesmo que reencontrar “a galáxia das significâncias [...] o rumor dos deuses...”.20 A obra de arte irá libertar-se aos poucos dos serviços antes prestados à religião e, nos séculos 18 e 19, à política. Esta emancipação lúcida das artes será o feito tanto de um Gustave Moreau, Odilon Redon ou um Gauguin na pintura como de um Richard Wagner ou seu rival Claude Debussy na música... O Surrealismo da primeira metade do século 20 será o resultado natural e reconhecido do Simbolismo. Este “sexto sentido”, que no século das Luzes revelou ingenuamente a estética, desabrochou numa filosofia de um universo “completamente diferente” do pensamento humano e definido por André Breton, no Manifesto de 1924, como o “funcionamento realista do pensamento”.21 Contudo, podemos imaginar os constantes entraves sofridos por este movimento de um retorno ao Surrealismo, que se posiciona do outro lado de um empirismo institucionalizado na todo-poderosa corrente positivista com sua pedagogia obrigatória, até ser finalmente marginalizado durante quase todo o século 20. A prova encontra-se no campo das belas-artes e, por vezes, entre os detentores do Surrealismo e no desenvolvimento dogmático de toda uma pintura e música não imaginárias, cujas abstrações geométricas como o Cubismo, o dodecafonismo e o desconstrutivismo foram, até o último quarto do século, suas manifestações mais ferrenhas.22

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3. O efeito perverso e a explosão do vídeo Na confluência desta corrente dupla poderosíssima e contínua do iconoclasmo ocidental e da afirmação do papel “cognitivo” (que produz consciência) da imagem — esta muito mais esporádica e dominada por aquela — explodirá, passado mais de meio século, sob nossos olhos, o que podemos denominar de “a revolução do vídeo”. O que não deixa de ser extraordinário é que esta explosão da “civilização da imagem” tenha sido um efeito, e um “efeito perverso” (que contradiz ou desmente as conseqüências teóricas da causa), do... iconoclasmo técnico-científico, e cujo resultado triunfante será a pedagogia positivista. A descoberta da imagem fotográfica, primeiro em preto (N. Niepce, 1823; J. Daguerre, 1837) e depois em cores (L. Ducos de Hauron, 1869; G. Lippman, 1891) está estreitamente ligada ao progresso químico que permitiu a gravação da imagem projetada “às avessas” pela objetiva da câmara escura numa placa sensibilizada — um fenômeno muito conhecido a partir do século 15. A animação da imagem reproduzida quimicamente (A. e L. Lumière, 1885) resulta da aplicação mecânica de um fenômeno fisiológico conhecido, teorizado em 1828 por Joseph Antoine Plateau, o criador de um dos primeiros cinematógrafos, o fenacistocópio, um aparelho formado por dois discos que dão a ilusão de movimento pela continuidade das imagens da retina. A transmissão instantânea destas imagens e “filmes” à distância será o fruto da aplicação da telecomunicação oral (É. Branly, 1890; A. S. Popov, 1895; G. Marconi, 1901) e depois das imagens na televisão (B. Rosing, 1907; V. K. Zworykin, 1910-1927) e a descoberta da onda eletromagnética considerada “inútil e puramente teórica” por H. Hertz (1888), seu inventor. Eis um belo exemplo de cegueira de um sábio educado nas escolas e laboratórios positivistas que se recusou a ver — e prever — o importante resultado civilizacional de sua descoberta, que permitirá a inesperada “explosão” da comunicação e difusão das imagens. Estas receberiam ainda os suportes magnéticos dos progressos da física e passariam por uma expansão gigantesca com o advento do videocassete (1972) e videodisco. Se nos detivemos detalhadamente nesses inventores e suas invenções foi para marcar bem a “perversidade” dos efeitos do progresso da física e da química, bem como das experiências e teorizações matemáticas do racionalismo iconoclasta do Ocidente. Aos nossos olhos, a ultrapassagem, quando não o “fim” da “galáxia de Gutenberg”, pelo reino onipresente da informação e da imagem visual teve conseqüências cujos prolongamentos são apenas entrevistos pela pesquisa.23 A razão é muito simples: este “efeito perverso” jamais foi previsto nem mesmo considerado. Embora a pesquisa triunfal decorrente do positivismo tenha se apaixonado pelos meios técnicos (óticos, físico-químicos, eletromagnéticos etc.) da produção, reprodução e transmissão das imagens, ela continuou desprezando e ignorando o produto de suas descobertas. Fato comum nas nossas pedagogias técnico-científicas: foi necessário que uma parte da população de Hiroxima fosse destruída para que os físicos se horrorizassem com os efeitos de suas descobertas inocentes sobre a radioatividade provocada... O que não ocorreu com a “explosão” do imaginário. Como a imagem sempre foi desvalorizada, ela ainda não inquietava a consciência moral de um Ocidente que se acreditava vacinado por seu iconoclasmo endêmico. A enorme produção obsessiva de imagens encontra-se delimitada ao campo do “distrair”. Todavia, as difusoras de imagens — digamos a “mídia” — encontram-se onipresentes em todos os níveis de representação e da psique do homem ocidental ou ocidentalizado. A imagem

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mediática está presente desde o berço até o túmulo, ditando as intenções de produtores anônimos ou ocultos: no despertar pedagógico da criança, nas escolhas econômicas e profissionais do adolescente, nas escolhas tipológicas (a aparência) de cada pessoa, até nos usos e costumes públicos ou privados, às vezes como “informação”, às vezes velando a ideologia de uma “propaganda”, e noutras escondendo-se atrás de uma “publicidade” sedutora... A importância da “manipulação icônica” (relativa à imagem) todavia não inquieta. No entanto é dela que dependem todas as outras valorizações — das “manipulações genéticas”, inclusive. Felizmente e apesar de tudo, nos últimos 25 anos uma minoria de pesquisadores, que cresce a cada dia, interessou-se pelo estudo deste fenômeno fundamental da sociedade e pela revolução cultural que implica.