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    Revista de Estudos Jurdicos, a. 15, n. 22, 2011 109

    O INTERESSE PBLICO NA TEORIA DISCURSIVA DODIREITO

    Christiane Costa Assis*

    SUMRIO: 1. Introduo. 2. Desconstruo do protagonismo estatal na persecuo do interessepblico. 3. O papel do debate na formao do interesse pblico. 4. Concluso. 5. Referncias.

    RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo principal analisar a evoluo do conceito deinteresse pblico no Direito Administrativo decorrente das mudanas de paradigmas estatais, bemcomo na hermenutica jurdica. A passagem de uma hermenutica jurdica fechada para umasociedade aberta de intrpretes provocou alteraes na delimitao do interesse pblico e dointeresse privado. Na nova hermenutica, o discurso passou a ser o elemento delimitador dosinteresses, sendo ainda o mecanismo de atuao da sociedade na construo do DireitoAdministrativo no contexto da democracia participativa. A presente pesquisa se prope analisar a

    mencionada evoluo do interesse pblico, bem como as contribuies da Teoria Discursiva doDireito para a busca do mencionado interesse, apresentando breve exposio de algumas obrasrelevantes sobre o tema. Como resultado, espera-se demonstrar a compatibilidade do interessepblico pela tica da Teoria Discursiva do Direito de Jrgen Habermas com o DireitoAdministrativo do Estado contemporneo.Palavras-chave: Hermenutica. Interpretao jurdica. Direito Administrativo.

    ABSTRACT: The goal of this paper is to analyze the evolution of the concept of public interest inadministrative law that resulted from the changes of states paradigm, and also legal hermeneutics.The passage of a closed legal hermeneutic to an open society of interpreters led to changes in the

    definition of public interest and private interest. In the new hermeneutic, the discourse became themain delimiter of interest, and also the mechanism of action of society in the construction ofadministrative law in the context of participatory democracy. This study aims to analyze thedevelopments of public interest mentioned above, as well as the contributions of Discourse Theoryof Law for the search of that interest, with brief exposure of some relevant works on the subject. Asa result, it is expected to demonstrate the compatibility of public interest from the perspective of theDiscourse Theory of Law of Jrgen Habermas with Administrative Law of the contemporary state.Keywords: Hermeneutic. Legal interpretation. Administrative Law.

    1. INTRODUO

    O interesse pblico dentro do Direito Administrativo tem papel norteadorpara a atuao da Administrao Pblica. Ainda que a atuao ocorra ematendimento a um interesse estatal imediato, o interesse pblico tambm deve seratendido sob pena de nulidade devido ocorrncia do desvio de finalidade(CARVALHO FILHO, 2009: p. 30). A noo de interesse pblico teve incioaps a Revoluo Francesa, na qual os revolucionrios afirmavam que suas aeseram pautadas pelo bem comum, o que propiciava uma maior aceitao pelasociedade e justificava o poder do Estado, principalmente em situaes de

    restries impostas aos direitos dos particulares (MEDAUAR, 1992: p. 189).Dessa forma, ocorreu a separao entre a esfera pblica e privada, sendo que ao

    * Bacharela em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais PUC/MG; Especializandaem Direito Pblico pela PUC/MG. Advogada.

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    Poder Pblico cabia o zelo pelo interesse pblico; ao particular, o mbito privado,e, pois, o que se referia ao interesse privado (MEDAUAR, 1992: p. 189). Nessecontexto do sculo XIX, a Administrao executava a lei (fruto da vontade geral),consistindo na nica intrprete do interesse pblico, o que conseqentementepossibilitava a homogenizao dos interesses, como explica Odete Medauar:

    A Administrao realiza, assim, uma espcie de homogenizao dosinteresses, o que pressupes uma concepo de sociedade homognea,com reduo de todos os interesses a um denominador comum.Raciocinava-se, desse modo, em torno de interesse pblico e interesseindividual, de regra, em contraposio, para afirmar-se, na atividadeadministrativa, a primazia do primeiro em relao ao segundo.(MEDAUAR, 1992: p. 189).

    Enquanto no Estado Liberal a esfera pblica se mostrava sobreposta esfera privada, no Estado Social ocorreu verdadeira inverso, privilegiando-se asegunda em detrimento da primeira. J no Estado Democrtico de Direito asduas esferas co-existem, porm sem contornos bem definidos. Mencionadaalterao se deve mudana da interpretao dos conceitos de interesse pblicoe interesse privado, que no mais so vistos como interesses indissociados efechados em si mesmos, face atual sociedade pluralista. Dessa forma, aparticipao popular na construo do interesse pblico se mostrou necessria,provocando um compartilhamento do Estado com a sociedade na persecuo do

    mesmo.

    2. DESCONSTRUO DO PROTAGONISMO ESTATAL NAPERSECUO DO INTERESSE PBLICO

    A Administrao Pblica em uma concepo clssica sempre foi atutora dos interesses pblicos entendidos como interesses gerais concebidos priori, sem necessidade de participao da sociedade para sua definio. Umavez configurado o interesse da coletividade, na concepo clssica, trata-se

    genuinamente de interesse pblico. Nesse sentido, o Estado seria uma entidadepromotora do interesse pblico entendido como bem estar dos indivduos, cujomecanismo de atuao seria o Direito.

    A compreenso do Estado como protagonista do interesse pblicoprovoca a distino de duas esferas: a esfera privada, que cuida dos interessesreferentes s questes patrimoniais, relaes civis, instituies familiares, entreoutros; e a esfera pblica, que cuida dos interesses da Administrao Pblica emsi e ainda dos interesses coletivos, tais como segurana pblica, proteoambiental e bem estar social (FARIA, 2007: p. 12). Ao Estado caberia apersecuo dos interesses pblicos, atuando restritamente nos ditames da lei,podendo inclusive limitar os interesses individuais. Referida limitao sefundamenta na supremacia do interesse pblico sobre o privado que, por sua

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    vez, seria uma regra de preferncia pelo bem comum aplicada pelaAdministrao Pblica.

    Luis Roberto Barroso divide o interesse pblico em primrio esecundrio, o que segundo o autor prova diferenciaes na aplicao dasupremacia do interesse pblico. O interesse pblico primrio se refere aosinteresses da coletividade, enquanto o interesse pblico secundrio se refere aointeresse do errio, posto que consiste no interesse da pessoa jurdica de direitopblico na situao em questo. Explica o autor:

    O interesse pblico secundrio i. e., o da pessoa jurdica de direitopblico, o do errio jamais desfrutar de supremacia a priori eabstrata em face do interesse particular.[...]O interesse pblico primrio, consubstanciado em valores

    fundamentais como justia e segurana, h de desfrutar desupremacia em um sistema constitucional e democrtico Dever elepautar todas as relaes jurdicas e sociais dos particulares entre si,deles com as pessoas de direito pblico e destas entre si.(BARROSO, 2009: p. 70/71).

    A evoluo do Direito Administrativo demonstrou que uma pr-concepo de interesse pblico no mais satisfaz aos anseios da sociedadepluralista contempornea, sendo necessrio que o particular participe daconstruo do interesse pblico, no intuito de conferir legitimidade atuao da

    Administrao Pblica. Trata-se da democracia participativa, na qual osdestinatrios so tambm co-autores das normas:

    Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vivecom este contexto , indireta ou, at mesmo diretamente, umintrprete dessa norma. O destinatrio da norma participante ativo,muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processohermenutico. Como no so apenas os intrpretes jurdicos daConstituio que vivem a norma, no detm eles o monoplio dainterpretao da Constituio (HBERLE, 2002: p.15).

    Percebe-se, portanto, que a legitimidade do Estado no mais decorre dasimples atuao do mesmo em prol da reduo das desigualdades, tal qualpregava o Estado Social, que se preocupava com os resultados e no com osfundamentos de sua atuao. No mais se admite uma atuao exclusiva doEstado na busca pela realizao do interesse pblico, posto que referidointeresse somente passvel de determinao atravs da participao popular.

    Como conseqncia da participao popular, h dinamicidade no

    interesse pblico que se altera conforme a evoluo e as novas necessidades dasociedade. O interesse pblico, portanto, no um conceito esttico e fechadoem si, pois deve acompanhar as modificaes da vida em comum e estar sempreaberto ao debate. Para tanto, imprescindvel que a sociedade se expresse no

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    sentido de apontar Administrao Pblica quais os rumos que melhor lheatendem, abrindo caminhos para a administrao participativa:

    A idia de administrao participativa surge como umaconseqncia da nova concepo de direitos fundamentais e de

    cidadania, que rejeita a reduo do cidado (no sentido de titularda soberania) a um mero cliente (recebedor de serviospblicos), reduo essa tpica do Estado Social. (BARACHOJUNIOR, 2000: p. 164).

    Caso se admita o Estado como protagonista exclusivo do interessepblico seria necessria a separao dos interesses em exclusivamente privadosou exclusivamente pblicos, pois caberia ao Estado tutelar apenas estes. Porm,com a abertura interpretativa dos interesses e das esferas, verifica-se a

    impossibilidade tal separao e, como conseqncia, criou-se uma dificuldadepara aplicao de princpios exclusivos da Administrao Pblica. Comoexemplo, pode-se citar o Princpio da Supremacia do Interesse Pblico, cujashipteses de cabimento no mais so identificadas facilmente.

    Se eles - o interesse pblico e o privado - so conceitualmenteinseparveis, a prevalncia de um sobre outro fica prejudicada,bem como a contradio entre ambos. A verificao de que aadministrao deve orientar-se sob o influxo de interesses pblicosno significa, nem poderia significar, que se estabelea uma

    relao de prevalncia entre os interesses pblicos e privados.(VILA, 2007: p.14).

    Luis Roberto Barroso tambm atenta para a situao de indissociabilidadedos interesses:

    Em um Estado democrtico de direito, no subsiste a dualidadecunhada pelo liberalismo, contraponto Estado e sociedade. O Estado formado pela sociedade e deve perseguir os valores que ela aponta. Jno h uma linha divisria romntica e irreal separando culpas e

    virtudes (BARROSO, 2009: p. 69).

    Percebe-se, portanto, que no Direito Administrativo contemporneo ointeresse pblico e o interesse privado no so contrapostos e esto misturados,sendo impossvel delimit-los com preciso.

    No tocante s esferas, constatou-se que a existncia tanto da esferapblica quanto da esfera privada requisito da democracia. Somente atravs dodilogo entre as duas esferas possvel atender de fato ao interesse coletivo. Afalha dos paradigmas Liberal e Social consistiu no privilgio de uma das esferasem detrimento da outra (BARACHO JUNIOR, 2000: p. 168), mas o EstadoDemocrtico de Direito busca a interao discursiva das mesmas, conforme asidias desenvolvidas por Habermas.

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    Segundo Habermas, sem os direitos fundamentais que asseguram aautonomia privada dos cidados, no haveria o mdium para ainstitucionalizao jurdica das condies sob as quais os sujeitos dedireito podem fazer uso da autonomia pblica ao desempenharem seupapel de cidados.Assim, a autonomia pblica e a privada pressupem-se

    mutuamente, sem que haja primazia de uma sobre a outra.(OLIVEIRA, 2004: p.182).

    Jrgen Habermas compe a nova hermenutica jurdica inaugurada porMartin Heidegger e Hans-Georg Gadamer. Se no Iluminismo marcado pelaFilosofia da Conscincia acreditava-se na hermenutica como mtodomatemtico, absoluto e infalvel, a hermenutica caracterstica da Filosofia daLinguagem provocou uma abertura para a interpretao e para a participao dasociedade atravs do debate nas decises do Poder Pblico. Na proposta da Teoria

    Discursiva da Habermas, o discurso se apresenta como um mecanismodemocrtico de elaborao do verdadeiro interesse pblico.

    3 . O PAPEL DO DEBATE NA FORMAO DO INTERESSE PBLICO

    A Teoria Discursiva do Direito desenvolvida por Habermas consiste emalternativa ao pensamento objetivista da filosofia da conscincia. Embora amencionada Teoria possua vrios aspectos de grande importncia, o presente

    trabalho no pretende esgot-la e, portanto, mencionar apenas as idias maispertinentes ao tema proposto.Ao partir da teoria de Habermas, o questionamento inicial consiste na

    dificuldade de delimitao do verdadeiro interesse pblico. Para o autor a verdade algo falvel e provisrio que pode ser racionalmente aceito [...] e no algo que devaser cinicamente conveniente para uma dada comunidade (CRUZ, 2008: p. 159).Esse dinamismo do conceito de verdade aplicvel ao interesse pblico, uma vezque a sociedade cosmopolita atual faz com que o interesse pblico sofra constantesmutaes para atender a novas demandas. Como j mencionado, o interesse pblico

    no deve mais ser visto como um conceito esttico, fechado e pr-concebido, poisdeve acompanhar evoluo da sociedade. Porm, essa mesma sociedade quemdever indicar ao Poder Pblico quais as decises que melhor lhe atendem, poiscom o fim da hermenutica positivista percebeu-se que diante dos conceitosindeterminados (como o caso do interesse pblico) somente a participaopopular capaz de apontar as direes adequadas ao Estado e ao Direito.

    Na proposta de Habermas a definio do verdadeiro interesse pblico possvel atravs do debate, no qual a argumentao tem a forma de um concursoque visa aos melhores argumentos a favor de ou contra pretenses de validade

    controversas e serve busca cooperativa da verdade (HABERMAS, 2004: p.250). Mencionado debate deve ser constante, pois necessria uma aberturapermanente para novos argumentos (CRUZ, 2009: p. 163).

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    Buscando a eqiprimordialidade entre o pblico e o privado, Habermasprope uma nova concepo de esfera pblica, que ser o espao para o dilogo.Explica o autor:

    A esfera pblica pode ser descrita como uma rede adequada para a

    comunicao de contedos, tomadas de posio e opinies; nela osfluxos comunicacionais so filtrados e sintetizados a ponto de secondensarem em opinies pblicas enfeixadas em temasespecficos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomadoglobalmente, a esfera pblica se reproduz atravs do agircomunicativo, implicando apenas o domnio de uma linguagemnatural; ela est em sintonia com a compreensibilidade geral daprtica comunicativa cotidiana (HABERMAS, 2003: p. 92).

    Para que um indivduo adquira status de pessoa de direito e participe do

    debate de forma igualitria aos demais, o autor apresenta cinco categorias dedireitos que possibilitam a socializao horizontal:

    (1) Direitos fundamentais que resultam da configurao politicamenteautnoma do direito maior medida possvel de iguais liberdadessubjetivas de ao;

    (2) Direitos fundamentais que resultam da configurao politicamenteautnoma do status de um membro numa associao voluntria deparceiros do direito;

    (3) Direitos fundamentais que resultam imediatamente da possibilidadede postulao judicial de direitos e da configurao politicamenteautnoma da proteo jurdica individual;

    (4) Direitos fundamentais participao, em igualdade de chances, emprocessos de formao de opinio e da vontade, nos quais os civisexercitam sua autonomia poltica e atravs dos quais eles criamdireito legtimo;

    (5) Direitos fundamentais a condies de vida garantidas social, tcnicae ecologicamente, na medida em que isso for necessrio para umaproveitamento, em igualdade de chances, dos direitos elencadosde (1) at (4). (HABERMAS, 2010: p;159/160).

    Habermas amplia a esfera pblica e abre espao para o debate no qualpodero figurar argumentos morais, polticos, religiosos, entre outros, no seadmitindo, porm, a subtrao unilateral dos direitos de cada participante, o quedecorre da aplicao do princpio do discurso (HABERMAS, 2010: p.161). Nessesentido, o Direito o medium que operacionaliza o debate e proporciona as garantias

    necessrias para a realizao do mesmo.Convm ressaltar que Habermas no defende o fim do Estado:

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    O Estado necessrio como poder de organizao, de sano e deexecuo, porque os direitos tm que ser implantados, porque acomunidade de direito necessita de uma jurisdio organizada e deuma fora para estabilizar a identidade, e porque a formao davontade poltica cria programas que tm que ser implementados.(HABERMAS, 2010: p; 171).

    Segundo o autor, a necessidade da existncia do Estado est ligada relao interna do Direito com a Poltica:

    [...] o poder organizado politicamente no se achega ao direitocomo que a partir de fora, uma vez que pressuposto por ele: elemesmo se estabelece em formas do direito.O poder poltico spode desenvolver-se atravs de um cdigo jurdicoinstitucionalizado na forma de direitos fundamentais.

    (HABERMAS, 2010: p. 171).

    Assim sendo, o Estado responsvel por executar as definies dasociedade advindas do debate, porm sua legitimidade no decorre da simpleseleio. A legitimidade em Habermas decorre da constante participao popularna tomada de decises, ou seja, decorre da formao discursiva das decises quedevero obter aceitao racional por todos os membros da sociedade(HABERMAS, 2010: p. 172). A soberania popular, por sua vez, exige que alegislao expresse a vontade da totalidade dos cidados (CRUZ, 2004: p.

    220). Aplicando-se as idias de Habermas ao interesse pblico, percebe-seque a participao da sociedade em sua formao condio de legitimidade domesmo. No entanto, referida participao deve sempre buscar o bem comum eno a satisfao de um interesse particular. Nesse ponto, pertinente aexplicao do autor sobre a diferena entre agir comunicativo e agirestratgico, uma vez que no primeiro busca-se um interesse coletivo e nosegundo busca-se um interesse individual:

    Falamos ento de agir comunicativo quando agentes coordenamseus planos de ao mediante o entendimento mtuo lingstico,ou seja, quando eles os coordenam de tal modo que lanam modas foras de ligao ilocucionrias prprias dos atos de fala. Noagir estratgico, esse potencial de racionalidade comunicativapermanece inutilizado, mesmo quando as interaes solingisticamente mediadas. Como aqui os envolvidos coordenamseus planos de ao mediante uma influenciao recproca, alinguagem no empregada comunicativamente no sentido jexplicado, mas de forma orientada a conseqncias.

    (HABERMAS, 2004: p.118).

    Percebe-se, portanto, que nem todo uso da linguagem comunicativo enem toda comunicao lingstica busca o entendimento mtuo de forma vlida(HABERMAS, 2004: p. 125). Assim sendo, imprescindvel que o patamar

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    mnimo de direitos fundamentais seja atendido, pois evita as desigualdades nodebate proporcionando uma real busca pelo verdadeiro interesse pblico.Mencionado debate dever ocorrer na esfera pblica concebida por Habermas,na qual as decises acerca do interesse pblico devero ser abertas e dinmicas,no intuito de acompanhar as constantes mudanas da atual sociedade pluralista.

    4. CONCLUSO

    A evoluo dos paradigmas estatais provocou alteraes no DireitoAdministrativo, sendo exigncia do atual Estado Democrtico de Direito umademocracia participativa que se aplica tambm ao Poder Executivo. No paradigmaatual, percebeu-se que o Estado no o protagonista exclusivo do interesse pblico,posto que referido interesse se encontra em constante reformulao para atender aos

    anseios da sociedade pluralista contempornea. Para a busca do interesse pblico aTeoria Discursa do Direito desenvolvida por Jrgen Habermas se apresenta comouma alternativa democrtica que possibilita ampla participao da sociedade naesfera pblica, rompendo com a concepo de um interesse pblico pr-concebido etutelado apenas pelo Estado. A Teoria Discursiva de Habermas prope ainda aeqiprimordialidade entre as esferas pblicas e privadas, sem que uma esfera sesobreponha outra. Dessa forma, mencionada teoria se apresenta adequada aospreceitos democrticos, uma vez que capaz de proporcionar o debate na buscapelo verdadeiro interesse pblico.

    REFERNCIAS

    VILA, Humberto. Repensando o "Princpio da Supremacia do InteressePblico sobre o Particular". Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado(RERE). Salvados, Instituto Brasileiro de Direito Pblico, n 11,setembro/outubro/novembro, 2007. Disponvel em: Acessado em: 22 de maio de 2011.

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    CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de direito administrativo. 21.ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

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    Recebido em 10-09-2011

    Avaliado em 14-11-2011-

    Aprovado para publicao em 05-12-2011